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Sobre Comportamento

B Cognição
C o n t in g ê n c ia s e S M eta co n tín ffên cía s: C o n te x t o s
S ó c ío s -v e r h a is e o C o m p o r t a m e n t o cfo 'T e ra p e u ta

Organizadopor'Marxa Zitafi da Silva 'Brandão


Já lim a Cristina de Souza Conte
fern an dd Siíva 'Brandão
yara Xuperstem Infjberman
yera Lucía Menezes da Siíva
Sim one.Martin Oliani

ESETec
Editores Associados
Sobre
Comportamento e
Cognição
Volume 13
Associação Brasileira de Psicoterapia e
Medicina Comportamental

Diretoria gestão 0 2 /0 3

Presidente: Maria Zildh da Silva Brandão


Vice-presidente: Fátima Cristina de Souza Conte
14 secretária: Fernanda Silva Brandilo
24 secretária: Vara Kuperstein Inßberman
1* tesoureira: Vera Lúcia Menezes da Silva
2- tesoureira: Simone Martin Oliani

Ex-presidentes: Bernard Pimentel Ranflè


I lélio José C/uilhardi
Roberto Alves Banaco
Rachel Rodrißues Kcrbauy
I lélio josó C/uilhardi
Sobre
Comportamento
e Cognição
Contingências e Metacontingências: Contextos Socioverbais
e o Comportamento do Terapeuta

Volume 13

Orgdnizddo por Mdrid Zildh dd Silvd Brandão


Fátima Crisfind de Souzd Conte
Ferndtidd Silvd Brdndão
Ydrd Kuperstein Ingbermun
Verd Menezes dd S/lvd
Simone Mdrtin Olidne

Adnana Regina Rubio • Alexandre Dittrlch • Antonio de Freitas Ribeiro • Carlos Augusto de Medeiros • Carlos
Eduardo Lopes • Caroline Cunha da Silva • Célia Vaisbich Ignácio • Claudia Barbosa • Diana Tosello Laloni •
Eliene Moreira Curado • Fabiana Pinheiro Ramos • Fabrlcio de Souza • Fernanda Martins Pereira • Gisele
Carneiro Campos Pereira • Guilherme Massara Rocha • Helena Bazanelli Prebianchi • Hólio José Guilhardi • lima
A. Goulart de Souza Britto • João Cláudio Todorov • Jocelaine Martins da Silveira • José Antônio Damásio Abib
• José Carlos Dalmas • José Raimundo Fadon • Josiane Cecília Luzia • Josy de Souza Moriyama • Karine Amaral
Magalâes • Kátia Perez Ramos • Laércia Abreu Vasconcelos • Liana da Silva Mousinho • Luc Vandenberghe •
Lucas Ferraz Córdova * Maisa Moreira * Mara Regina A. Prudêndo • Margareth da Silva Oliveira • Maria José
Carli Gomes • Maria Luiza Mannho • Maria Rita Zoéga Soares • Mariana Lage • Mylena Pinto Lima Ribeiro •
Mylène Magnnelli Orsi • Myrna Chagas Coelho • Nione Torres • Patrlaa Cristina Novaki • Patrlaa Galvão • Paula
Virgínia Oliveira Elias • Rachel Rodrigues Kerbauy • Regina Christina Wielenska • Renato M. Caminha • Roosevelt
R. Starling • Sonia Beatriz Meyer • Viera Lúcia Adami Raposo do Amaral • Vera Regina Lignelli Otero • Viviane de
Castro • Wander C. M. Pereira da Silva • Yara Kuperstein Ingberman • Yuristela Yano

ESETec
Editores Associados
2004
Copyright <D desta edição:
KSKTec K.ditores Associados, Santo André, 2(XW.
Iodos os direitos reservados

Brandão, Maria Zllah, et al.

Sobre Comportamento e Cognição: Contingências e Metacontingèncias* Contextos Sócios-


verbais e o Comportamento do Terapeuta. - Org Maria Zilah da Silva Brandão, Fátima Cristina de
Souza Conte, Fernanda Silva Brandão, Vara Kupersteln Ingberman, Vera M enezes da Silva,
Simone Martin Oliane 1§ ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados, 2004. v 13

445 p 17 x 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorlsmo
í Análise do Comportamento

CDD 155 2
CDU 159 9 019 4

ESETec Editores Associados

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Assistente editorial: Jussara Vince Gomes
Equipe de Apoio: Daiane Gutierrez Rodrigues
Corina Rosa Vince

Solicitação de exemplares: csct(í^uol.com.hr


Rua Santo Hilário, 36 - Vila Bastos-Santo André - SP
CliP(W<>4(>-40()
Tel. ( I I) 4W0 5683/ 4438 6866
www.csctcc.com.br
S u m á r io

Apresentação .............................................................................................................. ix

Seçào I - Análises Teóricas em Psicologia Comportamental

Capítulo 1 - Behavíorísmo Radicai: uma revísâo do conceito de Seif na obra


de B. F. Skinner
Adriana Regina R u b io ........................................................................ 12
Capitulo 2 - A ética como elemento explicativo do comportamento no
Behavíorísmo radical
Alexandre Dittrich.................................................................................. 27
Capitulo 3 - Racionalização: um breve diálogo entre a psicanálise e a
análise do comportamento
Carlos Augusto de Medeiros e Guilherme Massara Rocha................... 27

Capítulo 4 - Comportamento e disposição


Carlos Eduardo L o p e s ....................................................................... 39
Capitulo 5 - 0 Estatuto da Criança e do Adolescente como metacontingôncia
João Cláudio Todorov, Maisa Moreira, Mara Regina A. Prudêncio e
Gisele Carneiro Campos P ereira....................................................... 44
Capítulo 6 — O que ó comportamentalismo?
José Antônio Damásio A b ib .............................................................. 52

Capitulo 7 - A análise Funcional


Luc Vandenberghe ............................................................................. 62
Capitulo 8 - Reatividade e generalidade dos programas de prevenção e
manutenção de comportamentos
Rachel Rodrigues K erbauy............................................................... 72
Capítulo 9 - Procrastinar: como analisar para conhecer as conseqüências
de adiar tarefas
Rachel Rodrigues K erbauy............................................................... js

v
Capítulo 10 - Produção de conhecimento e ciência natural - tudo que ó sólido
pode se desmanchar no ar
Roosevelt R. Starling ........................................................................ 84
Capitulo 11 - A produção do conhecimento em Psicologia Comportamental:
revendo paradigmas
Wander C. M. Pereira da S ilv a .......................................................... f20
Capitulo 12 - Comportamento ótico e liberdade individual: expressões da
identidade do terapeuta na clinica comportamental
Wander C. M. Pereira da S ilv a ......................................................... 128
Seçào II: Análise do Comportamento Verbal
Capítulo 13 - Independência funcionai entre operantes verbais
Antonio de Freitas Ribeiro, Mariana Lage, Liana da Silva Mousinho e
Lucas Ferraz Córdova.......................................................................... 735

Capitulo 14 - Independência funcional entre os repertórios de ouvinte e


falante e na aprendizagem de uma segunda lingua
Mariana Lage, Liana da Silva Mousinho, Lucas Ferraz Córdova e
Antonio de Freitas R ib e iro ................................................................ 138
Capitulo 1 5 - Oados em píricos sobre independência funcional entre
repertórios verbais
Liana da Silva Mousinho, Lucas Ferraz Córdova, Mariana Lage e
Antonio de Freitas Ribeiro................................................................... 144
Capítulo 16 - Independência funcional entre operantes verbais de diferentes
ou mesmos meios
Lucas Ferraz Córdova, Liana da Silva Mousinho, Mariana Lage e
Antonio de Freitas R ib e iro ................................................................ 151
Seçào III: A Pslcoterapla Comportamental: Intervenção e Pesquisa
Capitulo 17 - Análise funcional do transtorno do pânico
Célia Vaisbich Ign â cio....................................................................... 157
Capitulo 18 - Ansiqdade: Possíveis intervenções na análise do comportamento
Claudia Barbosa ................................................................................. 763

Capitulo 19 - Transtorno alimentar: Obesidade, Análise das contingências do


comportamento de comer
Diana Tosello L a lo n i.......................................................................... iqq

Capitulo 2 0 - Procedendo a Análise Funcional no Contexto terapêutico:


Relações entre história de vida e dóficits Comportamentais
Fabrício de Souza, Mylena Pinto Lima Ribeiro, Fabiana Pinheiro
Ramos e Hélio José Guilhardi.............................................................. 175
Capitulo 21 - A influência do perfeccionismo na baixa auto-estima da criança:
um estudo de caso
Fernanda Martins Pereira .................................................................. 734

vi
Capítulo 22 - Controle Coercitivo e Ansiedade - Um caso de “transtorno de
p&nlco" tratado pela Terapia por C ontingências de
Reforçamento (TCR)
Hélio José G uilhardi........................................................................... 1S9
Capitulo 2 3 - Considerações sobre o papel do terapeuta ao lidar com os
sentimentos do cliente
Hélio José G uilh ard i........................................................................... 229
Capitulo 24 - Histórias Infantis: Diferentes propostas de intervenção
psicológica com crianças
Helena Bazanelli Prebianchi e Maria Rita Zoéga Soares................. 250
Capitulo 25 - Análise comportamental de delirios e alucinações
lima A. Goulart de Souza B ritto ...................................................... 259
Capitulo 26 - Modelo terapôutico integrativo comportamental aplicado em
autismo com grau severo de comportamento
José Raimundo Facion .................................................................. 266
Capítulo 27 - História de Contingências no transtorno dismórfico corporal:
análise comportamental de casos
Josy de Souza Moriyama e Vera Lúcia Adami Raposo do Am aral.... 283
Capítulo 2 8 - 0 modelo de terapia por contingências aplicado ao transtorno
dismórfico corporal: fragmentos de um caso
Kátia Perez R a m o s........................................................................... 294
Capítulo 29 - Estratégias Lúdicas da terapia analitico-comportamentalinfantil:
A literatura infantil - Branca de Neve e os sete anões
Laércia Abreu Vasconcelos, Caroline Cunha da Silva, Eliene Moreira
Curado e Patrícia G alvão ................................................................. ^06
Capítulo 30 - Terapia de grupo como processo interpessoal
Luc Vandenberghe............................................................................ ^21
Capitulo 31 - Melhora de desem penho na gagueira: o que aterapia
comportamental cognitiva tem a oferecer?
f Maria José Carli G o m e s...............................................................fí. ^26
Capítulo 3 2 - Motivação para a mudança em dependentes decocaina v
Considerações sobre o modelo transteórico de motivação paraSs'~—^
a mudança
Mylène Magrinelli Orsi e Margareth da Silva Oliveira........................ 333
Capitulo 3 3 - 0 stress, o transtorno do pânico e a psicoterapia: a pessoa e
sua vida
Nione Torres e Myrna Chagas C oelho............................................. 239
Capitulo 34 - Intervenção Cognitiva na pedofilia: um ensaio clinico
Renato M. Caminha ....................................................................... 3 4 5
Capítulo 35 - Metodologia de pesquisa da interação terapêutica ' a
Sonia Beatriz M e y e r.......................................................................... 355
Capítulo 36 - Terapia Comportamental de casais: da teoria à prática
'— "“" v . Vera Regina Lignelli Otero e Yara Kuperstein Ingberman.... 363
Capitulo 37 A Dependência Quimica - Prevenção derecaidaContribuições
Ida terapia cognitiva Comportamental sf
''V iviane de Castro .................................................................................L Í3 7 4
Capitulo 38 - Sistematização de observações informais empsicoterapia V_ ^
Yuristela Yano e Sonia Beatriz M eyer..................................................... 384

Seçâo IV: A Formação de P&icoterapeutas


Capitulo 39 - Análise correlacionai entre repertório em habilidades sociais em
terapeutas iniciantes e o estabelecimento da relação terapêutica
Karine Amaral Magalhães, Josiane Cecília Luzia e José Carlos Dalmas 391
Capitulo 40 - Habilidades de Psicoterapeuta comportamental infantil para o
desenvolvimento de repertório socialmente hábil em crianças:
ensino e pesquisa
Maria Luiza Marinho e Jocelaine Martins da Silveira............................. 402
Capitulo 41 - Influência da experiência e de modelo na descrição de intervenções
terapêuticas.
Patrícia Cristina N o va ki..................................................................... 411

Capitulo 42 - Categorias funcionais de intervenção aplicadas em contextos


terapêuticos
Paula Virgínia Oliveira Elias e lima A. Goulart deSouza B ritto........ 425
Capítulo 4 3 - O terapeuta comportamental do terapeuta comportamental:
questões de bastidores
Regina Christina W ielenska............................................................... 438
Capitulo 4 4 - Ser cliente nos ensina a ser terapeuta?
Vera Regina Lignelli Otero ................................................................ 441

v iíi
Apresentação

A análise do comportamento, na busca dos determinantes do comportamento


humano, tem nos levado a analisar os ambientes presentes e história passada. Também
tem nos levado a colocar esses eventos em contextos sociais e culturais mais amplos
que complementam nossas análises. Por fim ela nos leva a procura das razões e causas
do nosso próprio comportamento de olhar para isso tudo.
O ser humano não ó, apenas, aquele que faz! É aquele que pode, graças ao
comportamento verbal, estar consciente dessa multiplicidade de eventos, de níveis e de
contextos a que respondemos no decorrer de nossa vida.
É disso que trata esse volume. De nossas buscas, como terapeuta, em descrever,
conceitualizar, interpretar, contextualizar o comportamento humano; o nosso e o dos
nossos clientes, para os quais ainda temos a responsabilidade de indicar caminhos
menos aversivos e esperança de novos reforçadores.
A primeira parte desse volume, Análises Teóricas em Psicologia Comportamental,
indica a preocupação dos terapeutas comportamentais em estudar temas teóricos e
conceituais diversos que subsidiam o trabalho clínico. A segunda parte mostra trabalhos
na área de comportamento verbal que se constitui uma enorme contribuição para a
compreensão do comportamento e conseqüentemente, para a clínica. A terceira parte
trata, de forma mais específica, de intervenções terapêuticas para vários problemas de
comportamento que são freqüentes na clínica. A última parte retrata a formação dos
terapeutas, as variáveis que influenciam suas ações terapêuticas e questões relativas ao
seu desenvolv/lmento pessoal.
Tudo escrito por amor e sob o controle de contingências positivas, pelo menos
no que diz respeito ao nosso grupo, a ABPMC.
Boa leitura!
A Diretoria
Gestão 2002/2003

Em tem po, e xpressam os nosso a g rad e cim e nto a psicóloga Renata


Moreira da Silva, cuja colaboração na secretaria executiva foi fundam ental para
que este volum e se estruturasse a tempo!
Seção I

Análises Teóricas
em Psicologia
Comportamental
Capítulo 1
Behaviorismo Radical: uma revisão do
conceito de S elfna obra de B. F. Skinner

A d r ia n d Keg in a R u b i o '
w -u s r

O objetivo do presente texto foi discutir o conceito de se/f no contexto da psicologia


comportamental de B. F. Skinner. Skinner propõe a utilização do termo Behaviorismo
Radical para designar sua proposta de ciência do comportamento.
A idéia de se conceber a Psicologia como ciência do comportamento suscita
várias questões acerca do tratamento e do conceito de problemas tradicionalmente
colocados no campo da psicologia, tais como: a mente, a subjetividade, a consciência e
o próprio self.
Ao examinar o conceito de self no contexto do pensamento skinneriano, alguns
esclarecimentos conceituais serão realizados. No decorrer deste trabalho, o leitor notará
que, para falar de self foi necessário discutir problemas relativos aos eventos privados,
consciência e autoconhecimento.
O presente trabalho, portanto, foi organizado em quatro partes: a primeira parte
(Parte 1) consiste em uma revisão sobre o surgimento do Behaviorismo Radical e os
princípios que o diferencia do Behaviorismo Metodológico; a segunda parte (Parte 2),
consiste num aprofundamento do conceito de eventos privados; a terceira parte (Parte 3)
refere-se à revisão dos trechos da obra de Skinner sobre o conceito de self, e a ultima
parte (Parte 4) refere-se às implicações clínicas diante da formação do self de uma pessoa.

1. Origens do Behaviorismo Radical


O termo behaviorism é utilizado para denominar uma filosofia que se dedica ao
estudo do comportamento. A palavra inglesa behavior significa comportamento e o sufixo
ism significa estudo, portanto, behaviorism é o nome da filosofia que tem como objeto de
estudo o comportamento. Em português, denominamos essa filosofia de behaviorismo ou

'Imtítuto de PakiotoQt* (t* UrWvwwcMd« de São Pmáo - Oepmtmiento de PtkxitoqH Hxfmrtmmital


DoutomiMlM «ui Ptlcotogn ^xparimantal, Mtwtra wm Patootogla Exparimantal • E«p*d«ktta « n T««plM comportamctnlal o C outvtlvr

Sobrr ComportitmcnlocCognivüo 13
comportamentalismo. Para fins deste trabalho, duas versões de Behaviorismo serão
destacadas: o Behaviorismo Metodológico e o Behaviorismo Radical.
O Behaviorismo Metodológico foi fundado em 1913 por J. B. Watson. O
comportamento, para Watson, era definido como qualquer resposta que pudesse ser
observada por consenso (por mais de duas pessoas) e na qual se pudesse obter a verdade
consensual: portanto, não eram considerados comportamentos quaisquer eventos internos
por não ser possível a observação direta. Sendo assim, a mente, a consciência e os
eventos mentais para Watson eram compreendidos como fenômenos não físicos, não
observáveis e, portanto, não passíveis de estudo por uma ciência do comportamento.
Segundo Matos (1997), o Behaviorismo Metodológico não nega a existência da
mente, mas nega-lhe status científico ao afirmar que não podemos estudá-la pela sua
inacessibilidade. Neste ponto, Watson exclui do âmbito da psicologia, enquanto ciência
do comportamento, todos os eventos que não são públicos, como, por exemplo, pensar,
sentir etc.
As causas do comportamento para Watson são os estímulos ambientais que
atingem o organismo, forçando-o a eliciar uma resposta. Portanto, trabalhou, em grande
parte, com os comportamentos ditos reflexos, comportamentos do tipo Estímulo - Resposta
(Stimulus-Response- S-R).
Entre 1938 e 1945, B. F. Skinner funda o Behaviorismo Radical e lança seus
primeiros estudos definindo o conceito de operante, dando uma reviravolta nos estudos
behavioristas acerca do comportamento. Para Skinner, os comportamentos dos organismos
não podiam ser totalmente reduzidos às explicações S-R.
O operante è uma classe de comportamentos que opera no meio modificando-o, e
por sua vez essa classe de comportamentos é modificada quando opera sobre o meio, ou
seja, a aprendizagem trata-se, portanto, de uma seleção de comportamentos pelas suas
respectivas conseqüências. Skinner ainda afirma que o behaviorismo radical é uma filosofia
da ciência do comportamento, por se preocupar com o esclarecimento de termos que se
referem ao próprio comportamento, termos esses obscurecidos pelas explicações
mentalístas.
O homem, para Skinner, é produto da evolução das espécies (seleção filogenética),
da sua história de condicionamento operante (seleção ontogenética, da seleção por
conseqüência como já foi referido) e da evolução de práticas culturais.
Skinner não desconsidera de forma alguma o mundo privado do homem (“o mundo
debaixo da pele", tão físico quanto o mundo externo) e nem os comportamentos encobertos
e sequer os sentimentos e emoções, só não atribui aos sentimentos e emoções status
causal do comportamento e nem sequer a uma suposta estrutura mental.
Ainda a título de esclarecimento, faz-se importante dizer que Skinner ao afirmar
que o homem não é livre e "não age" segundo seus desejos e vontades, o faz porque os
próprios desejos e vontades de alguém estão subordinados à sua história de vida (história
de condicionamento), ou seja, o comportamento é controlado por estímulos ambientais
que em sua maioria são coercitivos. A vida em sociedade é uma vida coercitiva, mas não
esqueçamos que tem suas recompensas, caso contrário estaríamos olhando para a relação
do homem com seu meio com lentes muito negativistas, e que desejos e vontades existem,
mas não como estados gerados por algo que chamaríamos de mente, e sim gerados
pelas contingências de reforço (circunstância em que um comportamento é emitido e
reforçado).

14 Atlriana Regina Rublo


2. A natureza dos eventos privados.
Como apontado anteriormente, o Behaviorismo Radical não nega a existência
de eventos privados, como, pensar, sentir etc. Para Skinner, o estudo de eventos
privados inclui-se legitimamente dentro do campo de estudos de uma ciência do
comportamento. Nesse sentido, Skinner (embora reconhecendo a dificuldade de se
ter acesso aos eventos privados) não separa mundo interno de mundo externo. E é por
isso que para ele não existem estímulos e respostas, existe uma unidade interativa
Comportamento-Ambiente.
Ao observar meus eventos privados não estou observando minha mente e sim
meu próprio corpo. Tomemos como exemplo o "sentir dor". Quando eu sinto uma dor de
cabeça, eu estou sentindo uma mudança em meu corpo. Os eventos que estão se
passando em meu corpo só podem ser conhecidos pelos outros a partir do momento em
que realizo uma auto-observação e então, relato a dor sentida. Ainda assim, dizer que
tenho dor-de-cabeça não é evidência da existência de uma dor-de-cabeça, ó uma
verbalização que precisa ser explicada, entendida, interpretada; é um comportamento que
eu digo que ocorre na presença de determinadas sensações internas; mas que pode
também ocorrer na presença de uma tarefa aborrecida que não desejo executar. O relato
da minha dor-de-cabeça pode ser considerado um meio para começar a entender minhas
sensações e meus eventos privados. Mas como sua natureza é verbal, esse entendimento
não se dará enquanto não entendermos melhor o que é comportamento verbal e como é
adquirido.
A interpretação que se faz dos relatos de sentimentos e pensamentos descreve,
basicamente, as relações funcionais entre Comportamento e Ambiente. As relações
funcionais são estabelecidas na medida em que registramos mudanças na probabilidade
de ocorrência dos comportamentos que procuramos entender em relação a mudanças
quer nas conseqüências, quer nos contextos, quer em ambos.

3. O Self
Uma das maiores restrições impostas pela Ciência do Comportamento é a utilização
de constructos hipotéticos, como por exemplo, a mente, para a explicação do
comportamento. Segundo Baum (1999), a noção de mente é problemática para a ciência
do comportamento porque a mente não é um evento natural, ou seja, a mente é uma
entidade inferida a partir de observações dos comportamentos emitidos pelos organismos,
como por exeniplo, os pensamentos os sentimentos, as emoções. Ao atribuir à mente
status causal estaríamos jogando para dentro do organismo as explicações de seus
comportamentos. Entretanto o fato de as causas do comportamento não serem buscadas
no interior de um organismo, não faz com que a sua individualidade e privacidade sejam
destruídas. Nas palavras de Skinner, isto fica claro:
"Uma pessoa não ó um agente que origine; ó um lugar, um ponto em que muitas
condições genéticas e ambientais se reúnem em um efeito conjunto. Como tal,
ela permanece inquestionavelmente única. Ninguém mais (a menos que ela
tenha um gômeo idêntico) tem sua dotação genética e, sem exceção, ninguém
mais tem sua história pessoal. Assim, ninguém mais se comportará da mesma
maneira. Nós nos referimos ao fato de que não há ninguém como ela enquanto
uma pessoa, quando falamos de sua identidade.’' (1974-1999, p.145-146)

SobreComportamentocCoflnlvJo 15
Skinner (1953-1985) salienta que à medida que as causas do comportamento não
são encontradas ou são ignoradas, atribui-se a um self, a um agente iniciador, as suas
causas. Entretanto, para Skinner, o self, a mente, as emoções, os sentimentos,
pensamentos e o sistema nervoso não são iniciadores do comportar-se. Pode-se encontrar
em vários trechos da obra de Skinner os seguintes esclarecimentos a cerca do Self.
"O Self constitui um repertório de comportamento adequado a um determinado
conjunto de contingências. Uma parte significativa das condições às quais uma
pessoa é exposta pode desempenhar um papel de destaque (...). A identidade
co nfe rid a a um S e lf o rig in a -se das co n tin g ê n cia s resp on sáve is p elo
comportamento" ( 1971-1983, p.149).
Um Self ou uma personalidade ó, na melhor das hipóteses, um repertório de
comportamento partilhado por um conjunto organizado de contingências. O
comportamento que um jovem adquire no seio de sua familia compõe um Self; o
comportamento que adquire, digamos no serviço militar compõe outro. Os dois
Selfs podem coexistir na mesma pele sem conflito até as contingências contatarem"
(1974-1999, p. 130).

“A seleção natural (filogênese) propicia-nos o organismo, o condicionamento


operante (ontogênese) a pessoa, e a evolução da cultura, a existência do self'
(Skinner, 1989-1995, p.44).

O repertório de comportamentos que constitui o Self de uma pessoa, portanto, é


produto de contingências fílogenétícas, ontogenéticas e culturais. O modelo de seleção
pelas conseqüências proposto por Skinner distingue o Behaviorismo Radical de outros
Behaviorismos mecanicistas, pois o comportamento passa a ser entendido como sendo
multi-determinado. Este modelo está baseado na teoria da evolução das espécies proposto
por Darwin.
Para Darwin, ao se reproduzir, os seres vivos transmitem aos seus descendentes
um conjunto de características que, entretanto, apresentam sempre alguma variação
aleatória em relação aos seus progenitores. A reprodução garante a sobrevivência da
espécie desde que o ambiente permaneça estável. As variações que habilitam de maneira
diferente aqueles membros que as carregam, são importantes no caso de mudanças no
ambiente que exigem então novas habilidades dos indivíduos. Quando estas mudanças
ocorrem, aqueles indivíduos que possuem as características mais adaptadas ao ambiente
são selecionados, isto é sobrevivem, e se reproduzem transmitindo a longo prazo, estas
mudanças para toda a espécie. A evolução é, portanto, um mecanismo de seleção,
contingências de seleção natural que operam sobre variações em membros de uma dada
espécie, levando como resultado, à sobrevivência (ou não) da espécie (Skinner, 1981).
Assim, do mesmo modo que a seleção natural atua sobre a seleção das espécies,
também atua sobre a seleção de repertórios comportamentais necessários para a interação
dos indivíduos com o ambiente. As contingências filogenéticas atuam, portanto, sobre as
características fisiológicas, anatômicas, morfológicas e também sobre os repertórios
comportamentais específicos das espécies. São esses repertórios, selecionados por seu
valor de sobrevivência para a espécre, que possibilitam as trocas necessárias do indivíduo
com o ambiente.
O segundo nível de seleção, contingências ontogenéticas, surge quando membros
de uma espécie desenvolvem uma suscetibilidade ao reforçamento, referindo-se, portanto,
ao condicionamento operante. Este modo de seleção permite aos indivíduos operar sobre

16 Adriana Rcflln«i Rublo


o ambiente de modo a adquirir comportamentos que lhes permite a obtenção de
conseqüências que são importantes para o indivíduo durante sua vida particular. Ou seja,
os comportamentos dos indivíduos passam a ser controlados por suas conseqüências
imediatas e são selecionados por conta dessas conseqüências, em termos de fortalecimento
ou enfraquecimento do repertório comportamental de indivíduos e não mais de espécies.
(Skinner, 1981)
O surgimento do segundo nível de seleção pelas conseqüências torna o indivíduo
mais maleável, capaz de responder a um ambiente que muda durante sua vida de maneiras
inteiramente novas e inesperadas. Os indivíduos aprendem a se adaptarem a mudanças
ambientais que poderiam levar à extinção da espécie.
Através do condicionamento operante os diferentes indivíduos de uma espécie
podem passar a desenvolver repertórios que são adaptados a sua história individual, ou
seja, à sua interação particular com o ambiente. Assim, cada indivíduo de uma espécie
passa a ser um indivíduo no sentido de possuir um repertório de comportamentos que é
diferente dos outros membros de sua espécie. Começa aqui a ser compreendida a formação
da individualidade, subjetividade e personalidade de um indivíduo.
A partir dos dois níveis de seleção apontados anteriormente, comportamentos
importantes para a interação dos indivíduos com o ambiente se desenvolvem. Na espécie
humana, podemos apontar dois comportamentos como extremamente relevantes para a
sua interação: o comportamento social e o verbal. O comportamento verbal torna os
indivíduos suscetíveis a um novo modo de seleção por conseqüências: a evolução e seleção
de práticas culturais. A partir da seleção das práticas culturais, o indivíduo torna-se capaz
de lidar com situações que sequer foram vividas ou presenciadas por ele.
As práticas culturais, ou melhor, a cultura - definida por Skinner (1981) como um
conjunto de contingências sociais - permite ao grupo transmitir o que foi aprendido através
do tempo, através de indivíduos e até mesmo através de lugares. As práticas culturais,
selecionadas por sua capacidade de garantir a sobrevivência do grupo, permitem ao ser
humano o conhecimento do Setf, da sua individualidade, da sua subjetividade. Pois segundo
Skinner (1989-1995) uma parcela importante do que temos conhecido como o S elfè
produto da evolução das culturas.
Assim, o Selfè a construção da subjetividade via cultura, é um produto dos três
níveis de seleção pelas conseqüências. O modelo de seleção por conseqüências, portanto,
nos ajuda a compreender a formação da subjetividade - do S e /f- do ponto de vista
Behaviorista Radical.
Aqui cabe fazer uma distinção importante entre pessoa e self. Segundo Skinner
(1989-1995), a pessoa é o organismo, com um repertório próprio de comportamentos,
que pode ser observada pelos outros, enquanto o self seria "as características” de uma
pessoa, que inclui eventos privados, e que só podem ser conhecidos através da auto-
observação e do auto-conhecimento. O self, portanto, é o que a pessoa sente a respeito
de si própria.
A auto-observação pode propiciar ao indivíduo o conhecimento das variáveis de
controle de seus comportamentos. Quando ocorre o conhecimento de tais variáveis dizemos
que o comportamento é consciente ou que o indivíduo está consciente dos seus atos. A
consciência, portanto, é entendida não como uma entidade que controla comportamentos,
mas sim como um comportamento que auxilia o indivíduo no auto-conhecimento. Nas
palavras de Skinner (1971-1983)

Sobre Comportamento e Coflniçío 17


"... a auto-observação pode ser estudada, e deve ser incluída em qualquer
abordagem razoavelmente completa do comportamento humano. Em vez de
ignorar a consciência, uma análise experimental do comportamento humano
salientou certos problemas cruciais. A questão não ó se um homom pode
conhecer a si mesmo, mas o que ele conhece ao assim agir."(p. 143)

O autoconhecimento, segundo Tourinho (1995) ó um produto social e pode ser


entendido como uma discriminação de eventos privados, instalada a partir do reforçamento
de discriminações de eventos públicos. 0 autoconhecimento torna o indivíduo capaz de
descrever os comportamentos privados, como por exemplo, os sentimentos, as emoções,
as sensações, os pensamentos. Por ser extremamente importante á comunidade, esta
desenvolve contingências específicas para que o mesmo ocorra. Segundo Skinner (1974-
1999),
"Todas as espócies, exceto o homem, comportam-se sem saber que o fazem e,
presumivelmente, isto também era verdadeiro no caso do homem até surgir uma
comunidade verbal que fizesse perguntas acerca do comportamento, gerando
assim o comportamento auto-descritivo. O comportamento de si próprio tem
origem social e ô inicialmente útil para a comunidade que propõe perguntas.
Mais tarde, toma-se importante para a própria pessoa" (...)uDiferentes comunidades
geram diferentes tipos e qualidades diferentes do auto conhecimento e diferentes
maneiras de uma pessoa explicar-se a si mesmo e aos outros", (p. 146)

Dessa forma, o autoconhecimento torna possível a emissão do comportamento


do tipo “sinto-me angustiado”, “estou com medo”, etc. A descrição dos estados internos,
portanto, permite à comunidade o conhecimento da subjetividade, do Self de uma pessoa,
por isso as pessoas são solicitadas a falar sobre o que estão fazendo ou por que o estão
fazendo. Segundo Skinner (1989-1995), a psicoterapia é um espaço para aumentar o
autoconhecimento e a auto-observação e proporciona ao indivíduo a “busca do Eu”, o
conhecimento da sua subjetividade, sua personalidade.

4. Implicações clínicas diante da formação do Self


Segundo Kolemberg & Tsai (1991-2001) qualquer formulação sobre o Self deve
levar em conta a experiência do self, ou seja, especificar os estímulos controladores da
resposta verbal “EU”1. Para esses autores, a resposta verbal “EU” emerge de três estágios.
0 primeiro, refere-se ao contato entre o indivíduo e o objeto presente, por exemplo, uma
criança na presença de uma maçã é ensinada por seus pais a dizer “Eu vejo maçã", “Nenê
quer maça"; o segundo estágio diz respeito à emergência de unidades funcionais menores,
como por exemplo, MEu quero”, que pode ser combinado com outros objetos: “Eu quero
brincar”. No terceiro estágio, emerge uma unidade ainda menor, o “EU”, aqui a resposta
verbal da criança está sob controle dos eventos privados, os quais apenas a criança tem
acesso.
Segundo os autores, os problemas relativos à emergência do “Eu” durante o
desenvolvimento de um indivíduo pode gerar indivíduos com diferentes problemas de
relacionamentos interpessoais. Por exemplo, um indivíduo que, durante sua interação
com os pais, aprendeu a ficar mais sob controle dos estímulos públicos do que sob
controle dos estímulos privados pode tornar-se um indivíduo inseguro ou instável. Neste
1 Ne»le porilo mhA uMIzikí« n tnrminokjyia Eu no Irivé« de a*#« fim dn garantir que m formulaçAM rantiuida» |wk>* autunm (Kdermbery & Tm I (1001 -2001)
Mjem prMervadM.

18 Adriana Regina Rublo


caso, seu senso de se/f pode ser afetado pela presença de outras pessoas e suas opiniões
desejos e humores.
As contingências, portanto, responsáveis pelos comportamentos emitidos por um
indivíduo que possui problemas na formação do self(indivíduos, por exemplo, inseguros,
indecisos) devem ser analisadas cuidadosamente, a fim de se identificar as variáveis que
os controlam. O papel da Psicoterapia neste sentido segundo o próprio Skinner (1953-
1985) não está em levar o cliente a descobrir a solução para seus problemas, mas sim
muda-lo de tal modo que seja capaz de descobri-la.
Conhecer as variáveis controladoras dos comportamentos dos clientes ó buscar
conhecer a sua personalidade, a sua subjetividade, o seu self. Este conhecimento,
entretanto, só é possível através da análise funcional de seus comportamentos, ou seja,
identificando-se os antecedentes e os conseqüentes da emissão de seus comportamentos.
Uma análise funcional dos comportamentos apresentados e relatados pelo cliente
possibilitaria ao Terapeuta identificar às variáveis ambientais de controle que o auxiliaria
no conhecimento da privacidade e subjetividade de um indivíduo sem necessitar recorrer a
constructos hipotéticos para a sua explicação.

5. Conclusões
O presente estudo objetivou investigar a posição de B. F. Skinner diante do conceito
e formulações acerca do Self. O levantamento bibliográfico realizado, entretanto, embora
não extensivo, possibilitou-nos revisar os trechos da obra do mestre Skinner em que de
alguma maneira mostra o seu interesse, enquanto cientista do comportamento, nas
questões relacionadas à subjetividade, individualidade e formação do Self.
È possível identificar, nos trechos apresentados, a preocupação de Skinner em
manter seu conceito de ciência do comportamento e distinguir a posição Behaviorista Radical
dos outros Behaviorismos e de outras abordagens da psicologia, que em sua maioria, atribuem
a um Self, uma mente, um tipo específico de personalidade a origem de todas as coisas.
Fica evidente nas palavras de Skinner o seu conceito do que significa o Self de
uma pessoa. O Self é um repertório de comportamento adquirido através da interação do
organismo com o ambiente, é um produto das contingências de sobrevivência, de
reforçamento e cultural. Só pode ser conhecido através da auto-observação e
autoconhecimento. Sendo a auto-observação e o autoconhecimento modelados pela
comunidade verbal a que o indivíduo está inserido.
O Selfó\z respeito à individualidade de um organismo, à sua subjetividade, à sua
personalidade, e é construído socialmente, na interação com outros indivíduos de sua
espécie, através da evolução de ambientes sociais.
Portanto, o self não é causa de comportamentos, ele é um conjunto de
comportamentos selecionados na interação do indivíduo com o ambiente, ele é produto de
contingências de reforçamento sociais. E a função do analista do comportamento não é
buscar as causas do comportamento em um agente iniciador e sim levar o cliente a identificar
as causas de seus comportamentos através da auto-observação e autoconhecimento.

Referências
Baum, W.M. (1999) Compreender o Behaviorismo. Trad: Maria Teresa Araújo Silva; Maria Amólia
Matos; Gerson Y. Tomanari; Emmanuel Z. Tourinho. 1* ed. Porto Alegre: Artmed.

Sobre Comportamento c Cofjnlçío 19


Kohlemberg, R.J. & Tsai, M. (2001) Psicoterapia Analítica Funcional: criando relações terapêuticas
intensas e curativas. Tradução organizada por Raquel Rodrigues Kerbauy. 1" ed. Santo
André: ESETec.
Matos, M A. (1997) O behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o
behaviorismo radical. Em: Banaco, R. A. (Org.) Sobre comportamento e cognição. Santo
André: ARBytes. p. 54-67.
Skinner, B. F. (1981) Selection by consequences. Science, 213, p 501-504.
Skinner, B. F. (1983) O mito da liberdade. Trad. Elisane Reis Barbosa Rebelo. 3" ed. Säo Paulo:
Summus.
Skinner, B. F. (1985) Ciência e comportamento humano. Trad: João C. Todorov e Roberto Azzi.
6" ed. São Paulo: Martins Fontes.
Skinner, B. F. (1995) Questões recentes na análise comportamental. Trad: Anita Llberalesso
Neri. 2* ed. São Paulo: Papirus.
Skinner, B. F. (1999) Sobre o Behaviorismo. Trad: Maria da Penha Villalobos. 11" ed. São Paulo:
Cultrix.
Tourinho, E. Z. (1995) O autoconhecimento na psicologia comportamental de B. F. Skinner.
Belém: Editora Universitária UFPA.

20 Adriana Regina Rublo


Capítulo 2
A ética como elemento explicativo do
comportamento no Behaviorismo Radical

Alexandre Dittrlch'
Universidade federa! de Sào Carlos

O behaviorismo radical não apenas aborda em profundidade as questões éticas,


como apresenta um sistema ético completo (Skinner, 1971, caps. 6 e 7). Os behavioristas
radicais não precisam, portanto, recorrer a teorias alheias para discorrer sobre o assunto,
podendo, para tanto, servir-se de seus próprios recursos conceituais.
Skinner trata dos problemas éticos sob dois diferentes aspectos: descritivo e
prescritivo.1 O aspecto descritivo do sistema ético skinneriano visa - conforme indica sua
designação - descrever as variáveis que controlam o comportamento ético. Trata-se de
investigar, por exemplo: 1 ) porque seres humanos comportam-se eticamente; 2 ) porque
seres humanos utilizam vocábulos de ordem ética; 3) porque seres humanos defendem/
promovem certos valores éticos. Skinner está, nesse momento, assumindo o papel de
cientista e tomando a ética como seu objeto de estudo. Note-se que, para Skinner, questões
éticas são, desde o início, questões que dizem respeito ao comportamento. Abre-se,
portanto, a possibilidade de construir uma ciência da ética - tarefa freqüentemente tida
como inexequível.
Ao longo deste capítulo, daremos destaque especial ao aspecto descritivo do
sistema ético skinneriano, a fim de cumprir satisfatoriamente nossos objetivos. Entretanto,
é importante lembrar que há também, na ética skinneriana, um aspecto prescritivo. Para
além do pâpel de cientista, Skinner assume também o papel de agente ético e polítíco
(ainda que sua atuação seja, nesse sentido, inspirada pelas descobertas da ciência do
comportamento). As prescrições éticas e políticas de Skinner apontam, invariavelmente,
para a sobrevivência das culturas enquanto valor fundamental. Cabe aos behavioristas
radicais descobrir as formas mais eficientes de promover esse valor (ainda que a própria
adequação da sobrevivência das culturas enquanto diretriz ética básica de nossa filosofia
seja passível de discussão). Trata-se de um processo ainda incipiente no Brasil. Seria
ingênuo pressupor uma concordância tácita entre os behavioristas radicais brasileiros
O autor «yradocn à FAPESP, procoaao 02/02734-7 Contato«: atodlttflcbQlg com br
' Eaclarnça-aa no entanto, qua oaaa daaalflcaçâo (aapacto daacrttvo m t m aapacto praaortttvo) nfc> ocorra no taxto nklnnt*1ano

Sobrr C‘omport«imrnlor Cognlvdo 21


quanto aos objetivos éticos e políticos de sua atuação profissional. Expor a variabilidade
ética e política de nossa comunidade e extrair dela diretrizes consistentes para a atuação
profissional dos analistas do comportamento é tarefa inadiável - conquanto queiramos, de
fato, contribuir para o futuro de nossas culturas.
Retornemos, porém, ao aspecto descritivo do sistema ótico skinneriano. Qual a
sua importância para os objetivos deste capitulo? Ora, somente através da descrição das
variáveis que controlam o comportamento ótico teremos a oportunidade de circunscrever a
posição da ótica enquanto elemento explicativo do comportamento no behaviorismo radical.
Precisamos, em primeiro lugar, diferenciar os usos (ou "significados”) populares da palavra
"ética" daqueles existentes nas comunidades verbais identificadas com a filosofia
behaviorista radical. O mentalismo popular entende a ótica como algo que certo indivíduo
“possui" (ou que é íntrínseco á sua personalidade), e que direciona suas ações: alguém
faz o bem, por exemplo, porque "é bom", ou porque “possui bondade". Trata-se, obviamente,
de uma explicação limitada. No behaviorismo radical, por outro lado, a ótica só pode ser
compreendida através do modelo de seleção do comportamento por conseqüências (Skinner,
1981/1984). Em toda e qualquer circunstância, devemos explicar o comportamento humano
através da conjugação de variáveis atuantes em três diferentes níveis seletivos: filogenético
(no qual são selecionados comportamentos que produzem conseqüências com valor de
sobrevivência para a espécie), ontogenético (no qual são selecionados operantes que
produzem conseqüências reforçadoras) e cultural (no qual são selecionadas práticas que
produzem conseqüências com valor de sobrevivência para as culturas). Esse é um
movimento de vital importância, pois marca o rompimento do behaviorismo radical com as
interpretações tradicionais sobre questões morais. Negamo-nos a reificar os valores, a
tratá-los qual fossem idéias platônicas. Valores pertencem à esfera da práxis, e somente
nela encontram seu significado. Removemos os valores da “mente" e afirmamos: valores
estão nas contingências seletivas - e, portanto, não são “propriedades” de indivíduos,
mas sim frutos da interação entre organismos e seus ambientes. Mesmo os chamados
"dilemas óticos" revelam-se, sob esse ponto de vista, como conflitos entre conseqüências
nos três níveis seletivos.
Note-se que, de acordo com os critérios de definição do comportamento ético que
adotamos até agora, não temos qualquer razão para tratar a ótica como uma característica
exclusivamente associada aos seres humanos. Costuma-se afirmar que uma das diferenças
entre os homens e os outros animais reside no fato de que apenas os primeiros agem
eticamente. Entretanto, de acordo com os recursos conceituais que estamos utilizando,
podemos, mais acertadamente, afirmar que a diferença entre homens e animais é esta:
nossa ótica é controlada por três níveis seletivos, e a dos animais, por dois niveis - ou
mesmo por um, conforme seu estágio evolutivo. Da mesma forma, não é possível diferenciar,
nesse nível descritivo amplo, entre "comportamento ético" e "comportamento" de modo
geral, pois afirmar que o comportamento é controlado por conseqüências equivale a afirmar
que o comportamento ó eticamente controlado. Assim, todo comportamento que produz
conseqüências e é controlado por elas é passível de análise no campo da ótica .2
O recurso a três níveis seletivos previne a análise do comportamento contra erros
recorrentes em outras disciplinas. A psicologia evolucionista, tão em voga nos dias atuais,
oferece importante contribuição para a compreensão do comportamento humano. Entretanto,
' HA, avldantomonto. MyrttftciKioH da paiavia 'ética" que podam «ar aaaodadoe a attvtdadM axdualvamante huntanaa, utnkxme veremoa em brevo. Além
dlaao, ao afirmar quo “comfxxtamanto’ é afctânlmo da "comportamento ético*, nâo eatamoa, é óbvio, quaMIcando todo e qualquer comportamento como
"bom", aatamoa tâo-aomonte indicando que, dado m m primairo Êtgnlflcado poatlvalpamo larmo ’ética', todo comportamento pode ser eticamente
analisado

22 Alexandre Pittrich
parece repetir o mesmo equívoco já verificado em disciplinas como a sociobiologia e o
darwinismo social: estende uma “ponte” explicativa entre natureza e cultura sem fazer
referência ao nível seletivo individual - isto ó, às contingências de reforço.3 Enquanto a
psicologia evolucionista vê-se obrigada a atribuir à cultura, genericamente, as possíveis
variações de repertório entre organismos com tendências genéticas supostamente
semelhantes, a análise do comportamento detém os meios conceituais e empíricos para
analisar intimamente os detalhes do processo que leva à configuração efetiva do repertório
comportamental humano.
O modelo de seleção por conseqüências é, de fato, um poderoso recurso explicativo.
Porém, esse mesmo modelo alerta-nos quanto à complexidade do comportamento humano.
Explicar episódios comportamentais específicos será sempre uma tarefa exigente, diante
da quaí nada aíém de investigação cuidadosa poderá bastar. Enquanto psicólogos, é natural
que sintamos certa ansiedade em explicar todo e qualquer fenômeno comportamental -
sobretudo aqueles que nos parecem excepcionalmente estranhos ou bizarros. Deparamo-
nos, constantemente, com casos amplamente divulgados pela mídia, diante dos quais a
opinião pública mostra perplexidade: adolescentes que atiram contra colegas e professores,
estupradores contumazes, assassinos seriais-todos exibem comportamentos que agridem
frontalmente nossos padrões éticos. Obviamente, buscamos explicações: por que tais
pessoas comportam-se dessa forma? 4
É interessante notar, primeiramente, que a necessidade de explicação surge
apenas porque, para a maioria de nós, não existem "bons motivos" para executar tais atos
extremos. Nossa história ética até o momento não nos permite compreender porque alguém
agiria de tal forma. Assim, nossa tendência imediata, diante de tais casos, é buscar
formas de afastamento em relação ao criminoso: ele é “doente", ou um "monstro", ou "não
é um ser humano". Entre os psicólogos, é prática comum explicar comportamentos bizarros
citando possíveis estados patológicos. Classificar certo comportamento como “doentio"
possui, certamente, algum poder de alívio sobre nossa ansiedade explicativa, mas pode
ser um recurso espúrio: classificar não é o mesmo que explicar. Se sabemos sobre certa
pessoa apenas que ela cometeu atos que consideramos eticamente repulsivos, não temos,
em principio, motivos suficientes para dizê-la doente. Seria necessário, obviamente,
examinar detidamente as contingências passadas e atuais que controlam o comportamento
dessa pessoa para descobrir os motivos de sua conduta. Se tal possibilidade não estiver
ao nosso alcance, a única afirmação que podemos fazer, com segurança, enquanto analistas
do comportamento, é esta: todo comportamento, do mais corriqueiro ao mais bizarro, é
produto de contingências seletivas atuantes nos níveis filogenético, ontogenético e cultural.
É, por certo, uma explicação bastante genérica, mas é também a única possível diante
das circunstâncias. Na análise do comportamento, toda explicação é, necessariamente,
de ordem histórica. Analisar somente os produtos das contingências seletivas em busca
de explicações de cunho estrutural destoa por completo dessa orientação. Seria fácil, por
certo, satisfazer o público leigo com explicações simples e imediatas - mas também
seria uma agressão direta contra o arcabouço teórico que sustenta nossa prática
profissional.

’ Vaja-M, por exampki, o « n u ki crlttco d« Prado ( 1BA2) »obre a •odobWogia


‘ CurtoMmanta, nêo noa «antknoa ito pramidoa ■ axpNcar o cumportamanto da p— o— como, por axamplo, Mahaltna Qandhi ou Jaaua Criato - atnda qua
■■ conflguraçfl— parttcularaa da oonflnflénct— qua produzam pawoaa como eataa >a)wn, provavatnanta, tto ou mám m u do que aqualaa que pnodujcam
crtmlnnaaa da conduta aapatMmanla to m » Tarno*. naa duaa aMuaçAaa, paaaoaa «KcapdonM produridai por hMúriaa «xcapdonaia; no antanto, (üadngukikm
mpklemanlo o monatro do mártir - rwHatlndo, deata lorma, noaaee prâHcsa enquanto oomunWada ética

Sobrr Comportiimfnto c Cojjniçào 23


Até o momento, tratamos a ótica, genericamente, como sinônimo de seleção por
conseqüências. Também podemos, entretanto, tratá-la como sendo, especificamente, o
controle que a cultura exerce sobre nosso comportamento para que este seja benéfico à
própria cultura. Nesse caso, teremos que adicionar dois elementos à nossa discussão:
autocontrole e controle por regras.
Quando discutimos autocontrole, estamos lidando com um produto cultural. As
culturas criam indivíduos que controlam seu próprio comportamento porque este controle
beneficia as culturas. O autocontrole é o elemento que define o que costumamos chamar
de comportamento ético. Consideramos ótico o indivíduo altruísta - ou seja, aquele que
"renuncia" ao seu próprio bem em nome do bem dos outros ou do bem de sua cultura. A
palavra "renúncia" deve, obviamente, fazer-se acompanhar por aspas. Uma investigação
histórica cuidadosa provavelmente revelará que o indivíduo altruísta não está, simplesmente,
"abrindo mão" do reforço, mas sim trocando certos tipos de reforços por outros. A "renúncia"
ética não é, portanto, um acontecimento espontâneo. O autocontrole é, de certa forma,
uma maneira egoísta de apaziguar o egoísmo. Entretanto, a importância do autocontrole
não pode ser questionada. Sem ele, a existência do que chamamos culturalmente de
"ética" seria impossível.
As regras também figuram como elementos fundamentais na caracterização do
que entendemos por comportamento ético. Regras são instrumentos verbais que permitem
o controle do comportamento sem exposição direta às contingências. Sua importância na
aprendizagem da conduta ética é óbvia. Entretanto, o comportamento ético governado
"puramente" por regras é exceção: regras precisam ser "apoiadas" por contingências efetivas
- do contrário, seus efeitos serão de curto prazo. Se, por exemplo, conseqüências
reforçadoras não se seguem ao comportamento especificado por certa regra, é provável
que a regra perca seu efeito sobre o comportamento - e mesmo quando conseqüências
reforçadoras ocorrem, a regra pode ser rapidamente "esquecida", substituída pelas
contingências “naturais" que passam a modelar, então, o comportamento do indivíduo.
Na maior parte do tempo, nossa conduta ética ó irrefletida - levada, digamos, "ao
sabor das contingências". Quantas vezes paramos, efetivamente, para pensar sobre a
adequação ética do que fazemos? Quantas vezes durante sua carreira um psicólogo, por
exemplo, consulta o manual de ética que, supostamente, dirige sua atuação profissional?
Costumamos achar que sabemos, de antemão, o que é bom ou não. Contudo, na maior
parte do tempo, sabemos e sentimos apenas o que ô "bom” (isto é, reforçador) para n ó s -
o que não corresponde, necessariamente, aos parâmetros éticos de nossa comunidade
profissional.6 A adequação ética de nossa conduta, porém, não deve ser avaliada por seu
grau de dependência em relação a regras, mas por suas conseqüências, sejam de curto
ou longo prazo. (É possível, de fato, argumentar que o indivíduo “autenticamente" ótico ó
aquele que se comporta eticamente de modo “natural" - isto é, sob o controle de
contingências.6)
Regras, em resumo, são importantes instrumentos de controle ético - porém,
elas só "funcionam", como vimos, quando conjugadas a contingências efetivas. Essa

' Na verdade, sequer podamo» aatar certos »obra a acuidade da noasa avaliação am relação ao qua t ou n to "bom" (reforçadot) para nós Relutou do
Mtntimenkw (pnuar ou daapnuar, por exemplo) arn raiaçAoaotyat» ou eventoa nâo odniJdem, naoeaaariarnenle, oom os eWtos comixxtiimenluta efotlviimonhi
produzldoa (1003/1906. p. 82)
10 comportainanto áttoo é, naaaa aarrtkjo. «amalhanhi ao oomportamento vartial: da meeme torna oomo n*u pradaamos, nocaaaariamanla, oonaultar manuais
da raunai gratnattcala para exMr oomportamanlo veibal, tsmbém nto pradaamue, naoaaaartamanla. oonaular manual* da ragraa atoas para a x t* oomportamento
iWoo > otnborH o auxilio de ragraa poaaa «ar. em amboe oa caaoa, um Importante racurao da aprendizagem Porém, aaalm oomo o comportamento verbal
rrxxMarfoporaxitfntf^^narnaarnpwraapatoaneymaajNBdk^arnátlcB.oonrnportarnanloáttomodaMoporoontlri^énalaetamijArrrtarKtoaaaafaatar
do comportamento inicialmente eapeuAcado pelaa re g ra *-o qua poda tar atotoe bona ou ruins

u Alexandre Pittrkh
conclusão é de suma importância para os analistas do comportamento - desde que
pretendam controlar sua própria atuação ética e política. De nada adiantará discutir os
melhores caminhos óticos e políticos para nossa profissão se as diretrizes daí extraídas
não produzirem práticas que estimulem consistentemente a observância destas regras no
interior de nossa comunidade profissional. Por melhores que sejam suas intenções, regras
óticas são, em princípio, apenas declarações formais de ideais comportamentais .7 Cabe
à comunidade dos analistas do comportamento fazer com que nossos princípios óticos
traduzam-se, de fato, em práticas profissionais. Antes disso, porém, será necessário
construir (ou reconstruir, a partir do sistema ótico skinneriano) esses princípios - por si
só, uma tarefa árdua.

Conclusão
É possível, afinal, tratar a ótica como um elemento explicativo do comportamento
no behaviorismo radical? Vimos que, ao falar sobre ótica, estamos lidando com as
conseqüências que controlam nosso comportamento. A ótica do behaviorismo radical ó
uma ótica das conseqüências - e, como todo comportamento tem conseqüências, todo
comportamento ó controlado por certa ótica. Assim, seria redundante tratar a ótica como
um elemento explicativo do comportamento - embora não fosse um equívoco. Ao afirmar
que variáveis de ordem ótica controlam o comportamento, estaríamos apenas repetindo,
com outras palavras, o que já ó, de longa data, apontado pela análise do comportamento:
variáveis seletivas controlam o comportamento. A ótica não figura, portanto, como um
elemento especial, diferenciado, que aja além das contingências seletivas. Ética ó sinônimo
de seleção por conseqüências.
Por outro lado, também podemos - como vimos há pouco - atribuir à palavra o
mesmo significado com o qual ela ó mais comumente utilizada: ótica como um fenômeno
exclusivamente humano-ou, mais precisamente, como o controle que as culturas humanas
exercem sobre o comportamento de seus membros a fim de beneficiar a própria cultura.
Nesse caso, certamente poderemos explicar parte substancial do comportamento de certa
pessoa pelo fato de ela estar submetida a determinada ótica. Podemos, por exemplo,
afirmar que uma pessoa comporta-se de certo modo porque segue certos padrões óticos
- e, estaremos, dessa forma, utilizando a ótica como elemento explicativo. Observe-se,
porém, o seguinte: tudo isso ocorre no interior do modelo de seleção por conseqüências;
mais uma vez, não estamos fugindo a este modelo, e nem lhe acrescentando novos
elementos. A$ comunidades que controlam o comportamento ótico também fazem parte
do universo das contingências seletivas.
Sempre que considerarmos a ótica como um conjunto especial e delimitado de
contingências seletivas no interior das culturas, classificar os possíveis significados da
palavra consistirá tão-somente em identificar as práticas de reforço vigentes nas diversas
comunidades verbais: a ótica dos cientistas, dos psicólogos, dos políticos, dos religiosos,
etc. - ou de quaisquer outras comunidades designadas por diferentes características
geográficas, históricas ou comportamentais. Sob tais circunstâncias, podemos,

' Em «m uiinpk) Himtrn, ■ pnipAailo, * (joaalM Idadad« ktdapan<tAncla antra prAkca» vartMUta nAo-varbala no cn n ip o d * AUca dlloronla» varlévttl» podum
axilrolar m«Hic* oom|iortamantal e o d la cu n o q u a fa t "rafarêncla- ■ «ala M k» Quando imi polltloo, por d« d ar« ubndIAnda a cxirton pflfidpk» ôtlixi»,
podamoa «atar ca rti» da aua «Incaridada? Um falante qualquer poda. naaaa tanUdu, "inanir conadaniom anto* ( u n d o tu o polllloodaaonaalo), m a» lamM rn
poda "manlíf Inooanlamanta* A "manUra conadenle" kii|)Kca o controla do (xxnportamanto vartoal por variáv«»l» pubUcaa a t p a d a » (voto», por axarnplo), ma»
i»n falanli» poda, parfartamanla. proclamar-*e dato*for da valora* am rataçéo aoa q uak nada ftu a. ainda aaalm, ««lar '«ando »Incaro’ S a uma cultura rakirça
a «xaltaçAo vmtoal da cartoa v alora*- • M> a ila axallaçAo nAo practoa. obrigalorlamafila, raOatlr a conduta nâo- vwtoal do falanhi - aww quadro é fadlm anlc
u x K w tilv e l

Sobre Comportamento e CogniçAo 25


perfeitamente, conferir à palavra “ótica” caráter explicativo - desde que reconheçamos ser
essa apenas uma forma simplificada de lidar com conjuntos complexos de variáveis seletivas
estabelecidas pelas culturas.

Referências
Prado, L. (1982). Herança social e herança biológica: A Sociobiologia. Em: B. Prado Júnior
(org.), Filosofia e comportamento (pp. 140-148). São Paulo: Brasilíense.
Skinner, B.F. (1965). Science and human behavior. Now York: Macmillan. (Trabalho original
publicado em 1953).
Skinner, B.F. (1971). Beyond freedom and dignity. New York: Alfred A. Knopf.
Skinner, B.F. (1984). Selection by consequences. Em: A C. Catania & S. Harnad (orgs ), Canonical
papers of B.F. Skinner (pp. 477- 481). The Behavioral and Brain Sciences, 7, 473-724.
(Trabalho original publicado em 1981).

26 Alexandre Plttrld)
Capítulo 3
Racionalização: um breve diálogo entre a
psicanálise e a análise do comportamento

Carlos Augusto de Medeiros'


U niC tU H /ltSH /lH A C
e Guilherme Massara Rocha'
U /M C /

É surpreendente notar que Freud é o autor na Psicologia mais citado por Skinner
com exceção dele próprio. Além disso, a maior parte das citações apresenta, pelo menos
parcialmente, a concordância entre os dois pontos de vista, principalmente quando estes
remontam às descrições do comportamento. O lamentável sectarismo entre as duas
abordagens parece residir muito mais em posturas preconceituosas dos seguidores das
mesmas do que em impasses conceituais. O debate histórico diz respeito muito mais às
pessoas e aos interesses corporativistas do que às idéias.
Atualmente, a Psicologia, como campo de conhecimento, vem sendo ameaçada
pelo reducionismo aos determinantes fisiológicos do comportamento. Observa-se o risco,
de que tanto Analistas do Comportamento, quanto Psicanalistas, em um futuro próximo,
ocupem apenas um papel histórico na Psicologia como outros sistemas psicológicos
(e.g., estruturalismo e funcionalismo). Neste sentido, não parece absurda a noção de que
duas das principais abordagens teóricas em psicologia devam dialogar para sobreviver.
Afinal de contas, os fenômenos são os mesmos, e a negação de todo conhecimento
gerado por arcabouços conceituais diferentes representa uma prepotência injustificada.
Sendo assim, o presente trabalho defende que, para a descrição apropriada deste elefante,
é essencial que os cegos aprendam a se comunicar.
Skinner, ao longo de sua obra (Skinner, 1953/1994,1957/1978,1969/1984,1974/
2 0 0 0 ) reconhece a propriedade das descrições freudianas de regularidades do
comportamento, e das histórias responsáveis pela instalação de diferentes repertórios
com portam entais. Obviamente, Skinner discorda do local da causalidade do
comportamento. Para ele, as variáveis devem permanecer no ambiente. Entretanto, uma
vez que as abordagens tratam das mesmas variáveis, o diálogo pode começar por elas.
O diálogo será profícuo uma vez que os behavioristas podem se aproveitar das
variáveis já identificadas pelos psicanalistas, pois ó uma perda de tempo ficar reinventando
1Paicólogoe Profasaor am Pwcokjgla/UtiICClJB/IESB/IBAC/Doulof uni Psicologia
’ Pticótogo • ProfaMor w tf P«Jcologla/UFMQ/ Maalra am Psicologia

Sobre Comportamento e ('ogniç«lo 27


a pólvora. Ao mesmo tempo, a comprovação empírica, controlada e rigorosa da relevância
destas variáveis pelos analistas do comportamento pode fornecer apoio adicional aos
psicanalistas ao utilizarem-nas na determinação da conduta humana. Somando-se a isso,
as duas abordagens podem apresentar visões complementares do mesmo fenômeno,
possibilitando uma compreensão mais abrangente da conduta humana. Por fim, a
interlocução entre as duas abordagens pode minimizar desagradáveis mal entendidos em
cursos introdutórios de psicologia, onde é comum o hábito de criticar uma outra abordagem
sem fundamento consistente daquilo sobre o que se pronuncia.
Algumas tentativas de tradução de termos psicanalíticos para a linguagem
comportamental já foram conduzidas, como em Dollard e Miller (1950), em Skinner ( 1953/
1994,1957/1978,1974/2000) e em Sidman (1995). Independente da propriedade ou não
destas tentativas de tradução, elas provavelmente incorreram em revisões conceituais
(Harzem & Miles, 1978). Isto é, modificaram os limites dos conceitos e, segundo Abib
(2 0 0 2 ), traduzir ó interpretar, ou seja, modificar inevitavelmente o que fora traduzido de
acordo com a própria história de reforçamento do tradutor. Neste sentido, o presente
trabalho representou uma proposta inovadora porque foi escrito por um psicanalista em
conjunto com um analista do comportamento, sendo discutido, a todo o momento, a
propriedade da utilização dos termos. Objetivou-se com isso, senão isentar, pelo menos
minimizar o risco de reducionismo em que poderia incorrer este tipo de trabalho.
Não pareceu adequado iniciar um diálogo desta natureza entre duas abordagens
adotando temas por demais amplos e áridos, como a causalidade do comportamento, por
exemplo. Pareceu mais apropriado inicia-lo pela a discussão dos fenômenos
comportamentais em si. O fenômeno discutido no presente trabalho foi a racionalização
enquanto mecanismo de defesa do ego. A racionalização foi escolhida pela freqüência
com que ocorre na clínica, e pelo prejuízo que trás ao tratamento e ao funcionamento do
paciente, pois ajuda a perpetuar formas disfuncionais em lidar com o mundo. Inicialmente
o conceito foi apresentado em sua formulação psicanalítica, tendo sido discutida a sua
relevância para as intervenções psicanalíticas. A seguir, ô trazida uma interpretação
comportamental do fenômeno, relacionando-o com as distorções do comportamento verbal.
Também foi aqui exposta a sua importância para as intervenções comportamentais. A
conclusão do trabalho traz, justamente, considerações sobre a adequação das
interpretações comportamentais da racionalização e das práticas clínicas que estas
interpretações sustentam.

1. A Racionalização para a Psicanálise


Do ponto de vista da psicanálise, avaliar a relação dos sujeitos com a experiência
da linguagem constitui-se como o ponto de partida para a formulação de uma hipótese
diagnóstica e para a elaboração das primeiras diretrizes clínicas que orientam o tratamento
analítico propriamente dito. Freud, desde suas primeiras pesquisas metapsicológicas,
demonstra que as leis do aparelho psíquico constituem-se como o efeito da experiência
do sujeito humano com aquilo que, depois de Lacan, os psicanalistas acostumaram-se a
denominar de campo do Outro. Segundo Assoun (1981), Freud, ao formular suas teorias,
serviu-se de elementos conceituais advindos das ciências naturais de seu tempo,
particularmente da psicologia herbartiana e fechneriana e da psiquiatria clássica de
inspiração francesa e alemã. Nesse sentido, os contornos do aparelho psíquico tornaram-
se as balizas fundamentais para pensar psicanaliticamente a experiência do funcionamento
mental em suas leis gerais e em suas variadas formas de manifestação patológicas.

28 Cario* Auflusto de Medeiro* e Cyuilhermc M .m ar.i Rocha


Com Lacan, a metapsicologia freudiana foi submetida a uma ampla e rigorosa
revisão cuja orientação tendeu para uma progressiva desvinculação do saber analítico
com a terminologia que colocava em evidência a experiência mental, assentando-a em
bases conceituais cuja ênfase é meticulosamente deslocada para o plano da relação do
sujeito com a linguagem ou, mais precisamente, com a ordem simbólica e com a experiência
do significante. Nesse sentido, é Jacques-Alain Miller (1997) quem nos indica que na
medida em que a experiência dos sujeitos constitui-se como articulada à experiência de
um "aparelho a psicanalisar", devemos considerá-la em toda a sua extensão como estando,
"de início inscrita na ordem social", ou seja, na experiência com a alteridade. Não se
constitui como objeto desse artigo o exame pormenorizado dos efeitos clínicos e teóricos
dessa trajetória relativa à construção e revisão do universo conceituai da ciência criada por
Freud. Mas, pode-se suspeitar que parte das objeções que Skinner manifesta em relação
á psicanálise freudiana está assentada sobre uma má compreensão das hipóteses
psicanalíticas acerca da constituição do sujeito a partir do campo do Outro. Suspeitamos
que uma breve leitura das teses principais de Jacques Lacan sedaria a virulência de muitas
das criticas que Skinner endereça ao dispositivo e à teoria psicanalítica. Seria possível
que ele encontrasse ali, ainda, certas concordâncias com algumas de suas próprias idéias
acerca do universo da linguagem. Deve-se reconhecer, não obstante, que Skinner reporta
a Freud a responsabilidade autoral por diversos conceitos que ele efetivamente não
concebeu como, por exemplo, a noção de racionalização da qual trataremos mais adiante.
E, para concluir essa observação, na medida em que algo na obra de Skinner explicita sua
preocupação com a determinação do comportamento em relação à experiência verbal,
pode ser que uma nova e proveitosa fonte de diálogo entre a psicanálise e o Behaviorismo
seja inaugurada com o debate, acerca da relação sujeito X linguagem, entre Skinner e
Lacan.
A noção de racionalização, conforme nos apontam Laplanche e Pontalis (1967)
foi introduzida com fins de uso psicanaíftico pelo britânico Ernest Jones, num artigo de
1908, intitulado Rationalization in every-day life. Esse autor estaria preocupado em elucidar
os processos pelos quais um sujeito procura apresentar uma explicação logicamente
sustentável e moralmente aceitável para uma ação, idéia, impulso ou sentimento cujos
verdadeiros motivos permaneceriam “inconscientes". Jones aproxima a noção de
racionalização com o conceito freudiano de elaboração secundária que, aplicado á teoria
da interpretação dos sonhos, refere-se ao processo de arranjo onírico com as imagens do
sonho que são submetidas a uma encenação coerente (Laplanche & Pontalis, 1967).
Nessa mesmaesteira, encontramos sob a pena de Anna Freud o termo intelectualização,
oriundo das pesquisas da filha de Freud com a análise de adolescentes. Ela procura, sob
a orientação desse conceito, reconhecer o processo pelo qual “um sujeito procura dar
uma formulação discursiva aos seus conflitos e emoções, de modo a dominá-los" (Laplanche
& Pontalis, 1967). Em ambos os autores, Jones e Anna Freud, pode-se notar a preocupação
com uma certa forma de apresentação do paciente ao analista com base nos avatares de
seu depoimento. Insiste-se na idéia de que, sob a ação da censura e do recalque, o
neurótico faz-se representar por um discurso que tem um caráter encobridor em relação
às suas verdadeiras inclinações libidinais. E que a tarefa do analista deveria ser interpretativa,
ou seja, esperar-se-ia deíe a confrontação de seu paciente com os pensamentos recalcados
na ausência dos quais esse insiste em argumentar em favor da justificativa de sua conduta
sintomática. Tudo aqui parece, de certa forma, coincidir com a mais fundamental inspiração
freudiana de que a análise daria ensejo a um tratamento do sintoma a partir da revelação

Nobnr Comportitmrnlo c Cotfnifdo 29


de seu fundamento inconsciente. Ou, dito de outra maneira, que uma vez que o paciente
se conscientizasse de que sua retórica encobre suas verdadeiras inclinações pulsionais,
ele cederia aos efeitos da interpretação e mudaria sua conduta. A clínica comportamental,
na medida em que também pressupõe que a racionalização ó nociva ao progresso clínico
do paciente, parece endossar a preocupação de Jones e Anna Freud de que o curso do
tratamento psíquico deveria criar dispositivos para fazer com que o paciente parasse de
racionalizar ou, pelo menos, reconhecesse conscientemente que o faz para abster-se de
uma punição ou ameaça moral. E que o fato de fazê-lo, sustenta-o na mesma condição da
qual se queixa.
Mas o ponto que instiga aqui alguma curiosidade pode ser traduzido na seguinte
pergunta: por que Freud não falou desse tipo de racionalização? Uma vez que ele sabia do
tratamento dado a esse conceito por seu biógrafo e por sua filha, por quais razões teria ele
se furtado a participar desse debate, pelo menos nos termos em que ele foi colocado por
Jones e Anna Freud?
Em 1911, Freud escreve um pormenorizado artigo examinando as memórias do
delírio do presidente Schreber. Nesse texto, ele discute brevemente as afirmações da
psiquiatria clássica de que a megalomania poderia produzir-se como efeito psíquico
subseqüente a um delírio persecutório, através de um processo de ‘‘racionalização". Segundo
Freud, o discurso psiquiátrico ao qual ele se refere conceberia esse mecanismo da seguinte
forma:
"O paciente ó primariamente vitima de um delírio de estar sendo perseguido por
forças de máximo poder. Sente então a necessidade de explicar isso a si próprio
e, dessa maneira, ocorre-lhe a idéia de que ele próprio ó personagem muito
eminente e digno de tal perseguição. O desenvolvimento da megalomania é
assim atribuído, pelos livros didáticos, a um processo que (tom ando de
em préstim o a Jones [1 90 8] uma palavra útil) podem os descrever como
‘ra c io n a liz a ç ã o M a s atribuir conseqüências afetivas tão importantes a uma
racionalização ó, segundo nos parece, procedimento inteiramente não psicológico
e, conseqüentemente, traçaríamos uma divisão nítida entre nossa opinião e aquela
que citamos, dos livros didáticos. Não estamos reivindicando, por enquanto,
conhecera origem da megalomania" (Freud, 1911/1987 a, pág. xx).

Não encontramos, na obra subseqüente de Freud, outras referências acerca dessa


"palavra útil”. Mas torna-se claro que ele não atribui a um processo dessa natureza a
determinação de uma mudança substancial no estado subjetivo do paciente. Poder-se-ia
objetar que, na medida em que as considerações de Freud se referem à circunstâncias
psíquicas da psicose, alguma distinção com o campo da experiência clínica com pacientes
neuróticos poderia se fazer necessária. Entretanto, no tanto em que se põe em destaque
a breve argumentação de Freud quanto à "utilidade" desse conceito para elucidar o fenômeno
em questão, pode-se suspeitar que ele formularia sobre outras bases conceituais os
fenômenos reunidos por Jones e pelos psiquiatras sob a égide da noção de racionalização.
No curso da obra de Freud pode-se, quanto a isso, ser destacada a progressiva
importância que é assumida em sua teoria acerca do valor das formas de satisfação
pulsional. Freud vai se dando conta de que a satisfação pulsional que dá suporte à relação
do sujeito com o discurso é pouco permeável a uma tarefa terapêutica que se colocaria na
função de uma certa ortopedia de sua retórica. Na verdade, desde o tratamento das histéricas
no início da psicanálise, ele já percebia que as interpretações que visavam desfazer as
“racionalizações" acerca, por exemplo, dos desejos sexuais recalcados, eram pouco

30 Odrlos Augusto dc Medeiros c l/uilherm e Massara Rocha


eficientes e geravam, quando muito, um recrudescimento das resistências ao próprio
dispositivo analítico. O eu, concebido por Freud como amplamente governado por tendências
inconscientes, já se encarrega de fazer isso. Como uma forma de justificar para o sujeito
a necessidade de seu sintoma e, simultaneamente, elidir os pensamentos a ele
inconscientemente articulados. A orientação clínica de Freud é abster-se de um tratamento
diretivo do sintoma e servir-se da polissemia engendrada por tudo aquilo que o paciente
diz e que revela, sob interpretação, os determinantes simbólicos de sua conduta e de
suas formas de satisfação libidinal.
Na medida, portanto, em que reconhecemos haver um caráter pouco operatório
do conceito de racionalização para uma orientação analítica calcada na leitura de Freud,
vale ainda lembrar que, depois de Lacan, isto se complexifica ainda mais. Aquilo que
Freud indica - que é ao se surpreender dizendo mais do que aquilo que se pensa, que o
paciente faz a experiência do inconsciente e toca no real de seu sintoma - é Lacan quem
o demonstra munido de conceitos amplamente mais operatórios do que aqueles da
metapsicologia. Depois de Lacan, é inegável que a psicanálise ganha em vigor científico e
a demonstrabilidade de seu dispositivo - assim como da empiricidade do inconsciente,
poder-se-ia dizer - torna-se significativamente mais sofisticada.

2. Análise Funcional da Racionalização


Segundo Skinner (1953/1994), o autoconhecimento e a consciência são conjuntos
de comportamentos estabelecidos por práticas de reforço especiais. Não se tratam,
entretanto, de repertórios especiais que exijam novas ferramentas de análise para serem
descritos. Com o estabelecimento do repertório verbal, a comunidade passa a questionar
não apenas sobre as observações que o falante faz sobre o mundo, como também as
observações que faz acerca do próprio comportamento e das variáveis que o determinaram.
São freqüentes as questões: "o quo você fez?" o u "por que você fez isso?". Estas questões
servem de ocasião para as respostas de auto-observação e de autodescrição. Neste sentido,
o autoconhecimento e consciência seriam apenas sistemas funcionalmente unificados de
respostas verbais sob o controle discriminativo do comportamento do próprio indivíduo que
se comporta e das variáveis que controlam o seu comportamento (Skinner, 1953/1994).
Em concordância com Freud, a consciência ou este sistema funcionalmente unificado
de respostas não é necessário para a emissão do comportamento. Segundo Skinner:
"Não temos razào para esperar um comportamento discriminativo desta espécie
[autoconhecimento] a menos que tenha sido gerado por reforçadores apropriados.
O autoconhecimento ó o repertório especial. O ponto crucial não é saber se o
comportamento que um homem deixa de relatar è realmente por ele observável,
mas sim saber se alguma vez houve alguma razão para faze-lo" (Skinner, 1953/
1994, pág. 277).
Sendo assim, os comportamentos são, de início, inconscientes uma vez que não
é necessário que os organismos saibam porque estão se comportando para se
comportarem. Para Skinner:
“Diz-se amiúde, particularmente os psicanalistas, que o behaviorismo não pode
haver-se com o inconsciente. O fato ó que, para começar, ele não se avóm com
outra coisa. As relações controladoras entre o comportamento e as variáveis
genéticas e ambientais são todas inconscientes, de vez que não são observadas,
e foi Freud quem acentuou não carecerem elas de ser observadas (Isto è, serem

Sobre Comportamento e CogniçJo 31


conscientes) para serem eficazes. Faz-se mister um ambiente verbal especial
para Impor consciência ao comportamento, induzindo uma pessoa a responder
a seu próprio corpo enquanto age". (Skinner, 1974/2000, pág. 133),

Portanto, para Skinner, a consciência é um passo posterior, socialmente construído.


Entretanto, as respostas às perguntas apresentadas acima nem sempre estarão sob o
controle preciso do comportamento emitido e, principalmente, das variáveis que o controíaram
(Skinner, 1953/1994). Muitas vezes o controle de estímulos é deficiente ou, meramente, o
indivíduo não estava atentando ao próprio comportamento quando o emitiu. Contudo, as
conseqüências providas às respostas para aquelas perguntas podem distorcer o controle
de estímulos. Por exemplo, se um pai pergunta ao filho pré-adolescente: "o que você fez,
que demorou tanto no banheiro?", e este responde: "eu estava me masturbando", o pai
provavelmente punirá seu filho. Esta punição, não exercerá obrigatoriamente controle sobre
a masturbação em si, pois é atrasada em relação à mesma que continuará a prover a
estimulação sexual reforçadora. A punição, portanto, exercerá um controle muito mais
pronunciado sobre o relatar o comportamento, que será suprimido, ou distorcido, como
uma espécie de contra-controle ao agente punitivo (Ferter, Culbertson & Sttodart, 1968/
1977). Skinner (1957/1978) classifica esta espécie de contra-controle verbal como um
caso de tato destorcido.
De forma similar, se o irmão mais velho bate no mais novo ao vê-lo mexer no
controle remoto da televisão, a justificativa para a sua ação pode ser o diferencial entre ser
punido ou não. Caso o irmão mais velho diga que bateu no irmão por medo dele quebrar o
controle remoto, então, pode na pior das hipóteses tomar uma bronca. Por outro lado, se
ele reconhecer que bateu no irmão mais novo por estes estarem disputando qual canal
gostariam de ver, certamente entrará em contato com uma punição muito mais severa.
Portanto, o relato das causas do próprio comportamento também está sob o controle das
conseqüências coercitivas, que selecionam a distorção do relato como uma forma de
esquiva da estimulação aversiva (Skinner, 1957/1978).
No seu texto clássico de 1945, The operational analysis of psychological terms,
Skinner deixa clara a relação entre a racionalização e a distorção do comportamento
verbal. Na racionalização o relato está mais sob controle de suas conseqüências, ou seja,
da aceitabilidade para as causas do comportamento do que sob controle dos eventos
antecedentes que representariam as variáveis que de fato determinaram a emissão do
comportamento:
7\s contingências que nós temos revisto [contingências que estabelecem o
responder verbal sob o controle de eventos privadosj também falham em prover
uma adequada verificação contra a distorção fictícia da relação de referência
(e.g., como na racionalização). Sentenças sobre eventos privados podem estar
sob controle de impulsos associados às suas conseqüências mais do que aos
estímulos antecedentes.3" (Skinner, 1945, pág. 377)

Uma outra conseqüência da punição é a de que os organismos, ao emitirem um


comportamento que fora punido no passado, passam a sentir os efeitos da punição
meramente por emitir o comportamento, sem precisar entrar em contado com a punição
externa (Skinner, 1953/1994). Este seria um dos usos dos conceitos cotidianos de culpa
ou vergonha. Neste sentido, os efeitos da punição se tornam pouco dependentes da punição

’ Th« oontlnganclea wo have ravtawnd atao M l to provida an adeguate chack agamat flctlonal dWortton of tha ralation of relerence (• g., aa In ratkxwltfabny)
Statamenls aboul priva te avanài may Éwundnr conlrol o#k a dWvaa aaaodafed w*h »wír coneequanoee mlhar lhan amecedenl ülmu*.

32 Carlos Augusto dc Medeiros e O/uillierme M.issur.i Roch.t


externa, o que é extremamente importante para o controle social funcionar sem a
necessidade de um controle ostensivo. Os efeitos deste conjunto de contingências aversivas,
que mantém o convívio em sociedade, ó o que Skinner chama de superego (Skinner, 1974/
2000). Novamente, ó importante notar que seu controle sobre o comportamento não precisa
ser consciente. Não é necessário que o indivíduo pense porque ó socialmente "errado” o
adultério para não flertar com a namorada do seu amigo. Por fim, a emissão de um
comportamento punido traz conseqüências aversivas "aplicadas" pelo próprio indivíduo
que se comporta quando responde ao próprio comportamento. Estas conseqüências
aversivas geram uma contingência de reforço negativo para a emissão de justificativas
verbais que atenuem ou eliminem o caráter aversivo de ter emitido um comportamento
passível de punição externa. Tal processo comportamental teria uma interseção muito
grande com os usos do mecanismo de defesa da racionalização. Segundo Skinner: "A
racionalização é a resposta reprimida que com sucesso evita a estimulação aversiva
condicionada gerada pela punição”. (Skinner, 1953/1994, pág. 280).
A racionalização, enquanto distorção do comportamento verbal para diminuir o
caráter aversivo da emissão de um comportamento previamente punido, faz parte do
repertório comportamental de qualquer indivíduo verbal. Contudo, em indivíduos que têm
uma longa história de controle aversivo, ou que estão sob o seu controle no presente
momento, a racionalização ocorrerá em uma freqüência relativa muito alta no repertório
comportamental, comprometendo o funcionamento do indivíduo de diversas formas
diferentes.

3. Importância da Racionalização Para a Clinica Comportamental


Do ponto de vista da clínica comportamental, a racionalização é prejudicial por
duas razões:
a) Ela empobrece o autoconhecimento do cliente. As autodescrições do comportamento
do cliente estão mais sob controle das conseqüências do que pelas variáveis
responsáveis pela a emissão do comportamento descrito. As razões fictícias às quais
o comportamento é atribuído podem ser consideradas como regras (Skinner, 1969/
1984), isto é, descrições verbais de contingências de reforço. No caso da racionalização,
a emissão de regras não é controlada pela contingência em vigor, e sim, pela da
aceitação social destas regras como justificativas para a emissão do comportamento.
A descrição do comportamento, portanto, será a intraverbalização destas regras fictícias,
tornando q indivíduo pouco sensível às contingências que controlam o seu
comportamento. Segundo Catania, Shimoff e Mathews (1989), o comportamento
governado por regras torna o indivíduo pouco sensível às contingências de reforço.
Por exemplo, um T.G. ó um jovem de 22 anos que não emite respostas assertivas,
sempre dando sua vez aos outros, nunca recusando convites pouco atrativos, nunca negando
solicitações pouco razoáveis, raramente insistindo no que deseja etc. T.G. justifica seu
comportamento dizendo que foi criado para ser uma pessoa educada, que pessoas bem
educadas ou "gente boa" agem desta maneira (i.e., regras). Na realidade, as respostas
não assertivas de T.G. estão mais sob o controle aversivo do risco de desagradar os
outros, e conseqüentemente perdê-los; e dos reforçadores secundários de ser "o carinha
gente boa", como o reconhecimento e a aprovação social. Questões que solicitem
explicações para o seu comportamento, provavelmente, evocarão a intraverbalização das
regras citadas acima (Medeiros, 2002), diminuindo a probabilidade de T.G. emitir uma

Sobre Comportamento eCo^niç^o 33


resposta verbal sob o controle das variáveis controladoras do seu comportamento pouco
assertivo (i.e. tatos). Sendo assim, a formulação de regras socialmente aceitas para o seu
comportamento pouco assertivo tornou T.G. pouco sensível às contingências de reforço
das quais o comportamento descrito faz parte.
Uma conseqüência deste processo é a dificuldade que o terapeuta encontrará
para treinar seu cliente a analisar o seu próprio comportamento, já que este está pouco
sensível às contingências em vigor. O cliente ser capaz de fazer análises funcionais precisas
é uma das metas de qualquer intervenção comportamental para evitar a dependência em
relação ao terapeuta e para que o cliente consiga lidar com novos problemas em sua vida.
Clientes que apresentam racionalização também possuem um elaborado repertório
argumentativo o qual utiliza freqüentemente para convencer os outros, dentre eles, o
terapeuta, de seu ponto de vista, defendendo que as razões apresentadas são mais do
que suficientes para justificar o seu comportamento.
b) A racionalização mantém o cliente emitindo padrões comportamentais prejudiciais em
longo prazo, oferecendo justificativas aceitáveis para a sua emissão.
Por exemplo, M.F. é uma mulher de 30 anos que rompeu um relacionamento de
seis anos após flagrar seu namorado flertando com uma outra mulher. Além disso, ela
teve fortes evidências de que seu namorado a traíra em várias situações anteriores.
Durante o seu namoro, questões sobre porque ela continuava com seu namorado, mesmo
sabendo que ele era infiel, sempre evocavam a seguinte verbalização: "eu preciso ver
para acreditar. Eu não terminei com ele ainda porque nunca o peguei com ninguém". As
razões apresentadas por M.F. para manter seu namoro são exemplos de racionalização
que justificou o investimento em um relacionamento que a faria sofrer muito mais em
longo prazo, mesmo diante de muitas evidências desta possibilidade. Pode-se dizer que
M.F. foi impulsiva (Rachlin, 1974), adiando entrar em contato com a conseqüência aversiva,
mesmo que este adiamento aumentasse a sua magnitude. Em outras palavras, ela
preferiu não romper o relacionamento quando soube das traições, inventando uma regra
que justificasse a manutenção do namoro, adiando o contato com o sofrimento pelo seu
fim.
Com o fim do namoro, M.F. insistia em manter contato com seu ex-namorado,
justificando que o ideal era que permanecessem amigos. Novamente, ela estava dando
uma razão socialmente aceita para procurar seu ex-namorado, mesmo que este contato a
fizesse sofrer por mais tempo. Ao ter contato com o ex*namorado, e através de outras
manipulações do comportamento verbal, que fogem ao escopo deste trabalho (Medeiros,
2 0 0 2 ), ela conseguia ouvir que ela fora importante, que tinha sido a melhor de todas, que
era a melhor parceira sexual e, muitas vezes, até conseguia trocar carícias com ele.
Estes eventos, no momento em que ocorriam, eram reforçadores positivos. Entretanto,
quando M.F. voltava para a casa e via que continuava sem ele, que somente conseguira o
que queria por ter sido manipulativa e reconhecia que espontaneamente ele não queria
estar perto dela. Em suma, tê-lo procurado exercia um efeito aversivo de grande magnitude
sobre o seu comportamento. Este efeito aversivo seria seriamente agravado caso ela
reconhecesse as variáveis que a levaram a procurá-lo. Ao racionalizar, M.F. se esquivava
de parte do caráter aversivo de se manter lutando por uma pessoa que não a queria mais.
M.F., portanto, utilizava a racionalização para se autorizar a continuar investindo em uma
relação que somente a faria sofrer.

34 Ciirlot Augusto tfr Medeiros c Quilhcrmc M .u w r.i Roth.i


4. Alternativas de Intervenções Comportamentais:
O objetivo de uma intervenção não seria apenas suprimir as repostas de
racionalização do repertório verbal, e sim substituí-las por análises funcionais precisas
dos determinantes do comportamento.
Como as respostas de racionalização são uma conseqüência do controle aversivo,
a primeira alternativa seria a redução do caráter aversivo do reconhecimento dos
determinantes do comportamento, por mais que estes não fossem socialmente aceitos. A
audiência não punitiva (Skinner, 1953/1994) geralmente é o procedimento mais utilizado
para reduzir o caráter aversivo de alguns eventos. No caso da racionalização, o controle
aversivo é social, e o cliente foi punido ou observou outras pessoas serem punidas por
emitirem certos comportamentos por determinadas razões. Somando-se a isso, a imposição
dos valores sociais do que é certo ou errado levam as pessoas a racionalizarem por uma
espécie de transferência de função (e.g., aceitar permanecer com um parceiro infiel é
“errado", coisa de "corno manso" etc).
A audiência não punitiva consiste na ausência de estimulação aversiva provida
pelo terapeuta como conseqüência ao relato do cliente independente da sua forma e do
seu conteúdo (Medeiros, 2002). Neste sentido, a terapia representará uma modificação na
contingência de controle aversivo, o que, geralmente favorece o restabelecimento de
respostas verbais suprimidas pela punição. Para um estímulo aversivo condicionado (e.g.,
a observação das variáveis que controlam o comportamento punido) manter suas funções
aversivas, é necessário que pelo menos ocasionalmente ele preceda outros estímulos
aversivos. Com a audiência não punitiva, é quebrado este pareamento, onde o relato de
um comportamento previamente punido deixa de levar a estímulos aversivos, diminuindo o
caráter aversivo de observá-lo e de observar as variáveis das quais este é função. Em
termos menos técnicos, caso o terapeuta aceite seu cliente independente do que este
pense ou faça, é provável que o cliente passe a se aceitar também.
Para a Análise do Comportamento na Clínica, não há comportamento doente ou
comportamento normal. Todos os comportamentos servem como formas do organismo se
adaptar ao ambiente. O julgamento do comportamento como certo ou errado e normal ou
anormal se trata de uma mera convenção social (Meyer & Turkat, 1988). A partir deste
ponto de vista relativista, o terapeuta pode começar a abordar a racionalização por um
outro lado, isto é, enfraquecendo os valores sociais coercitivos que determinaram a emissão
das respostas de racionalização.
A postyra inicial, portanto, não é o confronto às respostas de racionalização do
cliente, e sim, o enfraquecimento do controle aversivo social que as determinam. Com o
enfraquecimento do controle aversivo e ao mesmo tempo o reforço ao relato verbal de
comportamentos que seriam punidos pelas outras pessoas, o terapeuta pode aumentar a
probabilidade de que seus clientes passem a emitir respostas de auto-observação e
autodescrição, pois elas deixarão gradativamente de trazer conseqüências aversivas
condicionadas de grande magnitude.
Na medida em que o cliente passe a reconhecer que estava emitindo respostas
de racionalização com alta freqüência, o terapeuta pode iniciar uma discussão com o
cliente dos prejuízos que estas trazem para a sua adaptação ao ambiente. Nesta discussão,
o terapeuta deve levar em consideração os dois pontos apresentados acima, isto é, o
prejuízo ao autoconhecimento e a manutenção de padrões comportamentais disfuncionais.
Neste sentido, o terapeuta pode treinar o cliente a discriminar os sinais da racionalização,

Sobre Comportamento e CogniçAo 35


ou seja, as situações que precedem a racionalização, como eventos ansiogênicos, ou
mesmo, respostas fisiológicas que geralmente acompanham a racionalização. Uma vez
que o cliente adquira tal responder discriminado, este poderá exercer o autocontrole (Skinner,
1853/1994), isto é, emitindo respostas controladoras que, ao manipular as variáveis
ambientais, diminuirão a probabilidade de emissão de respostas de racionalização e, ao
mesmo tempo, tornarão a emissão de análises funcionais mais prováveis.
Por fim, quando o cliente passar a reconhecer os determinantes de seu
comportamento, ele deve ser reforçado pelo terapeuta, mesmo que o seu relato venha a
ser punido pelas outras pessoas. O reforço terá a função de estabelecer análises funcionais
conduzidas pelo cliente. Neste sentido, o reforçamento diferencial também contribui para
o estabelecimento das respostas de autodescrição. O terapeuta pode simplesmente
extinguir as respostas de racionalização ao não fornecer reforço de comportamento de
ouvinte (e.g., a atenção do terapeuta, comentários a respeito do evento relatado, a
concordância do terapeuta, etc), e paralelamente reforçando com seu comportamento de
ouvinte as descrições precisas das variáveis que determinaram o comportamento relatado.
Como conseqüência, espera-se um aumento da freqüência de descrições precisas e uma
diminuição nas freqüências das respostas de observação.

5. Conclusões
De acordo com a apresentação da racionalização do ponto de vista da Psicanálise,
parece que as coincidências entre as visões comportamental e psicanalítica ocorrem
principalmente em se tratando de neuróticos. A semelhança dos usos do termo
racionalização se encontra principalmente na importância concedida ao controle aversivo
social na sua determinação. Caberia ressaltar, contudo, que o caráter "aversivo" do controle
social nem sempre é legitimado como fundamento universal para a racionalização a partir
da psicanálise. Pelo menos, se entendermos por isso a qualidade punitiva daquilo que
retorna para o indivíduo a partir de sua experiência com o outro. Freud já admitia que o
indivíduo "racionaliza" sua conduta, muitas vezes, tão simplesmente pelo fato de que ele
desconhece a causa inconsciente daquilo que a move. Ele aponta ainda, quanto a isso,
que sob a ação do recalque o sujeito fica alienado das causas que sustentam seu desejo
e, muitas vezes, isso por si só ó suficiente para que ele as descreva com os recursos que
o outro lhe destina. A qualidade desse recalcado não deve, entretanto, ser confundida
somente com o efeito inconsciente de uma punição ou controle social aversivo. Mas o
psicanalista ali entreyê, sobretudo, um excedente libidinal que força os limites do aparato
simbólico do sujeito produzindo, por essa via, um mal-estar que, secundariamente, pode
vir a assumir um valor aversivo.
Em se tratando da prática clínica, fica claro que, para ambas as abordagens, uma
confrontação das racionalizações do cliente é desaconselhada principalmente pelas
implicações indesejáveis para a relação terapêutica.
A composição de um artigo exclusivamente sobre a racionalização pode induzir a
conclusão de que este é um fenômeno central para clínica. Um aspecto que ficou claro na
visão psicanalítica, principalmente nos escritos de Freud, é a pequena importância
concedida ao fenômeno. Como apresentado anteriormente, Freud parece até desaconselhar
a sua abordagem direta na análise, a qual poderia aumentar a resistência. Obviamente,
uma abordagem do fenômeno também não essencial para uma intervenção comportamental,
o que pode ser demonstrado pela literatura inexistente acerca do tópico. Conduto, ao

30 Carlos Augusto dc Medeiros c Cyuilhermc M.issciw Roclni


interpretá-la como uma distorção do comportamento verbal, o estudo da racionalização e
de sua importância para a clínica está de acordo com as tendências atuais da Análise do
Comportamento na Clínica, que é a análise funcional do comportamento verbal do cliente
e do terapeuta durante a sessão de terapia (Hamilton, 1988; Medeiros, 2002).
Um aspecto fundamental a ser ressaltado é a necessidade de pesquisas aplicadas
na clinica para verificar a utilidade de se falar em racionalização para a compreensão do
funcionamento dos clientes. Além disso, as sugestões de intervenção para lidar com o
fenômeno na clínica também precisam ter sua eficácia corroborada por estudos de caso.
De qualquer forma, a abordagem do tema da racionalização se mostrou fecundo
para a inauguração do diálogo entre as duas abordagens, e como esperado, apontou para
um número maior de concordâncias teóricas e práticas do que para incompatibilidades. O
diálogo está inaugurado sendo esperado o empreendimento de mais trabalhos teóricos
como este, ou mesmo práticos, como a análise de casos. Outro ponto promissor parece
ser a sofisticação da comparação das duas abordagens acerca de como behavioristas e
psicanalistas compreendem a linguagem e a sua função na determinação da conduta
humana, trabalho esse que ensejamos ter inaugurado aqui.

Referências
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Psicoterapia e Medicina Comportamental (Org.), Anais do XI Encontro Brasileiro de
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Sobrr Comport«imcnlo c C o#nlçJo 37


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(trabalho original publicado em 1974).

38 Carlos Augusto dc Medeiros e Quilberme M.ísmm Rocb.i


Capítulo 4
Comportamento e disposição

Carlos Eduardo Lopes'


Uf-SCu

O behaviorismo radical é a filosofia da ciência do comportamento (Skinner, 1969,


1974). Partindo dessa afirmação, torna-se legítima a busca por respostas às perguntas
tradicionalmente formuladas para qualquer filosofia da ciência. Nesse texto apresentaremos
uma possível resposta à pergunta, "o que é explicação?” Destaca-se de antemão que não
se está afirmando que a proposta aqui apresentada ó a única ou a mais verdadeira, pelo
contrário, admite-se, sem dúvida, que é possível encontrar mais de um tipo de explicação
do comportamento, que seja compatível com o behaviorismo radical e com a análise
experimental do comportamento^. Dessa forma, um dos critérios que podem nortear a
aceitação ou abandono de uma proposta ou interpretação é sua coerência, bem como os
resultados produzidos por ela.
Tentaremos mostrar nesse trabalho que é possível defender um modelo explicativo
disposicional no behaviorismo radical. Com isso, o itinerário a ser percorrido começará
com a definição de disposição; em seguida verificar-se-á como se dá uma explicação
disposicional do comportamento, comparando-a com uma explicação causal; e, finalmente,
analisar-se-á quais as vantagens em se adotar um modelo disposicional de explicação.

1. Disposições
Muitos dos conceitos do behaviorismo radical podem ser classificados como
disposicionais (Lopes, 2003; Lopes & Abib, 2003). No entanto, se quisermos encontrar
uma unidade podemos dizer que no behaviorismo radical disposição é o mesmo que
probabilidade. Dizer que uma pessoa apresenta uma disposição para comportar-se de um
certo modo é, portanto, o mesmo que dizer que essa pessoa tem uma certa probabilidade

Pnorttoflo • Bacharel «Nn Psicologia. doutorando no Programa da Pós-graduaçâo erri Filosofia do Departamento da f-Moaolta a Metodologia daa Ciéndas
da Universidade Fadaral da S4o Cario*
1Com l*ao apontamos qua n io eatamoa aqui compromtsaadoa com uma teoria da verdade raatata, a portanto, o trabatw nto dava aar Ndocomo uma busca
do verdedetro modalo exp*ca#vo skinneriano, mas sàmoomo uma propoeta da modalo da expfcaçAo do comportamento, que poda aar aceito ou n*o. da acordo
oom sua plausJbMded« em ralaçAo ao behavtoriemo radical, sua coarènda Intema a a« coneeqOAndas produzidas pato compromisso com a*sa propoata

Sobrr ComporldmrntoeCognição 39
de comportar-se (Ryle, 1949/1980). A esse esquema simples acrescentamos que a
manifestação ou atualização de uma disposição é contingente a um certo contexto, ou
em termos behavioristas, que a ocorrência de uma resposta é influenciada pela presença
de uma estimulação discriminativa.
Nesse ponto faz-se necessária uma importante diferenciação. A disposição diz
respeito a uma probabilidade de ocorrência, e não a uma ocorrência atual. Do mesmo
modo o operante: trata-se de uma probabilidade, disposição ou tendência de ocorrência
de uma resposta em um dado contexto, e não de uma resposta propriamente dita.
Classificaremos, portanto, o operante como um estado comportamental que se
caracteriza por uma probabilidade de ocorrência de certas respostas, que por sua vez
caracterizam-se por propriedades funcionais constituídas e constituintes do próprio estado.

2. Explicação do comportamento
Geralmente explicar é responder a uma pergunta do tipo "por que... ?". Assim
sendo, a explicação do comportamento pode ser buscada na resposta à questão "por que
essa pessoa fez isso?" Parece evidente que há mais de uma resposta possível e, portanto,
mais de um modo de se explicar o comportamento. A escolha por uma dessas respostas
é contingente a outros fatores, como, por exemplo, a metafísica adotada. A presente
análise ficará restrita a duas possibilidades: a explicação causal e a explicação
disposicíonai.

2.1.Explicação causal do comportamento


A explicação causal é, muitas vezes, considerada como a única explicação possível
para um fenômeno. De acordo com essa concepção, explicar é basicamente encontrar as
causas. Por outro lado, esse tipo de explicação parece ser o mais criticado na filosofia da
ciência. Uma das principais críticas ao modelo causal de explicação pode ser encontrada
nos trabalhos de David Hume (1711-1776), que aponta de modo brilhante uma limitação
epistemológica do ser humano para lidar com relações de causa e efeito no campo do
comportamento humano.
Podemos resumir a critica humeana do seguinte modo: quando se observa que,
em várias ocasiões, um evento C ó seguido por um evento E, passa-se a considerar que C
é causa de E, ou que E ó causado por C; no entanto, é um engano considerar que entre C
e E há uma relação de necessidade e suficiência, ou seja, que dado C obrigatoriamente
tem-se E, e que Escorre apenas porque C ocorreu. Em suma, o fato do par "C-E" ocorrer
um milhão de vezes não garante sua inevitabilidade na próxima vez - a ligação entre os
dois eventos não pode ser encontrada na observação de suas ocorrências, é o hábito que
cria a crença de que essa ligação existe, e de que, portanto, o futuro será igual ao passado
(Hume, 1739/1980; 1748/2000).
É possível listar pelo menos duas decorrências da crítica humeana. A primeira é
a atitude cética que essa crítica recomenda em relação às supostas relações de causa
e efeito. A segunda é a substituição da infalibilidade de uma relação causal, pela
probabilidade. No entanto, o que é importante ressaltar é que Hume (1739/2000; 1748/
1980) fundamenta sua crítica em uma limitação epistemológica do ser humano: em
termos metafísicos o mundo pode continuar a ser causado - a respeitar relações de
necessidade e suficiência mas graças a uma incapacidade cognitiva, as verdadeiras
causas dos fenômenos nunca poderão ser diretamente conhecidas. Tem-se, portanto, a

40 Cdrlof Ldutirdo l.opcs


defesa de uma discrepância entre metafísica e epistemologia, entre o ser e o conhecido,
entre a essência e a aparência. Mas o que aconteceria se recusássemos essa
discrepância? A resposta a essa questão nos remete ao segundo tipo de explicação do
comportamento.

2.2 Explicação dlsposicional do comportamento


Esse tipo de explicação do comportamento consiste na descrição das disposições
ou estados comportamentais, que operam sobre o comportamento. Já sabemos que
disposição ó sinônimo de probabilidade. Dessa forma, em contraste com a explicação
causal, a explicação disposicional, considera a probabilidade como um ente real, que
está intimamente relacionado com o comportamento. Com isso, nesse tipo de explicação
do comportamento não há discrepância entre metafísica e epistemologia; a probabilidade
é imanente ao comportamento, e, portanto, a busca de causas, sejam elas probabilísticas
ou necessárias, não se justifica desde o começo3.
Com a explicação disposicional admite-se que o comportamento seja probabilístico,
no sentido forte do termo, ou seja, a probabilidade não é o produto de uma limitação
cognitiva do homem, mas ó o próprio funcionamento do campo comportamental. A
explicação disposicional, portanto, continua a possibilitar a previsão, só que essa sempre
será probabillstica, sem que isso deva ser entendido como sinônimo de imprecisão. Mesmo
que conhecêssemos todas as variáveis controladoras de determinado comportamento -
tarefa praticamente impossível - , ainda assim, nossa previsão continuaria a ser
probabilística. A previsão ó uma espécie de aposta razoável de que se certas variáveis
forem mantidas, o futuro possivelmente será igual ao passado.
Mas ainda nos falta analisar o "funcionamento” da explicação disposicional no
behaviorismo radical, ou seja, como a disposição articula-se com os conceitos behavioristas
radical e porque essa articulação merece ser chamada de explicação.

3. Explicação disposicional o behaviorismo radical


Uma ciência do comportamento não pode considerar apenas respostas singulares
de um organismo; nas palavras de Skinner, (1953): “não importa o quão acurada ou
quantitativa ela possa ser, o relato de um caso singular ó apenas um passo preliminar" (p.
15). O que devemos ressaltar ó que a explicação de respostas singulares, embora não
seja suficiente, ainda assim ó o estágio inicial da análise do comportamento. Defenderemos,
portanto, q u e ^ explicação de respostas se dá através de disposições e essa relação
pode ser encontrada no conceito de operante.
As respostas são constituídas por dois fatores: topografia e função. A topografia
pode ser considerada como a “forma" de uma resposta, os vários movimentos envolvidos.
Já a função é o sentido do conjunto de movimentos, ó o todo que dá coerência a esses
movimentos. Assim, uma resposta define-se pela função atribuída a uma certa topografia
e, portanto, uma análise funcional consiste na proposta de uma relação função-topografia.
A partir de uma análise funcional, é possível verificar que as várias respostas de
um organismo respeitam um certo padrão, uniformidade ou estado. A emissão de uma
resposta qualquer produz certas conseqüências que retroagem sobre o organismo. Essa

' Há (|uom dlicordti deMa deflnlçAo de expIlcaçAo dwpostdonal (VanderbMkwi & Weber, 2002). A encolha por uma ou outra deflnlçAo é norteada pnla
metafísica «dotada em cada um doa caaoa. NAo é poaatval apraeentar aqui, oom lodo o datafwmenlo que o aaaunto merece, a metafísica relacional - «dotada
no proaente trabalho - , baeta duer que ele tem como característica« a imanência e o Indetemiiniemo

Sobre Comportamento e CogniçAo 41


é a descrição de uma instância única (uma resposta que produziu uma conseqüência).
Se a repetição do par resposta-conseqüência acontecer de modo consistente - respeitando
uma contingência de reforço - , depois de um certo tempo será possível afirmar que se
constituiu um certo estado comportamental, ou seja, que há um certo padrão de respostas,
uma classe de respostas constituída, e, por esse motivo, há uma certa probabilidade de
que respostas parecidas sejam emitidas.
Portanto, quando se diz que uma pessoa apresenta um estado comportamental,
ou um operante, podemos esperar encontrar pelo menos duas características: uma certa
regularidade no conjunto das respostas emitidas por essa pessoa: e uma certa possibilidade
de que essa pessoa emita novas respostas "desse tipo" no futuro. Nesse sentido o operante
ó explicação, tanto da emissão de respostas atuais (a pessoa se comportou desse modo
e não de outro porque apresenta determinado estado comportamental), quanto de repostas
futuras (a pessoa possivelmente comportar-se-á desse modo no futuro).

4. Conclusão
O presente trabalho teve como principal objetivo apresentar um tipo de explicação
que emprega estados comportamentais ao invés de causas, a “explicação disposicional
Como principal conclusão podemos apontar o fato de que as características disposicionais
do operante nos conduzem a um novo modelo de ciência do comportamento.
Uma importante característica das disposições (e, conseqüentemente, do operante)
é que elas não são observáveis (Lopes, 2003; Ryle 1949/1980). Isso, em um primeiro
momento, pode assustar aqueles que têm uma leitura empirista do behaviorismo radical,
ou seja, aqueles que atribuem excessiva importância, para não dizer obrigatoriedade, do
dado empírico na ciência. O interessante aqui é que embora o operante não seja observável,
ele é fundamental para a ciência do comportamento. Por outro lado, quando dizemos que
o operante não é observável e que ele explica as respostas, isso não nos compromete
com uma metafísica transcendente: o operante não é um evento que está para além do
dado empírico, ele é um estado e como tal não pode ser qualificado por adjetivos como
observável ou inobservável.
Dessa forma, uma importante característica do behaviorismo radical, enquanto
filosofia da ciência do comportamento, é a desconstrução de dicotomias. No caso do
operante isso pode ser encontrado nas dicotomias observável/inobservável, público/privado,
intemo/externo - ele não é observável ou inobservável, público ou privado, intemo ou externo.
Para o operante essas dicotomias não se colocam, ele é uma abstração, uma construção,
um instrumento útil para os propósitos da análise experimental do comportamento. Buscar
ver um operante é como tentar sentir o sabor do azul, ou ver a cor do número cinco. Não
ó que o sabor do azul não pode ser sentido, é que cores não têm gosto; não é que a cor
do número cinco não pode ser vista, é que os números não têm cor.
Outra importante conseqüência da aceitação do modelo disposicional, tal como
foi proposto aqui, é que a ciência do comportamento deixa de seguir um modelo determinista
causal. Isso quer dizer que o conceito de causa pode ser abandonado, com a justificativa
de que o fenômeno comportamental é probabilístico; lembrando que essa afirmação não
está embasada em uma discrepância entre metafísica e epistemologia e, portanto,
probabilidade não é sinônimo de incapacidade cognitiva.
A pergunta que se constrói é: como seria, então, essa nova ciência do
comportamento, esboçada por essas características? Não responderemos a essa questão

42 Carlos Fdu.irilo l.opes


aqui, mas parece ficar claro que essa ciência afasta-se de certas tradições filosóficas
como o empirismo e o positivismo lógico (Smith, 1986), ao mesmo tempo em que se
aproxima de um modelo de ciência pós-empirista, com uma forte influência pós-moderna.

Referências
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Sérgio, Trad.) (pp. 135-204). São Paulo: Abril Cultural. (Original publicado em 1748)
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Sobrr Comportomcnto e Cofjnlçclo 43


Capítulo 5
O Estatuto da Criança e do Adolescente
como metacontingência
U m Estudo de Contingências e Metacontingências no Estatuto da
Criança e do Adolescente

h ã o C láudio Todorov - Universidade Católica de C/oi,is e Universidade de Brasilia,


M a isa M o re ira ’* - Universidade de Brasília,
M a ra Regina A . P ru d fn c io e p is e /e C a rn e iro Cam pos Pereira
Vara da Inlancia e da luvenfude - Ph - Universidade de Brasilia

O estudo de sociedades pela análise experimental do comportamento foi um


tema de estudo relegado por muito tempo, apesar das contribuições e da ênfase de B. F.
Skinner sobre a análise social e cultural como um componente fundamental do behaviorismo
radical (Malagodi, 1986). Muitos trabalhos teóricos de Skinner (1953,1955a, 1955b, 1956,
1957,1961,1964,1968a, 1968b, 1969,1972,1974,1978) têm em sua compreensão uma
nova visão de mundo (cf. Michael, 1980; Todorov, 1982) que integra filosofia, ciência e
princípios do comportamento dentro de uma teoria epistemológica consistente e geral do
comportamento humano. O maior elemento desta visão de mundo está na extensão de
princípios comportamentais para a análise de processos sociais e culturais. Em "Ciência
e Comportamento Humano" Skinner (1953) dedicou as três últimas seções para discutir
extensivamente assuntos sobre a natureza, evolução, sobrevivência, valores e planejamento
cultural.
Os novos estudos desse tema resultaram na construção da unidade de análise da
cultura: a metacontingência (Glenn, 1986). Metacontingências são relações contingentes
entre práticas culturais e suas conseqüências. São relações funcionais em nível de análise
cultural, cuja existência deriva, mas não é equivalente a contingências comportamentais
(Glenn, 1991). Uma metacontingência não é um arranjo de contingências individuais de
diferentes pessoas. Ela consiste em contingências individuais interligadas, entrelaçadas,
em que todas juntas produzem um mesmo resultado a longo prazo. O conceito de
metacontingência permite efetivamente considerar o comportamento de grandes grupos
de indivíduos em certas situações. Isso pode ser exemplificado pelos vários comportamentos
envolvidos na redução da poluição do ar (Glenn, 1986).
‘Jo io Cláudio Todorov * PhD Protoaaor Titular da Unlvarudada Católica d* GoiAa • PaaquHudor Ataodado da Urvvaraklwl« da Bramlfa
‘ Malta Moralra é aluna d« yraduaçAo am Patcotogia da Untvwraldad« da B fM lIa
~Mara Ragfna A. Prudéndo, palcóinga vinculada à tara da InfAncta a da Juvantuda do Tribunal da Justiça do Dtatrtto Fadaral a Tarrltrtrto» o rimatranda da
UnlvanMdada da RraalHa
"Olaate Paroira. palcútoga vinculada * Vara da InMnda a da Juvantudo do Tríbunal da Juatlça do Dlatrtto Fadaral a TanlMrto* a maatranda da Unlvomldads
da BraalNa

44 loío Cláudio íodorov, Moreira, M aria Regina A . Prudôncio c C/isclc C . C. Pcrrira


Essa unidade de análise pode ser utilizada para o estudo de códigos de leis. Em
Estados democráticos de direito, como o Brasil, as metacontingências percebidas na
sociedade são deliberadas por representantes do povo eleitos para as Casas Legislativas,
dai o seu caráter democrático. Alguns exemplos são: a Constituição, o Código Penal, o
Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Constituição do Brasil,
por exemplo, já foi estudada sob a partir do conceito de metacontingência (Todorov, 1987).
O ECA pode ser considerado uma metacontingência, pois descreve situações,
comportamentos e conseqüências diferentes para os diversos segmentos da sociedade
(juizes, promotores, cidadãos, conselheiros tutelares, psicólogos, pais, responsáveis,
crianças, adolescentes). Esses diferentes comportamentos integram contingências
semelhantes visando a um fim único: a proteção de crianças e adolescentes.
No Brasil, a Lei Estatutária (ECA) encontra-se em vigor desde o ano de 1990,
sendo, desde então, regulador de todos os procedimentos relativos à proteção integral à
criança e ao adolescente. Como exemplo da aplicação do ECA tem-se as diversas
denúncias de abuso físico ou sexual contra crianças que são feitas por cidadãos e
levadas ao conhecimento do Conselho Tutelar ou da Vara da Infância do Município, as
quais geram estudos técnicos e a aplicação de medidas aos pais ou responsáveis,
previstas no artigo 129.
O objetivo deste trabalho foi identificar as contingências tríplices entrelaçadas
representadas nos artigos dispostos ao longo da Lei. Sua contribuição foi a geração de
uma metodologia para estudos sobre metacontingências em códigos de Lei, possibilitando
pesquisas que visem a descrição de práticas culturais inseridas numa sociedade.

1. Metodologia
1.1. Objeto de Estudo
O objeto de estudo da pesquisa é o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n°
8069, de 13 de julho de 1990, de acordo com as alterações dadas pela Lei n° 8.242, de 12
de outubro de 1991, enquanto um conjunto de contingências entrelaçadas constituindo
metacontigências (Glenn, 1986).
O Estatuto da Criança e do Adolescente é composto por dois Livros. Esses livros
estão subdivididos em Títulos. Cada Título é subdivido em Capítulos. Os Capítulos estão
subdivididos em seções e estas últimas, em subseções. Resultando, portanto, em um
total de 267 (duzentos e sessenta e sete) artigos dispostos na Lei.

1.2. Instrumento de Análise


O instrumento de análise utilizado foi a contingência tríplice, com o objetivo de
identificar termos da contingência nos artigos e agrupar os antecedentes, comportamentos
e conseqüentes de uma mesma contingência.
Critérios de Análise Utilizados

• Antecedentes: descrevem contextos, condições e circunstâncias para ocorrência de


comportamentos.
• Comportamentos: estabelecem ação esperada de um sujeito, a qual pode ser definida
implícita ou explicitamente.

Soba* Comportamento c Cognição 45


• Conseqüentes: são conseqüências diretas de comportamentos definidos nas
contingências.

1.3. Procedimento
Foram analisados os 267 artigos presentes na Lei, tendo como objetivo identificar
os termos das contingências que representavam, por exemplo, se cada artigo referia-se a
um antecedente, comportamento ou conseqüente. Localizado um artigo que descrevesse
um antecedente, pesquisava-se a existência de artigos que apresentassem
comportamentos e conseqüentes, contingentes ao antecedente.
O texto foi pesquisado seguindo-se a ordem numérica dos artigos; entretanto, na
organização das contingências essa ordem foi desconsiderada, priorizando-se o
agrupamento dos termos das contingências. Por exemplo, no tema Proteção à Vida e à
Saúde, o antecedente da contingência é o artigo 7o:
Art. 7o - A chança e o adolescente têm direito à proteção, à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e
0 desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

O comportamento é representado no artigo 4o:


Art. 4o - Ê dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos
referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à
profissionalização, ã cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Parágrafo Único - A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias:
b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública:
e) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a
proteção â infância e à juventude.

E a conseqüência encontra-se no artigo 129:


Art. 129 - São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
1 - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção á família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e
aproveitamento escolar;
VI - o brigação de enca m in ha r a criança ou a do lescente a tratam ento
especializado;
VII - advertência;
VIII perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X - suspensão ou destituição do pátrio poder.
Parágrafo Único - Na aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste
artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23 e 24.

Fica óbvio, pelo exemplo anterior, que o texto legal não especifica um a um cada
comportamento, cada antecedente e cada conseqüência. Antecedentes são agrupados

46 )oâo Cláudio Todorov, Mdifci Morrira, Rcglrw A . Prudêncio ç C/isrlr C . C . PcrriM


em um artigo, diversos comportamentos em outro, e conseqüências possíveis em outro
ainda. No uso que fazemos, contingências especificam relações entre classes de estímulos,
classes de respostas, e classes de conseqüências.
Em toda a análise utilizava-se o artigo inteiro; apenas os artigos do Título VII -
Dos Crimes e das Infrações Administrativas - foram desmembrados em parágrafos e
penas, como pode ser observado a seguir:

Antecedentes
Art. 7o - A criança e o adolescente têm direito ò proteção, à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e
o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Comportamentos
Art. 245 - Deixar módico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção
à saúde e de ensino fundamental, prê-escola ou creche, de com unicar à
autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita
ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente:

Conseqüências
(Artigo 245) Pena - multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência, aplicando-
se o dobro em caso de reincidência.

2. Resultados e Discussão
O presente trabalho possibilitou o estudo da metacontingência envolvida no ECA,
entendendo-se como metacontingência a unidade que descreve as relações funcionais
entre classes de operantes, cada classe associada a uma contingência tríplice diferente,
e uma conseqüência comum a longo prazo, comum a todos os operantes na
metacontingência. São essas conseqüências que ligam nossas ações do dia-a-dia e que
podem ser controladas pelas regras da sociedade como a Constituição e os Códigos de
Leis (Todorov, 1987).
A metacontingência contida no ECA pode ser descrita no seu artigo 1o: "Esta Lei
dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente". Observando-se os artigos da
Lei e organizando-os em contingências, percebeu-se que formam dois conjuntos:
contingências çompletas e incompletas. Esses conjuntos entrelaçados procuram garantir
uma conseqüência comum a longo prazo, a qual é descrita no artigo primeiro.
Na completa são encontrados os três termos da contingência: antecedentes,
comportamentos e conseqüências, como apresentado a seguir:

Exemplo 1:
Tema: Saúde

Antecedentes
Art. 7o - A criança e o adolescente têm direito à proteção, à vida e à saúde,
mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e
o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

Sobre Comportamento eCoflnlçío 47


Comportamentos

Art. 228 - Deixar o encarregado de serviço ou o dirigente de estabelecimento de


atenção à saúde de gestante de manter registro das atividades desenvolvidas, na
forma e prazo referidos no art. 10 desta Lei, bem como de fornecer à parturiente
ou a seu responsável, por ocasião da alta módica, declaração de nascimento,
onde constem as intercorrôncias do parto e do desenvolvimento do neonato:

Conseqüências
(Artigo 228) Pena - detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Também foi considerada contingência completa aquela que nào apresentava
antecedente específico, ou seja, que não estabelecia a condição para a ocorrência do
comportamento. A falta de um antecedente específico não impede o entendimento da
contingência, pelo contrário, permite maior flexibilidade na interpretação da Lei, visto que
o comportamento requerido deve ocorrer em qualquer condição, como se segue:

Exemplo 2:
Tema: Direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer

Comportamentos

Art. 55 - Os pais ou responsável tôm a obrigação de matricular seus filhos ou


pupilos na rede regular de ensino.

Conseqüências
Art. 129 - São medidas aplicáveis aos pais ou responsável:
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família;
II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos;
III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico;
IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação;
V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e
aproveitamento escolar;
VI - obrigação de enca m in ha r a criança ou a d o le scen te a tratam ento
especializado;
VII - advertência;
VIII - perda da guarda;
IX - destituição da tutela;
X — suspensão ou destituição do pátrio poder.
Parágrafo Único - Ala aplicação das medidas previstas nos incisos IX e X deste
artigo, observar-se-á o disposto nos arts. 23 e 24.

Considerou-se contingência incompleta aquela formada por um ou dois termos da


contingência (por exemplo, um antecedente sem comportamento ou conseqüência). Isso
pode ser observado no Exemplo 3:

Exemplo 3:
TEMA: Convivência familiar e comunitária

48 loáo Cláudio Ibdorov, M u iw M orcirj, M .iria RfRÍn.i A . Prudêndo t l/ltc lc C. C. Prreir.)


Antecedente
Art. 20 - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão
os m esm os d ire ito s e q u a lifica çõ e s, p ro ib id a s q u a is q u e r d esignações
discriminatórias relativas à filiação.

Este artigo dispõe sobre os direitos dos filhos havidos do casamento ou por adoção.
Poróm, não se encontrou no texto um comportamento esperado diante deste antecedente,
bem como uma conseqüência.
É importante ressaltar que os artigos 1o e 6o por apresentarem uma descrição
geral foram considerados antecedentes gerais que permeiam todo o texto.
O agrupamento dos artigos para formar uma contingência não obedece a uma
ordem numérica, uma vez que os antecedentes, comportamentos e conseqüentes não se
encontram em artigos próximos. Observou-se que as penas se encontravam nos últimos
artigos do Livro II. Os artigos que contêm comportamentos estão na Parte Especial, e os
principais antecedentes no Livro I. Tal configuração é observada no Exemplo 1.
Semelhante fragmentação das contingências no texto pode ser verificada também
na distribuição dos temas (especificado a seguir), ou seja, um tema como Flagrante de
Ato Infracional surge no Livro I assim como no Livro II (artigos relacionados a procedimentos).
Essa disposição dos artigos pode representar uma dificuldade no manuseio da Lei
Estatutária à medida que, para aplicá-la, o intérprete da Lei (juiz, promotor, advogado,
delegado) e o cidadão comum devem percorrer todo o livro para encontrar os artigos que
remetam à situação em estudo.
No ECA os artigos são divididos em temas. Na análise, alguns desses temas foram
agrupados resultando em 29 temas para este trabalho. São eles: Saúde, Liberdade, Família,
Pátrio Poder, Guarda, Tutela, Adoção, Educação e Esporte, Profissionalização, Prevenção,
Produtos e Serviços, Autorização para Viajar, Entidades de Atendimento, Medidas de Proteção,
Ato Infracional, Garantias Processuais, Medidas Sócio-Educativas, Conselho Tutelar, Acesso
à Justiça, Juiz, Serviços Auxiliares, Procedimentos, Apuração de Infração Administrativa,
Recursos, Ministério Público, Advogado, Proteção de Direitos, Crimes e Infrações Administrativa
e Disposições Finais. É interessante observar que o entrelaçamento de contingências se dá
na existência de contingências semelhantes presentes em cada tema, ou seja, todas
apresentam o mesmo objetivo: garantir direitos da criança e do adolescente
Na análise de contingências completas e incompletas por tema verificou-
se que o maior número de contingências completas se encontram nos temas Prevenção
e Saúde. O conteúdo do tema Prevenção se refere tanto à exposição da criança e do
adolescente a produtos de entretenimento - como filmes, shows, espetáculos e revistas -
quanto ao consumo de substâncias e objetos que possam causar danos físicos e
psicológicos - álcool. O tema Saúde apresenta os direitos da criança e do adolescente
referentes ao atendimento hospitalar e tratamento médico. Essas contingências completas
indicam que há conseqüências descritas para controlar os comportamentos desejados e
que os legisladores se preocuparam em garantir direitos básicos para a criança e o
adolescente, desde o acompanhamento pré-nataf para a mãe, até a atenção que o jovem
deve receber no Sistema Único de Saúde.
Os cinco outros temas com maiores escores são: Família, Educação e Esporte,
Ato Infracional, Liberdade e Guarda. Os quatros primeiros parecem mostrar a preocupação
com os procedimentos e condições de aplicação da Lei com relação aos comportamentos
inadequados dos adolescentes (como roubo, furto e homicídio).

Sobre Comportamento e Cofjniçáo 49


Esses altos escores de contingências completas nestes temas demonstram uma
característica importante do Estatuto que é a de prevenção à violação do direito das crianças
e adolescentes, dando pouca ênfase a procedimentos punitivos.
Os temas com menores escores de contingências completas foram Pátrio Poder,
Profissionalização, Medidas de Proteção, Juiz, Serviços Auxiliares, Procedimentos,
Apuração de Infração Administrativa, Recursos, Ministério Público, Advogado, Proteção
de Direitos, Crimes e Infrações Administrativas e Disposições Finais.
A falta de conseqüências para os comportamentos contidos nesses temas (como
pode ser observado no Exemplo 4, abaixo) deve-se ao fato de existirem leis específicas
que regulam as atribuições de cada agência controladora, como por exemplo a atividade
dos Juizes que é regulamentada pela LOMAN - Lei Complementar n° 35/79 e a atividade
dos Promotores que é regulamentada pela Lei Complementar n° 75/93. Verifica-se, a partir
de então, a necessidade de uma análise que faça a inter-relação entre o ECA e as leis
correlatas a ele.

Exemplo 4:
Tema: Do Juiz

Antecedentes
Art. 146 - A autoridade a que se refere esta Lei è o Juiz da Infância e da Juventude,
ou o Juiz que exerce essa função, na forma da Lei de Organização Judiciária
local.

Ao formar as contingências percebeu-se que há artigos que participam de várias


contingências diferentes. Os dados que remetem ao número de repetições de artigos nas
contingências mostram o quanto a Lei è aberta, o quanto não define bem as contingências,
pois 34 artigos, de 267 no total, ou seja, quase metade dos artigos se repete duas vezes
ou mais para que as contingências sejam formadas. Esse número de repetições sugere
possíveis dificuldades na interpretação da Lei, pois esta pode parecer incompleta. No
agrupamento de artigos para formar as contingências, a repetição pode suprir as lacunas
da Lei fechando-a a diferentes possibilidades de interpretação, pois a contingência descreve
as possibilidades de ação do sujeito e as conseqüências precisas para suas ações.
Como resultado geral desta análise de contingências, obteve-se o percentual de
47,22% de contingências completas e de 52,77% de contingências incompletas. Dada a
importância do pâpel do ECA na sociedade brasileira e o fato de que uma lei seria escrita
para que comportamentos possam ser controlados, esses resultados revelam que estas
contingências incompletas podem ser uma das causas de problemas encontrados em
sua aplicação. Essa falta de clareza em especificar as contingências pode, também,
levarem um nível prático, a possíveis incertezas quanto ao papel exercido por cada agente
que se encontra sob as diretrizes do ECA. Cabe ressaltar que, em uma análise qualitativa,
mesmo os artigos, os quais contém comportamentos, são pobres em descrevê-los
operacionalmente, deixando assim, à cargo da autoridade judiciária uma ampla interpretação
discricionária da Lei.
Um artigo incompleto abre precedente para várias interpretações, pois ao não
esclarecer qual a conseqüência para a ação, esta pode ser manipulada articulando-se
diferentes artigos para crimes semelhante s. Isto pode ser visto diariamente, nos jornais,
nas manipulações da lei feitas por Juizes. Quando o ECA enuncia que é dever da família,

50 João Cláudio Toilorov, M<tlw Moreira, M .ir jj Reflin.i A . Prudônclo c C/iiele C. C. Pcrrlr.i
da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar os direitos de saúde
e alimentação (artigo 4o) e não especifica a conseqüência para o não cumprimento desta
ação, o resultado jurídico de uma sentença para este caso pode ser distinto para famílias
diferentes (ou níveis sociais diferentes) que incorrem no mesmo delito.

Referências
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sociocultural metacontingencies. Behavior and social issues, 8, 9-39. Cambridge Center for
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Todorov J, C. (1987). A Constituição como Motacoi)tingência. Psicologia: Ciência e Profissão, 7,


9-13.

Sobrr Comportamento c CogniçJo 51


Capítulo 6
O que é comportamentalismo?

fosé A n tô n io P am ásio A b ib '


UFSCitr

Defende-se, neste ensaio, que um conceito só está definido quando está explicado.
Pode-se estranhar essa afirmação porque usualmente se pensa que um conceito é primeiro
definido e somente depois explicado - crença que não é de todo incorreta porque na
definição já há referência a termos que explicam. Porém, trata-se de termos que, de todo
modo, ainda necessitam ser explicados. Portanto, é com uma explicação cada vez mais
apurada que, com mais exatidão e visibilidade, se define um conceito qualquer.
Se alguém disser que o “neocomportamentalista" Edward C. Tolman (1886-1959)
não é um comportamentalista, algumas reações, contundentes até, serão ouvidas (a
polêmica será toda centrada em torno da definição da noção de comportamentalismo). E
que escândalo não seria se tal afirmação houvesse sido dirigida ao “arquicomportamentalista"
John B. Watson (1878-1958)! E é bem isso o que será dito aqui: Watson não é um
comportamentalista. O leitor pedirá explicações. Com razão. A explicação que será
apresentada conduzirá à conclusão não só que comportamentalismo é comportamentalismo
radical, mas também que Watson não radicalizou o comportamentalismo (logo, não é
comportamentalista). Novamente o leitor pedirá explicações. E, mais uma vez, com razão.
Agora, é necessário explicar que só pode haver comportamentalismo se for radical. Já
impaciente talvez o leitor diga: seria possivel, então, dizer o que é comportamentalismo
radical? É preciso começar a explicar.

1. Seis Teses sobre Explicação do Comportamento


A primeira tese afirma que é a teoria do comportamento que explica o
comportamento. A segunda tese afirma que teoria do comportamento é teoria cientifica. A
terceira tese afirma que há, ao menos, três teorias científicas do comportamento: a teoria
reflexa de Watson, a teoria intencional de Tolman e a teoria conseqüencialista de B. F.
Skinner (1904-1990). A quarta tese afirma que teoria do comportamento é teoria filosófica,
é teoria epistemológica e metafísica. Há, ao menos, três teorias epistemológicas e três

52 José Antônio Pamásio A bib


teorias metafísicas relevantes para explicar o comportamento. As teorias epistemologicas
são: reducionismo, emergencialismo e complexidade. As teorias metafísicas são:
fisicalismo, mentalismo e reducionismo. A quinta tese afirma que, filosoficamente
examinadas, as teorias do comportamento se relacionam com epistemologias e metafísicas
distintas. As relações são as seguintes: Primeira: teoria do reflexo com reducionismo e
fisicalismo. Segunda: teoria intencional com emergencialismo e mentalismo. Terceira:
teoria conseqüencialista com complexidade e relacionismo. A sexta e última tese afirma
que o comportamento é definido por uma explicação científica e filosófica.
Da perspectiva dessas teses cabe destacar duas coisas: primeiro, que explicar o
comportamento ó uma atividade complexa ou transdisciplinar e, segundo, que uma
explicação do comportamento assentada apenas em uma teoria científica será
necessariamente incompleta. A explicação deve avançar com a contribuição destas duas
disciplinas filosóficas: epistemologia e metafísica. Segundo, como definir comportamento
envolve teoria científica e filosófica do comportamento, evita-se aqui - embora nem sempre
seja possível-falar de comportamento reflexo, comportamento intencional, comportamento
operante (um tipo de comportamento construído pela teoria conseqüencialista do
comportamento). Atribui-se esses termos às teorias: teoria reflexa do comportamento,
teoria intencional do comportamento, teoria operante do comportamento. Qualquer definição
de comportamento é construção teórica, científica e filosófica. O “comportamento operante"
que se vê ali fora no mundo é construção teórica. Quem não domina a teoria operante do
comportamento não vê “comportamento operante". Sem uma teoria científica e filosófica
do comportamento ninguém sabe o que é comportamento.

2. Teoria Reflexa, Reducionismo e Fisicalismo


Watson (1924/1930) disse que comportamento é ajustamento, hábito ou ato. O
“arquicomportamentalista” não concordava com a análise do hábito realizada pela psicologia
de sua época: achava que era mentalista. Skinner (1987) cita um trecho de uma entrevista
de Watson no qual o "fundador do comportamentalismo" considerou ser de grande avanço
para a análise do hábito a teoria dos reflexos condicionados desenvolvida pelos fisiologistas
russos Pavlov e Bechterev. Decompostos em reflexos, os hábitos ganhavam uma explicação
de relações estímulo-resposta - longe, portanto, do mentalismo. O conceito de
comportamento passou, então, a ter uma referência mais ampla. Com efeito, o
comportamento pode ser complexo (como no caso de hábitos não analisados) ou simples
(como no casp de hábitos analisados em termos de respostas reflexas). Em suma,
comportamento é resposta e hábito (ajustamento ou ato).
Com essa teoria do comportamento, Watson legou à posteridade um organismo
parcelado, uma espécie de jardim das espécies reflexas. Porém, essa fragmentação se
prestava bem a um de seus propósitos: o de defender uma explicação fisiológica de
estímulos e respostas. O "arquicomportamentalista" elaborou uma teoria molecular do
comportamento. O hábito, comportamento complexo, era analisado ou decomposto em
unidades mais simples: os reflexos - que, ao fim e ao cabo, eram explicados em termos
fisiológicos. Uma teoria reducionista do comportamento no melhor figurino cartesiano: a
análise por decomposição de fenômenos complexos. Nesse sentido, a teoria reflexa é
uma teoria fisiológica do comportamento: o comportamento é explicado por relações
estímulo-resposta fisiológicas Trata-se de um reducionismo fisiológico-ou fisicalista, na
exata medida em que fenômenos fisiológicos são fenômenos físicos. O que equivale a

Sobnr Comportumenlo c C otfniçüo 53


dizer que a realidade é física. O comportamento expressa a ocorrência de fenômenos
físicos ou deriva da realidade física.
Qual é a definição de comportamento na teoria reflexa de Watson? Brevemente
pode-se dizer que comportamento é ajustamento reflexo-fisiológico do organismo ao
ambiente, explicável, em última análise, na linguagem do reducionismo e do fisicalismo.

3. Teoria Intencional, Emergencialismo e Mentalismo


Tolman (1932) criticou a teoria de Watson. Chamou-a, pejorativamente, de
"psicologia das contrações musculares". Porém, o "neocomportamentalista” reconheceu
a referência de Watson à complexidade do comportamento com os conceitos de
ajustamento, hábito ou ato. Tanto é assim que definiu o comportamento como ajustamento.
Obviamente, não como ajustamento reflexo. Mas como ajustamento intencional e cognitivo.
O ajustamento é, como no caso do ajustamento reflexo, relacionado ao ambiente. Contudo,
refere-se às propriedades imanentes ao comportamento. Tais propriedades - presentes e
visíveis no comportamento - são direcionalidade, efetividade e docilidade. 'Intenção' e
'cognição' - dois vocábulos essenciais da teoria de Tolman - são nomes que se referem a
essas propriedades. 'Intenção' relaciona-se com direcionalidade, e 'cognição' com
efetividade e docilidade. Sendo assim, o ajustamento intencional e cognitivo refere-se ao
ajustamento eficiente e maleável à meta.
Por sua referência às propriedades imanentes ao comportamento, intenção e
cognição são variáveis dependentes, e precisam, portanto, de explicação. Mas, ao mesmo
tempo, Tolman considera que intenção e cognição são variáveis intervenientes: são variáveis
definidas pela relação entre variáveis dependentes (direcionalidade, efetividade, docilidade)
e variáveis independentes (hereditariedade, estímulos, estados fisiológicos). São variáveis
situadas entre as variáveis independentes e dependentes: são as variáveis intervenientes.
Portanto, são variáveis que explicam as variáveis dependentes. Foi assim que a teoria
intencional de Tolman adquiriu uma ambigüidade que lhe tomou dez anos (Smith, 1986).
Ele a resolveu do seguinte modo: de um lado, abandonou a noção de 'intenção' e ‘cognição’
como nomes de propriedades imanentes ao comportamento. De outro lado, transformou
suas variáveis intervenientes em construtos hipotéticos: elas perderam seu caráter formal
de expressão matemática de relações entre variáveis independentes e dependentes e
adquiriram não só significados fenomenológicos, intuitivos e neurológicos, mas também
sentidos da experiência comum (Tolman, 1959/1977).
A teoria intencional de Tolman modificou a noção de organismo: de fragmentário e
parcelado passou^ ser visto como um todo unitário. De maquinaria reflexa e de ajustes
automáticos, o organismo passou a ajustar-se ao ambiente no confronto com obstáculos
e com aprendizagem de meios eficientes para ultrapassá-los e atingir suas metas. Esses
ajustes não podem ser compreendidos no nível fisiológico porque nesse nível não se verificam
as propriedades de direcionalidade, docilidade e efetividade do comportamento. Não há,
portanto, qualquer possibilidade de identificar tais propriedades do comportamento com
fenômenos fisiológicos. Seria como querer compreender qualidades viventes da bactéria -
mover-se, conhecer e regenerar-se - com o estudo exclusivo de elementos químicos ou
de moléculas. As propriedades do comportamento emergem de eventos e estados
fisiológicos, mas não são redutíveis a esses. Trata-se, então, de uma teoria molar do
comportamento: uma teoria que preserva as qualidades únicas do comportamento sem
reduzi-las a fenômenos fisiológicos. O “neocomportamentalista" está longe do fisicalismo
de Watson.

54 Joié Antônio Pamáiio Ablb


Compreende-se, assim, a dificuldade de Tolman para explicar o comportamento.
Se as propriedades do comportamento são peculiares e se a fisiologia não ó suficiente
para explicá-las, então não é o caso de recorrer à fenomenologia, aos sentidos da experiência
comum e á intuição? Não é o caso de introduzir a mente? Intenção e cognição não se
referem a explicações mentalistas? Intenção e cognição são instrumentos conceituais
para formular problemas de pesquisa e promover o avanço da ciência (Smith, 1986; Abib,
1997). Smith é ardoroso defensor de um pragmatismo na teoria de Tolman: um pragmatismo
Instrumentalista. O mentalismo de Tolman poderia ser, então, caracterizado como sendo
a defesa de uma mente-instrumento. Uma espécie de realidade fictícia ou abstrata com
poderes heurísticos atuando a favor da criatividade científica. Contudo, é fácil se encantar
com essa ficção e transformá-la em existência objetiva e concreta: hipóstase ou substância.
O mentalismo de Tolman poderia, enfim, ser caracterizado como defesa de uma mente-
hipóstase ou mente-substância. É desse tipo de mentalismo que Skinner (1969) e Chiesa
(1994) acusam Tolman. O "neocomportamentalista" escapou da metafísica fisicalista para
cair na metafísica do mentalismo. O comportamento expressa a mente-substância ou a
mente-instrumento.
Qual é a definição de comportamento na teoria intencional de Tolman? Brevemente
pode-se dizer que comportamento é ajustamento intencional-cognitivo do organismo ao
ambiente, explicável, em última análise, na linguagem do emergencialismo e do mentalismo.

4. Teoria Conseqüencialista, Complexidade e Relacionismo


O operante é emblemático para definir comportamento (Skinner, 1953). Operante
é o comportamento que produz conseqüências e é reforçado pelas conseqüências que
produz. Trata-se de uma descrição insuficiente para definir o comportamento porque há
comportamentos que produzem conseqüências, mas que não são reforçados pelas
conseqüências que produzem. Ao penetrar em novos ambientes, uma ameba aumenta
suas chances de encontrar alimento necessário à sua sobrevivência. Essa conseqüência
de sobrevivência natural seleciona um indivíduo de uma espécie que tem mais chances de
se reproduzir do que outros que ou não encontram alimento ou têm dificuldades para fazê-
lo. Se o indivíduo - ou o gene, (Dawkins, 1976/1989) - é selecionado, o comportamento
também o é. Por ser selecionado, o comportamento é fortalecido. Porém, o comportamento
é selecionado (e fortalecido) apenas porque o indivíduo (ou o gene) sobreviveu e se reproduziu.
Nas palavras de Skinner: "Em um sentido, uma dada resposta é fortalecida por
conseqüências que têm a ver com a sobrevivência do indivíduo e das espécies. Uma dada
forma de comportamento conduz não ao reforço, mas à procriação" (1969, p. 174). Um
indivíduo nào é selecionado se o seu comportamento não produz conseqüências de
sobrevivência naturais.
As conseqüências reforçadoras selecionam comportamento operante, e não
indivíduos. Comportamentos que não produzem conseqüências reforçadoras não são
selecionados. Naturalmente, pode-se pensar que se a totalidade do comportamento de
um indivíduo não for reforçada, o indivíduo não será selecionado. Trata-se, todavia, de uma
possibilidade extrema. O comportamento operante está na origem de práticas que produzem
conseqüências de sobrevivência culturais. Um indivíduo pode ter um comportamento
indagador, inquieto, curioso e ser reforçado por conseqüências especialmente reveladoras
de seu ambiente. Tomado como modelo e imitado por outros membros de seu grupo
social, tal comportamento pode produzir, para esses membros, as mesmas conseqüências

Sobre Comportamento e Coflniç.lo 55


reforçadoras já verificadas no comportamento do indivíduo que serve como modelo. Mas é
possível que no longo prazo surja uma prática cultural chamada 'ciência', que poderá ser
decisiva para a sobrevivência das culturas. Práticas culturais produzem conseqüências de
sobrevivência das culturas. Essas conseqüências têm valor de sobrevivência para os grupos
sociais, comunidades e sociedades humanas, e terminam por selecionar as práticas
culturais que as produzem. Porém, conseqüências de sobrevivência culturais não são
conseqüências reforçadoras: elas não fortalecem operantes. Fortalecem, isto sim, práticas
culturais. As conseqüências de sobrevivência culturais não reforçam práticas culturais
porque freqüentemente são tão remotas e incertas que não são contingentes ao
comportamento. É só pensar por um momento em conseqüências como, por exemplo,
bem público, segurança, saúde e educação. Isso não quer dizer, contudo, que as práticas
culturais que produzem conseqüências de sobrevivência das culturas não sejam
selecionadas e, conseqüentemente, fortalecidas. Mas, não custa repetir, não são
fortalecidas por serem reforçadoras, bem como vale lembrar, a noção de fortalecimento é
dependente da noção de seleção por conseqüências. Portanto, o fortalecimento que ó
produzido por conseqüências reforçadoras representa apenas um caso particular desse
modelo.
Existe uma distância entre as práticas culturais e as conseqüências de
sobrevivência das culturais que fornece um motivo suficiente para que as sociedades
planejem conseqüências específicas como os sistemas legais e de honorabilidade para
levar os indivíduos a agir em prol da sobrevivência das culturas. Isso significa dizer que
conseqüências de sobrevivência culturais teriam que depender da função de reforçadores
condicionados. Skinner (1971) vê um grave problema nessa dependência e insiste no
desenvolvimento do que se poderia chamar de uma sensibilidade cultural, que teria a
finalidade principal de conduzir os indivíduos a um interesse genuíno pela sobrevivência
das culturas: um interesse desvinculado de interesses individuais. Com uma insistência
dessa índole, Skinner aponta para uma ética que, de um lado, restringe os interesses
individuais ao valor prudencial (o valor que busca um equilíbrio entre os bens individuais e
os bens dos outros); e que, de outro lado, enfatiza o desenvolvimento de uma sensibilidade
cultural, desvinculada de conseqüências que possam favorecer interesses individuais. Trata-
se do campo da moralidade (Abib, 2001a). Enfim, o que existe é seleção de indivíduos,
operantes e práticas culturais. Mas há comportamento nos três casos, que poderiam ser
denominados, respectivamente, de comportamento vital, comportamento operante e
comportamento cultural.
A teoria conseqüencialista de Skinner é uma teoria complexa ou transdisciplinar
do comportamento. Sua expressão "modelo de seleção por conseqüências" aponta para o
âmago de sua explicação do comportamento: as conseqüências selecionam indivíduos,
operantes e práticas culturais. É notável que uma teoria da explicação do comportamento
inclua a seleção de indivíduos e de práticas culturais. Não tanto pelo fato óbvio que sem
indivíduos e práticas culturais não haveria comportamento. Mas pelo fato, talvez não tão
óbvio, que sem comportamento não haveria indivíduos, nem tampouco práticas culturais.
Na lógica da sobrevivência há uma recursividade envolvendo o comportamento. Com efeito,
o comportamento vital produz conseqüências de sobrevivência naturais, que selecionam
Indivíduos, que produzem comportamentos, que produzem conseqüências de sobrevivência
naturais, que selecionam indivíduos, e assim sucessivamente. O comportamento operante
produz conseqüências reforçadoras, que fortalecem o comportamento operante, que produz
conseqüências reforçadoras, que fortalecem o comportamento operante, e assim

56 lo*ó Antônio Pamáiio A bib


sucessivamente. O comportamento cultural produz conseqüências de sobrevivência
culturais, que selecionam comportamentos culturais, que produzem conseqüências de
sobrevivência culturais, que produzem comportamentos culturais, e assim sucessivamente.
A recursividade da teoria conseqüencialista confere-lhe um caráter de complexidade que
permite caracterizá-la como epistemologia da complexidade. Na verdade, já se encontra
evidência dessa complexidade quando Skinner (1990) sugere que a teoria do comportamento
é transdisciplinar. Essa transdisciplinaridade seria constituída por dois grupos de ciência.
De um lado, as ciências da variação e seleção: etologia, análise do comportamento e
antropologia. De outro lado, a fisiologia. Haveria um diálogo transgressor de fronteiras com
o propósito de instalar uma comunicação entre as disciplinas. (E não foi isso o que Skinner
fez em grande parte de sua obra, talvez em sua maior parte? Transgredir fronteiras? Recorrer
à teoria conseqüencialista do comportamento e invadir a etologia, a antropologia, a ética,
a política, a estética, a lingüística? E a teoria transdisciplinar do comportamento não está
também solicitando invasões da etologia, da antropologia e da fisiologia na análise do
comportamento? Não é com o diálogo transgressor que o conhecimento avança?)
Uma teoria transdisciplinar do comportamento adquire um caráter sistêmico: o
que acontece em uma parte depende do que acontece na totalidade. A transdisciplinaridade
é a totalidade que imprime suas qualidades às partes: a etologia, a análise do
comportamento, a antropologia, a fisiologia. Sugere-se, neste ensaio, que a principal
qualidade dessa totalidade é a seleção por conseqüências operando na história dos
indivíduos, dos operantes e das práticas culturais (note bem: a própria fisiologia precisaria
ser orientada para contemplar essa qualidade). É por isso que as análises de Skinner de
outras partes dessa totalidade jamais operam em detrimento dessa qualidade. Quais
seriam as qualidades sistêmicas defendidas pela etologia, antropologia e fisiologia com
condições de invadir a análise do comportamento?
Uma teoria do conhecimento centrada nas noções de recursividade e explicação
sistêmica pode ser caracterizada como uma epistemologia da complexidade (Morin, 2002).
Com base nessa tese defende-se, aqui, que a teoria conseqüencialista do comportamento
representa uma versão da epistemologia da complexidade.
O comportamento é explicado na sua relação com conseqüências seletivas,
naturais, reforçadoras e culturais. É a realidade, mas não é a realidade como coisa física:
é, isto sim, a realidade como relação. Trata-se, enfim, de um relacionismo ou de uma
metafísica relacionista. Dessa perspectiva, não só o comportamento não expressa uma
realidade física ou mental, mas também as coisas física e mental são derivadas e explicadas
em termos comportamentais. As coisas física e mental são relações que evoluem, ou,
ainda, são processos comportamentais.
Qual é a definição de comportamento na teoria conseqüencialista de Skinner?
Brevemente pode-se dizer que comportamento é movimento vital, operante e prática cultural
que produz, respectivamente, conseqüências de sobrevivência naturais, reforçadoras e
culturais, e que é explicado, em última análise, na linguagem da epistemologia da
complexidade e da metafísica do relacionismo.

5. Três Definições de Com portam ento


Definir o comportamento é um dos principais objetivos de uma teoria científica e
filosófica do comportamento. Somente quando se explica o comportamento com teoria
científica e filosófica é que se torna possível propor uma definição de comportamento. Por

Sobre Comportamento e CoflnlçJo 57


isso ninguém sabe o que ó comportamento antes de dominar uma teoria científica e
filosófica do comportamento.
Foram vistas três teorias científicas e filosóficas do comportamento: as teorias de
Watson, Tolman e Skinner. Foram vistas, também, três definições de comportamento.
Talvez a tendência seminal dessas definições seja a de aumentar a visibilidade da
complexidade do comportamento. Já com Watson essa tendência se fazia presente com
a noção de ajustamento do organismo ao ambiente. Porém, o "arquicomportamentalista’’
estilhaçou o comportamento em elementos fisiológicos fictícios - o que era a real condição
da fisiologia de sua época (Skinner, 1974).
Essa concepção molecular do comportamento foi tenazmente combatida por
Tolman. O "neocomportamentalista" chamou a atenção para as qualidades próprias do
comportamento - que não poderiam ser explicadas pela fisiologia. A noção de complexidade
do comportamento ganhou uma expressão visível e exata. Com o propósito de descrever
tal complexidade, Tolman disse que o comportamento é molar. Para evitar a identidade do
comportamento molar com fenômenos fisiológicos e, ao mesmo tempo, reconhecer sua
presença no comportamento afirmou que o comportamento emerge de eventos e estados
fisiológicos. Tolman, porém, subordinou o comportamento à metafísica do mentalismo.
Com a definição que deu de comportamento molar travou o reducionismo fisicalista de
Watson. Não escapou, todavia, de transformar o comportamento na expressão de uma
realidade mental. A questão básica para Tolman era esta: de onde viriam as qualidades
idiossincráticas do comportamento molar? No fundo, a epistemologia do emergencialismo
tinha de considerar não só eventos e estados fisiológicos. Era necessário ampliá-la com a
introdução da mente. Seja como ficção produtiva ou substância, ela participaria de algum
modo da emergência das qualidades próprias do comportamento (direcionalidade, docilidade
e efetividade).
Na teoria de Skinner, o comportamento é complexo porque produz conseqüências
que selecionam indivíduos, operantes e práticas culturais. As conseqüências do
comportamento representam o que é próprio do comportamento: é a sua qualidade
idiossincrática - como o eram, para Tolman, a direcionalidade, docilidade e efetividade.
Mas é nas antípodas do reducionismo e fisicalismo de Watson e do emergencialismo e
mentalismo de Tolman, que Skinner concebe uma teoria do comportamento. A teoria
conseqüencialista de Skinner coloca o comportamento em relação recursiva e sistêmica
com suas conseqüências. Comprometida com uma metafísica relacional e com uma
epistemologia da complexidade, a teoria conseqüencialista de Skinner apresenta a qualidade
idiossincrática do comportamento como realidade produtiva.
A definição filosófica de comportamento diz se o comportamento está sendo
estudado como um assunto em seu próprio direito. Mais especificamente, a teoria metafísica
do comportamento diz qual é efetivamente o objeto que está sendo estudado. Uma teoria
fisicalista do comportamento toma como objeto de estudo a realidade física e uma teoria
mentalista do comportamento toma como objeto de estudo a realidade mental (ou a ficção
mental). Já uma teoria relacionista do comportamento, toma como objeto de estudo a
realidade comportamental. Quando se sonda a realidade metafísica que atravessa uma
teoria do comportamento, descobre-se que teorias do comportamento (e provavelmente
teorias sobre quaisquer objetos) são auto-referentes: elas oferecem uma explicação do
comportamento e, à medida que a explicação evolui, explicam a si mesmas. Uma teoria
fisicalista do comportamento explica o comportamento: porém, á medida que explica, o
que se explica é o que explica: a realidade física. Uma teoria mentalista do comportamento

58 José Anlflnio Pümásio A bib


explica o comportamento; porém, à medida que explica, o que se explica é o que explica:
a realidade mental (ou a ficção mental). Uma teoria relacionista do comportamento explica
o comportamento; porém, á medida que explica, o que se explica é o que explica: a
realidade comportamental. Uma teoria relacionista do comportamento como a de Skinner
ó uma teoria da evolução do comportamento. Desde o início, a realidade é relação genuína
e inextrincável do comportamento com suas conseqüências, e a evolução do comportamento
é o desvendamento dessa realidade.

6. Conclusão
As teorias do comportamento examinadas neste texto são diferentes - seja do
ponto de vista científico ou filosófico. Conseqüentemente, contribuem com explicações e
definições diferentes de comportamento. Sugere-se que a única teoria que define o
comportamentalismo ó a teoria conseqüencialista, complexa e relacional de Skinner. A
m etafísica do relacionism o radicaliza a definição de co m portam ento porque abandona
explicações substancialistas-fisicalistas ou substancialistas-mentalistas do comportamento
(metafísicas incompatíveis com o estudo do comportamento em seu próprio direito). A
epistemologia da complexidade permite visualizar a complexidade do comportamento e a
implausibilidade tanto do fisicalismo quanto do mentalismo para explicar o comportamento.
Um sistema complexo só pode ser explicado por explicações complexas e as explicações
do fisicalismo e do mentalismo são, como foi visto, bastante limitadas nesse aspecto.
Naturalmente, a fisiologia pode e precisa participar da explicação do comportamento, mas
não na condição de um fisicalismo, como pretendia Watson. E na explicação complexa
do comportamento aliada à teoria conseqüencialista do comportamento, a mente não
explica o comportamento, pois se trata precisamente de explicá-la. O comportamento é a
realidade complexa que explica a mente - a mente é derivada do comportamento, ou
ainda, é um produto mais recente da evolução do com portam ento.
De uma perspectiva filosófica, nem Watson nem Tolman são comportamentalistas.
A metafísica fisicalista e a epistemologia reducionista de Watson pertencem ao projeto
materialista vigente na neurociência atual e a metafísica do mentalismo e a epistemologia
emergencialista de Tolman pertencem ao projeto mentalista em voga não só na psicologia
cognitiva contemporânea, que se desenvolveu como uma das disciplinas constitutivas da
revolução cognitiva, mas também na psicologia cognitivo-comportamental.
O relacionismo da teoria conseqüencialista do comportamento opera com
desconstruçãoquer do materialismo ou do mentalismo (Abib, 2001 b). Conseqüentemente,
passa ao largo de projetos materialistas ou mentalistas de qualquer índole. Há, de qualquer
modo, uma afinidade filosófica atravessando o mentalismo ficcional de Tolman e o
relacionismo comportamental de Skinner: o pragmatismo. O comportamento e a mente-
fícção não são realidades a serem desveladas como objetos de contemplação. A noção
de realidade refere-se não só aos comportamentos produtivos de conseqüências, mas
também às invenções conceituais produtivas de conhecimento. A mente-ficção produz
conhecimento (além de cultivar a imaginação científica) e não deve, portanto, ser
subestimada. Mais significativo ainda é isto: ela deixa de ser instrumento para ser fim. E
que fim é esse? O de ser ficção-realidade (não como substância) e o de contribuir, desse
modo, para a dissolução da dicotomia realidade-ficção ou substância-invenção. Um
mentalismo pragmatista como o de Tolman pode se constituir em uma filosofia defensável
para a psicologia cognitivo-comportamental. Admitindo-se isso, não seria uma excitante

Sobrr Comporl.imenlo e CoflniçJo 5 9


aventura intelectual utilizar esse lume filosófico para contar uma história da psicologia
cognitivo-comportamental recuperando o texto de Tolman?
De uma perspectiva filosófica, somente o comportamentalismo radical define o
comportamentalismo. Mas, então, o termo ‘radical’ realizou seu desígnio e não tem mais
razão de ser: comportamentalismo radical e comportamentalismo significam a mesma
coisa. A pergunta: 'O que é comportamentalismo?’ Responde-se: é comportamentalismo
radical. Não se está dizendo que comportamentalismo radical é uma versão do
comportamentalismo (essa ó a tese tradicional), mas, isto sim, que comportamentalismo
ó somente comportamentalismo radical. Naturalmente, de uma perspectiva filosófica, o
"arquicomportamentalista" Watson não ó um comportamentalista. A história filosófica do
comportamentalismo começa com Skinner e não com Watson ou com qualquer outro
"neocomportamentalista" (não somente Tolman, mas também Hull, Spencer e tantos outros
porque se pode dirigir a todos eles críticas similares às que foram endereçadas, aqui, a
Watson e Tolman).
Há, porém, uma série de indagações que precisam ser feitas. Skinner (1989)
disse não acreditar ter sido ele quem cunhou o termo 'comportamentalismo radical'. Se
quem o fez, referiu-se ao comportamentalismo de Skinner e a outros comportamentalismos,
e se for plausível afirmar que só pode existir comportamentalismo se for radical, não seria
o caso de, com esse lume filosófico, arriscar uma reconstrução histórica do
comportamentalismo e contar uma história radicalmente diferente da história oficial?

R eferên cias

Abib, J. A. D. (1997). Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia. São Carlos:


Editora da Universidade Federal de São Carlos.
Abib, J. A. D. (2001a). Teoria moral de Skinner e desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexào
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60 loté Antônio Damásio A bib


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publicado em 1924)

Sobrr Comportamento e CognlçAo 61


Capítulo 7
A Análise Funcional

L uc Vàndenberffhe'
Universidade C\itóhcd de Çonís

B.F. Skinner nasceu em 1904 e morreu em 1990 nos Estados Unidos. Este capítulo
ó dedicado a um dos temas centrais da sua obra, do qual emergem sempre novas
implicações. Desde que Skinner, nos anos trinta, introduziu a análise funcional, o tema
apareceu em diferentes variações em diferentes situações, revolucionando práticas de
laboratório, de assistência social, de consultório e estabelecendo um corpo de
conhecimento de relevância acadêmica.
Depois de descrever a prática da análise funcional em ambientes aplicados e uns
dos problemas que são inerentes nesta, o texto comenta o maior desafio que a análise
funcional enfrentou atô hoje, sua adaptação à prática do consultório psicoterápico e as
transformações que acarretou. Considera-se que este passo, enquanto implicou um
afastamento da forma e da aparência do procedimento original, significou também um
retorno á essência da análise funcional como instrumento de gerar conhecimento. Esta
volta às origens filosóficas, torna as contradições implícitas na filosofia contextualista
mais agudas, impondo a consideração do comportamento do analista comportamental
em relação com o^problema da reflexividade das ciências humanas.

1. Prática.
A análise funcional ó um método empírico gerativo. A partir de dados brutos gera
interpretação, explicação e teoria nova. Não foi desenvolvida para testar teorias existentes
ou verificar hipóteses, mas para focalizar a identificação de variáveis que influenciam a
ocorrência de comportamentos. O que está sendo analisado? O termo funçào significa a
relação entre duas ou mais variáveis em que mudanças em uma dependem da outra. Na
perspectiva operante, a função é o efeito que o comportamento tem sobre o ambiente.
Analistas aplicados do comportamento usam esta metodologia para determinar
com antecedência, num determinado caso, quais intervenções funcionarão ou não e porque.
' Psicólogo dlnlco, UntvaraidBdo Católica de O olái

62 l.uc Vandenberflfie
O analista aplicado chega a tais conclusões comparando um dado comportamento sob
condições de teste e de controle. Uma situação de teste envolve alguma variável
independente que está ausente na condição de controle. A manipulação direta das variáveis
distingue a análise funcional da análise descritiva que envolve a observação direta de
comportamentos. Se não há intervenção do analista, não se trata de análise funcional.
Mesmo se a observação almeja identificar relações entre antecedentes, comportamentos
e conseqüências, se trata meramente de análise descritiva (Hanley e cols., 2003).
Enquanto o método foi usado por experimentalistas para entender sentimentos e
outros comportamentos sutis (Gewirtz e Peláez-Nogueras, 2000), a análise aplicada do
comportamento, geralmente se restringe a comportamentos públicos que podem ser
quantificados em termos de freqüências (Kazdin, 1982; Hanley e cols., 2003).
Em principio, a análise funcional é um método idiográfico. Pode-se analisar
comportamentos de diferentes pessoas ao mesmo tempo, mas precisa-se considerar o
efeito das contingências sobre o comportamento de cada uma delas separadamente. É
uma análise da relação entre o comportamento do sujeito único e o ambiente. O que o
analista conclui sobre a função do comportamento auto-lesivo de uma pessoa não pode
ser generalizado para o comportamento auto-lesivo de outra.
Em segundo lugar é um método indutivo. Skinner (1981) destacou a indução
como um dos princípios Baconianos que guiou sua prática cientifica durante toda sua vida
profissional. Francis Bacon (1561-1626) era um político e filósofo Inglês que tinha traçado
novos caminhos relativos à compreensão da ciência num tempo em que as tradicionais
teorias do saber não deram mais conta de explicar novas descobertas cientificas. Bacon
enfatizou que para saber necessita-se estudar o mundo, ao invés de estudar os livros.
Para Skinner, isto significa que um experimento deve levar ao outro, ao invés de teorias
(livros) conduziram a experimentos.
Na psicologia cientifica em geral, o método dedutivo é o mais popular, e foi
extensivamente apoiado pelos argumentos filosóficos de Popper (1963) e Lakatos (1987).
Hipóteses são deduzidas de teorias e testadas em experimentos. A tradição Cartesiana,
uma visão racionalista da ciência, prioriza o abstrato como referencial (a dedução de uma
predição a partir de uma teoria) e só na última instância, se direciona para os dados para
verificar a teoria. O método indutivo faz o movimento contrário. Começa com os dados e
somente depois de identificar padrões recorrentes nos mesmos, conclui algo. Assim, é
um método cientifico que gera conhecimento a partir da realidade concreta.
Enquanto a indução define a análise funcional como Skinner a propôs, variantes
dedutivos emengiram no decorrer da divulgação da prática e na sua adoção por uma variedade
de profissionais, em ambientes com diferentes necessidades. Isto acontece quando o
investigador escolhe uma teoria que relaciona comportamentos específicos com
contingências específicas e procede a testar se, para tal indivíduo, esta teoria está correta.
Por exemplo, o analista acredita que certos comportamentos auto-lesivos servem para
obter atenção, e pode testar sua hipótese num delineamento com condição experimental
(atenção quando a pessoa se machuca), e condição de controle (atenção somente quando
não se machuca), verificando a freqüência do comportamento nas duas situações.
De acordo com a revisão de literatura de Hanley et al. (2003), as características
básicas de uma análise funcional de comportamentos problemáticos já eram conhecidas
na literatura da análise aplicada dos anos 1960, mas não foram sistematicamente
respeitadas. São elas: (1) observação do comportamento sob condições de teste e de
controle em que uma variável ambiental é manipulada; (2 ) demonstração de uma relação

Sobrr Comportamento e CojjnlçAo 63


funciona! entre a condição manipulada e o comportamento. A aplicação rigorosa da análise
funcional fora do laboratório só se tornou uma prática sistematizada duas décadas depois,
com trabalhos de analistas como Iwata e Carr.
Desde então, a prática de avaliação comportamental contém duas fases
preliminares de coleta de dados: ( 1 ) por entrevistas e (2 ) por observação direta do
comportamento, e uma fase experimental que é chamada de análise funcional (Iwata et
al., 1982; Carr et al., 1994; Hanley et al., 2003). As estratégias descritas nos trabalhos
mencionados, são claramente indutivas. Relações que pareçam relevantes nas entrevistas
ou nas observações diretas são isoladas na fase de experimentação.
Como acontece a análise funcional? Geralmente o analista aplicado constrói uma
situação análoga ao ambiente onde o problema ocorre. Nesta situação, as variáveis que
se destacaram como potencialmente relevantes durante as duas fases preliminares de
coleta de dados, podem ser manipuladas. Esta manipulação ocorre em fases seqüenciais,
cuidadosamente planejadas. Por exemplo, durante dez minutos o comportamento
problemático é reforçado com atenção; durante os dez seguintes, é reforçado com
eliminação de uma exigência (pode ser uma tarefa que o participante não precisa mais
fazer quando bate a cabeça) etc.
Na maioria das análises funcionais publicadas, tanto estímulos antecedentes
quanto conseqüências são manipulados. Mais freqüentemente trata-se de reforço positivo
(acrescentar algo quando o comportamento é emitido), reforço negativo (eliminar algo
quando o comportamento é emitido) e reforço automático. Esta última é a condição mais
questionável. É identificado por exclusão quando o comportamento ocorre durante períodos
prolongados numa situação árida sem possibilidades de reforço positivo externo ou situações
que podem evocar fuga ou esquiva. A inclusão na análise funcional de uma condição de
persistência, para verificar se o comportamento extingue-se ou mantém-se, pode evitar a
atribuição errônea do comportamento estudado a um reforço externo (Hanley et al., 2003).

2. Problem as.
Três pontos podem ser discutidos como problemas potenciais na analise funcional.
( 1 ) É observada na literatura uma baixa concordância entre observadores, problema
decorrente da estratégia indutiva. (2) A validade ecológica pode ser questionada já que as
variáveis cruciais são manipuladas pelo analista durante o processo. Esta manipulação
cria condições artificiais, que não necessariamente têm as mesmas características como
as interações naturais que mantém o comportamento relevante. (3) Percebe-se que o
analista que conduz uma análise funcional não é neutro, também faz parte da unidade de
interação que estuda. O participante cujos comportamentos examina, reage aos
comportamentos do analista e o comportamento deste (inclusive a escolha das variáveis e
a manipulação das mesmas) é influenciado pelos comportamentos do sujeito.
Na sua revisão da literatura, Hanley e cols. (2003) indicam a baixa fidedignidade
das análises funcionais, operacionalizada como a concordância entre avaliadores. Dois
analistas não chegam a conclusões idênticas na análise do mesmo comportamento de
um dado sujeito. Isto poderia invalidar o método dentro de uma visão mecanicista do
saber, mas é menos catastrófico numa visão contextua lista onde a pragmática é o critério
de validade de uma conclusão. Skinner (1974) recusa a verdade por concordância.
Diferentes conclusões podem ser igualmente validas, se ambas levam a ações bem
sucedidas.

64 Luc V jndcnbcrjjhf
A validade ecológica de análises funcionais análogas conduzidas fora do ambiente
natural pode ser um problema mais sério. No intuito de isolar as variáveis cruciais e evitar
interações com outras não identificadas, o analista que cria condições artificiais para a
sua análise funcional, pode estar identificando contingências que controlem o
comportamento na situação de avaliação, mas não no cotidiano do participante.
Análises funcionais que são conduzidas de maneira menos óbvia durante a rotina
diária do participante evitam este problema, mas permitem que variáveis não controladas
ofusquem os efeitos das variáveis manipuladas. Soluções intermediárias para o problema
da validade ecológica, que Hanley e cols. (2003) encontraram na sua revisão de estudos
publicados são: a inclusão de pessoas do ambiente natural do participante na análise
funcional, ou o uso mais amplo da análise descritiva em busca de variáveis idiossincráticas
que podem estar presentes na interação natural e que podem ser relevantes em análises
funcionais subseqüentes ou ser considerados como informação suplementar.
O analista não é neutro, interfere no material que analisa. Este problema também
é conhecido nas abordagens pós-modernas (Gergen, 2 0 0 1 ) em que se aceita que os
dados são construídos na interação entre pesquisador e participante e que não se trata de
uma realidade que existe independente do pesquisador. Especificamente na análise
funcional o envolvimento direto do analista no material analisado é incontornável. Ele precisa
manipular as variáveis para poder analisá-las.
Em estratégias de pesquisa objetiva, a pessoa que colhe os dados está idealmente
cega para o que está testando. Aqui é impossível esconder quais variáveis são manipuladas
tanto para quem coleta os dados, quanto para o sujeito, sendo que e as interpretações
estão sob controle da interação entre ambos. Ao contrário do que acontece quando se
estuda comportamento atrás de um espelho, o analista não está observando uma realidade
independente dele, mas exatamente a relação entre o comportamento dele e o do
participante.
Pode surpreender que numa prática tão radicalmente contextualista e interacionista,
a consciência de que esta visão não se encaixa num discurso objetivista, só se impôs
relativamente recentemente (Chiesa, 1994; Moxley, 2001; Brown, 2002).

3. Clínica.
Na situação de consultório, a análise funcional análoga é inaplicável e o terapeuta
não tem acosso às contingências do cotidiano do cliente. Terapia é um processo
intensamente dinâmico e imprevisível. Assim, condições experimentais e de controle não
podem ser montadas com antecedência. Também não é possível isolar artificialmente as
variáveis independentes de traumas, problemas existenciais, dificuldades de entregar-se
num relacionamento íntimo etc. Parece que a análise clínica estaria limitada, por estes
motivos aos métodos da análise descritiva, sendo estes a entrevista e a observação.
Realmente, a sessão terapêutica é um ambiente propício para a observação direta do
comportamento do cliente em relação com o terapeuta. Este último pode depois interpretar
o que o cliente faz em termos da contingência tríplice.
A experiência mostrou, contudo, que a análise funcional é possível na sessão
terapêutica, porque o terapeuta manipula as variáveis relevantes diretamente, como o faz
o analista aplicado do comportamento. A maior diferença é que o analista aplicado com
sua metodologia de análise funcional análoga divide as sessões de maneira planejada em
condições experimentais e de controle enquanto o clínico no consultório aproveita das

Sobrr Comportamento c Co^nlçilo 65


condições que ocorrem de maneira espontânea na interação entre ele e o cliente. Não se
trata aqui de uma análise descritiva, porque o terapeuta não está observando as interações
naturais. Ele mesmo modifica as contingências durante as interações, reagindo
espontaneamente ao cliente a toda hora. Estas modificações das contingências permitem
um raciocínio experimental perfeitamente paralelo com as análises funcionais conduzidas
pelo analista aplicado, sem aderir ao delineamento programado que define a análise
funcional análoga.
Exemplos de variáveis importantes na análise funcional da relação terapêutica
são os sentimentos do cliente e do terapeuta, a consciência que emerge do contato com
as contingências e a experiência direta da relação terapêutica.
Como a maior parte da ansiedade e sofrimento humanos é de origem interpessoal,
a relação terapêutica é um contexto que permite trazer as variáveis mais relevantes á
tona. Apesar da ausência de um delineamento formal, o raciocínio experimental é
manifestamente presente. As manipulações que o clínico faz incluem: o bloqueio das
esquivas de emoções decorrentes do enfrentamento na relação com o terapeuta, a
consequenciação de comportamentos sob controle de reações do outro, a evocação de
respostas emocionais a partir de relatos de sonhos.
Como sentimentos são pistas que levam à descoberta de contingências
importantes na vida da pessoa, a análise do comportamento encoberto é condição
imprescindível para que um processo psicoterápico se desenvolva. Na mesma veia, reações
emocionais durante a sessão são indicativas da fidedignidade do contato com variáveis
importantes (Brandão, 2000).
Ser capaz de descrever contingências facilita ajustá-las (Skinner, 1974). Guilhardi
enfatiza em vários textos, como a pequena comunidade verbal que constitui a relação
terapêutica, deve gerar um processo de conscientização, no sentido que o cliente aprende
descrever as contingências que produzem as suas ações e os seus sentimentos, e alterar
as contingências em vigor onde deseja experimentar, para em seguida observar os efeitos.
O terapeuta cria contingências que produzem auto-observação. Focaliza
comportamentos verbais acerca das contingências da vida cotidiana, dos seus efeitos
sobre o cliente e como atuar para alterá-los, permitindo que os clientes formulem regras a
partir das contingências vivenciadas. Descrever o comportamento do cliente na sessão e
como afeta o terapeuta leva a autoconhecimento (consciência de si) e a novas interpretações
(discriminação de relações funcionais relevantes) (Conte e Brandão, 2001).
É novamente claro que o comportamento do analista de reforçar ou não, de
apresentar estímulos antecedentes ou não, está sob controle dos comportamentos do
cliente. Numa visão analítico-funcional, isto ó inevitável. Reações de uma pessoa selecionam
comportamentos da outra e, este comportamento de selecionar (i.e. de reagir diferen-
cialmente) é por sua vez, selecionado pelas reações dos outros. Esta reflexividade do
controle operante não ó um produto da aplicação clínica da análise funcional. Analistas
experimentais já destacaram que o animal no laboratório de processos básicos condiciona
o comportamento do experimentalista (Skinner, 1956) e que o recém nascido condiciona
o comportamento da mãe (Gewirtz e Boyd, 1977). A visão operante é um modelo estocástico
não hierárquico, em que todos os comportamentos interagem paralelamente no mesmo
nível. Esta idéia tem implicações epistêmicas e éticas importantes. Podemos mencionar
algumas.

6 6 l.uc ViintlenbcrRhc
O analista não pode ser um técnico engajado pelos pais, aliado específico deles,
que procura descobrir como podem melhor controlar o comportamento da criança. O
comportamento dos pais ó tão determinado pelos comportamentos da criança quanto o
contrário. Isto leva à rejeição de modelos normativas que desqualificam a criança como
um sujeito que tenha seus próprios direitos independente de seus genitores e que contribuem
para uma análise unidirecional da influência das contingências familiares e escolares sobre
a criança (Vasconcelos, 2001).
Da mesma forma, comportamento do terapeuta é tão determinado pelo
comportamento do cliente quanto o contrário. Assim, o que foi dito acima sobre a criança
pode ser repetido para o cliente de consultório e para o paciente psiquiátrico.
A resistência do cliente ao processo terapêutico recebe um novo significado. Busca-
se entender resistência á mudança não como algo inerente no cliente, mas como algo que
exige uma análise das interações dos sistemas de contingências de reforçamento tanto
do cliente como do terapeuta (Guilhardi, 2002).
O efeito do atendimento sobre a pessoa do terapeuta se torna um assunto a ser
analisado (Banaco, 1993; 1997). No contexto do vínculo terapêutico, ambos (terapeuta e
cliente) passam por transformações do repertório comportamental e dos sentimentos
produzidos pelas contingências apresentadas pelo outro. Por isso é feita uma análise
funcional do comportamento do terapeuta, sob controle das contingências que atuam na
relação com o cliente (Guilhardi e Queiroz, 1997; Queiroz e Guilhardi, 2001)

4. Reflexividade.
A necessidade da análise do comportamento do analista clínico pode ser
demonstrada a partir da analogia com a análise funcional do comportamento do analista
experimental e do analista aplicado. Entendemos a análise funcional como uma prática de
investigação empírica. Este aspecto merece umas considerações.
Ribes-lfiestra (1993) argumentou que a investigação empírica necessariamente é
um processo lingüístico. Na visão analítico-funcional, a consciência de eventos corresponde
à maneira pelo qual a linguagem como prática social, constrói o mundo para o indivíduo.
Na medida em que estes eventos constituem referências concretas para a experiência
cotidiana, o investigador abstrai deles dados empíricos que têm sentido a partir da sua
visão. As convenções sobre como o estudioso deve prosseguir na sua atividade cientifica,
inclusive como deve colher dados e como entendê-los, os critérios para decidir quando um
fato é relevante ou não, são padrões culturais.
Analisar as práticas prevalentes numa comunidade científica e expor os controles
sociais destas, arrisca desqualificá-las como procedimentos de estabelecer conhecimento
válido. Quando condições sociais podem explicar práticas cientificas, as mesmas perdem
seu status sagrado de princípios intelectuais, independentes dos interesses de grupos e
indivíduos, acima de suspeição. São, pelo contrário, práticas que seriam diferentes, se as
condições fossem diferentes (Blashfield, 1982; Latour e Woolgar, 1983).
Bourdieu (2001) sinalizou que há um perigo em deslizar de análises dos deter­
minantes sociais do comportamento de cientistas para a conclusão que a produção deles
é sem relevância. O que devemos lembrar da análise acima citada de Ribes-lftestra (1993)
é que todas as formas de investigação empírica são práticas culturais sob controle de
uma comunidade verbal e que os resultados que geram não têm sentido (ou ao menos
mudam de sentido) fora deste contexto.

Sobrr Comporto mcnlo c Cognição 67


O behaviorismo radical considera que o saber é açào e pode ser analisado como
comportamento operante (Skinner, 1974; Dougher, 1989). Analisar é comportamento
operante, como brigar com sua esposa, usar drogas e bater nos seus filhos. Não há
diferença entre o comportamento do cliente que participa de uma análise funcional e o
comportamento do analista. É possível explicar porque o analista faz a análise e porque
ele o faz da forma que faz. Isto significa que a análise funcional pode ser usada para
analisar o próprio comportamento do analista.
A análise funcional é reflexiva. Esta observação abre uma caixa de Pandora. Usar
um método para analisar o próprio ó potencialmente autodestrutivo. Outras práticas de
examinar, pesquisar ou analisar normalmente não se aplicam a si mesmos. Fazendo uma
análise topográfica segundo o DSM IV, o clínico pode entender o comportamento dos
seus pacientes, mas não pode entender a partir deste sistema seu próprio comportamento
de diagnosticar, nem analisar a lógica do DSM IV. O sistema simplesmente não serve
para isto. Se o clínico tentaria de quebrar esta regra, ele arriscaria talvez de identificar
traços do transtorno de personalidade paranóico. O teorema de Gòdel pode servir como
metáfora para esclarecer este ponto.
Kurt Gôdel nasceu em 1906 em Moravia; morreu 1978 nos Estados Unidos. Publicou
em 1931 um teorema que o deixou famoso. Essencialmente o recado é que todos os
sistemas formais são incompletos porque sempre existirão proposições que não podem
ser provadas corretas ou erradas, usando as regras e os axiomas do sistema. O que é
particularmente impossível a ser comprovado, é a consistência das regras e axiomas do
próprio sistema. É impossível usar a lógica do próprio sistema para comprovar a consistência
lógica de um sistema lógico, se não se adotam princípios de raciocínio que deixam a
consistência interna do mesmo duvidosa. Uma lógica não pode explicar a si mesma.
Sempre é necessário um outro sistema mais amplo para avaliá-lo.
O teorema de Gõdel refere-se a sistemas formais, mas foi retomado num sentido
metafórico para os sistemas informais. Em termos gerais, significa que o cientista não
pode comprovar que sua epistemologia é válida. Já que só os princípios da sua epistemologia
permitem decidir o que pode ser verdade e como o cientista que a usa pode “saber" algo,
este precisa destes mesmos princípios para avaliá-la. Se esta epistemologia é falha, a
avaliação será falha. Logo, não pode avaliar sua epistemologia, usando sua epistemologia.
Podemos ilustrar esta aplicação metafórica do princípio retomando o exemplo do
DSM IV. Trata-se de um sistema que permite investigar comportamentos de pacientes,
mas não pode ser usado para entender as regras e axiomas do DSM IV. Ele não se
explica. Para explicar esta prática de analisar o comportamento do outro, precisa-se de
uma outra abordagem, por exemplo, a investigação sociológica das condições que geraram
e mantiveram esta maneira de fazer diagnóstico (Blashfield, 1982).
Esta visão é coerente com um sentimento geral quando se trata de estudar o
comportamento de estudar ou investigar o comportamento de investigar. A filosofia precisa
de uma não-filosofia para ser compreendida, como a arte precisa de uma não-arte e a
ciência de uma não-ciência (Deleuze e Guatteri, 1991). O behaviorismo radical rompe com
este princípio ao definir a atuação do behaviorista radical como comportamento. Sendo
assim, a análise funcional permite questionar, a partir das contingências, o porquê da
atuação do analista.
Hélio Guilhardi (1987) realizou uma análise funcional do comportamento do terapeuta
comportamental behaviorista radical. A manutenção e o desenvolvimento do repertório do
analista deveria estar sob controle de vários grupos de contingências. Sendo eles: (1) As

6 8 l-uc Vandenbcrghe
contingências geradas pela comunidade-cliente, isto é, como os clientes reagem às
intervenções do analista. (2 ) Contingências universitárias, isto ó, como a comunidade
acadêmica modela e mantém no psicólogo, determinados padrões de comportamentos
de analisar e tirar conclusões das suas análises. (3) Contingências geradas pela comunidade
cientifica. Isto significa que o analista comportamental com suas análises produz
conhecimento e se expõe assim, às conseqüências providenciadas por uma comunidade
mais ampla que vai consequenciar sua produção em função do que a mesma considera
ético, valido e significativo. (4) Contingências geradas pela interação com uma equipe. Isto
significa: a equipe observa condições que passariam despercebidas pelo analista individual
e modela padrões de ação que estão de acordo com as observações desta comunidade
verbal. (5) Contingências geradas pela relação terapêutica. Já que o terapeuta observa,
interpreta e interage com seu cliente em função do seu repertório, deve submeter a mesma
a uma análise, às vezes numa terapia com outro terapeuta que aborda seu comportamento
em geral ou alternativamente numa supervisão que aborda especificamente seu
comportamento profissional.
Trata-se de um paradoxo. A análise funcional da análise funcional a expõe como
uma prática culturalmente determinada. O analista do comportamento usa axiomas e
regras que são produtos da sua comunidade verbal e assim chega a conclusões que
dependem desta cultura cientifica. Já que a análise funcional foi exposta como prática
cultural, resultante de controles de uma comunidade verbal, a análise que foi feita da
análise funcional também estaria invalidada. Segue disto que a análise funcional como
prática, não foi invalidada, porque a análise realizada não é valida. Pode-se novamente
fazer uma análise funcional da prática de fazer análise funcional.
Ao definir analisar como comportamento, toma-se inevitavelmente a lente da análise
do comportamento para a própria análise do comportamento. Para entender a análise
comportamental, pode-se fazer perguntas como: “Quais são as contingências que
modelaram e mantêm este comportamento que chamamos de análise comportamental?”
Ou “Quais contingências mantém o uso de conceitos como reforço positivo e negativo,
contingência?” etc. A leitura de dados através de conceitos teóricos é comportamento
verbal, mantido pelas conseqüências na presença de certas condições antecedentes. As
próprias regras e axiomas da análise funcional podem ser submetidos, e foram submetidos
(Dougher, 1989; Ribes, 1993) a análises funcionais que os explicam como comportamentos.
Os próprios comportamentos de analisar do terapeuta comportamental mostraram-se
passíveis de uma análise comportamental (p. ex. Guilhardi, 1987).
Resumindo esta tese acerca da reflexividade da análise funcional, fazer uma análise
funcional é comportamento controlado pelas suas conseqüências. Usando a análise
funcional como método de investigação, pode-se descobrir quais contingências sociais e
controles verbais determinam este comportamento. O paradoxo reside na consideração
de que se esta análise funcional invalida a própria análise funcional como método de
estabelecer conhecimento, a análise que acabou de ser feita da análise funcional é inválida.
Refletir sobre estas pegadinhas inerentes na filosofia behaviorista radical (ao invés
de ignorá-las) pode talvez, ajudar a construir uma prática analítica funcional mais produtiva.
Estar consciente das implicações epistemológicas do behaviorismo radical pode nos poupar
da ilusão de estar conduzindo uma ciência exata no paradigma muitas vezes chamada de
Newtoniano, acumulando respostas definitivas às perguntas que atacamos. Tudo isto
pode nos tornar mais conscientes do nosso comportamento de analisar, e mais atentos
às contingências que controlam nosso comportamento profissional. A reflexão crítica sobre

Sobre Comportamento e Cofjnlç*lo 69


os determinantes da nossa atuação e dos princípios que norteiam nosso trabalho, podem
nos esclarecer quando enfrentamos impasses técnicos ou óticos e nos ajudar a entender
melhor as mudanças através das quais a própria prática de análise funcional (por exemplo
na clínica) passou. A análise dos controles do nosso comportamento de analisar pode
nos tornar melhores analistas funcionais.

R eferên cias

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Sobrc (.omport.imento c Coflniçilo 71


Capítulo 8
Reatividade e generalidade dos programas
de prevenção e manutenção de
comportamentos
Rache! Rodrigues Kerbauy
usr

O campo de trabalho em pesquisa aplicada - nome antigo e ainda atual -


demonstra a preocupação com dificuldades de atuação em diversos ambientes e problemas.
De fato apresenta descrição de comportamentos e planejamentos experimentais que
podem ser realizados com poucos participantes, às vezes com sujeito único, e que tenham
relevância social. Os procedimentos baseiam-se na relação comportamento-ambiente.
No entanto, considero que o planejamento pode ser alterado no decorrer da pesquisa, se
o pesquisador detectar que não está atendendo às necessidades dos participantes. Embora
tenha rigor na coleta de dados e avalie os resultados, o bem estar da pessoa e o resultado
imediato constituem a preocupação constante e quando há grupos de controle, essas
pessoas, geralmente, têm atendimento necessário, após o termino da pesquisa.
Podemos afirmar, que na área de aplicação, mais questões serão formuladas do
que respondidas. Provavelmente, pelo fato de o pesquisador estar mais controlado pelo
resultado individual do que por média ou eficácia em grandes grupos. Considero que nesse
caso, a definição de planejamento precisa incluir uma interpretação mais ampla. Incluiria
o planejamento de urfi programa coerente com um conjunto de procedimentos descritos,
conhecidos ou especiais, em fase de teste, que visassem atender a objetivos claros e que
estivessem controlados pelo dado obtido em cada etapa. As evidências da realidade, às
vezes, determinam rever decisões do planejamento.
A posição sobre a análise do comportamento aplicada tem sido discutida na
literatura desde o artigo clássico de Baer, Wolf e Risley (1968) até nossos dias.
Pesquisadores como Johnston (1996) consideram que os cientistas fazem uma análise
para responder a questões experimentais ou explicativas e identificam princípios gerais.
Os profissionais querem fornecer um serviço eficiente ao cliente. Moore e Cooper (2003)
consideram que o principal ó esclarecer a distinção entre os domínios de análise do
comportamento pela influência que essa distinção terá nos programas de formação e
treinamento, além das conseqüências para análise do comportamento. Propõem critérios
descritivos para distinguir Analise Experimental do Comportamento, Análise do

72 Rachel Rodrigues Kerbauy


Comportamento Aplicada e Serviços de Atendimento. Os trôs seriam baseados na posição
teórica-filosófica conhecida como behaviorismo radical. Bimbrauer (1979) coloca uma posição
que me parece semelhante ao que acontece hoje no Brasil. Há preocupação com fazer
pesquisa, ou pelo menos analisar as variáveis controladoras, atender a melhora do cliente
e documentar e disseminar uma forma de trabalhar em análise do comportamento. Estamos
em boa companhia, como Azrin e Foxx (1971 ) e Azrin e Nunn (I973), entre outros. Considero
que estamos novamente na fase que caracterizou os trabalhos dos anos setenta e oitenta.
Há muito a ser demonstrado.
A atividade da Análise Experimental e da Análise Experimental Aplicada é conduzir
pesquisas para a descoberta e discriminação de novos conhecimentos e integração com
os existentes. Conduzem a teoria e conhecimento dos princípios comportamentais. A
pesquisa de análise comportamental aplicada seria para demonstrar aplicação dos princípios
do comportamento em ambientes específicos e contribuir para melhora social como
salientaram Baer e cols, (1968). Dessa forma, proporia problemas além de resolve-los.
Explicaria porque os métodos funcionam e identificaria seus componentes. Os provedores
de serviços não fariam pesquisa da mesma maneira, pois a resolução de problemas ó seu
objetivo. Podem até adotar medidas diretas, mas ó somente ao levantar problemas e
analisar os dados para respondê-los que transformam a rotina em pesquisa. Contudo,
quando há medida do comportamento inicial, final e, preferencialmente, no decorrer do
procedimento descrito em detalhes, é pesquisa aplicada. Os dados advêm de condições
reais enfrentadas no trabalho e podem trazer respostas que satisfaçam as exigências do
pesquisador e do participante. Especialmente, porque a maior parte dos procedimentos,
embora escolhidos entre "os melhores" tem variáveis peculiares em cada cultura, inclusive
na maneira de apresentar os procedimentos aos participantes e induzi-los à mudança.
Neste simpósio, apresentaremos trabalhos desenvolvidos por pesquisadores que
descrevem seus resultados e que empregam a observação e a análise funcional para, a
partir dos dados obtidos, avaliarem a continuação do programa.
É uma forma de trabalhar difícil e gratificante. Fatores inesperados são desvendados
com essa análise constante e cuidadosa.
Por análise, compreendemos que dividimos um comportamento complexo em
suas partes, para após verificação desses componentes, reagrupa-los em uma síntese
comportamental. Fazemos isto tanto em situação natural - o caso dos estudos
apresentados - nos quais podemos testar a reunião dos componentes, como em
laboratório.
Para fazer uma síntese comportamental é necessário ter claro e explicitar quais
as propriedades do comportamento. Por exemplo: embora autocontrole seja uma palavra
do senso comum, um pacote de comportamentos e, um terapeuta ou pesquisador, precisa
ter estabelecido que há duas alternativas possíveis, que o mesmo comportamento tem
conseqüências positivas e aversivas, a curto e longo prazo, os resultados são diferentes,
e que há uma história individual de contingências aversivas para um comportamento. Estará
também claro o conceito de que uma resposta controladora é possível e que esta altera a
probabilidade da resposta controlada. Esse conceito desenvolvido por Skinner (1953)
propiciou inúmeras pesquisas entre elas os processos básicos da escolha e do compromisso
com os estudos de Mischel(1989) e Rachlin(2000) e seus colaboradores. Em contextos
diversos podemos escolher entre beber e ter ressaca ou tomar só uma dose; estudar
durante dias, e perde outros reforçadores, e passar no concurso, ou ter que estudar mais,
repetir o exame, se houver novos concursos.

Sobre Comportamento t CognlçAo 73


Essas análises e sínteses são feitas por um terapeuta, à medida que desenvolve
as análises funcionais. São realizadas com dados coletados em entrevistas, observações
de comportamentos apresentados nas sessões ou relatados ou registrados e que permitem
desvendar variáveis de controle.
A mudança de comportamento, que necessita de pesquisas ininterruptas para
esclarecer esse processo, supõe que uma aprendizagem anterior pode ser eliminada e
novos comportamentos podem ser adquiridos. A maneira de fazer isto depende da força
do comportamento e das variáveis atuais que o mantém. Considero que o profissional ou
pesquisador precisará trabalhar com um tripé: o cliente precisará estar convencido de que
pode mudar (regra), que fazer terapia é conhecer-se e planejar (compromisso) e que a
mudança exige esforço e trabalho.

convicção que pode mudar -> conhecer-se e planejar -> esforço e trabalho

É impossível estabelecer uma seqüência. Todos esses comportamentos existem


na história pessoal. A regra de que mudar é possível pode ser ensinada pelo terapeuta
através de exercícios em que o sucesso seja obtido ou existam explicações para os
insucessos que se transformam, desta forma, em condições de aprendizagem. Muitas
vezes essa análise auxilia nas próximas etapas. Inclusive auxiliam a interação terapeuta
cliente. Esquematizando teríamos:

A aprendizagem pode ser analisada em ensaio, para emprego de


anterior função da adaptação explicações do processo
da pessoa antiga e da nova comportamental e técnicas
sugerida e discutida

Como resultado a pessoa adquire a capacidade de promover automodificações.


Esse processo é longo e depende do cliente enfrentar as situações, esquivando-se
raramente.
Os programas geralmente são individuais. Através da análise deles e aplicações
em várias pessoas é possível avaliar as modificações introduzidas. Pode-se obter
generalidade. Generalidade compreendida como o poder explicativo dos resultados. É
nesse sentido que Ds trabalhos são realizados: busca e produção do conhecimento. Esse
compromisso com conhecimento novo determina a intervenção e registros do pesquisador.
Além de planejar para o aprimoramento da pessoa, a elaboração desse dado, o situa em
uma análise teórica, permitindo destacar variáveis relevantes que serão novamente
pesquisadas em outros casos estudados e os resultados analisados (Kerbauy, 1989).
Considero que essa maneira de pesquisar cumpre as exigências de pesquisa e pode
utilizar dados da prestação de serviços. Nesse caso, o profissional enquanto organiza os
dados, faz perguntas e demonstra os resultados, é pesquisador. Se não fizer pesquisa
será um profissional competente e cuidadoso.
O fato de trabalharmos dentro de um referencial de análise do comportamento
permite que através de caso único se esteja, a todo momento, incorporando esses dados
em um conjunto de conhecimentos que valorizam observar, inúmeras vezes, um mesmo
fenômeno, para poder sintetizar os componentes encontrados. Skinner (1972) descreveu

74 Rachel Rodrigues Kerbauy


como o caso único pode produzir ciência e permitiu que se buscasse delineamentos
complexos como aqueles propostos por Bijou, Peterson e Ault (1968) e utilizados cada
vez mais em pesquisa como linha de base múltipla, por exemplo. Há de fato análise para
relacionar os dados obtidos e organizados para verificar como os fenômenos encontrados
estâo relacionados. Além das relações estabelecidas pelos dados daquele caso estudado,
há relações, com outras pesquisas e teoria, permitindo falar em generalidade.
A reatividade dos procedimentos empregados ó esperada. É comum, quando se
solicita registro de comportamentos, que eles mudem na direção esperada, aumentando
ou diminuindo a freqüência. Outras vezes, pode haver contra-controle se o procedimento
ou objetivo é percebido como aversivo pelos participantes, ou há possibilidade de descoberta
de novas formas de se comportar, durante o procedimento. Em um estudo sobre o
comportamento de alunos submetidos pela faculdade a propaganda antifumo e proibição
de fumar em sala de aula, Leite e Kerbauy, 1992, obtiveram resultados em que os cartazes
colocados foram transformados, apagavam os "não" das frases, colocavam cigarro na
boca dos personagens dos cartazes e assim por diante. Dentro da sala de aula, quando
os colegas solicitavam que o fumante fosse fumar no corredor, geralmente, havia discussões.
Estas só não ocorriam se a resposta do fumante fosse colocada em extinção. Em um
caso como esse, o procedimento teria que ser alterado e verificado se o fumar estava
sendo reduzido apesar de incidentes como os acima relatados. A campanha de fumo
atual, com as figuras no maço, permite, como observamos, fatos de reatividade, como o
marido que ao comprar cigarro, pede outro maço, pois aquele, de sofrimento da criança,
não podia, pela gravidez da esposa. O cigarro era para ela. Piadas sobre as fotos e pedido
de algumas, em detrimento de outras, é de domínio publico. Destaque-se que as fotos
descrevem doenças graves. A reatividade dos programas pode ser avaliada em função dos
resultados que estão sendo obtidos. Muitas vezes, essas reações desaparecem após um
certo período de tempo, possível de detectar pela análise ininterrupta e cuidadosa dos
resultados.
Os participantes deste simpósio têm uma história de pesquisadores, professores
universitários e trabalhos de atendimento. Têm, inclusive, uma história de trabalhar com o
referencial do behaviorismo radical, demonstrado, entre outras coisas, em seus mestrados
e doutorados concluídos ou em fase final.
A guagueira tem desfiado pesquisadores e demais profissionais. Em análise do
comportamento tivemos o pioneiro Goldiamond (1962) procurando resolver o problema e
propondo formas de intervenção. Maria José Carli Gomes analisa o desempenho de pessoas
com guagueira em um trabalho integrado com fonoaudiologia e psicologia. Mede o estado
da gagueira nas primeiras sessões e um ano após. O trabalho conjunto permite análise da
fluência e das habilidades sociais. A psicóloga determ ina especialm ente os
comportamentos de fuga e esquiva e propõe formas alternativas. Uma área de atuação
com trabalhos de Goldiamond (1962) e Azrin e Nunn (1974) com a técnica de respiração
adequada, para não interromper palavras e falar com ritmo, que parecia ser de interesse
do psicólogo, é hoje multidisciplinar.
Cristiana Scala, trabalhando em área relativamente nova na psicologia, cuja
característica a meu ver, é a rapidez das avaliações e treino, pois o resultado é avaliado
em cada competição, fascinou-se por esse desafio e pelas possibilidades que a auto-fala
propicia. Claro que é a psicologia do esporte. Podemos ver que esse campo foi pensado
nas notas de Skinner (1980), organizadas por Epstein, sobre os esportistas curando eles
próprios, em que sugere que os técnicos de beisebol fizessem os jogadores se observarem

Sobre Comportamenlo c CojjnlçJo 75


em vídeos de boas jogadas em vez de erros. Isto os ajudaria a se corrigir. Cada jogador
teria um pequeno filme que veria minutos antes de bater a bola. Poderia ser um tipo de
imitação e eliminaria os efeitos da punição por um fracasso. Provavelmente se seguiria
uma ligeira tensão na postura e movimentos, diz Skinner, e os jogadores se veriam jogando
brilhantemente. Parece que posteriormente divulgaram, num programa de rádio, a
maravilhosa nova terapia do esporte.
Como trabalhar analisando o contexto pessoal e esportivo será apresentado por
Cristiana Scala que, além de pesquisadora e professora, atua na área de psicologia do
esporte melhorando o desempenho de profissionais de alto nível.
Iniciando um trabalho com cardíacos, em seu mestrado, na época pioneiro, pois
era realizado com pessoas classificadas com um padrão de comportamento que a literatura
denominava tipo A, e com hipertensos em seu doutorado, Tania Moron Saes Braga, hoje
trabalha com deficientes visuais. Afinal, "navegar é preciso", como diz a canção e nós
dizemos que as contingências controlam. A analista de comportamento está presente no
material de treino que propõe para cada caso, a partir da análise do desempenho e da
história da deficiência. Vemos o trabalho de alguém que atua prestando serviços, mas que
mantém uma maneira de pensar do pesquisador da área de psicologia aplicada.
Os trabalhos apresentados defendem a psicologia aplicada em todos os casos
em que há registro de comportamentos iniciais e finais e descrição do procedimento.

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76 Rachel Rodrigues Kcrbduy


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Sobre Comportamento e CoflniçAo 77


Capítulo 9
Procrastinar: como analisar para conhecer
as conseqüências de adiar tarefas

Kdche/ Rodrigues Kerbauy


L/SP

Há poucas pesquisas sobre procrastinação, em relação à importância do tema e


fora do ambiente acadêmico. No entanto, são comuns comportamentos como deixar de
fazer porque há dificuldade, atrasar uma tarefa importante com resultados menores quando
feitos após certo prazo, atrasar ações em benefício de alguma coisa fácil e rápida e que
provoque menos ansiedade. Também, o conceito social, de comparecer no horário para
realizar trabalho e para não dispor do tempo do outro e atrapalhar seus planejamentos,
parece, inexistente na cultura brasileira. Destaca-se, especialmente, quando o inicio do
trabalho, depende do grupo comparecer em maioria ou de seu chefe. O atrasar pode ter
conseqüências imprevistas para cada um. Os psicólogos evitam, em suas pesquisas
sobre procrastinar, o inconveniente de pesquisas de campo e longas. Fazem pesquisas
com estudantes e em ambiente acadêmico, sendo poucas em laboratório.
Encontramos, problemas metodológicos a serem resolvidos, tanto em pesquisas
com pequenos grupos como também em uma fábrica. As contingências em instituições
j dificultam o procrastinar pelas sanções sociais e resultados da produção exigida. Em
trabalho com pequenos grupos, durante seis meses, Kerbauy ( 1996), mostra ser possível
instalar comportamentos de fazer tarefas, baseando-se em regras, organização do tempo
e discriminação de reforçadores sutis, em contrapartida a reforçadores de maior valor e a
longo prazo. A desistência do programa é pequena, aproximadamente 10%. O registro
detalhado de comportamento especificando hora e conseqüência em relação a adiar ou
fazer, mostrou-se um dos componentes fundamentais para autoconhecimento e fazer
v mudanças. A identificação de regras desadaptadas, embora requeiram maior tempo, são
' eficazes na mudança de repertório. Os reforçadores grandes e a longo prazo são os
nomeados, mas são difíceis ou quase impossíveis de serem empregados em programas
de curto prazo, como viagens, por exemplo. Aprender a discriminar pequenos reforçadores
inerentes à própria atividade é auxiliar de manutenção de mudanças. Conclui-se por
desenvolver programas de 1 0 a 1 2 semanas e com avaliação dos resultados através de
relatos e registros.

78 Rachel Rodrigues Kerb.uiy


O pesquisador, ao estudar comportamentos complexos, utiliza paradigmas
experimentais de comportamentos, para identificar as variáveis que influenciam o
comportamento escolhido. Estando completa ou não, essa investigação, a necessidade
dos contextos clínicos e educacionais, obriga a utilização dos dados já encontrados. O
circulo se completaria, com a volta ao laboratório, para identificação clara das variáveis
relevantes.
Nesse processo haveria destaque para certos pontos que ainda não tinham sido
completamente esclarecidos e busca de explicitar a influência do ambiente para a instalação
e manutenção do comportamento.
O estudo da procrastinação ou adiamento ó ligado ao de autocontrole. Ao conceber
autocontrole, como a pessoa controlando variáveis das quais se comportamento é função,
quando há conflito entre contingências positivas e negativas, e não como um traço de
personalidade ou de característica inata das pessoas, que acompanhariam todo seu
desenvolvimento, Skinner (1953/1967) fez uma proposta que produziu pesquisas. Destacam-
se as de Mischel e colaboradores (1989) e Rachlin e colaboradores (1972,2000). Considero,
no entanto, que a análise de Ferster (1962) sobre o comportamento alimentar, desenvolveu
uma área que tem sua influência até hoje, embora seu artigo, na maior parte das vezes,
não seja mencionado. Ouvi dizer, que é pela falta de dados, sendo somente uma análise.
Mas ó análise, com ênfase em variáveis ambientais envolvidas no comportamento alimentar.
É a primeira retomada do conceito de autocontrole após o capitulo XV de Skinner (1953/
1966) em ciência e comportamento humano e a primeira aplicação do conceito, se
excluirmos Walden Two (1948), por ser livro de ficção.
Mesmo Goldiamond (1965), com sua aplicação em casos clínicos, que ele chamou
de procedimentos de autocontrole em problemas pessoais, e nos quais trabalhou com
controle de estímulo fazendo planejamentos ambientais, não apresentou o problema da
procrastinação. No entanto, mostrava em seu artigo, como a análise de autocontrole era
uma ferramenta para tratar de inúmeros problemas. A aplicação do conceito de autocontrole
para analisar procrastinação ó bem posterior. Apesar de Skinner (1953/1967) destacar
que a pessoa passa a controlar parte de seu próprio comportamento quando a resposta
leva tanto a reforçamento positivo quanto negativo e esclarecer que tem conseqüências
que provocam conflito, as pesquisas foram poucas e sobre procrastinação inexistentes,
até os primeiros estudos em ambiente universitário. No entanto procrastinar ó um problema
de autocontrole.
De fato, um mesmo comportamento tem a possibilidade de ser reforçado ou punido
(comer e deliciar-se ou engordar), tem uma história pessoal de conseqüências aversivas
(come certa quantidade de alimentos e engorda). Há uma contingência em curso, que se
o comportamento controlador, de baixa freqüência, ocorrer, muda as condições ambientais
e a probabilidade da resposta controlada.
No caso da procrastinação, temos o comportamento de adiar o inicio ou interromper
trabalhos iniciados, ser reforçado ou punido, pela atratividade da tarefa alternativa e a
aversividade de não ter feito a esperada. Existe também uma história pessoal, de por
exemplo, perder prazos, não entregar trabalho em dia, ficar angustiado por não ter completado
o trabalho e achar que não dará tempo ou fará melhor. Se for possível a emissão de um
comportamento de baixa freqüência até aquele momento, como sentar-se à escrivaninha
e se propor a escrever dois parágrafos, aumentará reforçadores presentes e a motivação
para evitar punições. Esse lapso, nessa seqüência, é completado por regras, especialmente
nas pessoas verbais, ou por discriminação de reforçadores sutis.

Sobre Comportamento c Cognlv<lo 79


1. Maneiras objetivas de analisar a procrastinação.
Várias abordagens de psicologia teorizaram sobre procrastinação, propuseram
definições salientando o sucesso e a maneira de atingi-lo ou atividades como relaxamento
para diminuir a ansiedade. No entanto, os comportamentalistas, desde o inicio, apesar de
poucos estudos sobre procrastinação, excluíram o papel de fatores de personalidade e
focalizaram na aprendizagem e nos hábitos adequados, no que era possível fazer.
Wallace (1977) analisando as técnicas de autocontrole de escritores famosos,
dismistifica a força de vontade, a inspiração misteriosa para escrever e mostra como ó um
comportamento como outro qualquer, sujeito aos princípios de aprendizagem. Sem serem
comportamentalistas esses escritores utilizavam, por exemplo, registros e esquema de
horário de trabalho regular para acelerar e manter o escrever. Portanto se pensarmos
dessa maneira, a análise das contingências do comportamento daquela pessoa e o emprego
cuidadoso e lógico de técnicas de terapia comportamental podem resolver esse problema.
Dillon, Kent e Malott (1980) empregaram um plano de supervisão sistemática em
1 2 pós-graduandos para manter um trabalho regular de redação de tese. Os estudantes
encontravam-se com o supervisor. Também, com estudantes no mesmo processo de redação
de teses, especificavam quais as atividades necessárias, e todas as etapas, tendo feedback
para seu progresso á medida que atingiam os objetivos intermediários. Esse estudo não
apresenta seguimento. Suponho que os estudantes entregaram a tese no prazo. De fato,
além do programa, há as contingências da pós graduação e a necessidade do titulo para
obtenção de empregos. As contingências naturais da situação são poderosas.
Continuando essa linha de estudos, M alott, Whaley e Malott (1992) falando das
pesquisas com um sistema de supervisão e analisando porque o sistema funciona, afirmam
ser pelo fato de prover manipulação de desempenho. Necessita-se desse sistema quando
as contingências naturais são insuficientes para dar condições para o comportamento
adequado, o que é freqüentemente o caso de dissertações e teses, cartas e até mesmo...
cartões postais. Malott e colaboradores trabalham, em clientes verbais, com a adição de
contingências que atuam indiretamente. Suplementam regras difíceis de seguir com outras
fáceis. Fazem contratos, empregando resultados definidos e mensuráveis. Essas regras
especificam as perdas e têm um limite de tempo para procrastinar. Por exemplo, se tem
trabalho para segunda feira pode procrastinar até sexta feira às 1 0 horas, o que deixará
tempo hábil, para completar a tarefa. Se não fizer, não escrever, pode tornar-se muito
aversivo, por não poder escovar o dente e perder dinheiro. Como o pensamento do que
ocorrerá torna-se aversivo ele diminui essa aversividade fugindo e produzindo palavras
escritas. Portanto o sistema funciona porque produz regras claras sobre os resultados
prováveis e definidos. Essas regras tornam-se operações estabelecedoras para garantir o
reforçamento de fazer a tarefa. Os autores salientam a necessidade do limite de tempo
para que as regras estabeleçam adesão.
Boice (1996) pergunta por que essas pesquisas são pouco citadas e qual seu
efeito prático. Considera que o controle é tão forte e poderoso que pode aborrecer a pessoa
em vez de ajudá-la. Consideramos esse um ponto a ser pesquisado, pois explicaria, por
exemplo, mesmo sem tantos controles, porque as teses são pouco publicadas.
Evidentemente, há múltiplos controles.
Esse autor tem um conceito de procrastinação, ligando-o ao conceito de bloqueio,
e questiona porque as coisas escritas sobre esses dois conceitos, são geralmente
anedóticas, e com poucas pesquisas, quando esses comportamentos dificultam os

80 Rachel Rodrigues Kerbtiuy


tratamentos de doenças e o termino de trabalhos relevantes. Pergunta se não seria um
grande tema da psicologia, que não foi examinado, sendo mal compreendido
Com os escritores, e sua ansiedade e bloqueio ao escrever, Salovey e Haar (1990)
em um estudo no laboratório, compararam técnicas cognitivas como inoculação de stress
e enfrentamento, escrever livremente, no laboratório, com um grupo de controle, em lista
de espera. Iniciaram o estudo com convite para 100 pessoas, após as desistências
terminaram com 43 participantes escolhidos pelo auto-relato de ansiedade e bloqueio. Os
resultados para os dois grupos foram próximos quanto a melhorar o escrever e os autores
destacam a necessidade de estudar ansiedade para escrever devido à importância desse
comportamento no mundo atual. Nurnberger e Zimmerman (1970) empregaram "esquiva
produtiva" para forçar, um professor assistente que não escrevia há dois anos, a escrever.
Utilizaram um procedimento usado na época, de enviar o cheque (guardado em poder do
experimentador) para uma organização detestada, caso não escrevesse a quota combinada.
Escreveu.
Há, na literatura, planejamentos ambientais e com reforçadores positivos. Hall e
Hursch (1982) convenceram quatro professores universitários que atrasavam prioridades,
a colocar um horário em sua porta para limitar interrupções. Dois permaneceram mais nas
tarefas necessárias e dois não. Boice (1982) conseguiu bons resultados com acadêmicos
que, se escrevessem a cada dia, tinham acesso a reforçadores como ler jornais ou esquiva
de punidores como não poder tomar banho.
Skinner (1980) em suas notas sobre autocontrole, no livro organizado por Epstein,
diz que escrever a primeira parte de um parágrafo ó difícil porque o escritor não tem uma
audiência. Quando alguma coisa foi escrita, serve de estímulo discriminativo evocando a
escrita que se segue. Esta é outra explicação, pois escrever tende a ser reforçado em
esquema de razão, e uma pausa após reforço, pode ser devido às condições nas quais o
reforço, não foi obtido. Para “começar" precisa ter condições especiais de reforçamento.
Skinner aconselha até papeis de cores diferentes, pois ao completar uma página e mudar
a cor, pode ser reforçador. Parece, portanto, que o escrever e suas dificuldades têm
fascinado os psicólogos, talvez principalmente aqueles que escrevem.
Continuando seus estudos sobre procrastinação, e tendo encontrado anteriormente
que a procrastinação depende da estimativa de tempo, das contingências existentes e
que provoca comportamentos emocionais negativos, como ansiedade e raiva, Kerbauy
(1996,1997) conduziu um grupo. Eram seis universitários voluntários que compareceram
a seis sessõçs, durante seis semanas, e dois alunos de graduação, que auxiliaram o
pesquisador. As sessões foram gravadas e transcritas. Após explicar o objetivo da pesquisa,
estudar procrastinação e sua ocorrência, solicitou-se o registro de tarefas. O primeiro
registro foi sobre tarefas a serem realizadas e se foi feita ou adiada. Foram acrescentadas
novas colunas no registro, dependendo das discussões do grupo e da necessidade de
compreender o comportamento de procrastinar. Foram acrescentadas colunas com notas
de zero a dez, para avaliar a habilidade e atratividade da tarefa. Também coluna sobre a
emoção produzida por fazer ou adiar a tarefa. Os resultados mostraram que a procrastinação
depende mais da atratividade da tarefa do que da habilidade para realizar. Ao hierarquizar
as dificuldades e condições em que ocorre procrastinação, em seu caso particular, os
participantes preferem realizar as atividades sociais que, em sua experiência, propiciaram
conseqüências emocionais positivas. Quando as contingências são especificadas a tarefa
é mais realizada. As conseqüências aversivas fracas parecem não auxiliar na emissão do
comportamento esperado, provavelmente por não favorecer a esquiva. Também a

Sobre Comportamento e Cotfniçclo 81


especificação de regras facilita a execução da atividade. Fazer a tarefa é acompanhado do
registro de alívio, bem estar, felicidade, palavras explicadas em detalhe, pelos participantes.
Não fazer a tarefa é acompanhado de decepção, "dor de consciência", insegurança e
irritação. Somente um participante relatou não se preocupar. Conclui-se pela vantagem de
grupos pequenos e importância do registro, para compreender o comportamento de
procrastinar e as contingências..
Os universitários, acadêmicos e escritores são sujeitos de estudos. Será que os
outros trabalhos não propiciam adiamento? Kerbauy e colaboradores têm analisado diversas
condições. Hamasaki e Kerbauy (2001) investigaram quanto à prevenção e os cuidados
com a saúde poderiam estar relacionados com a procrastinação. Através de entrevistas
com 31 participantes de 18 a 67 anos e de ambos os sexos encontraram que as explicações
para adiar exames médicos são: outras prioridades e falta de informação sobre prevenção
e tempo dispendido. Os check up e a prevenção de câncer ginecológico são os exames
mais realizados, mas 16 participantes assumiram o adiamento. Há relato de emoções
semelhantes ao adiamento de outras atividades de vida cotidiana, encontradas em outros
estudos.
Com Enumo (1995) (1999) e seus alunos, foi possível, entre outros estudos, entrar
em uma indústria e fazer o questionário usual, das pesquisas anteriores, sobre o que é
adiar e o que fazem para não adiar tarefas e descrição de algumas contingências.
Entrevistaram funcionários com várias funções na empresa. O adiamento era praticamente
impossível em tarefas mais controladoras. O adiar a entrada no serviço era inexistente,
pois há cartão de ponto e desconto dos atrasos. Novamente, aqui, observa-se a tarefa
sendo controlada pelas regras claras e quase impedindo a procrastinação.
Concluindo, diriamos que as pesquisas com procrastinação empregam ques­
tionários, entrevistas, registros e relatos, declaração de planejamentos e realização ou
não, observação de atividades planejadas e se são realizadas naquele local e hora. A
análise das contingências do procrastinar varia de acordo com os locais e atividades e
culturas bem como os reforços ou punições para as ações feitas ou não. Devido à
importância para inúmeras atividades, de prevenção de problemas de saúde a entregar
relatórios ou trabalhos em dia e pagar contas sem juros, o trabalho preventivo e as pesquisas
são atuais. Portanto, saindo da área de clinica, em que se iniciou, poderá se constituir um
campo de prevenção e desenvolvimento humano.

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Sobrr Comportamento e Cognifáo 83


Capítulo 10
Produção de conhecimento e ciência
natural - tudo que é sólido pode se
desmanchar no ar
Roosevelt R, Starling
u F S i/n rs ic

If you believe certain words, you beliove thoir hidden arguments.


When you believe something is right or wrong, true or false, you believe the
assumptions in the words which express the arguments. Such assumptions
are often full o f holes, but remain most precious to the convinced.1
The Open-Ended Proof, from The Panoplia Prophetica
Frank Herbert, em Children o f Dune.

Talvez a maior parte dos membros da comunidade verbal analítico-comportamental


prefira pensar em si mesma como aspirantes à produção de um conhecimento naturallstico
do comportamento, portanto, como aspirantes à construção de uma ciência natural do
comportamento. Entretanto, não somente o relativo desconhecimento e controvérsias que
cercam as palavras/conceitos “ciência" e “ciência natural" como também o fato histórico
da psicologia em geral, e de maneira especial a psicologia brasileira, ter se desenvolvido
no bojo de uma forte tradição dualista e filosófica, pode dificultar a apreciação e a adesão
mais aberta às vantagens e desvantagens deste propósito a potenciais interessados na
Ciência do Comportamento. Como a maior parte destes interessados potenciais provêm
da psicologia e como a maior parte dos cursos de psicologia não fornece um treinamento
formal intensivo em ciências naturais, é sempre conveniente constantemente reapresentar,
ampliar e refinar a discussão do que possa ser uma ciência natural, sobre a qual se
assentam os pressupostos da Ciência do Comportamento.
Este trabalho estará primordialmente interessado em discutir, em caráter
introdutório, o que se pode entender por ciência natural, entendida como uma linguagem,
uma maneira de falar sobre mundo, e em examinar algumas de suas regras, seus principais

'SavooAacradftaatncartaapalavnM, voc* actadHa no* argumanlo* que aia* pra*aupAam Quundo vocé aoadHa if j* attfo é certo ou errado, voniacMr»
ou tateo, voc* acredita na* *upn*lçAe*conOdaenae palavra* que expreaaam o* argumento* Na maioria da* vaza*, aaaaa •upoatçAe* contém enorme*
incnnaiatfndaa. ma* pamianaca™ aNtnwnamanla prat&aaa para oa aaalm convanddua (Tradução do autw)

84 Roosevelt R. Starling
métodos de produção do conhecimento e algumas de suas limitações. Este trabalho pode
e deve ser entendido como um texto elementar, até mesmo com pretensões didáticas, no
qual, em nome da clareza, se sacrificará uma formulação academicamente mais precisa
e nào se discutirão os pontos mais controversos e conceitualmente mais delicados. O
autor está convencido de que um leitor sofisticado neste tema nada encontrará aqui que já
nào esteja mais bem tratado em outro lugar.
Contrariamente ao que preconiza a boa prática académica e em função da sua
pretensão de texto didático, no correr da exposição serão evitadas as indicações
bibliográficas de fundamentação geral, exceto nos casos de uma citação direta ou nos
quais a indicação seja importante para a atribuição do crédito ao autor consultado. Ao
final, serão oferecidas ao leitor as principais fontes bibliográficas utilizadas. Nelas os
pontos aqui abordados de maneira introdutória e esquemática, recebem o tratamento
rigoroso e detalhado necessário para um domínio mais sólido dos temas discutidos.
A produção de um texto elementar nesta área - e que portando deverá ser o mais
abrangente possível - é uma tarefa aterradora, como bem o reconhecerá o leitor afeito aos
problemas que a filosofia da ciôncia. Infelizmente este autor, por sua própria insegurança
e temor, não conseguiu se livrar da praga das notas de rodapé ao se aventurar por tema
tão complexo e elusivo, como é o da filosofia da ciência. Mais vezes do que seria
recomendável este autor incluiu notas de rodapé com a finalidade de complementar,
relativizar, ampliar ou enfatizar afirmações ou discussões presentes no texto nas quais
sentiu nào ter conseguido ser suficientemente claro. O autor, constrangido, desde já
apresenta ao leitor o seu pedido de desculpas, pelo incômodo que isso puder lhe trazer.
De fato, a simples seleção e ordenação dos tópicos numa proposta abrangente
como a deste trabalho já representa uma notável dificuldade: o que tratar, o que deixar,
sabendo que o tratado e o deixado são ambos relevantes e complementares: como ordenar
os tópicos selecionados, sabendo que múltiplas ordenações são igualmente possíveis,
úteis e válidas, dependendo da direção que se deseja orientar a discussão. Este autor
seguirá um caminho, uma seleção, uma ordenação, reconhecendo que estes dificilmente
seriam os melhores. Terá como único guia a sua própria e limitada experiência como
estudioso e professor, orientando-se peto que parecem ser as principais dúvidas e interesses
dos alunos com os quais tem discutido este fascinante tópico em sala de aula e nos
corredores da academia. Por ser um texto destinado primariamente aos estudantes e
estudiosos da psicologia, os exemplos e analogias que ilustram os princípios aqui discutidos
se referem a esta disciplina, embora a ambição deste texto seja a de discutir ciência
natural em gêral e não a sua aplicação a um determinado campo em particular.
Seria talvez supérfluo dizer - mas manda a prudência e a boa prática acadêmica
que assim se faça - que este texto, por se tratar de uma produção teórica está sujeito à
discordância dos colegas com relação a muitos dos conceitos e implicações aqui
apresentados. Este autor entende que estes colegas devem ser ouvidos com toda a atenção.
A ciência é uma atividade em permanente reconstrução da qual participa toda a comunidade
interessada. No atual estado do nosso conhecimento, nào temos certezas a serem
defendidas como dogmas; na verdade, poderíamos frustrar nossos próprios propósitos
caso nos recusássemos a ouvir atentamente o contraditório.
Delimitando ciência. A primeira tarefa de uma discussão como esta é definir o
seu objeto. Esta é também a primeira dificuldade: não existe uma definição inequívoca de
ciência e, mesmo quando a este [enganador] substantivo adicionamos o adjetivo natural,
continuamos tendo problemas para alcançar uma definição que possa obter um consenso

Sobre Comportamento c CoflnlçJo 85


pleno dentre os cientistas, que se dirá dentre o público em geral. “Ciência" não é uma
"coisa”, um substantivo concreto para o qual a questão fosse, examinando-o em sua
substância, encontrar a melhor definição. Ciência é uma prática; algo que nós, humanos,
fazemos de uma certa maneira (e não de qualquer maneira, pois, nesta hipótese, não
seria possível uma delimitação e esta discussão nem mesmo existiria). Essencialmente,
ciência pode ser entendida como uma prática sócio-verbal, uma maneira especial de falar
e agir sobre o mundo e, tendo esta natureza, sujeita às flutuações do "espírito dos tempos"
e aos interesses e limitações das diversas comunidades humanas que a têm praticado e
falado ao longo dos séculos. Ciência, na concepção que adotamos, é um verbo: fazer
ciência ou "cienciar", se nos fosse permitido o neologismo. Estaremos assim engajados
na escorregadia tarefa de capturar uma definição para um verbo.
Concebendo fazer ciência como uma ação conduzida de determinada maneira,
podemos tentar delimitar algumas características desta "maneira". Por exemplo, nas
asserções verbais que denominamos científicas, vemos o uso dominante de um conjunto
de regras para a construção e validação de um discurso que chamamos de lógica. Estas
asserções precisam estar numa determinada forma: é uma linguagem formal. Desta
característica central, decorrem outras, tais como a da sistematização e ordenação dos
conjuntos declarativos, da criação de um ou mais de um instrumento para avaliar se esta
ou aquela asserção atende a este requisito, de regras para a criação de novas asserções
etc. Atendidos estes requisitos e neste sentido amplo, poderemos sempre atribuir o rótulo
de ciência ou científico a uma enorme variedade de discursos sobre o mundo. Entretanto,
cada época e cada geografia produzem seus "arquétipos compartilhados de ciência"
(Laudan, 1981), ou seja, seus modelos ou padrões de discursos que poderiam, para aquele
tempo e lugar, receber "justificadamente" aquele rótulo. Um exame ainda que cursivo da
história da ciência não deixaria talvez de surpreender muitos de nós pela enorme variedade
de discursos que já foram - e são - apresentados como científicos, principalmente porque
alguns deles não se enquadrariam no nosso arquétipo compartilhado corrente.
É importante para o bem-estar e, muitas vezes, para a própria sobrevivência de
organismos, espécies e culturas obter soluções aceitáveis para eventuais problemas
práticos, sejam eles de natureza física ou social. Membros individuais especialmente
felizes e constantes em obter tais soluções foram chamados de sábios em outras épocas
e, na nossa, costumam ser chamados de cientistas. Modos de organizar o mundo através
de declarações verbais sobre os fenômenos e/ou práticas de intervenção direta nos
fenômenos que regularmente obtêm tais soluções são chamados de sabedoria ou ciência^1.
Exatamente que tipo de situação seria considerada um “problema prático" para as diversas
comunidades humanas é também algo que se subordina a lugar e tempo.
Confiamos naquilo que é constante, nas regularidades e invariâncias. Como os
"sábios" regularmente produzem soluções satisfatórias para os problemas, tendemos a
confiar nos seus discursos e nas suas práticas. Dessa maneira, “sábios" - modernamente
os “cientistas" - passam a serem vistos como detentores de recursos importantes para
uma dada comunidade e, com isso, adquirem poder. Admite-se que por suas ações ou
omissões podem atuar na resolução ou na permanência dos problemas presentes na
comunidade. Assim, requerer para um dado discurso ou prática o qualificativo moderno de
“científico" costuma ter por efeito o incremento da confiabilidade e do valor reforçador

'CulxirUt M<|ul iitriM cüfMkivAc) «nlrn ci&icm t» Incnab p sou lachnA, mais practaamento (Bungo. 1085) Etto è um exmnpk) do Npo cfc»rintx>nrçA<> mui» rutlnmlH
qut! nhu truladu nmttn texto

86 Roo«evflt R. Starllnfl
presumido daquele discurso ou prática e um correspondente incremento no poder atribuído
ao seu detentor ou detentores. Esta situação muitas vezes se presta a todo tipo de
manipulação social, algumas vezes por ingenuidade do declarante, boa parte delas por
malícia dele, quase sempre por ignorância da audiência. Segue-se disto a importância de
constantemente reformular e disseminar uma descrição, a mais precisa possível, do
arquétipo compartilhado corrente do que é ciência ou científico.
Delimitando ciôncia natural. O arquétipo compartilhado corrente que desejamos
examinar aqui, o da ciência naturah desejamos examinar o que possa ser um conhecimento
naturalístico sobre o mundo. Uma ciência natural nào prescinde, naturalmente, da forma
lógica que deve presidir as suas asserções sobre o mundo, mas acrescenta a ela outras
exigências. Numa definição essencial, um conhecimento naturalístico sobre o mundo
seria aquele que considerasse nas suas asserções somente as propriedades naturais
dos fenômenos, ou seja, aquelas que possuem dimensões espaciais ou temporais capazes
de ativar algum receptor sensorial num ser humano comum.
Por esta delimitação, uma ciência natural não se interessa por asserções que
incluam, em qualquer dos seus termos declarativos fenômenos, partes de um fenômeno
ou propriedades de um fenômeno que não apresentem estas propriedades. Não se
trata de afirmar ou negar a possibilidade de tais fenômenos, mas sim de uma delimitação
clara do campo de interesse: “estamos interessados nisso, desenvolvemos métodos e
procedimentos para examinar isso e não aquilo”. Proposições filosóficas e religiosas
de longa tradição afirmam que vivemos num universo dual e dão grande ênfase à
existência e a um controle exercido por forças não naturais nos eventos do mundo
material. Contudo, mesmo pessoas que atribuem um grande peso a esta possibilidade
podem admitir que podemos estudar e conhecer muito do que acontece examinando o
comportamento dos fenômenos naturais no mesmo nível em que ocorrem e, dessa
forma, não existe uma incompatibilidade necessária entre ciência e religião; muitos
cientistas professam também uma fé religiosa. Uma incompatibilidade se manifesta
somente quando declarações religiosas contradizem relações naturais que podem ser
demonstradas como ordenadas e empiricamente verificáveis como, por exemplo, a
relação entre contato com sangue contaminado com HIV e o conjunto de manifestações
a que chamamos de AIDS.
Um ponto importante neste exame é ter presente que uma ciência natural não é
uma "coisa", mas sim uma prática sócio-verbal, conforme afirmamos acima. Sendo assim,
não se trataria de descobrir a definição correta, mas sim a de formular a definição mais
útil. "Útil para quem, no julgamento de quem e para quê?", poderia, com justiça, indagar o
leitor. A pergunta interessa, porque nos permite antecipar um ponto que será tratado com
maior detalhamento ao fim deste trabalho. Este ponto é: a ciência não se propõe a ser o
discurso sobre o mundo, mas sim um dos discursos sobre o mundo. Uma questão prática
aqui não seria nem mesmo saber qual seria o discurso melhor ou mais verdadeiro, mas
sim o de saber se os vários discursos possíveis seriam igualmente adequados para resolver
todos e quaisquer problemas ou se eles difeririam entre si quanto ao seu poder de resolução
de problemas específicos em contextos específicos.
De uma maneira geral, poder-se-ia dizer que uma ação seria considerada como
mais ou menos útil na resolução de um problema dependendo dos seus resultados no
aumento do bem-estar e no alívio do sofrimento de quem o tem. Mas esta resposta abre

Sobre Comportamento e Cogniçiio


um novo espaço de indeterminação: comunidades diferentes, pessoas diferentes - numa
palavra, histórias diferentes - produzem avaliações diferentes do mesmo resultado, mesmo
em casos tão dramáticos e irreversíveis como a autodestruição física de uma comunidade
ou pessoa3.
Mesmo considerando o número virtualmente ilimitado de situações nas quais o
prazer de uma pessoa pode ser o tédio de outra, talvez ainda assim possamos sair deste
novo espaço de indeterminação. Em muitas circunstâncias interessa que o resultado final
de um dado processo tenha estas e não aquelas características. É habitualmente
considerado importante que uma intervenção cirúrgica obtenha determinados resultados e
não quaisquer resultados. O mesmo propósito preside a confecção de um almoço, de um
programa econômico governamental, de uma intervenção clínica, e por aí vai. O mesmo
valeria, mudando o que precisa ser mudado, para inúmeros processos sociais. Quando
nos vestimos para uma festa, comumente desejamos causar uma determinada impressão
e não qualquer impressão; quando procuramos a pessoa amada para nos reconciliarmos
após uma briga, desejamos determinados resultados, e não quaisquer resultados.
Poderíamos então obter um consenso de que, nestas situações, a definição mais útil será
aquela que permitir maior previsibilidade e controle dos resultados de nossas ações. Parece
ser este o propósito de todos os discursos formais sobre o mundo, com maior ou menor
grau de explicitação ou consciência dos seus propositores4, e, de maneira explícita, é o
propósito declarado de uma ciência natural. A História mostra que a linguagem da ciência
tem produzido resultados mais satisfatórios e constantes do que os outros discursos,
quando é importante obter graus aumentados de previsibilidade e controle sobre um
determinado processo ou fenômeno natural de interesse.
Previsibilidade e controle. Observar que variações no valor da variável A
consistentemente resultam em alguma mudança previsível na variável B permite que se
possa predizer e controlar a variável B. A predição simplesmente implica numa reformulação
"se...então" da relação declarada, chamada de formulação geral. São exemplos de previsãor’
as seguintes relações, declaradas por diferentes áreas de estudo:
SE a quantidade de adrenalina circulante num organismo (A) aumentar, ENTÃO
este organismo mostrará um incremento na taxa de batimentos cardíacos (B).
SE o preço da gasolina (A) aumentar, ENTÃO seu consumo (B) diminuirá.
SE uma resposta for consistentemente seguida por atenção social (A), ENTÃO
esta resposta aumentará a sua freqüência de ocorrência (B) no repertório daquela
pessoa.
Controle significa que a variação predita na variável B pode ser produzida ou evitada
através da simples manipulação da variável A. Pode-se evitar o aumento da taxa de batimentos
cardíacos (B) de um organismo diminuindo a quantidade de adrenalina circulante (A). Pode-
se reduzir o consumo de gasolina (B) aumentando o seu preço (A), e assim por diante.
Vale observar aqui que somente graus aumentados de previsão e controle não
esgotam a finalidade de um conhecimento científico sobre o mundo. Seria extremamente
trabalhoso e pouco prático se precisássemos produzir novas declarações de relações
'CncMkkim-M, por exH(ti|)<u, o aufcidlo ritual jupooAt n o* cnihnddoa caaoa d * «mridkj cotoívo de Ioda itma oammkladn. ou ainda, num axnmpkj rnnla hIiihI.
oachaiiwdoahnmanMxiitiba U rnam Iò*1*dlMria atrltx*aaata»evtmio»isncaratard*«xxrruéidad»paedúgiQaouwJoiriytea maantoiaüatonanhunM
Imm iiAo-vakxatlva para aata caractartuçio. axoek) um truiim o aalM av«nk» nào aAo p rttca txmum na »nuartart» qua oa daaatfca aomo anarmaldadm
‘ M M ntoumdlicuraoraNgloaaorlantaocranIaM itinioquaaladavtiruifeM r para M tam arapraiM riaoa a tu a da auadMidoda. ou para oblar lataaquam
reiuttHdo». iwala ou arn outra vida
‘ Naalamomanto, nloaahanoa ainda Inlarwwadoa em dl>cu<raaoont>ça— paraiaaaarwnara v td a rird w tre vtaft« — twTraria» nranaadtvnua« mfaiçftfm
qua a i variávnl* podam tnr «miro t l O* axempkj* foram otaraddoa |>ani mura HualmvAo do nnnoaOn

88 Rooífvclt R. St.irlinR
para cada ocorrência singular de um dado fenômeno. É preciso também que esta
previsibilidade e controle aumentados obtidos sobre uma determinada ocorrência do
fenômeno estabeleçam declarações de relações ( 1 ) igualmente válidas para outros
fenômenos da mesma classe e, (2 ) idealmente, sob quaisquer condições de ocorrência.
O primeiro destes propósitos corresponde ao problema da generalização ou generalidade
do conhecimento (também podendo ser chamado de replicaçâo ou replicabilidade) e o
segundo ao problema da universalidade do conhecimento produzido. Como veremos, boa
parte da linguagem científica está voltada para encontrar soluções para estes dois propósitos
e, como seria de se esperar, boa parte dos debates internos tem por base discussões
sobre a melhor maneira de obtê-los.
A linguagem da ciôncia natural. Maior previsibilidade e controle sâo os
resultados que a inquirição naturalistica persegue e que possivelmente seleciona as suas
asserções. Foi longa a história seletiva de uma linguagem que pudesse produzir com
regularidade estes resultados. Pelos registros históricos, com um breve interregno
representado por alguns filósofos gregos, foi somente na Renascença que se firmou e
obteve aceitação mais ampla esta maneira de falar sobre o mundo, provavelmente em
função das suas conseqüências: uma notável e inusitada explosão das possibilidades da
ação humana no controle do mundo material, tendo por resultado uma correspondente
explosão na produção de bens e serviços importantes para a nossa espécie ou para
parcela predominante dela.
Esta linguagem é a linguagem dos dados, ou linguagem descritiva. Talvez a sua
característica mais relevante seja a de, deliberadamente, se colocar sobre controle dos
eventos naturais. Numa declaração científica naturalistica só falamos “vejo quatro...’’,
referindo-nos ao ambiente extemo presente num dado momento, quando estivermos falando
sob controle de quaisquer quatro propriedades físicas do ambiente, ou quaisquer quatro
eventos naturais no ambiente. Se uma pessoa diz “Estou vendo ali no canto da sala os
espíritos alados de quatro cães recentemente falecidos", boa parte dos ouvintes da nossa
cultura reagiria com surpresa e incredulidade e o analista do comportamento procuraria na
história cultural, nas práticas lingüísticas da sua comunidade circunscrita e em eventuais
contingências presentes naquele momento, os possíveis controles de uma declaração
tão...subjetiva. No seu estado atual de desenvolvimento, esta linguagem encontra sua
máxima precisão na matematização, pois nela as relações de controle do ambiente sobre
a fala são explícitas, unívocas e sujeitas a contingências de reforçamento precisamente
definidas.
Propóáitos e problemas diferentes podem conduzir a definições diferentes de ciência
natural. Para o propósito deste texto e nos seus termos mais simples, uma ciência natural
pode ser definida como um discurso sobre o universo fenomênico, sobre o mundo natural,
que se pronuncia sob o controle de algumas regras relativamente bem discriminadas e
compartilhadas, tendo por objetivo uma busca empírica por ordem. Aqui, a palavra crítica
é empírica.
Diversos campos semânticos ou linguagens fazem declarações verbais sobre
possíveis relações entre eventos naturais e também sobre possíveis relações entre estas
mesmas declarações, tais como os conceitos, premissas e previsões de cada ciência.
Entretanto, uma linguagem científica naturalistica exige que estas declarações de relações
tenham uma fundamentação empírica. Para que isso seja possível, é condição necessária
que os eventos sobre os quais se declara a existência de alguma relação sejam eventos
naturais (esta condição é necessária, mas não suficiente, como ficará claro no decorrer

Sobrr Comjwrtdmcnlo c Cogmvdo 89


do texto). Eventos naturais são quaisquer eventos ou condições da natureza capazes de
sensibilizar os órgãos sensoriais de um ser humano comum; qualquer um ou um conjunto
deles, mas, certamente, pelo menos um deles. Ao declarar alguém: - "Aquela maçã foi
furada por uma larva" ó importante que exista um objeto que possa ser w sto-pelo menos
visto, embora possa também ser tocado, cheirado etc. - com tais e quais características,
e que também possa ser vista uma larva ou alterações tais nas características daquele
objeto que a experiência repetida indique ser habitualmente provocadas por uma larva e
que, finalmente, possam ser vistas certas conformações topográficas na maçã que as
práticas lingüísticas denominam furo.
Note-se que "bases empíricas" ou “busca empírica por ordem" são declarações
que não deveriam ser tomadas como a proposição de um empirismo ateórico como critério
para a formação de um conhecimento científico naturalístico. A observação dos eventos
naturais por si mesma, ou os dados obtidos num certo experimento por si mesmos, são
habitualmente insuficientes para proporcionar uma articulação verbal mais ampla e com
maior poder de organização de um dado campo fenomênico. Para a simples observação
empírica, a terra é fixa e o sol gira em torno dela. Entretanto, este dado da observação
empírica pura não se articula com outros fenômenos celestiais igualmente observáveis,
alguns deles incompatíveis mesmo com esta formulação11. São os eventos que se observarão
e sob os quais incidirão as declarações que se requer sejam empíricos, ou seja, capazes
de serem sensorialmente experimentados; não as declarações que sobre eles se faz.
Pode ser ilustrativo para este trecho da discussão o uso coloquial do verbo
experimentar. “Experimente este doce", dizemos, estimulando nosso ouvinte a se expor
aos efeitos daquele objeto em seus terminais nervosos gustativos. Quando conduzimos
um experimento formal, é exatamente a mesma operação que estamos fazendo:
estabelecendo contacto com o mundo através dos nossos órgãos sensoriais. Compare-
se a formulação ilustrativa acima com a formulação mais rigorosa de C. S. Peirce (1839-
1914) para definir um experimento:
(...) (1) toda informação a respeito do mundo nos vem através dos sentidos; (2)
muito da informação a respeito do mundo está à disposição da experiência
imediata; (3) alguma informação não está regularmente à disposição dos sentidos
e, portanto, da experiência imediata; (4) um experimento consiste no arranjo de
condições que tornem disponíveis à experiência imediata as informações que
não o seriam sem a realização do experimento (apud Walker, 1973, p. 56).

Para que uip evento ou condição da natureza possa sensibilizar os órgãos sensoriais
de um ser humano comum, é necessário e imprescindível que eles tenham dimensões
espaciais ou temporais sensorialmente discerníveis. Até a presente data, não temos órgãos
sensoriais que nos permitam ver, tocar, ouvir, degustar ou por qualquer maneira sentir os
Elementais da Natureza ou os Djins; assim, estes supostos entes não podem ser objetos
de uma inquirição científica naturalistica. Dizer que tais entes não podem ser objetos de
uma inquirição científica naturalistica não equivale a dizer que eles nâo poderiam de alguma
maneira existir. Entretanto, quer dizer que a ciência não tem como conhecê-los.
Observe-se aqui que também não temos órgãos sensoriais que nos permitam
ver, tocar, ouvir ou degustar certos comprimentos onda de energia luminosa, como, por
exemplo, o ultravioleta. Como podemos então falar numa linguagem científica naturalistica
sobre tal fenômeno? Bem, uma resposta pode ser a de que não falamos sobre tal
' Por exmn|)kj, mohUí hipóltiae podorlamo» ler «xipuo» toUima ou lunar**, ma» nAo «ohm* * lunar««, a manoa que poalulAaaamoa movimentos devem»
imisItiKlo« a caprictKiMia para naUta corpo»

90 Roo*evelt R. St.irllnft
fenômeno como um fato, mas sim como um efeito. Podemos ver a posição de uma
agulha num espectrômetro ou determinadas linhas num gráfico. Podemos dividir a
oscilação máxima e mínima do nosso espectrômetro em unidades discretas e relacionar
a posição da agulha em certos intervalos a outros eventos como, por exemplo, o
escurecimento da pele humana e, dessa forma, podemos declarar relações entre eles.
Mais adiante trataremos com mais detalhes de dois outros conceitos importantes para
um melhor entendimento deste parágrafo: a questão da observabilidade dos fenômenos
e a relação desta propriedade dos eventos com uma linguagem científica naturalística, e
a construção verbal de construtos em ciência.
Falamos em busca empírica por ordem. Esta ordem, esta ordenação, não é
necessariamente uma propriedade do mundo fenomênico, mas sim uma propriedade da
sua formulação verbal. Ao falarmos sobre o mundo, criamos esta ordem. Pressupor uma
ordem pró-existente e estranha ao falante institui o problema da criação dela e, em última
análise, conduziria a uma regressão ao infinito ou a um ato criador. Compreendido assim,
o problema da ciência deixa de ser um esforço para descrever corretamente uma certa
ordem já existente e passa a ser a criaçào verbal - e por conseqüência social - de uma
ordenação. A implicação disto é que, ao falarmos sobre o mundo com este ou aquele
conjunto declarativo, não estamos dizendo verdades, mas sim descrevendo os fatos com
uma linguagem que se subordina a determinadas premissas e se pronuncia sob
determinadas regras.
Quando aprendemos as diversas teorias sobre o mundo, em qualquer dos seus
aspectos, ficamos habitualmente sob a impressão de que estamos aprendendo verdades.
Uma nova teoria costuma então ser entendida como uma “nova verdade" que se sobreporia
à verdade anterior, caso suas declarações sejam reciprocamente conflitantes ou
contraditórias. Não obstante, entendidas as coisas como acima, não se trata disso. Uma
nova teoria é somente uma outra maneira de falar sobre um mesmo fenômeno, cujo valor
final, insistimos, há de ser a precisão com que ela nos permite prever e controlar fenômenos
naturais de interesse, caso estes resultados sejam desejáveis ou relevantes para aquela
pessoa ou sociedade.
Uma compreensão mais clara da natureza verbal das declarações sobre o mundo
poderia nos evitar alguns aborrecimentos. No nosso meio profissional, por exemplo, são
comuns discussões entre behavioristas radicais e psicólogos tradicionais, que quase sempre
se mostram frustrantes e insatisfatórias. Ora, tais discussões dificilmente poderiam produzir
resultados diferentes dos acima citados, pois se dão a partir de pressupostos diferentes,
de visões deTnundo diferentes e são pronunciados em línguas diferentes. Podemos falar
sobre estas diferenças, mas habitualmente não podemos resolvê-las. Nestes casos, uma
das poucas saídas satisfatórias consiste em tentar delimitar o fenômeno natural sobre o
qual se deseja fazer predições e oferecer então, a cada um, a explicação que a sua
própria língua permite. Quando as relações declaradas se dão entre fenômenos naturais,
pode-se muitas vezes arranjar situações experimentais que focalizem ou ampliem as
possibilidades sensoriais de exame do fenômeno e, eventualmente, decidir-se por esta ou
aquela explicação. Quando uma ou ambas as variáveis consideradas não têm dimensões
naturais que possam ser observadas ou quando a discussão se dá a partir de visões de
mundo antinômicas, nada a fazer, exceto conviver em relativa paz com a diferença.
Dividindo para produzir ordem: VI e VD. Ao falarmos sobre as relações entre
os eventos buscando uma fala que possa dar uma ordem ao fenômeno, toma-se importante
desenvolver uma linguagem que facilite esta ordenação. Para isso, uma das possibilidades

Sobre Comportamento e Cofjnlvío 91


lógico-verbais é dividirmos a nossa fala sobre os eventos em duas categorias: as variáveis
independentes e as variáveis dependentes.
Chamamos de Variável Dependente ou VD a variável que se altera numa relação
ordenada com variações na Variável Independente, ou VI. Se essa relação é consistente
ao longo de várias manipulações e observações, dizemos que uma alteração na VI se
correlaciona de alguma maneira previsível com a alteração na VD; existe entre elas uma
relação.
Chamamos de Variável Independente ou VI, a variável que vamos alterar (manipular)
na esperança de produzir mudanças na Variável Dependente, ou VD. A VI é independente
somente no sentido de que ó o foco isolado de uma inquirição. Ela não é independente no
sentido absoluto da palavra ou por alguma particularidade intrínseca que possa distingui*
la da variável dependente. De maneira similar, a VD ó dependente somente no sentido de
que seu valor pode ser ou não afetado por mudanças na VI. Talvez para facilitar este
entendimento, já se propôs falarmos variável experimental ao invés de variável independente
e de variável sob observação ao invés de variável dependente (Matos, 1990), mas entendida
a denominação no seu sentido técnico, ambas as denominações podem indicar,
satisfatoriamente, a natureza relacionai de uma declaração científica, sobretudo quando
formulada na formulação geral “Se...então", como já vimos ao discutir acima previsibilidade
e controle; assim sendo, preferimos manter neste texto a denominação mais habitual.
Como, certamente, já percebeu o leitor, a definição de VI e VD já constitui, por si mesma,
uma afirmação de uma possível relação entre eventos e uma é definida em função da
outra, tendo por base uma ação do experimentador, uma alteração observada e uma distinção
temporal, isto é, um pressuposto de que estes eventos não ocorrem num mesmo ponto do
contínuo temporal.
Ilustrando o acima, numa situação clínica podemos estar interessados em ajudar
nosso cliente a alterar suas respostas para que possam mudar certas propriedades do
seu ambiente social, por exemplo. Neste caso, as respostas do cliente seriam as nossas
Vi’s e as possíveis alterações no ambiente a nossa VD. Inversamente, nosso interesse
poderia ser ajudá-lo a discriminar variações nas suas respostas em função de certas
alterações no seu ambiente. Já aqui, as respostas do cliente seriam a nossa VD e as
alterações no ambiente a nossa VI. Em outras palavras, em qualquer arranjo, o evento
sobre o qual incidirá a manipulação do experimentador, quer esta manipulação implique
mudá-lo, mantô-lo constante ou registrar suas mudanças, é o que chamamos VI e o
evento sobre o qual desejamos verificar alterações possivelmente relacionadas a estas
mudanças é o que Chamamos VD.
Causa e conseqüência, correlação e seqüência. Demandas práticas da
pesquisa e da comunicação delas freqüentemente encorajam o uso impreciso de descrições
causais e assim, no jargão da ciência, é comum se dizer que a VI é a “causa" da alteração
observada na VD, mas esta é uma declaração imprópria. Não se pode observar uma
"causa"; ela só pode ser inferida. O cientista pode observar seqüôncia e correlação, mas
não pode observar conseqüência ou causação. Tudo que a linguagem científica naturalística
permite observar é que uma mudança no valor da VI é seguida por uma mudança no valor
da VD e co-ocorrência e prioridade temporal não indicam causação, mas somente
correlação.
Em função do problema geral da generalização e universalização de declarações
científicas de relações entre eventos, uma declaração mais parcimoniosa e veraz seria
dizer que "O evento A (VI), foi seguido pelo evento B (VD), 12 632 418 vezes". Esta

92 Roiwevdt R. Storlinjj
declaração, entretanto, não seria uma forma de comunicação prática no cotidiano dos
cientistas. Assim, coloquialmente ó comum simplificar e dizer “A é a causa de B" ou “B é
conseqüência de A”. Esta simplificação será usada muitas vezes neste trabalho e o leitor
fica desde já alertado para ler “causa" ou “conseqüência" e reservar seu entendimento à
"correlação" ou “seqüência".
Na verdade, as discussões sobre previsão e controle e sobre Vi’s e VD’s, mostram
que representar estas relações como funções atenderia melhor às possibilidades e
propósitos da linguagem da ciência natural. Reveja a formulação geral: "Se A...então B".
Por esta declaração, afirma-se que a diferentes valores de A correspondem diferentes
valores de B. B ocorrerá previsivelmente desta ou daquela maneira dependendo de A
ocorrer desta ou daquela maneira. Suponhamos que B = 2 x A; então, se A for igual a 6 , B
será igual a 12. Sabendo que A é igual a 3, posso prever o valor de B e se nos interessa
que B seja igual a 4, podemos controlareste resultado, nos assegurando que o valor de A
seja igual a 2. Generalizando, podemos dizer que o valor de B é função do valor de A: B =
f (A); A e B estão funcionalmente relacionados. Esta formulação é puramente descritiva e
não faz suposições sobre as "causas" desta relação. Como poderemos partir de uma
relação puramente descritiva, empírica, para formulações mais abrangentes e com maior
poder de ordenação, será objeto de discussão posterior.
De qualquer forma, descrições de "causalidade" sempre implicam inferências e,
portanto, devem ser usadas com extremo cuidado, pelas ambigüidades e desacordos a
que podem dar lugar. Em disputas de declarações de correlação versus inferências causais,
a intransigência pode ser decisiva. Há que se exigir (1) evidências empíricas da variação
concomitante; (2) evidências empíricas de que a VD não precede a VI e (3) evidências
empíricas da exclusão de outras variáveis que possam estar funcionalmente relacionadas
com a VD. (Craighead, Kazdin e Mahoney, 1976)
Para ilustrar estas dificuldades, considere a ação corriqueira de acender um
palito de fósforo. O fósforo se inflama após ser friccionado numa superfície áspera, uma
espécie de lixa, habitualmente já fornecida pelo fabricante. O evento que antecede o
inflamar do fósforo é friccioná-lo naquela superfície. Estaríamos autorizados a afirmar
que friccionar o fósforo na lixa é a causa do fósforo se inflamar? O fósforo se inflamaria
caso não tivesse propriedades químicas combustíveis? Inflamar-se-ia no vácuo? Inflamar-
se-ía caso estivesse molhado ou a lixa molhada? Independentemente das respostas
objetivas a estas perguntas, vemos que existe uma boa dose de arbitrariedade em
declarações causais como esta. Dependendo do foco de interesse, poderíamos afirmar
uma ou outra "causa" para o inflamar do fósforo. Esta possibilidade é válida para afirmações
científicas. Na verdade, esta flexibilidade é mesmo uma das vantagens desta linguagem,
por ampliar a variedade das declarações permitindo que novas relações possam ser
afirmadas dependendo do problema específico a ser resolvido. Caso tomássemos
seqüência por "causa", acender ou fabricar um palito de fósforo poderia apresentar
problemas inusitados numa série de situações.
Objetividade e subjetividade. A linguagem da ciência natural pretende ser uma
linguagem objetiva. A dicotomia subjetividade versus objetividade tem sido o mais das
vezes tratada de um ponto de vista filosófico, oferecendo-se o pragmatismo como uma
possível saída para esta antinomia. Esta é uma abordagem clássica ao problema e traz
consigo as vantagens do rigor formal da filosofia. Contudo, podemos também abordar esta
dicotomia em nossos próprios termos, considerando-a como instâncias do comportamento
verbal. Aceitando-se os critérios taxonômicos propostos por Skinner (1978), perguntaríamos

Sobre Comportamento e Cognl^o


que eventos ambientais poderiam estar controlando um discurso que denominamos
subjetivo e quais os que teriam influência sobre um discurso que denominamos objetivo.
Nesta perspectiva, ó possível dizer que um discurso objetivo estaria sob controle
predominante dos eventos naturais, ao passo que um discurso subjetivo estaria sob controle
predominante de variáveis da história cultural e comportamental do falante e das
contingências que estão atuando sobre suas respostas no momento da sua fala. Neste
entendimento, objetividade e subjetividade não se referem necessariamente a uma dicotomia
interioridade/exterioridade em relação ao corpo do falante ou a alguma agência ficcional
de controle, interna ou externa, imaterial ou física, mas sim, e singelamente, ao uso de
uma linguagem descritiva em oposição a uma linguagem expressiva.
Podemos falar: "Após receber o tratamento X, Fulano melhorou do seu medo de
altura" ou podemos falar "Após receber o tratamento X, Fulano é agora capaz de subir até
seis metros de altura sem relatar medo". A principal diferença entre as duas formulações
ó que, na primeira, estão omitidos os eventos naturais que permitiriam à comunidade,
conhecidas as condições iniciais, discriminar os controles ambientais desta declaração e
assim poder se pronunciar sobre a adequação da narrativa verbal aos eventos naturais
observados. Esta maneira de falar, a linguagem dos dados ou linguagem objetiva, facilita a
crítica das declarações que se propõe e facilita a validação social do conhecimento
declarado, através do exame e pronunciamento que sobre elas podem fazer membros da
comunidade do falante.
Nessa compreensão, uma linguagem objetiva não nega nem afirma uma suposta
subjetividade, no sentido da existência de processos ou agências interiores (em relação
ao corpo do falante) que pudessem ser críticos para o conhecimento; a dicotomia só se
criaria pela - e só existiria na - linguagem da filosofia e para os propósitos discursivos
daquele tipo de fala. Uma linguagem objetiva constitui, singelamente, outra conveniência
de linguagem para facilitar a produção e validação de um conhecimento mais preciso
sobre o mundo, mais demonstrável e, assim, potencialmente mais adequado para a
obtenção de um consenso que nos permita, a nós humanos, avançarmos com maior
segurança a partir do ponto até o qual a geração anterior produziu.
Especulações, Inferências e interpretações. Podemos "vivenciar", no sentido
sensorial, um “fenômeno como um todo”, mas raramente, senão nunca, podemos falar
sobre ele “como um todo". A linguagem humana, tudo indica, foi construída sob a influência
predominante de relações com o ambiente fora da pele do falante e se presta mais para
falar sobre estas relações do que para falar sobre eventos do seu ambiente interno7. Como
o cientista provavelmente não conseguirá falar sobre o “fenômeno como um todo" precisará
analisá-lo, ou seja, literalmente, separá-lo em partes. Ele irá declarar relações tentativas
entre partes do fenômeno, buscando ordená-lo, dar-lhe uma inteligibilidade. Para que uma
fala seja inteligível, ela exige uma ordenação e assim, ao falar sobre um fenômeno, já se
impõe a ele uma primeira história e uma primeira ordenação que lhe são estranhas: a
inerente ao próprio instrumento que se usa, a linguagem ou comportamento verbal.
Dividindo o fenômeno em partes, ele, o cientista, declara relações entre elas ou
entre elas e partes de outro fenômeno (grosso modo, nossas Vi's e VD's). Não se trata

' Provavelmente, mIm jm rtlojlnrkleil« d* (»1« human« tambAm reaponde pela dllk;ukli#de quo «e «xfMNlmnoln ao limtar deacntvor oxpnrléndaa wtnsoflttlN
(MicoUam* e Inlonaas Ao d e acrové-la», o Inliinln halrihMlmnnlo retain ‘itAo Uh palavraa* cxi quo "a x palavrxa nAo »Ao aufldimtbs*. D« (alo. riAo tm na Iftiii.
ou elaa nAo »Ao »irflctenlea Corto» atalnmaa NoaAflcoa lendem h emfirtmlar uma fttfaan nn|m(:Ml A nxfmnAncm sensori«!, multa* vh/hh declarando (pio tntüi
«eria N“verdadeira" (xjaaltjllldade humana dn contMKXV o unlvorvu Embora «ala poaaa *er urwinwtMrH do cu ilie u tr o unlverao, o mhi cmAtui ontrlUimonlo
privado dlfluillH »obremnnelra a *ua utilliaçAo aodHl Ao quo tudo Indica. nAo nxliitn nnriH do nocesiiHdMiianlii 'm a lt vordadoiro* nlfito. tixcolo o valor
mkirvador quo «ala* «aniavAm poaaam ler adquirido na hblória daqiwia p*Mua Provavaimanto, lamoa aqui dota fanAmano* dlallnkm, aob dota controla«
Igualiimnlo <ll»llrito» oa aatadoa corporal« que o aqtilpamnnk) Mnaorial humano noa parm lt* exparlmanlar, aob cxNitrotn (WBdomlf mntn da tkmim lilalfVIa
Nogon^loa a o qua o podamoa falar aobra o que experiment*«*» nob controle predominante da noaaa hlslòrt« (Adtural e onlngonAUc«

94 Roosevelt R, St.irllnfl
aqui de afirmar uma natureza fracionária do mundo fenomônico, mas sim de um artifício
verbal. A palavra artifício se relaciona a artefato: algo fabricado, um instrumento. Partimos
o mundo em fenômenos e estes em partes a fim de podermos falar sobre eles. O mundo
e os fenômenos em si mesmos nada tem a ver com nossas instrumentações,
permanecendo sempre o que de fato sâo, seja lá o que forem e seja lá o que queira dizer
esta frase; a "verdadeira" natureza do mundo é uma questão para o filósofo, não para o
cientista. Para este último, o relevante ó o incremento na predição e controle do mundo
que este instrumento possa permitir, quando utilizado desta ou daquela maneira.
Se as declarações de relações são pronunciadas sem uma clara relação com
fenômenos naturais, estando sob controle de propriedades do comportamento verbal e/ou
peculiaridades históricas do falante e da sua comunidade verbal, chamamos estas
declarações de especulações?, tais como declarações de relações entre Vi’s e VD’s não*
naturais. Nestes casos, são muito tênues e imprecisas as relações entre estas declarações
e os eventos naturais que lhes servem de base. Na psicologia, a virtual totalidade das
declarações psicanalíticas, por exemplo, pertencem a esta classe. Destes casos não nos
ocuparemos aqui, pois embora possam ter interesse como instâncias do comportamento
verbal, sua análise formal pertence ao domínio da filosofia, não da ciência.
Por sua recorrência nas declarações científicas e também por suas importantes
implicações conceituais e práticas, uma outra possibilidade que examinaremos
extensivamente neste trabalho é a de declarações que se pronunciam sobre eventos naturais,
mas uma das partes nas quais se dividiu o fenômeno sob análise não tem propriedades
naturais ou, as tendo, estas propriedades não foram ou não podem ser observadas;
chamamos estas declarações de inferências9.
Finalmente, se ambas as partes do fenômeno sob análise, VI e VD, são eventos
naturais, chamamos estas declarações de interpretações10. Interpretar è a tarefa por
excelência de uma ciência natural madura. Exposto a determinado fenômeno, o cientista
fala sobre ele, socorrendo-se das possibilidades descritivas da sua linguagem. Ele falará
somente o que a sua linguagem possibilitar. Ele poderá experimentar sensorialmente
mais do que pode falar e, nesta circunstância, precisará desenvolver novos recursos
lingüísticos para descrever o que experimentou.
Uma infinidade de fatores poderá ter influência nas possibilidades da resposta
sensorial do cientista, tais como as condições específicas na quais se deu a observação,
as práticas verbais da sua comunidade de origem, as possibilidades discriminativas verbais
e sensoriais que a sua história comportamental particular permitir, a sensibilidade do seu
equipamento"sensorial, tanto a sensibilidade biológica quando aquela dos artifícios que
usou para ampliá-la etc. O arranjo específico de cada um destes fatores, conjunções
particulares deles, ou ainda a resultante dos seus efeitos conjuntos, conduzirá a diferentes
falas por diferentes cientistas sobre um mesmo fenômeno. As regras estritas que uma
ciência natural madura estabelece para estas diversas falas asseguram-lhes, ainda que
aproximativamente, uma lógica e um controle ambiental comuns. Dessa forma, falas
diferentes podem ser ponderadas quanto às suas possibilidades de previsão e controle,
* FtlmoInglcMmonln, o vnrtxi tiajxwniUtr mi relacton« ho mjtmlantivo eupelho (do lalm ) Algtiém ntfxicxM ae ooioca frenl* a iim onpnllK), quo rtiflotn parte»
(lo mundo - ttontro s» qu»M predomrm Otmu prófno re/feko - • («1« aotor» o qtai v* Quem rtfot» PropoalvOo* #*(>«aJ«llvn» »Ao hafoilualmenUi
fomiulmlH» nuiriM llnguay«#m tmpntêãlonlMUi, l»to é, (xonimclada aob control* da» KnpmmtôtM (pa»»oal», fxx certo) qite o» lato* nbanrvadoa tndu/em no
Monta
* Inferir (do Intlm mhmw) A conckitr peto rad od n io Para uma knguagmn cientifica, l»to Mnplca qu« a» dedaruçAcM dever Ao m nubordlnar o»líllarnenUi Aa
regraa da lógica |>ara »arem vAlktai Em w o » llmll»*», ond a a » propoalçOo« nAo derivam d * axpaninMitMçAo, aata forma d e iHodiuir conhecim ento é
ctiam ad a de raclonêlm m o Q uando aAo d aclarad a» aobro evento » nAo natural», »Ao aMnplea • »peculaçfla», rnoanto que o raciocínio Mprn»enlNdo pmn
amparar a» concki»f>e» «utiordina-ae a o * cân o n e » lógkxm
Interpretar A traduzir de uma Ungiu* |Mra otitrn, fazer uma ver»Ao

Sobrr ComporUimcnto c Coflnlv'Jo 95


ou seja, quanto à “tradução” mais ou menos precisa das relações observadas no fenômeno
de interesse. Falando sob controle das propriedades naturais dos fenômenos a questão
da validade da declaração deixa de ser objeto de discussão e passa a ser objeto de
verificação empírica, através de procedimentos igualmente restritivos e compartilhados,
que discutiremos mais adiante.
Em outras palavras, para a ciência natural é mais importante saber comoe porque
uma pessoa falou o que falou do que saber quem falou. Numa situação ideal, a autoridade
de um cientista - ou da ciência, ao que valha - teria por fundamento exclusivamente a
adequação do seu discurso aos fatos naturais e não em presumidas virtudes pessoais ou
critérios sociais adventícios. Para a desgraça pessoal de muitos cientistas e felicidade de
outros, em boa parte das vezes a ocorrência ou não desta situação ideal só pode ser
constatada pela prova do tempo: o julgamento a frio da História.
Entretanto, observe-se que quer se trate de especulações, inferência ou
interpretação, as declarações sobre os eventos e suas relações não refletem
necessariamente a natureza “real" do mundo, mas sim a natureza das práticas verbais do
falante, no caso, o cientista. Não há nenhuma “verdade" necessária incluída nestas
declarações. Mais uma vez, o problema de uma possível Verdade imanente ou transcendente
é um problema para a filosofia, não para a ciência.
Construtos. Como já discutimos, a simples observação empírica é no mais das
vezes insuficiente para nos permitir uma ordenação mais abrangente e com maior poder
de resolução para os inúmeros campos fenomênicos que nos interessa prever e controlar.
Para superar esta limitação, o cientista lança mão de um artifício lingüístico: partindo da
observação de eventos naturais, inventa um conceito, uma palavra, uma categoria ou,
mais tecnicamente, um construto: uma palavra que categoriza e sumariza os eventos
observados e que permitirá não só uma forma abreviada de falar sobre eles como também
a inserção e a articulação das relações declaradas numa dada ocorrência do fenômeno
num campo semântico mais abrangente. A invenção de construtos é um artifício comum
tanto ao método hipotético-dedutivo quanto ao indutivo. A “construção de um construto" (e
por ser uma construção é que se chama construto) é uma operação verbal, sendo a
técnica formal conhecida como operacionalizaçâo. Por esta técnica, estabelece-se uma
definição operacional (para que se possa operar, agir sobre) entre os fatos empíricos e a
palavra/conceito que os categoriza, o construto. O que se faz é "ancorar" o construto nas
manifestações observáveis do fenômeno e estabelecer regras estritas que definam os
limites precisos do significado do construto: algo como “esta palavra só pode ser usada
quanto isto e aquilo"ocorrerem desta e daquela maneira".
Por exemplo: saúde é um construto. Não é um evento natural; saúde não existe
enquanto "coisa". Dizemos que uma pessoa tem saúde se determinados eventos naturais
estiverem presentes de uma determinada maneira, tais como a temperatura corporal no
entorno de tantos graus Celsius, freqüência cardíaca entre tais e tais batimentos por
minuto, pressão sanguínea entre tal e qual valores máximos e mínimos, e assim por
diante. Todos estes fenômenos são eventos naturais, diretamente observáveis e
mensuráveis e são chamados de referentes empíricos do construto. Dessa maneira,
dizer numa linguagem técnica que uma pessoa tem saúde equivale a dizer que aqueles
referentes empíricos que compõem esta categoria mantêm-se no entorno de um
determinado valor médio e nada mais do que isso. Já se vê que pessoas diferentes ou
grupos de pessoas diferentes, ou a mesma pessoa ou o mesmo grupo de pessoas em
momentos diferentes, podem referenciar diferentemente um dado construto. Categorizar

96 Roo*cvclt R. M.irllnfl
uma pessoa como tendo ou não “saúde” estará provavelmente sob o controle de diferentes
discriminações de eventos naturais, se esta categorizaçào for feita por um médico ou
por um artista plástico11. Não sendo uma coisa, “saúde” não pode fazer coisas
acontecerem; o fato de se dizer que uma pessoa tem ou nào tem saúde não faz com
que ela piore ou melhore. Não se pode tratar uma pessoa dando-lhe "mais saúde" e nem
a "falta de saúde” tem o poder de alterar qualquer parâmetro da sua fisiologia. O caminho
ó o exato inverso: se algum desses parâmetros se altera no sentido negativo é que
dizemos que àquela pessoa "falta saúde”.
A linguagem da ciência está repleta de construtos: força da gravidade, impulso
nervoso, reforçamento, memória, voltagem, catálise, momento inercial...todas estas palavras
não são coisas, mas sim categorias verbais, criadas por nós para falarmos sobre o mundo.
Numa formulação rigorosa, estas palavras “significam" somente as relações naturais que
elas descrevem. Assim, reforçamento é somente uma palavra conveniente para descrever
0 fato de uma resposta aumentar a sua freqüência de ocorrência no repertório de um
organismo caso ela seja seguida consistente e fidedignamente por um determinado evento12.
"O reforçamento” não pode fazer nada acontecer no mundo natural, não pode alterar a
freqüência de uma resposta. Novamente, o caminho é inverso: porque algo acontece de
uma certa maneira é que podemos falar em reforçamento.
Modelos. Muitas vezes, conjuntos de construtos são articulados num modelo13.
Por exemplo, usamos amplamente o modelo atômico, falando sobre certos fenômenos
em termos de construtos tais como átomo, nêutrons, elétrons, mósons etc. Todos estes
construtos nào existem como “coisas". Por tudo aquilo que sabemos, pode bem ser que
não exista nada na natureza topograficamente semelhante a átomos, nêutrons ou mésons.
Estas palavras, que podem soar tão sólidas para muitos de nós, são simples artefatos
verbais, como em qualquer outro construto: categorizações de traços numa placa de vidro
especialmente tratada, de oscilações no ponteiro de algum medidor, de perturbações
características no espectro luminoso etc. Assim como qualquer outra declaração científica,
um modelo è avaliado por suas possibilidades de ampliação da previsibilidade e controle
dos fenômenos naturais e não por qualquer Verdade que possa conter. Na psicologia, por
exemplo, falamos do Modelo operanteou do Modelo respondente, que articulam e resumem,
num conjunto mais abrangente, as observações empíricas e construtos criados para falar
sobre certas propriedades do comportamento humano quando exposto a certas condições.
Matrizes conceituais. Quando conjuntos de modelos e de construtos construídos
com base numa visão-de-mundo compartilhada se arranjam de uma maneira articulada,
mutuamente compatível e interdependente, temos o que chamamos de uma matriz
conceituai, um conjunto relativamente coeso de declarações mais abrangentes sobre todo
um campo fenomênico de interesse que possa ser delimitado com base em alguma
propriedade comum, como, por exemplo, o comportamento de organismos, em oposição,
por exemplo, ao comportamento dos corpos inorgânicos ou, ainda, dentro este último,
1 Isto lliwlra l*mi o natuni/M funcional o sodal do conhecimento * makx parle d* rtôs, ocidental», M sentiria mal» Mgurn se e»la cateyorl/nçâo fcmso MOi
|x)f útil mAdlco, em furiçAo dn hlatòria das conseqitAndM desta dedaraçAo • farnftám do arquétipo de dAnda (ou aaber) currenle na nossa sociedade. Etn
nlyumas comunidades,a m esma caleyorl/açAo prununcieda por um curarnlelro poderia ler nlorto calmante makw do qut) a pronundada por um mAdlco.
Evidenlemenle, uma pesaoa poda declarar unia outra como “seudAver unicamente »oh controla da variável» sodal», ma» a»ta [>o»»lbllldad«t 11*0 no»
Interessa examinar nesta dlsaissAo
Para que o aleito a qua chamamos reforçamento ocorra. riote-M que nAo * ne<ieasárlo que a»la e««rito aaja produzido pala ra«po»ta, ou Mja. astaja
diretamanto relacionado com a rmpoala num »antldo de determlnaçAo. o chamado comportamento super klcloeo lusUa eale fato Basla que M estabeleça
nntm eles uma relação fundonal
1Raramente, se alguma ve/, o desenvolvimento da knguagem denllflca sa dá em passos Uko ordenados, lóglcoa é asaiplicos oomo poderíamos crer ao
estudar textos acadAmlcos sobre o lema Achados experimentais, construtos tentativos, modelos ItagmenUbrlo*. todo Isso se mlsluia na Ixirafurida que é
0 ambiento real de Irabaltio doa ulenltslas Por mala qua se posaa desejar mitificar a dAnda, uma coisa sa pode afirmar sem rtaco de errar a atividade de
fazer dAnda t definitivamente um processo e uma alvtdade eminentemente ftumana (SUnner. 1001)

Sobrf Comportamento c Cognifdo


quer se considere a relação entre estes corpos, como na física, ou como se constroem as
partes destes corpos, como na química.
Por sua vez, estes campos fenomônicos delimitados constituem os chamados
domínios disciplinares, ou seja, a coleção de fenômenos sobre os quais incidirão as
asserções daquela matriz conceituai, o seu objeto de estudo. Algumas vezes, a matriz
conceituai e o domínio disciplinar se superpõem, como se vê em linguagens cientificas
mais maduras, como nas linguagens da física e da químíca. Outras vezes, várias matrizes
conceituais fazem asserções sobre o mesmo domínio disciplinar ou corpo fenomônico,
como na psicologia, antropologia e em outros campos semânticos de desenvolvimento
mais recente. Para uma apreciação completa, uma matriz conceituai requer o domínio
não somente das asserções contidas em seus componentes individuais como também de
como se articulam estes componentes, ou seja, da lógica da sua linguagem.
Por exemplo, na psicologia temos uma matriz conceituai chamada Ciência do
Comportamento, que vem sendo desenvolvida nos últimos 50 anos, e que engloba (1) o
Behaviorismo Radical, que ó uma filosofia da ciência, (2) a Análise Experimental do
Comportamento (AEC), que é um conjunto de estratégias para a investigação empírica,
(3) a Análise do Comportamento (AC) propriamente dita, que é o corpo conceituai de
conhecimentos indutivos derivados da Análise Experimental do Comportamento e (4) a
Análise do Comportamento Aplicada (ABA), que são conjuntos tecnológicos aplicados
derivados da AC e da AEC e destinados á intervenção nos problemas práticos de
comportamento.
Paradigmas. Finalmente, matrizes conceituais se aglutinam com maior ou menor
coesão e adesão em tomo de uma visão-de-mundo propositiva e orientadora, que é chamada
de paradigma. O grau de disseminação e aceitação de cada paradigma é variado. Alguns
gozam de conhecimento e aceitação quase universais, como o de considerar as estrelas
como o ponto focal conceituai em torno do qual se dão os movimentos dos corpos planetários
de um dado sistema. Outros têm aceitação de amplos grupos, mas não gozam de aceitação
universal, como o paradigma evolucionista versus o criacionista. Outros ainda se fragmentam
por grupos menores de aderentes, como os paradigmas do dualismo cartesiano ou dualismo
psicofísico e o monismo naturalístico, na psicologia. Paradigmas compartilhados favorecem
o diálogo entre domínios disciplinares, como é o caso da Etologia não-cognitivista e da
Ciência do comportamento. Paradigmas incompatíveis estabelecem clivagens de linguagem
praticamente insuperáveis. A matriz conceituai chamada Ciência do Comportamento, por
exemplo, se orienta por um paradigma monista e naturalista, ao contrário das psicologias
históricas e convencionais, que se orientam pelo paradigma dualista, formalizado por
Descartes (1596 -1650).
Construtos empiricos - variáveis intervenientes - e construtos hipotéticos
ou teóricos: as agências. Um exame da linguagem científica mostra que, embora
construtos sejam artefatos de uso disseminado, nem todos se constroem aderindo às
mesmas regras e delimitações. Na seção anterior focalizamos nosso Interesse na
construção de construtos empíricos e variáveis intervenientes14, mas nem sempre o uso
de um construto se limita às regras e condições acima examinadas. Tomemos um exemplo

14Podo*Mi aatnbelocar um» dlatlnçAo rotevantn antro um conatnilo empírico o um* vanAvel Interveniente Por exemplo, otaorve-M ■ dlfernnçM entrfl o
uonatruto *roforçamento" • o oonttruta "evento prlvndo* N* Mruklise do comportamento, «mtxw aatAo ancorado» empiricamente e demonstram regra*
matrllaa pnra a Mia daflnlçAo • imo, ma« o |>nmelro tom um carAtar eminentemente rienr.rltlvo ao pa««o que o aagundo é de carAler mal« Inferenclal O
primairo poderia «ar mal« bem caracterizado como um conmrulo ampinco• o aagundo como uma vanávot ntorvanmnte Contudo, corno o objetivo dealu
aaçAo é ealabalacer uma diferença anlre e t le i u«oa e a uMImçAo daala artificio para a conalruçio da um con«lrulo hlpoléWco ou uma agência, nAo no«
aprofundaramoa naata diacuaaAo

98 Rootevdt R. Starling
clássico da construção de um construto hipotético, uma agência, para salientar as
implicações lógicas e práticas desta maneira de usar o artifício.
Pessoas expostas a um estímulo num momento t0 respondem a este estimulo da
maneira x, digamos. Num momento futuro do tempo, t,, expomos novamente a pessoa ao
mesmo estímulo. Esta pessoa pode responder da mesma maneira xou falhar em fazer
isso; dizemos que ela se lembrou se responde da maneira x, e que ela se esqueceu, se
não responde da maneira x. Num exemplo: o leitor é apresentado a uma pessoa hoje [tj
aprende o seu (dela) nome [x] e usa este nome para conversar com ela. Alguns dias
depois [tj, ao reencontrá-la, chama-a pelo nome [repete x] ou falha em fazê-lo. Isto é tudo
o que há sobre o fenômeno observado: a possibilidade de se constatar empiricamente a
permanência ou não dos efeitos da aprendizagem ao longo do tempo. Para simplificar
nossa fala sobre este fenômeno, poderíamos criar uma categoria verbal, um conceito, que
abarcasse esta classe de fenômenos. “Memória" é a categoria já criada. No uso coloquial,
não há inconveniente em dizer que uma pessoa tem “memória" ou tem “boa memória" se
ela apresenta o comportamento de lembrar mais freqüentemente do que o de esquecer;
se o contrário acontece, podemos dizer que ela “não tem memória", se o comportamento
de lembrar nunca acontece, ou que tem "memória fraca", se ele ocorre com freqüência
baixa ou intermitentemente.
Entretanto, no uso científico (?!) habitual deste construto, “memória" deixa de ser
a simples palavra que é e passa a ser uma agência, ou seja, algo a que se atribui o poder
de "causar" os fenômenos que categoriza. Acrescenta-se assim algo mais ao significado
do construto do que a simples soma dos elementos que o definem e das regras que
presidem esta definição: acrescenta-se um significado adicional ao termo. Diz então que
uma pessoa esqueceu ou lembrou por causa da sua “memória"; foi “a memória" que falhou
oufundonou1ft. Como memória não é uma coisa, não é um fenômeno natural, mas somente
uma abstração, um conceito, num discurso científico naturalístico não se pode
legitimamente atribuir a esta agência imaterial16o poder de fazer coisas materiais
acontecerem. Pode-se falar que é assim, mas demonstrar isso representa um desafio
fantástico que, até a presente data, ainda não foi atendido: como comprovar que uma não-
coisa poderia executar uma ação qualquer e fazer uma coisa acontecer ou, por qualquer
maneira, influenciar um acontecimento no mundo das coisas. Mais tecnicamente, o
problema, até aqui insuperável, seria o de demonstrar a independência epistemológica do
construto, ou seja, demonstrar uma situação na qual ele existira e agiria independentemente
dos eventos que ele se propõe explicar; algo como uma ação demonstrável da memória
que não incidisse sobre os fenômenos do lembrar e do esquecer, que são os que ela
pretende explicar.
Utilizando os construtos desta maneira, surgem notáveis dificuldades para testar
e validar as relações declaradas. Recapitulando: os comportamentos de lembrar e de
esquecer, algo que uma pessoa faze que pode ser diretamente observado e mensurado
por outras pessoas, são os eventos naturais sobre os quais se apóia a metáfora da
memória, ou seja, constituem o fenômeno de interesse. Criamos então uma categoria
verbal a que chamamos memória e que descrevemos vagamente como uma "função
cognitiva" ou “função mental". Neste momento, já complicamos um pouco mais o nosso
entendimento do fenômeno, acrescentando os termos "função cognitiva" ou “função
" Um outro nonm pura Im o è refflcaçâo O praflxo laltno m , rm> iignlflca c o ita (com o em rofjúWtca ■ c o ita pública) R*tlflcar ê dar atributos d * colaa Aquilo
qua nAo tem aubatAt ícla
* Uma agéncuipodo Umitani ser malertal Numa vwlanto aUwl do nam ilhuiK ), por nxwnpk). atribui-«« aooérwbro a seu funcionamento o stoUisda ttyéKt*
«la "com anda" o corpo

Sobre Comportamento e Cogniplo


mental" a este substantivo abstrato; acrescentamos duas outras abstrações à abstração
que já tínhamos antes. Numa construção lógica hipotético-dedutiva que se arma desta
maneira, o lembrar e o esquecer - as VD's, no caso - seriam decorrentes do misterioso
funcionamento de uma memória imaterial - a VI postulada - residente na, decorrente
da, ou emergente de uma hipotética mente, declarações inaceitáveis segundo as regras
de uma ciência natural.
Proposta uma declaração, as regras da ciência pedem que seja arranjada uma
situação na qual o cientista possa provocar mudanças mensuráveis na VI e verificar os
efeitos destas operações na VD. Pede-se que ele conduza um experimento. Se ele
puder demonstrar uma relação ordenada e fidedigna (digna de fé: isto ó, acontecem
sempre, ou quase sempre) entre as mudanças induzidas na VI e alterações previsíveis
na VD, estará no caminho de validar uma declaração de relações, uma teoria. Mas,
neste caso e noutros semelhantes, ele não pode provocar alterações mensuráveis na
sua VI; na verdade, ele não pode provocar qualquer alteração, pois não se pode manipular
(literalmente, mover com as mãos) ou "provocar alterações" numa abstração, em algo
que não tenha dimensões espaciais ou temporais. Singelamente, ainda não se descobriu
uma maneira prática de provocar alterações observáveis em algo que não tenha existência
material.
Não obstante, ele pode arranjar condições para a ocorrência dos comportamentos
de lembrar e de esquecer pedindo, por exemplo, que pessoas leiam uma lista de palavras
e que num momento futuro reproduzam estas palavras sem o auxílio da lista. Mesmo que
ele, o cientista, mantenha o mais aproximadamente possível as mesmas condições durantes
estes experimentos, provavelmente será observado que pessoas diferentes apresentarão
desempenhos diferentes. Fiel à sua hipótese, este cientista possivelmente atribuirá as
variações observadas na sua VD à variações na sua hipotética VI, a memória ou seu
funcionamento. Neste ponto, as coisas se complicaram ainda mais. Ele não poderia
legitimamente relacionar um resultado (as variações na sua VD) a uma ‘‘causa" (a sua VI)
que não foi ainda demonstrada, ou seja, que carece de independência epistemológica.
Isto caracteriza uma falha lógica chamada petição de principio, que consiste em estabelecer
como verdadeiro aquilo que precisamente se trata de demonstrar.
Num outro experimento possível, podemos desejar investigar se podemos treinar
a ‘‘memória’'. Para este fim, podemos dar uma lista de palavras a diversas pessoas e medir
as flutuações médias observadas num teste de recordação sem o auxílio da lista. A seguir,
treinamos estas pessoas num método mnemónico qualquer e as submetemos novamente
ao mesmo teste. Mantidas todas as outras condições, se os resultados indicarem uma
concentração maior dos números assim obtidos em torno do número médio (ou se este
número médio mostrar-se maior) o investigador assume que foi a intervenção, ou seja, o
treinamento mnemónico, a variável que respondeu pelo resultado observado. A partir destes
resultados, poderá concluir, por inferência - observe-se o salto - que a "memória" pode ser
treinada, quando na verdade tudo que ele pode de fato concluir é que os comportamentos
de lembrar e de esquecer podem ser influenciados por outros comportamentos, como, no
caso, o de comportar-se frente ao teste de acordo com as regras ou estratégias aprendidas
na intervenção. Este "salto" inferencial ilumina bem alguns problemas com o método das
hipóteses, especialmente quando suas proposições se fazem com a construção de
agências.

1 0 0 Roosevelt R. Stnrlíng
Um destes problemas ó chamado de falácia da afírmaçào do conseqüente. Vamos
colocaras premissas e conclusões do experimento acima na forma de sentenças lógicas:
Premissa: A memória é a "causa" do lembrar e do esquecer.
Premissa: A memória pode ser treinada através do treinamento x.
Conclusão: Depois de submetido ao treinamento x, um grupo de pessoas apresentou
um incremento no número médio de itens lembrados de uma lista de palavras, em
comparação ao número obtido antes do treinamento [a memória pode ser treinada
através do treinamento x].
Ora, concluir pela confirmação das premissas a partir da confirmação da conclusão
inverte a lógica da validação. "Na lógica dedutiva, as premissas validam uma conclusão,
mas uma conclusão não valida as premissas". (Chiesa, 1994). Tudo que se pode
legitimamente concluir deste experimento é que, tendo ocorrido x (o treinamento), ocorreu
um incremento no número médio de itens lembrados. Por esta razão, mesmo que as
predições contidas nas premissas sejam confirmadas pela conclusão, ainda assim não
se pode inverter a lógica da validação, partido da confirmação da conclusão para a
confirmação das premissas.
O problema da confirmação da validade de uma explicação não é resolvido pela
observação do desempenho da VD; outras variáveis podem ser as que de fato influenciaram
o desempenho observado, que não aquelas propostas pela teoria. Pode-se andar de bicicleta
muito bem em função da experiência direta, da modelagem direta pelas contingências, e
explicar este desempenho como sendo resultante da possessão do espírito de um notável
e histórico ciclista espanhol. Pode-se ser campeão de natação alegando um ‘‘talento
nato", sem mencionar ou se dar conta da posição do corpo sobre a água, da topografia
particular dos movimentos dos membros, da velocidade de reação daquele sistema nervoso
em especial, de uma infinidade de outros fatores. Ser campeão de natação não comprova
a veracidade da declaração de se ter um "talento nato".
Se a idéia for preservar a qualquer custo a hipótese original, entra em cena um
segundo expediente: o das hipóteses ad hoc. Quando os achados empíricos não se
conformam às predições especificadas para a VI hipotetizada, recorre-se ao expediente
de adicionar, à hipótese original, hipóteses adhoc(óo latim: arranjadas para esta finalidade)
a fim de acomodar os achados preservando a teoria. No caso do lembrar, por exemplo, os
achados demonstram que o tempo é uma variável crítica para este desempenho: existem
fatos dos quais somos capazes de nos lembrar somente durante um curto tempo após a
exposição e outros cuja lembrança persiste por períodos dilatados. Se a VI responsável
pelo lembrar e esquecer é a memória, temos um problema: mesma causa, efeitos diferentes.
Para preservar então o construto hipotético e fazê-lo dar conta dos achados, será preciso
adicionar a esta hipótese uma outra, ad hoc. existe a memória, ela é a "causa" dos
comportamentos de lembrar e esquecer, mas ela tem mais de uma dimensão ou modo de
funcionamento; ela se divide em memória de curto prazo e memória de longo prazo.
"Enquadramos" os resultados das observações empíricas sem sacrificar a nossa teoria.
Naturalmente, quase sempre será possível - e habitualmente é o que se faz - adicionar
mais e mais hipóteses adhoc, fazendo-se perpetuar através desde expediente a hipótese
original.
O leitor há de ter observado que é quase sempre possível medir alguma coisa num
arranjo experimental montado para gerar este produto: números. Entretanto, nem sempre
se pode demonstrar que o se mede é o que se diz que se está medindo. Por exemplo, é

Sobre Comportamento c CoRnlvdo 101


possível medir a ocorrência dos comportamentos de lembrar e de esquecer num número
infindável de situações diferentes e, uma vez se tendo números, quaisquer números, ó
possível com eles executar quaisquer operações matemático-estatísticas já inventadas
ou por inventar. Entretanto, o que estaria sendo medido? Sobre que medidas incidiriam as
operações matemático-estatísticas conduzidas? Declara-se que se estaria medindo uma
“memória" ou particularidades do funcionamento desta entidade, mas tudo que se pode
comprovar estar medindo ou contando são as ocorrências singulares e propriedades do
lembrar e do esquecer em cada uma das situações arranjadas.
Infelizmente, este tipo de construção hipotética ainda é abundante na psicologia
convencional. De maneira geral, caem nesta categoria quase todos os substantivos
herméticos que constituem o grosso das V i’s historicamente postuladas: “o desejo", “a
estrutura cognitiva", "o self', “a personalidade" etc. Substitua-se, na discussão anterior, a
palavra "memória" por qualquer outra destas agências ou construtos hipotéticos e os
equívocos e falácias serão os mesmos17. Tais agências não são Vi's aceitáveis para uma
ciência natural.
Dedução e indução. Considerando a língua da ciência natural como uma tradução
verbal de eventos empíricos e sabendo do grande número de variáveis que podem ter
influência nesta tradução, como poderíamos comparar o valor-verdade (valor preditivo e de
controle) de uma declaração frente a uma outra, quando duas ou mais declarações que se
pronunciam sobre um mesmo fenômeno numa mesma situação se mostrem contraditórias
ou parcialmente contraditórias?
Na historicamente longa tentativa de desenvolver recursos metodológicos que nos
permitisse atender a esta importante questão, dois métodos relativamente consistentes e
aceitáveis tomaram a liderança: o método hipotético-dedutivo, também conhecido como
método das hipóteses (e ainda, como método estatístico), e o método indutivo. Embora
ambos compartilhem do requerimento comum da fundamentação empírica para asserções
que se pretendam científico-naturalísticas, existem importantes diferenças na maneira de
como cada um deles aborda o problema. A discussão, secular, tem suas origens formais
registradas nos primeiros quartéis do século XVIII e se dá sobre que procedimentos melhor
assegurariam o atendimento deste requisito. Grosso modo, a discussão se dá sobre as
fragilidades de cada um deles. Em torno de 1850, o método hipotético-dedutivo ganhou
importante aceitação na comunidade científica e hoje é o método dominante no nosso
arquétipo compartilhado de ciência.
A controvérsia, como seria de se esperar, diz respeito à que premissas e
procedimentos contJuziriam à obtenção mais regular e precisa dos dois resultados que
orientam o desenvolvimento da linguagem da ciência natural: previsão e controle. O foco
dela tem por fundamento uma particularidade dos fenômenos naturais: eles variam. E não
somente variam num mesmo arranjo físico ou conceituai de observação da sua ocorrência,
como também variam dependendo de diferentes arranjos, situações ou contextos em que
podem ser observados. O problema então é como tratar a variação de forma a poder falar
sobre ela de uma maneira ordenada, produzir uma ordem que nos permita a previsão e,
idealmente, o controle dos fenômenos de interesse.
DeduçAo. Sempre mantendo presente que este texto pretende ser introdutório,
tendo somente a pretensão de apresentar e discutir os principais aspectos de cada tema,
ao invés de desenvolver uma discussão acadêmica rigorosa e exaustiva sobre qualquer
" Noata texU) ufxxiUimoa alyurnna dealati fuláctaa a equlvucua Pod»-ae «mcontmr a nnállw de outros problamaa d« ordwn lógica e uonceltual qua nâu
rmmdonamoa aqui **m Bninn (1 ftftH)

102 Kootevcil R. Sttirllng


um deles em particular, vamos apresentar e discutir primeiramente, a solução que o método
hipotético dedutivo, ou o método das hipóteses, ou, ainda, o método estatístico, oferece
para este problema.
Como já tantas vezes repetido ao longo deste texto, o cientista observa um fenômeno
e, analisando-o, ou seja, dividindo-o em partes de acordo com certas regras, procurará
observar regularidades e invariâncias que lhe permitam uma fala inteligível sobre ele. Feito
isso, numa ciência natural, ele precisará arranjar condições para a ocorrência controlada do
fenômeno, de vez que, na maioria das vezes, o número de variáveis potencialmente
significativas na situação natural dificultaria por demais ou mesmo inviabilizaria o teste empírico
das suas declarações. Ele fará um experimento. Caso esta operação não seja possível por
qualquer razão, as suas declarações manterão um caráter tentativo ou nocional e não
constituirão um conhecimento cientificamente válido.
Num relato esquemático, as regras pedem que, tendo o cientista identificado e
delimitado uma VD e uma VI, esta última um evento que suas observações preliminares
autorizam supor estar funcionalmente relacionada com a VD, induzirá modificações
controladas na sua VI e observará eventuais alterações ordenadas na sua VD. Esta VI
será um outro evento natural ou uma variável interveniente (já examinamos acima porque
um construto hipotético não atenderia aos requisitos de uma ciência natural).
Entram em cena agora certas particularidades do método das hipóteses: o cientista
fará uma hipótese, uma predição do desempenho da VD caso sejam induzidas na VI tais
e quais modificações; é o teste da hipótese. Ocorre que em decorrência da variabilidade
dos fenômenos naturais - por propriedades constitutivas dos fenômenos, supomos, e por
inúmeros outros fatores, dos quais alguns já tratamos aqui - algumas variações na VD
poderão ocorrer por razões outras que não a modificação induzida na VI. Como poderia ele
se assegurar de que, mesmo que se observem tais e quais alterações na VD, estas
alterações seriam função das mudanças na VI e não decorrentes de outros fatores? Parte
deste problema pode ser resolvida por esforços ingentes no controle de possíveis variáveis
estranhas á VI a ser testada que pudessem responder também pelas alterações na VD,
uma das razões pelas quais se procura reproduzir o fenômeno inicialmente observado na
natureza num ambiente que facilite este controle, como o do laboratório.
Mas teria ele como garantir ter eliminado ou controlado todas estas variáveis
potenciais? Não seria possível. Teria ele como garantir ter eliminado ou controlado as
variáveis estranhas provenientes dos próprios procedimentos usados, tais como variações
nos próprios instrumentos de observação e de medida utilizados, interferências decorrentes
da sua própria manipulação da VI, possíveis particularidades do contexto onde foi conduzido
o experimento, vieses do seu próprio equipamento sensorial? Não seria possível. Não
obstante, a menos que ele confirme empiricamente que as alterações observadas na VD
se devam inequivocamente às mudanças induzidas na VI, conformando-se às predições
teóricas, ele não poderá validar a sua hipótese.
Para resolver este dilema, o método hipotético-dedutivo se socorre de artifícios
oferecidos pela linguagem da estatística, um instrumento lógico-matemático inicialmente
desenvolvido para aplicações agrícolas e, posteriormente, aplicado em problemas de genética
populacional e no controle da qualidade industrial. Em cada uma das aplicações originais, a
linguagem da estatística foi desenvolvida para produzir uma fala ordenada sobre populações
de eventos, nas quais o comportamento de um membro individual não era importante para
que se pudesse prever satisfatoriamente o comportamento da população na qual ele se
incluísse. Vejamos, através de um exemplo esquemático, como este uso se dá.

Sobrr Comportamentot CognlvAo 103


Se o leitor lançar ao ar uma moeda, ela poderá cair com a figura (ou face) para cima
ou com o número para cima, de vez que estas são as duas possibilidades envolvidas. Como
demonstra a experiência - e caso o leitor não a tenha estimula-se a que a obtenha agora -
não há como prever com certeza qual destas duas possibilidades ocorrerá para cada tentativa
desta ação. Não obstante, se o leitor realizar este lançamento muitas vezes, registrando os
resultados e depois os contando, verificará que para qualquer seqüência contínua de
lançamentos, a moeda cairá com a face para cima em aproximadamente metade dos
lançamentos e com o número para cima na outra metade. Em outras palavras, o número de
vezes em que ocorrer “face" em cada seqüência particular de lançamentos flutuará no entorno
da metade do número de vezes em que a moeda foi lançada. Para um grande número de
lançamentos em cada seqüência contínua, este resultado será constante. Uma regularidade,
finalmente: os resultados de qualquer seqüência flutuarão imprevisivelmente no entorno de
um valor previsível, um valor chamado de valor médio.
Por ora, simplesmente anotemos o fato: o valor médio não é um evento natural,
mas sim um construto estatístico. Teoricamenteele representa o evento natural que seria
obtido caso a moeda fosse lançada um número infinito de vezes. Ele é, portanto, uma
representação, um evento idealizado, uma construção teórica.
Vamos agora simular um problema: o leitor é convidado por um amigo a emprestar-
lhe uma boa quantia em dinheiro. Frente à compreensível relutância do leitor em aceder,
nestes tempos eternamente bicudos, o seu amigo tira do próprio bolso uma moeda e
propõe que o leitor emprestará a quantia pedida caso a moeda, lançada ao ar, caia com a
face para cima e será dispensado de emprestá-la, caso a moeda caia com o número para
cima. Conhecedor da estatística, o leitor aceita, pois terá 50% de chance de se livrar do
empréstimo sem melindrar o amigo. Mas, pensa o leitor, e se ele tiver “viciado" a moeda,
por exemplo, lixando ligeiramente a “face" da moeda, de modo que, ficando mais pesada
a metade do “número", a gravidade se encarregasse de aumentar as suas chances de ter
a "sorte" pretendida? Ora, sabendo que no caso da moeda o resultado possível a cada
lançamento singular é um de dois, o evento médio teoncamente esperado numa seqüência
contínua é de 50% e o leitor poderá fazer um teste com aquela moeda. Ele a lançará para
cima 100 vezes, anotando os resultados. Digamos que nesta seqüência o resultado
verificado foi de 56 vezes “face" e 44 vezes “número". O leitor poderá concluir deste
experimento que a moeda é “limpa”? Considerando o dinheiro envolvido, talvez o leitor não
se sinta seguro o suficiente para fechar a aposta. Nova seqüência de 100 lançamentos e
desta vez os resultados foram 87 vezes "face" e somente 13 vezes "número". AhãL.dirá o
leitor, e provavelmente recusará a aposta, pelo menos com aquela moeda.
O leitor terá feito possivelmente o seguinte raciocínio: para que o resultado da
segunda seqüência de lançamentos tenha sido tão discrepante com relação aos resultados
teoricamente preditos, só pode ser porque a moeda está viciada. Conclusão garantida?
Não necessariamente, Numa dada seqüência em particular, estes resultados poderiam,
sim, ter ocorrido por acaso. A estatística não permite previsões sobre uma instância
singular de ocorrência do fenômeno, mas sim um resultado médio teórico para o qual
tenderão todos os resultados se um número suficientemente grande de seqüências for
executado.
Mas o importante aqui é que o leitor recusou os resultados da primeira seqüência
de lançamentos e aceitou os da segunda. Por quê? Possivelmente o leitor inferiu - ou
deduziu -c o m base no seu conhecimento da teoria, que os desvios dos valores reais em
relação ao resultado teórico previsto na primeira seqüência foram muito pequenos para lhe

104 Roosevelt R. Sforlln#


permitir afirmar fosse o que fosse. Já na segunda seqüência, o leitor considerou que a
discrepância entre os eventos reais e o evento teórico médio apresentou uma magnitude
suficiente para eliminar suas dúvidas. Teria ficado satisfeito o leitor com um resultado de
76 "faces” e 24 “números"? E caso os resultados tivessem sido 32 ‘‘faces'’ e 68 “números",
o leitor concluiria que a moeda estava viciada a seu favor? Talvez o leitor se sentisse mais
seguro em atribuir malícia ao amigo se os resultados de uma seqüência fossem 95 "faces"
e somente 5 "números"? Possivelmente sim, porque com tamanha discrepância entre os
resultados reais obtidos e o resultado teórico predito, ora, faça-me o favor!
Poderíamos facilmente concordar com o leitor. Embora seja possível um resultado
como o acima gerado pelo acaso, as probabilidades deste evento são pequenas e talvez
possam ser desprezadas com relativa segurança. Certeza “certa” ele não terá, mas para
quase todas as finalidades práticas, ele terá uma certeza teórica por dedução ou inferência,
que possivelmente considerará suficiente para recusar a moeda que o amigo lhe ofereceu.
Enfatize-se: compararam-se eventos naturais com um evento teórico. Desta forma, a
decisão se deu por um raciocínio, uma inferência, uma dedução a partir de um a priori
teórico, qual seja o da aceitação do evento médio predito como um representante fidedigno
dos eventos naturais envolvidos.
Tendo certamente compreendido a situação acima, caso esta ainda não fosse
conhecida, estamos agora em condições de avançar. O exemplo anterior reproduz com
razoável fidelidade o teste de hipótese do método hipotético-dedutivo. A teoria do leitor
predisse que "se a moeda estiver viciada a favor do meu amigo (a sua teoria), então ela não
se conlormarà ao resultado médio predito pela teoria". A seguir, o leitor estabeleceu um
limite do afastamento deste resultado médio que se lhe afigurou como satisfatório e que
lhe servirá de ponto de corte: “se a média dos resultados se afastar do valor médio mais do
que x%, eu recusarei a moeda como viciada. Caso se situem abaixo deste valor, eu
aceitarei a moeda como limpa". Temos aqui a famosa hipótese experimental, H) ( e a
hipótese nula, H0. A H, é chamada de hipótese experimental no sentido de ser a que
poderá confirmar a teoria com a qual o cientista vai indagar a natureza. A H0é chamada de
hipótese nula porque, caso os resultados do experimento não confirmem as predições
teóricas, o experimento será considerado nulo, sem valor. Atente-se: o experimento será
considerado nu/oe nào "a teoria será considerada nula".
Poderia ter sido dito pelo nosso leitor: “Se os resultados se mostrarem abaixo do
valor de corte arbitrado- menos de 95 ‘taces" numa seqüência contínua de 100 lançamentos
- eu rejeitarei os resultados como prova de que a moeda é viciada e atribuirei as flutuações
ao acaso [H()^ Se eles se mostrarem iguais ou acima deste valor, eu aceitarei os resultados
como prova de que a moeda estava viciada [H,]. Se eu os aceitar, terei 95 chances em 100
de não estar equivocado, ou 95%. Observe-se que a ocorrência de resultados acima do
ponto de corte arbitrado, 95 "faces" contra 5 “números", não prova que a dedução do leitor
é verdadeira. A prova cabal só poderia ser obtida pelos resultados observados num número
infinito de seqüências de lançamentos e o leitor seguramente não tem o infinito à sua
disposição. Os resultados indicam, por inferência estatística, que ela não é falsa,
provavelmente.
A lógica que preside o teste de hipóteses neste método é chamada de lógica do
falseamento. O cientista parte de uma hipótese: "A causa de tal coisa, a VD, é esta, a VI".
Para comprovar a sua teoria, o cientista induz n mudanças na sua VI e observa a ocorrência
de n eventuais alterações subseqüentes na sua VD. Caso elas ocorram com regularidade
média acima de um número arbitrado de vezes, o cientista se sente seguro para aceitar os

Nobnr Comporíamcnfo c(_’o#n(v<to 105


resultados do seu experimento como evidência de que a sua hipótese não é falsa, isto é,
as alterações observadas na VD provavelmente não se deram por acaso, mas sim,
provavelmente, em função das mudanças na VI; logo, deduz, Infere, que estas variáveis
estão funcionalmente relacionadas, como hipotetizou. Evidentemente, o cientista precisará
ter um ponto de corte para que possa produzir as deduções acima. Existem várias
manipulações e pressupostos estatísticos (tais como, por exemplo, a suposição da
normalidade probabilística na distribuição de um grande número de eventos - a curva
normal e suas variações - ou o teste do qui-quadrado) que permitem calcular as
probabilidades teóricas de um resultado x qualquer ter sido obtido por acaso (aleatoriamente)
num número suficientemente grande de eventos: uma população de eventos ou uma amostra
representativa deles que, se selecionada em conformidade com outras manipulações
matemático-estatísticas, representará, com um certo grau de confiança estatística, toda
a população daqueles eventos. Quando não se dispõe de um número suficientemente
grande de instâncias singulares do fenômeno de interesse, como ocorre na maioria das
vezes, existem outras manipulações matemático-estatísticas que permitem simular o que
ocorreria, provavelmente, caso aqueles números, os que efetivamente foram encontrados
pelo cientista, fossem suficientemente grandes (como o teste t ou o teste z, por exemplo).
Existe também um processo matemático-estatístico conhecido como teste de
significância, que produz um resultado numérico teórico de intervalos de confiança ou de
confiabilidade. Através das manipulações numéricas deste teste, um cientista poderá
estipular o valor de confiabilidade que deseja para o teste da sua hipótese, o grau de
significância estatística que deseja para aceitar os resultados da sua hipótese experimental,
a H1t como não sendo nulos (a partir de quais valores os resultados médios dos dados
experimentais são, provavelmente, estatisticamente significativos para não negar a sua
teoria). Por conveniência e costume - vamos repetir - por conveniência e costume, o
ponto de corte aceitável é fixado em 5% ou 0,05.
A respeito do teste de hipótese fundamentado no acaso, alerta-nos Sidman (1988)
que atribuir automaticamente ao acaso as flutuações que não se conformam às predições
teóricas pode, em primeiro lugar, encobrir uma negligência no controle de variáveis estranhas.
Pode também impedir a identificação de variáveis desconhecidas que pudessem ter
influencia sobre os resultados e, neste caso, estariam sendo desconsiderados eventos
críticos para uma revisão teórica. No estágio atual de desenvolvimento de vários campos
disciplinares, desprezar os dados obtidos numa hipótese nula é rejeitar a priori informações
potencialmente críticas para um conhecimento mais completo do fenômeno de interesse
e o fato dos procedimentos hipotético-dedutivo estarem organizados para comprovar ou
negar a teoria, favorece esta rejeição. Por último, aceitar a priori a ação do acaso equivale
a aceitar uma imprevisibilidade inerente ao mundo que tornaria sem sentido os esforços
da ciência para a produção de discurso ordenado e fidedigno sobre ele.
Com bom-humor, o mesmo autor observa que este modo de proceder termina por
atribuir ao acaso o papel de uma agência, uma ficção explanatória que responderia pelos
acontecimentos naturais. Comenta Sidman:
(...) o principal antagonista da confiabilidade estatística ó o “Acaso". A psicologia
moderna considera o Acaso como seu demônio. Todos os dados, no seu
nascedouro, são considerados portadores de vícios, e qualquer dado que nào
possa se r p ro vad o ind ep en d en tem e nte do A caso ó im e d ia ta m e n te e
irrevogavelmente mandado para o inferno. (Sidman, 1988, p. 43).

1 0 6 Rooievtlt K. Stcirllng
O resultado é que os dados são admitidos neste tipo de conhecimento por exclusão;
não por seu valor positivo, mas pela boa-sorte de terem sucumbido ao demônio do Acaso
quando no seu modo de funcionamento de baixa significãncia, arremata aquele autor.
O problema da falácia da afirmação do conseqüente, já discutido anteriormente,
se mantém também aqui, mesmo quando não temos agências postuladas como Vi’s.
Vejamos o exemplo da moeda, arranjado na forma de sentenças lógicas:
Premissa: Se a moeda estiver viciada, os resultados reais apresentarão um grande
afastamento do valor médio teórico predito para esta série.
Conclusão: Os valores obtidos apresentaram um grande afastamento do valor
médio teórico predito para esta série [a moeda estava viciada].
As premissas validam a conclusão, mas a conclusão não pode validar as
premissas, pois outros fatores podem também responder pelos resultados obtidos, tais
como a maneira de jogar a moeda, a superfície sobre a qual ela caiu, a temperatura no
ambiente e...o próprio acaso. Por mais que controlássemos cada um destes fatores, não
poderíamos garantir ter controlado todos os fatores possíveis e, assim, de positivo ficou
demonstrado somente que os resultados obtidos podem ocorrer no lançamento de uma
moeda. A conclusão, inferida, decorre das premissas e dos pressupostos adotados e não
do testemunho dos fatos.
Considerações preocupantes são feitas por Chiesa (1994) a respeito do teste de
significãncia estatística. Nas palavras da autora:
(...) o corpo de conhecimentos constitutivo de muito da psicologia
contemporânea poderia ruir não pela introdução de novas descobertas, mas por
uma simples mudança no procedimento. Através da mudança do habitual e
conveniente nivel de significãncia de 5 por cento para 3 ou 1 por cento, muito do
que normalmente constitui o corpo de conhecimentos da psicologia experimental
- "derivado rigorosamente” e inferido “inequivocamente" - mudaria de acordo
com o novo nivel de significãncia. (p. 64)

E, um pouco mais adiante, na mesma página:


A linguagem da cerloza pode ser atraente, mas, aqui, apesar disso, a certeza está
diretamente relacionada a uma escolha arbitrária do nivel de significãncia. E mais,
a confiança nos resultados dos testes de significãncia, como uma forma de prova a
favor ou contra afirmações cientificas, toma duvidoso o significado do termo ‘p rova’,
quando ela pode ser invertida de um nivel de significãncia para outro. Em certo
nível docon fiança, um resultado pode favorecer uma afirmação cientifica enquanto,
em outro nível, o mesmo resultado pode ser contrário à mesma afirmação.

Trazer à consideração crítica da comunidade estudiosa estes problemas, em


especial no caso de um método que se tornou o mais utilizado para a produção de
conhecimento científico a ponto de, para muitos, ser percebido como o único método para
esta produção, é importante. Nos cursos mais voltados para a aplicação prática dos
conhecimentos científicos habitualmente não se reserva o tempo suficiente para uma
discussão critica mais extensiva dos fundamentos e pressupostos deste método e, assim,
gerações sucessivas de estudantes têm sido conduzidas a crer que os conhecimentos
assim obtidos detêm um grau de certeza que de fato não existe.
Além disso, procedimentos ubíquos neste método, como o teste de hipótese, não
são característicos da, ou necessários a, produção cientifica do conhecimento, mas sim
decorrem de necessidades dispostas pressupostos metodológicos e do fato dele ser

Sobre Comportamento e Cognlfâo 107


organizado para indagar a natureza a partir de um posição teórica pró-estabelecida. É
nesse sentido que se diz, resumidamente, que o método hipotético-dedutivo parte do
geral - uma proposição explicativa que se suponha abarcar todos os casos singulares de
uma mesma classe de fenômenos - para o particular: a declaração explicaria cada caso
particular daquela classe de fenômenos. De uma certa maneira isto ó obtido, mas as
custas de substituir os casos particulares reais por um só caso idealizado, que teoricamente
representaria a todos eles. Pode-se dizer, por tudo isso, que este método apóia-se na
tradição racionalista de produção de conhecimento, pois embora lance mão de
experimentos, os resultados empíricos são interpretados à luz da teoria e não a teoria
interpretada à luz dos resultados empíricos, como se faz numa tradição experimentalista.
Em várias situações, o problema que se pretende resolver pode ser conduzido
através de ações que incidam sobre uma população e não sobre membros particulares
dela; em outras, parte da resolução exige que a ação se exerça sobre os membros
individualizados, mas a outra parte poderá incidir sobre a população em seu conjunto. Em
algumas circunstâncias uma predição geral confiável pode ser necessária ou desejável
para orientar a ação específica e, em outras, esta predição geral resolve por si mesma
alguns problemas práticos. Em cada uma destas situações, o método hipotético-dedutivo
tem oferecido contribuições para o nosso conhecimento do mundo natural e proporcionado
a resolução de inúmeros problemas práticos relevantes.
Na farmacologia, estudos inferenciais permitem o contínuo refinamento da
especificidade da ação medicamentosa de agentes químicos sobre a média da população,
ampliando as suas propriedades suspensivas ou curativas. Estudos inferenciais sobre o
meio-ambiente indicam à comunidade humana as prováveis conseqüências do seu uso
dos recursos naturais. Proposições inferenciais originadas da física teórica têm permitido
que a engenharia identifique possibilidades práticas, orientando seus esforços para alcançá-
las. Na psicologia, os estudos desenvolvimentistas fornecem importantes informações
sobre o curso médio ou normal de vários processos humanos, alertando para possíveis
desvios individuais que podem, assim, obter atenção precoce com chances aumentadas
de ações corretivas bem sucedidas. A meteorologia e a astronomia são consideradas
ciências naturais e, no estado atual do conhecimento, suas asserções são unicamente
preditivas. Isso em nada diminui a sua utilidade ou o status que têm dentre as ciências
naturais: simplesmente, delimita o seu escopo e possibilidades. Ao discutirmos criticamente
o método hipotético-dedutivo, não pretendemos diminuir a sua relevância, mas somente
delimitá-lo. Esta delimitação, contudo, lança luz sobre uma possível limitação do método
das hipóteses, que b o outro objetivo de uma ciência natural: o controle dos fenômenos
naturais. As dificuldades que este método apresenta para o controle decorrem de
particularidades lógicas dos próprios procedimentos dos quais ele se socorre.
Indução. Como talvez já tenha ficado o suficientemente claro, ao “enquadrar" a
variação de forma a aumentar a acuidade e generalidade das suas previsões, o método
hipotético dedutivo acaba por produzir declarações sobre construtos estatísticos, dificultando
que se produzam informações importantes sobre os eventos naturais que lhe servem de
base, os únicos sobre os quais, na prática, podem incidir ações humanas. Não se poderia
conceber controle sem uma ação que o realizasse; controlar, no sentido de influenciar
resultados, é um verbo, algo que se faz.
Desconsideremos, a título de saudável exercício, uma suposta “memória" e
imaginemos um experimento sobre a permanência da aprendizagem ao longo do tempo.
Se formos seguir a lógica do método dedutivo, poderíamos pedir a um grupo de 20 pessoas

108 Roosfvclt R. Sfdrllnfi


que lessem uma lista com, digamos, 30 palavras. A seguir, deixaríamos transcorrer um
certo lapso de tempo, ao fim do qual pediríamos que estas pessoas citassem, sem o
auxílio da lista, o número máximo de palavras que pudessem lembrar. Contados o número
de itens corretamente lembrados, poderíamos verificar que o sujeito A se lembrou
corretamente de 16 itens, o sujeito B somente de seis, o sujeito C de 20 itens, o sujeito D
somente de 3, e assim por diante. A variação dos resultados singulares observados pouco
nos auxiliaria, caso desejássemos efetuar previsões válidas sobre qualquer pessoa, isto
é, oferecer uma predição válida para uma pessoa em geral.
Digamos que neste mesmo experimento, o resultado médio obtido foi de 9 itens
corretamente lembrados. Manipulando os instrumentos estatísticos necessários,
poderíamos chegar a uma predição que poderia ser algo como: “Lida uma lista de palavras,
as pessoas em geral se lembram corretamente de nove itens depois de transcorridas x
horas”. Esta predição, incidente sobre uma pessoa média, poderia ser de interesse, caso
alguém desejasse construir uma lista de itens que necessitassem ser lembrados x horas
depois da leitura, tal como instruções para o pouso de aeronaves. Se elaborasse esta lista
com não mais de nove itens, o interessado teria uma probabilidade aumentada de que o
desempenho crítico seria alcançado pela média das pessoas. Ele poderia então construir
um teste, selecionando para este desempenho somente pessoas que atingissem valores
iguais ou superiores ao resultado médio predito. É fácil ver a utilidade deste tipo de
conhecimento.
Entretanto, importantes questões que estes dados suscitam não foram atendidas.
Por exemplo, por que o sujeito A se lembrou de 16 itens e o sujeito D somente de 3? É
claro que poderíamos formular uma hipótese18, vamos chamá-la de Hipótese Z, e testá-la
através dos procedimentos hipotético-dedutivos. Mas, pela própria natureza destes
procedimentos, obteríamos somente mais informações teóricas. Pelo melhor, ao final de
novas rodadas de experimentos e testes saberíamos que a hipótese Z não foi negada
pelos resultados no nível de sígnifícâncía 0,05 e a VI pressuposta, Hipótese Z, seria, por
dedução, a provável resposta do porque uma pessoa média pode se lembrar, em média,
de três itens e outra pessoa média, nas mesmas circunstâncias, pode se lembrar de 16
itens em média, tudo isso com o grau de confiança teórica permitido pelo nível de
significância arbitrado.
Ora, a hipótese Z nâo poderia ser validada pelos resultados obtidos, os eventos
naturais observados, em função da falácia do conseqüente. Sua validação se fundamentaria
em inferências estatísticas e se daria por exclusão, não por afirmação. E, ao final de tudo
isto, continuaríamos sem uma resposta para a nossa pergunta inicial: por que o sujeito
real A se lembrou de 16 itens e o sujeito real D somente de 3?
Como já dissemos, a variaçào dos fenômenos naturais è o foco sobre o qual se
sustentam as principais diferenças conceituais e metodológicas entre o método hipotético-
dedutivo e o indutivo. No primeiro, a variaçào é eliminada ou “disciplinada" por uma série de
artifícios teóricos. No segundo, o método indutivo, a variação é o próprio fenômeno de interesse.
O método indutivo considera que a variabilidade que se observa nos fenômenos
naturais é um fato que necessita ser explicado e não silenciado. Assim, o interesse do
cientista se concentra em cada instância do fenômeno de interesse, procurando descobrir
quais as Vi's que possam responder pelo comportamento daquela ocorrência singular.

’ Pttm HubIthi a falta lógica ctiamadH patiçiodêpnncipn nAoéd* kxk> noomurn. em «MunçAm aemeltianle«. eacularmue "expllcaçôe*" IrtgAnua» lal» oomo"
1st« numtoon porque m peaaom variam am nua haMMada da Iamtirar da Haw»de uma M a (rwtamanta Ida' Ora. além da um nvidanto tnilwno, Min expHcnçAo
paca por poUçAu da pririclptn riAo «a pode uaar a varleçAo para explicar a própria vartaçAo, qua é, aflrial, o que ta de»a)a explicar

Sobre Comportamento e Cofiniçâo 109


Como seu colega dedutivista, ele estabelecerá condições controladas que possam evidenciar
possíveis variáveis relevantes para o comportamento do fenômeno, mas se recusará a
formular uma hipótese formal.
Partindo da mesma observação de que pessoas diferentes apresentam diferentes
resultados num teste de recordação imediata, o cientista não irá pressupor uma VI que
possa explicar todas estas variações, mas, frente a cada caso, fará perguntas do tipo: o
que aconteceria se... (Sidman, 1960, p. 8). Por exemplo, nosso cientista poderia ter tido
uma conversa com o seu colega dedutivista, onde ele tomou conhecimento dos resultados
do experimento descrito imediatamente acima. Ele poderia chamar o Sujeito A, por exemplo,
que obteve 16 acertos, e pedir-lhe que leia uma lista onde as letras tenham o dobro do
tamanho dos da primeira. Nosso cientista fará perguntas do tipo: o que aconteceria se eu
aumentasse o tamanho das letras? Suponhamos que o Sujeito A, sob esta nova situação,
acerte 19 itens ao invés dos 16 anteriores. Nosso cientista então poderá chamar o Sujeito
D e dispor as mesmas condições. Entretanto, mesmo nestas novas condições, D manteve
o resultado anterior. Mas agora, nenhum tempo ou esforço foi perdido: a informação obtida
através do desempenho de D pode ter a mesma importância da obtida através de A: dobrar
o tamanho dos tipos elevou o número de acertos de A, mas foi irrelevante para os resultados
de Dl Ele poderá fazer uma nova pergunta: o que aconteceria se eu pedisse aos sujeitos
que lessem a lista duas vezes? Ah! Desta vez, A aumentou o número de acertos para 23
e o sujeito D aumentou seus acertos de 3 para 7 itens lembrados corretamente. Mas o
sujeito C, sob as mesmas condições, baixou de 20 para 12 acertos somente. O que teria
ocorrido? O que aconteceria se eu voltasse à situação inicial com C, usando uma nova
lista? Tendo feito este experimento, C lembrou de 23 itens, mais do que da primeira vez.
Hmm.J E se eu pedisse a C e D lerem ler três vezes uma nova lista? Desta vez, C acertou
somente 10 itens, mas D pulou de 7 para 11 itens lembrados corretamente. Interessante:
a repetição parece beneficiar o desempenho de D e prejudicar o desempenho de C. Estaria
então a repetição da leitura funcionalmente relacionada com o desempenho neste teste?
Mas, se estiver, como funcionará isto, de vez que parece facilitar o desempenho de D e
prejudicar o de C? Ahhhl E se eu... Deste ponto em diante, podemos deixar a continuação
desta investigação como um desafio para a criatividade do leitor que, neste ponto,
possivelmente já estará raciocinando indutivamente...
O exemplo tem funções meramente ilustrativas. O importante aqui é caracterizar
com um exemplo fictício, mas factível, como uma VI natural potencialmente significativa
pode emergir dos próprios dados experimentais, a partir do exame de instâncias singulares
do fenômeno: Estaria então a repetição da leitura (VI) funcionalmente relacionada com o
desempenho neste teste (VD)?Ê nesse sentido que se diz resumidamente que, na indução,
partimos do particular para o geral.
Um outro ponto a ser ressaltado neste nosso exemplo é a possibilidade da
construção de um conhecimento prático através da indução. Se eventualmente ficasse
demonstrado que a repetição da leitura da lista seria um evento crítico para o desempenho
do sujeito D neste teste, poderíamos prever que D se lembraria de mais ou menos itens
em função do maior ou menor número de vezes que lesse a lista de palavras. Poderíamos
controlar o número maior ou menor de itens lembrados corretamente simplesmente
manipulando o número de leituras que solicitássemos de D. Finalmente, se D fosse um
antigo funcionário da empresa, não precisaríamos despedi-lo por ter apresentado um
desempenho abaixo do número médio de 9 itens no teste: conhecendo as relações acima,
poderíamos ajudá-lo a atingir e eventualmente a superar este critério. Não podemos ajudar

110 Rooscvclt R. Stiirlirifl


uma pessoa média, mas podemos ajudar D. Começamos a obter respostas para a nossa
pergunta inicial, “por que o sujeito A se lembrou de 16 itens e o sujeito D somente de 3",
sem impor ao fenômeno de interesse qualquer a priori teórico, fosse ele estatístico ou não.
Em seus aspectos fundamentais, este ó o modo de proceder do método indutivo:
o cientista examina várias instâncias singulares do fenômeno de interesse e procura chegar
a uma declaração ou "lei" geral através do exame de cada uma delas, demonstrando
empiricamente que tal declaração (a) é verdadeira para um caso particular e que (b) sendo
verdadeira num caso particular, poderá ser também verdadeira num próximo caso da mesma
classe. Já se vê que este método implica a necessidade de examinar continuamente um
número enorme de instâncias particulares do fenômeno que se estuda para que se possa
formular uma declaração geral sobre eles, isto é, para que se possa generalizar a partir
dos casos singulares.
Outra implicação é que declarações de relações produzidas desta maneira jamais
poderão ser consideradas como definitivamente provadas e sua possível universalidade
será uma declaração provisória, no melhor, pois jamais poderemos ter certeza de que
examinamos todas as instâncias particulares daquela classe de fenômenos em todas as
condições possíveis. Estas declarações sempre poderão falhar na próxima instância singular
que for examinada. Cada vez que o exame de uma instância singular confirma a declaração
indutiva que se faz sobre aquela classe, dizemos que a declaração geral ou "lei" foi
corroborada. A declaração indutivamente produzida de que “todo metal se dilata"
permanecerá verdadeira até que um metal, ou um metal sob certas condições particulares,
não se dilate. Quando isso acontecer, o modelo indutivo exige que seja revista a sua
teoria, isto é, o conjunto de declarações mais abrangentes e articuladas que se faz sobre
aquela classe de fenômenos. Neste método, a primazia ó dada aos dados experimentais,
sendo a teoria secundária a eles.
Resumindo: de maneira geral, o método hipotético dedutivo pode produzir previsões
inferenciais abrangentes, que incidem sobre populações de fenômenos ou sobre um
representante teórico desta população e oferece uma evidência de natureza predominantemente
estatística. Paga por esta abrangência com a impossibilidade de se pronunciar sobre instâncias
singulares dos fenômenos que examina e, desta maneira, apresenta problemas para a ação
prática (controle) que só se pode fazer sobre instâncias singulares. Este método aborda a
variabilidade eliminando-a através de procedimentos estatísticos.
Por sua vez, o método indutivo produz um conhecimento cuja evidência é de
natureza predominantemente empírica e que emerge do exame exaustivo de cada instância
singular do fenômeno de interesse. As possibilidades de generalização do conhecimento
que produz é de caráter provisório e corroborativa e, por força de seu próprio método, é
demorada e trabalhosa para ser obtida. Em contrapartida, produz um conhecimento que
facilita a previsão e o controle sobre instâncias singulares do fenômeno de interesse. Este
método aborda a variabilidade refinando o controle experimental.
Ambos os métodos têm obstáculos lógicos para a universalização das suas
declarações, em virtude do pressuposto da uniformidade que ambos assumem. Este
pressuposto diz respeito à constância dos fenômenos naturais ao longo do tempo. O
cientista assume que o funcionamento do mundo natural não é caprichoso e que se dá
com uniformidade previsível: se o sol nasce todos os dias, nascerá também amanhã. Se
um determinado metal reage de tal e tal maneira quando exposto hoje a um ácido qual sob
as condições quais, também fará o mesmo amanhã. Isto é um pressuposto, porque nada,
exceto a experiência do passado, garante que a uniformidade prevalecerá amanhã. Para

Sobre Comportamento e C ordIçíI o 111


todos os efeitos práticos, este pressuposto tem se mostrado suficiente, mas sob os
critérios da validação epistemológica, nào pode ser demonstrado logicamente como uma
suposição verdadeira.
Como freqüentemente ocorre nas antinomias que a discussão filosófica estabelece,
aqui também poderia ser mais útil perguntar qual método seria o mais indicado para
resolver qual problema, do que perguntar qual é o método que produzira um conhecimento
mais ‘Verdadeiro".
Não obstante, vale ressaltar aqui que a maior parte dos problemas que pedem sua
resolução à psicologia, dizem respeito ao comportamento de pessoas, não de populações
de pessoas. O mesmo é verdade para outras profissões de saúde, como por exemplo, a
medicina. A frase "A teoria na prática é outra" possivelmente resuma bem a situação: em
função do uso privilegiado do método hipotético-dedutivo na produção de conhecimento,
dlspõe-se majoritariamente de um conhecimento estatístico, que incide sobre populações,
mas boa parte dos problemas que reclamam a aplicação deste conhecimento incide sobre
membros singulares, “reais", destas populações.
Tendo já discutido alguns conceitos e regras consideradas por parte substantiva
da comunidade científica como sendo essenciais para qualificar um dado conhecimento
como científico naturalístico e tendo examinado algumas particularidades relevantes dos
principais métodos utilizados para a obtenção deste conhecimento, podemos prosseguir
discutindo algumas características comuns das ciências naturais, consideradas em seu
conjunto.
A natureza cumulativa do conhecimento cientifico. Não existe uma base
racional segura e consensual que nos permita comparar uma peça teatral de Ésquilo (556
- 425 a.C.) com uma peça do nosso Dias Gomes (1922 -1 9 9 9 ), no sentido de dizer que
esta seria taelhor ou pior do que aquela. Podemos “preferir" esta ou aquela dependendo da
nossa história pessoal com peças teatrais e literatura em geral, mas esta preferência se
dá sobre bases subjetivas, no sentido em que temos usado a palavra neste texto.
Apreciadores de Heráclito (576 - 480 a.C.) coexistem com apreciadores de Heidegger
(1889 - 1976) e não se poderia dizer que os primeiros são “atrasados" em relação aos
segundos, apesar de uma distância milenar entre estas produções filosóficas.
Por outro lado, o leitor dificilmente irá “preferir" tratar seus dentes com os
conhecimentos e técnicas de tratamento dentário correntes em 1900 e nem se guiará
pelas recomendações técnicas de um construtor de navios da idade média. Todos
reconhecemos e louvamos os méritos originais de Santos Dumont (1873 - 1932), mas
poucos dentre nós pensariam em construir uma aeronave segundo o conhecimento e
técnicas que ele desenvolveu no início do século passado, se o objetivo for utilizar o
veículo. Hipócrates (460 a.C. - ?) recebe até hoje a justa fama de ter sido um grande
módico, mas seria difícil imaginar alguém se socorrendo dos seus conhecimentos de
fisiologia e anatomia humana para conduzir uma intervenção cirúrgica.
Os dois parágrafos acima ilustram uma das novidades que a sistematização de
um discurso sobre o mundo sob controle dos eventos naturais trouxe para a nossa espécie:
o conhecimento produzido de acordo com as regras da ciência natural é cumulativo. Isso
quer dizer que as novas gerações podem começar onde a geração anterior parou, fazendo
avançar o saber a partir das bases já estabelecidas; conhecimentos produzidos pelas
gerações anteriores segundo estas regras não são automaticamente descartados.
Modificações, inovações e até mesmo soluções de continuidade são fundamentas naquele

112 Rooscvclt R. Starling


corpo de conhecimentos. Esta propriedade do discurso científico naturalístico não decorre
de qualquer virtude intrínseca da ciência, mas sim da relativa constância dos fenômenos
naturais, sob o controle dos quais ela é articulada.
A mutabilidade da linguagem da ciôncia. O cientista não produz sua fala
num vácuo pessoal, histórico e social. Como qualquer língua, a linguagem da ciência
muda e nem sempre muda na direção de uma maior adequação da sua fala aos fenômenos
naturais. Como prática sócio-cultural que é, uma infinidade de exemplos históricos
demonstram claramente que outras variáveis podem exercer marcante influência no
arquétipo científico compartilhado num dado tempo e lugar.
Além de variáveis sócio-culturais, também o ferramental conceituai (lingüístico),
os métodos de análise e os instrumentos de ampliação sensorial disponíveis evoluem,
permitindo assim a asserção de novas relações anteriormente impossíveis de serem
declaradas em função da inexistência das contingências verbais para a sua discriminação,
ou de um controle experimental mais preciso ou, ainda, de instrumentos de ampliação
sensorial que pudessem permitir a sua observação.
Junte-se ao exposto os obstáculos lógicos e metodológicos inerentes aos dois
principais métodos de produção de conhecimento, o hipotético-dedutivo e o indutivo, que
os impede de assegurar a plena generalização e universalização das suas asserções, e
temos então estabelecido o caráter necessariamente mutável de qualquer declaração
científica. Todo "fato" científico é relativo, temporal e tentativo. O saber produzido pela
ciência é necessariamente provisório. É exatamente por esta característica da linguagem
científica que é tão importante para a evolução das ciências naturais o treinamento intensivo
das novas gerações nas regras desta linguagem e o interesse na coexistência de diferentes
conjuntos declarativos para um mesmo fenômeno, desde que eles sejam pronunciados
sob as mesmas regras.
Visível e invisível: a questão da observabilidade. Destas regras, uma
sobressai por seu consenso virtualmente unânime na comunidade científica naturalística:
a necessidade que as asserções pronunciadas sejam testáveis. Por esta exigência,
asserções sobre variáveis imateriais ou supranaturais não são de interesse para a ciência.
Note-se, contudo, que a esta exigência não impõe as restrições draconianas que muitas
vezes se imagina, pois o que se exige é que as asserções sejam testáveis em princípio.
A declaração de que existe vida consciente em outras galáxias é uma declaração, em
princípio, de interesse para a ciência, pois ela é potencialmente testável: se um dia pudermos
acessar sensorialmente ocorrências naturais em outras galáxias, poderemos afirmar ou
negar a veracidade desta asserção. É igualmente uma asserção cientificamente aceitável
declarar que "este ano não choverá na Amazônia"19.
O critério da observabilidade merece comentários adicionais. Não existem meios
conhecidos para "ver o invisível" e não podemos testar o que não pode ser sensorialmente
experimentado. "Observar" implica a ação de algum órgão sensorial. Porém, o critério de
observabilidade se aplica às variáveis independentes e dependentes consideradas e ao
meio físico natural através do qual as relações declaradas podem se dar, e nào ao fenômeno
conceituai em si mesmo. Por exemplo, o que chamamos de “campo magnético" não pode
ser observado. O que é observado é o movimento de um ponteiro num "magnetômetro", o

" O crIMrlo d« ta iM x lk ta lti irn|>ltui« propoMçAo puppariarui da coridlçAa d« rwfulubHid«d<' d * um a í im o tç ío para qua ala » aja consldorada darillflca, ma«
néo 6 um «qulvalantn parindo da ló g ic a do falaeam sntn* uN tm la pain método htpotoKco-dflduUvo, (fctvklo ao car Atar m latíttfco dtt raftitnçáki itaquoto modefo,
aqui contraponto a um oarAlar am plrico (P op p af, 1909)

Sobrr Comportamento c Cognição 11 3


deslocamento espacial e temporal de determinados corpos numa direção e ordenação
previsíveis, a freqüência das revoluções de uma bobina elétrica, mudanças no espectro
das ondas luminosas etc. O que chamamos “campo magnético" é simplesmente uma
palavra que sumariza e categoriza as relações que declaramos existir entre estes diversos
eventos naturais. Mais especificamente, “campos magnéticos” não são entendidos como
agências: eles nada "causam" e nada fazem acontecer por sua própria vontade. “Campo
magnético" é um construto empírico: não significa nada mais do que os produtos observáveis
do fenômeno e regras de relacionamento que ele sumariza e categoriza. Sua “invisibilidade"
não compromete a sua utilidade prática, desde que seus referentes empíricos possam ser
diretamente observáveis.
Acrescente-se ao acima discutido o fato de que a propriedade de ser observável
não é necessariamente uma propriedade dos fenômenos sobre os quais se fala ou se diz
não poder falar. Uma conversa em voz baixa entre duas pessoas, num salão com várias
outras pessoas também falando, pode não ser observável neste arranjo do ambiente, mas
poderia sê-lo, caso esta mesma conversa se desse num ambiente silencioso. Boa parte
dos fenômenos atualmente observáveis não o era a menos de 200 anos atrás. A invenção
de instrumentos que ampliam as possibilidades sensoriais humanas, tais como o
microscópio, o tomógrafo e o telescópio, trazem às possibilidades descritivas da ciência
inúmeros fenômenos naturais anteriormente invisíveis. Os pressupostos e os arranjos
lógicos das metodologias de investigação, disponíveis ou prevalentes num dado tempo e
lugar, podem influenciar boa parte do que se observará, por determinar as regras de como
se dará a procura. As práticas verbais de uma dada comunidade e a história comportamental
do observador também podem facilitar ou dificultar a visibilidade dos fenômenos; considere
o leitor o que poderá observar ou não, numa simulação de um jogo de tênis de mesa sem
a bola, um observador que jamais tenha sido anteriormente exposto a este jogo ou a uma
descrição dele (Palmer, 2002).
Entretanto, enquanto não se conseguir um acesso sensorial ao fenômeno de
interesse, qualquer asserção que se faça sobre ele não poderá requerer para si a plena
qualificação de uma asserção científica naturalístíca.
A (relativa) integridade dos dominios disciplinares e o reducionismo.
Consideremos a astrologia. Este conjunto declarativo se fundamenta na observação de
dois eventos naturais: um, a sua VI, a localização de determinados corpos celestes no
espaço; o outro, o comportamento humano (a sua VD). É sobre estes dois fenômenos
naturais, acessíveis à observação direta, que incidem as suas declarações de relações.
Por que a astrologia não é uma ciência natural? Deixando a parte o fato dela não estar
Incluída no nosso arquétipo compartilhado de ciência, a astrologia falha em demonstrar o
melo natural pelo qual possam se dar as relações que declara. Neste particular, até há
pouco tempo atrás, o modelo operante proposto pela Ciência do Comportamento também
ainda não havia feito esta demonstração. Como seriam naturalmente possíveis as relações
declaradas entre a resposta e o evento conseqüente? Através de que médium natural
poderiam acontecer? Enquanto não se pode localizar o funcionamento fisiológico de certas
estruturas neurológicas que, se lesadas ou alteradas, afetam as propriedades do
condicionamento operante, as declarações deste modelo permaneciam tentativas, no que
respeita á plenitude da qualidade científica naturalístíca delas.
Este tópico merece melhores esclarecimentos. Suponha o leitor que uma pessoa
se coloque defronte a um piano e o piano produza uma música. Suponha também que a
pessoa não faz nenhum contato físico com o piano e, ao mesmo tempo, afirme ser ela a

1 1 4 Roosevelt R. Sl.irllnp
causa da música que se ouve partindo do piano. Como responderia o leitor a uma declaração
tão surpreendente? Entretanto, nenhum problema haveria se a pessoa estivesse em contato
físico com o piano através de suas mãos, por exemplo. O astrônomo faz declarações de
relações entre eventos estelares observáveis somente através de um telescópio, um
instrumento que amplia as capacidades sensoriais visuais da nossa espécie (mas isto
não muda o fato de ser a visão a modalidade sensorial envolvida nesta experiência do
mundo natural). Os eventos fongínquos podem ser vistos pelo astrônomo através das
propriedades de um outro evento natural, independentemente demonstrado: as ondas
luminosas, que é o médium através do qual a observação visual do astrônomo é naturalmente
possível.
É bom esclarecer o que nâo se está implicando aqui. Observe-se que as mãos do
pianista nâo são as causas do tocar piano e as ondas luminosas não são as causas do
ver do astrônomo ou das relações astronômicas que ele declara. Tanto uma quanto outra
não participam do fenômeno sob o qual se produzem as declarações em qualquer sentido
causal ou fun cio n al. São e fe to re s ou o pe ra n d o s: outros eventos naturais,
epistemologicamente independentes e por si mesmos objetos de interesse de outros
domínios disciplinares (no caso a fisiologia e a física), que possibilitam a ocorrência do
fenômeno de interesse ou a sua observação, mas não participam das relações que se
declaram.
Um corpo de conhecimentos produzido de acordo com premissas e regras
semelhantes apresenta um certo grau de interdependência e complementaridade. As
ciências naturais não são impermeáveis umas às outras e esta permeabilidade é mesmo
uma das exigências que se faz para compreendê-las num mesmo corpo. Modelos hidráulicos
do comportamento, como a noção original de libido na psicanálise, não podem ser aceitos
como declarações científicas naturalísticas dentre outras coisas porque não se descobriu
até a presente data um funcionamento hidráulico semelhante na biologia humana. Não
existe a demonstração de um meio natural que possibilitasse a sua ocorrência. Ora, se a
fisiologia já demonstrou, dentro do seu domínio disciplinar, certas propriedades e relações
cientificamente válidas entre os eventos biológicos, declarações de outros domínios
disciplinares não podem, em princípio, se fazer em contradição com aquilo que já se sabe
a partir das investigações daquele domínio. Não pode também prescindir delas. Um
astrônomo não pode legitimamente declarar relações astronômicas observadas em
desacordo com o que já se sabe da fisiologia da visão, das propriedades ópticas de um
telescópio e das propriedades físicas das ondas luminosas.
Não se pressupõe como necessária a existência de fenômenos comportamentais
separados e independentes - no sentido absoluto da palavra - dos fenômenos físicos, dos
fenômenos biológicos ou dos fenômenos químicos. De vez que não temos uma linguagem
para falar racionalmente sobre "o fenômeno como um todo", dividimos formalmente os
campos fenomênicos para que possamos desenvolver uma linguagem mais precisa para
falar sobre os fenômenos a partir de um enfoque particularizado. Estes enfoques
particularizados são os objetos de estudo dos diversos domínios disciplinares. Esta divisão
é feita para finalidades conceituais e de manipulação experimental e não implica, como já
dissemos acima, a pressuposição de uma natureza fracionária ‘ real" para o mundo. Descobrir
a natureza “real" do mundo não é um objetivo explícito da ciência, pelo menos na concepção
que dela apresentamos aqui.
Por outro lado, a integridade que deve manter um domínio disciplinar para que
possa ser identificável implica que, para produzir suas declarações de relação, ele não

Sobrf Comportamento cCoqnlçJo 115


pode lançar mão de VPs pertencentes a outros domínios disciplinares. Assim, um analista
do comportamento - ou, de maneira mais ampla, um psicólogo - não pode explicar uma
instância qualquer do seu objeto de estudo, o comportamento, lançando mão de uma VI
pertencente ao domínio disciplinar da fisiologia, por exemplo. Fazer isso seria admitir que
o comportamento é um epifenômeno do funcionamento biológico e, portanto, deveria ser
estudado como uma manifestação particular dos fenômenos biológicos, campo fenomênico
ao qual pertenceria. A implicação ó que a psicologia não existiria como uma disciplina por
direito próprio e que deveríamos, nós os psicólogos, estudar biologia e os fenômenos
biológicos a fim de elucidar o nosso objeto de estudo, o comportamento. Seríamos, de
fato, uma especialização da biologia. Em princípio, não haveria nisto qualquer problema
de ordem maior, mantendo-se em vista que o objetivo declarado de uma ciência ó o de
produzir um conhecimento mais preciso e útil sobre os fenômenos naturais. Entretanto, a
linguagem da análise do comportamento tem produzido declarações que se mostram
úteis para a previsibilidade e controle de fenômenos importantes para nós e que podem
ser objeto da ação humana direta sem a necessidade de manipulação da biologia. Estes
fatos indicam que este tipo de conhecimento pode constituir um domínio disciplinar por
direito próprio e, assim como não se deveria dificultar a sua desintegração à luz de evidências
futuras, também não se deveria precipitá-la, à luz das evidências atuais.
Quando um presumido domínio disciplinar lança mão de uma VI pertinente a outro
domínio disciplinar em suas declarações explicativas, chamamos esta operação de
reducionismoyo. Trata-se de explicar um fenômeno por outros fenômenos que ocorrem um
nível abaixo - ou acima, tanto faz - do campo fenomênico objeto daquele domínio. Assim,
explicar o comportamento através de propriedades do funcionamento biológico ou de
propriedades do funcionamento social redunda igualmente num reducionismo.
Discursos sobre o mundo: o lugar da ciência. Sobre qualquer fenômeno que
desperte o nosso interesse, mais de um foco discursivo é possível. Por exemplo, podemos
falar sobre o pôr-do-sol de um ponto de vista filosófico, estabelecendo analogias entre este
fenômeno e a natureza transitória e perecível da vida humana. Podemos também falar
sobre ele com um discurso poético, vivencial, sob controle das emoções que ele evocar
em nós. Podemos falar de um ponto de vista religioso, dizendo, por exemplo, que a divindade
ordena o Sol que nos poupe da sua luz a cada doze horas para que, protegidos pela
escuridão, possamos refletir sobre os pecados que cometemos durante o dia. Um foco
científico talvez nos levasse a falar sobre a velocidade angular da rotação da Terra em
relação ao Sol, da diferença entre a imagem virtual e a posição relativa real daquele astro,
produzida pela refreção das ondas luminosas na atmosfera, de como esta diferença seria
diferente caso a composição química da atmosfera fosse diferente.
Tomados em si mesmos, não haveria como dizer que este ou aquele discurso
seria superior a um outro, ou mais desejável que um outro. Entretanto, seria deveras
curioso observar os efeitos que um discurso científico poderia ter, caso fosse o usado por
um amante após ter sido convidado por seu amado ou amada a compartilhar um belo por
de sol na montanha. Igualmente curioso seria observar os efeitos de um discurso poético
se o por do sol estivesse sendo observado para determinar quantos minutos de luminosidade
ainda se disporia para acabar de montar a tralha do acampamento.
A possibilidade de coexistirem vários discursos sobre o mundo somente faz com
que sejamos mais ricos, não menos, quanto às nossas possibilidades de experimentar o
*' A redução larilo pode ocofror donlru do jifôpfto donilnio (rnduçAo intradofnirwo) quanto entr» nato o um oulru domfrtio (mdiiçAo Intnrdomlnlott) Mais uma
v**, uma dlacuaaAo daala diatlnçAo e sua* ImptlcaçA«« nxtrapoiam o prapóalto que orlwita aalo toxto a por aata razAo nAo anr* tratada aqui

116 Roosevrll R. St.irllnfl


mundo e, nesse sentido, o discurso da ciência não requer para si nenhum monopólio ou
vantagem especial. Somente quando previsão e controle forem resultados desejáveis é
que a ciência natural reivindica para si uma posição privilegiada.
Mesmo no que diz respeito ao conhecimento, de uma maneira ampla, a ciência
natural reconhece que as suas possibilidades atuais de investigação a forçam a não
considerar como de interesse muitos problemas que podem ser importantes para a sociedade
em geral e que muitas vezes são atendidos por outros discursos.
Discursos religiosos ou místicos oferecem respostas que muito de nós julgam
importantes para o nosso bem«estar e inquirições puramente racionalistas oferecem
argumentos lógicos, verossímeis e plausíveis para um outro número de questões sobre as
quais a ciência, por suas regras estritas e no estado presente do seu conhecimento, não
tem como se pronunciar.
Proposições mais ou menos formalizadas a que chamamos ciência pessoal
também se pronunciam sobre outros tantos problemas, habitualmente mesclando em
proporções variadas declarações subjetivas, senso comum, afirmações provenientes do
folclore social e profissional e interpretações, o mais das vezes casuísticas e peculiares,
de asserções e dados científicos pinçados em diversos domínios e tradições.
Habitualmente, a adesão a regras estritas para a produção deste tipo de conhecimento
não é encorajada, nem a sua submissão a sistemas formais de validação. Nesta categoria
se encontram as formulações dos chamados "existencialismos” (Craighead, Kazdin e
Mahoney, 1976).
Uma incompatibilidade entre estas diversas formas de conhecimento e o
conhecimento científico naturalístico só se apresenta, conforme já falamos mais acima a
propósito do discurso religioso, quando asserções provenientes destes discursos
contradizem declarações de relações empiricamente validadas pela ciência. Num sentido
mais social e de aplicação do conhecimento, esta incompatibilidade também se manifesta
quando a orientação fornecida por um destes discursos impede ou dificulta por qualquer
forma, a condução da solução de um problema para o qual a ciência já demonstrou possuir
alternativas mais seguras e confiáveis como, por exemplo, insistir em tratar mordida de
cobras venosas somente através de benzeduras, ou depressão através de lâmpadas
coloridas. Em situações limite como essas, a ciência se pronuncia com vigor: evidências
são aceitas independentemente de seu apelo popular ou implicações para concepções
prévias ou competitivas da realidade. Se os dados não se conformam a estas concepções,
então a ciência insiste em que estas concepções devem ser mudadas para se conformar
aos dados. “
A linguagem da ciência natural não se ressente no reconhecimento dos seus
limites: pelo contrário, é a partir da constatação deles que ela pode se aprimorar. A ciência
não pode requerer e nem requer para si certezas: “fatos*', métodos e princípios cíentífícos
são, por definição, relativos, temporais e tentativos, como já pudemos discutir ao longo de
todo este texto. A ciência é restritiva e assim, exclui do seu domínio muitas questões que
uma dada sociedade pode considerar importantes, como acabamos de discutir acima. A
classificação de um conhecimento qualquer como sendo não-científico quer dizer
simplesmente que a produção daquele conhecimento não se deu pelas regras da ciência.
A declaração de que “a ciência é o caminho correto para o conhecimento" teria que ser
classificada pelo cientista como não-testável e não-científica, de vez que não existe um
número finito de testes que possam confirmá-la ou negá-la. A Verdade é um ideal inatingível;
a ciência jamais nos permitirá conhecer a Verdade. Ela somente pode nos permitir aumentar

Sobre Comporltimcnlo e CotfnltJo 117


a nossa relativa confiança na precisão das nossas suposições e teorias sobre o mundo.
Certeza e prova aplicam-se somente a sistemas abstratos e lógicos e não a fatos concretos
do mundo real; confiabilidade e corroboraçào sào conceitos mais apropriados aos limites
da ciência. A ciência nega o finalismo; a sua busca por ordem ó uma busca sem fim
(Craighead, Kazdin e Mahoney, 1976).
Longe de sustentar a arrogância que não raras vezes se lhe associa, a linguagem
cientifica obtém seus melhores resultados quando obedeceà natureza. Podemos construir
uma aeronave porque, conhecendo as regras que a natureza dispõe para o vôo, nós as
obedecemos ao melhor que podemos. Se falharmos nesta obediência estrita, ou se
falharmos em conhecer ou reconhecer alguma destas regras, a aeronave cai.
Contudo, engajadas e comprometidas com a produção de um conhecimento
naturalístico, as restrições que a ciência faz e os limites que ela se impõe implicam não
considerar a hipótese de um mundo fenomênico não-natural, supranaturallstico, como
locus de agentes eficazes (Vi’s) para os fenômenos naturais (VD's). Implica também a
recusa de hipóteses que declarem relações entre este suposto mundo supranatural e o
mundo natural, ou entre variáveis nào testáveis empiricamente e no desinteresse por
especulações como conhecimento confiável para a ação eficaz no mundo.
Resumindo, por si mesmo o discurso cientifico naturalístico não requer nenhuma
superioridade sobre os demais. Entretanto, quando ó importante agir no mundo natural,
transformado-o - em explícita oposição a falar sobre o mundo - este discurso tem
consistentemente proporcionado à humanidade um número maior e mais constante de
resultados desejáveis do que os demais discursos.

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Walker, E. L. (1973). Psicologia como ciôncia natural e social. São Paulo: Herder.

Sobrr Comportamento e Cognlçdo 119


Capítulo 11
A produção do conhecimento em
Psicologia Comportamental: revendo
paradigmas
Wander C. Ai. Pereira da SUva
UCHe/HAC

Muitos autores consideram investigações teórico-filosóficas meras especulações


com poucas contribuições para a construção de um saber científico sobre a natureza. No
campo da ciência do comportamento, as restrições existentes a respeito das questões
filosóficas se sustentam basicamente na rejeição ao “mentalismo" presente nas proposições
filosóficas, em especial à metafísica entranhada nas explicações sobre as “causas" do
comportamento e suas ficções explanatórias (Skinner, 1953/19981).
Talvez haja razões para considerar que as principais tradições filosóficas possuem
muitos equívocos na maneira como falam sobre o homem e sua natureza. Mas, daí a se
afirmar que esse ó um problema inerente à filosofia ou ao comportamento de filosofar é um
grande equívoco. O problema é muito mais das escolas e dos filósofos do que da filosofia em
si mesmo. O comportamento de filosofar não é, necessariamente, algo negativo ou que deva
ser rejeitado a priori. A qualidade das reflexões filosóficas, em última instância, depende das
contingências de reforçamento programadas pela comunidade verbal de referência.
O behaviorismo radical em si ó uma filosofia (Skinner, 1974/1993) que está
fortemente sob controle das contingências da comunidade behaviorista. O discurso dos
filósofos behavioristas difere dos cientistas do comportamento porque, normalmente, não
está sob controle de dados experimentais, mas do comportamento verbal de outras pessoas.
Não há distinção no modo como as contingências controlam o comportamento de ambos,
filósofos e cientistas, mas no conjunto de contingências aos quais eles se dirigem para
responder suas questões.
As práticas reforçadas pela comunidade verbal behaviorista colocam tal
especulação filosófica sob controle de contingências especiais, tornando-a diferenciada
de outras. Essas contingências, normalmente, se referem a um tipo de linguagem
extremamente rigorosa quanto ao uso de termos técnicos, a operacionalização dos
conceitos e, em especial, com a pragmaticidade e parcimônia das análises. No entanto,
1A primeira dnta sa rnfnm no uno da publIcaçAo original • a Mgunda £ publicação conMiltada

12 0 Wander C. M . Pereira da Silva


mesmo considerando esse modo especial com que as contingências são programadas
para o comportamento verbal "especulativo" do filósofo da ciência do comportamento, os
conceitos com os quais lida são ainda construtos que auxiliam, como descrições, no seu
agir efetivo diante do mundo: quanto mais refinados forem os conceitos, mais eficientes
eles serão nessa tarefa.
As análises teóricas e filosóficas são necessárias, embora não suficientes, para
a construção de um saber cientifico mais eficaz. Necessárias porque fornecem as
formulações iniciais, definindo, delimitando e indicando caminhos possíveis para a
investigação experimental de um determinado problema. Porém, são insuficientes para
alcançar, de modo eficaz, aquilo que é do interesse final do empreendimento cientifico,
qualquer que seja ele: a predição e o controle dos fenômenos da natureza. Neste caso,
uma análise filosófica torna-se menos efetiva e a experimentação cientifica tem se mostrado
uma ferramenta mais poderosa para esse fim.
Contudo, a predição e o controle são etapas tardias do empreendimento cientifico
e as fases iniciais exigem ferramentas teóricas e conceituais que tornem o cientista, seja
ele experiente ou novato, capaz de identificar um problema a ser estudado, delimitá-lo,
bem como, planejar e definir estratégias investigativas.
É papel da filosofia behaviorista, dentre outras questões, a construção e o
refinamento de um arcabouço teórico-conceitual consistente para a compreensão do
comportamento humano.

1. Sobre a im portância de estudos teóricos e conceituais em psicologia


Machado, Lourenço & Silva (2000) afirmam que na psicologia os estudos teóricos
e conceituais são em número insuficiente diante das dificuldades que se apresentam para
a psicologia. Para estes autores a construção de uma proposta cientifica se daria a partir
de uma matriz de três pontos, denominado por eles de triângulo espistêmico, constituído
por três vértices: investigações (1) factuais, (2) teóricas e (3) conceituais. No que diz
respeito à literatura comportamental especificamente, os estudos envolvendo análises
teóricas e conceituais têm aumentado nos últimos anos (Tourinho, 1999), mas não nos
parece um aumento suficiente para equilibrar esse triângulo epistêmico.
Segundo Machado e cols. (2000), os tipos de investigações são exemplificados
da seguinte maneira: investigações factuais ocorrem quando examinamos se um bebê de
8 meses de idade é capaz de alcançar um brinquedo que foi afastado de seu campo de
visão ou se am rato irá revisitar o braço de um labirinto depois de o experimentador ter
alterado os sinais ou dicas presentes anteriormente; as investigações teóricas ocorrem
quando descrevemos matematicamente como acumuladores registram a habilidade de
um pombo em organizar seu comportamento ao longo do tempo, ou quando uma criança
constrói o conceito de tempo a partir da progressiva coordenação do conceito de seqüência
de eventos, simultaneidade e duração; e, as investigações conceituais ocorrem quando
examinamos a consistência de um conceito dentro de uma teoria.
Estes autores defendem a necessidade de se produzirem mais estudos de caráter
teórico e, especialmente, conceituai, dentro da psicologia argumentando que
Uma variedade de problemas bem conhecidos na psicologia reflete um padrão
do crescimento doentio devido à ênfase desproporcional sobre investigações
factuais, em detrimento de investigações teóricas e conceituais, particularmente
as últimas (Machado e cols., 2000, p. 02).

Sobre Comportamento e Cognlçüo 121


Esses problemas, apesar de todo o avanço conseguido pela psicologia nestes
últimos anos, persistem e tendem a se tornar crônicos. Machado e cols. (2000) expõem
quatro constatações, descritas a seguir, que evidenciam a reincidência desses problemas
na psicologia hoje.
A constatação inicial remete a (1) um excessivo número de publicações empíricas.
Aparentemente isso poderia ser um sinal de robustez, mas na prática tem produzido
poucos resultados efetivos para a psicologia.
A primeira vista, existem muitas razões para celebrar quando uma ciência publica
tantos novos achados e identifica tantos novos problemas anualmente (...)
Contudo, a produtividade anual que lova a esta avalanche de jornais, livros,
artigos, encontros e congressos, parece desproporcional ao número de achados
convincentemente explicados ou do problemas efetivamento resolvidos (Machado
e cols. p. 05).

A constatação seguinte refere-se à (2) assimetria entre uma robustez técnica e


um arcabouço conceituai e teórico rudimentar. Segundo estes autores, este fato não seria
um problema caso não conduzisse a três tendências:
(a) tendência a avaliar a significãncia dos dados pela môdia usada para obtê-los,
(b) tendência a elim inar a distinção em pirico-conceitual e reduzir todo os
problemas a problemas empíricos, e (c) tendência a iniciar experimentos sem
primeiro estruturar o cenàho pela análise conceituai apropriada (Machado e cols.,
2000, p. 06).

Ainda sobre essa segunda constatação autores fazem a seguinte consideração:


O experimento e a análise estatística são práticas indispensáveis em ciência.
Mas, quando eles são tomados como fins ao invés de meios, quando apenas
questões respondíveis por experimentos são valorizadas, quando experimentos
são publicados porque eles utilizam técnicas sofisticadas, e quando números
são privilegiados desconsiderando se medidas verdadeiras foram alcançadas,
então nós tem os o s in a l de um e stado e p istê m ico dom inado
desproporcionalmente por questões factuais (Machado e cols., 2000, p. 07).

A outra constatação (3) seria a fragmentação e especialização artificial. Toda vez


que a pesquisa factual se sobrepõe grandemente à análise conceituai ocorre um processo
de alienação do cientista. Este processo leva ao que os autores chamaram de
“especialização artificiar.
A desunião e a fragmentação produzem a especialização artificial, isto é, a
especialização determinada não pelas linhas de fratura do objeto sob estudo, ou
pelo grau de m aturidade científica alcançados em um mom ento histórico
particular, mas pelo isolamento social. Uma das conseqüências desse tipo de
especialização é que ao invés de um mercado aberto onde as idéias científicas
com petem livrem ente, nós temos um m ercado fechado onde as idéias
permanecem intocadas (Machado e cols., 2000, p. 09).

E, finalmente, a última constatação refere-se (4) a alta freqüência de distorções e


interpretações errôneas sobre o trabalho de outros autores. Os autores argumentam que
sem uma boa preparação para cuidadosas análises da história e estrutura conceituai das
teorias as distorções tendem a aumentar.

122 Wdmler C. M . IVrelra da Silva


Dado um orçamento limitado, um cientista com uma forte preferência por descobertas
factuais irá, provavelmente, alocar mais recursos para planejar e executar novos
experimentos, refinando equipamento para conseguir dados mais confiáveis,
projetando novos meios de análise de dados e aplicando suas reservas em mais
experimentos. A habilidade necessária para se engajar em uma análise conceituai
- para explicar o significado fundamental dos conceitos, para distinguir entre
questões cientificas essenciais ou disputas verbais vazias ou para contrastar teorias
diferentes - tenderá a ser menos desenvolvida (Machado e cols., 2000, p. 10).

Diante dessas constatações e da análise dos prejuízos que elas causam à


psicologia, Machado e cols. (2000) concluem que as razões para os psicólogos preferirem
as investigações factuais são (a) um excesso de confiança no método científico como um
meio de encontrar verdades empíricas e (b) a desconfiança de longa data na especulação
filosófica.
Para eles, só o reequilíbrio do triângulo epistêmico pode produzir as condições
necessárias para a resolução destes problemas na psicologia. Assim, para se alcançar
esse equilíbrio epistêmico ó necessário aumentar os investimentos na produção de estudos
teóricos e principalmente conceituais.
No caso da psicologia comportamental, entendemos que a revisão dos paradigmas
na produção de conhecimento deve passar também pela revisão dos modelos investigação.
Nada que coloque em risco a hegemonia das pesquisas experimentais, elas são de fato
um modo eficiente de obtenção de conhecimento científico. Ocorre que não podemos
simplesmente abandonar ou desqualificar outras formas, também legítimas, de produção
de conhecimento. Por isso, entendemos que o futuro da ciência do comportamento passa
pela construção de metodologias de estudos alternativas e/ou auxiliares aos estudos
experimentais e de laboratório.
Segundo o nosso entendimento, essas alternativas são compatíveis com a proposta
skinneriana e podem fornecer dados confiáveis à análise do comportamento em seu objetivo
de produzir respostas consistentes às questões sobre o comportamento humano.

2. A produção de conhecim ento em psicologia com portam ental: critérios


de aceitação
É possível que a maior parte da comunidade científica que se intitule behaviorista
radical concorde com o fato de que a ciência é uma questão de linguagem ou de
comportamento verbal do cientista. O estabelecimento e a manutenção do fazer científico
é produto das contingências especiais de uma comunidade verbal, no caso a comunidade
científica.
Na história da lógica e da ciência podemos traçar o desenvolvimento de uma
comunidade verbal especialmente voltada para o comportamento verbal que
contribui para o bom êxito da ação. O com portam ento m antido por essa
comunidade difere dos expedientes usados para mantê-lo, assim como um
discurso eficiente, por exemplo, difere das regras para um discurso eficiente.
(Skinner, 1957/1978, p. 498).

Se concordarmos com isso, devemos pressupor que o que gera verdade ou


cientificidade para um dado conhecimento é, de um lado o comportamento verbal do cientista
e de outro, a confiabilidade de suas predições. Estas afirmações parecem ser corroboradas
por Baum (1999) quando este afirma que o conhecimento científico é um tipo de

Sobrr C'omport«tmrnto c ('ognlftlo 123


conhecimento declarativo: “Conhecimento científico é comportamento verbal de cientistas
em contextos científicos" (p. 147). No caso da comunidade behaviorista radical a
instrumentalidade e a funcionalidade do conhecimento sâo critérios fundamentais para
sua aceitação.
Esse tipo de postura se assemelha a um pragmatismo epistemológico da
comunidade behaviorista radical, uma espécie de “selo" de reconhecimento. Segundo a
interpretação que fazemos da proposta pragmática de conhecimento (Pereira da Silva,
2000), este seria qualquer formulação validada e aceita por uma comunidade verbal. No
caso da ciência, esse conhecimento teria que atender, em primeira instância, às regras,
leis e precisões da metodologia científica exigidas pela área. E, em segunda instância, a
efetividade desse conhecimento na sua aplicação. Desse modo, o refinamento das
definições teórico-conceituais de uma dada comunidade científica e o maior o grau de
previsão e controle de seus objetos de estudo são os verdadeiros parâmetros
epistemológicos de uma ciência.

3. Alternativas m etodológicas
Os limites metodológicos que autores, como Tourinho (1995), apontam na
proposta skinneriana para os eventos privados se referem à dificuldade na utilização do
modelo de investigação científico-experimental para esses fenômenos. No entanto, nos
últimos anos surgiram pesquisas que podem ser apontadas como modos de se estudar
experimentalmente os chamados eventos privados e que tem produzido ‘‘tecnologias’’ de
intervenção eficientes. Por exemplo, as pesquisas sobre “autocontrole", comportamento
governado por regras, resolução de problemas, manipulação de autoclíticos,
correspondência dizer-fazer, dentre outros. Além disso, o próprio Skinner (1953/1998),
apesar de considerar a importância do método experimental, não o elegeu como a única
maneira de se obter conhecimento em uma ciência. Por isso, precisamos, ao mesmo
tempo em que refinamos nossos conceitos, estudar os fenômenos com porta menta is
empiricamente como nas situações nas quais ele ocorre naturalmente.
O ponto principal a ser defendido aqui é que alguns tópicos de pesquisa, dos
quais uma ciência do comportamento deve se ocupar, requerem uma revisão no modo
como a ciência do comportamento tem desenvolvido seus conhecimentos. Temos
investigado tópicos importantes para a compreensão do comportamento humano, mas
adotando a estratégia de analisar as respostas a partir de condições arranjadas para que
ela ocorra em laboratório. Essas condições, muitas vezes, sâo demasiadamente artificiais.
Uma alternativa utilizada para minimizar esse problema tem sido criar histórias experimentais
no laboratório. Achamos que essa medida tem seus limites e que muitas vezes acabam
por produzir contingências suficientes apenas para confirmar as expectativas do pesquisador
do que reproduzir situações naturais.
As investigações factuais em ciência do comportamento são feitas em sua maioria
em laboratórios, utilizando a metodologia de sujeito único. Elas têm sido importantes para
a consolidação e a produção de novos conhecimentos. Mas, parece que não possuem
alcance suficiente para acompanhar certos fenômenos do comportamento social humano.
Mas, mais uma vez é importante dizer que as pesquisas experimentais em
andamento são de grande valia e que, de forma alguma são excludentes em relação a
outros tipos de pesquisas, elas serão sempre a uma fronteira segura para validação de
conhecimento. A possibilidade de manipulação de variáveis independentes a partir dos

124 Wander C. M . Pereira da Silva


quais os conhecimentos são inferidos dá a esse tipo de conhecimento um grau de
confiabilidade mais rigoroso, talvez o mais rigoroso, que o homem pode produzir na sua
história. Foi dessa forma que se confirmaram muitas proposições teóricas do behaviorismo
radical, como apontam Eshleman (1991) e Sundberg (1991). Para uma pequena amostra
dessas pesquisas podemos citar algumas sobre a relação de independência funcional
entre operantes verbais que possuem a mesma estrutura formal (Lee, 1981; Lamarre &
Holland, 1985; Goodman & Remington 1991; Pereira da Silva, 1996); e as pesquisas
sobre eventos privados e pensamento (Simonassi, 2001; Simonassi, Tourinho e Vasconcelos
Silva, 2001).
Porém, mesmo que não concordemos integralmente com isso, parece que os
limites das investigações factuais se manifestam nas conclusões dos artigos da área, que
normalmente indicam que mais pesquisas deveriam ser feitas para um melhor entendípiento
sobre o assunto estudado (Machado e cols., 2000).
Entendemos que é o momento para tentarmos construir um caminho a ser trilhado
pela ciência do comportamento que permite sair do laboratório e adentrar no mundo social
para a produção de conhecimento válido.
Algumas pesquisas experimentais da área que tem apontado para a raiz social do
pensamento e sua vinculação com o comportamento verbal (Simonassi, Tourinho e
Vasconcelos Silva, 2 0 0 1 ), isso só fortalece a necessidade de se produzir pesquisas
envolvendo grupos sociais e culturas diferentes no ambiente natural, pois se a definição
das principais características do comportamento humano possuem origens sociais
deveríamos estudar os processos sociais e culturais que as produzem e controlam. Esta
saída pode nos dar um nível de conhecimento que seja confiável e ao mesmo tempo amplo
o suficiente para compreensão do comportamento humano.
O papel dos eventos privados e a questão da subjetividade são tópicos importantes
para o ressurgimento do behaviorismo dentro da psicologia. Só as nossas reflexões teóricas
e conceituais, junto com as pesquisas factuais não serão suficientes para cumprir esse
papel histórico.
A ciência do comportamento pode, por fim, produzir as respostas capazes de
interferir no planejamento da cultura por que trabalha ao nível do sujeito que se comporta,
este sim capaz de mudar as relações sociais, matéria prima de sua subjetividade.

4. À guisa de conclusões
Skinndt’ (1953/1998) reconhece que
"O material a ser analisado por uma ciência do comportamento provém de muitas
fontes:
(1) As observações casuais não são inteiramente de desprezar. São especialmente
importantes nos primeiros estágios da investigação. Generalizações baseadas nelas,
mesmo sem uma análise explícita, fornecem indicações para estudo posterior.
(2) Na observação de campo controlada como em alguns métodos da antropologia, os
dados são colhidos com mais cuidados e as conclusões colocadas mais explicitamente
que na observação casual. Instrumentos e procedimentos padrões aumentam a precisão
e a uniformidade da observação de campo.
(3) A observação clínica fornece material em quantidade. Métodos padronizados de
entrevista e teste mostram um comportamento que pode ser facilmente medido,

Nobrr Comportamento e Cognlçdo 125


resumido e comparado com o comportamento de outros. Ainda que geralmente se
concentrem nos distúrbios que levam as pessoas às clínicas, os dados clínicos são
freqüentemente interessantes e de especial valor quando a condição excepcional do
paciente indica uma característica importante do comportamento.
(4) Observações amplas do comportamento têm sido feitas sob condições mais rigidamente
controladas em pesquisas industriais, militares, e outras instituições. Estes trabalhos
geralmente diferem da observação clínica e de campo pelo uso maior do método
experimental.
(5) Os estudos em laboratórios do comportamento humano proporcionam material
extremamente útil. O método experimental inclui uso de instrumentos que melhoram
nosso contato com o comportamento e com as variáveis das quais é função (...)
Atualmente a pesquisa experimental do comportamento humano não ó às vezes tão
ampla quanto se poderia desejar. Nem todos os processos comportamentais são fáceis
de estabelecer no laboratório, e a precisão nas medidas ó às vezes obtida às custas
da irrealidade nas condições. Aqueles que se preocupam principalmente com a vida
cotidiana dos indivíduos, muitas vezes se impacientam com esses artificialismos, mas,
na medida em que relações relevantes podem ser submetidas a controle experimental,
o laboratório oferece a melhor oportunidade para obter os resultados quantitativos para
uma análise científica.
(6 ) Os resultados dos estudos de laboratório do comportamento de animais abaixo do
nível humano também são úteis" (Skinner, 1953/1998, p. 39 e 40).
Que os leitores perdoem a citação tão grande, mas gostaríamos de mostrar que
argumentação é a favor do estudo científico do comportamento, não necessariamente
experimental ou unicamente no laboratório. Mais ainda, “A ciência é antes de tudo um
conjunto de atitudes. É uma disposição de tratar com os fatos, de preferência, e não
com o que se possa ter dito sobre eles" (Skinner, 1953/1998, p. 12 negrito nosso).
A resistência que podemos encontrar nessa proposta ó grande. Uma metodologia
não se muda rapidamente. Guardadas as devidas proporções, os psicólogos não se
desvencilharam da introspecção de uma hora para outra. Contudo, mais uma vez
ressaltamos que não é o caso de abandonar os estudos de laboratório, apenas ampliar a
variabilidade de repertórios de obtenção de conhecimentos.
Por outro lado, não se muda uma cultura por decreto. Por exemplo, a aceitação
de estudos de campo e transculturais, algo incomum na análise do comportamento, não
vingará sem que condições objetivas estejam estabelecidas. A verdade é que, estamos
poucos afeitos, ou talvez mal preparados para tal empreitada; somos bem treinados para
utilizarmos o sujeito como seu próprio controle, mas multo pouco treinados para entender
o comportamento de grupos, comunidades e culturas.
Os preceitos do behaviorismo de Skinner parecem consoantes com esse tipo de
reivindicação. Não há necessidade de se pensar em criar um novo behaviorismo crítico.
Mas, se for verdade que sem variação não há seleção, precisamos variar nossos
comportamentos científicos e sair do laboratório parece ser o desafio metodológico do
Behaviorismo para os próximos anos.

Referências
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Maria Tereza Araújo Silva [et, al.J Porto Alegro, RS: Editora Artes Módicas Sul, Ltda.

12 6 W.indcr C . M . Pereira d<t Silva


Goodman, J., & Remington, B. (1991). Teaching communicative signing: Labeling, Requesting
and Transfer of Function. In B. Remington (Org.): The Challenge of Several Mental Handicap.
A Behavior Analytic Approach. Chichester: Wiley.
Hall, G., & Sundberg, M. L. (1987). Teaching mands by manipulating conditioned establishing
operations. The Analysis o f Verbal Behavior, 5, 41-53.
Lamarre, J,, & Holland, J. G. (1985). Tho Functional independence of mands and tacts. Journal
of the Experimental Analysis o f Behavior, 43, 5-19.
Machado, A., Lourenço, 0 . & Silva, F. J. (2000). Facts, concepts, and theories: The shape of
psychology's epistemic triangle. Behavior and Philosophy, 28, 1-40.
Pereira da Silva, W. C. (1996). A independência funcional entre tactos e mandos com mesma
estrutura formal. Dissertação de Mestrado (86 páginas). Mestrado em Psicologia, IP-UnB,
Brasilia, DF.
Pereira da Silva, W. C. (2000). Elementos de uma epistemologia pragmática para a psicologia.
Textos para discussôo em psicologia. Taguatinga, DF: Editora Universa.
Savage-Rumbaugh, E. S. (1984). Verbal behavior at a procedural level in chimpanzee. Journal of
tho Experimental Analysis of Behavior, 41, 223-250.
Simonassi, L. E. (2001) Fazer, dizer, pensar: comportamentos operantes inter-relacionados.
Anais do II Congresso Norte Nordeste de Psicologia, S alvador, Ba.
Skinner, B. F. (1978) O comportamento verbal Cultrix: Edusp, São Paulo, (publicado originalmente
em 1957).
Skinner, B. F. (1998) Ciência e comportamento humano. Tradução de J. C. Todorov e R Azzi,
Martins Fontes, São Paulo-SP. 10° edição, (publicado originalmente em 1953).
Tourinho, E. Z. O (1995). Autoconhecimento na Psicologia Comportamental de B. F. Skinner.
Editora Universitária, Belém-Pará: UFPa.
Tourinho, E. Z. O (1999). Pesquisa H istórico-Conceitual e Análise do Comportamento:
Necessidade e Perspectivas. Anais da XXIX Reunião Anual da Sociedade Brasileira de
Psicologia, Campinas.

Sobre Comportamento e Coflnlçío 12 7


Capítulo 12
Comportamento ético c liberdade
individual: expressões da identidade do
terapeuta na clínica comportamental
Wander C. M . Pereira da Silva
UCfí-H1AC

Com o avanço da terapia comportamental tem se tornado freqüente a discussão


sobre o que caracteriza o terapeuta comportamental. Ou, em outras palavras, quem pode
se intitular terapeuta comportamental e quais são os seus atributos ou peculiaridades.
Essas questões dizem respeito à identidade do terapeuta comportamental e o conceito
de identidade é, particularmente, um tema difícil, pois não apresenta um sentido comum.
Diferentes autores e escolas de pensamento o têm definido, ou caracterizado, de maneiras
bastante diversas. Em algumas abordagens psicológicas a noção de identidade associa-
se fortemente a um sentido de continuidade, de individualidade, que cada um possui e que
permite distingui-lo de qualquer outro.
Do ponto de vista comportamental esse tipo de compreensão pode ser útil se
adicionarmos a ela a noção de história de reforçamento e punição, priorizando o estudo
das relações que o organismo trava com seu ambiente presente e passado; público e
privado, em detrimento de sua mente, consciência ou personalidade.
Assim, a identidade do terapeuta comportamental só pode ser encontrada se
conhecermos o que^le está fazendo e o que ele fez no passado, e se pudermos especificar
as contingências para as quais responde. Ela é, portanto, o resultado do controle que
contingências atuais e históricas exercem sobre seu repertório de comportamentos.
Terapeutas comportamentais mais experientes já devem ter percebido que o que
dá identidade ao fazer clínico de um comportamentalista, qualquer deles, não é somente
o domínio de técnicas, estratégias e metodologias, mas, fundamentalmente, o que se
pode chamar de postura comportamental. Na realidade, um conjunto de comportamentos/
habilidades forjados a partir de sua formação técnica-científica, teórico-filosófica e de sua
ética. A formação científica é o que lhe permite agir com racionalidade e critérios; a formação
filosófica é o treino especulativo que lhe faz "perceber" a unicidade do ser e multiplicidade
do fazer de cada um dos indivíduos envolvidos na intervenção, e aderir às teorias e crenças
que mais se coadunam com essa premissa. E, finalmente, sua ética, que lhe dá a
sensibilidade necessária para o respeitar, o cuidar e o ser justo e bom.

1 2 8 Wíinder C . M . Pcrclru d<i Sllvu


De todos esses aspectos a ética talvez seja o tema menos abordado pela ciência
do comportamento, por razões que já foram discutidas alhures (Pereira da Silva 2002).
Isso nos parece um paradoxo, visto que o comportamentalista costuma assumir, sem
romantismos, o determinismo do comportamento; a relação de controle social mútuo; a
psicoterapia como agência controladora e a diretívidade de suas intervenções. Além do
mais, diante das agruras humanas, ele busca, antes de qualquer julgamento moral, entender
aquilo que um indivíduo faz como produto de uma história única e que não se repete,
portanto não se curva aos padrões estabelecidos de normalidade. Essas posições implicam
na tese de que a ética comportamentalista deve ser diferente da ética tradicional que se
assenta sobre a noção de livre arbítrio.
O comportamento inadequado de um "psicótico" está sob controle de contingências
da mesma forma que o comportamento adequadode quem o trata, ou seja, ambos padrões
de comportamento são modos distintos de adaptação. Essa compreensão, que está na
base da atuação clínica do terapeuta comportamental, faz de cada uma de nossas ações
decisões éticas (Krasner, 1976).
Mas a verdade é que atentar para a ética como repertório comportamental e não
como um construto abstrato è um modo relativamente novo de discutir a ética.
Tradicionalmente, a ética é tratada como uma entidade metafísica e imanente do ser
humano e não como um comportamento. Para Skinner (1974/1993)1 não deveria haver
distinção justificável entre ética e moral, pois um senso moral e ético evoluiu a partir de
“um ambiente social no qual os indivíduos se comportam de maneiras determinadas em
parte por seus efeitos sobre os outros. Diferentes pessoas apresentam quantidades e
tipos diferentes de comportamento ético e moral, dependendo do quanto estiveram expostas
a tais contingências" (p. 167). Já Pereira da Silva (2003) defende a distinção afirmando que
“um comportamento é ético quando o organismo que se comporta possui um repertório
verbal complexo para analisar as contingências presentes à luz de reforçadores a longo
prazo, escapando do controle por reforçadores imediatos e é capaz de estabelecer arranjos
ambientais que possibilitem o autocontrole, além de um repertório de correspondência
dizer-fazer bem implementado e, finalmente uma sensibilidade a contingências cujos
reforçadores sejam a valorização da vida, o bem-estar do indivíduo e a manutenção da
cultura" (p. 186). Já o comportamento moral estaria mais próximo do costume e do hábito,
ou seja, do controle por reforçadores imediatos.
A análise do comportamento ético representa uma ruptura com as noções
tradicionais de ética. Podemos considerar, inclusive, que uma perspectiva comportamental
para a ética ê uma rejeição contundente do livre-arbítrio e do mentallsmo que sustentam
um sentido ético ou moral a priori. Por isso Skinner (1974/1993) considera que mesmo
aquelas pessoas que estão seriamente imbuídas de preocupações éticas, humanas e
sociais se equivocam ao apoiarem suas condutas em noções metafísicas e, por esse
motivo, advogam um retorno à condição natural do homem. Afirma ele:
“Uma das conseqüências mais trágicas do mentaiismo ó a dramaticamente
ilustrada por aqueles que estão seriamente preocupados com a angustiante
situação do mundo atual e que não vêem nonhum remédio a não ser uma volta
à moralidade, à ótica ou a um senso de decência, entendidos como propriedades
pessoais” (Skinnor, 1974/1993, p. 168).

A primeira (laia m refere a publlcaçAo original ■ a tagunda A adiçAo braailatra.

Sobre l omportiimcnto e Cogni(<lo 1 2 9


Para o senso comum, e em muitos tratados filosóficos, o conceito de liberdade
individual costuma ser confundido com o de livre-arbítrio e tomado como um atributo ‘‘natural"
do homem autônomo. A liberdade individual seria uma parte indissociável da natureza
humana, e o oposto disso seria o controle. Mas, como afirma Sidman (1995), liberdade
não significa apenas ausência de puniçào e o controle não ó eliminado ao removermos
suas formas aversivas. Para o bom analista, o comportamento, como um evento natural
sob controle de outros eventos naturais, ó determinado e a condição de liberdade passa
pela possibilidade de escolher aquilo que irá controlá-lo.
Desse ponto de vista, o livre-arbítrio seria uma falácia, uma ilusão danosa que
camufla a relação de controle que, historicamente, tem servido àqueles que exercem
poder na sociedade: governantes, militares, maridos, pais, amigos etc. Quem luta pela
liberdade individual visando eliminar apenas as formas de controle aversivo alcançará
parcialmente seus objetivos. Segundo Skinner (1971/1983), primitivamente a luta pela
liberdade é produto da busca por escapar de eventos aversivos e talvez por isso as formas
mais evidentes de controle são as aversivas. Mas, quando a luta pela liberdade considera
apenas as formas de controle aversivo, nada ou quase nada pode ser feito para se escapar
da subjugação por formas mais refinadas de controle do comportamento.
Vergonhosamente, no Brasil dos nossos dias, ainda existem pessoas trabalhando
como escravos! Como se sabe, escravos trabalham para escapar da chibata ou da tortura
de seu algoz; este, por sua vez, necessita de um aparato que o torne capaz de produzir a
estimulação aversiva do qual se tenta escapar com o trabalho forçado. O trabalhador
moderno ó pago, ou seja, recebe um salário em troca de sua “força" de trabalho. O patrão
precisa apenas dispor dos reforçadores e contar com a condição de privação de seu
empregado. Dessa forma ele está apto a oferecer uma “recompensa" toda vez que o
empregado trabalha. Pergunta-se: o trabalhador moderno é mais livre do que o escravo? O
comportamentalista defende que a liberdade não é só uma questão de sentimentos e
estados interiores, ou de consciência; é, na verdade, uma questão de contingências. "A
literatura da liberdade objetivou tornar consciente o homem do controle aversivo, mas
deixou de lado o escravo feliz" (Skinner, 1983, p. 34).
Não é difícil constatar que a referência ao homem autônomo é uma prática reforçadora
em nossa cultura, apesar das evidências de que o comportamento humano ó determinado.
Contudo, a cultura mentalista é contraditória: gastam-se fortunas com campanhas políticas
e publicitárias para influenciar o comportamento do “homem livre e autônomo", ou, ainda,
cartomantes e adivinhos são reconhecidos por fazerem “previsões" sobre o comportamento
do homem "livre e imprevisível". Estas questões expõem o paradoxo das ideologias dominantes
e, em particular do capitalismo, incentivam o livre-arbítrio, ao mesmo tempo em que refinam
as formas de controle do comportamento. As razões por trás dessas práticas são políticas
e não éticas. O incentivo e o culto ao homem autônomo servem à manutenção de relações
desiguais de poder. A proposta comportamentalista não inventa o controle apenas torna-o
mais evidente e, nesse sentido, denuncia esse estado de coisas.
Para a ótica comportamentalista o homem autônomo e livre é um artifício de
dominação. Tudo que sabemos sobre o comportamento nos faz considerar que uma análise
científica esvazia o homem autônomo e “transfere para o ambiente as culpas e elogios"
(Skinner, 1983, p. 20). Mas à medida que o interesse recai sobre as relações do organismo
e seu ambiente os rumos da discussão ética se modificam diametralmente. O questionamento
passa a ser sobre quem é que estrutura o controle do ambiente e com que finalidade.
"Presume-se que o homem autônomo se autocontrole de acordo com um padrão intrínseco

130 Wander C. M . Pereira da Silva


de valores. Trabalha pelo que considera bom. Mas o que o suposto controlador considera
bom também o será para quem ele controla? Naturalmente que responder a este tipo de
questào implica no julgamento de valores" (Skinner, 1983, p. 22, negritos nossos).
Os comportamentalistas aceitam a noçào de controle mútuo como substituto do
homem autônomo e livre e estão interessados não apenas nas formas coercitivas mas,
também, naquelas efetuadas por contingências reforçadoras. Mais ainda, buscam esclarecer
os valores por trás das formas de controle. Portanto, é de fundamental importância a
discussão sobre quem controla o quê, por que controla e por quais meios.
Citando Skinner (1983): "Muitas práticas sociais essenciais ao bem-estar da espécie
humana envolvem o controle de uma pessoa por outra, e ninguém que tenha qualquer interesse
pela realização humana pode suprimi-las" (Skinner, 1983, p. 35). A psicoterapia é um desses
casos. Negar esse processo é ser negligente com seus resultados. Psicoterapias que nào
assumem a noção de controle têm pelo menos duas “vantagens" adicionais: ( 1 ) se isentam
dos efeitos de uma atuação equivocada, pois, como diz Skinner (1983), assim como a
parteira não tem culpa se o bebê nasce morto ou possui deformidades, o terapeuta não a
tem se o cliente não quer mudar e, (2 ) o contra-controle se torna muito difícil de ser exercido
pelo cliente, pois este não consegue discriminar a atuação equivocada do terapeuta, já que
assume para si o papel de único responsável por suas dificuldades.
A terapia comportamental é um tipo de agência de controle que prima pelo controle
por reforçamento positivo do comportamento visando a manutenção da espécie, o bem-
estar do indivíduo e o planejamento da cultura. O terapeuta comportamental controla e é
controlado pela relação que estabelece com o cliente; sua responsabilidade ética é grande
porque assume para si esse papel de agência de controle social.
O terapeuta comportamental rejeita os meios aversivos como única forma de controle
do comportamento por razões éticas e não apenas em função dos tão propalados efeitos
danosos das contingências aversivas. O controle aversivo é, em última instância, mais uma
forma de controle do comportamento e que, portanto, possui sua efetividade. Existe uma
boa literatura sobre o assunto, sugiro começar por Todorov (2001). Em muitas de nossas
aprendizagens e situações do dia-a-dia o controle aversivo é inevitável e mesmo aceitável
dentro de certas ideologias. Recordo-me de um cartaz no escritório de um amigo com os
dizeres: “obrigado ao meu inimigo por me fazer acordar cedo e trabalhar mais!" Mas, em
uma intervenção comportamental eticamente aceitável, o uso do sofrimento como forma de
evitar mais sofrimento é uma medida extrema e recomendável apenas em situações limites.
Por outro lado, contingências reforçadoras também podem ser danosas. A
negligência pode ser subproduto de contingências de reforçamento que exigem respostas
de baixo custo, sob controle de esquemas de intervalos ou uma proporção muito pequena
de respostas e alta magnitude de reforçadores (algo como o que os filósofos chamam de
“o fracasso do sucesso"). Um outro efeito negativo pode ser descrito como o culto ao
prazer típico de nossos dias. Nesse caso, o comportamento fica de tal modo sob controle
do valor reforçador que impede o individuo de discriminar o alto custo das respostas que
produzem o reforçador, levando à estereotipia. Um dia estava com minha filha em um
parque de diversões e observei o comportamento de um pai burlando o jogo em uma
máquina para obter fichas que depois seriam trocadas por prêmios. O filho, que não teve
o prazer de ficar sob controle das conseqüências naturais de brincar com a tal máquina,
aprendeu que o importante é ser reforçado não importando os meios.
Quando falamos a respeito das decisões de um terapeuta por um procedimento A
ou B, por esse ou aquele objetivo, estamos falando, antes de tudo, de valores. Skinner
(1983) afirma que "Emitir um juízo de valor, qualificando algo de bom ou mau, é classificá-

Sobrc Comporiuinento ç Coflnl(<io 131


lo em termos de seus efeitos reforçadores." (p. 81) Pois bem, consideramos que definir o
que é certo ou errado bom ou mau não pode ser feito com base no comportamento apenas
de uma pessoa.
A Psicoterapia é uma atividade social, apesar de sua natureza íntima e
privada. Um terapeuta quando reforça o comportamento de um cliente como bom ou mau
(adequado ou inadequado) não o faz, ou não deveria fazê-lo, porque o comportamento ó
reforçador para si próprio ou para o cliente, pois existem parâmetros mais amplos que
regulam a adequabilidade ou não do comportamento do terapeuta e do cliente. Deve ser
extremamente reforçador a possibilidade de envolvimento sexual com clientes (principalmente
quando estamos privados desse reforçador primário), mas ó inadequado que o terapeuta
fique sob controle de tal contingência só porque esse tipo de reforçador é sinalizado como
aceitável pelo(a) cliente. Do mesmo modo, deve ser reforçador o uso de drogas alucinógenas,
em vista de seu alto poder alienador da realidade, mas inaceitável, mesmo quando o usuário
se diz "consciente" dos efeitos maléficos. As ações do terapeuta comportamental no contexto
clínico estão sob controle de conceitos como justiça, liberdade, natureza humana, bem-
estar, o certo e o errado, o bem e o mal que sâo reforçados por uma comunidade verbal num
dado contexto histórico e sistema de valores. A sistematização desses conceitos no costume,
na moral, na lei e mesmo na ótica tem por meta regulamentar as ações conjuntas dos
indivíduos. Isto ó assim por uma razão convincentemente forte: a manutenção da vida.
Finalmente, sobre a identidade do terapeuta comportamental no contexto clínico,
ele ó aquele que aceita que haverá sempre um conflito entre a história de reforçamento do
cliente e a sua própria. Alguns se esquivam desse conflito apelando para a autonomia do
cliente, colocando toda a responsabilidade sobre ele, ou para a autonomia do terapeuta,
aceitando que só este pode, com isenção, neutralidade e objetividade, saber o que deve
ser feito na terapia. Na realidade este conflito, além de inevitável, é bem vindo pois a partir
dele pode se estabelecer uma relação de controle única, capaz de produzir a variabilidade
de comportamentos necessários para o crescimento de ambos.

Referências
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(ed.) Handbook o f Behavior Modification and Behavior Therapy. Englewood Cliffs, New
Jersey: Prentice-Hall, Inc.
Pereira da Silva, W. C. M. (2002). Diálogos necessários entre a psicologia e a política.
Apresentação no II Encontro de Psicologia e Medicina Comportamental da Região Centro-
Oeste. Brasília, DF: IBAC.
Pereira da Silva, W. C. M. (2003). O controle aversivo no contexto terapêutico: Implicações
óticas. Em Brandão, M. Z. S., Conte, F. C. S., Brandão, F. S., Ingberman, Y. K., de Moura, C. B„
da Silva, V. M. e Oliane, S. M. (Orgs.). Sobre Comportamento e Cognição. Vol. 11, Santo
André, SP: Esetec, Editores Associados.
Sidman, M. (1995). Coerção e suas implicações. Traduzido por Andery, M.A.; Sério, T.M.,
Campinas, SP: Editorial Psy.
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Skinner, B.F.(1983). O Mito da Liberdade. São Paulo, SP: Summus
Todorov, J.C. (2001). Quem tem medo de punição. Revista Brasileira de Terapia Comportamental
o Cognitiva. Vol. 03, N° 01, 37-40.

132 Wander C. M . Pereira da Silva


Seção II

Análises do
Comportamento
Verbal
Capítulo 13
Independência funcional entre operantes
verbais * 1

Antonio de Freitas Ribeiro* - Unfí/PF, Mariana Lage - Unfí/PF,


Liana da Silva Mousinho - Unfí/PF e Lucas Ferra/ Córdova' - Unfí/PF

A visão de Skinner (1957) sobre o comportamento verbal tem como fundamento a


noção de que o comportamento verbal é comportamento como outros quaisquer. Entretanto,
devido ao fato dele atuar indiretamente sobre o mundo necessitando da mediação de
ouvintes especialmente treinados, a análise das relações verbais acaba por requerer
tratamento especial. Deste modo, escrever O Comportamento Verbal foi necessário e foi
considerado, pelo próprio Skinner, como sua principal contribuição á análise do
comportamento humano.
O presente trabalho analisa uma noção central presente no Comportamento Verbal,
que difere especialmente das visões prevalentes sobre linguagem: a independência funcional
entre operantes verbais. Esta noção tem implicações conceituais e empíricas importantes.
Nas visões prevalentes sobre a linguagem falante e ouvinte são tratados ao mesmo
tempo e relações verbais diferentes são tratadas como equivalentes:
• A resposta do ouvinte contém a mesma palavra que atuou como estímulo na resposta
do falante.
• A mesmapalavra aparece em diferentes relações verbais. Ao adquirir a palavra para
nomear um objeto a criança espontaneamente a usa para pedir o objeto ou responde a
um pedido para que pegue aquele objeto.
• A mesma palavra então emerge espontaneamente nas diferentes modalidades da língua:
falada ou escrita como linguagem ativa, ouvida ou lida e compreendida como linguagem
passiva.
• Palavras faladas, ouvidas, escritas, lidas e objetos ou eventos do mundo formam então
relações de equivalência.
• A criança apreende o significado de uma palavra e a usa para desempenhar qualquer
função da língua.
' Sm k Am (ki CointinicavAo Coordenada aptaaarilada no XII Enconlro BrmtllMro de Putoolnfiipi« • MndkJna ContportamenW' Lomlrlnfl, salombru d« 2003,
raxrdanada pulo primeiro autor
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10« co«itnnMi apTManUm vinculo Irmtikjcional nu Untvwiktad« da BracKta • nieatrando* do programa d* Maalrado am Pwootogla do ln»Ululo da Pskmtogta

Sobff Comportcimcnlo cCoftnl(<1o 135


• A palavra substitui o objeto etc.
Assim reificada, tratada como coisa ou instrumento a palavra perde sua
característica essencialmente dinâmica atuante sobre o mundo, presente quando tratada
diretamente como ação ou comportamento humano.
Em contraposição Skinner diverge deste modo amplo e genérico de descrever
relações verbais, considerando que ele tem mais a ver com práticas da comunidade verbal
para lidar com a linguagem do que com o comportamento verbal do indivíduo. Os diferentes
operantes verbais decorrem de contingências distintas, arranjadas pela comunidade verbal:
• O comportamento de ouvinte e o comportamento de falante envolvem a partir de relações
distintas. Uma criança começa se mostrar como um ouvinte competente em várias
relações com sua comunidade verbal muito antes de atuar como falante.
• O desenvolvimento do repertório ecóico se mostra importante no estabelecimento de
outras relações verbais como no estabelecimento de tactos, mandos e intraverbais.
• A transposição de uma mesma forma de resposta para diferentes relações verbais é
mais comportamento a ser explicado e não decorrência necessária, automática ou
espontânea. Partes de um operante verbal são reforçadas no desenvolvimento de outros
operantes. Comportamentos de translação e transcrição são estabelecidos.
• Inicialmente diversas formas de mandos são implementadas e especificadas a partir
da discriminação de diferentes operações estabelecedoras e dos eventos reforçadores
específicos que as resolvam.
• Quadros intraverbais e autoclíticos “vazios” servem a diversas situações contendo
relações comuns etc.
Assim, depois da implementação das diversas funções da língua, ou do
desenvolvimento dos diferentes operantes verbais, pode parecer uma explicação razoável
dizer que a criança apreende o significado de uma palavra e a usa para então as para
perfazer as diversas funções da língua. Este modo de descrever tais desenvolvimentos é,
entretanto, no mínimo tangencial. O significado, na visão de Skinner, é mais adequadamente
visto como função das relações de controle nos diferentes operantes verbais então
desenvolvidos.
Um exemplo bastante ilustrativo de contingências verbais quotidianas e muito
específicas atuando no desenvolvimento de um repertório inicial de mando, numa criança
de um ano e sete meses, foi proporcionado pelas observações detalhadas do lingüista
Jespersen (1922, p. 134), citado por Passos (1999). O exemplo aparece num contexto em
que Jespersen atribui grande importância ao papel do que ele chama de "Echoism" na
aquisição da linguagem:
Frans (1.7) estava acostumado a expressar seus desejos em geral atravós de um
longo m com um tom ascendente, enquanto ao mesmo tempo estendia sua mão
em direção à coisa que desejava. Ele fazia isto, por exemplo, no jantar, quando
queria água. Um dia sua mãe disse, 'Agora veja se você pode dizer vand (água)'
e imediatamente ele disse o que era uma aproximação da palavra, e ficou
deliciado por obter alguma coisa para beber por este meio. Um momento mais
tarde ele repetiu o que tinha dito, e ficou inexprimivelmente deliciado por obter
uma senha que lhe obtinha imediatamente algo para beber. Isto foi repetido
várias vezes. No dia seguinte, quando seu pai estava colocando água para si
mesmo, o garoto de novo disse 'van, van', e foi devidamente recompensado. Ele
não tinha ouvido a palavra durante as vinte e quatro horas intervenientes, e nada
tinha sido feito para lembrá-lo dela. Depois de algumas repetições (porque ele

136 Antonlo de Freitas Ribeiro, M.iritin.i I «ijje, l.ian«i dd Silva M o uíin ho c l.ucus f cm» Córdova
obtinha apenas algumas gotas de cada vez) ele pronunciou a palavra pela
primeira vez bastante corretamente. No dia seguinte a mesma coisa aconteceu;
a palavra nunca foi ouvida a não ser no jantar. Quando ele se tornou um
aborrecimento com seus constantes pedidos por água, sua mãe disse: 'Diga, por
favor'- e imediatamonte voio o 'Bobe vand' ('Água, por favor') do menino - a
primoira tentativa dele para colocar duas palavras juntas. (Jespersen, 1922, p.
134, citado por Passos, 1999, p. 176)

Jespersen não estava, naturalmente, descrevendo o evolver de um mando, termo


criado muito tempo depois por Skinner. Ele descrevia a importância do que ele chamava
de Echoism na aquisição da linguagem. Entretanto ele descreve com precisão uma
contingência quotidiana na aquisição de um mando especifico. É muito comum a criança
desenvolver primeiro um mando genérico, emitindo um som como o de um m num tom
ascendente, chamando a atenção do ouvinte, ao mesmo tempo em que estende a mão na
direção da coisa pretendida. A modelagem cuidadosa da mãe ao desenvolver o mando
específico 'Água, por favor' por aproximações sucessivas e o papel do reforçamento
diferencial e específico ficam evidentes. Mais ainda, Jespersen observa que a palavra
nunca foi ouvida a não ser no jantar, durante o desenvolvimento descrito. Podemos inferir
por sua descrição que as diversas oportunidades quotidianas de interações da criança
com a água, como ao banhar-se, brincar com água, abrir uma torneira para lavar as mãos,
etc. não se tornaram espontaneamente ocasiões para evocar a palavra água, com função
de tacto. Não houve assim emergência espontânea da mesma palavra em novos operantes,
durante sua aquisição. Muito provavelmente a primeira ocorrência do tacto 'Água' decorreu
da participação da comunidade verbal em outras contingências verbais ou jogos de
linguagem.
Este modo de ver o comportamento verbal não é relevante apenas teórica ou
conceitualmente. Ele é especialmente prático. Em diversas áreas esta visão do
comportamento verbal tem sido empregada com vantagens, orientando, por exemplo, urna
análise do comportamento verbal na clínica (Kohlenberg & Tsai, 1991), no ensino de
segunda língua (Shimanume & Jitsumori, 1999), na análise literária (de Rose, 2003), na
análise e tratamento de afasias (Mohr, Sidman, Stoddard, Leicester & Rosemberg, 1973),
no delineamento de programas especiais para ensino do comportamento verbal para crianças
com atraso no desenvolvimento (Sundberg, 1987), entre outras.

R eferên cias
m

De Rose, J. C. (2003). Refletindo sobre Pasárgada. Manuscrito não publicado.


Kohlenberg R. J. & Tsai, M. (1991). Functional Analytic Psychotherapy. New York: Plenum.
Mohr, J. P., Sidman, M., Stoddard, L. T., Leicester, M. D. & Rosenberg, P. B. (1973). Evolution of the
deficit in total aphasia. Neurology, 23, 1302-1312.
Shimanume, S. & Jitsumori, M. (1999). Effects of Grammar Instruction and Fluency Training on
the learning of the and a by Native Speakers of Japanese. The Analysis o f Verbal Behavior.
16, 13-16.'
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts.
Sundberg, M. L. (1987). Teaching Language to Developmentally Disabled. Concord, CA:
Sundberg and Sundberg Associates.

Sobre Comportamento e Cofiniçio 137


Capítulo 14
Independência funcional entre os
repertórios de ouvinte e falante e na
aprendizagem de uma segunda língua

Mâriana Lage - Unli/DF,


Liana da Silva Mousinho - UnB/Ph, Lucas Ferra/ Córdova - Unfí/PF
e Antonio de Freitas Ribeiro - UnB/PF

"In humans the verbal repertoire is highly significant. Understanding the behavioral
processes by which an individual becomes an effective speaker and listener is
important and will have great practical value in making possible an effective technology
o f education. This should include preventing and remediating defective verbal
repertoires, as well as improving on normal acquisition" (Michael, 1984, p. 367).

Tradicionalmente, tem-se que o significado das palavras está em seu referente no


mundo. Skinner (1957) em seu livro Comportamento Verbal apresenta uma proposta
inovadora em que a análise do comportamento verbal ó feita a partir das relações funcionais.
Logo, a classificação de uma palavra ou sentença não se dá pela topografia da resposta
verbal e sim a partir das circunstâncias sob as quais ela ocorre no ambiente. Ou seja, uma
mesma palavra pode ser analisada como qualquer um dos operantes verbais, pois cada
operante é definido funcionalmente pelos seus estímulos antecedente e/ou conseqüentes
distintos. Assim sendo, a aquisição dos repertórios dos diferentes operantes como dos
repertórios de ouvinte e falante se dá a partir de treinos específicos e independentes.
Em seu livro, Skinner (1957) enfatiza que o comportamento verbal deve ser analisado
como um episódio verbal total que envolve tanto o falante como o ouvinte. Porém a
construção desses repertórios acontece de forma distinta. Podemos verificar que os
comportamentos aprendidos de ouvinte são diferentes dos comportamentos necessários
para a pessoa ser um falante efetivo.
O falante é aquele que emite um estímulo verbal, este pode ser vocal ou não; ou
seja, pode aparecer em qualquer meio (vocal, escrito, gestual, etc.). As variáveis
antecedentes que controlam o comportamento do falante podem ser de vários tipos e, na
maioria das vezes, são multideterminadas. Pode-se, no entanto, listar alguns dos controles
antecedentes mais simples para os principais operantes: no mando, tem-se a operação
estabelecedora (p. ex: estimulação aversiva; estados de privação etc); no tacto, o estímulo
discriminativo ó a presença de um estímulo não-verbal (seja este público ou privado); no

138 Mariana l.iiRf, Liana da Silva Mousinho, Lucas Ferrai Córdova c Antonio dc Freitas Ribeiro
intraverbal, o estímulo discriminativo é um estímulo verbal; e assim por diante. As variáveis
conseqüentes também irão variar dependendo do operante, podendo ser reforços específicos
(no caso do mando) ou genéricos (em todos os outros casos). O repertório verbal do
falante descreve na realidade o comportamento potencial do falante, pois aprender a ser
um falante eficaz requer aprender muito mais do usar um "vocabulário". Pode-se falar aqui
das propriedades dinâmicas do repertório, como a força ou probabilidade de emissão da
resposta, a disponibilidade, a velocidade, repetições, entonação etc, que mudam
dependendo das circunstâncias em que o comportamento ocorre.
O comportamento do falante ó mediado pelo comportamento do ouvinte, enfatizando-
se, outra vez, a importância de se analisar o episódio verbal total. O repertório de ouvinte
difere em vários aspectos do de falante, pois além dos comportamentos verbais também
envolve comportamentos não-verbais. O ouvinte, por exemplo, é capaz de responder a
uma quantidade muito maior de palavras do que ele apresenta em seu repertório de falante.
As variáveis antecedentes do repertório de ouvinte são os estímulos verbais no ambiente.
Estes estímulos podem afetar o sistema nervoso autônomo da pessoa, como suas glândulas
e seus músculos lisos, que geram os reflexos condicionados. Os estímulos também
controlam seus movimentos voluntários através do qual o indivíduo atua sobre o meio. Os
estímulos verbais desta forma não diferem dos outros tipos de estímulos presentes no
meio e o comportamento do ouvinte não precisa ser distinguido das outras formas de
comportamento. As variáveis conseqüentes devem ser analisadas dentro da funcionalidade
do episódio verbal total. Os benefícios para o ouvinte são diversos, porém específicos à
situação e, como dito anteriormente, não diferem das explicações para os controles dos
comportamentos em geral.
Skinner enfatizou uma análise do comportamento verbal voltada para o falante e o
ouvinte individual. Portanto, cada ocorrência do comportamento é um contexto diferente
para análise. Na aquisição e manutenção dos repertórios, os controles ambientais são
diferentes. Porém, algumas situações acontecem que facilitam a translação entre os
repertórios verbais podendo parecer que a aprendizagem de um automaticamente implica
na aprendizagem do outro. É possível que estím ulos em comum, presentes
concomitantemente no ambiente, ajudem no processo de transferência entre repertórios.
Isso não significa, por exemplo, que quando uma criança responde adequadamente como
ouvinte a um estimulo verbal que ela seja capaz de produzir esse estímulo como falante ou
vice versa.
Guess, em 1969, publicou um estudo demonstrando a independência funcional
entre a linguagem produtiva (repertório de falante) e a linguagem receptiva (repertório de
ouvinte) para o morfema que designa o plural. Dois sujeitos com retardo no desenvolvimento
participaram do experimento. Primeiro, o pesquisador treinou o repertório receptivo, onde
os sujeitos tinham que apontar para objetos isolados ou em pares depois de ouvirem o
rótulo respectivo (singular ou plural). Nessa fase, testava os sujeitos para averiguar se o
repertório de falante (produtivo) tinha aparecido colateralmente ao treino de ouvinte. Nenhum
dos sujeitos apresentou o repertório de falante para plurais. Treinou-se, então, o repertório
produtivo. Em seguida, ele repetiu todo o procedimento só que com os rótulos invertidos,
ou seja, o sujeito era treinado a apontar para o objeto isolado quando o experimentador
falava seu rótulo no plural e para os objetos em pares quando o rótulo singular era
apresentado. Testou-se a ocorrência da inversão no repertório de falante. Os resultados
mostraram que os sujeitos não generalizaram da aprendizagem no repertório de ouvinte
para o repertório de falante. O autor concluiu que a compreensão receptiva era

Sobre Comportamento e Cognlv<3o 139


funcionalmente independente da produção expressiva de plurais na população em questão.
O estudo apóia a tese de Skinner que os repertórios de ouvinte e falante são duas classes
de comportamentos funcionalmente independentes.
Guess & Baer (1973) ampliaram o estudo de Guess (1969) treinando os
repertórios de ouvinte e falante concomitantemente através de duas modalidades de plurais
no inglês (-s e -es). Enquanto uma modalidade era treinada na linguagem produtiva, testando-
se o aparecimento colateral do plural na linguagem receptiva, a outra modalidade era
treinada na linguagem receptiva, testando-se o surgimento colateral do repertório produtivo.
Os autores averiguaram que, dos quatro sujeitos que participaram do estudo, apenas um
mostrou generalização entre repertórios. Seus resultados também sugerem que os
repertórios de ouvinte e falante são funcionalmente independentes.
Lee (1981) também investigou a questão da independência funcional entre
os repertórios de ouvinte e falante. Ela utilizou dois sujeitos descritos como tendo
retardamento moderado com déficit de linguagem. Seu procedimento consistia em colocar
pares de objetos um na frente do outro (posição inicial) e treinar ou testar os repertórios de
ouvinte e falante dos sujeitos. Como ouvinte, a criança tinha que colocar o objeto na
esquerda ou na direita de outro objeto a partir da instrução do experimentador. Como
falante, a criança tinha que dizer aonde se encontrava o objeto ("na esquerda" ou "na
direita") depois que o experimentador movesse o objeto para posição determinada. Além
de treinar e testar a esquerda e a direita padrão, a autora também treinou as posições
invertidas (esquerda virava direita e direita se tornava esquerda) e testou se a inversão em
um dos repertórios levava à inversão espontânea no outro repertório.
Seus resultados demonstraram que o treino do repertório verbal padrão
aumentava o número de respostas tanto no repertório verbal quanto no não-verbal padrão
e o treino no repertório verbal invertido aumentou as inversões nos dois repertórios.
Porém, treinar o repertório não-verbal afetou somente as respostas do repertório não-
verbal. Ou seja, ao treinar o não-verbal invertido a criança continuou a responder
verbalmente na posição padrão. Esses resultados mostram basicamente uma
dependência entre os repertórios verbal e não-verbal a não ser quando se treina o não-
verbal invertido.
Lee (1981) conduziu outros dois experimentos para explorar mais a fundo
algumas exceções encontradas no desempenho de seus sujeitos e para averiguar se o
reforçamento das respostas verbais afeta, de fato, as respostas não-verbais. Além disso,
a autora quis verificar se os resultados encontrados no primeiro experimento se replicariam
consistentemente com a apresentação e treino de mais pares de frases (na esquerda - na
direita, atrás - na frente; em cima - embaixo e antes - depois). No geral, os resultados
mostraram que o treino não-verbal não aumentou colateralmente o número de respostas
verbais emitidas pelos sujeitos. Verificou-se, nos participantes que apresentaram um
aumento no número de respostas verbais depois do treino não-verbal em algumas condições
(frases), a presença desse repertório anteriormente ao treino, embora nem sempre eles
usassem tal repertório corretamente ou com consistência.
A autora concluiu que as mudanças colaterais no comportamento não-verbal
sempre refletiam uma mudança no controle de estímulos de topografias não-verbais pré-
existentes. Ela sugere que a existência prévia dessas topografias no repertório verbal dos
sujeitos é uma condição necessária para o aparecimento colateral das mesmas no
repertório não-verbal, porém essa condição não é suficiente para que haja esse surgimento
colateral.

140 Mariana I age, l.lana dd Silva Mouslnho, l.ucas f erra/ Córdova e Antonio de f-relta* Ribeiro
Embora os dados de Lee (1981) não tenham demonstrado a independência funcional
de forma clara entre os repertórios de ouvinte e falante, sua proposta e interpretação dos
dados, baseada na mudança no controle de estímulos para topografias pré-existentes
pelo treino consistente de um dos repertórios, foi inovadora e de suma importância na
área.
Então, se há a possibilidade de que cada repertório verbal precisa ser treinado
independentemente na fase de aquisição, como explicar que a partir de uma certa idade o
ser humano transporta palavras novas para os diferentes repertórios, parecendo que todos
são interconectados e dependentes? Skinner (1957) falou do comportamento de
transferência ou translação entre repertórios; comportamento este também aprendido
durante a aquisição. No ambiente natural, estímulos são apresentados de forma ambígua
ou exercendo múltiplas funções, o que facilita a aprendizagem do comportamento de
transferir respostas verbais entre repertórios distintos. Por exemplo, na interação falante-
ouvinte a resposta do falante serve de estímulo verbal do ouvinte; ou seja, a resposta verbal
e o estímulo discriminativo têm a mesma forma ou topografia. Além disso, durante o
episódio verbal, estím ulos antecedentes em comum podem estar presentes
concomitantemente no ambiente, ajudando no processo de transferência entre repertórios.
Com o estabelecimento dos repertórios verbais, o indivíduo atua simultaneamente como
falante e ouvinte de suas próprias respostas. O indivíduo reage ao seu próprio
comportamento. Parte do que ele diz está sob controle das outras partes de seu
comportamento verbal, sendo assim o falante manipula seu comportamento à medida que
funciona como próprio ouvinte.
A capacidade de transferir respostas verbais entre repertórios não significa que
quando a pessoa responde apropriadamente como ouvinte a um dado estímulo verbal que
ela é capaz de produzir esse estímulo como falante ou vice versa. Pensemos em quantas
palavras conseguimos identificar e reagir adequadamente, mas nunca utilizamos na hora
de nos expressarmos. Isso fica bastante claro quando analisamos a aprendizagem de
uma segunda língua. Fica talvez mais n/tida a diferença dos repertórios de ouvinte e falante
neste caso. Uma pessoa na aquisição preliminar do repertório da segunda língua pode
saber agir como ouvinte, mas não consegue se expressar suficientemente bem a fim de
gerar o comportamento apropriado no outro. Algumas pessoas conseguem Jer e traduzir
uma língua, mas na hora de falar não conseguem se expressar. Ou seja, cada operante
verbal (textual, ditado, cópia, ecóico, intraverbal, mando e tacto) precisa ser treinado na
segunda língua para que a pessoa se torne um membro eficaz da nova comunidade verbal.
A aprendizagem de uma segunda língua é em si a aquisição de outro repertório verbal.
Pode-se falar a mesma coisa em dois idiomas diferentes (o livro está sobre a mesa - the
book is on the table), porém seria altamente improvável que alguôm dissesse que saber
português implica automaticamente na aquisição da língua inglesa.
Não é só na fase de aquisição que podemos observar como diferentes línguas são
repertórios comportamentais distintos. Um fenômeno interessante acontece quando os
repertórios já estão bem formados. Erros que aparecem em traduções (por exemplo, eu
pretendo usar minha calça nova hoje à noite - I pretend to wearmy newpants tonight)
podem ser avaliados e compreendidos a partir da aquisição prévia de um repertório
intraverbal específico para essa tarefa onde o controle dos estímulos verbais não foi
adequado. Porém, não é necessário supor que o operante intraverbal está necessariamente
envolvido no processo, pois as variáveis ambientais controlam tanto o repertório da língua
mãe, como o do segundo idioma.

Sobre Comportamento e Co«niç<lo 141


Existem relatos de casos clínicos onde a pessoa passa por algum trauma e perde
o uso de um repertório inteiro. O caso do Herbert Vianna, vocalista do grupo musical
Paralamas do Sucesso, ó interessante neste sentido. Ele sofreu um acidente de ultraleve
e ficou em coma durante várias semanas; quando acordou nào conseguia falar nada em
português, só falava em inglês e espanhol (JB Online, 2001). No caso dele, esse efeito foi
temporário, mas existem circunstâncias onde a pessoa não recupera o repertório da outra
língua que tinha antes do trauma.
O avanço da idade ou estragos ao organismo, como traumatismos ou lesões
cerebrais podem afetar os repertórios verbais. Mudanças podem ocorrer no comportamento
verbal como um todo, levando a uma perda total do repertório, ou podem afetar apenas
partes do comportamento, como no caso de certas afasias. As afasias mostram uma
interferência nos controles de estímulos resultando numa baixa probabilidade de resposta
(Skinner, 1957). Certos afásicos perdem somente algumas funções do comportamento
verbal, como, por exemplo, alguns conseguem responder adequadamente como ouvintes
a uma palavra (apontando para o estímulo), porém não conseguem produzir a mesma
enquanto falantes.
No site da Internet, Neurologia Online, vários tipos de afasias são apresentados.
Por exemplo, a Afasia de Broca (expressiva ou motora) foi descrita da seguinte forma:
"A afasia motora è o tipo de afasia mais conhecida e suas manifestações variam
em intensidade de acordo com o grau de comprometimento, podendo haver
perda total de comunicação. Pode haver estereotipia verbal com automatismos,
disartria, apraxia dos órgãos fonoarticulatôrios; aprosódia com articulação lenta e
trabalhosa da palavra e emissão de 10 a 15 palavras por minuto (enquanto o
norm al é 100-115); agram atism o com om issão de artigos, preposições,
conjunções, de modo que a linguagem assume um caráter telegráfico. A
linguagem emocional pode estar preservada de forma que o indivíduo pode ser
capaz de usar expressões habituais. A capacidade de cantar pode também ser
preservada. A repetição é invariavelmente comprometida, mas freqüentemente
é melhor do que a fala espontânea. As mesmas alterações da fala são encontradas
na escrita espontânea e no ditado enquanto a capacidade de cópia é preservada.
A compreensão da fala e escrita é menos comprometida que a expressão, mas ó
muito raro que ela seja completamente normal. A principal etiologia da afasia de
Broca ó lesão vascular na divisão superior da artéria cerebral média'' (Zorati,
2002, p.1)

Nesta descrição podemos presumir a interferência nos controles de estímulos em


alguns repertórios Verbais enquanto que os controles permanecem intactos em outros.
Pode-se perder a capacidade de empregar de forma adequada as propriedades dinâmicas
do comportamento (aprosódia; emissão lenta das palavras...); assim como haver perda no
repertório dos autoclíticos (linguagem assume um caráter telegráfico). Expressões habituais
e repetições (os repertórios intraverbal e ecóico) são menos comprometidas do que a fala
espontânea (repertórios verbais como o tacto e o mando). Isso se estende à escrita, onde
a capacidade de cópia é preservada, enquanto que a produção espontânea é comprometida.
O comportamento textual (leitura) também pode apresentar alguns déficits. Em suma,
nessa breve descrição de um tipo de afasia, pode-se observar que os repertórios verbais
são comprometidos de formas e em graus diferentes. Alguns permanecem intactos
enquanto outros se perdem, apontando para a independência funcional, pois os controles
de cada repertório são diferentes. O próprio fato de existir a Afasia de Broca, onde o
repertório de falante é mais afetado e a Afasia de Wernicke, onde o que fica comprometido

142 Mtirlonu laflc, I i<in<i d*i Silva Mousinho, l utas f erra/ Córdova e Antonlo de Freitas Ribeiro
é o repertório de ouvinte já sugere a independência entre as diferentes classes
comportamentais.

Conclusão
Como apresentado no início do texto, na citação de Jack Michael (1984), é de
suma importância compreender os processos pelos quais os seres humanos se tornam
falantes e ouvintes eficazes, tanto para as questões práticas de intervenção com as
populações com dóficits nos repertórios verbais, como para a compreensão da própria
aquisição do comportamento verbal. A proposta de Skinner (1957) permite uma visão
abrangente do fenômeno e possibilita experimentações que testem empiricamente sua
hipótese. Essa visão não presume que o treino de um repertório implica no surgimento
espontâneo dos outros, o que viabiliza explicações produtivas para certos déficits
apresentados em populações especiais e possibilita intervenções específicas a partir de
uma análise funcional bem elaborada. Além disso, dentro da aprendizagem formal durante
a aquisição do comportamento verbal, certos procedimentos podem ser implementados
para a facilitação da transferência entre repertórios, habilidade esta essencial para o sucesso
na interação ouvinte-falante.
Cabe aqui ressaltar a necessidade de investir em pesquisas nesta área de
conhecimento, pois não são muitos os estudos que focalizam especificamente a
independência funcional entre repertórios verbais. A proposta de Skinner apresentada no
presente trabalho é, em primeira instância, um apelo à pesquisa e ao embasamento empírico.
Sendo assim, a investigação científica sobre o assunto precisa continuar e a metodologia
evoluir para que as tecnologias e as intervenções desenvolvidas sejam eficazes e adequadas.

R eferên cias

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Sobre Comportamento e Cognição 143


Capítulo 15
Dados empíricos sobre independência
funcional entre repertórios verbais

Liana da Silva Mousmho' - UnB-DF, Lucas Ferra/ Córdova - UnB-DF,


Mariana Lage - UnB-DF e Antonio de Freitas Ribeiro - UnB-DF

Desde a publicação de seu livro O Comportamento Verbal, Skinner (1957) propõe


que a linguagem seja entendida como um comportamento controlado por estimulos
antecedentes e conseqüentes. Para o autor, o comportamento verbal está sujeito aos
mesmos principios que mantêm o comportamento não-verbal, com a diferença de que os
efeitos do comportamento verbal sob o meio se dão por intermédio de um ouvinte. Skinner
identificou oito tipos de operantes verbais: mando, tacto, ecóico, cópia, textual, tomar
ditado, intraverbal, autoclltico, classificados de acordo com três critérios: ( 1 ) o tipo de
topografia da resposta verbal (falada, escrita, gestual, facial): (2 ) as variáveis de controle,
onde as formas de respostas são controladas por estímulos discriminativos verbais, por
estímulos discriminativos não verbais ou por operações estabelecedoras (Michael, 1982,
1993); (3) o tipo de controle: formal (com ou sem similaridade) e temático. Pode-se observar
que na classificação do comportamento verbal em operantes verbais existem diferentes
relações funcionais envolvidas com os diferentes tipos de operantes verbais, sendo
necessário então conhecer as circunstâncias nas quais é emitido.
Do ponto de vista da linguagem tradicional, o fato de uma mesma palavra existir
como diferentes operantes verbais, significaria a existência de algum elemento comum
entre os tipos de comportamento verbal supondo uma aquisição espontânea entre repertórios
verbais. Por exemplo, a palavra "fogo" poderia significar um mando para um pelotão de
fuzilamento ou mesmo um intraverbal ao estímulo “pontaria". No entanto, para a Análise
do Comportamento, é fundamental considerar as diferentes relações de controle que estão
envolvidas em cada operante verbal. Assim, a aquisição de uma resposta como um mando,
por exemplo, não significa que a resposta de tacto correspondente seja adquirida
espontaneamente. A existência de diferentes tipos de operantes verbais no repertório de
um individuo precisa ser explicada separadamente, uma vez que relações funcionais
distintas estão envolvidas. Portanto, a aquisição dos operantes verbais ocorre
separadamente, de forma independente, visto que o estabelecimento de um não implica,
necessariamente, no aparecimento automático de outro, mesmo quando a forma de resposta
ou topografia ó a mesma (Skinner, 1957).

E«ta trabalho é parto da dMwrtoçAo da ma*Irado am Pikxilogla da pnmttlra atitnra. «ob ortontaçAo do óKmo auW*

14 4 liana dei Silva Mousinho, Luca§ Ferra/ Córdova, Mariana l äge e Antonio de Freitas Ribeiro
As pesquisas publicadas sobre a independência funcional entre operantes verbais
têm aumentado nas últimas décadas, bem como revisões teóricas sobre o comportamento
verbal e sugestões m etodológicas de aplicação para pessoas com atraso no
desenvolvimento do comportamento verbal ou com algum tipo de deficiência auditiva
(Catania & Schimoff, 1998; Drash & Tudor, 1991; Knapp, 1992 e Oah & Dickinson, 1989).
As metodologias utilizadas nessas pesquisas envolvem estudos das relações entre mandos
e tactos e estudos das relações entre outros operantes verbais. O presente trabalho irá
considerar algumas pesquisas que envolvem relações entre comportamento de falante e
de ouvinte e entre mandos e tactos. No que se refere ao comportamento de falante e de
ouvinte, serão descritos os estudos de Guess (1969), o qual confirma a proposição de
Skinner (1957) sobre independência funcional e ode Lee (1981). Neste estudo, ao investigar
a relação entre o comportamento verbal (falante) e não-verbal (ouvinte), Lee apresenta uma
interpretação inovadora dos resultados, em termos de controle de estímulos. Sobre os
operantes verbais mandos e tactos, serão descritos outros dois importantes estudos,
Lamarre e Holland (1985) e Hall e Sundbeng (1987), os quais também confirmam a proposição
de Skinner sobre independência funcional entre operantes verbais no momento da aquisição.
Uma das primeiras pesquisas sobre a independência funcional entre o
comportamento de falante e de ouvinte foi conduzida por Guess (1969). O objetivo do
estudo foi examinar a relação entre a linguagem receptiva (ouvinte) e a produtiva (falante)
duas crianças com retardo mental diagnosticadas com Síndrome de Down. O plural de
palavras foi utilizado como unidade de análise. Os participantes deveriam apontar
corretamente para objetos sozinhos (singular) ou em pares (plural) ao longo da apresentação
de uma série de objetos no singular ou no plural, até que a generalização correta do
desempenho fosse observada. Na primeira condição experimental, treino de linguagem
receptiva, os sujeitos aprenderam a apontar para os objetos no singular e no plural. As
respostas corretas eram consequenciadas com o recebimento de fichas, trocadas por
doces ao final da sessão. Após o treino, a linguagem produtiva (nomear) era testada no
singular ou no plural de forma intercalada com o intuito de mostrar uma possível
generalização entre as duas formas de linguagem. Nesse caso, o experimentador
apresentava os objetos sozinhos ou em pares e perguntava aos sujeitos: "o que você está
vendo?". Durante o teste, respostas corretas não eram mais consequenciadas. Na segunda
condição experimental, houve o treino da linguagem produtiva (nomear os objetos
corretamente) no plural. Por fim, houve um treino receptivo invertido, no qual os sujeitos
deveriam apontar para os pares, após ouvirem a palavra no singular e apontar para um
único objeto após ouvirem a palavra no plural. Como resultado, nenhum dos sujeitos
generalizou de respostas corretas no plural da linguagem receptiva para respostas corretas
no plural da linguagem falada. Cada sujeito também continuou a apresentar singulares
quando solicitados para o plural. Tais resultados sugerem independência funcional entre o
repertório produtivo e o repertório receptivo.
Lee (1981) conduziu três experimentos onde também investigou a relação entre o
comportamento verbal (falante) e não-verbal (ouvinte) com propriedades sintáticas comuns
em duas crianças com retardo mental moderado. No primeiro experimento foi estabelecida
uma condição de linha de base para ensinar os participantes a apontar e nomear, bem
como para testar as respostas "esquerda/direita". Em seguida, uma criança foi treinada a
emitir respostas não-verbais de colocar objetos em uma posição. Entào, as respostas
verbais foram testadas. A outra criança recebeu treino de respostas verbais de nomear
objetos, seguido do teste de respostas não-verbais. Portanto, em cada etapa desta condição,

Sobrr Comportamento e Cognição 145


as respostas de um repertório eram reforçadas, enquanto o outro repertório foi testado e
chamado de repertório colateral.Após essa etapa houve o treino invertido dos repertórios
de ouvinte e de falante. Por exemplo, no treino de respostas não-verbais a criança deveria
colocar o objeto à direita de outro, enquanto recebia a instrução para coloca-lo à esquerda
de outro. Os resultados indicaram que ao reforçar respostas verbais tanto padrão quanto
invertidas, o número dessas respostas aumentou tanto no repertório verbal como no
repertório não-verbal. No entanto, ao reforçar respostas não-verbais, apenas o repertório
não-verbal foi afetado. Assim, o segundo experimento foi conduzido com as mesmas
crianças, mas utilizando diferentes frases: "atrás/frente". Os resultados foram semelhantes
ao primeiro experimento.
No terceiro experimento, Lee avaliou o efeito do reforçamento de respostas verbais
sobre respostas não-verbais e se esse efeito poderia ocorrer entre dois ou mais pares de
frases para cada participante. Os participantes foram quatro crianças. O procedimento foi
basicamente o mesmo do primeiro experimento, acrescentando-se as relações antes/
depois e acima/abaixo às relações esquerda/direita e frente/atrás. Os resultados apontaram
que durante o treino de respostas verbais, o número de respostas não-verbais não aumentou.
Entretanto, para dois sujeitos, a média de respostas não-verbais nas relações frente/atrás
e esquerda/direta aumentou após o treino de respostas verbais. Lee chama atenção para
o fato de que esses dois sujeitos já apresentavam topografia de respostas verbais e não-
verbais previamente ao treino, embora nem sempre corretas. Lee interpreta os resultados
dos experimentos em termos de controle de estímulos. Assim, a autora conclui que a
transferência espontânea entre repertórios ocorreu devido a mudanças no controle de
estímulos de repertórios de ouvinte e de falante pré-existentes nos sujeitos. Para Lee, não
existem elementos comuns entre os repertórios verbais que possam mediar a generalização.
As respostas verbais e não-verbais pertencem a duas classes distintas em termos de
topografia. Existe uma distinção entre instalar novas topografias e modificar o controle de
estímulos de topografias pré-existentes. Tal distinção confirma a hipótese de Skinner (1957)
de que o processo através do qual uma pessoa se torna ouvinte difere do processo no qual
se torna falante. Assim, ao adquirir um repertório verbal, um falante não se torna
necessariamente um ouvinte e ao adquirir o comportamento característico de um ouvinte,
uma pessoa não se torna espontaneamente um falante.
Em relação às pesquisas que visam especificamente ao estudo das relações de
mando, duas características metodológicas essenciais devem ser consideradas: a operação
estabelecedora e o reforçamento específico, uma vez que a forma de resposta na relação
de mando é controlada por uma operação estabelecedora, sendo especificamente reforçada
(Michael, 1985). Muitos estudos sobre as relações de mandos têm utilizado procedimentos
que envolvem uma resposta bloqueada manipulando uma operação estabelecedora
condicionada (Carol & Hesse, 1987; Hall & Sundberbg, 1987 e Sazonov, 1998). Outros
procedimentos nos estudos sobre relações de mandos, não manipulam operações
estabelecedoras diretamente, mas utilizam reforçadores presumidos para os sujeitos,
tais como comida e brinquedos. Então, esses reforçadores são apresentados para evocar
respostas de mando (Savage-Rumbaugh 1984).
Por sua vez, o estudo das relações de tacto deve manipular um estímulo
discriminativo não-verbal e reforçamento não-específico, visto que nas relações de tacto, a
resposta é controlada por um estímulo discriminativo não-verbal, sendo o reforçamento
não-específico ou genérico (Michael, 1985). No caso de estudos envolvendo relações de
tacto, a principal característica procedimental do treino de tacto consiste na apresentação

14 6 Liana ila Silva M outinho, l.uca* f-m a/ Córdova, Martana l.aflc c Antonlo dc Frcllas Ribeiro
de um estímulo discriminativo e reforçamento não-especlfico das respostas corretas (Carroll
&Hesse, 1987;Guess, 1969; Guess & Baer, 1973; Lamarre& Holland, 1985; Lee, 1981;
Savage-Rumbaugh, 1984; Silva, 1996; Sundberg, 1985eTwyman, 1996).
O estudo conduzido por Lamarre e Holland (1985) teve como objetivo investigar a
relação entre mandos e tactos que possuíam a mesma forma de resposta. Nove crianças
com idade entre três e cinco anos participaram do experimento. As formas de respostas
utilizadas eram frases preposicionais à esquerda/à direita. O material consistia de objetos
de nome fácil e pronúncia familiar aos sujeitos (cachorro, flor, por exemplo). Os sujeitos
foram, então, divididos em dois grupos. O primeiro grupo recebeu inicialmente o treino de
mando, seguido do treino de tacto e treino de mando invertido. O segundo grupo recebeu
inicialmente o treino de tacto, seguido do treino de mando e treino de tacto invertido. No
treino de mando, dois objetos eram colocados lado a fado na frente do sujeito, que deveria
fornecer respostas à questão do experimentador: "aonde você quer que eu ponha a flor"? O
experimentador treinava as respostas dizendo "á esquerda/à direita". Logo após esse
treino, era testado o desenvolvimento de tactos colaterais. No treino de tacto, o sujeito
deveria responder à pergunta do experimentador: “onde está o cachorro”? A seguir, o
experimentador treinava a resposta dizendo: “à esquerda/à direita". Logo após esse treino,
também foram realizados testes para verificar o surgimento de mandos colaterais. No
treino de mando invertido, a seguinte pergunta era feita ao sujeito: "aonde você quer que eu
ponha a flor?”. O experimentador colocava, então, o objeto na posição oposta à solicitada
pelo sujeito. Assim, a resposta invertida correta do experimentador de colocar a flor deveria
ser consequenciada pelo sujeito. No treino de tacto invertido, o experimentador perguntava:
“onde está o cachorro?". O sujeito deveria, assim, responder fornecendo a posição oposta
à real posição em que se encontrava o cachorro. Essa resposta invertida era, então,
consequenciada pelo experimentador. Os resultados apontam que para todos os sujeitos
houve independência funcional entre mandos e tactos durante a fase de aquisição desses
repertórios. No entanto, três dos nove sujeitos apresentaram repertórios colaterais invertidos
durante o treino. Lamarre & Holland apontam que no ambiente natural é freqüentemente
observado que quando um falante adquire um tacto, o mando correspondente aparece
colateralmente (Skinner, 1957). Adicionalmente, a proposição de Skinner sobre
independência funcional entre operantes verbais foi focalizada durante a aquisição. Outras
possíveis interações durante a modificação de um tipo de operante após a aprendizagem
de uma frase particular como tacto e mando não foram discutidas. Lamarre e Holland
(1985) entendem, ainda, que durante o experimento, a situação na qual o mando foi ensinado
foi muito comum à situação na qual o tacto foi ensinado. Assim, a posição do estímulo
que controlava o tacto era idêntica à posição do estímulo que reforçava o mando, Da
mesma maneira, as frases preposicionais utilizadas foram ensinadas tanto como tactos
quanto como mandos.
Hall e Sundberg (1987) realizaram o primeiro estudo manipulou operações
estabelecedoras condicionadas na investigação de independência funcional entre operantes
verbais. O experimento possuía os seguintes objetivos: (a) avaliar se mandos podem ser
treinados em um contexto estruturado, onde o experimentador controla as topografias a
serem treinadas manipulando operações estabelecedoras condicionadas; (b) avaliar se a
aquisição de topografias na forma de mandos é funcionalmente independente de topografias
na forma de tactos; (c) avaliar se a história dos sujeitos e as operações estabelecedoras
condicionadas podem ser manipuladas para criar oportunidades para ensinar mandos
específicos; (d) avaliar se procedimentos de prompt de tactos e prompt imitativo facilitam

Sobre Comportamento c Cogni(do 147


o treino de mandos. Os participantes, dois estudantes com deficiência mental e auditiva,
aprenderam a cumprir tarefas de cadeias de comportamento que levavam a reforços: fazer
uma sopa instantânea, abrir uma lata de fruta, enxugar uma mesa molhada, operar uma
máquina de doces, fazer um cafó instantâneo e colorir uma folha de papel. Os participantes
aprenderam a “tactear” cada item da cadeia, usando linguagem de sinais. Então, uma
operação estabelecedora condicionada foi manipulada com a retirada de um dos itens da
cadeia, sendo que o participante deveria emitir um mando correspondente ao item retirado
da cadeia para, assim, recebê-lo. Nesse caso, o reforço seria a liberação do item retirado, o
que permitia a realização da tarefa produzindo o reforço final da cadeia. Se a resposta de
mando do participante não ocorresse, havia dois procedimentos: prompt de tacto ou prompt
imitativo. No prompt de tacto, o experimentador perguntava: “o que é isso?” e o participante
deveria emitir um tacto correspondente, ou seria modelado pelo experimentador, caso não
fosse emitido. Após a emissão do tacto correspondente, o experimentador perguntava: "o
que você quer?" na ausência do item para completar a cadeia. No prompt imitativo, o
experimentador não apresentava o item retirado da cadeia, mas dizia: “faça isto!" e em
seguida fazia o sinal correspondente ao item. Nesse caso, o participante deveria imitar a
topografia do experimentador, que, então, perguntava: “o que você quer?". Os resultados
mostraram que os treinos de tacto e de imitação não foram suficientes para produzir o
mando do item ausente da cadeia. Assim, respostas de mando só foram emitidas após um
treino direto. Portanto, os resultados suportam a interpretação de Skinner (1957) sobre
independência funcional, bem como os dados de Lamarre e Holland (1985). Hall e Sundberg
sugerem, ainda, que a independência funcional está presente quando mandos são inicialmente
treinados, mas não é mantida indefinidamente, visto que os participantes puderam emitir
outros mandos após o treino de apenas quatro mandos de itens ausentes da cadeia de
respostas.
Mousinho (2004) conduziu um experimento, o qual consistiu, em parte, de uma
replicação do estudo de Lamarre e Holíand (1985), visto que alguns aspectos metodológicos
foram modificados. Essas alterações já haviam sido feitas em um trabalho de Silva (1996),
o qual encontrou resultados que apontaram tanto para dependência quanto para independência
funcional entre os repertórios de tactos e mandos. O objetivo do estudo de Mousinho foi
investigar a independência funcional entre os operantes verbais tacto e mando quando o
treino das formas de respostas foi no sentido tacto-mando. Uma modificação metodológica
foi a substituição dos termos relacionais “esquerda / direita" pelas palavras sem sentido “let
/ zut", respectivamente, uma vez que poderia haver implicações éticas na aprendizagem das
relações “esquerda / direita” para discriminações básicas de outros comportamentos
complexos das crianças. Uma inovação do estudo foi a utilização de crianças mais novas,
com idade entre dois e três anos. Os dados levantados sugerem independência funcional
entre os operantes verbais tacto e mando durante a fase de aquisição.
No campo da Análise Experimental do Comportamento, vários estudos têm
fornecido suporte empírico para a noção de independência funcional entre tactos e mandos
preconizada por Skinner (1957). Ou seja, o entendimento de que a aquisição de um operante
verbal não leva espontaneamente à aquisição de outro operante verbal sem treino direto
(Guess, 1969; Hall & Sundberg, 1987; Lamarre & Holland, 1985; Savage-Rumbaugh, 1984;
Panagiotidou, 2000; Twyman, 1996). Nesses estudos, com exceção de Savage-Rumbaugh,
a maioria dos participantes foi crianças “normais” ou com atraso no desenvolvimento da
linguagem ou diagnosticadas com algum tipo de “retardo mental”, com idade acima dos
quatro anos.

1 4 8 I land d.i Silva Mousinho, l.uais Ferra/ Córdova, Mariana I afle e Antonio de Freitas Ribeiro
Os resultados dos estudos discutidos no presente trabalho possuem implicações
práticas significativas para a área de patologias da fala. Oah e Dickinson (1989) consideram
que as diferenças entre mandos e tactos deveriam ser mais claramente reconhecidas em
programas de treinamento da linguagem. Uma vez que esses operantes são funcionalmente
diferentes, um treino efetivo da linguagem exige que uma atenção seja dada ao controle de
variáveis e às conseqüências de cada um. Os autores apontam, ainda, evidências empíricas
que sugerem que o treino de mando facilita a aquisição de outros operantes verbais. No
entanto, esse treino tem sido negligenciado no estudo do desenvolvimento do comportamento
verbal. Uma possível razão para essa negligência parece ser a dificuldade associada com
a manipulação de operações estabelecedoras.
Uma outra dificuldade nos estudos sobre independência funcional parece ser a
idade dos participantes, visto que Skinner (1957) focaliza a independência entre operantes
verbais no momento da aquisição. Ou seja, crianças de pouca idade parecem adquirir
repertório de falante muito rapidamente. As pesquisas deveriam, então, utilizar participantes
com menos idade do que tem sido utilizado, com pouca experiência como falantes,
buscando controlar os efeitos da história verbal na relação entre os operantes verbais.
Por fim, o entendimento dos processos comportamentais através dos quais um
indivíduo se torna falante e ouvinte parece ter implicações práticas ao viabilizar uma
tecnologia educacional efetiva. Assim, repertórios verbais deficientes poderiam ser evitados,
bem como a aquisição ‘‘normal" do comportamento verbal poderia ser melhorada (Michael,
1984). As evidências empíricas que apóiam a noção de independência funcional entre
operantes verbais podem contribuir para que na prática educacional se estabeleçam
programas que considerem as diferentes relações funcionais envolvidas na aquisição dos
diferentes repertórios verbais em crianças “normais", com algum tipo de atraso no
desenvolvimento do comportamento verbal ou mesmo entre pacientes hospitalizados que
sofreram algum tipo de lesão cerebral comprometendo a utilização de um repertório
específico verbal ou não-verbal.

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150 I iana dd Silva Mousinho, l.uca* Ferraz Córdova, Mariana I.afle e Anlonio de Freit.« Ribeiro
Capítulo 16
Independência funcional entre operantes
verbais de diferentes ou mesmos meios
Lucas Ferra/ Córdova - UnB/DF, Liana da SiIva Mousinho - UnB/DF
Mariana Lage - UnB/DF e Antomo de Freitas Ribeiro - UnB/DF

Teorias tradicionais de linguagem possuem um caráter primordialmente cognitivo,


assumindo a existência de um processo "especial" que seria a compreensão do significado
de palavras. Essa compreensão permitiria que o sujeito se comportasse verbalmente. Um
exemplo bastante conhecido é a teoria lingüística de Chomsky (1959) que pressupõe
habilidades lingüísticas inatas, onde respostas verbais apenas manifestam o conhecimento
lingüístico interno.
A proposta behaviorista radical de comportamento verbal defende que o fenômeno
identificado pelo termo linguagem" deve ser analisado em termos de classes de interação
entre organismo e ambiente, como todo e qualquer tipo de comportamento,
"Uma concepção muito mais produtiva é a de que o comportamento verbal ó
comportamento. Tem caráter especial tão-só porque è reforçado por seus efeitos
sobre as pessoas - de início, outras pessoas, mas eventualmente o próprio
falante" (Skinner, 1974, pp. 79).

Com igso, Skinner (1957) enfatiza as variáveis ambientais (passadas e presentes)


que estariam controlando a emissão da resposta verbal, sendo assim, o comportamento
verbal ó abordado enquanto respostas operantes, como função de contingências de
reforçamento. A resposta verbal não poderia então ser dissociada do contexto (i.e., variáveis
ambientais) em que esta se insere. A proposta skinneriana permite considerar a forma e
função como unidade total, ou seja, sua classificação também faz referência à estrutura
formal; isto é, as praticas de reforçamento da comunidade verbal modelariam a topografia
da resposta verbal. Porém, como ressaltado acima, a resposta verbal tomada isoladamente
não permite uma análise fidedigna.
Uma das várias implicações dessa forma de se compreender o comportamento
verbal e a de que o “significado" dos termos não seria propriedade do termo em si (como
defendem teorias tradicionais de linguagem) (Córdova & Medeiros, 2003), e sim, estaria
associado com as condições sob as quais o termo ó emitido pelo falante, ou as respostas

Sobre Comportamento e CofliiivJo 151


que ele controlaria no ouvinte (Skinner 1957, 1980). Como enfatizado anteriormente, a
resposta verbal está diretamente relacionada com as variáveis ambientais que a controlam,
e ó nessa relação que, segundo Skinner, se encontraria o significado.
"O que quoremos sabor no caso de vários terrnos psicológicos (e aqui poderíamos
falar no caso dos termos om gorai) ó, primeiro, a condição especifica de
estimulação sob a qual eles são emitidos (isso corresponde a “achar os referentes“)
e, segundo (e isso è uma questão sistemática muito mais importante), por quo
cada resposta é controlada por sua condição correspondente.” ('Skinner, 1972,
pag. 375).

Com isso, abdica-se da busca por um “significado concreto" enquanto propriedade


da palavra. Para Skinner (1974):
“O significado não ò corretamente visto como uma propriedade ou da resposta,
ou da situação, mas sim como propriedade das contingências responsáveis pela
topografia do comportamento o do controle exercido pelos estímulos (...) [e que
devo ser buscado] (...) numa história do exposição a contingência nas quais
ambientes semelhantes representaram um papel.” (pag. 81).

Por exemplo, um termo bastante "simples" como “água" pode apresentar diferentes
significados dependendo se sua ocorrência é função de uma privação ou se ela é controlada
pela presença no ambiente da água.
A noção de significado com base numa explicação funcionalista do comportamento
verbal torna-se claro em Skinner quando este apresenta o conceito de independência
funcional dos operantes verbais (Córdova e Medeiros, 2003). A análise funcional do
comportamento verbal feita por Skinner (1957) identifica seis grandes relações funcionais,
ou operantes verbais, diferindo entre si pelo tipo de variável controladora (i.e., variáveis
antecedentes e conseqüentes) e pelo tipo de resposta. A título de exemplo, o operante
verbal mando, como definido por Skinner, seria
“um operante verbal em quo a resposta ó reforçada por uma conseqüência
característica e está, portanto, sob o controle funcional de condições relevantes
de privação ou estímulo aversivo” (Skinner, 1957 pp. 56). Já o operante verbal
tacto seria “um operante verbal, no qual uma resposta de corta forma ó evocada
(ou pelo menos reforçada) por um objeto particular ou um acontecimento ou
propriedade do objeto ou acontecimento” (Skinner, 1957 pp. 108).

Tomando o comportamento verbal como proposto por Skinner, a análise deve se


ater, então, às variáveis controladoras do comportamento verbal identificando assim a
função deste comportamento, já que uma mesma topografia de resposta verbal poderia
apresentar diferentes funções. Skinner sugere então, a despeito de qualquer similaridade
topográfica, que os operantes verbais são funcionalmente independentes entre si. A
aquisição de uma topografia de uma resposta verbal em um operante verbal não resulta no
seu uso automático em diferentes operantes. Isso porque o que é aprendido, ao se aprender
uma resposta verbal, não é a emissão de uma determinada palavra ou o significado intrínseco
a ela, e sim uma função comportamental; ou seja, a emissão de uma resposta dada a
presença das variáveis ambientais necessárias. É de se supor então, que, quando defrontada
com variáveis ambientais outras, a criança não seja capaz de emitir a mesma topografia
por não possuir essa classe de resposta em seu repertório comportamental.
Em seu estudo, Lamarre e Holland (1985) investigaram a independência funcional
entre os operantes tacto e mando com a mesma topografia da resposta. No estudo, os

152 I uca* f-rrra/ Córdova, l.lana da Silva Mousinho, Marlana l aqe c Antonlo de I rcllas Rlbclro
sujeitos foram divididos em dois grupos: um grupo recebeu o treino de mando e foi testado
o aparecimento do tacto colateral; para o segundo grupo foi treinado o tacto e testado o
mando colateral. A resposta exigida foi a relação esquerda/direita; os sujeito deveriam, no
caso do tacto, tactear a posição de um objeto em relação a outro e no caso do mando,
mandar a posição em que o experimentador deveria posicionar um objeto em relação a
outro. Após essa primeira etapa ter sido concluída, as posições (i.e., o nome das posições
- esquerda e direita) eram invertidas, sendo então repassado o procedimento inicial (i.e.,
treino e teste de tacto e mando invertidos). Observou-se em todos os nove sujeitos a
independência funcional entre o tacto e o mando na primeira fase do experimento. Esses
dados corroboram a proposta apresenta por Skinner (1957), indicando que o que é aprendido
é uma função comportamental, e não um significado intrínseco a uma topografia verbal. Já
no treino invertido foi observado por parte de três sujeitos o surgimento do operante colateral
não treinado.
Contudo, como foi observado no estudo de Lamarre e Holland (1985), apesar de
durante a aquisição do repertório verbal crianças apresentarem independência funcional, a
medida em que vão adquirindo um repertório mais sofisticado, quando aprendem uma
topografia verbal em um dado operante, os demais operantes aparecem colateralmente.
Skinner apresenta várias formas de como isso acontece. Uma criança poderia aprender a
tactear um objeto perguntando M0 que é isso?", e então ecoar o nome aprendido em um
autoclítico de mando, como por exemplo uMe d ê ________ " que já tenha sido previamente
estabelecido como passível de reforçamento específico, ou simplesmente sua resposta
ecóica pode ser reforçada como se fosse um mando. Da mesma forma, um mando
previamente aprendido pode ser ocasionalmente reforçado como se fosse um tacto. Outra
possibilidade é o fato de que o evento reforçador em um mando (por exemplo: "Me dá um
copo de leite") pode vir a ser o mesmo que o estímulo discriminativo que controla a emissão
de um tacto (por exemplo: dizer "leite" na presença de leite). E ainda, mandos geralmente
ocorrem na presença do objeto mandado, o que aumenta a probabilidade de reforço. Nesse
sentido, essas respostas são em parte mando, por ocorrerem sob condições motivacionais,
mas a presença do objeto enquanto estímulo discriminativo torna a resposta também um
tacto. Ou simplesmente pelo treino específico para a emissão de uma resposta verbal
adquirida como um determinado operante nos diferentes operante verbais ainda não
treinados de forma direta. Lamarre e Holland discutem, em acordo com Skinner, sobre a
similaridade no que diz respeito ao contexto de emissão tanto de mandos como de tactos
como favorecendo a dependência funcional demonstrado por alguns dos seus sujeitos.
At^agora se enfocou apenas operantes verbais na mesma mídia, ou seja que
envolvam a mesma musculatura (i.e., fala e fala). Contudo é importante enfocar também a
relação existente entre operantes de mídias diferentes (i.e., fala e escrita, escrita e leitura),
ou seja, que envolvam musculaturas distintas. Devido à observação dos repertórios de
sujeitos já verbais, a noção de que uma palavra escrita pode ser falada sem necessidade
de treino direto leva à concepção de que a mesma resposta verbal pode ocorrer em meios
diferentes, ou seja, a mesma resposta verbal poderia ocorrer em diferentes operantes de
forma espontânea. Contudo, o comportamento de falar e o de escrever, assim como o
tacto e o mando, são operantes verbais distintos e possuem variáveis controladoras também
distintas. Deve-se ter claro então as variáveis que controlam cada um desses operantes e
identificar também como os comportamentos de fala e escrita se ligam, "apontando algo
comum quer nas ocasiões em que o comportamento ocorre, quer entre os efeitos que eles
produzem no ouvinte ou no leitor” (Skinner, 1957 pp. 230).

Sobre Comporítimtnto c CognivAo 153


Apesar de os repertórios escrito e faiado serem adquiridos separadamente e
poderem ser exibidos de forma concorrente, como quando alguém fala e escreve ao mesmo
tempo, ó importante identificar a real relação entre os dois operantes, no sentido de se
saber se o reforço em uma dada área pode influenciar a outra. Essa correlação existente
entre mando e tacto ocorreria devido à correlação existente entre unidades mínimas no
produto da resposta falada e escrita que acontece, por exemplo, na língua portuguesa.
Por exemplo, uma criança que sabe escrever e já tem em seu repertório o mando vocal
"Água!", devido ao reforço específico do mando (no caso a água), será capaz de emitir,
sem necessidade de treino direto, o mando escrito "Água"? Apesar de Skinner não responder
a essa pergunta de forma direta, ele a responde no decorrer do texto, afirmando que ó
necessário que a criança aprenda uma espécie de "transcrição funcional", ou seja, que ela
aprenda a emitir respostas escritas com a função de tacto, com a função de mando e com
as demais funções possíveis; em outras palavras, que a criança aprenda a usar a escrita.
O fato de a criança saber escrever não a possibilita saber usar a escrita (i.e., lançar mão
dos diferentes operantes verbais no contexto da escrita). Pode nunca "ocorrer" a uma
criança que saiba escrever emitir a resposta escrita (um bilhete, por exemplo) quando a
emissão da resposta vocal, por algum motivo, está impossibilitada (por exemplo, um
desencontro entre a criança e a pessoa com a qual gostaria de falar). Somente a partir do
momento em que se aprende o comportamento de transcrição, ou translação, é que se
pode esperar que mudanças numa resposta num dado meio acarretarão mudanças nas
respostas em outro meio, isso devido a mediação do processo de transcrição ou translação.
Vale ressaltar que a observação do comportamento verbal de sujeitos verbais leva a
conclusão acerca de um caráter complexo do comportamento verbal, que não ó observado
quando sujeitos pró-verbais estão adquirindo o repertório verbal. A noção de que a aquisição
dos operantes verbais se dá de forma funcionalmente independente, e que somente
posteriormente esses operantes se inter-reladonariam, permite explicar não só comportamentos
"simples" mas também comportamentos mais “complexos" de sujeitos já verbais.

R eferên cias

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154 Lucas f-erra/ Córdova, Liana da Silva Moutinlui, Mariana Lage c Antonio de f-reitat Ribeiro
Seção III

APsicoterapia
Comportamental:
Intervenção e
Pesquisa
Capítulo 17
Análise funcional do transtorno do pânico

Célia Vaisbich Ignácio


Hospital das Clinicas - FMUSP

O comportamento humano sempre foi um mistério para o homem. Ele,


permanentemente, tenta entender e, principalmente, prever os acontecimentos que envolvem
sua vida, Difícil não encontrar alguém que se pergunte: O que posso fazer para ser feliz?
O que acontece comigo? Por que sou assim? Desde a antiguidade, o homem na busca da
solução de seus problemas recorre aos adivinhos, bruxos e feiticeiros. Os filósofos também
sempre tentaram decifrar as questões da vida: De onde vim? Para onde vou? A complexidade
da vida torna difícil algumas respostas. A ciência do comportamento humano com propósitos-
semelhantes busca as respostas para estas questões por meio de estudos e pesquisas.
Por volta de 1930, Skinner desenvolveu um novo sistema explicativo para a psicologia e,
mais precisamente em 1935, introduziu o conceito da análise funcional, que procura
entender o comportamento a partir das variáveis que o determinam e das conseqüências
que ele provoca. Em outras palavras, existe uma contingência comportamental, que é a
relação condicional ou de dependência entre os eventos antecedentes, a resposta e os
eventos conseqüentes. Esta relação é muitas vezes enunciada com afirmações do tipo
Se...Entôo. Neste sentido, a análise funcional passa a ser de grande valia na área clínica,
pois é mais uma ferramenta que o terapeuta comportamental tem para identificar e detalhar
as circunstâncias que desencadeiam o problema do seu paciente e as conseqüências
que o mantém, e com isto, levantar alternativas de intervenção para as mudanças
necessárias.
No entanto, parece fácil pensar que tudo está resolvido para o terapeuta
comportamental com este fenomenal instrumento. Pois bem, não se pode esquecer da
complexidade do comportamento humano. Não existem modelos satisfatórios na área
clínica que garantam o controle das variáveis que interferem no "comportamento problema”
do paciente; além do mais, muitas vezes as queixas não indicam, necessariamente, os
comportamentos que devem ser alterados. O terapeuta comportamental para estabelecer
uma análise funcional a mais precisa possível, tem que ter uma compreensão do universo
do seu paciente, além de entender a sua dificuldade. Para isso deve utilizar todos os

Sobre Comportamento e Cotjnlçdo 157


recursos disponíveis, como entrevistas, diários, observação do comportamento verbal e
não-verbal do paciente na relação terapêutica e outros. Nesta avaliação o terapeuta deve
fazer uma microanálise para identificar as relações contingenciais responsáveis pela
manutenção do problema específico do seu paciente e uma macroanálise para conhecer
a sua história de vida e o seu processo de aprendizagem e, conseqüentemente, poder
compreender o que e/ou como formatou sua visão de si mesmo e do mundo que o rodeia.
Deve-se sempre lembrar que, apesar de alguns estímulos reforçadores serem universais,
eles adquirem funções específicas de acordo com a história de condicionamento. Uma
pergunta interessante que se pode fazer para o paciente é se ele estabelece alguma
relação entre determinados episódios de sua vida com sua dificuldade atual. Este tipo de
questionamento, muitas vezes, auxilia o terapeuta no mapeamento do "funcionamento
comportamental" do paciente e a identificar os possíveis ganhos secundários que o mantém
no problema.
Na maioria das vezes, o paciente, quando chega ao consultório, encontra-se
desesperançoso e acreditando que nada lhe aliviará o sofrimento. Mais uma vez a análise
funcional surge como uma ferramenta excelente para o terapeuta comportamental, que
lhe explica e lhe demonstra como funciona a relação entre suas respostas e o seu ambiente.
Com isto ele passa a entender suas dificuldades e a perceber que elas são passíveis de
predição e controle e não estão sujeitas ao destino. No caso específico do transtorno do
pânico é comum o paciente acreditar que está ficando louco e que vai perder o controle,
pois não consegue identificar donde surgem seus sentimentos de catástrofe iminente.
Nos transtornos de ansiedade a somatória dos fatores culturais, sociais e genéticos
têm importância significativa na origem e manutenção das respostas de ansiedade. "Eysenck
(1966) propõe uma vulnerabilidade constitucional que predispõe as pessoas a desenvolverem
transtornos de ansiedade e Seligman (1970) fala que alguns comportamentos de evitação
são importantes para a evolução e sobrevivência da espécie". Outras teorias, como o
condicionamento clássico de Pavlov e a aprendizagem social de Bandura, devem ser
consideradas para se realizar uma avaliação fidedigna do caso e as alternativas de intervenção.
Watson e Rayner (1920) constataram que eram capazes de produzir uma resposta
condicionada de ansiedade e Jones, baseado nas recomendações de Watson, descobriu
dois métodos de tratamento eficazes, sendo um deles a associação do objeto temido a uma
resposta agradável e outro a exposição do indivíduo ao estímulo temido junto com outras
pessoas que não o temiam. Este último apresenta uma semelhança com a modelação
participante de Bandura, cujo princípio é que grande parte dos comportamentos é aprendida
por imitação. O uco clínico do reflexo condicionado pode ser uma nova resposta a um
estímulo antigo e o da aprendizagem social é o de referenciar modelos.
As cognições negativas, também, devem ser pesquisadas e identificadas, pois
elas alteram o estado afetivo e o comportamento do indivíduo, predispondo-o a experiências
difíceis e mantendo-o em estados de ansiedade elevada.
Muitos são os pacientes que chegam ao consultório com a queixa de transtorno
do pânico e neste caso a análise funcional deve seguir os pontos já citados. No entanto,
apesar de cada indivíduo trazer sua história de vida com suas particularidades, estes
pacientes relatam vivências semelhantes e que, adicionadas às características diagnósticas
do transtorno, formatam alguns pontos da análise funcional também semelhantes, a seguir:

Antecedentes: todas as situações que eliciam ou tornam prováveis as respostas:


• Estímulo qualquer pode eliciar uma avaliação inicial de perigo;

158 ('élid Valsblch Iftn.klo


• Sensações corporais;
• Situações que foram pareadas com crises.

Respostas: Existem três níveis de respostas:


Cognitivo: são os pensamentos, sentimentos e/ou imagens que o indivíduo apresenta
em relação a uma situação estimuladora interna e/ou externa; tais como:
• Insegurança e incapacidade de enfrentar e resolver problemas;
• Ameaça ao domínio pessoal-saúde e preocupações somáticas;
• Autoconceito diminuído;
• Catastrofizaçáo dos sintomas;
• Fragilidade e dependência;
• Limitações nas atividades sociais e/ou profissionais;
• Com Agorafobia: medo de ficar sem o auxílio de outras pessoas.

Autonômico: são as reações corporais correspondentes à experiôncia emocional:


• Taquicardia, sudorese, falta de ar, palpitações e outras.

Comportamentai: são todos os comportamentos operantes por meio do qual uma pessoa
modifica seu ambiente:
• Fuga / Esquiva

Conseqüentes: qualquer mudança é seguida por uma ação no próprio organismo e/ou
ambiente:
• Diminuição do estado de ansiedade;
• Diminuição dos sintomas físicos;
• Ganhos secundários.
A seguir o relato de um caso clínico e parte de sua análise funcional:

Paciente: sexo feminino com idade de 31 anos, professora, casada e com dois filhos (4 e
6 anos de idade).

Queixa: "Acho que tenho a síndrome do pânico, pois li um artigo em uma revista e
identifiquei-me com todos os sintomas. Comecei a passar mal um dia no trânsito quando
eu estava indo trabalhar e ia ter uma reunião com a equipe da escola. Eu estava muito
preocupada com o resultado daquela reunião. Já passei por vários médicos, já fiz vários
exames, mas nada foi constatado. Tenho medo de sair sozinha de casa e passar mal. Já
pedi licença do meu trabalho e tenho ficado cada vez mais em casa. Às vezes penso que
estou ficando louca e tenho vontade de morrer. Tenho medo de fazer alguma besteira".

Antecedentes Familiares: Avó paterna com depressão e vários casos de transtorno de


ansiedade na família materna.

História de vida da paciente:


• Infância:
a. Pais separados. A paciente sempre solicitava a presença do pai, ele marcava encontro
e na maioria das vezes não aparecia;

Sobre Comportamento e Cojjniçâo 159


b. Sentia a ausência da mãe que trabalhava fora;
c. Apresentava problemas sérios de aprendizagem;
d. Obesa;
e. Sentia-se sempre comparada com a irmã mais velha que era boa aluna e magra.

• Adolescência:
a. Paciente tinha dificuldades de relacionamento com meninos. Apresentava a seguinte
crença: "nunca, ninguém, vai gostar de mim";
b. Comparava-se com as amigas e acreditava que eram mais bonitas e inteligentes do
que ela;
c. Com 18 anos teve seu primeiro namorado e depois do primeiro beijo terminou com ele;

• Adulta:
a. Casou-se com seu segundo namorado aos 24 anos - "Não o amava, mas meu
sonho era casar e ter filhos" (sic);
b. Vida sexual insatisfatória. Tinha o seguinte pensamento: "Meu marido podia congelar
para eu ter outras oportunidades e não perdê-lo" (sic). Sentia-se segura e amparada
por ele;
c. Insatisfeita com o trabalho;
d. Após o nascimento de seu segundo filho (8 meses) teve seu primeiro ataque de pânico;
e. Todas as vezes que tem ataques de pânico na rua seu marido a socorre.
Algumas questões servem de guia para o levantamento da análise funcional:
(descrição detalhada de cada item)

1. Situação: Onde estava? Quando ocorreu? Quantos anos você tinha? Como eram as
relações familiares? Situações recentes de vida?
2. Pensamentos: O que você pensava?0 que pensa agora com relação a este fato passado?
Se fosse hoje, como você pensaria? O que você pensa do seu problema atual? O que
você pensa quando se sente mal (sensações físicas)?
3. Sentimentos: O que você sente(iu) quando está(estava) nesta situação? O que você
experimenta(ou)?
4. Comportamentos: O que você faz(fez)? E os outros, como reagem (reagiram)?
Conseqüências: E depois, o que aconteceu? Como você se sentiu? O que pensou?

Análise Funcional - Passado


Antecedente» Reapoataa Conaeqüêntea

Hist. Familiar baixa auto estima reforçamento negativo


Ambiente estim ulaçio Insegurança
aversiva (comparação rejeição punição
com irmà) Situações de compulsão alimentar
abandono (separação dos muito medo de espíritos,
pais, espera pelo pai, màe medo de ficar e dormir sozinha
ausente), outras. e outros
fuga/esquiva

160 Cóllti Vülibich Iflnáclo


Análise F u n c io n a l-Atual

Antecedentes Respostas Conseqüentes


Profissionais as mesmas as mesmas
Pessoais

Apesar das situações serem diferentes, a paciente mantém o mesmo padrão


de comportamento.Os pensamentos que mais se evidenciaram foram: ninguém gosta
de mim, eu não sei fazer nada, sou gorda e feia, acho que nunca vou ser feliz e os
comportamentos, foram: não estudar, dormir muito, comer demais. Relatou que se sentia
mal (sensações físicas) quando esperava pelo pai, em situações escolares, ao dirigir e
outras.

Análise Funcional de um ataque de Pânico

Antecedentes Respostas Conseqüentes


Antes de sair de casa pensar que vai passar mal
(ansiedade antecipatória) levantar alternativas de como diminuição
poderá escapar das crises da ansiedade

Trânsito atenção nas ruas,


andar pela direita- diminuição
pensamento: posso escapar! ansiedade
evitar ruas movimentadas

atenção focada nas sensações Ataque


corporais,ligar para o marido Pânico

Ataque Pânico ficar falando com o marido diminuição


ao telefone até ele chegar ansiedade

A partir da análise funcional, pode-se constatar que a paciente teve uma história
de condicionamento baseada, principalmente, em esquemas de reforçamento negativo e
punição, o que lhe causou um problema sério de auto-estima e auto confiança. Estas
conseqüênci&s ocorriam quando, por exemplo, tinha medo de dormir sozinha e passava
para a cama de sua mãe ou quando tirava notas baixas e recebia castigos de sua mãe e
comparações com sua irmã. Estes esquemas se mantiveram na fase adulta quando, por
exemplo, não procurava se atualizar profissionalmente por medo do fracasso.
Seus ataques de pânico reforçaram sua crença de incapacidade e de dependência,
principalmente do marido.
Observa-se, também, que aprendeu a usar seus medos para evitar situações que lhe
eram desagradáveis e que lhe exigiam responsabilidades ou resolução de problemas, como
no caso de seu relacionamento conjugal.
Seu processo terapêutico baseou-se em técnicas comportamentais eficazes para o
transtorno do pânico, como exposições graduais aos estímulos que lhe causavam ansiedade
e exposições interoceptivas, bem como técnicas de relaxamento e respiração. No entanto,
percebeu-se, por meio da análise funcional, a necessidade de uma intervenção comportamental,

Sobre Comporldmento e Cognição 161


e principalmente, uma intervenção cognitiva, para a modificação de seu auto conceito e
promover, assim, situações de sucesso.

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162 Célia Viilíblch Ignácio


Capítulo 18
Ansiedade: Possíveis intervenções na análise
do comportamento
Clâudia ttdrbosrf
FAQ/Cdscdvcl-PR

A ansiedade ó caracterizada pela sensação de perigo iminente, tensão, angústia


e ação do sistema nervoso simpático. Ela passa a ser patológica quando é desproporcional
à situação que a desencadeia ou na ausência de um objeto específico ao qual se direcione
(Cerezer & Rosa, 1997).
É uma emoção normal que todas as pessoas sentem, em graus variados quando
se sentem ameaçadas. É o sentimento que acompanha um sentido geral de perigo,
advertindo de que há algo a ser temido no futuro. A ansiedade funciona como um alarme
que alerta o ser humano sobre os perigos, mobilizando uma reação à situação ameaçadora
(Castillo, Recondo, Asbahr, Mafro, 2000; Myers, 1999).
Um certo grau de ansiedade pode motivar um melhor desempenho em uma tarefa.
O indivíduo planeja e replaneja suas ações, buscando saídas para as situações. A ansiedade
alimenta o planejamento das ações, buscando saídas, alternativas e ensaiando ações de
enfrentamento ou fuga do perigo. Sua avaliação depende de sua proporcionalidade ao
perigo que é apresentado, e também em que grau provoca a paralisação da pessoa frente
ao perigo. A boa ansiedade é proporcional às dificuldades e promove o enfrentamento
saudável. A má ansiedade é desproporcional à dificuldade e/ou improdutiva diante das
dificuldades (Barbosa, 2000a; 2002b; 2003). Quanto maior o controle da situação a pessoa
tiver, menos tensão sentirá. Segundo Davidofí (1983), quando o evento estressante ó
previsível, possibilitando a manutenção de um comportamento agonístico, desenvolve-se
menos respostas de ansiedade.
A ansiedade passa a ser patológica quando é desproporcional à situação que a
desencadeia ou na ausência de um objeto específico ao qual se direcione. Leva o índívíduo
à tensão, à sensação de cansaço, ao esgotamento e à paralisia, pois tem medo de que
algo desastroso possa advir de suas atitudes, está presente quase todo o tempo,

'Palcóloga Clinica, Coordenadora a Docente do Curao da Psicologia da Faculdade A u l* Gurgacz- FAO/Ca»cavel PR • Mestre em PMoolagla Social a
Pamonalklada PUCR8 E«peciaMita em Pilcoterapie na An tW ea do Comportamento UEL/PR e-matl daudIaQoartto (xim.br

Sobrt Comportamento e Cognição 163


prejudicando a realização de tarefas simples do cotidiano; é irracional e aparece dissociada
de situações normalmente ansiogênicas (Castillo, Recondo, Asbahr, Mafro, 2000).
A atração humana, por uma interpretação catastrófica da realidade, e por ter esse
sentido geral de perigo, provavelmente se deva à jornada evolutiva (no sentido biológico) do
homem. Durante o período pleistoceno, a idade da pedra, a humanidade teve que enfrentar
perigos reais e imediatos no seu dia-a-dia, a cada momento inundações, ataque de feras,
risco de vida, eram realidades cotidianas, e as pessoas que estavam mais alertas, que
tendiam a ver o perigo, tinham maiores chances de sobrevivência. A herança humana ó:
antecipar-se, preocupar-se permanentemente como se a integridade física, a sobrevivência,
dependesse desse estado de constante alerta (Seligman, 1995).
Os ansiosos têm suas atenções voltadas para o meio externo, com a intenção de
controlar as “ameaças" do ambiente e tentar diminuir a insegurança sobre o que podem vir
a vivenciar no futuro, através desta tentativa de controle. Normalmente, os indivíduos
ansiosos passam muito tempo tentando lutar, controlar e se esquivar da ansiedade.
É difícil a convivência com os eventos privados, pois são considerados as causas
dos problemas e por isto devem ser controlados. Para os analistas do comportamento, os
sentimentos não causam os problemas de uma pessoa nem são responsáveis pela
mudança terapêutica. As pessoas ansiosas tendem a esquivar-se de situações que evocam
a ansiedade. A esquiva ó um comportamento natural dos organismos resultante dos
reforçadores que são amplamente liberados pelo contexto sócio-verbal. A esquiva traz um
alívio imediato, porém traz conseqüências como o afastamento das fontes de reforçadores
e das contingências (Baum, 1999; Catania, 1999; Skinner, 1998;Sidman, 1995).
Spielberger (1972) distingue ansiedade como um estado e/ou como um traço de
personalidade. A primeira, caracteriza-se por ser um estado emocional transitório, marcado
por sentimentos de tensão e apreensão, e por um aumento da atividade do sistema nervoso
autônomo (incremento do ritmo cardíaco, elevação da pressão arterial, respiração mais
rápida e profunda). A ansiedade como traço refere-se a diferenças relativamente estáveis
entre os indivíduos no que respeita a ansiedade, e que ocasiona uma elevação maior ou
menor do estado de ansiedade, como conseqüência da exposição a situações percebidas
como ameaçadoras, tanto física como psicologicamente. Esperar-se-ia, portanto, que um
indivíduo com elevada pontuação em ansiedade-traço manifestasse maior score em
ansiedade-estado do que um sujeito com baixa pontuação, quando submetidos a situações
ameaçadoras.
As mulheres apresentaram scores significativamente mais altos que os homens
em ansiedade-estado e em traço de ansiedade. Tal achado pode relaclonar-se ao mais
alto nível de expectativas éticas que envolvem o comportamento feminino, já que a cultura
é mais permissiva com os homens e mais restrita com as mulheres. Outros aspectos a
serem considerados são as pressões no sentido da profissionalização e ingresso no
mercado de trabalho, como afirmação pessoal e busca de independência econômica,
requisitos importantes da personalidade da mulher no limiar do novo milênio, o que implicaria
em engajar-se em comportamentos competitivos, comumente estressantes e eventualmente
conflitantes com a feminilidade. Uma outra consideração é que o projeto de constituição
de uma família encontra-se na maioria das mulheres, o que significa, para a quase totalidade,
uma dupla jornada de trabalho, a de fora de casa e a que envolve as atividades domésticas,
incluindo as funções de esposa e mãe. Tais perspectivas, que se convertem na mais dura
realidade, são desgastantes e produtoras de tensões (Coes, 1990; 1991; La Rosa 1997).

164 Cltiudiii Rdrbotd


No processo terapêutico, as estratégias utilizadas pelo psicólogo para ajudar o
cliente a perceber que tem controle sobre as situações que o ameaçam, podem ajudá-lo
a reduzir o nível da ansiedade. O terapeuta comportamental busca identificar as relações
do indivíduo com o ambiente que são responsáveis pela origem e pela manutenção do
problema e agem no sentido de promover novas relações. O contexto sócio-verbal deve
ser modificado para que a mudança comportamental ocorra. No processo terapêutico,
muitas estratégias vêm sendo utilizadas nos transtornos de ansiedade possibilitando
intervenções clínicas mais eficazes.
Dentre as várias possibilidades tradicionais de atuação do terapeuta comportamental
(procedimentos de exposição, dessensibilização, supressão da resposta, entre outros)
apresentam-se a Análise funcional, a Psicoterapia Funcional Analítica (FAP), a Terapia de
Aceitação e Compromisso (ACT) e a Interação Multidisciplinar como estratégias para o
trabalho com os transtornos de ansiedade.
A análise funcional, por exemplo, permite descrever quais variáveis estão
controlando o comportamento e também quais as contingências que a mantém no repertório
comportamental do indivíduo (Skinner, 1998). A análise funcional não é necessariamente
um método de intervenção para mudança de comportamento, mas uma proposta terapêutica
de habilitar o cliente a pensar e analisar suas dificuldades a partir do modelo de
contingências. Fazer análise funcional significa para o terapeuta comportamental, identificar
as variáveis contextuais, antecedentes e conseqüentes dos comportamentos, considerando
os aspectos funcionais e topográficos das respostas. É também procurar identificar a
função de uma determinada resposta, definindo que contingências estão mantendo este
ou aquele comportamento. A análise funcional pode ser utilizada no levantamento de
hipóteses, na observação do comportamento do cliente na sessão, no planejamento do
tratamento, na manutenção e generalização das mudanças comportamentais. O que
distingue a prática do terapeuta do comportamento de outras práticas é a procura destas
variáveis das quais o comportamento é função (Castanheira, 2002; Chequer, 2002).
Não existe comportamento patológico para o analista comportamental, pois se
ele ocorre, é porque de alguma maneira é funcional, tem valor de sobrevivência (Matos
1999). Conhecendo a função do comportamento ansioso no dia-a-dia do cliente, é possível
alterar as contingências que operam o comportamento ansioso e com isto promover
mudança do comportamento.
Os psicólogos atuais, independente de linha de abordagem ou da área de atuação,
convivem com a necessidade que as pessoas têm de lidar com suas emoções. São as
emoções positivas que dão brilho à vida das pessoas e são estes sentimentos que
mobilizam o comportamento do ser humano, no intuito de manter uma constância nas
sensações. As pessoas vivem em constante busca da felicidade e na evitação do sofrimento
(Barbosa, 2002a; 2000b; 2003).
A análise da relação terapêutica também pode funcionar como uma estratégia
para a mudança comportamental. A Psicoterapia Funcional Analítica (FAP), apresentada
por Kohlenberg & Tsai (1991), propõe que os comportamentos clinicamente relevantes
(CRBs) ocorrem durante a sessão na interação terapeuta e cliente. Os CRB1 s referem-se
aos problemas vigentes do cliente e cuja freqüência deveria ser reduzida ao longo da
terapia, são esquivas sob controle de estímulos aversivos. CRB2s referem-se ao progresso
do cliente que ocorrem na sessão. Os CRB3s são as interpretações do comportamento
segundo o cliente, é o que parece causá-lo. O CRB mais importante é aquele em que
ocorre a observação e interpretação do próprio comportamento e dos estímulos reforçadores,

Sobrr Comportamento e CogníçÜo 1Ô5


discriminativos e eliciadores relacionados a ele. Os pesquisadores sugerem aos terapeutas
o seguimento de algumas regras na utilização da FAP: prestar atenção aos CRBs, evocar
CRBs, reforçar CRBs, observar os efeitos potencialmente reforçadores do comportamento
do terapeuta em relação aos CRBs do cliente, fornecer interpretações de variáveis que
afetam o comportamento do cliente. As intervenções clínicas devem ser realizadas com
base na observação e modelagem direta através do reforçamento natural durante a sessão.
Os CRBs incluem tanto os comportamentos-problema como os comportamentos finais
desejados.
A terapia de aceitação e compromisso (ACT), proposta por Hayes & Wilson (1994)
igualmente ó uma estratégia bastante utilizada, tendo como objetivo enfraquecer a esquiva
emocional e aumentar a capacidade para a mudança comportamental, através da quebra
dos controles sócio-verbais existentes. A pessoa aprende a aceitar as estimulações
aversivas evocadas pelas emoções e, portanto, aprendem a aceitar a própria emoção. Os
teóricos propõem o exame de grandes contextos que contribuem para o surgimento e
manutenção das dificuldades clinicamente relevantes como: o contexto da literalidade, o
contexto de dar razões e o contexto do controle. Na pratica clínica é visível a importância
de tais contextos, pois, quando os estados afetivos negativos não são aceitos pela pessoa
como algo natural em sua vida, as tentativas de esquivar-se deles, poderão determinar
ainda mais, reações privadas e públicas (Torres, 2000).
Além da psicologia, outras áreas, como a medicina, a educação física e a nutrição
têm dedicado atenção ao estudo e tratamento da ansiedade. Percebe-se na prática clínica,
que os clientes que conjugam tratamentos destas áreas ao acompanhamento psicológico
têm respostas mais positivas. Isto deixa evidente a relevância do acompanhamento
multidisciplinar como estratégia de intervenção para o tratamento da ansiedade, tornando
o procedimento terapêutico muito mais eficaz e produtivo, possibilitando ao cliente à auto-
observação e o autoconhecimento, oferecendo uma melhor qualidade de vida e uma
independência maior para a resolução de problemas futuros.

R eferên cias
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Sobre Comportamento c Cognição 167


Capítulo 19
Transtorno alimentar: Obesidade,
Análise das contingências do
comportamento de comer
Diana Tonc/lo LaIonP

A classificação diagnóstica dos transtornos alimentares encontrada na literatura


(Kaplan e Sadock, 1999) indica os distúrbios de anorexia, bulimia, comer compulsivo e
obesidade. Em todos esses distúrbios o comportamento de comer é parte do problema e
precisa ser analisado, para que procedimentos de tratamento possam ser implementados.
A influência cultural tem sido apontada como um forte desencadeante dos
transtornos de Anorexia e Bulimia; o corpo magro é encarado como símbolo de beleza,
poder, autocontrole e modernidade. Desta forma a propaganda dos regimes convence o
público de que o corpo pode ser moldado. Assim, a busca pelo corpo perfeito tem sido
persistentemente encontrada nas áreas de nutrição e dieta, atividade física e cirurgia
plástica.
Eventos estressantes, distúrbios na interação familiar, formação da identidade
pessoal, maus hábitos alimentares são apontados como fatores presentes nos transtornos
alimentares; observou-se, também, que alterações de diferentes neurotransmissores podem
contribuir para o complexo sintomático, notadamente dos mesmos neurotransmissores
envolvidos na depressão.

1. Anorexia
Anorexia ó um distúrbio que tem como indicadores o peso corporal abaixo de 15%
do normal e a pessoa recusa manter o peso corporal adequado para a relação idade e altura.
Nas anorexias a perda de peso ocorre geralmente através da redução da
alimentação, que ó limitada a frutas e verduras e por vezes chegando a um jejum total.
Nos casos mais graves são adotados métodos adicionais de perda de peso, como a auto-
indução de vômito, o uso indevido de laxantes ou diuréticos e a prática excessiva de
exercícios físicos.
' Huapilnl« Matttmklad« Cdao Plnmi. PUC-Campina». Doutora mn Pakxiogm oorrto Clétoa a PruftuAo Enctoraço para (xxmtpotidAnda Rua Camargo
PlnwriM, 528, Jardim Guanabara, Camplna»/8P- CEP 13073-340, E-mail dlana l«k»t(©terra (xxti bf, foo®. (10) 32415fl04* fm § (19) 3242360ft* oom

1 68 Dliimi Toscllo l.dlonl


No corpo as mudanças são facilmente percebidas: os cabelos ficam fracos e caem,
as unhas quebradiças, a pele seca e as extremidades do corpo geralmente ficam frias.
Muitas pessoas, quando seriamente abaixo do peso, apresentam sintomas
depressivos como insônia, irritabilidade e perda do desejo sexual.
Os pacientes anoréxicos quando submetidos a exames módicos podem apresentar
sintomas de queda na pressão arterial, arritmias cardíacas, hipotermia, supressão da
menstruação, intestino preso e diminuição na secreção de vários hormônios.
O distúrbio de anorexia é encontrado principalmente em mulheres insatisfeitas
com seu próprio corpo, considerando-se gordas mesmo estando abaixo do peso normal.
O transtorno ó mais freqüente em classes sociais mais elevadas, surgindo após uma
dieta alimentar ou por uma situação competitiva. Algumas profissões são consideradas
de risco, pois relacionam a magreza ao sucesso: ó o caso das bailarinas e das modelos
e têm proporções epidêmicas nos últimos 20 anos. Nos casos mais sérios as alterações
orgânicas e metabólicas, devido à subnutrição, podem levar à morte. Estima-se que
aproximadamente 2 0 % das pacientes com anorexia vêm a falecer.

2. Bulim ia
Bulimia consiste no com portam ento com pulsivo de comer seguido de
comportamentos compensatórios de vômito. As características principais são os
comportamentos periódicos de compulsão, os métodos compensatórios inadequados para
evitar ganho de peso e os comportamentos de auto-avaliação dos pacientes são
excessivamente influenciados pela forma e peso do corpo, tal como ocorre na Anorexia.
Para qualificar o transtorno, a compulsão periódica e os comportamentos compensatórios
inadequados devem ocorrer, em média, pelo menos duas vezes por semana durante um
período de três meses.
Os pacientes com Bulimia Nervosa estão dentro da faixa de peso normal, embora
alguns possam estar com um peso levemente acima ou abaixo do normal. O transtorno
ocorre, mas não ó comum, entre pacientes moderados e morbidamente obesos. Há indícios
de que, antes do início do Transtorno Alimentar, os pacientes com Bulimia estão mais
propensos ao excesso de peso do que os outros.
Uma compulsão periódica é definida pela ingestão de uma quantidade maior de
alimento do que a maioria das pessoas consumiria em circunstâncias similares, num
período limitado de tempo. Período limitado de tempo refere-se a um período definido,
geralmente dOrando menos de 2 horas. O ato de ingerir continuamente pequenas
quantidades de comida durante o dia inteiro não seria considerado uma compulsão periódica,
as compulsões caracterizam-se por uma anormalidade na quantidade de alimentos
consumidos, e não pela avidez num determinado tipo de alimento.
As pessoas com Bulimia envergonham-se de seus problemas alimentares e
procuram ocultar seus comportamentos. As compulsões periódicas geralmente ocorrem
em segredo, ou são dissimuladas. Um episódio bulímico pode ou não, ser planejado de
antemão e em geral ó caracterizado por um consumo rápido.
A compulsão periódica freqüentemente prossegue até que a pessoa se sinta
desconfortável, ou mesmo dolorosamente repleta. O controle do comportamento de
compulsão de comer da Bulimia não ó absoluto, por exemplo, um paciente pode continuar
comendo enquanto o telefone toca, mas interromper o comportamento se alguém ingressar
inesperadamente no mesmo aposento.

Sobrr (.'omportdmfnfoe0'offnltfo 169


Os comportamentos compensatórios podem ser diferentes, o mais comum é a
indução de vômito após o episódio de ingestão, esse padrão é empregado por
aproximadamente 90% das pessoas com Bulimia que se apresentam para tratamento, os
efeitos imediatos do vômito incluem alívio do desconforto físico e redução do medo de
ganhar peso. Em alguns casos, o vômito torna-se um objetivo em si mesmo, de modo que
a pessoa come em excesso para vomitar ou vomita após ingerir uma pequena quantidade
de alimento. Os Bulímicos podem usar uma variedade de métodos para a indução de
vômitos, incluindo o uso dos dedos ou instrumentos para estimular o reflexo de vômito.
Os pacientes com Bulimia podem ter estreita semelhança com os que têm
Anorexia, em seu medo de ganhar peso, em seu desejo de perder peso e no nível de
insatisfação com seu próprio corpo.
A Bulimia ocorre principalmente em adolescentes e mulheres jovens como na
Anorexia, e a incidência desse transtorno em homens é aproximadamente dez vezes
menor que nas mulheres. Algumas profissões em particular parecem apresentar maior
risco, como é o caso dos jóqueis, atletas, manequins e pessoas ligadas à moda em geral,
onde o rigor com o controle do peso é maior do que na população geral.

3. Transtorno da Com pulsão A lim entar Periódica


Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica (TCAP) é uma nova categoria
diagnóstica proposta pelo DSM-IV. A compulsão alimentar ó definida pela ingestão num
período limitado de tempo, de uma quantidade de alimentos definitivamente maior do que
a maioria das pessoas consumiria num período similar, sob as mesmas circunstâncias,
com sentimento de falta de controle sobre o consumo alimentar durante o episódio.
O TCAP foi descrito a partir de observações de pacientes obesos, porém, apesar
de bastante freqüente nesse grupo, também acomete indivíduos de peso normal. Cerca de
metade dos pacientes desenvolve a compulsão alimentar mesmo antes de se envolver em
dietas, o que favorece, por sua vez, o ganho de peso.
Os comportamentos de comer compulsivamente descritos neste transtorno são:
comer muito e mais rapidamente do que o normal; comer até sentir-se incomodamente
repleto; comer grandes quantidades de alimentos, quando não está fisicamente faminto;
comer sozinho por embaraço devido à quantidade de alimentos que consome; sentir repulsa
por si mesmo, depressão ou demasiada culpa após comer excessivamente; sentir acentuada
angústia relativa à compulsão alimentar.
As características diagnósticas da compulsão alimentar são: ocorrer pelo menos,
dois dias por semana, e durante seis meses; a compulsão alimentar não está associada
ao uso regular de comportamentos compensatórios inadequados (por exemplo, purgação,
jejuns e exercícios excessivos), nem ocorre durante o curso de anorexia nervosa ou bulimia
nervosa, é necessário que a compulsão alimentar se dê em um período de tempo delimitado,
o que exclui, por exemplo, indivíduos que "beliscam" o dia todo pequenas quantidades de
alimentos. A quantidade de alimentos deve ser grande para um determinado período,
aproximadamente duas horas. Além disso, é importante o sentimento de perda de controle,
em que o indivíduo fica sem liberdade para optar entre comer ou não comer. Por fim, o
paciente deve apresentar sofrimento relativo a esse comportamento recorrente e ter sua
vida pessoal comprometida em virtude desse distúrbio.
Estudos epidemiológicos apontam uma prevalência do transtorno de 2 % na
população geral e em cerca de 30% em obesos que procuram serviços especializados

17 0 lo fd lo Ldlonl
para tratamento de obesidade. O TCAP acomete indivíduos de todas as raças, com
distribuição aproximada entre os sexos, sendo três mulheres para cada dois homens,
geralmente tendo início no final da adolescência. Mulheres com esse diagnóstico
apresentam índice de massa corporal mais alto do que mulheres sem TCAP, assim como
oscilações de peso mais freqüentes e maior dificuldade em aderir ou manter o peso ao
tratarem a obesidade.
Muitos autores apontam características pessoais comuns em pacientes com
TCAP: baixa auto-estima, perfeccionismo, impulsividade, e pensamentos dicotômicos do
tipo tudo ou nada, sintomatologia depressiva e depressão clínica em 50% dos casos.

4. O besidade
Obesidade é considerada pela OMS como uma doença, estando classificada
como tal no CID-10 (Código Internacional de Doenças), é caracterizada pelo excesso de
massa gorda (gordura) de um indivíduo. Um indivíduo normal apresenta cerca de 20% do
seu peso, em massa gorda, e 80% de seu peso em massa corporal magra, formada pelos
órgãos, músculos, ossos e água. O excesso da massa gorda está relacionado à ingestão
calórica maior que a queima calórica. A obesidade pode ter características genéticas e
hereditárias, estar relacionada a certas doenças e ao comportamento de comer.
O transtorno alimentar tendo como conseqüência a obesidade é considerado pela
Organização Mundial de Saúde um grave problema, atualmente apresenta aumento de
sua prevalência no Brasil. A obesidade é um problema importante tanto para uma perspectiva
de saúde pública, como para os indivíduos afetados.
A prevalência da obesidade aumenta com a idade e acarreta risco substancial
para doenças graves, como diabetes, hipertensão e doença cardiovascular. Nos últimos
1 0 anos há um reconhecimento de que múltiplos fatores contribuem para a obesidade, os
fatores genéticos, culturais e comportamentaís, atuam com diferentes combinações entre
os indivíduos. Portanto, duas pessoas que têm o mesmo peso podem ter razões muito
diferentes para o excesso de peso. O fato de algumas pessoas ganharem peso porque
tem uma dieta rica em gorduras e não fazerem exercício, não explica porque essas pessoas
se comportam assim. De outro lado há pessoas que apresentam o comportamento de
compulsão alimentar, e ganham peso por esse transtorno de comportamento.
É comum usar como critério diagnóstico para a obesidade 20 % de sobrepeso.
Para a classificação de peso, sobrepeso ou baixo peso, utiliza-se como referência o
Indice de Masca Corpórea (IMC). O cálculo desse índice é obtido pela divisão do peso em
quilograma pela altura elevada ao quadrado (IMC = Peso: Altura2). A classificação de
obesidade usando -se esse índice classifica o peso das pessoas: sobrepeso = IMC entre
25 e 30, obesidade leve = IMC entre 30 e 35, obesidade moderada = IMC entre 35 e 40,
obesidade severa (mórbida = IMC entre 40 e 50 e super obesidade = IMC maior que 50.

5. Análise de contingências
Esta apresentação pretende demonstrar a análise de contingências do
comportamento de comer em pacientes obesos, sugerir intervenções e promover a
orientação para grupos interdisciplinares.
O estudo da relação entre o comportamento e os estímulos que o antecedem e as
conseqüências que o seguem, denominada de análise de contingências, foi a metodologia

Sobre Comportdmcnto e Cognlçüo 171


que utilizamos para compreender o comportamento de comer em excesso em dois grupos
de pacientes obesos, que por razões distintas buscaram ajuda psicológica.
A funcionalidade do comportamento foi analisada tanto a partir das condições que
propiciam a sua ocorrência quanto às condições da sua manutenção. O estudo dessa
relação funcional entre estímulos antecedentes, comportamento e estímulos conseqüentes
foi efetuado em cada caso individualmente, buscando-se a compreensão para cada indivíduo
da funcionalidade do seu próprio comportamento de comer excessivamente.
Considerando que os comportamentos estão sob controle de contingências, a
hipótese adotada foi que os comportamentos de comer em excesso podiam estar tanto
sob controle de contingências positivas quanto de contingências negativas.
Dois estudos de análise das contingências do comportamento de comer em
excesso para condução de propostas terapêuticas multidisciplinares diferentes foram
efetuados.
Um grupo foi formado por 10 mulheres, provenientes do Ambulatório de
Endocrinologia, todas obesas com sobrepeso superior a 20%. Essas clientes procuraram
ajuda no Serviço de Psicologia do Hospital Escola, encaminhados pelo Ambulatório de
Endocrinologia, para participarem de um programa em grupo de controle alimentar. As
pacientes apresentavam obesidade entre leve e moderada, não estavam recomendados
para cirurgia bariátrica e deveriam mudar o hábito aiimentar para perder peso.
O outro grupo foi formado por 13 pacientes, sendo cinco homens e oito mulheres,
provenientes de uma clínica de cirurgia digestiva. Eles procuraram ajuda psicológica por
solicitação do cirurgião gástrico, como parte do procedimento de preparo para cirurgia
bariátrica e em busca de parecer psicológico favorável para a cirurgia. A cirurgia bariátrica,
também conhecida como gastroplastia, é recomendada no tratamento de obesidade
mórbida, para pacientes com história anterior de tentativas de redução de peso por dieta
sem sucesso. Todos os pacientes tinham obesidade mórbida e receberam recomendação
médica de cirurgia bariátrica, mas precisavam do parecer psicológico e do desenvolvimento
de comportamentos de mudança de hábito alimentar por riscos que seriam expostos no
período pós-cirúrgico. São obesas mórbidas aquelas pessoas que têm IMC (índice de
massa corpórea) maior que 40.
O comportamento de comer em excesso dos 23 pacientes foi estudado através
do método de análise de contingências, buscando-se descrever as contingências
antecedentes e conseqüentes, para atender às necessidades dos pacientes, das equipes
de tratamento da obesidade, e para propor soluções na modificação do padrão alimentar.
No grupo de emagrecimento por dieta pretendeu-se, observar e descrever as
contingências mantenedoras do comportamento de comer em excesso para o
estabelecimento de um programa terapêutico em grupo e para orientar a equipe
interdisciplinar que incluía módicos e nutricionistas.
No grupo de emagrecimento por ato cirúrgico pretendeu-se, elaborar um laudo de
aprovação para cirurgia bariátrica, orientar a equipe interdisciplinar que incluía cirurgião e
nutricionista e estabelecer um programa de acompanhamento psicológico no período pós-
cirúrgico. Nos dois grupos de pacientes o comportamento de comer em excesso deveria
ser modificado.
A observação e a descrição das contingências demonstraram que o comportamento
foi adquirido durante a história de vida e que a manutenção está sob controle das
contingências reforçadoras, sejam elas positivas ou negativas.

172 l>i(in<i Totrllo Lilonl


As observações e registros indicaram que o comportamento de comer pode ser
descrito em três diferentes classes de resposta: a) o comportamento de comer caracterizado
por dieta rica em gorduras e carboidratos e poucos exercícios físicos no repertório
comportamental, b) o comportamento de comer é compulsivo, ocorre ingestão periódica e
recorrente em grandes quantidades de alimentos, e no repertório comportamental pode ou
não haver exercícios físicos, c) o comportamento de comer ocorre de forma desordenada,
associado a estados de tensão e ansiedade, e o repertório de exercícios físicos pode ou
não estar presente.
As classes de eventos comportamentais estudadas tanto para o programa de
redução de peso quanto para o programa de cirurgia bariátrica indicaram que o
comportamento de comer excessivamente ó mantido por reforçamento negativo em pessoas
com baixa resistência à frustração, e por reforçamento positivo em pessoas com hábitos
alimentares associados a sucesso social e qualidade de alimentos, os pacientes têm
baixo repertório de cumprir instruções e seguir regras e se comportam em função de
reforçamento imediato, não havendo diferença nos dois grupos.
Algumas das contingências observadas foram classificadas em categorias de
contingências antecedentes e conseqüentes, para demonstração do método de estudo.
A tabela 1 indica algumas das contingências antecedentes observadas, que foram
selecionadas para ilustração.

Tabela 1.
Antecedentes históricos recentes Antecedentes aversivos

História pessoal de não seguimento de regras, Ter que pagar contas e não ter dinheiro
especialmente orientações médicas. suficiente.
Exposição constante a alimentos (fartura na Foi punida quando emitiu opinião.
geladeira e dispensa).
Alimentos ricamente preparados por outros, Assistiu a brigas familiares, a doenças e
reuniões sociais associadas a comer. morte na família.

A tabela 2 indica algumas das contingências conseqüentes observadas que


também foram selecionadas para efeito de ilustração.

Tabela 2.

Conseqüências positivas Conseqüências negativas

Guloseimas, bolachas, chocolates, Evita pensar que tem que pagar contas.
refrigerantes, balas.
Alimentos mais baratos, farináceos Evita subir na balança, e olhar para o espelho.
e doces. Evita situações de exposição.
Ensinar outros a preparar alimentos, Evita falar de doenças e morte, evita exames
experimentar pratos variados. módicos.

Nos dois grupos estudados, os pacientes obesos apresentaram vários


comportamentos que indicavam um baixo repertório de cumprir instruções, e em geral se
comportavam em função de reforçamento positivos imediatos.

Sobrt C om poftdm fnlo e Cognição 173


6. intervenção
Após a análise dos comportamentos de comer em excesso e com a discriminação
das contingências foram planejados dois programas:
I - Para o procedimento de Terapia Comportamental em grupo de pacientes do programa
de emagrecimento por dieta, foram selecionados como relevantes os comportamentos
de manejo de ansiedade com treino de enfrentamento de situações aversivas, aumento
do repertório de comportamentos de seguir instruções e modelagem de comportamentos
de discriminar as qualidades calóricas e nutricionais dos alimentos.
II - Para o procedimento de laudo para a cirurgia bariátrica foi adotado o critério de análise
funcional do comportamento de comer em excesso, discrim inando-se quais
comportamentos são considerados relevantes para serem modificados antes e depois
do ato cirúrgico, sendo o comportamento de seguir regras considerado o mais relevante
para esses pacientes. O laudo incluía descrição dos comportamentos necessários de
modificação e plano de intervenção.
Os procedimentos adotados de análise e proposta de Intervenção propiciaram a
adesão das equipes multidisciplinares ao plano, médicos e nutricionistas passaram a
comportar-se perante os pacientes observando os mesmos padrões comportamentais
indicados pelo psicólogo, e oferecendo dessa forma uma unidade no tratamento,
aumentando a adesão do paciente aos programas. Em ambos os grupos os obesos
discriminaram as contingências mantenedoras do comer em excesso.
No grupo de emagrecimento por dieta os resultados foram perda de peso pequena
e lenta, com muita flutuação no padrão comportamental instalado. No grupo de
emagrecimento por ato cirúrgico, os resultados indicaram perda de peso grande e rápida
com pouca flutuação no padrão comportamental instalado.
Esses dados permitem afirmar que a intervenção cirúrgica, quando ocorre após
uma análise de comportamento e plano de manutenção dos comportamentos relevantes,
tem sucesso, pois cria uma condição importante para o aprendizado e manutenção do
controle do comportamento de comer em excesso, condição essa que não ocorreu no
programa de controle do comportamento em Terapia de Grupo.
Os estudos mostraram que os psicólogos analistas de comportamento necessitam
discriminar contingências para propor protocolos de avaliação, definir critérios de exclusão
nos casos de cirurgia bariátrica, identificar o repertório comportamental mínimo que deve
estar presente antes e depois do ato cirúrgico, e ser capaz de discriminar transtornos
psicológicos impedjtivos para a cirurgia.
Podemos afirmar também que nenhum laudo psicológico para cirurgia bariátrica,
fornecido por analistas de comportamento deve ser apenas favorável ou desfavorável, mas sim
conter análise de comportamentos com previsão de respostas futuras com e sem intervenções.
Ficou evidenciado que nenhum programa terapêutico para o tratamento de
obesidade deveria ser conduzido sem a participação de um psicólogo analista de
comportamento, para a descrição das variáveis que estão presentes no comportamento
alimentar dos obesos, subsidiando os programas módicos de redução de peso.

R eferências
Kaplan, H.l. (1999). Tratado de psiquiatria (6*.ed.),(D. Batista, Trad.) Porto Alegre, RS: Artes
Módicas Sul Ltda.

17 4 Plana Toscllo Lalonl


Capítulo 20
Procedendo a Análise Funcional no
Contexto terapêutico: Relações entre história
de vida e déficits Comportamentais
Fabricio de Sou/a', M ylena Pinto Lima Ribeinf ,
Fabiana Pinheiro Ramo?' e H élio José C/uilhardf

Adotando os princípios pragmatistas de Pierce e James e os critérios de


cientificidade e de causalidade propostos por Mach e Bridgman, Skinner propõe a
substituição da concepção mecânica do tipo S->R pela noção de relação funcional para o
estudo do comportamento humano complexo (Baum, 1999; Micheletto, 1999).
Ao conceber o operante, Skinner define o comportamento do organismo como
um produto da seleção pelas conseqüências. O processo de seleção se estabelece
mediante a emissão de respostas que produzem mudanças no ambiente. Os efeitos do
comportamento operante sobre o ambiente são responsáveis pela ocorrência, ou não, das
respostas que as produziram. Aquelas respostas que produzirem conseqüências funcionais
diante do ambiente é que mais provavelmente ocorrerão no futuro.
A relação entre o modelo de seleção pelas conseqüências e a teoria evolucionista
de Darwin ó obvia, estando sua utilidade como princípio explicativo relacionada à noção de
seleção e variação, conceitos também subjacentes à perspectiva darwiniana (Andery,
Micheletto e Sério, 2002).
Skinner (1981/1987)r> enfatiza que as relações de dependência entre o ambiente
comportamento são passíveis de serem identificadas e descritas e que pressupõem a
inter-relação entre os níveis filogenético, ontogenótico e cultural de seleção, sendo que os
dois últimos níveis de seleção são processos descritos pelo modelo skinneriano (ver
Skinner, 1989/1991).
Temos assim que, a ação da seleção natural ocorre no primeiro nível de seleção.
No segundo nível, o condicionamento operante produz um organismo com repertórios
comportamentais diferentes, que costumeiramente nomeamos pessoas. Já no terceiro
nível de seleção, operam as contingências especiais mantidas por um ambiente social
1Progruma drt P6»-grn(lu«ç*< i em PsIcologta/UFES » Núdeo do Anállee Comportamental do Espirito Santo
' Programa d«t Pó*-graduaç*o em Pstook>gUi/UFES, Centro UnIveisilário VII* Velha e Núcleo de Análise Cornpwtamontol do Espirito Santo
’ Centro Universitário VIU Vnlha e Núcleo de AnAUsa Comportamental do Espirito Sanlo
‘ InNlItuto de AnAllft* ComportunHintal de Camplnae
‘ Quando duas dula» fcxem m|nenenUkIm i. a primeira correeponderá ao ano de publcaçlo da obra original e a eegunda, ao ano da ed Içáo conwllada

Sobre Comportamento c Cognição 175


(Skinner, 1981/1987; 1989/1991). Logo, contingências sociais são tradicionalmente
relacionadas à formação de características individuais, descritas em termos de pessoa e
self. As noções de pessoa e se/f diferenciam-se na medida em que a pessoa (um sistema
complexo) pode ser observada por outrem, enquanto o self (um conjunto de estados
internos), faz-se observar pelos sentimentos ou pela introspecção (ver também Skinner,
1990).
Para compreender o comportamento humano, ó necessário considerar as
complexidades produzidas por esses trôs níveis de seleção. Especificamente para a
discussão a que este capítulo se propõe, o segundo nível de seleção será enfatizado.
Supor que os determinantes do comportamento configuram-se via seleção pelas
conseqüências é incompatível com a noção de que o simples fato de um evento ocorrer
imediatamente antes de um comportamento seja suficiente para pressupor relações de
causa e efeito entre eventos comportamentais e eventos ambientais. A partir do modelo
proposto por Skinner, torna-se evidente que são os eventos conseqüentes, e não os
antecedentes, os principais responsáveis pela instalação e manutenção o comportamento.
Diante disso, a relação organismo-ambiente, descrita em termos da probabilidade de um
contexto evocar determinados comportamentos, passa a ser caracterizada por uma relação
do tipo funcional.
Skinner (1953/1998), ao enumerar algumas das causas que comumente são
atribuídas ao comportamento, tais como: a estrutura corporal do indivíduo, o sistema
nervoso, as causas do tipo "psíquicas ou mentais" ou simplesmente qualquer evento
conspícuo que apareça coincidindo com a ocorrência do comportamento, afirma
categoricamente:
"As variáveis externas, das quais o comportamento é função, dão margem ao
que pode ser chamado de análise causal ou funcional. Tentamos prever e controlar
o comportamento de um organismo individual. Esta ó nossa ‘variável dependente'
- o efeito para o qual procuramos a causa. Nossas ‘variáveis independentes’ - as
causas do co m portam ento - são as co nd içõ es e xterna s das q uais o
comportamento é função. Relações entre as duas - as 'relações de causa e
efeito' [entendidas aqui como relações funcionais] no comportamento - são as
leis de uma ciência'' (Skinner, 1953/1998, p. 38).

Para realizar uma análise funcional nos termos que Skinner propõe é imprescindível
a identificação e a descrição da relação entre uma resposta específica e o contexto de
sua emissão. A importância dessa relação pode ser notada, entre outras menções, na
afirmação de Skinfier (1969/1984): “ Uma formulação adequada das interações entre o
organismo e seu meio ambiente para ser adequada, deve sempre especificar três coisas
(1) a ocasião na qual ocorreu a resposta, (2) a própria resposta e (3) as conseqüências
reforçadoras" (p. 182|
Meyer (1997) admite que a análise funcional do comportamento é o instrumento
básico do analista do comportamento, pois na maior parte do tempo,este se ocupa com a
tarefa de identificar e descrever as contingências em operação que mantém o comportamento
do indivíduo, para então, inferir aquelas que agiram durante a ontogênese. Por meio da
análise funcional, é possível estabelecer ou propor relações de contingências para instalar
ou desenvolver um comportamento, assim como, promover a alteração da sua freqüência
e padrão. MMudanças no comportamento só se dão quando ocorrem mudanças nas
contingências. Por isso a análise funcional é fundamental sempre que o objetivo seja a
predição e o controle do comportamento” (p. 32).

1 7 6 híbrido dc Sou/a, M ylena Pinto Ribeiro, Fübl<ind Pinheiro Ktimot c I léllo loié C /uillw ili
Matos (1999), discute que

"Para um funcionallsta, comportamentos evoluem (isto ó, se modificam) porque


têm uma função de utilidade na luta pela sobrevivência do indivíduo; evoluem
porque de alguma maneira representam um mecanismo de lidar com ambientes
complexos. Assim, por exemplo, um comportamento estranho jamais è dito
'patológico', pelo analista comportamental; se ole ocorre ó porque de alguma
maneira ele é funcional, tem um valor de sobrevivência. Fazer uma análise
fu n cio n a l ó id e n tific a r o va lo r de so b re v iv ê n c ia de um determ inado
comportamento'’ (p. 10).

Compreender a seleção do comportamento por suas conseqüências leva-nos à


crença no caráter funcional que toma o comportamento adaptativo dentro das contingências
que o mantém (Banaco, 1997). Diante disso, se um comportamento “estranho" ocorre em
um contexto especifico, pode-se considerar que é a análise funcional a ferramenta que
nos leva à identificação das relações funcionais subjacentes.
Nas palavras de Matos (1999)
"Uma análise funcional, sendo uma análise das contingências
responsáveis por um comportamento, basicamente busca responder á seguinte
questão: 'Qual a função desse comportamento para aquela pessoa?’, ou, posto
de outro modo, 'Qual ó a relação funcional entre esse comportamento e seus
efeitos?’ p. 15.

Examinar a intricada história de reforço que produziu determinado comportamento


nem sempre é uma tarefa fácil. Mas essa relação é fundamental para a compreensão do
que convencionamos chamar de “individualidade". Skinner (1969/1984) propõe o uso da
freqüência de respostas como a primeira unidade de análise em uma descrição funcional
do comportamento. Assim, a avaliação da freqüência de resposta e sua variação tornam-
se um importante instrumental para o analista de comportamento.
Como dito anteriormente, podemos descrever a relação que se estabelece entre a
conseqüência da ação e seus efeitos sobre o comportamento em termos da mudança na
probabilidade de emissão da resposta. Inferimos uma maior ou menor probabilidade de
ocorrência de uma resposta através da análise da história de exposição prévia a um dado
arranjo de contingências. Assim, o padrão de respostas, ou o comportamento mais provável
de ocorrer, é produto de uma história de seleção por conseqüências reforçadoras positivas.
Mas, considerando que a resposta que elimina ou ameniza eventos aversivos também
aumenta em probabilidade de emissão futura, podemos esperar que em algumas situações,
tais contingências selecionam padrões comportamentais nos quais respostas de fuga/
esquiva ocorrem mais freqüentemente.
Skinner (1969/1984) observa que Uum sistema de esquemas não tem efeito até o
organismo ser exposto a ele, e então ele deixa de determinar contingências inteiramente
(...)" p.263. Desta forma, podemos considerar mais um efeito das contingências de reforço.
O indivíduo pode avaliar as contingências passadas e, se o comportamento for influenciado
por tais relações elas poderão tornar-se guias ou regras para a emissão de novos
comportamentos.
O comportamento de uma pessoa meramente exposta às contingências distingue-
se do comportamento de alguém que estabeleceu relações entre os eventos. O
comportamento governado por regras, que se origindu de uma história de reforçamento

Sobre Comportamento e Cognição 177


positivo pode ter efeitos muito benéficos, permitindo ao indivíduo produzir reforçadores
positivos de forma econômica e eficaz. Do mesmo modo, a análise de regras auto-construídas
produzidas a partir de história de reforçamento negativo exige uma análise cuidadosa.
Nas palavras de Skinner (1969/1984)
"(...) quando um homem explicitam ente afirm a um pro pó sito de a g ir de
determinada maneira, ele pode, de fato, estar construindo um 'substituto atual de
conseqüências futuras'que afetam o comportamento subseqüente (...)"p. 266. O
falar sobre expectativas, isto é declarar os prováveis efeitos do comportamento
sobre o ambiente, sugere que o organismo está "consciente" das relações causais.

Não podemos perder de vista, no entanto, que as contingências são efetivas mesmo
que uma pessoa não seja capaz de descrevê-las. Isto fica evidente quando se solicita ao
indivíduo que descreva as contingências que controlam seu comportamento como ocorre,
por exemplo, quando o terapeuta pergunta: "Por que você acha que fez isso?" Neste
momento o cliente poderá examinar seu comportamento e descobrir as relações de
dependência que não havia percebido antes.
Por vezes, a descrição das contingências pode não ser precisa ou estar incorreta,
temos, neste caso, o assim chamado tacto inadequado. Considerando que a descrição
das contingências pode ocorrer antes da ação propriamente dita, podemos pressupor
uma mudança na probabilidade de resposta como função de uma regra auto-construída.
Esta possibilidade pode ser especialmente importante para a compreensão de repertórios
comportamentais modelados em contingências coercitivas.
Skinner ressalta que alterações corporais, tais como as emoções, não parecem
evidentes quando o indivíduo declara uma intenção ou propósito. No entanto é preciso
considerar que boa parte das descrições de contingências, ou seja, regras, emergiram de
contingências aversivas. Para Skinner (1969/1984) “(...) a ansiedade, no sentido de medo
de um acontecimento iminente, é mais do que expectativa,assim como a antecipação
que quase chega a ser antônimo de ansiedade (...)" e acrescenta "(...) a ansiedade contém
respostas emocionais''p.267.
Partindo do pressuposto que o comportamento que teve conseqüências aversivas
tende a ocorrer menos plausivelmente, e considerando a variabilidade como um determinante
da seleção pelas conseqüências, pode-se explicitar a utilidade dos princípios da análise
funcional na identificação e descrição de padrões de comportamento fortemente baseados
em classes operantes de fuga-esquiva que foram selecionados pela exposição a
contingências codteitivas.
É preciso, ainda, considerar os efeitos colaterais da exposição prévia a estímulos
aversivos, respostas autônomas geradas por tais contingências passam a ser descritas
como sentimentos de medo, ansiedade, angústia, culpa etc. Uma boa descrição funcional
deve incluir as relações entre o relato dos sentimentos, as alterações corporais e os
padrões de comportamento manifesto que constituem uma classe operante. Evidencia-
se, dessa forma, o papel atribuído ao analista do comportamento na proposição de uma
análise funcional. Esta não é uma tarefa fácil, uma vez que contingências de reforço não
podem ser observadas em uma ocasião em especial, definir a função das variáveis ambientais
sobre o comportamento requer a identificação das propriedades de estímulos e respostas
que entram numa relação de contingência, o que pode requerer um extenso processo de
observação e análise por parte do analista comportamental.

1 7 8 hibrfclo de Sou/a, M ylena Pinlo Lima Ribeiro, f-abiana Pinheiro Ramos e H élio ]o*é Quilhardi
Utilizando-nos dos pressupostos aqui mencionados, analisaremos, a partir da
apresentação de dois casos clínicos6, alguns padrões de comportamento mantidos,
especialmente, por contingências de reforçamento negativo.
Nos dois casos, foram identificados alguns déficits comportamentais, em especial
aqueles convencionados como repertório de habilidades sociais. Serão apontadas, com o
emprego da analise funcional, especificidades em termos de padrões de relacionamento
interpessoal nos níveís familiar e afetivo. Buscou-se tanto descrever as influências de
auto-regras no comportamento cotidiano, como identificar as relações entre os sentimentos
relatados e os eventos vivenciados em contextos atuais para cada um dos casos.

Caso 1.
Ana (nome fictício), de 31 anos, é concluinte de um curso de graduação e atua
como secretária. A cliente mora com a mãe que é dona de casa. O pai teve problemas
com adição de álcool durante toda a infância de Ana e morreu de câncer há cerca de um
ano. O relato das experiências da infância incluiu menção a sentimentos de ansiedade,
medo e desapontamento em relação ao pai e à sua condição de alcoolista “quando chegava
perto da hora dele chegar ficava todo mundo tenso". O comportamento da mãe foi descrito
como rígido durante a infância, e atualmente inclui uma rotina de cuidados para com Ana
( "Ela lava minhas roupas e faz o que gosto de comer”).
Em relação às primeiras experiências amorosas, Ana relata comportamentos de
submissão ao primeiro namorado, após o que se recusa assumir outro relacionamento
estável ( “todas as minhas amigas jà tem filho, eu não quero isso para mim'). A cliente
informou que tem dificuldades de iniciar e manter conversas em situações sociais, iniciar
novos relacionamentos afetivos e de encerrar relacionamentos considerados insatisfatórios.
Manteve um vínculo com ex-namorado por dois anos após o término do namoro. Expressou-
se da seguinte forma sobre ao fim da relação amorosa; ( “Deixei ele te r m in a r "Estava
sofrendo". "Me senti livre"). Atualmente mantém encontros com um rapaz mas considera
a relação insatisfatória ("não é o tipo de pessoa que quero". “É legal estar com ele". "Ele
não tem ambição’).
A queixa inicial se refere à dificuldade em finalizar o trabalho de conclusão de
curso da faculdade, sem o qual não pode obter o diploma de curso superior. Em suas
palavras: {"Eu sento para escrever, quando parece que vai vir a idéia mais legal ai.eu
paro.", “elas (outras pessoas) não entendem como ô difícil escrever"). Relata que há seis
meses recebeu forte crítica do orientador, sentiu-se “humilhada"e “injustiçada". Descreve
sentimentos dè "insegurança" em situações sociais e relaciona esses sentimentos a
comportamentos de postergação de atividades. ( "Tenho projetos que não vão para a frente".
"Estou fazendo o que as pessoas esperam?". “Porque a gente tem que fazer escolhas?".
"Por que eu tenho sempre que perder o bom e ficar com o ruim ?").
Identifica situações em se comporta de forma agressiva ( “O primeiro ano da
faculdade foi muito difícil, quase abandonei", "Sou possessiva com meus amigos, não
gosto que pessoa estranhas se aproximem’). A cliente descreveu comportamentos
agressivos no contexto familiar, bem como dificuldades em solicitar mudança de
comportamento, especialmente em situações de interação com a mãe ( "Ela vive dizendo
que estou gorda", “fico esperando ela dizer isso toda hora').

‘ O» cmkm aqui airotuxiüKiuH toram ataodMo« pelo* HutofWRdurantn um our*> da mpautoçAo o*n IntHptu ootnpotUMtMntaf mafUado pai« Facufdad« Seíeeíene
da Vltúrla, ontre o» riM M i de Nuvnmbro dn 2002 • Junho d# 2003.

Sobrr Comportamento e Cognição 179


Nas sessões iniciais, as falas da cliente apontaram incongruências em relação
às explicações para suas dificuldades, com uma racionalização excessiva. Inicialmente,
as contingências aversivas que mantém seu comportamento não foram identificadas por
Ana: ("Sinto muita angustia". "Parece coisa de a dolescente"E u já tenho 31 anos”).
Quatro hipóteses foram levantadas para a descrição funcional do caso: a) alta
freqüência de comportamentos de fuga/esquiva; b) tactos inadequados ou pobre observação
do ambiente; c) alta freqüência de comportamentos inassertivos e agressivos; d) baixo
repertório em certas áreas (compreensão de textos; escrita; habilidades sociais).
Nas sessões que se seguiram, foi enfatizada a observação de comportamentos
que pudessem estar relacionados com queixa inicial, isto é, exemplos de postergação e
outros comportamentos de esquiva. Em função do comportamento de Ana na sessão,
com muitos autoclfticos e respostas de fuga/esquiva frente às solicitações da terapeuta,
optou-se por reforçar diferencialmente o relato fidedigno dos eventos a fim de evitar "pistas
falsas” e desvios nos objetivos da sessão.
Nas sessões que se seguiram, novos exemplos indicaram uma oscilação entre
formas agressivas e formas inassertivas de relacionamento interpessoal. Desta forma, a
análise funcional, possibilitou identificar algumas relações críticas entre a história de vida
e o padrão de comportamentos atual. A partir de então, a terapeuta pôde estar mais
preparada para responder às contingências presentes na sessão, sem perder de vista as
hipóteses iniciais e as questões a serem colocadas para cliente com vistas ao
esclarecimento do caso.
Ana foi encaminhada para sessões de treinamento em habilidades sociais. Após
o que, passou a descrever com maior precisão as relações entre variáveis do contexto e o
próprio comportamento. Observou-se o aumento de relatos de estados corporais e de
sentimentos juntamente com a descrição de outros eventos comportamentais.
Posteriormente, o conceito de autocontrole foi introduzido, sendo discutido juntamente
com estratégias para o controle dos respondentes associados à ansiedade em situações
sociais. Nas últimas sessões, Ana retomou o tema (“Por que a gente tem que fazer
escolhas?") estabelecendo novas relações entre a maneira como se comporta e os
resultados que obtém.

Caso 2.
Um exemplo do reflexo do déficit no repertório de habilidades sociais nas relações
familiares pode ser obtido com a análise da história de uma mulher, Clara (nome fictício),
de 46 anos, casada, mãe de dois filhos, João Pedro de 12 anos e Caio César de 8 .
Clara busca ajuda queixando-se por seu filho mais velho estar tirando notas baixas
na escola. Relatou que ( “ele já ficou reprovado na 4asérie, é disperso e deixa tudo para a
última hora"). Na primeira sessão Clara afirma que embora João Pedro seja ("uma criança
boa, tem uma personalidade muito difícil"). Ele não aceita, de acordo com a mãe, as
conversas que esta tenta entabular. No relato da situação para o terapeuta, Clara afirma:
( "Ás vezes sou calma, mas, ás vezes, falo o que nâo devia falar").
Sobre o filho mais novo, ela o caracterizou como sendo ("totalmente diferente e
muito amoroso enquanto João Pedro era muito devagar"). Tentando conversar com João
Pedro sobre a necessidade das coisas serem diferentes, ela conta que a resposta dele
foi: ( "Desde que você nâo me encha o saco").
Após ser questionada sobre esta atitude do filho, na fala de Clara transpareceu
um dado significativo: permanentemente ela repetia o padrão de lembrar o filho das tarefas

1 8 0 hibrkio de Sou/a, M ylena Pinto !.lm<i Ribeiro, Fdbldn.i Pinheiro Rdmo« e f Jíllo Josí Qullhardl
que estavam ficando para a "última hora". Notável era padrão de falar e cobrar a realização
das tarefas e de não aplicar sanções se estas não fossem cumpridas. Em algumas ocasiões
ela própria fazia os deveres. Reclamou: ("o que eu peço ele não faz. Assim, eu acabo
fazendo"). Quando o pai apresenta algum castigo aos filhos ela tende a não permitir que o
mesmo seja executado por completo: ( uEu sou meio mole e solto algumas coisas").
Após a primeira sessão foram observados alguns aspectos que se mostraram
relevantes para o devido encaminhamento do caso:
I) esclarecer problemas afetivos, tais como a culpa da mãe diante da situação;
II) discriminar se os problemas atribuídos ao filho eram mesmo inapropriados ou apenas
supostos;
III) explicitar, em momento oportuno, o fato de a mãe tentar controlar o filho exclusivamente
pelo antecedente ( "Façat")\
IV) investigar a rotina do garoto: o que e como ele faz as tarefas rotineiras;
V) o corte privilégios (contingentemente) quando as tarefas não fossem cumpridas.
Também se mostrou relevante o levantamento de dados acerca de duas questões
importantes. Uma primeira ligada ao filho: em quais ocasiões ele apresenta os problemas
relatados, com quem ele os apresenta e, sendo o caso, quais outros ele poderia ter. Uma
segunda questão era a ineficácia de Clara frente ao filho e a possibilidade das dificuldades
afetivas desta estarem generalizadas para outros aspectos de sua vida.
Embora Clara tenha buscado atendimento para o filho mais velho, foi decidido que
tomaríamos o comportamento desta com o foco de análise visto que a investigação de sua
história de vida levou-nos à hipótese, de que as atitudes frente ao filho relacionavam-se
com as experiências de frustração vividas por ela e, possivelmente, estas experiências
estivessem na condição de história prévia fazendo com que a excessiva cobrança se
constituísse em uma esquiva da possibilidade deste vir a frustrar-se também.
Relatou que não teve oportunidade de estudar. Sentia-se rejeitada pela mãe que,
como relatado, era mais atenciosa com a irmã mais velha. No entanto, a mãe de Clara
adoeceu e veio a falecer, mas antes de morrer sua màe a elogiou pelos cuidados a ela
dispensados. Ao se referir a esse fato, Clara reconhece a gratidão da mãe e díz: "se não
foi pelo amor foi pela dor". Pareceu-nos que nesse momento poderíamos ter a possibilidade
de esclarecer a relação entre o padrão de interação entre Clara e sua màe, e entre Clara
e João Pedro.
O que nos intrigava era o fato de Clara insistir, da forma com fazia, para que o filho
estudasse tanto. O padrão de interação diante da mãe, insistir para que ela a reconhecesse
como uma boa filha, ainda que nos momentos finais da vida, contribuiu para que Clara
emitisse, incansavelmente, no contato João Pedro, as respostas para a obtenção do
reforço desejado. Entretanto, Clara não discriminava que o repertório que produziu as
conseqüências reforçadoras provenientes de sua mãe poderia não ter o mesmo efeito com
o filho. Eis um exemplo genuíno de um comportamento governado por regra visto que ela
nâo desistia diante da dificuldade, mas também não variava sua resposta.
Por sentir-se rejeitada pela màe, Clara não queria que João Pedro passasse por
experiência semelhante. Logo, doava-se integralmente a ele na tentativa de obter o
reconhecimento e o amor.
A experiência de lutar pelo reconhecimento da màe fez Clara acreditar que as mulheres
fossem mais dedicadas ás suas causas e aos outros, mais sensíveis e com maiores chances
de perdoar. Tendo essa regra como estímulo discriminativo, ela supunha que a atenção dada

Sobre Comportamento e Cogniçüo 181


ao filho (que, sendo menino, teria maior dificuldade de reconhecer os esforços de mâe por ser
mais insensível e menos dedicado) pudesse toma-lo mais próximo a ela.
Tendo sido identificadas essas contingências, pudemos perceber o porquê da
baixa probabilidade de João Pedro sofrer algum tipo de sansão dispensado por sua mãe,
preocupada em não tratar o filho com ora havia sido tratada.
Nessas contingências João Pedro não desenvolvia um repertório de autoconfiança
e responsabilidade, diferentemente de seu irmão mais novo. Este, por não gozar de tanta
proteção e cuidado, emitia respostas e era reforçado positivamente por fazê-lo, assim como
sofria sansões quando exibia respostas inadequadas (ver Skinner, 1991 e Guilhardi, 2002).
Preocupada em não permitir que o filho mais velho se frustrasse, assim como ela
se frustrou com o tratamento diferenciado de sua mãe, Clara emitia um padrão muito
semelhante na interação com seus filhos.
Atualmente Clara está aprendendo a discriminar elementos de sua história de
vida envolvidos em seus comportamentos diante do filho ( "Tudo o que cobro ó porque eu
tentei um dia e nâo consegui'). Foram avaliados os padrões que ela deseja ver sendo
cumpridos por ele. A cliente foi estimulada a envolver-se em atividades que promovessem
variabilidade em seu repertório, tais como assumir tarefas na igreja e na comunidade onde
morava.
Com essa intervenção, Clara relatou que seu sentimento de ansiedade frente ao
desempenho acadêmico de João Pedro não tem estado tão intenso quanto antes ( “Nâo
é a situação que eu quero, mas não adianta pressionar e forçar, Tenho que deixar correr
no jeito dele".). O desempenho do filho na escola ainda não apresentou mudanças
significativas, mas a ajuda de Clara vem sendo requisitada, pelo filho, na organização de
algumas tarefas.

R eferências

Andery, M. A. P. A., Micheletto, N., Sório, T. M. A. P. (2002). O modelo de seleção pelas


conseqüências a partir de textos de B. F. Skinner. In A. M. S. Teixeira, A. M. Ló Sónóchal-
Machado, N. M. S. Castro e S. D. Cirino (Orgs.), Ciência do comportamento: conhecer e
avançar. Santo Andró: ESETec, vol 2, pp. 151-163.
Banaco, R. A. (1997). Auto-regras e patologia comportamental. In D. R. Zamignani (Org.), Sobro
comportamentQ e cognição: a aplicação da análise do comportamento e da terapia cognitivo-
comportamental no hospital geral e nos transtornos psiquiátricos. Santo Andró: ESETec
Editores Associados, vol. 3, pp. 80-88.
Baum, W. M. (1999), Compreender o behaviorismo: ciência, comportamento e cultura. Porto
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Guilhardi, H. J. (2002). Auto-estima, autoconfiança e responsabilidado. In M. Z. S. Brandão, F. C.
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Skinner, B. F. (1998). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

Sobrr Comportamento c Cognl^Ao 183


Capítulo 21
A influência do perfeccionismo na baixa
auto-estima da criança: um estudo de caso

Fernanda M artins Pereira'


PsicocHnica Cognitiva do Rio ddanaro

O perfeccionismo pode ser caracterizado como um padrão de crenças no qual o


indivíduo coloca, para si mesmo e para os outros, metas de alto desempenho, muitas
vezes insensatas e inatingíveis (Elliott & Melstner, 1993).
Pesquisas vêm relacionando o perfeccionismo ao desenvolvimento e manutenção
de uma série de transtornos, tais como depressão (Blatt, 1995), transtornos alimentares
(Vohs, Bardone, Joiner & Abramson, 1999), síndrome do pânico e fobias (Antony, Purdon,
Huta & Swinson, 1998; Frost, Marten, Lahart & Rosenblate, 1990).
Boivin e Marchand (1996) defendem a existência de dois tipos de perfeccionismo:
0 sadio e o patológico. No primeiro caso, o indivíduo consegue manter critérios de sucesso
realistas, o que faz com que se cobrem menos. Já no segundo, as exigências pelo
cumprimento das metas são muito intensas, havendo uma distorção em relação ao
significado real das mesmas. De acordo com esses autores, o perfeccionista patológico
confunde o alcance de uma meta com seu próprio valor pessoal.
Como na maioria das vezes os indivíduos perfeccionistas possuem um nível de
exigência muito alto, é comum que se sintam frustrados, ansiosos e mais propensos a
desenvolver baixaauto-estima. A literatura aponta que, embora freqüentes, o perfeccionismo
e a baixa auto-estima vem sendo pouco explorados pelos pesquisadores da área,
principalmente no que se refere aos quadros infantis (Reinecke, Datillo & Freeman 1999).
O presente trabalho tem o objetivo de discutir a relação existente entre o
perfeccionismo e a baixa auto-estima na criança, procurando avaliar seu impacto no
desenvolvimento cognitivo, afetivo e comportamental. Para isso, será feito um estudo de
caso a partir de um atendimento realizado em consultório particular.

1. Caracterização do caso
A fim de exemplificar a relação entre o perfeccionismo e a baixa auto-
estima, será apresentado o caso de uma criança atendida em consultório particular, segundo
os princípios da terapia cognitivo-comportamental.
1 EapaclalliiUi uni psloologi* hospitalar (UNIRA), maalra am Mtlôha da* dAndaa da Saúdn (COC/FIOCRUZ)

18 4 Fernanda Martin« Perclr.1


N., nove anos, estudante do nível fundamental, filha única de pais separados, foi
levada ao consultório pela mãe. Esta última alegava que a criança vinha apresentando nos
últimos meses alta ansiedade, queda no desempenho escolar e comportamento hostil,
marcado por explosões de agressividade em casa e na escola.
Primeiramente, foram feitas algumas entrevistas com a mãe e a criança a fim de
coletar dados para a elaboração do plano de tratamento.

a) Entrevistas com a mãe


Um dos principais objetivos da entrevista com a responsável foi identificar as
situações onde os comportamentos inadequados da criança ocorriam e seus possíveis
reforçadores.
A mãe de N. relatou que estava tendo brigas sucessivas com a filha pelo fato
desta não estar cumprindo suas tarefas cotidianas. Quando a psicóloga pediu para que
estas tarefas fossem descritas, foi observado que a criança estava sendo submetida a um
excesso de atividades: cinco horas semanais de atividades físicas (incluindo competições),
escola integral duas vezes na semana, aula de piano e inglês. A criança tinha poucos
momentos de lazer e raramente se relacionava com outras crianças fora dessas atividades.
A mãe proibia a filha de ver TV regularmente, com exceção dos programas que acreditava
serem culturais, pois temia os que pudesse atrapalhar sua formação. Essa proibição, no
entanto, acabava fazendo com que N. se sentisse deslocada quando seus amigos da
escola comentavam sobre determinados programas que faziam sucesso na sua faixa
etária. Essa situação acabava deixando a criança ansiosa, na medida em que N. optava
por se esquivar dos colegas quando estes comentavam os programas que não podia
assistir.
Foi investigado também em que medida o desempenho escolar da criança estava
realmente sendo prejudicado. A màe relatou que suas notas estavam caindo: "sempre
tirou dez e agora está tirando oito, elas não é mais uma boa aluna”.
As explosões de agressividade de N. haviam ocorrido duas vezes, uma com a
màe e outra com os colegas da escola. No primeiro caso, quando a mãe cobrou um
melhor desempenho escolar da menina, esta ficou ruborizada, começou a gritar e chorar
intensamente. No segundo, N. agrediu um colega quando este não quis fazer sua parte no
trabalho de grupo da escola. Este seu comportamento assustou a professora e os demais
alunos, pois este não era um comportamento usual.
As entrevistas realizadas com a responsável puderam evidenciar um alto
perfeccionismo por parte da màe, e um nível de estresse significativo na mesma. A mãe
se sentia muito sobrecarregada, pois tinha que levar a filha em muitas atividades. Alegava
não ter tempo para si própria e, ao brigar com a filha, se sentia extremamente culpada.

b) Entrevistas com a criança


Nas entrevistas com a criança, N. se revelou uma menina inteligente, dotada de
ótima fluência verbal. No entanto, as tarefas que envolviam jogos revelaram uma alta
ansiedade de desempenho. Queria sempre ganhar as brincadeiras, e, quando isso não
ocorria, se sentia frustrada.
Apresentava a crença de que era “burra" pois nunca conseguia se manter como a
primeira aluna da turma. Na realidade, N. era a segunda de sua classe, mas desqualificava
esse dado, pois para ela ser a segunda não era o suficiente. Alegava também não gostar

Sobre Comportamento c Cognlvüo 185


de fazer as tarefas de casa. De acordo com N., os exercícios não adiantavam no seu
caso, pois por mais que os fizesse não conseguia melhorar sua posição no ranking da
turma.
Em uma dada ocasião foi solicitado a N. que fizesse um desenho de tema livre.
Ela desenhou uma boneca, que lhe agradou muito. Quando foi mostrar à mãe, esta disse
que “estava bonitinho, mas podia fazer melhor". A criança imediatamente expressou sinais
de tristeza e falou para a psicóloga: “Eu não falei que eu sou burra? Nem desenhar consigo!".
Além disso, N. dizia não gostar de si mesma: “Eu me acho feia e gorda. Sou alta
demais, meu cabelo ó cacheado, não gosto da cor... eu queria ter o cabelo igual ao da
minha mãe”.
Foi identificado também que N. apresentava déficit de habilidades sociais. Acreditava
que as duas únicas formas de conseguir o que queria era através de comportamentos
agressivos ou chantagistas. Isso acabava prejudicando a relação com os colegas da turma,
principalmente com aqueles que participavam de seys trabalhos em grupo.
Foi verificada, portanto, uma série de distorções cognitivas em N., muitas delas
reforçadas pela mãe. A criança pareceu ter Incorporado um alto nível de exigência, o que
fazia com que tivesse uma alta ansiedade no cumprimento das tarefas, principalmente as
escolares. Como ficava ansiosa, seu desempenho acabava mesmo ficando prejudicado.
Isso acaba alimentando, cada vez mais, sua baixa auto-estima.
Além disso, a criança estava bastante desmotivada, pois não considerava nenhuma
de suas atividades prazerosas, estando sempre com uma sensação de cansaço.

2. Tratam ento
O tratamento teve por objetivo reestruturar as crenças perfeccionistas tanto de N.
como de sua mãe, uma vez que havia fortes indícios de que estas estavam desencadeando
a maioria das queixas relatadas.
As metas traçadas e as estratégias desenvolvidas durante a psicoterapia com a
criança foram ( 1 ) reduzir o nível de ansiedade de desempenho da criança, aumentando
seu senso de auto-eficácia; ( 2 ) identificar distorções cognitivas e reestruturá-las
(principalmente a crença de que N. só seria uma criança de valor se fosse perfeita em
tudo): e (3) treino de habilidades sociais. Para isso, foram propostos determinados jogos
e brincadeiras (ex: 60 segundos, Parole) nos quais N. pudesse observar o quanto seu
resultado era alterado por sua ansiedade; treino em relaxamento muscular e mental; role
play para o treino de respostas socialmente mais habilidosas, a fim de reduzir os conflitos
gerados pela interação com os colegas da classe. Todas essas estratégias tinham o
objetivo maior de elevar a auto-estima de N. na medida em que esta fosse conhecendo
suas qualidades e se empenhando na melhoria de suas deficiências.
Com a mãe, os objetivos foram (1) mostrar a influência das crenças perfeccionistas
nos comportamentos inadequados da criança; (2 ) estabelecimento de um tempo mínimo,
diário, em que pudessem desenvolver juntas atividades prazerosas; (3) conscientização
para a necessidade de reduzir as tarefas rotineiras de N., principalmente as que envolviam
competição, deixando que a criança pudesse escolher em quais gostaria de permanecer;
(4) encaminhamento da mãe para psicoterapia individual, a fim de que pudesse modificar
seu alto padrão de exigência e diminuir seu nivel de stress.

1 8 6 Fcmdndd M a rtin f l’erelr«i


3. Resultados
Ao longo do tratamento, N. foi melhorando seu desempenho escolar. Mais
Importante que isso foi o fato de ter começado a aceitar suas eventuais quedas de
desempenho. Quando tirava uma nota um pouco mais baixa, ao invés de ativar a antiga
crença “sou burra", N. foi aprendendo a verificar onde poderia ter falhado (ex: ter estudado
às vésperas do exame ou não ter feito os deveres de casa), elaborando estratégias a
serem desenvolvidas futuramente para evitar uma eventual queda.
Os conflitos com os colegas também foram, progressivamente, diminuindo. A
emissão de comportamentos assertivos pareceu ter contribuído significativamente para
isso. N. se tornou mais habilidosa para discutir as tarefas em grupo, aprendendo a respeitar
idéias divergentes as suas. •

4. Conclusão
O estudo de caso aqui apresentado ilustra a relação do perfeccionismo e a baixa
auto-estima infantil. Os psicólogos devem estar muito atentos á influência das crenças
perfeccionistas na auto-estima na criança, na medida em que esta pode comprometer o
desenvolvimento emocional, cognitivo e social da mesma.
A criança perfeccionista pode desenvolver um autoconceito distorcido devido a
seus padrões de exigência excessivamente elevados. As estratégias cognitivo-
comportamentais auxiliam a criança e sua família a compreender e a modificar essa
situação, na medida em que promovem o desenvolvimento de comportamentos e crenças
mais adaptativas e condizentes com a realidade.
É importante ressaltar que no caso aqui apresentado, o sucesso do tratamento
estava condicionado, em parte, à mudança das crenças maternas. Deve-se ter sempre
em mente que o meio muitas vezes reforça a emissão de comportamentos perfeccionistas.
Se esforçar para alcançar metas não deve ser encarado como um problema, mas sim o
fato de que muitas delas talvez sejam irracionais ou inatingíveis. Do contrário, a criança
estará sendo reduzida a um desempenho específico.

R eferên cias
Antony, M „ Purdon, C., Huta, V., & Swinson, R. (1998). Dimensions of perfectionism across the
anxiety disorders. Behaviour Research and Therapy v.3, 1143-1154.
Blatt, S. J. (1995). The destructiveness of perfectionism: implications for the treatment of
depression. American Psychologist vol 50 n. 12, 1003-1020.
Bovin, I. & Marchand, A. (1996). Lo perctionnismo et les troubles anxieux. Revue Québécoise de
Psychologie vol 17, n.1, 131-163.
Elliott, M. & MelstNER, S. (1993). Perfeccionistas: como aprender a conviver com as imperfeições
do mundo real. RJ: Saraiva.
Reinecke, M. A., Datillo, F. Freeman, A. (orgs.) (1999). Terapia cognitiva com crianças e
adolescentes: manual para a prática clínica. Porto Alegre: Artes Médicas.
Vohs, K.D., Bardone, A. M., Joiner, T. E., Abramsom, L.Y. (1999). Perfectionism, perceived weight
status and self esteem interact to predict bulimic symptoms: a model of bulimic symptom
development. Journal o f Abnormal Psychology vol 108, n. 4, 695-700.

Sobrr Comportamento c Coflnlçio 1 8 7


Capítulo 22
Controle Coercitivo e Ansiedade - Um caso
de "transtorno de pânico" tratado pela
Terapia por Contingências de Reforçamento
(TCR ) 1
H élio hm* Quilhardi
Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento
Instituto de Análise de Comportamentd'

0 terapeuta comportamental está interessado, em última análise, nos


comportamentos e sentimentos do cliente, mas de acordo com Matos (1997): "ele estuda
e trabalha com contingências de reforçamento, isto é, com o comportar-se dentro de
contextos" (p. 46). Partindo desse pressuposto, o que o analista de comportamento faz o
tempo todo é identificar eventos-ambiente e eventos-organismo para relacioná-los e
sistematizá-los como uma Interação que inclui pelo menos os três termos da tríplice
contingência: antecedente-ação-conseqüente. Depois procura alteraras contingências,
até produzir mudanças funcionalmente significativas nos comportamentos e estados
corporais da pessoa, reduzindo ou eliminando conseqüências aversivas e maximizando
conseqüências reforçadoras positivas. A Terapia por Contingências de Reforçamento (TCR)
se baseia na Ciência do Comportamento e no Behaviorismo Radical de Skinner e em nada
mais (Guilhardi, 2004).

1. O caso Raul
Meu primeiro encontro com Raul foi muito agradável. Ele tem de 32 anos, é
solteiro, mora com a mãe; esta deixou sua cidade e marido para "cuidar do filho doente".
Pode parecer um pouco estranho descrever o primeiro encontro entre terapeuta e cliente
como "agradável", já que a sessão é o contexto indicado para se falar de problemas de
comportamento e sentimentos aversivos. Raul, no entanto, é uma pessoa falante, gesticula
muito, “catastrofiza" suas queixas, mas o faz de maneira tão peculiar, que seu
comportamento verbal é envolvente e mantém o terapeuta sob controle de uma teatralidade
que comove (pelo sofrimento) e encanta (pelo sabor da narrativa). Não hesitei em chamá-
lo de Raul “Autran", sobrenome de um dos maiores atores teatrais que conhecemos.
Raul veio para a consulta, já tendo vivenciado quatro anos de terapia de orientação

‘ Auradovü àa palcóluga» Maria EIoIm Bonavila Soara* a Noraan Camptoll da Agukro, pata» criteriosa» »ugMtôa* durantn a «labor «çâo do capitulo
' Campina* • SP

1 8 8 I iéllo José Cyuilhcirdi


psicodinâmica e utilizado 17 diferentes medicamentos psiquiátricos, na busca ininterrupta
de ajuda para minorar seu sofrimento. Veio até mim por indicação do Dr. Mauro, psiquiatra,
que lhe prescreveu um conjunto de remédios, que inclui antidepressivo, ansiolítico e
vitaminas, e propôs um tratamento integrado com Terapia Comportamental. Note sua fala:
“Dr. Hélio, sinto-me mortificado, fora do mundo... Começou com sensações físicas.
Foi tão horrível que só pensava: vou morrer... vou cair... Turvou minha vista... fui carregado
para a enfermaria do shopping onde eu estava passeando... (Nunca imaginei que
aquele seria o pior dia da minha vida). Foi de repente, numa fração de segundo. Fiquei
2-3 dias sem sair de casa. Parei de dirigir o carro... É uma sensação orgânica. É o
meu corpo... Empurra para trás e não me deixa ir em frente. Não sei como chamar...
(o que sinto) Parece que tenho um quadro de angústia... Não sei que nome dar. Não
me sinto bem em casa, em lugar nenhum. Já tomei 17 remédios e não melhorei
nada. Vou tomar o que o Dr.Mauro me prescreveu, mas estou descrente. Minha vida
pode ser dividida em duas etapas: antes de 3 de fevereiro de 2000 e depois."
O comportamento verbal de Raul era acompanhado de gestos, expressões
corporais que emprestavam ao relato uma dramaticidade de sofrimento tocante. Raul emitia
tactos verbais exclusivamente sob controle de respostas e estados corporais. Ele sentia
claramente seu corpo. Mas não relacionava tais reações orgânicas com nenhum evento
antecedente ou conseqüente. Raul sabia o que ocorria no seu corpo; não sabia por que,
isto é, em função de que ocorria. Ele esquematizou sua queixa num gráfico, da maneira
mostrada na Figura 1.

* NSo vejo fora. É opaco*


* Nôo interajo com o mundo."
mOs de fora me enxergam."

ruim . p. ^ ...ruim

Figura 1. Representação esquemática feita por Raul de sua relação com o mundo externo.

A descrição que ele fazia do seu corpo estava sob controle do modelo módico
tradicional de doença: "Há algo errado com o funcionamento do meu corpo. Não sei o que
é. Ninguém sabe. E, sofro por causa disso. Faço o que posso: tomo todos os remédios
que me mandam tomar." A cúpula que o envolve exclui o mundo externo como parte dos
determinantes de sua doença. É, portanto, compreensível que tenha procurado mais de

Sobre Comportamento e Coflnlyío 189


dez diferentes psiquiatras em busca de alívio, através de diferentes remédios, nas mais
complexas combinações de fórmulas e dosagem. Simultaneamente, procurava na
psicoterapia "compreensão de seus dinamismos psíquicos". A psicoterapia, segundo Raul,
era um componente secundário, “coadjuvante" para curá-lo dos sintomas.
O terapeuta fez a transposição do esquema de Raul para um paradigma
comportamental. Assim na Figura 2.

Eventos Eventos
antecedentes Respostas consequentes

n&o identificados Raul se comporta não identificados


por Raul sob controle dos por Raul
comportamentos
respondentes e
estados corporais

Raul não fíca sob controle das inter-relações entre os três componentes
da tríplice continqência
Figura 2. Paradigma da tríplice contingôncia.

O modelo comportamental revelou que, até então, Raul não estabelecia nenhuma
relação comportamento-ambiente. Ele ficava exclusivamente sob controle dos estímulos
provindos do próprio corpo (elo do meio da tríplice contingôncia). É de se esperar, portanto,
que Raul atribuísse os sintomas a uma causa orgânica e ele nem suspeitava que pudessem
ser produzidos por complexas relações entre organismo e ambiente. Entende-se também
a estranheza de Raul: por que os remédios não têm efeito e os sintomas persistem,
mesmo tomando regularmente todos os medicamentos indicados pelos psiquiatras? A
interpretação de Raul sobre a queixa é que ele, tem uma doença no seu corpo, por isso
procura ajuda médica. Só foi ao psicólogo porque a ajuda médica, exclusivamente, não o
estava ajudando em seu sofrimento. Aceitou mudar de modelo terapêutico quando o Dr.
Mauro lhe deu unaa orientação específica sobre as contribuições que a Terapia
Comportamental tem trazido para problemas como os dele.
“O que a Ciência do Comportamento tem a oferecer para Raul?’’, perguntei-me.
Fiquei sob controle do modelo experimental de ansiedade (outros autores sugerem outros
nomes: resposta emocional condicionada ou supressão condicionada, segundo Catania,
1998, p. 186) desenvolvido por Estes e Skinner (1941), pois ele parecia ser um bom
começo para controlar meu comportamento de analisar a queixa de Raul.
No paradigma experimental de ansiedade, mostrado na Figura 3, da página seguinte
nenhum comportamento do sujeito experimental pode evitar a apresentação do choque
livre. Os sintomas, para Raul, teriam a função de estímulo pré-aversivo, diante do qual ele
nada poderia fazer para evitar o estímulo aversivo, qual seja, o diagnóstico de uma doença
fatal e, decorrente dela, a morte. Os sintomas, por sua vez, eram também averslvos em si

190 H élio Joté Cyulllnirdl


mesmos. Era exatamente assim que Raul interpretava o seu sintoma: “Não há nada que
eu possa fazer para evitar o aparecimento dos sintomas: não há nada que eu possa fazer
para fugir deles. O que eu posso fazer é tomar os remédios... mas eles não me ajudam".
O paradigma de ansiedade pode ser um bom análogo para entender as condições corporais
("Meu corpo não me obedece mais", "Sinto que não vou para frente", “Meu braço formiga",
“Sinto tontura", “Tenho sensação que vou desmaiar” etc.) e a supressão de comportamentos
operantes relatados por Raul ("Não consigo trabalhar", "Não saio mais de casa", “Parei de
dirigir", “Não me interesso mais por mulheres” etc.)

• S pré-aversivo _ l ....... ‘ .......... I___


(luz)
• Sav inescapável ............... ..........J__
(choque elétrico)
supressão do comportamento
• Resposta ineficaz
operante e aumento dp respondents

• Tempo (seg) 1 ... ♦ ... ¥..........t.....


0 10 20 30

Figura 3. Paradigma do modelo de ansiedade ou de resposta emocional condicionada


ou de supressão condicionada, (modelo experimental).

No entanto, Raul - diferentemente dos sujeitos experimentais - não está


impossibilitado de emitir comportamentos operantes que alterem a relação entre estímulo
pró-aversivo (luz) e estímulo aversivo (choque). Ele pode fugir ou se esquivar do estímulo
aversivo e quebrar a relação CS-US, emitindo comportamento apropriado. Mas qual seria
esse comportamento funcionalmente eficaz? Voltemos, então, para outros paradigmas
que a Ciência do Comportamento nos oferece e que representam um avanço em direção
aos objetivos terapêuticos para Raul. Os paradigmas de fuga-esquiva sinalizada (Hoffman,
1966) e não sinalizada (Sidman, 1953) oferecem alternativas mais apropriadas. Os
paradigmas de esquiva sinalizada apresentados nas Figuras 4 e 5 da página seguinte
mostram duas condições esquemáticas: numa, a resposta de esquiva não ocorre; na
outra, a resposta de esquiva evita a apresentação do choque e interrompe a apresentação
da luz.
Os paradigmas de esquiva não sinalizada ou esquiva de Sidman, apresentados
nas Figuras 6 e 7 da página seguinte, mostraram, respectivamente, duas condições:
numa, o sujeito experimental não emite a resposta de esquiva e recebe todos os choques
programados (a cada intervalo S™- Sm)\ na outra, a resposta de esquiva adia a apresentação
do choque por um período de tempo pré-determinado (intervalo R - S"*). O sujeito pode
evitar todos os choques, desde que emita a resposta de esquiva com suficiente freqüência
(em intervalos menores que os S " - S " ou R - S "). Se houver omissão de resposta, o
choque é apresentado.

Sobre Comportamento c CoflnlçJo 191


• S pré-aversivo i |___
(luz)
____ 1____
• Sav evitável
(choque elétrico)
• Resposta eficaz ------------
(remove luz e choque)
• lempo (seg; ó io — 20i— — 30t—
Figura 4. Paradigma de esquiva sinalizada (modelo experimental). A resposta de fuga*
esquiva não ocorre, o S pré-aversivo permanece presente pelo tempo programado o ó
removido no exato momento em que o estimulo aversivo ó apresentado.

• S pré-aversivo
(luz)
• Sav evitável -----------------------
(choque elétrico)
• Resposta eficaz _________ I
(remove luz e choque) respodf c^ ulva
• Tempo (seg) •••*..............i ---------------- 1-
10 20 30

Figura 5. Paradigma de esquiva sinalizada (modelo experimental). A resposta do fuga-


esquiva ocorre, o estímulo pró-aversivo é removido e o estimulo aversivo não é apresontado

Os paradigmas de esquiva não sinalizada ou esquiva de Sidman, apresentados


nas Figuras 6 e 7, da página seguinte mostraram, respectivamente, duas condições:
numa, o sujeito experimental não emite a resposta de esquiva e recebe todos os choques
programados (a cada intervalo S*v- S™); na outra, a resposta de esquiva adia a apresentação
do choque por um período de tempo pró-determinado (intervalo R - S " ) . O sujeito pode
evitar todos os choques, desde que emita a resposta de esquiva com suficiente freqüência
(em intervalos menores que os S " - S " ou R - S1"). Se houver omissão de resposta, o
choque é apresentado.

192 H élio Jo*é (yuilhiirdl


• S pré-aversivo nâo existe
(luz)
• Sav evitável --*----*----
(choque elétrico)
• Resposta eficaz --------------------
(adia o choque)
• Tempo (seg) 0 ♦ + £
Figura 6. Paradigma de esquiva nâo sinalizada (modelo experimental). A resposta de
esquiva não ocorre e todos os estímulos aversivos programados são apresentados.

não existe
• S pré-aversivo
(luz)
J_______________ L
• Sav evitável
(choque elétrico)
• Resposta eficaz ________ I____I____ I
resposta de esquiva
(adia o choque) do choque

• Tempo (seg) I----------- 1—


0 10
I------------------------ 1-------h
20 30 40

Figura 7. Paradigma de esquiva nâo sinalizada (modelo experimental). As respostas de


esquiva evitarrva apresentação do estimulo aversivo. Se a resposta nâo foi emitida, então, o
estimulo aversivo ó apresentado.

Pensei, então, que o paradigma de ansiedade ajuda a entender o que ocorre com
Raul, mas ó de pouca utilidade terapêutica, pois tal paradigma não instrumenta a pessoa
para mudar a contingência: o choque é inevitável e, portanto, não há comportamento
operante que impeça sua liberação. É exatamente assim que Raul lida com a contingência
a que está exposto. Eu precisava buscar alternativas. A Ciência do Comportamento oferece
os paradigmas de fuga-esquiva, que são terapêuticos, pois neles há comportamentos
operantes de fuga-esquiva possíveis e que emitidos suprimem (ainda que temporariamente)
o evento aversivo. Diante disso, os paradigmas experimentais de fuga-esquiva fornecem
um modelo análogo para a compreensão do que ocorre com Raul. Baseado em suas
verbalizações, posso propor dois paradigmas, apresentados nas Figuras 8 e9 ,6a página
seguinte operando em sucessão no cotidiano dele:

Sobre Comportíimenfo e Coflnlç/lo 193


I. Esquiva sinaliz«ada

S pré-aversivo R de fuga-esquiva sav


reações orgânicas não há doença
e morte

Figura 8. Paradigma de ansiedade segundo Raul (modelo equivocado).

II. Esquiva não sin aiizada

S pré -aversivo R de fuga esquiva S8*

ausência de não há sintomas


reações orgânicas orgânicos

Figura 9. Paradigma de ansiedade segundo Raul (modelo equivocado).

Pode-se çoncluir que Raul se mantém o tempo todo em ansiedade, pois nào
apresenta, no seu repertório, comportamentos de fuga-esquiva funcionalmente eficazes:
se está sem sintomas orgânicos, não sabe o que deve fazer para evitar que os sintomas
apareçam; se os sintomas estão presentes, não sabe que comportamentos deve emitir
para eliminá-los. Há duas maneiras de analisar a função dos sintomas: podem ser
considerados análogos à luz, em função, pois sinalizam que algum evento aversivo ainda
pior virá - doença fatal (imaginada e temida por ele) e, como conseqüência, a morte
(imaginada e temida por ele) - análogo, em função, ao choque. Nesta condição, o paradigma
equivale ao de esquiva sinalizada. Outra maneira de analisar é considerar os sintomas os
próprios eventos aversivos - análogos, em função, ao choque -, que surgem sem nenhuma
sinalização exteroceptiva e o paradigma equivale ao de esquiva não sinalizada de Sidman.
Prefiro falar em paradigmas de fuga-esquiva, pois é possível ao terapeuta instalar
comportamentos de fuga e de esquiva dos sintomas; no entanto, para Raul, as

194 Hélio iosé l/uilhdriil


contingências sáo análogas ás que produzem ansiedade, uma vez que ele náo emite e
não acredita que possam existir respostas de fuga-esquiva. Tal ciclo - ausência de sintoma,
seguida de sintoma, que em algum momento desaparece, para reaparecer novamente e
assim por diante - se repete e mantém Raul sob a continua presença de contingências
produtoras de ansiedade, principalmente enquanto ele não emite respostas de fuga-esquiva
funcionalmente eficazes. Compreende-se a razão pela qual os remédios "não funcionam",
segundo palavras de Raul. Embora os medicamentos possam produzir algum nível de
conforto orgânico, eles não desmontam, nem alteram as contingências aversivas em
operação. Para efeito de análise e intervenção, as queixas de Raul devem ser consideradas
como problemas comportamentais (não como problemas orgânicos) e, como tal, o terapeuta
deve investigar as contingências que produzem os estados corporais e a maneira como
Raul reage às manifestações orgânicas que lhe são aversivas.
Todos os paradigmas foram detalhadamente discutidos com Raul, de tal maneira
que ele se tornou capaz de explicá-los sem necessidade de nenhuma ajuda do terapeuta.
A pergunta que ele insistentemente fazia era: “Dr. Hélio, diga-me qual o comportamento
de fuga-esquiva que vai me salvar?" Minha resposta foi, fundamentalmente, a seguinte:
‘‘Você deve emitir comportamentos, quaisquer que sejam, que produzam conseqüências
reforçadoras positivas. O seu remédio é: comporte-se, de tal modo que obtenha reforços
positivos". Expliquei-lhe que contingências reforçadoras positivas produzem estados
corporais sentidos como agradáveis, que são incompatíveis, com estados corporais
aversivos. Por ora, tal explicação aquietou Raul. Mais adiante, todos os conceitos acima
foram discutidos minuciosamente o terapeuta ajudou Raul, com modelos e instruções
verbais, a se comportar de forma a obter reforços positivos: se esquivar dos sintomas - se
eles não estivessem presentes; a fugir deles - se já estivessem se manifestando.

2. Modelagem da "queixa” de Raul


Desde criança, sempre que Raul esteve doente, o procedimento dos pais foi
basicamente o mesmo e pode ser descrito pela seguinte auto-regra enunciada por Raul,
conforme a Figura 10.

Doença +> médico remédio +* cura

Figura 10. Auto-regra I enunciada por Raul

Sobre(_'omport<imentoeCojjnlyJo 195
Tal auto-regra tem para ele a função de uma auto-instrução (um mando verbal
auto- imposto) que Raul verbaliza assim: “Eu sempre aprendi que, quando a gente está
doente, é simples: vá ao módico e tudo se resolve. Só que agora vejo que náo funciona
mais comigo". O comportamento presente de Raul, de se queixar de doença e de procurar
o módico, está sendo consequenciado de maneira que difere da sua história de
contingências. Assim, na Figura 11, pode-se notar que a “cura" não ocorre, conforme o
previsto por ele, as queixas são modeladas pelas reações das pessoas, tornando-se,
progressivamente, mais elaboradas.
A modelagem do comportamento de se queixar e de procurar sucessivos médicos
leva Raul a enunciar uma nova auto-regra, conforme apresentada na Figura 12, que pode
ser formulada assim: “Se o médico não consegue resolver seu problema, procure outro, e
mais outro etc." Note que Raul persiste no modelo médico de doença.

Doença -►médico-* remédio cura -i "queixas" Sr+


(sintomas reforço
orgânicos generalizado
persistem) social 4

Figura 11. Modelagem do comportamento pelas conseqüências.

Doença outro outro cura ---♦ "que xas" Sr+


médico remédio (sintomas
orgânicos
persistem)

Figura 12. Modelagem do comportamento pelas conseqüências.

196 Hélio losé C/ullhardl


Muito importante para o encadeamento apresentado nos esquemas acima é a
conseqüência social generalizada que Raul obtém e que aparece como atenção manifestada
de diferentes maneiras: o ouvinte ouve sua queixa, dá*lhe conselhos, concorda que ele
sofre muito, preocupa-se com a possível gravidade da doença, faz-lhe concessões (por
ex., pode faltar no emprego, entregar trabalho com atraso etc.) e assim por diante. Quando
o terapeuta mostrou o papel (provavelmente reforçador) da atenção que ele obtinha com
suas queixas, Raul reagiu com firmeza: “Como você pode pensar que eu posso estar
querendo chamar a atenção com meu sofrimento. Só eu mesmo sei o quanto sofro e
preferiria ser desprezado por todos, desde que me sentisse bem". Sabe-se que as
contingências de reforçamento atuam, quer as pessoas sejam capazes ou não de descrevê-
las. Segundo Skinner, (1974): “Uma pessoa torna-se consciente (...) quando uma
comunidade verbal organiza contingências em que a pessoa não apenas vê um objeto,
mas também vê que o está vendo. Neste sentido especial, a consciência ou percepção é
um produto social" (p. 220). Fiquei preocupado com o papel dos reforços generalizados
que Raul vinha obtendo no ambiente social em que vive, os quais o mantêm falando dos
sintomas e modelam repertórios cada vez mais sofisticados de se queixar. Há dois perigos
concomitantes: em primeiro lugar o grupo social modelar verbalizações sobre sintomas,
em detrimento de repertório verbal mais apropriado, diferente de se queixar. Reforçar qualquer
outro comportamento verbal, exceto se queixar, era uma estratégia promissora, uma vez
que Raul é culto, pitoresco nas narrativas, fala com desenvoltura sobre diferentes assuntos
etc. Por que não manter e desenvolver tais classes de comportamentos? A segunda
preocupação é que a atenção que recebe, ao falar dos sintomas, fortalece o repertório de
ficar sob controle de reações do organismo e não sob controle de outros eventos que o
cercam, incompatíveis com os sintomas desagradáveis: por exemplo, amigos, colegas de
trabalho, atividades sociais e de lazer etc. Diante disso, optei por três procedimentos.
Assim, pedi para Raul:
a) observar e descrever nas sessões as reações das pessoas às suas queixa;
b) evitar se queixar, exceto para os profissionais que estavam trabalhando com ele, e
relatar situações nas quais usualmente se queixaria, mas não o fez;
c) verbalizar frases incompatíveis com a queixa, tais como “Estou me sentindo bem",
“Produzi bastante hoje no meu trabalho" e assim por diante.
Foi pedido à mãe de Raul que desenhasse uma estrelinha numa cartolina, com a
data dentro dela, cada vez que ele verbalizasse conforme o item c. O objetivo destes
procedimentos foi colocar Raul sob controle das conseqüências sociais produzidas pelas
queixas (torná-to consciente da atenção que recebe por se queixar); desenvolver um
repertório de autocontrole, reduzindo as verbalizações sobre os sintomas orgânicos no
ambiente social e colocá-las sob controle de um contexto delimitado, qual seja, diante
dos profissionais e introduzir um esquema de reforçamento arbitrário, manejado pela mãe,
contingente a verbalizações incompatíveis com sintomas. O uso de reforço arbitrário confere
ao procedimento um tom "maroto", que tem função particularmente eficiente com Raul. Os
procedimentos foram eficazes: passou a descrever as reações de “compreensão" e
“tolerância" das pessoas e concluiu que as constantes reclamações deveriam "encher o
saco dos amigos" e “municiar as pessoas do trabalho com torpedos para prejudicá-lo em
sua carreira". Nas sessões, passou a relatar situações em que se sentiu bem, nas quais
interagiu “normalmente como qualquer ser humano saudável" com outras pessoas. Comprou
a cartolina, colou-a no quarto, mas a mãe nunca fez nenhuma estrelinha, o que "muito me
decepcionou, Dr. Hélio." Os procedimentos sugeridos poderiam privar Raul de reforços

SobreComportamento cCoqnlçJo 197


sociais que vinha obtendo com as queixas. Resolvi, então, atendê-lo duas vezes por
semana e introduzir uma co-terapeuta, que o atenderia outras duas vezes, atuando
basicamente da mesma maneira que eu nas sessões. O objetivo de aumentar o número
de sessões foi criar condições para modelar verbalizações adequadas (quaisquer outras
que não a respeito de doença e sintoma) em Raul, ató se tornarem suficientemente fortes
para se generalizarem para outros contextos sociais, em que os terapeutas não estivessem
presentes e serem, então, mantidos por conseqüências sociais num contexto natural de
sua rotina. Basicamente, os terapeutas não davam atenção às queixas de Raul (usavam
o procedimento de extinção) e lhe faziam perguntas e comentários que tinham a função de
SD para a emissão de verbalizações desejadas, (por exemplo, “Conte-me com quem você
conversou na aula de ginástica"; ‘‘Fale-me sobre os programas que você viu na TV").

3. Como Raul pode nomear propriamente o que sente?


Como se viu, Raul sente seu corpo. As reações corporais desagradáveis sentidas
por ele - comportamentos respondentes e estados corporais - são produtos de
contingências de reforçamento. Cabe ao terapeuta, então, ensiná-lo o conceito de tríplice
contingência e, em seguida, levá-lo a ficar sob controle de cada termo (identificá-los e
descrevê-los) das contingências do seu cotidiano. Afinal, uma maneira confiável que a
comunidade verbal tem para ensinar alguém a nomear as reações corporais é distingui-
las, a partir das contingências de reforçamento das quais são função. Assim, por exemplo,
angústia poderia ser um termo, arbitrário dentro de um grupo social, utilizado para nomear
o sentimento (como o corpo é sentido) produzido pela perda abrupta e abrangente de
reforçadores positivos generalizados fortes; ansiedade, sentimento produzido pela
apresentação de um estímulo pré-aversivo que sinaliza a apresentação inescapável de um
estímulo aversivo; segurança, sentimento produzido por contingências de reforçamento
positivo; alívio, sentimento produzido por contingências de reforçamento negativo etc.
Os objetivos deste procedimento foram: colocar o comportamento de Raul sob
controle das contingências de reforçamento - que incluem os estados corporais e sintomas
orgânicos - e não sob controle exclusivo das reações corporais aversivas que, isoladas,
nada contribuem para a formulação das contingências de reforçamento de que fazem
parte. Em segundo lugar, levá-lo a discriminar que os estados corporais sentidos, com a
função aversiva intensa por ele relatada, são produtos da atuação de contingências atuais
e de sua história acumulada de contingências, sendo que lhe escapou o processo através
do qual os sintomas atingiram o nível descrito. Assim, a verbalização "O que senti (no
shopping) foi de repente\ numa fração de segundo minha vida mudou" está sob controle do
produto das contingências, não do processo comportamental produzido por elas. Por
outro lado, a "cura" esperada por Raul (sob controle do modelo módico) não ocorrerá de
imediato (como a dor ou a febre reduzidas por um remédio), mas também através de um
processo de mudança comportamental.
Ató este ponto da análise comportamental do que vem ocorrendo com Raul, o
terapeuta pode listar as seguintes conclusões:
a) As reações orgânicas da primeira ocorrência da crise, sentidas e relatadas por
Raul, são produto das contingências de reforçamento que vêm operando há tempos
na vida dele;
b) Raul não discrimina a ação de tais contingências e nem discrimina o processo
comportamental. Ele ficou sob controle da intensidade de uma crise de “pânico",
decorrente do longo processo de modelagem das reações orgânicas, pela função
aversiva que tal episódio teve e ao qual ele se refere como a “primeira ocorrência da
crise" (de pânico);

198 I léllo José Qullhiirrii


c) Raul fica sob controle do próprio corpo, não sob controle das relações entre as
reações do corpo e o ambiente;
d) Não foi possível identificar os eventos antecedentes em função dos quais ocorreu a
primeira crise; os eventos conseqüentes, na forma de cuidados com ele e atenção,
foram reforços positivos sociais generalizados.
e) Desde a primeira ocorrência, Raul ficou sob controle das reações orgânicas ou da
ausência delas;
f) Raul não discrimina as conseqüências (reforços positivos sociais generalizados)
que ocorrem contingentes às queixas verbais sobre os sintomas;
g) Os remédios usados podem alterar os estados corporais, porém não mudam as
contingências de reforçamento. Por essa razão, “não são eficazes para curar-me
da minha doença".

4. Raul criança: Um pouco sobre a história de contingências de


reforçamento de Raul
As funções que os eventos-estímulo têm no presente foram adquiridas no processo
de interação da pessoa com as contingências de reforçamento e revelam o efeito interativo
e acumulativo de tais contingências durante todo o seu desenvolvimento. O passado é
problema quando continua atual no presente; quando o presente é diferente do passado
(para melhor), então o passado, é apenas memória. Enquanto nada for feito para mudar as
contingências aversivas do passado elas estão no presente (começarama atuar no passado
e se mantêm até hoje) e os comportamentos e sentimentos que geram permanecem
presentes. Mais precisamente, a história de contingências a que a pessoa foi exposta é
um problema a ser elucidado pelo terapeuta e pelo cliente, quando as funções dos
comportamentos-problema instalados no passado continuam com as mesmas funções
no presente. Quando tais funções aversivas não estão mais presentes - e é importante
tarefa do terapeuta alterar as funções comportamentais passadas, transformando controle
coercitivo em controle reforçador-a pessoa poderá relatar seu passado (diz-se que ela se
lembra do que passou...), no entanto, não mais contaminada pelos comportamentos e
sentimentos adversos que vivenciava então. Pode-se dizer que os sentimentos adversos
produzidos pelas contingências passaram a ficar sob controle da pessoa. Uma boa frase
para o cliente poderia ser: eu sou o que sou; mas não serei o que sou.
Solicitei a Raul que me relatasse episódios da sua vida, desde a infância, que
pudessem ter relação com os problemas comportamentais atuais. Essencialmente, estava
interessado em relatos de interações em que sentiu medo, ansiedade e sentimentos
afins. Mais uma vez, estava me apoiando na Ciência do Comportamento: um mesmo
evento físico - por ex., uma luz - pode ter função de SD para um sujeito experimental (na
presença da luz o comportamento emitido é reforçado) e de S pré-aversivo para outro
sujeito, (na presença da luz o comportamento emitido elimina o evento aversivo que está
por vir) em função da história de contingências de cada um. O que me interessa é detectar
as funções que os eventos ambientais, especialmente os sociais, têm para Raul
presentemente.
Fui direto ao que me interessava:
- Você, quando era criança, tinha medo de seu pai?
- Nossa, nem me lembre isso.
- Não só eu. A família toda: minha mãe e minhas irmãs.
- Minha mãe e ele brigavam muito, mas ela cedia.

SobreComportamentocCognição 199
- Ele não gostava que a gente perdesse tempo vendo TV. Não gostava das coisas
fora do lugar.
- Nós sabíamos que ele estava chegando em casa pelo barulho do carro quando
virava a esquina. Saía todo mundo arrumando as coisas, desligávamos a TV. Eu me escondia
na minha “toca", no quarto. Às vezes, ele me pegava lá mesmo: ai de mim se não estivesse
estudando.
- Nunca entendi porque eles nunca se separaram...
O relato acima pode ser assim esquematizado, conforme a Figura 13.

Resposta de
S pré-averslvo S aversivo
fuga-esquiva

-comportamentos
-ruído do -desligar a do pai: gritar, criticar, ter
motor do carro TV "explosões" verbais,
-barulho do -arrumar a ameaçar etc.
sapato sala
(do pai) -ir brincar
sozinho no
quarto
("toca")

Figura 13. História d© contingências: um exemplo de controle coercitivo.

Em tal paradigma, o reforçamento negativo ocorre com probabilidade menor que


1. (Por ex., uma resposta de fuga-esquiva, às vezes, é reforçada negativamente: Raul vai
para o quarto e o pai o “deixa em paz”. Outras vezes, o pai vai ató o quarto e lhe diz que
deve tomar sol, estudar, fazer exercícios e não ficar “trancado como uma múmia"). Tal
condição produziu em Raul ampla variabilidade comportamental composta por múltiplos
comportamentos de fuga-esquiva, contínuo sentimento de ansiedade e reduzido repertório
mantido por reforçadores positivos (pouco disponíveis no ambiente). As contingências que
produzem grande variabilidade comportamental aumentam a probabilidade de seleção pelo
ambiente de algumas variantes comportamentais que são novas e reforçadoras para a
comunidade social. Pode-se dizer que os comportamentos assim selecionados são
“criativos" e a pessoa que os emite é criativa (de fato, a “criatividade" é produzida pela
interação entre a variabilidade comportamental de uma pessoa e a ação selecionadora do
ambiente físico ou social, que fortalece os comportamentos ou os produtos de tais
comportamentos novos que são reforçadores para o grupo. Assim, por exemplo, uma obra
de arte - produto de comportamento do artista - é considerada criativa quando é nova -
não imita outra - e é reforçadora para o grupo ou para membros do grupo que têm poder de
influenciar outras pessoas). O repertório comportamental de Raul, modelado pelo pai através
de reforçamento negativo - basicamente comportamentos de fuga-esquiva, portanto -
tornou-se extremamente elaborado e criativo. Presentemente, Raul apresenta um repertório
social e profissional também muito elaborado e criativo, boa parte do qual está sob controle
de contingências reforçadoras positivas sociais generalizadas. O problema é que os

200 I léllo José C/ulllnirdl


sintomas suprimem quase completamente tal repertório e a supressão se estende por
longos períodos também na ausência dos sintomas. Eis, então, o grande desafio para o
terapeuta e para Raul: manter o repertório social e profissional intacto na presença, tanto
quanto na ausência dos sintomas.
Quando o terapeuta terminou a elaboração do quadro da Figura 13 junto com
Raul, fez-lhe uma pergunta: "Raul, nunca lhe ocorreu conversar com seu pai sobre os
comportamentos 'agressivos' dele?" A resposta foi imediata: “Ele não tem características
de conciliador... ele destrói tudo... se não prevalecer a opinião dele, ele explode... Não tem
características de ouvir, temperar". Além de que, nunca me ocorreu tal possibilidade.
Imagine só, eu enfrentando a fera!"

5. Manutenção dos comportamentos do pai


Os comportamentos das pessoas em geral ficam sob controle do comportamento
do outro (diz-se que elas “observam" o comportamento da outra pessoa). Raul ficava sob
controle dos comportamentos "agressivos" (como ele os denominou) do pai e das instruções
verbais com função de mando ("Desliguem a TV"; “Guardem os brinquedos": “Arrumem a
bagunça" etc.) e modelos comportamentais emitidos pela mãe quando o pai se aproximava
(evento com função pró-aversiva). Tal tipo de controle de comportamento produz,
exclusivamente, comportamentos de fuga-esquíva das conseqüências aversívas. O terapeuta
deve ir um passo além: ensinar o cliente a ficar sob controle das contingências de
reforçamento que mantêm o comportamento do outro. Conhecendo tais contingências, toma-
se possível exercer contra-controle, isto é, emitir comportamentos (ainda de fuga-esquíva)
que alteram as contingências que controlam os comportamentos do controlador. Uma coisa
é desligar a TV porque o pai pune o comportamento de assistir aos programas (fuga-esquiva);
outra, mais importante, é questionar o pai porque ele pune assistir aos programas e colocar
o comportamento do pai sob controle de verbalizações do tipo: “Não vejo problema em ver
programas na TV depois de feitas as lições"; “Assisto a programas que gosto, mas sou
capaz de selecionar os melhores"; “Ver TV me relaxa, me causa prazer” etc. (exemplos de
contra-controle). Justifica-se assim a necessidade de colocar o comportamento de Raul sob
controle das contingências de reforçamento que mantêm o comportamento do pai e não
apenas sob controle dos comportamentos deste. É tarefa do terapeuta ensinar o cliente a
elaborar esquemas de tríplice contingência como o apresentado na Figura 14.

A n te c e d e n te s R e s p o s ta s C o n s e q ü ê n c ia »

1. CompotVrtwnlcn Grttar; Itaftugwwntto nagattvo paia ramoçto total


doa Olho« ou d * rruiRw CrlOcar; ou parttal do* «vanft» avanfcoa;
qua «ta curituior» Inadequado« Tar *axptoaO«a”
vctoaia; 1. Mudança* no» comportamantoa
2. Evento» ancotoartoa: Amaaçar ate. doaNhoaadamtfNv.
a. ««tado* corporal«
(por «x. analadada, caru#ço) 1. Mudança* noa contnkm da aittmuK»
I». Aoto-relato» d * •ob oa quala tfa raaponda i no lar
mtaraçOaa aoclaia * harmontoao* dMntnul a andadada,
(por «M. ’ «mprogado aô poda daacantar 4enwgaffl noMw
a è & x o * cabaça” ; * o pmço aou> • ratatw úa Intaraçttr» aodan:
do 9*d o m*â rtctícuto") " tanfto txxm ff noa”, * mmh» mulhar
cuma oam da caaaa da* criança» * att.
3. Produto* doe comportamantoa
do* Whoa ou da mulhar 3 Produtaw wvanitoua doa «omponamanto»
( TV IKtada, obstou tara do do» ftfhoa a da imiíhar «fto «JbrtUuldo»
lugar «tc.) por produto» raftxçadarai

Figura 14. Controles do comportamento do pai.

Sobrr Comportamento c Cojjnlçáo 201


Na infância, a comunidade verbal (mais especificamente a mãe) criou contingências
para Raul ficar sob controle dos eventos antecedentes e dos conseqüentes provenientes
do pai e emitir prontamente respostas de fuga-esquiva; no entanto, não criou contingências
para torná-lo consciente dos estados e respostas corporais produzidos pelas contingências
fortemente aversivas produzidas pelo pai e nem de possíveis respostas de contra-controle
em relação a este. É importante destacar que, ao emitir um comportamento de fuga-
esquiva, a pessoa pospõe o evento aversivo, mas não altera a perene presença das
contingências aversivas; como tal, não elimina os estados corporais (os sentimentos,
podemos dizer), que se perpetuam, com variações de intensidade relacionadas com o
sucesso ou não ao emitir comportamentos de fuga-esquiva. Diz-se que a pessoa está
sempre em estado de alerta.
As contingências verbais manejadas pela mãe aparecem, por exemplo, na
forma de instruções, perguntas ou comentários, como, por exemplo: "Seu pai está
chegando, vamos desligar a TV. Ele não gosta de nos ver assistindo a esses programas";
"Vamos arrumar a sala. Seu pai não gosta de ver nada fora do lugar"; "Fiquem quietinhos.
Seu pai é muito bravo" etc. Todos os exemplos mostram a mãe ensinando os filhos a
se esquivarem dos comportamentos aversivos do pai. Faltaram-lhe, modelos de contra-
controle, tais como: “Vamos perguntar ao seu pai como foi o dia dele, antes que
comece a reclamar da vida ou a dar broncas."; “digam-lhe que estão com saudades
dele" etc. Por outro lado, a mãe não fazia comentários que pudessem funcionar como
SDs verbais para observar estados corporais, tais como: “Quando seu pai chega, meu
coração dispara" (modelo para Raul observar a relação entre a chegada do pai e reações
orgânicas eliciadas pela presença do pai); Você está pálido, meu filho. Você está
bem?"; "Não precisa ficar nervoso com a chegada do seu pai, vá para seu quarto
brincar e se acalme"; “Por que você está tremendo?";“Não precisa fazer tudo afobado,
só porque seu pai está chegando."
O que se conclui ó que na infância Raul tinha clara a fonte de controle aversivo
(o pai) e quais respostas de fuga-esquiva o protegiam das conseqüências aversivas
com razoável eficiência. Na idade adulta, como se verá, o controle aversivo não é tão
explicito (não vem de uma única fonte e atua com matizes sutis, por ex., através da
ironia); as respostas de fuga-esquiva têm que ser mais elaboradas e emitidas na
ausência de instruções e de modelos, o que torna a tarefa mais complexa. Como tal,
mesmo adulto, R êTu I continuou vivendo sob controle coercitivo, aliás como a maior
parte das pessoas; mas, em função de sua história de contingências, ele se tornou
muito vulnerável, isto é, tinha alta probabilidade de ficar sob controle de eventos
aversivos, muitas vezes sutis, e até mesmo fazendo generalizações inadequadas, por
exemplo, atribuindo a uma simples sugestão de alguém a função de crítica ou de
julgamento depreciativo. É como se vivesse emboscado, à espreita de algo ruim, em
contínuo estado corporal de ansiedade.
Deve ser destacado que para Raul existiram dois opressores: o pai (o que ele
discriminava desde a infância) e a mãe (que ele não discriminava como opressora, mas
como vítima, tanto quanto ele, do mesmo opressor). As contingências que controlavam o
comportamento da mãe podem ser exemplificadas na Figura 15da página seguinte.

202 Hélio joté (yuilhdrdl


Antecedentes Respostas Conseqüências

Na presença ou 1. Dar Instruções 1. Em rclaçío ao 2. Em relação aos


aproximação do para os filhos marido: fllho&r
marido: sobre a. reforçamento
comportamentos negativo pela a. reforçamento
1. Comportamentos de fuga-esquiva evttaçSo de negativo pela evitaç&o
dos filhos e da mie a serem emitidos criticas, gritos de criticas dos filhos
que o marido e modelos de etc, e de se ela exigisse, por
considera tais acusações, tais ela própria, que eles
Inadequados. comportamentos como: "Você nSo fl/essem exatamente
2. Eventos encobertos: emitidos por ola ensina nada de o que o pal lhos
estados corporais própria. bom para os exigia (o pai ó mau;
aversivos elidados 2. Criticar o pai filhos" "Tá eu sou boa);
pela chegada do para os filhos criando
marido, tais como "Seu pal é muito vagabundos"
medo, ansiedade, nervoso";''Ele è etc.;
raiva etc. agressivo";''Não b. reforçamento b. reforçamento positivo
3. Produtos dos deixem seu negativo pela generalizado provindo
comportamentos bravo,que quem evitaçAo de dos filhos: ."Mamfte
dos filhos e dela paga sou eu" críticas, gritos nos protege";
própria (TV ligada, etc. etc. para os "MamSo está do
objetos fora do filhos. nosso lado”; "Mamãe
lugar etc.) sofre como a gente"
etc.

Figura 15. Controles do comportamento da mâe de Raul.

6. Manutenção dos comportamentos da mãe


Os comentários do terapeuta (na coluna “conseqüências”) colocaram o
comportamento de Raul sob controle dos comportamentos da mãe em outras situações
com os filhos e com o marido. São suas palavras:
- Você está me abrindo os olhos para algumas situações de que me lembro
agora. Sempre notei incoerências na minha mãe, sem entendê-las.”
Dê algum exemplo.
- Fácil. Ela brigava muito com ele quando interessava... Ela não o atendia...
obedecer nem pensar. Acabava em discussão. Ela falava em se separar. Um dia as coisas
se acertavam sem ninguém saber como.
- Ela era super exigente como professora. Os alunos tinham medo dela. Não
tinha nada de boazinha. Comigo e com minhas irmãs em casa era duríssima com os
estudos. E essa era uma área em que meu pai não entrava. Era assunto dela.
- Ela usava meu pal para nos controlar quando não entrávamos na dela: “Seu pal
vai ficar bravo se souber...”; “Vou contar para seu pai” etc.
- No caso da TV, ela também gostava dos programas, por isso todo mundo ficava
assistindo ao que aparecesse... desde que ele não estivesse em casa.
- Já, na bagunça, a gente não atendia as ordens dela. Ela esperava ele chegar
que tudo ficava “brilhando" em segundos.
- Vou pensar mais... mas, acho que ela usava a braveza do meu pai."

Sobre Comportamento c Coflniçâo


- Como assim? Explique melhor.
- Ela dava uma de boazinha e meu pai era o carrasco... No fundo ela concordava
com muitas coisas que ele fazia com a gente.
- Ela nunca foi dócil coisa nenhuma.
O relato verbal dos episódios que envolviam Raul, a mãe e o pai, e os
comportamentos de fuga-esquiva que ele emitia, estavam sob controle dos eventos externos,
quais sejam, os comportamentos do pai (que funcionavam como estímulos pró-aversivos e
aversivos, de acordo com o paradigma anterior) e os comportamentos da mãe. Esta emitia
comportamentos operantes de fuga-esquiva que serviam como modelo para os
comportamentos de Raul; dava-lhe instruções de como se esquivar do pai ("Vá para o
quarto e fique brincando quietinho"); e, finalmente, verbalizava regras de como se comportar
("Seu pai está chegando; vamos desligar a TV e deixar a sala arrumada..." equivale a "Se
seu pai estiver presente, então, ver TV e deixar a sala bagunçada produzirá conseqüências
aversivas; se a TV for desligada e a sala arrumada então as conseqüências aversivas
serão evitadas).
Começa, desta forma, a se delinear, com mais abrangência, a história das
contingências de Raul, na qual as funções coercitivas da mãe, até então ocultas pelos
padrões mais explosivos e intolerantes do pai, começam a emergir: “Não obstante ela
parecer mais boazinha que meu pai, ela também era autoritária e nunca nos defendia dele,
embora em causa própria ela soubesse se defender muito bem, mesmo que fosse na
base de brigas. Começo a suspeitar que o mordomo também participava do crime...”
Resolvi conhecer pessoalmente a mãe de Raul e a convidei para uma sessão
conjunta de nós três. Estava interessado em observar como ela descrevia a interação
familiar envolvendo pai-màe-filho. Numa sessão anterior, Raul havia me trazido uma foto
tirada por um fotógrafo, quando ele tinha 4 - 5 anos. Eis o relato dele:
- Eu estava perto de uma estante e, enquanto o fotógrafo preparava a máquina, eu
me virei de costas e mexi na coleção de livros de Jorge Amado do meu pai (a estante com
a coleção aparece na foto).
- Levei uma bronca e um tapa na mão. Imediatamente depois, a foto foi tirada.
- Não chorei - era proibido chorar em casa - mas observe, Dr. Hélio, como estou
segurando a minha mão...
- Acho que o tapa ardeu... isso não me lembro!
Comecei a conversa com a mãe mostrando-lhe a foto:
- A senhora, se lembra desta foto?
- Ih, foi um tapa tão sem vergonha..."
- Raul me disse que o pai era bravo.
- Bravo nada. Se preocupa com os filhos 24horas por dia. Veja, quebrei meu
braço e, quando liga para cá, nem me pergunta nada. Faz mais de mês que estou enfaixada
aqui e ele nunca telefonou para saber (se melhorei). Só se interessa pelos filhos.
- Ele é assim: “Eu gosto de alguma coisa, todo mundo tem que gostar". Mas não
faz por maldade. É mania de contrariar."
- A senhora, tem medo dele?
- Medo dele, não. Procurava evitar problemas perto das crianças. Não é bravo;
é mal humorado.”
- Qual a diferença para a senhora, entre bravo e mal-humorado?

204 h léllo José Qullh.irdl


- “Bravo": é violento, ríspido... "Mal humorado": não sorri, fala pouco ou nada. Ele
silenciava comigo e com as crianças.
- Ele nunca gritou comigo.
- Como não, mãe? Ele mandava a senhora, calar a boca.
- Isso ele nunca fez.
- Tá bom. Mas ele sempre falava que quem não entende do assunto tem que ficar
com a boca fechada.
- Isso ele falava mesmo...
- Ele era quieto. Não falava com as crianças, nem comigo. Era diferente da minha
família. Em casa todos conversavam muito.
- Uma vez procurei um psiquiatra... - ele era médico da família e conhecia bem
meu marido - para saber o que eu podia fazer com ele.
- “Nada", ele me disse. "Ele vai ser sempre assim. A senhora, precisa ter paciência."
- Pedi forças a Deus para compreendê-lo.
- Não era ruim, nem bravo. Era calado.
- Nunca bateu nos filhos. Ele nào era bravo.
Nesse momento Raul esclareceu:
- Nem precisava... o olhar dele dizia o que a gente tinha que fazer.
- Eu evitava conflitos com meu marido. Sabia como ele queria as coisas e evitava
problemas. Ele não gostava de televisão. Quando chegava, eu desligava e pronto."
- O que a senhora fazia quando Raul contava que o pai havia dado bronca nele na
fazenda?
- Eu dizia para ele: Você vai desestimular o menino. Quando chegar em casa
você fala com ele. Não precisa gritar com ele na frente dos outros’. Aí ele respondia: ‘O
menino precisa aprender’. Eu dizia: 'Precisa aprender fazendo, não com você falando’.
- Você não deve humilhar o menino na frente dos empregados. É seu filho. Nunca
vão aprender a respeitar ele.
- É verdade, minha mãe dizia para meu pai ter mais paciência comigo. Ela falava
que os filhos sofriam com o jeito dele, mas não adiantava.
- Raul sempre foi muito dócil. Deveria dizer o que queria, mas não falava. Foi o
problema dele. Ser calado.
- Raul tinha que ser autêntico. Tinha que descer do cavalo (no momento que o pai
gritava com ele) e dizer que já tinha entendido. Mas, nãol Engolia, continuava fazendo o
trabalho e ficava remoendo calado. Eu percebia e dizia: 'Filho deixa pra lá!' ”
- Pelo que entendi, a senhora achava que Raul deveria... digamos, enfrentar o
pai?
Silêncio...
- Entào a senhora sabia porque ele era calado em casa?
- Lógico que eu sabia porque Raul era calado: era por causa do pai. Era coisa
assim..."
Nesse momento da sessão a mãe voltou-se para Raul e concluiu:
- Raul não estamos aqui para falar do seu pai. Coitadol
Pode-se concluir que os relatos de Raul foram confirmados pela mãe, embora
cada qual desse diferentes ênfases. A mãe falava algumas coisas para o pai em defesa

Sobre Comportamento e CojjmçJo 205


dos filhos, mas não colocava o comportamento do marido sob controle das verbalizações
dela. O pai, portanto, colocava em extinção os comportamentos da mãe de defender Raul.
Além disso, ele conseqüenciava com frases críticas alguns comentários dela (“quem não
entende... boca calada”), ou seja, punia comportamentos da mulher. O controle do pai de
Raul era coercitivo para os filhos e para a esposa. Um exemplo, eu diria que dramático, de
comportamento de fuga-esquiva dela foi o de atribuir a Raul a tarefa de enfrentar o pai, de
não se calar diante dele... tarefa árdua até para ela própria, me parece que não deveria ser
transferida para o filho. A insistência de que o pai não era “bravo" parece também a defesa
de uma causa perdida (era demasiadamente óbvio que o pai era bravo). Por que insistia
nesse ponto é uma questão relevante. A frase dela: "Nunca bateu nos filhos. Ele não era
bravo” foi respondida com clareza por Raul: "Nem precisava... o olhar dele...". Provavelmente,
a mãe o chamaria de “bravo" se usasse punição positiva: Raul, sensível às contingências
coercitivas intensas do pai, aprendeu a se esquivar a partir de um simples olhar. A mãe,
ouso concluir, estava sob controle de contingências coercitivas provindas do marido e não
desenvolveu um repertório de comportamentos para proteger os filhos do controle aversivo
do pai, porque ela própria não foi capaz de se esquivar dos controles coercitivos do marido.
A maneira como tentou se esquivar das questões diretas do terapeuta, a respeito do
controle aversivo exercido pelo marido sobre os filhos e sobre ela, pode estar sob influência
de diferentes contingências: auto-regras (não se "fala mal" de pessoas da família para
estranhos, por ex.), fuga-esquiva de possíveis críticas do terapeutâ por ela não "proteger"
devidamente os filhos (“Como uma mãe não defende o filho do pai agressivo?", por exemplo)
etc. Não é objetivo da terapia analisar os comportamentos da mãe. Atingimos o objetivo
de esclarecer que Raul tinha que lidar sozinho com os comportamentos do pai, com
eventuais ajudas da mãe para se esquivar, mas sem nenhum modelo de contra-controle
em relação à fonte das contingências coercitivas.

7. Contingências de reforçamento do pai sobre Raul


Os comportamentos do pai tinham função aversiva para Raul. Ocorriam:
a) Comportamentos de fuga-esquiva: obedecer sem qualquer oposição, calar-se,
comportar-se sob controle do pai e não sob controle das atividades preferidas (por
ex., desligar a televisão quando o pai chegava em casa; largar os brinquedos e ir
com o pai para a fazenda; tanger bois ao invés de jogar futebol etc. sem que o pai
desse quaisquer instruções); Algumas frases ilustram a função aversiva dos
comportamentos do pai: “Meu pai nunca tocou num fio de cabelo meu, nem de
minhas irmãs. Não precisou, tamanho o respeito"; "Quando ele ficava 3 - 4 dias na
fazenda, eu^icava em paz"; "Evitava Ir com ele para a fazenda, mas tinha que
arranjar uma boa desculpa... estudo, nél"; “Ele sempre estava uma 'pilha'. Nunca o
vi paciente, tranqüilo" etc.
b) Sentimento de depressão: "Ficava largado"; “Não tinha vontade de fazer nada quando
ele estava por perto"; “Tudo perdia a graça"; "Ficava longos períodos quieto, sozinho,
de cabeça baixa, nem pensava" etc.
c) Sentimentos de desamparo: "Às vezes, eu argumentava, mas se insistisse levava
bronca, então acabava não dizendo nada a maior parte das vezes. Ele fazia eu me
sentir burro e incompetente" etc.
d) Extinção: “Quando me ouvia era um favor. Não adiantava nada, fazia do jeito dele";
"Eu não queria acordar às 3:30h no inverno para ir à fazenda. Falava para irmos à
noite dormir lá. Eu ficava esperando a decisão dele. Ele ia dormir calado e me
acordava às 3:30 hwetc.

206 H élio José QuIlharJI


e) Punição positiva: “Meu pai era uma fera. Não bastava fazer bem feito; tinha que ser
do jeito que ele achava bem feito”; “Gritava comigo diante dos peões, me humilhava.
Eles diziam 'não liga não'..."

8. Diferenças entre os controles que atuavam sobre os comportamentos


de fuga-esquiva que a mãe e Raul emitiam em relação ao pai
É interessante comparar o repertório geral de comportamentos de Raul e da mãe
para se compreender o desenvolvimento da doença de pânico. Embora ambos estivessem
vivendo sob fortes contingências aversivas provindas da mesma origem, a mãe tinha uma
reserva comportamental, a partir da qual produzia reforçadores positivos provindos de outras
fontes. O repertório de comportamentos de Raul era quase exclusivamente composto por
respostas de fuga-esquiva. Uma rara excessão acontecia quando o avô materno ia visitá-
los na fazenda. “Eu ficava feliz, mas era necessária a intervenção de minha mãe: - Deixa
meu pai levar o menino pescar, jogar baralho com ele... meu pai vem tão poucas vezes
para cá,” ela dizia.
Os comportamentos de fuga-esquiva da mãe evocados pelo marido:
a) Pospõem ou removem comportamentos aversivos do marido em relação a ela e aos
filhos.
b) São reforçados positivamente - em função da história de contingências da mãe -
através do controle de auto-regras por ser uma “boa esposa", “manter o equilíbrio do
lar", ter uma “postura cristã" etc. (Por exemplo, “ se eu atender às exigências do
meu marido, então manterei a família unida, o que é função importante para uma
mãe e esposa").
c) São reforçados positivamente pelos comportamentos "adequados" dos filhos. A mãe
considera que a educação que deu para o filhos foi um sucesso: “Tenho orgulho dos
meus filhos... desde pequenos foram crianças ótimas. Não me davam problemas".
Ela ignora os malefícios emocionais produzidos pelas contingências (basicamente
coercitivas) das quais tais comportamentos foram função.
d) Ocorrem em complemento ao repertório comportamental reforçado positivamente
(fazem parte de um repertório geral mais abrangente, que inclui contingências
coercitivas e reforçadoras positivas). Ela, em suma, também era reforçada
positivamente em outros contextos, particularmente nas atividades profissionais.
Era considerada ótima professora, por exemplo. Aliás, "muito exigente" também.
e) Quando"os comportamentos de fuga-esquiva dela eram eficazes, para "proteger" o
filho do pai, a conseqüência aversiva que o pai aplicava sobre o filho (o que é aversivo
para ela) era limitada pela competência de fuga-esquiva do próprio filho. O pai não
parece ser tão aversivo, tão agressivo assim porque o filho foge ou se esquiva nos
primeiros niveisde aversividade.
f) Ela pode estar de acordo com o procedimento do pai, por ser ela própria autoritária,
coercitiva. A única discrepância entre ela e o marido poderia estar na intensidade e
na forma do controle coercitivo, mas não na função do controle do comportamento
dos filhos.
Os comportamentos de fuga-esquiva de Raul evocados pelo pai:
a) Pospõem ou removem apenas temporariamente os comportamentos aversivos do
pai em relação a ele.

SobreComportamentoeCogniv<1o 207
b) Não enfraquecem os comportamentos de punir do pai: ele pode ainda apresentar
conseqüências aversivas para qualquer outro comportamento que não seja o
específico de fuga-esquiva. Ou seja, se esquivar e fugir não altera a probabilidade
(por sinal sempre alta) de o pai consequenciar aversivamente qualquer outro
comportamento de Raul.
c) Privam Raul de acesso a reforçadores positivos: de modo geral, o que é reforçador
positivo para Raul ó aversivo para o pai e vice-versa.
d) Não há repertório comportamental reforçado positivamente que possa ocorrer
complementarmente na presença do pai\ só são emitidos comportamentos de fuga-
esquiva ou comportamentos submetidos a procedimentos de extinção.

9. Raul adulto: Um pouco sobre as contingências atuais


O relato verbal sobre a ansiedade e sobre os estados corporais que sente e os
comportamentos operantes correlacionados (procurar módicos, faltar ao trabalho, gesticular
de forma "dramática" etc.) estão sob controle dos eventos corporais por ele “sentidos" e
das conseqüências reforçadoras positivas generalizadas sociais. Raul, na infância, aprendeu
a emitir comportamentos de fuga-esquiva (que eram reforçados negativamente pela remoção
temporária do evento aversivo), mas não aprendeu a emitir comportamentos de contra-
controle (respostas de fuga-esquiva, reforçadas negativamente, que removem as
contingências coercitivas).
Os repertórios de fuga-esquiva foram relacionados e mantidos por reforçamento
negativo pelas contingências presentes no ambiente familiar na infância. Por exemplo,
Raul se tornou exímio cavaleiro, era muito habilidoso para tanger o gado e conduzir os
animais de um pasto para outro "Exatamente como meu pai queria. De outro jeito, mesmo
que o gado chegasse em ordem, não estava bom”. Progressivamente, tais repertórios se
ampliaram para outras classes comportamentais e permitiram a Raul obter reforçadores
positivos generalizados em outros contextos sociais, inicialmente na escola, depois com
grupos de amigos e, finalmente, no trabalho. As contingências de reforçamento positivo e
negativo, além de selecionarem amplo repertório de comportamentos, desenvolvem
sentimentos de autoconfiança. Raul ama seu trabalho e sente-se seguro com o que faz
(segurança é um sentimento produzido por contingências conhecidas pela pessoa, nas
quais ela sabe, exatamente, que comportamentos emitir para obter reforços positivos).
A diretora, no trabalho, fez uma boa descrição dos repertórios sociais e profissionais
atuais de Raul. Assim ela lhe disse durante uma avaliação de desempenho: "Você é muito
competente tecnicamente, mas técnicos eu encontro facilmente. O que preciso ó de
alguém como você, que saiba conversar, saiba ouvir, saiba conciliar interesses, tenha
paciência..." Tais repertórios, que foram selecionados sob contingências coercitivas, são
muito valorizados no contexto social e profissional presente, ou seja, as contingências
que selecionaram os comportamentos podem ser diferentes daquelas que atualmente os
mantêm. A questão que deve ser proposta é: os comportamentos atualmente emitidos
estão sob controle de contingências: coercitivas ou reforçadoras positivas?
Raul desenvolveu, também por fuga-esquiva (neste caso, por contingências de
reforçamento negativo manejadas pela mãe), repertório social com alta probabilidade de
ser reforçado positivamente, nos contextos atuais, como, por exemplo, cantar. "Modéstia
à parte, Dr. Hélio, sou afinado.... Minha mãe não aceitava menos que a perfeição...". A
história de contato desde muito cedo com contingências aversivas, fez de Raul um perspicaz

20 8 ( lóllo José Quillmrdi


observador das reações das pessoas. “Era como se eu vivesse o tempo todo emboscado.
Uma cochilada e vinha chumbo grosso", disse. Como tal, fica sob controle de
comportamentos (ainda que sutis) do outro com quem interage, a fim de detectar sinais de
reforçamento (SDs) ou de punição (SDps). Tal habilidade para reagir ao ouvinte modelou
repertório verbal muito elaborado: é engraçado, fluente e rico no uso de metáforas. Toda a
riqueza de comportamentos de Raul ó atualmente mantida por reforços generalizados,
exceto quando está em “crise de ansiedade", quando ocorre visível supressão do repertório
operante. Ter saído de casa na adolescência para estudar foi condição essencial para a
emissão de ampla gama de comportamentos em contextos sociais regidos por
contingências mais amenas. As classes de comportamentos que não emitiu durante seu
desenvolvimento na presença do pai (cantar, contar “causos”, sair com amigos) parecem
ser mantidas por conseqüências sociais generalizadas (ele relata que se sente bem nessas
situações, sente-se livre e se acha engraçado). As classes de comportamentos que emitia
na presença do pai: se expor diante de uma autoridade, falar em classe, fazer uma prova
em que será avaliado etc. geram alto grau de ansiedade ainda hoje mesmo antes de
entrarem em contato com as conseqüências.
Para saber, enfim, a que classes de contingências Raul responde - se às coercitivas
ou se às reforçadoras positivas - é necessário obter dados sobre os sentimentos
(basicamente, quais os estados corporais) despertados por elas: ansiedade ou prazer. As
contingências passadas não estão mais presentes, no entanto, as mesmas funções das
contingências passadas podem estar operando na vida cotidiana atual de Raul por relações
de equivalência ou por generalização. Assim, se numa interação social atual Raul fizer
uma discriminação entre a pessoa que está diante dele da figura do pai, então seus
comportamentos verbais e sociais serão variados, pitorescos e os sentimentos associados
serão de satisfação, bem-estar etc. As conseqüências sociais positivas de tais classes
de comportamento, basicamente reforços generalizados, manterão o repertório
comportamental desejado, bem como a função de SD do ouvinte de Raul. Se ele, no
entanto, generalizar para a pessoa presente função pré-aversiva adquirida com o pai, se
comportará principalmente sob controle da função aversiva do antecedente (a pessoa com
quem Interage), e os sentimentos associados serão de ansiedade, preocupação, medo
etc. Nesta condição, ele emitirá a resposta de "trabalhar bem", por exemplo como
comportamento de esquiva e, como tal, a conseqüência aversiva por ele imaginada (não
necessariamente a que de fato iria ocorrer) não é apresentada. Na condição de esquiva, o
comportamento pode se manter por muito tempo, supersticiosamente, uma vez que a
conseqüência aversiva não ocorre, mas a pessoa que se comporta não discrimina:
a. se a conseqüência aversiva não ocorre porque há relação de contingência entre
responder e adiar a conseqüência aversiva: ou porque:
b. tal relação não está mais em operação.
Mas, alguém pode se perguntar: se Raul emite um comportamento social adequado
(por fuga-esquiva, conforme o raciocínio acima) e é conseqüenciado com atenção (que é
em geral um reforço social generalizado) por que ele não passa a ficar sob controle da
contingência atual de reforçamento positivo? Posso responder que a atenção, neste caso
não tem função reforçadora, pois a contingência principal, a contingência matriz, é a de
reforçamento negativo (Esta minha análise equivale á de Skínner sobre a função do salário
mensal de um trabalhador: os comportamentos do operário não são mantidos por

Sobre('omportumento eCoRniçJo 209


contingência reforçadora positiva - na qual o dinheiro é reforço generalizado - , mas por
fuga-esquiva das condições horríveis de sobrevivência que advóm da falta do dinheiro,
quais sejam fome, desabrigo etc.) Assim, quando Raul é elogiado, o elogio é um estímulo
com dupla função: reforço positivo generalizado, mas também estímulo que sinaliza o fim
daquele determinado episódio de esquiva. Ou seja, se houve elogio, então não haverá
mais a conseqüência aversiva, uma vez que a apresentação de um é incompatível com a
apresentação do outro.
No caso de Raul, a maior parte de seu repertório ó mantido por fuga-esquiva, mas
há, no entanto, exemplos em que ele responde a contingências reforçadoras positivas.
Por exemplo, a chefe tinha função de SD e ele se tornou sensível às conseqüências
reforçadoras generalizadas vindas dela. Assim: “Hoje sei do meu valor profissional; consigo
perceber porque me chamam para determinadas reuniões”; "Nas reuniões tenho completo
domínio do que está acontecendo e de qual ó meu papel"; “Se, no tempo de Faculdade,
tivesse tanta clareza de minhas habilidades como eu tenho hoje, não teria sofrido o que
sofri. Lá eu sofria antes da prova, durante a prova; e depois";. “Hoje vou para uma reunião
descontraído: o que vai acontecer lá não me assusta. Não tem ninguém no grupo preparado
para fazer o que eu faço".
Nas relações com amigos e com garotas, também apresenta um repertório amplo,
mantido por reforçadores positivos. Raul trouxe vários exemplos de atividades sociais para
as quais era procurado por amigos. Ele também tomava a iniciativa e era correspondido
pelos amigos, até que... ocorreu o primeiro ataque de pânico. A partir daí, “O mundo
desmoronou e me isolei das pessoas. Vivo pior que um erm itão: sozinho e apavorado".
Uma questão que precisa ser esclarecida: se Raul possui atualmente um repertório
verbal, profissional e de habilidades sociais abrangente e elaborado, o qual produz muitas
conseqüências reforçadoras positivas, porque ainda assim vive ansioso grande parte do
dia e tem crises periódicas de pânico? Primeiramente, tal repertório amplo ocorre como
resposta de fuga-esquiva. Raul fica sob controle das reações críticas que teme que venham
a ocorrer: as pessoas com quem interage e as tarefas que tem que realizar têm função de
SDp, estímulo discriminativo para punição. As conseqüências sociais positivas não têm
função de reforços generalizados, mas sim a de sinalizar que a contingência coercitiva em
operação (segundo as auto-regras formuladas por Raul) se encerrou (a conseqüência
social teria para ele função análoga ao de desligar a luz - no paradigma de fuga-esquiva
sinalizada -, quando a resposta de fuga-esquiva do choque é emitida). Deixo claro, porém,
que parte do repertório de Raul é mantido por reforçamento social generalizado positivo.
Então, permanece a questão. Para respondê-la compreensivamente há que se destacar
que o repertório de comportamentos de Raul que consideramos adequado não faz parte
das contingências que o terapeuta deseja instalar no cotidiano dele. Assim: Raul, quando
se sente bem (estado corporal tranqüilo ou de bem-estar, produto de contingências
reforçadoras positivas), emite comportamentos socialmente significativos e produz
conseqüências reforçadoras positivas (embora este controle de estímulo seja frágil: basta
Raul pensar que os sintomas podem vir a aparecer a qualquer momento, que o repertório
operante é amplamente suprimido); no entanto, quando não se sente bem (estado corporal
aversivo, produto de contingências coercitivas), deixa de emitir os comportamentos que
podem alterar as contingências aversivas. Ou seja, não emite os comportamentos
necessários (aqueles que produzem reforços generalizados positivos) exatamente quando
mais eles são essenciais. Assim, a Figura 16 da página seguinte resume o que foi escrito:

210 I léllo |o*é QullhdrUl


Antecedente Resposta Conseqüência

Paradigma de reforçamento positivo

Eventos corporais comportamentos reforços


agradáveis socialmente significativos generalizados
("Sinto-me bem") positivos

Paradigma de ansiedade

eventos corporais supressão de repertório de a. nãohá (extinção)


desagradáveis comportamentos operantes b. conseqüências
çrtrjaiç socialmente significativos aversivas
("Não me sinto bem") c. conseqüências sociais
ou pensar que os reforçadoras
eventos corporais insuficientes
desagradáveis irão para manter repertório
aparecer operante

Figura 16. Controle de estímulos sobre os comportamentos de Raul antes da terapia.

O papel do terapeuta consiste em introduzir o repertório de comportamentos


adequados de Raul nas contingências totais (ou contingência matriz, que produz os estados
corporais dos quais Raul se queixa). Ê uma mudança radical de conceito: os
comportamentos que podem ajudar Raul estão fora das contingências terapêuticas e não
são emitidos exatamente quando ele mais precisa deles. O terapeuta deve levar o cliente
a emitir os comportamentos que considera adequados, de modo tal que passem a fazer
parte das contingências conforme apresentado na Figura 17da página seguinte.
Conclui-se que as mesmas classes comportamentais quanto à topografia (as
quais denominei de comportamentos socialmente significativos por terem alta probabilidade
de evocarem conseqüências sociais generalizadas reforçadoras positivas), agora são
emitidas sob novo controle de estímulos: os eventos corporais desagradáveis, que antes
tinham função de S pré-aversivo para conseqüência aversiva inescapável e produziam
supressão de comportamentos operantes, agora adquiriram a dupla função de: SD, que
evoca comportamentos que são consequenciados com reforço positivo; e de S pré-aversivo
que evoca comportamentos de fuga-esquiva que são conseqüenciados por reforçamento
negativo pela remoção do estímulo pré-aversivo (fuga) e do evento aversivo imaginado por
Raul, qual seja, doença fatal e morte (esquiva, embora “supersticiosa").

Sobre Comportamento c CofiniçJo 211


Antecedente Resposta Conseqüência

Paradigma de reforçamento positivo

Eventos corporais comportamentos reforços


agradáveis socialmente significativos generalizados
("Sinto-me bem") positivos

Paradigma de reforçamento positivo


em conjunto com
Paradigma de fuga-esquiva com reforçamento negativo

eventos corporais comportamentos reforços generalizados


desagradáveis socialmente significativos positivos e remoção
sociais dos eventos corporais
("Não me sinto bem") desagradáveis
ou pensar que os
eventos corporais .
desagradáveis irão
aparecer

Figura 17. Controle de estímulos sobre os comportamentos de Raul a partir da terapia

Estou neste ponto começando a responder com mais clareza à questão que Raul
me propôs no in/cio da terapia: MDr. Hélio, diga-me qual o comportamento de fuga-esquiva
“que vai me salvar?" Posso, então, ir um pouco adiante, dizendo-lhe: “Você possui o
repertório de fuga-esquiva já instalado, porém não é emitido sob controle de estímulos
adequados. A presença dos sintomas deve adquirir a função de SD, isto é, a ocasião em
que você deve emitir tais comportamentos e ficar sob controle das reais conseqüências
sociais por eles produzidas" (que o terapeuta aposta que serão reforços positivos
generalizados provindos do ouvinte). Em outras palavras, a presença dos sintomas deve
perder a função de estimulo pré-aversivo, que suprime comportamentos operantes desejados
e elicia respondentes indesejados. “E, quanto à ausência de sintomas?" me perguntou
ele. "Você sabe que eu também tenho medo, nessa situação, de que o sintoma apareça."
“O raciocínio é o mesmo", respondi. “A ausência de sintoma deve também adquirir a
função de SD". Há, no entanto, um aspecto muito importante ao qual se deve dar a máxima
ênfase. O terapeuta deve colocar o comportamento de Raul sob controle das reais
conseqüências sociais reforçadoras positivas que os comportamentos produzem e
enfraquecer o controle da crença que possíveis (não reais) conseqüências aversivas serão
produzidas pelos mesmos comportamentos (é necessário alterar as generalizações e
relações de equivalência que Raul faz de sua história de contingências passadas para as

212 t iéllo José C/ullhdrdl


contingências sociais atuais). Como isso pode ser feito? Colocando os comportamentos
sob controle das contingências de reforçamento presentes, basicamente, reforçamento
positivo: ele deve emitir os comportamentos sob controle de estímulos descritos linhas
acima e ficar sob controle das conseqüências reforçadoras positivas. Mais adiante, no
texto, o próprio Raul descreverá tal procedimento, quando ele próprio falar sobre a passagem
do “ciclo mórbido para o ciclo saudável".
Conclui-se que Raul não é capaz, sem a ajuda do terapeuta, de fazer a mudança
de função dos comportamentos socialmente significativos que emite sob controle de estímulo
específico, ou seja, colocá-los sob novo controle de estímulos e arranjá-los para que
passem a fazer parte das contingências de reforçamento terapêuticas (quais sejam, as
contingências que eliminarão os sintomas corporais de ansiedade dos quais se queixa
Raul). Essa é a tarefa fundamental do terapeuta desde o início da terapia, até que as
conseqüências naturais assumam o controle dos comportamentos de Raul, sem mais
necessidade da intervenção de outra pessoa.

10. Falhas de discriminação do paradigma de ansiedade ou como confundir


um paradigma de fuga-esquiva com um de ansiedade
O cliente pode se comportar diante de uma determinada situação como se ele
estivesse sob controle de um paradigma de ansiedade. Diante de tais contingências, são
eliciados comportamentos respondentes e são produzidos estados corporais aversivos
(chamados de ansiedade; se muito intensos de medo; ou até mesmo pânico) e há uma
supressão abrangente do repertório operante (a pessoa diz que “deu um branco", não
consegue emitir nenhum comportamento de fuga-esquiva, fica “paralisada").
É ilustrativo ler o seguinte diálogo que tive com Raul:
- Você era tímido quando criança?
- Tímído? Tinha medo da professora. Só de me lembrar do tamanho da régua que
ela usava na cabeça das crianças me arrepia. E olhe que ela nunca me bateu. Não falava
com ninguém no recreio.
- Nunca falava em classe. Se me perguntassem algo, ficava vermelho e me dava
um "branco".
- Essa retração me perseguiu até a faculdade. Professor tinha autoridade e poder
para me prejudicar. Num clima desses, eu não tinha tranqüilidade para aprender. Só me
preocupava com notas. Já pensou tirar uma nota baixa?
- Gosto de Direito Civil exatamente porque o professor era tranqüilo. Não cobrava
presença na aula e os alunos não faltavam. Dava as questões de prova e saía para tomar
café. Ninguém colava, nem dava. Tinha que pensar para responder...
- Tinha dificuldades com as meninas. Nunca chegava nelas. Perdi, ou acho que
perdi, muitas meninas maravilhosas por medo de chegar nelas. Só comecei minha vida
sexual aos 23 anos
- Só me desinibi conscientemente depois que passei no concurso. Me senti auto-
confiante. Mas foi um processo... até que houve uma explosão,
- O jeito que você me vê hoje ó completamente diferente do que eu sempre fui.
- Se soubesse do meu potencial teria aprendido mais, me desenvolvido mais,
vivido mais feliz, nunca reconheci meu potencial. Era medo, medo, medo... sempre rodeado
de medo. Às vezes, até parece que já nasci com medo.

Sobrr C‘omport<tmrntoeCoRnJyJo 213


Cabe ao terapeuta desmontar as interpretações do cliente sobre a realidade e
colocá-lo sob controle dos fatos empíricos presentes. É o primeiro passo para levá-lo a
observar os elementos que compõem as contingências para em seguida relacioná-los e,
afinal, testar a funcionalidade das contingências alterando os termos que as compõem.
O terapeuta pode apontar para Raul quatro possíveis falhas de discriminação, que
fazem com que ele se coloque sob controle de contingências produtoras de ansiedade.
Alteradas essas falhas, ele pode responder ao ambiente sob controle de outras funções
dos eventos. Pode-se dizer que passa a se comportar sob controle de novas contingências.
Assim:
a) O evento pré-aversivo pode ter tal característica topograficamente, mas não
funcionalmente. Por ex., o pai de “cara amarrada" pode estar cansado e não zangado
e propenso a punir o filho.
b) O evento aversivo é interpretado como tal, mas pode não ter, necessariamente,
essa função. Por ex., uma “crítica" pode ser um sinal para a pessoa corrigir e
melhorar seu desempenho e não uma avaliação depreciativa de suas capacidades.
Ou seja, pode ter função de SD e não de SDp.
c) Ao contrário da crença de que nenhum comportamento evitará a punição, há
respostas possíveis que, se emitidas, podem remover o evento pré-aversivo e impedir
o aparecimento do evento aversivo propriamente dito. Por ex., ao invés de esperar a
punição porque “Não adianta mesmo explicar, papai nunca aceita o que lhe dizem",
seria importante variar o repertório verbal de diálogo com o pai, até encontrar um
padrão comportamental capaz de fazê-lo ouvir e rever a avaliação que ele vinha
fazendo do desempenho do filho. Em outras palavras: o repertório comportamental
é deficitário, naquela situação, é preciso ser ampliado; e não cabe a suposição de
que não há comportamento de fuga-esquiva possível.
d) A pessoa fica, exclusivamente, sob controle dos estímulos aversivos provenientes
do próprio corpo e não atenta para os aspectos do ambiente, que são antecedentes
e conseqüentes, e por essa razão determinantes de tais estados corporais. Como
tal, relata uma ansiedade difusa, que, aparentemente, tem uma origem "espontânea".
A pessoa não detecta nenhum item do paradigma de ansiedade e nem as interações
entre eles.
As falhas apontadas, para a adequada identificação dos componentes do
paradigma, revelam repertório comportamental restrito para lidar com situações cotidianas
e discriminações de estímulos equivocadas. Tais déficits, para emitir comportamentos
operantes, que podem alterar as contingências, bem como os déficits de discriminação,
são produtos da história específica de contingências de reforçamento a que a pessoa foi
exposta durante o seu desenvolvimento. A ansiedade que vivência, não é, portanto, produzida
pelos componentes do paradigma em si, mas pela função que a pessoa, como fruto de
sua história de vida, atribui aos componentes. A ansiedade assim gerada é chamada de
“neurótica". Nome tão arbitrário como chamá-la de "idiossincrática" ou "histórica". Quando
o cliente discrimina corretamente as funções dos antecedentes e das conseqüências e
amplia o repertório comportamental para lidar apropriadamente com a contingência, ele se
torna um agente ativo, parte funcional da contingência, em favor do seu desenvolvimento
comportamental. Assim, ao mudar as conseqüências de seu comportamento, passa a
ser influenciado, por sua vez, por tais novas conseqüências, dando origem a uma espiral
em que é sujeito e objeto das conseqüências (Micheletto e Sério , 1993). O termo final
desejado é que as contingências coercitivas sejam substituídas por reforçadoras positivas.

214 I lélio José C/uilhardi


Se isso não for possível, então que comportamentos de fuga-esquiva funcionalmente
apropriados sejam emitidos; que, finalmente, prevaleçam contingências - quer positivas,
quer aversivas (quando inevitáveis) - amenas. Segundo Skinner(1969): ‘ surgem problemas
quando as contingências são complexas. Por exemplo, pode não existir resposta disponível
que satisfaça um determinado arranjo de contingências; ou respostas competitivas podem
ser equivocadas - entre elas mudanças emocionais, que enfraquecem a resposta à qual o
reforço ó contingente ou que destroem o poder do reforçador" (p. 134). Os comentários de
Skinner se aplicam a histórias de contingências de Raul: ou as contingências eram muito
exigentes, de tal forma que ele não tinha resposta apta a ser emitida; ou eram muito
aversivas, tal que enfraqueciam o repertório de comportamentos adequados, cerceando o
acesso a reforçadores, ou destruindo a função dos reforços. Tal relação com contingências
complexas (uma vez que a vida não poupa ninguém das contingências complexas) deve
envolver repertório para tornar as conseqüências - reforços positivos ou negativos - mais
brandas.

11. Direção do tratamento


A ansiedade produzida por história falha de desenvolvimento ontogenético pode
ser enfraquecida ou eliminada, aumentando o repertório de comportamentos de
enfrentamento dos eventos pré-aversivos e aversivos e melhorando o repertório de
discriminação da pessoa.
O processo terapêutico envolve:
a. Desenvolvimento de comportamentos governados por regras em que as auto-regras
da pessoa, que a impedem de alterar os eventos pré e aversivos, sejam substituídas
por novas regras, funcionalmente relevantes, propostas pelo terapeuta;
b. Desenvolvimento de comportamentos modelados pelas suas conseqüências, em
que a pessoa emita uma ampla variedade de comportamentos, antes ou diante dos
eventos pré-aversivos, e observe as mudanças ambientais que eles produzem, até
a eliminação tanto dos eventos pré-aversivos, como dos eventos aversivos;
c. Desenvolvimento de comportamentos modelados por conseqüências reforçadoras
positivas, que gerem sentimentos de prazer, bem-estar etc., incompatíveis com
sentimentos de ansiedade, medo, pânico etc.

12. Objetivo# terapêuticos


a) Colocar Raul sob controle das inter-relações entre os três termos das contingências
de reforçamento;
b) Alterar as conseqüências reforçadoras sociais generalizadas que Raul tem
conseguido com as queixas verbais: extinção e punição branda (Raul Autrarí). O
sobrenome Autran tem a função de criticá-lo, por ser exagerado, teatral nas suas
reações, mas é uma crítica leve, pois o comparo a um grande ator. O uso do nome
Autran tem ainda a função de colocar Raul sob controle dos comportamentos que
emite nas crises, reconhecendo que são exageradas. Ele sorri quando o chamo de
Autran e diminui a dramaticidade das queixas. (Atualmente, uso Autran como reforço
social, conseqüente a desempenho criativo e elaborado como professor).
c) Torná-lo consciente da história de contingências que produziu padrões de
comportamentos adequados e inadequados e da influência de tal história (via

Sobre Comportdmcnto c Copníçío 215


generalização ou relações de equivalência) sobre a função das contingências atuais,
tanto as que geram fuga-esquiva e ansiedade, como aquelas que produzem
comportamentos reforçados positivamente e bem-estar;
d) Torná-lo ciente de que o auto-conhecimento não altera as causas do comportamento:
contribui para identificá-las, o que é pré-requisito para, então, alterá-las;
e) Desenvolver repertórios de comportamentos de interação social que produzam
reforçadores positivos, de tal forma que não sejam associados a reforçamento negativo;
f) Prover reforçadores positivos sem atentar para as contingências, exceto não os
tomando contingentes a comportamentos inadequados, como escreveu Skinner
(1980): "Amor como um estado é uma disposição para agir em relação ao outro de
maneira que são reforçadoras, mas sem prestar atençào a quaisquer contingências.
No amor nós agimos para agradar, não para ferir, para ser generoso, não para ser
egoísta - mas, não agimos para mudar comportamento." (p. 132);
g) Desenvolver repertórios de contracontrole, o que implica em adquirir consciência
das funções dos eventos ambientais (antecedentes e conseqüentes), bem como
consciência da função dos comportamentos que pode emitir para alterar os eventos
ambientais, substituindo os que têm função aversiva por outros com função
reforçadora (mudar os comportamentos do controlador);
h) Discriminar funções dos eventos ambientais que são produto de história particular
de contingências (auto-regras), das funções que são identificadas como tal pela
comunidade social em geral. Assim, um comentário crítico sobre um determinado
comportamento, em função da história particular de contingências, pode ter função
de SD para novo comportamento mais efetivo ou função de S*", que produz
comportamentos de fuga. Por outro lado, uma multa por excesso de velocidade
tem, usualmente, função aversiva para qualquer membro da comunidade
(contingência coercitiva comum aos membros do grupo).

13. Estratégias terapêuticas


O processo terapêutico de Raul envolveu três grupos de procedimentos. Na
essência os procedimentos foram conduzidos da mesma maneira pelos dois terapeutas
de Raul, embora não se deva supor uniformidade de desempenho terapêutico, espera-se
que tenham tido funções análogas.
O primeiro deles envolveu essencialmente comportamento verbal, durante as
sessões. O terapeuta" modelou em Raul um vocabulário técnico e conceituai sobre os
princípios básicos do comportamento humano, a transposição dos fatos comportamentais
do seu cotidiano para uma linguagem comportamental e o emprego de esquemas e
paradigmas que sistematizassem os dados, de tal maneira que lhe ficasse clara a inter-
relação dos termos da tríplice contingência. A avaliação da aquisição do repertório de
comportamentos desta classe foi feita a partir das verbalizações e de material escrito que
nos entregou e da coerência nos relatos sobre a utilização dos conceitos e instruções
recebidas no manejo de seus comportamentos. Assim, durante as sessões o terapeuta:
a. levou Raul a sistematizar os tactos verbais do seu cotidiano, segundo o modelo da
tríplice contingência;
b. levou Raul a enunciar os princípios básicos do comportamento humano;
c. reforçou diferencialmente verbalizações a respeito de comportamentos adequados:

21 6 H élio José lyuilhdrtii


aqueles que produzem reforços positivos generalizados ou respostas de fuga-esquiva
funcionalmente corretas;
d. colocou em extinção o comportamento de se queixar dos sintomas físicos e, ao
mesmo tempo, o colocou sob outro controle de estímulos; assim, por exemplo,
perguntando-lhe: - Que comportamentos produtores de reforços positivos você
poderia emitir em tal situação, quando os sintomas aversivos começaram?
e. levou Raul a relacionar os sintomas agradáveis e desagradáveis com as contingências
de reforçamento em operação e a mudar as contingências adversas emitindo
comportamentos (não se queixando...) com conseqüências reforçadoras positivas.
O segundo grupo de procedimentos foi introduzido por que não basta Raul dizer
que mudou seus comportamentos. O terapeuta deve observar a ocorrência dos
comportamentos em situações naturais, nas quais eles devem ser emitidos e selecionados
pelas conseqüências que produzem. As generalizações dos comportamentos para outras
classes comportamentais, bem como para diferentes contextos, devem ser programadas
(Baer, Wolf e Risley, 1968). Com esse objetivo, foram introduzidos procedimentos de
fadingoutda ajuda dos terapeutas para produziros comportamentos nos contextos naturais,
onde ó possível observar e modelar eventuais desvios nos padrões comportamentais
desejados, até o estágio em que Raul passe a emitir, espontaneamente, os
comportamentos sociais, de lazer etc. nos contextos próprios, nos quais passem a ser
mantidos, exclusivamente, pelas conseqüências naturais que produzem.
Tais procedimentos atendem a um alerta feito por Guedes (1993) no texto em que
ela critica os terapeutas comportamentais que:
"adotaram uma prática terapêutica de gabinete, isto é, sua atuação restringe-se a
interações verbais no espaço físico do consultório. Priorizando a terapia face a
face, a ênfase agora é colocada em questões do tipo: vínculo terapeuta-ciiente,
nuances da relação terapêutica, utilização de sonhos e fantasias, sentimento
como estratégia para informação sobre seus clientes, ou como estratégia para
desenvolver auto-conhecimento" (p. 82)

Concordamos com a autora quando, citando Skinner, reafirma os conceitos básicos


da análise do comportamento:
"1) as causas iniciadoras dos comportamentos (expressos ou encobertos) estão
na relação com o ambiente, 2) não só os comportamentos, mas também os
sentim entos são produtos de contingências e 3) portanto, m udança de
comportamento e sentimento só são possíveis com rearranjos entre ambiente o
comportamento." (Guedes, 1993, p.83).

Assim, no ambiente natural de Raul o terapeuta:


a. levou-o a lugares públicos dos quais se esquivava: shopping, cinema, restaurantes,
cafés, livrarias etc., a fim de expô-lo às conseqüências naturais de tais ambientes.
Inicialmente, era levado no carro do terapeuta; posteriormente, ele ia dirigindo seu
próprio carro;
b. deu-lhe instruções específicas de como proceder ou modelos para ações nos
contextos citados, a fim de aumentar a probabilidade de ocorrência dos
comportamentos desejados. Esta estratégia foi rapidamente faded out, uma vez
que Raul possui um bom repertório social já instalado, que estava suprimido pelas
contingências aversivas; sendo assim, a tarefa do terapeuta era, na essência, re­
instalar o repertório agora sob controle de estímulos apropriados;

Sobre Comportamento e Cognl(<1o 2 1 7


c. esvaneceu o controle sobre o comportamento de ir a tais lugares: “Estarei esperando
por você lá..." (ao invés de levá-lo);
d. colocou os comportamentos de ir aos lugares citados sob controle de uma instrução:
- Nesta semana seria importante você ira... (um dos lugares);
e. aumentou o grau de controle das contingências sociais e naturais sobre o
comportamento de ir até os lugares: - Seria interessante vocô convidar... (um amigo
ou...) para ir com vocô para...;
f. deu-lhe instruções para iniciar novas atividades, por ele escolhidas, tais como
freqüentar academia, participar de aulas de natação, dar aulas etc., que tôm alta
probabilidade de produzir conseqüências sociais generalizadas positivas e outras
próprias das atividades reforçadoras (nestes exemplos, eu nunca estive presente).
Obs. Além dos dois terapeutas que conduziram o caso, outros co-terapeutas se
revezaram nas atividades descritas, a fim de aumentar o grau de generalização do repertório
e diminuir a influência direta dos terapeutas.
O terceiro grupo de procedimentos teve por objetivo prover a oportunidade de Raul
se expor a contingências sociais naturais que podem manter e ampliar os repertórios
modelados, tanto pelo primeiro grupo de procedimentos terapêuticos, como pelo segundo.
Desta maneira, a diferença básica entre este grupo de procedimentos e o anterior ó que
neste último o terapeuta não programou as atividades, nem as contingências. Raul deve
ficar, exclusivamente, sob controle das contingências que estão em operação no seu
mundo social, familiar e profissional. E, responder a tais contingências ou alterá-las em
função do repertório adquirido a partir dos procedimentos anteriores. A única instrução foi
a seguinte: “Com tudo que aprendeu até aqui, você está habilitado a se tornar sujeito ativo
de sua história. Parafraseando Fernando1Pessoa: ("Navegar é preciso..."): - Raul, comportar-
se é preciso, no sentido de necessário, de modo a produzir (ou responder a) contingências
de reforçamento (positivas e, se inevitáveis, aversivas) amenas." Raul ter iniciado a dar
aulas no cursinho preparatório para concursos da área de Direito foi um produto significativo
deste procedimento. O terapeuta, além disso, introduziu nesta etapa dos procedimentos
algumas atividades de sondagem, ou seja, atividades nas quais o terapeuta poderia estar
presente, a fim de avaliar diretamente os comportamentos de Raul e as conseqüências
que produziam, sem intervir diretamente. Assim, o terapeuta, selecionou alguns ambientes
propícios para gerar comportamentos generalizados e para prover reforçadores, arbitrários
e naturais, próprios para as atividades peculiares de cada ambiente:
a. levou-o a várias reuniões de discussão de casos dos psicólogos do Instituto, para
expor suas dificuldades e seus sucessos, a partir do processo terapêutico;
b. convidou-o para dar aulas para alunos de psicologia e psicólogos, apresentando aspectos
do seu tratamento, usando terminologia técnica e definindo conceitos comporta mentais,
a partir de eventos de sua vida que foram discutidos e analisados na terapia.
A seleção de tais atividades de sondagem nos ambientes citados, teve como
objetivo, além de observar diretamente a ocorrência dos comportamentos sob controle de
estímulos próprios de cada situação, exigir de Raul linguagem técnica e precisa da análise
de comportamento.

14. Alguns exemplos da evolução terapêutica de Raul


Há mais de dez meses Raul não tem nenhum ataque de pânico. Tem relatado
progressivamente menos crises de sintomas, os quais têm enfrentado e eliminado usando

218 H élio José Cyullhardl


procedimentos desenvolvidos com ele durante o processo terapêutico. Dr. Mauro vem
reduzindo sistematicamente sua medicação, sem que com isso tenha ocorrido qualquer
piora dos sintomas.
Seguem-se alguns relatos de Raul:
- Domingo à tarde, comecei a me sentir ansioso. O peito estava esquisito, senti
uma certa tontura. Ih, pensei... Já vai começar. Aí disse para mim mesmo.
- Você está precisando de reforçadores positivos. Me arrumei e fui até o bar do
Dinho. Sabia que o pessoal da praia ia passar lá... Aquela garota de quem lhe falei estava
lá... sozinha... arrisquei e disse que sabia que ela gostava de milkshake úe chocolate.
- Como você adivinhou? Ela me disse.
- Um dia lhe conto... (na verdade, pensei: é altamente provável uma pessoa gostar
de milkshake...)
- Dancei com ela. Depois cantei Caçador de Mim, no palco. Pediram para eu
repetir.
- Mas, sabe o melhor? Os sintomas desapareceram completamente. Produzi,
com meus comportamentos, reforçadores positivos para mim mesmo.
A brincadeira do milkshaketem uma história. Pedi para Raul descrever, por escrito,
o episódio que ele e eu vivenciamos no shopping, numa das sessões em ambiente social
natural. Eis o relato que me enviou por e-mail:
"Fim de mais uma sessão na quarta-feira. - Agora vamos ao shopping passear
um pouco, afírmou o Dr. Hélio! Não tive dúvidas. - Tudo bem, vamos ver o que acontece.
Saímos os dois com o carro do meu terapeuta. Durante o caminho era impossível não
ficar imaginando o que poderia ocorrer quando eu entrasse naquele lugar fechado, barulhento
e cheio de gente. Mesmo assim pensava: olha, você foi ao shopping a sua vida toda e
sempre foi um local de distração e de sensações agradáveis, seu corpo não esqueceu
disso. Além do mais o Dr. Hélio está com você. O medo estava presente, mas não me
impediu de tentar desfrutar de um passeio agradável na companhia de um grande amigo.
Durante o caminho, quanto maior a proximidade da chegada, percebia que a
ansiedade aumentava. Mas fui adiante. Entramos no estacionamento, paramos o carro e
nos aproximamos da porta de entrada. O coração estava disparado, estava com muita
tontura e com aquela sensação desagradável de sufocamento. Mas fui adiante conversando
com o Dr. Hélio que falava sobre passeios, de seu gosto por jazz e por Cecília Meirelles.
Dizia também que iria ao cinema com amigos em uma sessão no final da tarde. A conversa
era agradáveL O lugar estava cheio de gente. Meu corpo parecia estar desadaptado. O
barulho, as luzes e toda aquela infinidade de cores geravam um enorme desconforto. Meu
corpo não me permitia curtir integralmente a companhia do meu grande amigo, do local e
das pessoas que passavam ao meu lado.
"Vamos tomar um milkshake?”, perguntou o Dr. Hélio. “Claro", respondiI Depois
fomos até a livraria Saraiva. Os sintomas ainda incomodavam muito. Caminhávamos
juntos quando meu terapeuta percebeu a presença de uma vendedora da loja, de nome
Juliana. Estava sentada no chão arrumando os livros. Cumprimentou-a educadamente e
perguntou: "Você gosta de milkshake?" A garota, bastante simpática, sorriu respondendo
que sim. "Então vamos presenteá-la com um daqueles copos de 300 mH" "Não, não se
incomodem com isso, vai dar muito trabalho". "Imagine, trabalho algum. Não vamos privar
você de trabalhar saboreando um milkshake. Você vai arrumar os livros e atender as
pessoas muito mais feiiz, nào vai", disse o Dr. Hélio. "Nossa, claro que siml

Sobre Comportamento r Cognição 219


Ela nos olhava como se fossemos dois extraterrestres. Nunca imaginei que um
ato de atençào pudesse acarretar tanto espanto em uma pessoa. Imaginei que a garota
deveria estar pensando: nossa, de onde saíram estes dois malucos que do nada resolveram
me agraciar com um milkshake ? Mas o horário da sessão de cinema estava muito próxima.
Não daria tempo de comprarmos a guloseima e voltamios atô a livraria. Então prometemos
à Juliana que voltaríamos ao shopping aquela semana especialmente para levar o milkshake.
Aí a garota não acreditou mesmo e continuava nos olhando, apesar de sorridente, como
se fôssemos dois seres de outro planeta.
A experiência foi bastante curiosa e engraçada. Quando salmos da livraria, riamos
bastante de toda a situação e comentávamos o fato das pessoas estarem desacostumadas
com gestos de carinho e de atenção. Em seguida percebi que a situação criada pelo meu
terapeuta tinha produzido efeitos nos meus sintomas. A sensação de sufocamento tinha
desaparecido, o coração estava batendo no ritmo normal. Só restava um pouco de tontura.
O Dr. Hélio seguiu para o cinema e eu voltei para casa bastante feliz. Finalmente
tinha descoberto que era possível produzir algo contra aqueles sintomas. Mas foi necessário
ter a coragem de fazer a opção pelo passeio e não temer uma nova crise de pânico. Mas
não teria feito nada sozinho. A presença do meu grande amigo foi essencial!
Dois dias depois, na parte da tarde, voltamos ao shopping. Compramos o milkshake
e nos dirigimos para a livraria. Não encontramos a vendedora. Outra garota, de nome
Natalia, que também trabalhava na loja, nos disse que a Juliana teria trabalhado somente
no período da manhã. Mas teria comentado que poderíamos aparecer com o milkshake
dela. Incrível, mas ela não esqueceu. A experiência com extraterrestres costuma a ser
mesmo marcante, pensei.
"E você Natalia, gosta de milkshake?" perguntou novamente o meu terapeuta
“Mas é claro, é uma delicia, pena que e n g o rd a “Mas nós traremos um para você também.
Não podemos privá-la desta delícia’’, continuou o Dr. Hélio. A garota ficou ruborizada e,
logicamente, espantada com o gesto de atenção dos dois desconhecidos. Ofereceu-se
para guardar o milkshake da colega na geladeira.
Enquanto isso, nos dirigimos ao caixa para pagar os livros que tínhamos escolhido.
Natalia chegou ao balcão e disse às outras colegas vendedoras.HOlha eles vieram trazer
o milkshake da Juliana e prometeram trazer um pra mim também. " A reação foi muito
engraçada: "Também queremos, porque só as duas??!" Todas queriam a mesma atenção,
embora fôssemos apenas dois desconhecidos atenciosos. Quanto aos meus sintomas,
finalmente deixaram espaço para a minha alegria. As idas ao shopping voltaram a se
incorporar ao mewcotidiano.M
Numa sessão, Raul introduziu uma distinção entre "cido mórbido" e "ciclo saudável".
A partir de nossa interação, preparei a sistematização da discussão que aparece na
Figura 18da página seguinte.
Raul ficou encantado com o “nosso" produto. Exclamou:
- Esse quadro é o mais importante de todos os que temos até agora. Se
tivesse sido feito no inicio (da terapia), talvez não tivesse o mesmo valor. Eu não estava
preparado. Quero levar uma cópia comigo para pensar calmamente em casa.
- O quadro exige de você uma opção. Tal opção ó muito difícil de fazer. Porisso,
levei meses... Não acreditava que a passagem de um ciclo para o outro fôsse quebrar o
primeiro, porque a intensidade do sintoma físico mórbido ó tão intenso que você teme
fazer a passagem. O medo e a ansiedade impedem a gente de se mover, é preciso que

220 t léllo Io í í C/ullhdrdl


Figura 18. "Ciclos funcionais propostos por Raul. "O estado de liberdade dos sintomas exige
que ou faça uma opção ativa. Na vida temos que fazer uma escolha consciente: ou
permanecemos doentes ou nos tornamos saudáveis pelos nossos esforços, A minha cura
exige que eu faça uma opção." (Raul)

*»obre Comportamento c CofinlvJo 221


haja um empurrão, um catalisador que provoque a passagem. É aí que entra a terapia...
Fico pensando naquilo que nós analisamos aqui...
Uma psicóloga que o ouvia fez a seguinte pergunta a Raul: “Se é tão difícil fazer
a opção, então, como vocô foi capaz de fazô-la?"
A resposta de Raul envolveu dois itens:
1 . - 0 tempo que tenho sofrido é longo. Eu precisava acabar com isso.
2 . - 0 carinho dos meus terapeutas. Se não sentisse total confiança neles e se não
tivesse a certeza que me amam e querem meu bem (eu também os amo) não sei se
arriscaria.
O terapeuta acrescentou um terceiro fator:
3 .0 uso da técnica de fading out. As presenças dos terapeutas e co-terapeutas, gradual
e progressivamente removidas também foi importante para evocar a emissão dos
comportamentos.
- Vocô só percebe que é possível depois que (o sintoma) passa e (a gente) tem
sentimentos que são diferentes do que a gente vivia antes. Tudo é névoa até você começar
a se sentir diferente".
- Vocô não sabe o que fez para passar pela ponte de um lado para o outro. Mas
vocô sabe que fez a passagem, quando muda o que vocô está sentindo... Explicando
melhor, eu sei que saí atrás de reforços positivos... o que não entendo é esse passe
mágico que faz mudar o corpo. Sei fazer; sinto a mudança; não sei explicar. Mas, aprendi
que tenho domínio sobre o que acontece com meu corpo".
- Eu não tinha esperança: vocô está vivo e está morto ao mesmo tempo. Achava
impossível sair dessa armadilha até que as coisas começaram a acontecer. Não pensei
que iria à praia e fui. Que ia dirigir até a fazenda. Peguei o carro: fui e voltei sem dividir o
volante com minha irmã. Foram mais de 1000 Km em trôs dias".
- Não ia ao shopping, agora vou. Não ia ao cinema, tenho ido. Não ia à academia,
vou toda semana. Agora tenho preferido ir à natação. Divirto as velhinhas (que nadam
comigo) e me divirto com elas, me atirando na piscina, molhando todo mundo. É engraçado,
dou um susto nelas".
- Não me contive e lhe disse: - Raul, acho que depois disso vou chamá-lo de
Arquimedes... Heureca... Vocô descobriu como alegrar as velhinhas com suas traquinagens.
- Tem que haver um momento em que o cara tem que fazer alguma coisa. Mas
qual? Só sei que tenho que me expor. A única bússola era fazer alguma coisa que me
desse uma hora ou duas de sobrevida. E essa coisa tem que ser gratificante. Não adianta
nada fazer por fazer. Lembra-se daquela noite com a minha amiga?
- Depois da transição vem o atestado de aprovado. Muitos se perdem porque não
fazem a opção. O que motiva a opção é um mistério, mas é a chave. Acho que o estado
mórbido precisa chegar a tal ponto que só resta fazer a opção. Só que antes eu nem sabia
que havia a opção.
- Agora eu aprendi com vocô e com a Dra. Noreen duas coisas: é preciso fazer a
opção; e, a opção tem que produzir prazer, satisfação.
- Aprendi que não adianta reclamar, se queixar. ‘Se mexe cara', é o caminho.
- Veja o que aconteceu comigo: estava com sintomas e resolvi me ajudar buscando
uma parceira sexual. Descobri uma coisa incrível: como eu funciono.
- Vou lhe explicar com os nomes que vocô usa comigo: convidei uma amiga
minha, com quem já tive um namoro há anos, para vir até meu apartamento.

222 H élio loié Qullh.irdi


- O convite foi uma resposta de fuga (porque eu já estava com o sintoma)
parcialmente eficaz: reduziu, mas não eliminou o sintoma quando ela aceitou vir se encontrar
comigo.
- Depois tive que me ‘desempenhar’, mas não estava com suficiente tesão. Cumpri
minha obrigação de forma insatisfatória para mim. Foi uma resposta de fuga ineficaz
(porque eu não queria, mas ela sim e eu não podia decepcioná-la.) A situação sexual foi
tão aversiva para mim que o sintoma voltou.
Explicação que lhe foi dada pelo terapeuta:
- Durante o ato sexual, você ficou sob controle do dever de ter bom desempenho
sexual e sob controle dos sintomas orgânicos. Não ficou sob controle da garota e nem
dos estados corporais prazerosos, normalmente produzidos pelo ato sexual realizado
espontaneamente.
- Veja a diferença com um outro exemplo. Estava com sintoma. Aí me decidi ir à
academia. Levei meu CD player, coloquei um CD de rock e comecei a me exercitar no
transfer.
- Reduziu o sintoma. Fui me envolvendo com a música. Quando me dei conta,
estava dançando rock em cima do transfer. Devia estar super engraçado. Desapareceu o
sintoma."
Explicação do terapeuta:
- Você ficou sob controle da música; posteriormente, mais ainda sob o controle
dos movimentos da dança e da reação (por você imaginada) das pessoas por perto vendo
seus movimentos uengraçados". Não ficou sob controle dos sintomas.
- Sabe a minha conclusão? disse Raul. Não adianta emitir comportamento de
fuga-esquiva (do sintoma) se ele não me causar prazer.
Explicação do terapeuta:
- O ponto critico é emitir comportamento que produza reforçadores positivos. O
reforçamento positivo produz estados corporais sentidos como bem-estar, satisfação etc.,
incompatíveis com os estados corporais aversivos referidos por você.
Note que, ao emitir o comportamento de fuga-esquiva, ocorre reforçamento negativo
o sintoma aversivo se enfraquece no entanto, ó essencial que o comportamento de
fuga-esquiva mude de função. Ele agora deve produzir reforço positivo, pois as contingências
de reforçamento positivo produzem estados corporais, sentimentos de satisfação e bem-
estar, incompatíveis com a ansiedade. Se não houver a combinação de ambas as
contingências, f8 o logo o comportamento de fuga-esquiva termine, o estado corporal de
ansiedade reaparece.
- Estou morando sozinho. Avisei minha mãe que ela deve vir à minha casa apenas
quando a chamar. Ela costuma invadir meu espaço e fico inibido (comportamento de fuga-
esquiva).
Raul começou a dar aulas em um curso preparatório para concursos. Não sentiu
nenhum “sintoma" durante as aulas, pelo contrário. Disse:
- Senti-me muito bem. Acho que nasci para isso...; É a coisa que mais adoro
fazer atualmente. Saí realizado da aula. Feliz da vida. Realmente eu tenho salvação:
preciso da terapia e das aulas (comportamentos mantidos por reforçamento positivo).
- Aprendi uma coisa: se estou com sintoma, saio com um amigo e o sintoma
some. Se estiver com sintoma: vou dar aula ele some.

Sobrr Comportamento e Coftnl(<U> 223


14. Exemplos de generalização emitidos por Raul
Atente para a análise que Raul fez das contingências que controlam os
comportamentos da mãe. Um bom exemplo de generalização dos conceitos aprendidos.
-V e ja a situação da minha mãe. Estou preocupado com ela. O pai quer se livrar
dela e manda ela vir cuidar dos filhos. Ela está perdendo reforçadores positivos vindos do
pal e deve se sentir rejeitada por ele: há remoção de reforços positivos vindos dele. Al ela
emite comportamentos de fuga-esquiva: “Vou cuidar de meu filho, que precisa de mim...";
“Meu marido acha importante que eu cuide do filho...". Dessa forma, ao atender às
determinações do meu pai, ela obtém (ou faz de conta) reforços positivos por ser boa mãe
e boa esposa. Ao mesmo tempo, quando vem embora para Campinas, deixa de ser criticada
pelo marido, ocorrência corriqueira quando está em casa sozinha com ele, ou seja, ocorre
reforçamento negativo.
- Além disso, diante do argumento do marido (o filho precisa dela), ela pode
justificá-lo com a frase “Ele não está querendo ficar livre de mim, pois ele sabe que Raul
precisa de mim. Minha mãe está emitindo comportamento de fuga-esquiva, pois pensando
assim ela nega que meu pai não a quer por perto.
- A conclusão horrível a que chego é que minha mãe precisa me manter doente.
Minha doença dá a ela uma função - a de uma mãe zelosa - e uma justificativa para viver
longe do marido. Talvez, por essa razão, ela claramente desobedeça a recomendação
terapêutica, qual seja a de se manter distante de mim, para eu aprender a me virar...
Raul fez uma análise das conseqüências aversivas dos comportamentos da mãe,
dadas pelo marido, e positivas, providas pelo filho, quando a mãe está na fazenda ou em
Campinas. Esquematizei o relato de Raul na Figura 19. quanto mais perto do filho, mais
reforços positivos; quanto mais perto do marido, mais conseqüências aversivas. (Tal Figura
foi preparada para estabelecer um controle de estímulos sobre os comportamentos
adequados de Raul em relação a mãe. Não foi preparado para apresentação de dados à
comunidade científica).

+
&

(OZMm Cj P rtWfWO d o n M ftd ii« Raul mm o i M r i i k i « «y RmiI

Figura 19. Gráfico demonstrativo das conseqüências aversivas ou reforçadoras positivas


obtidas pela mãe de Raul em trôs situações distintas (apenas para demonstrar as
tendências das curvas, sem dados numéricos reais).

22 4 H èllo )o*è Cyullhardl


Raul propôs a seguinte análise sobre a relação entre os pais:
- Minha mãe, quando está com meu pai, tem meios de rejeitá-lo. Quando ele
chega da fazenda ela continua vendo o programa de TV. Não dá atenção para ele. Ou ela
está na igreja. Ou caminhando sozinha. Meu pai sempre se queixou que ela não lhe fazia
companhia. O comportamento dela de rejeitá-lo é antigo. Ele a manda para Campinas
morar comigo. Ela percebe que é uma desculpa dele para se livrar dela. Aqui ela se sente
rejeitada por ele. Ela fala: Seu pai não me quer perto dele.
- Quando ela está aqui, ele não se sente rejeitado. No fundo, eles fazem um jogo.
Lá, ela o rejeita; aqui, não consegue. Aqui, ele a rejeita; lá, ó ele que não consegue.
- Fico preocupado com minha mãe. Meu pai não a quer lá; eu não a quero aqui. O
que devo fazer por ela? Meu pai expulsou minha mãe de lá. Ela não tem para onde ir. Veja
o diálogo que ela teve comigo
- Vou para Campinas, para sua casa.
- Estou bem, a senhora não precisa vir. Meus terapeutas preferem que eu viva
sozinho, e aprenda a me virar.
-V o c ô pode recair.
- Não pode ficar comigo. É decisão minha e é terapêutica.
- Diga aos seus psicólogos que não sou louca. Não venho para cá para atrapalhar
a terapia.
- Veja a minha situação: minha mãe é esposa sem marido, sem casa, sofrendo
forte sentimento de rejeição do marido e das filhas que não a querem em suas casas. O
único que não vai rejeitá-la sou eu. Eu acolho minha mãe."
- Estou analisando assim:
- Mãe morando comigo é um estímulo pró-aversivo.
- Devo emitir um leque de comportamentos (mostrar variabilidade) perante ela,
para que os aversivos não cheguem (ela ó autoritária, crítica, quer tudo do jeito dela, quer
me controlarem tudo, tirar minha liberdade). É ótima situação para me exercitar. Ela será
uma escola.
- Terei que ter comportamentos assertivos diante da minha mãe para ela não ter
chance de emitir os aversivos. Posso, então, até chegar à conclusão que o que parece ser
pré-aversivo não é mais pró-aversivo. Posso controlar minha mãe. Se eu posso controlá-la,
então posso controlar meus sentimentos.
- Quando penso dessa maneira, fico calmo com a chegada dela. Estou confiando
mais nas minhâs habilidades. Acho que sei como lidar com ela.
- Meu comportamento de fuga-esquiva será ser assertivo com ela: ficará na casa
de minha irmã, virá para a minha casa apenas quando eu a convidar, programarei atividades
reforçadoras para ela.
-C o m os comportamentos assertivos, terei benefícios para mim, que eliminarei o
pré-aversivo, e produzirei benefícios para minha mãe, que se sentirá feliz fazendo o que
gosta de fazer. Ela escapará dos aversivos para ela e gostará ainda mais de mim.

Sugestões do terapeuta:
- Crie condições - programe SDs - para ela em itir comportamentos de
independência do filho e do marido, ou seja comportamentos para os quais marido e filho
não têm função nem de SD nem de S", e que produzam reforçadoras positivos vindos de
outras fontes. Por exemplo, anime-a a formar um coral, a voltar a tocar violão etc.

Sobre Comportamento e CoflnlyJo 225


- A o lado disso, crie contingências reforçadoras para ela em que você é S D e
convide-a para assistir a um filme, leve-a para passear com seus amigos, para ver um show
etc."
Raul continuou a sua análise
- Tenho observado mais cuidadosamente as relações entre meus pais. O que
chamou minha atenção é que minha mãe sabe criticar meu pai, ela se opõe a ele quando
quer, provoca-o em muitas situações, brigam... Sempre brigaram. Então, se ela é capaz
de enfrentá-lo, porque nunca me defendeu? Ela é autoritária, quer as coisas do jeito dela.
E consegue. Acredito que ela não defendia os filhos porque, no fundo, concordava com
meu pai.
- Ele era o "monstro" e ela a “boazinha". Ultimamente, quando fico a sós com meu
pai, percebo que ele ó generoso e tranqüilo comigo. Descobri um novo pai. E, voltando ao
passado, acabei me lembrando de bons momentos com ele. Tenho certeza que admiro e
amo meu pai. Precisamos vasculhar mais o papel da minha mãe.
- Pelo que vivi aqui sozinho no apartamento com ela, percebi que ela age da
mesma forma autoritária como meu pai agia. Ela é menos agressiva que ele, mas tão
poderosa com os filhos, na ausência dele, como ele era com a gente. E não acho que ela
aprendeu a ser assim com ele.

São palavras de Raul;


- O processo terapêutico permite uma perfeita compreensão do que ocorre.
Ansiedade está associada com punição. A relação com meu pai sempre esteve associada
com comportamentos que ele entende como inadequados. Daí vem punição.
- Você acaba se distanciando da pessoa; não é que não a ame. É medo de
punição. Tudo que vem dele é aversivo. Não fala sobre amenidades, só assunto sério e
punição.
- Fico me perguntando; o que tenho que fazer para não ser punido, ou melhor, não
ser punido em hipótese alguma.
- O meu seio familiar sempre girou em torno dessas coisas: ou se retrai e perde
liberdade (isolamento social e outras perdas) ou faz e é punido (sempre em estado de
alerta. Caramba!) É terrível.
- Se eu tinha chance de fazer um programa gostoso, como ir para Campos de
Jordão com os amigos, que ó a chance de emitir um comportamento reforçador, vem
crítica" (‘Não gosta dos pais, pois não os vem visitar’, ’Gasta dinheiro' etc.). "O que deveria
ser prazeroso deixa de ser... vem culpa... prejudica o que você está fazendo.
- Só vou me livrar totalmente dos sintomas quando desligar o estado de alerta. O
corpo fica em alerta. Não há trégua nem quando estou dormindo. Para ficar em paz,
preciso eliminar completamente o estado de alerta. É isso que estou aprendendo a fazer.
- Nas aulas me sinto o máximo. Tenho enorme satisfação. Preparo as aulas com
carinho. O assunto ó chato, então preparo um fundo maravilhoso nas projeções. Os alunos
ficam lendo, mas ao mesmo tempo contemplam as paisagens que projeto. Uma aluna
falou quando viu o fundo do “slide": 'Que lindo!' Reforça o professor e motiva a classe.
- Dr. Hélio, a oportunidade que você me deu de dar aulas para seus alunos foi de
um valor Incrível para mim. Sabia multo bem do que eu estava falando e me tocou a
atenção que os alunos e psicólogos me deram. Quando aquela aluna (uma aluna chegou

226 I léllo José Qullhardl


atrasada e não ouviu a minha apresentação do Raul para o grupo. Ela acompanhou a
exposição dele sem saber de quem se tratava) me disse que, se eu não tivesse dito no
final que era advogado, ela teria ficado com a convicção de que eu era um psicólogo,
mexeu muito comigo. Desenvolvi pelos meus comportamentos sentimentos de
autoconfiança. Esse foi um exemplo perfeito do que tem ocorrido comigo.
- A gente tem coisa boas na gente e não sabe disso, é s ó quando as pessoas
começam a admirar e falar do que gostam na gente, quando se interessam (durante as
aulas), que descobrimos que somos simpáticos - melhora a auto-estima - , que sabemos
muito bem o quanto que ensinamos - melhora a autoconfiança - , que tomamos consciência
do nosso valor. Do jeito que eu vivia, em casa trancado, nunca iria descobrir isso tudo.
- Deixe-me explicar melhor: no meu trabalho, com os meus iguais não existe a
mínima chance de alguém ser reforçado pelo trabalho que realiza. É uma tarefa hercúlea
elogiar um colega. E, por outro lado, é banal criticar. Logo, não é lá que posso desenvolver
sentimentos de autoconfiança. Imagine, então, sentimentos de auto-estimal...
- No curso em que dou aula, tenho tido oportunidade de desenvolver autoconfiança:
os alunos dizem que sou bom professor, que entendem tudo que eu explico, que adoram
exemplos que dou. Esporadicamente, alguém me diz que sou simpático, que gosta do
meu jeito alegre de ser. Nestes exemplos eles estão reforçando eu mesmo, não meus
comportamentos. É por aí que vou melhorar minha auto-estima. Estou correto?
- Nas aulas que dei para seus alunos, me senti competente e me senti querido. É
ali que posso desenvolver autoconfiança e auto-estima. Vou para casa feliz da vida. Nessas
horas, nem me lembro que um dia tive sintomas.

Referências
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Journal of Applied Behavior Analysis, 1, 91-97.
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Estes, W. K. e Skinner, B. F. (1941). Some Quantitativo Properties of Anxiety. Journal of
Experimental Psychology, 29, 390 - 400.
Guedes, M. L. (T993). Equívocos da Terapia Comportamental. Temas em Psicologia, n° 2. São
Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia.
Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por Contingências de Reforçamento. Em C. N. Abreu e H. J.
Guilhardi (Org.) Terapia Comportamental e Cognitivo - com portam entalPráticas Clinicas.
São Paulo: Ed. Roca.
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Matos, M. A. (1997). Com o que o behaviorismo radical trabalha. Em R. A. Banaco (Org.). Sobre
Comportamento e Cognição. Vol. 1, Santo André: ESETec Editores Associados.
Micheletto, N. e Sório, T. M. A P. (1993). Homem: objeto ou sujeito para Skinner? Temas em
Psicologia, n" 2, São Paulo: Sociedade Brasileira de Psicologia.

Sobre Comportamento e Cognição 2 2 7


Sidman, M. (1953). Avoidance conditioning with brief shocks and no exteroceptive warning
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Skinner, B. F. (1969). Contingencies of Reinforcement: a Theoretical Analysis. New York:
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Skinner, B. F. (1974). About Behaviorism. New York: Alfred A. Knopf.

2 2 8 H tlio Jo»* Cyutlhardi


_ Capítulo 23
Considerações sobre o papel do terapeuta
ao lidar com os sentimentos do cliente 1 2

/ télio José C/uilliardi

Instituto deAihílise de Comportamento


Instituto de íenipia por C'ontingencias de Reíotyamento'

O relato do cliente nas sessões pode destacar comportamentos ou sentimentos.


Seria conceitualmente correto e clinicamente produtivo dividir a queixa do cliente em
comportamentos e sentimentos? "Estou muito infeliz no meu casamento", porexempb, enfatiza
o sentimento de infelicidade. Por outro lado, "Tenho aumentado meu peso sem parar nos
últimos três meses", enfatiza o resultado do comportamento de comerexcessivamente. Enfim,
"Gritei com a secretária, dei uns tapas no meu filho. Não consigo controlar minha agressividade",
leva à identificação direta de oomportamentos, denominados de agressivos. No primeiro exemplo,
a infelicidade do cliente está relacionada à maneira como ele se relaciona, se comporta com
a companheira. Não existe “infelicidade" conjugal isolada de comportamentos conjugais. No
segundo exemplo, o cliente, ao falar do excesso de peso, pode estar com medo das
conseqüências que isso terá sobre sua saúde, envergonhado de sua aparência ou sentindo-se
culpado peto baixo autocontrole etc. A queixa sobre o comportamento de comer excessivamente
não está isolada dos sentimentos associados a tal comportamento e aos seus produtos.
Finalmente, no último exemplo, existem componentes operantes (os quais, usualmente, são
referidos como çomportamentos), bem como respondentes e estados corporais (os quais,
usualmente, são nomeados de emoções e sentimentos) que, em interação, resultam no que
se denomina agressividade.
Esta breve introdução tem por objetivo questionar de imediato a pseudoseparação
entre comportamento e sentimento; despertar no leitor um interesse direto sobre a
conceituação de sentimento; e, por último, apontar para os terapeutas algumas prioridades
a serem adotadas no processo terapêutico, que decorrem, dos dois itens precedentes.
Na análise comportamental não cabe a oposição ou dicotomia entre comportamento
e sentimento, embora se deva reconhecer que o tema sugere polêmicas e confusões.
Skinner(1980) relatou:
' O prmMinl« laxto m baaala no trabalho a|xt»»anl»<lo polo autor na im u rudooda Ah.atm j toubm um . no XI Enoontru Anual <íh ABPMC nni Lorxlrina PR,
em 2002
' A giadnço patoólog*« Lllan Madolro«. Mana Elowa Bonavtta So am a, Norewi C am pbdl d e Agulrr*. « TaUmw Lutsarl pala« criterioMai «ugetlO a» (luranln
a n laboraçâo òo caplUito
' C am pina» ■ SP 1

Sobre Comporídmento e Coflniçclo 229


“Um entrevistador me perguntou se eu chamaria sentimentos e estados mentais
de epifenômenos?" (Sogundo o dicionário Aurélio, epifenômeno é o fenômeno
cuja presença ou ausência não altera o fenômeno que so toma principalmente
em consideração. Segundo o dicionário Houaiss, epifenômeno é um produto
acidental, acessório, de um processo, do um fenômeno essencial, sobre o qual
não tem efeitos próprios.). "Não, eu respondi. O Webster's Third Now International
define um epifenômeno como ‘um fenômeno secundário que acompanha um
outro... e é considerado causado por ele. ‘ Para a maioria das pessoas, exatamente
isso é que faria o comportamento ser o epifenômeno. Eu posso ter dado a
impressão de que os sentimentos são epifenômenos quando os cham ei de
'subprodutos' de comportamento. Uma expressão melhor è ‘produtos colaterais'.
Os sentimentos o o comportamento são ambos causados pelas histórias genética
e ambiental em conjunto com a situação presente. ” (p. 25) (os parênteses e o
grifo são do autor do texto).

1. Inter-relações complexas entre contingências de reforçamento


O terapeuta (comportamental) está interessado, em última análise, nos
comportamentos e sentimentos dos seus clientes, mas de fato ele trabalha com as
contingências de reforçamento. Nas palavras de Matos (1997):
“O behaviorista radical não trabalha propriamente com o comportamento, ole
estuda e trabalha com contingências comportamentais, isto ó, com o comportar-
se dentro de contextos, "(p. 46). E, mais adiante: "a prática do analista do
comportamento è estudar contingências em seu efeito acumulativo sobro o
desempenho dos organismos". (p. 52).

Pode-se concluir, portanto, que o instrumento de trabalho do analista de


comportamento são as interações entre o organismo e o ambiente - chamadas de
contingências de reforçamento - , que se expressam de múltiplas maneiras, inclusive
interagindo umas com outras, produzindo uma teia de influências recíprocas. (Skinner,
1980, pp. 180 a 195, apresenta uma relação das principais contingências de reforçamento).
As contingências podem adquirir configurações funcionais bastante complexas, exigindo
análises e intervenções topográficas e funcionais. Layng e Andronis (1984) destacaram a
complexidade de interações não lineares de contingências, ao analisarem padrões de
comportamentos delirantes e alucinatórios (embora suas considerações possam ser
estendidas para quaisquer outros comportamentos complexos), o que permite concluir
que um analista de copiportamento menos perspicaz pode perder de vista a interação das
contingências de reforçamento que, não obstante, estão operando funcionalmente. São
palavras de Layng e Andronis (1984):
"Embora seja verdade que padrões alucinatórios e delirantes possam acarretar
necessariamente custos enormes para o indivíduo (por exemplo, perda de
emprego, prisão, estigma social e cerceamento de muitas oportunidades sociais)
afirmamos que sua froqüência é governada por contingências de reforçamento
positivo. A força do fais contingências é comprovada pela ocorrência freqüente
do comportamento apesar do tais custos.
“O tipo de análise de contingência custo/benefício proposto se estende nâo apenas
para aqueles padrões que, aparentemente, são considerados racionais (isto ô,
cujos benefícios são prontam ente visíveis), mas tam bém para padrões
perturbados, cujos custos são tão dramáticos e imediatos, que podem obscurecer
completamente a visão do clínico para quaisquer benefícios possíveis. Quando

230 I iélio José Quilhtirdl


os benefícios do padrão perturbado não sâo notados, a investigação de
alternativas disponíveis é completamente evitada; além disso, um programa para
estabelecer padrões que produzem os mesmos benefícios, mas com um custo
pessoal ou social menor, nunca ó executado". (pp, 140-141).

Pode-se concluir que a tarefa do analista de comportamento ó a de identificar e


demonstrar as relações funcionais contidas nas contingências de reforçamento e não
aventar outras “causas" para os comportamentos, tais como “motivação", “sentimentos",
"doenças mentais" etc., que não passam de ficções explicativas.
Layng e Andronis (1984) citaram um caso descrito por Goldiamond para elucidar
o nível de análise de contingências que se faz necessário para a compreensão de padrões
complexos de comportamento.
"Ele (Goldiamond) descreveu um caso, no qual uma mulher nâo conseguia sair
da cama por causa de uma fobia de baratas e, por essa razão, obtinha toda a
atenção do sou marido. Goldiamond notou que, para o padrão fóbico da mulher
controlar com sucesso o comportamento do marido, a fobia tinha que ocorrer em
ocasiões nas quais ela nâo resultasse diretamente em tal controle. Dito em outras
palavras, o padrão poderia permanecer eficiente apenas na proporção em que
não ocorresse exclusivamente para a conveniência da mulher - os 'custos' (do
comportamento para ela) legitimavam o ‘sintom a’ e adiavam contra-controle
punitivo... Este tipo de caso coloca um problema interessante para o analista de
contingência. Para um comportamento ser reforçado em certas ocasiões (SD),
ele deve tambóm ocorrer em circunstâncias nas quais nâo levará a reforçamento
(SA) ou poderá ató mesmo produzir uma conseqüência aversiva. A ocorrência do
comportamento sob o que é tradicionalmente nomeado SA e tambóm sob SD,
serve como um estímulo discriminativo condicional para a comunidade verbal
que reforça\ A ocorrência de um padrão perturbado de comportamento sob SA
pode de fato estabelecer a potência das contingências, nas quais o comportamento
será subseqüentemente reforçado. Em outras palavras, a aparente ausência de
conseqüências mantenedoras ou a presença de conseqüências aversivas em
algumas ocasiões pode ser o requisito que deve ser preenchido para que o
reforço se torne disponível em outras ocasiões." (p. 142)5 (parênteses do autor do
texto)
Layng e Andronis (1984) completaram os comentários do exemplo de Goldiamond
com a seguinte análise:
"A tática btfsica em tais casos deveria ser assegurar-se sobre a relação funcional
daquele com portam ento com seu am biente a través de uma aná lise do
contingência abrangento. Se considerarmos padrões (de comportamentos
complexos, tais como) alucinatórios e delirantes como operantes que sâo emitidos
em freqüências relativamente altas, decorrem várias questões. Além do identificar
as ocasiões para aqueles padrões (os quais podem, de fato, incluir eventos
privados), deveríamos nos perguntar:"Quais sâo as conseqüências que mantêm

‘ A sltijHçáo descrita podo *er tiMAIoya atx e»qiiema» do reforçflmonlo nncadeado n tandum
Eugenia nncNckiiKlfl «»quoma compoalo no qual o rafcxço depende da uomftotaçAo Mtuetslva, eni uma determinada ordem, ria* axIyAncla» da do)« ou
mui» esquema» componente», cada um do* qual» opera ru» pre»enç« de um e»llmulo dlfwent«» (Calanla 1968, p 329)
E » q u e m a tandmm «squerna compoalo no (p ia i o mforço depende dn compietavAo om «ucmaAo da* exIgAncia» d« dd» ou mal* esquema» oomponanle»,
tudo» dm prMMtnçM do mesmo »»Mmuto Um mqtMWTM ta n riw n . portanto, è eqokvaknto a um M Q u e m a o o u tò a n d u *m tormo» da» »xlgèrnia» do M q u w n n ,
m H * » e m e»llrmilo» diferente» (X irrw la c lo n a d o * com cada componente do « » q u a n ta (Calanla, 1968, p 548)
' Para tornar mala dar a a análsa, segua-s« um axamplo dn cotkJleno sugerido por Layng a Andronl» (1984). a ralação anlra a* <jon*ng4nda» pagar acouta
iht amrgm alétrwa e mlarruptor da ku(SD)— ptv*aion4-lo (R) tkuacaaa(S). Pagar a conta Implica em cu»lo* qua nüo prtiduxem nenhum beriefldo
flnaricnlm Ahvlo direto Nem pagar a oonta toma a luz raforçadora ma* vlaUNza a operaçAo da conUngAnda »»tnrmptcf(SD) pmtwloná-lo(R) -■»kaacma
(S)

Sobre (.'omportamrnto c Cofltilv*lo 231


essas relações ocasiào-comporiamento?'e 'Quais são as relaçôos de contingência
matriz (isto é, da complexa inter-relaçào entre as múltiplas contingências, è a
relação que prevalece) que tornam uma relação ocasião-comportamento mais
provável que outra?' ou, expresso de modo mais simples: ‘Quais são as vantagens
para o cliente em se comportar desta maneira em oposição a alguma outra
forma?
"A identificação explicita das relações de contingências que estão operando ó
essencial em vista do seu poderoso controle na manutenção de operante com
alto custo. As conseqüências contingentes do padrão perturbado são criticas
para o indivíduo independente do seu alto custo. Assim, ao invés de focalizar a
elim inação do com portam ento que o Indivíduo e scolheu para o b te r as
conseqüências, estas devem ser 'encapsuladas e disponibilizadas contingentes
a comportamentos menos custosos em um programa bem sucedido', segundo
Goldiamond (1970)'." (pp. 142-143) (os parênteses são do autor do texto).

0 exemplo e as análises apresentadas tiveram como finalidade demonstrar o


potencial que as contingências de reforçamento tém para modelar, manter ou enfraquecer
quaisquer comportamentos (desejados ou indesejados) e explicitar como ó complexo
identificar e manejar o arranjo inter-relacional das contingências que estão atuando! De tal
dificuldade, decorre o comportamento de atribuir aos sentimentos função causal que eles
não possuem: medo, ansiedade, “stress" etc. passam a ser “causas" fictícias de
comportamento. Se tivéssemos os sentimentos como explicação, ainda faltaria explicá-
los. Não há progresso na compreensão do comportamento, explicando um comportamento
pelo outro: comportamento não causa comportamento. Nas palavras de Skinner ( 1989):

"Precisamos nos voltar para algo que possa ser diretamente observado e, se
possivel, posto para funcionar. Isto significa que as histórias genética e pessoal
são as responsáveis pelo comportamento e, conseqüentemente, pelos estados
do corpo introspectivamente observados. " (p. 76)

“O que ó sentido como sentimentos ou introspectivamente observado como


estados da mente são estados do corpo e são produtos de certas contingências
de reforçamento. As contingências podem ser muito mais facilmente identificadas
e analisadas que sentimentos e estados da mente, dessa forma, a terapia
comportamenta! alcança uma vantagem especial, voltando-se para elas como
aquilo que devo ser mudado. " (pp.78 e 79). (grifos do autor do texto).

2. Comportamerftos e sentimentos são produtos das contingências de


reforçamento
Pode-se dizer que as contingências de reforçamento produzem:
a) Comportamentos operantes que são emitidos. Eles podem ser: públicos e privados.
Podem ser observados pela pessoa que se comporta e, se públicos, pelo outro também.
b) Comportamentos respondentes que são eliciadose estados corporais (conjunto de
reações orgânicas, em geral respondentes, percebido como uma reação global do
corpo e referido com frases tais como: “Sinto-me ‘esquisito’, mas não sei bem o
que acontece comigo"; "Estou me sentindo desconfortável"; “Estou meio zonzo,
não sei..."; "Parece que estou com uma agitação interior..." etc.). Eles podem ser:
privados e públicos (eventualmente). Podem ser observados, percebidos ou sentidos
pela pessoa que se comporta e, se públicos, podem ser observados pelo outro
também (por exemplo, ruborizaçáo, sudorese intensa, palidez etc.).

232 I lólio José Qullhtirdl


Não se deve atribuir nenhuma posição hierárquica de uma classe de
comportamentos em relação à outra. É mais correto afirmar que tanto os comportamentos
como os sentimentos são produtos colaterais (repetindo Skinner, 1980, p. 25) das
contingências de reforçamento (não produtos do comportamento), que compõem as
histórias genéticas e ambientais em conjunto com as contingências presentes.
Tanto os comportamentos operantes, como os respondentes e os estados corporais
não têm naturezas diferentes. São todos manifestações do organismo e sujeitos a leis
comportamentais próprias. Embora a distinção entre operante e respondente não seja
absoluta; a separação seja essencialmente didática; e haja até mesmo entre ambos uma
superposição respondente-operante, pode-se afirmar que em alguns niveis cada qual tem
propriedades e funcionalidades próprias. O que a pessoa observa, percebe ou sente - no
caso dos respondentes e estados corporais - são, portanto, manifestações do corpo e
não sentimentos."Uma formulação behaviorista não ignora sentimentos, ela simplesmente
muda a ênfase do sentimento para o que é sentido. "(Skinner, 1959, p. 284). Habituou-se
na prática da comunidade verbal chamar de sentimento aquilo que é sentido no corpo (na
verdade, seria mais preciso dizer “o que você sente é seu corpo se comportando" e não
"você tem sentimentos"). A comunidade, de forma arbitrária, também dá nomes aos
sentimentos: depressão, medo, ansiedade, angústia etc., sem se apoiarem evidências,
quer empiricas, quer objetivas, quer funcionais, fidedignas para atribuir nomes de sentimentos
aos tais estados e reações corporais.
Pode-se concluir que os sentimentos em geral são termos atribuídos aos
comportamentos respondentes e aos estados corporais sentidos. O mais apropriado seria
dizer: "observo", "percebo" ou “sinto" meu corpo e não “eu tenho sentimentos". Aliás, a
primeira grande tarefa do terapeuta é investigar melhor o que a pessoa sente no seu corpo,
antes de aceitar prontamente o que a pessoa diz: “Estou ansioso"; “Estou deprimido" etc.
(É espantoso detectar quantas vezes o cliente fala de sentimentos e não consegue
descrever os estados corporais associados e nem o que os produz...).
Rosana é uma cliente de 23 anos que procurou a terapia com a queixa de ciúme
"doentio" do namorado. “Ele me trata muito bem, temos ótimo relacionamento, mas tenho
medo de perdê-lo por causa de meu ciúme. Quando cismo que ‘houve alguma coisa’ me
desespero, grito com ele, cheguei até a agredi-lo fisicamente. Depois me arrependo, caio
em depressão, me sinto culpada e com muito medo de que ele me deixe. Ele nunca fez
nada de errado, que eu saiba. O pior é que acho que é da minha cabeça... O psiquiatra me
deu um remédio e disse que sofro de 'delírio paranóide’. Tomo o remédio. Acho que melhorei,
mas ainda tenhb essas crises."
Numa manhã, Rosana me ligou chorando: "Ontem meu namorado fez uma reunião
de estudo com umas meninas da classe dele. Ele me avisou. Mas, quando me encontrei
com ele à noite, eu estava desesperada... chorei... mas não briguei com ele. Mesmo
assim, ele disse que daquele jeito não ia dar para continuar e foi embora bravo. Agora não
sei o que faço. Não dormi a noite toda. Liguei para minha mãe, para minhas amigas e não
sei o que faço".
Em seguida a mãe de Rosana me ligou muito preocupada com o estado da filha:
“Queria falar com você", me disse, "porque dei meus conselhos para ela e o senhor deu
uma orientação diferente". A mãe disse para Rosana que ela tinha que ter mais auto-
estima e que não devia ir atrás do namorado. Não devia se desesperar tanto, pois ela era
uma menina muito bonita, inteligente e que o namorado ia sentir que tinha que lutar por

Sobre Comportamento c Cofliilvüo 233


ela. Correr atrás dele iria dar muita força para o namorado e ele acabaria por desprezá-la.
A orientação da mãe baseou-se no critério “comportamento". Assim, a filha indo em busca
do namorado iria reforçar o comportamento “indesejado" (segundo critérios da mãe) do
namorado. Esperando que ele a procurasse, ela receberia atenção dele (reforço social
generalizado) e, dessa maneira, sua auto-estima poderia melhorar.
Minha orientação foi diferente daquela dada pela mãe. Note o diálogo por telefone
entre o mim e a cliente:
T: Como você está se sentindo agora?
C: Estou desesperada. Só penso nele... tenho certeza que o perdi.
7: Talvez, vocô esteja exagerando. É melhor a gente ter certeza.
C: Queria falar com ele...
T; Se vocô procurá-lo terá maior clareza do que ele está sentindo e do que pretende
fazer.
C: Vou ficar mais tranqüila, pelo menos saberei o que ele pretende fazer.
T: Acho importante reduzir seu sofrimento o mais rápido possível. E, afinal,
poderemos pensar no que fazer a partir da realidade e não das suas suposições.
A orientação do terapeuta se baseou em dois pontos: em primeiro lugar, a
contingência produzida pela interação entre eles - punição negativa para Rosana - gerou
sentimentos fortemente aversivos nela, que deveriam ser eliminados o mais prontamente
possível, através de mudanças nas contingências. Assim sendo, ela deveria procurar o
namorado e certificar-se sobre a situação do namoro. Caso ele não tivesse, de fato, rompido
a relação, então a nova contingência seria de reforçamento negativo e os sentimentos de
Rosana poderiam ser de alívio. E, em seguida, a partir do momento em que passassem a
se comportar, um em relação ao outro, com atenção e carinho, a contingência passaria a
ser de reforçamento positivo para ambos e os sentimentos de bem-estar. Em segundo
lugar, expô-la às conseqüências reais do seu comportamento, ou seja, ao invés de prolongar
a condição em que os comportamentos de Rosana estavam sendo governados por auto-
regras, não necessariamente corretas, criar oportunidade para levá-la a ficar sob controle
das conseqüências seletivas provindas do namorado. O terapeuta baseou-se no critério
"sentimento". Rosana estava sofrendo diante da possibilidade (segundo avaliação dela,
isso era quase certo) de perder o namorado (sentimento de angústia, diante da possibilidade
de perder reforçadores importantes) e estava também se sentindo culpada por ser a
causadora do afastamento dele, uma vez que ela reconhecia que havia se comportado de
forma inadequada com ele. São palavras dela: “Se ele for embora, é por minha culpa. Eu
não devia ter brigado com ele. Ele havia me avisado...". O terapeuta avaliou que o grau de
sofrimento era intenso (os estados corporais chamados de sentimentos de angústia e
culpa são aversivos) e propôs um procedimento de reforçamento negativo: concluiu dizendo,
“Procure seu namorado o mais rapidamente possível e diga-lhe tudo isso que você está
me dizendo. Se ele não quiser ouvi-la, ou insistir em terminar o relacionamento, me procure
novamente!". A partir do sofrimento de Rosana, o terapeuta sugeriu a emissão de um
comportamento de fuga possível (procurar o namorado). Ele a recebeu carinhosamente,
ouviu as explicações dela e o episódio se encerrou com os dois em paz novamente. Será
que Rosana reforçou o comportamento do namorado de “ir embora e ameaçar terminar o
namoro"? A observação continuada da relação dos dois namorados nos mostrará se a
"classe do comportamento de ameaçar terminar" se fortaleceu ou não. Pode-se afirmar
que nos três meses seguintes o namorado não falou em terminar com ela nenhuma vez.

234 t lélio loié C/ulll)(irill


Uma análise complementar do caso pode ser feita: o namorado, ao se afastar de
Rosana, também teve sentimentos de angústia. Ele nào se afastou dela porque não a
queria mais; afastou-se porque comportamentos dela foram muito aversivos para ele.
Quando ela o procurou as contingências de reforçamento mudaram - houve reapresentaçào
dos reforços positivos generalizados advindos da namorada - e os sentimentos de angústia
dele desapareceram e ele se sentiu aliviado. O comportamento de recebê-la bem e aceitar
as desculpas dela foi reforçado negativamente (houve mudança na contingência aversiva:
perda da namorada) e ao mesmo tempo ocorreu a eliminação da angústia. Mais
precisamente, o comportamento do namorado de receber bem a namorada foi
conseqüenciado pela reapresentaçào da atenção e do carinho de Rosana, interrompendo,
assim, o procedimento de punição negativa iniciada pelo namorado. É interessante notar
que as contingências em operação atingiram ambos.
Assim:

Comportamento Conseqüência

Rosana: gritar, Produziu remoção da atenção do namorado


chorar... (punição negativa)

Namorado: conseqüenciar o Produziu 1 . afastamento dos


comportamento inadequado comportamentos aversivos de
de Rosana retirando-se da Rosana (reforçamento negativo) e
situação 2 . remoção da atenção da
namorada (punição negativa, auto-
imposta)

O reencontro dos namorados reforçou negativamente os comportamentos de


ambos (a atenção e carinho perdidos foram reintroduzidos e foi eliminado o estado corporal
desagradável produzido por perda de reforços positivos) e reforçou positivamente ambos
(foi reintroduzida a atenção de um para o outro, gerando um estado corporal agradável, de
bem-estar).
Na situação em que o namorado recebeu Rosana com carinho, há uma
complexidade conceituai que não pode ser desdenhada. Quando ela emite o comportamento
de procurar por ele e se desculpar a conseqüência produzida, qual seja o acolhimento
dele e o carinho que dispensa para ela, pode definir um procedimento de reforçamento
positivo (apresentação de estímulo condicionado reforçador positivo generalizado) ou um
procedimento de reforçamento negativo (remoção da condição de inacessibilidade para
Rosana do reforço generalizado mencionado, a qual pode ser considerada uma condição
aversiva para ela). Veja como Catania (1968) expôs tal questão:
"Reforçamento negativo e positivo podem ser distinguidos simplesmente tendo
como referência se a resposta reforçada produz ou termina um estimulo.
"Até certo ponto, no entanto, esta distinção ó arbitrária porque pode ser difícil
especificar se uma determinada mudança ambiental deve ser considerada como
a produção ou como o término de um estimulo. Considere, por exemplo, o calor
como um reforço para um rato no frio. O calor pode ser considerado um reforço
positivo. Por outro lado, embora o frio seja simplesmente a ausência de calor, ele

Sobrv Comportamento c Coflnlçdo 235


funciona como um estimulo, a partir do seu efeito sobre os receptores da pele.
Assim, uma vez que o reforçamento envolve o término desta estimulação, o frio
pode ser considerado um reforço negativo. Este exemplo sugere, entào, que o
reforçamento positivo e negativo nào devem ser considerados como tipos de
reforçam ento m utuam ente exclusivos; cada mudança am biental envolve,
necessariamente, o témiino de uma condição simultaneamente com a produção
de uma outra", (p. 185) (grifos do autor do texto).

Usando a possibilidade de ser arbitrário, a minha análise das contingências que


atuaram na relação pós-briga entre Rosana e o namorado foi que ela agiu sob controle da
condição aversiva, gerada pela puniçào negativa do namorado, ou seja, pela remoção
contingente de reforços generalizados por parte dele, como conseqüência dos
comportamentos de "enciumar-se" e de brigar de Rosana. Como tal, quando ele devolveu
a ela a atenção e carinho, ele interrompeu a condição aversiva que prevalecia, contingente
aos comportamentos - agora desejados por ele - de Rosana, quais sejam: procurá-lo e
desculpar-se. Como escreveu Catania acima, “cada mudança ambiental envolve,
necessariamente, o término de uma condição (ausência dos reforços generalizados do
namorado) simultaneamente com a produção de uma outra (apresentação dos reforços
generalizados pelo namorado)." (parênteses do autor do texto).
' O episódio narrado permite uma boa análise da interação entre Rosana e o
namorado, quando os critérios adotados para guiar as ações são apoiados no
comportamento operante ou nos respondentes (mais claramente, nos sentimentos). Por
que Rosana seguiu a orientação do terapeuta e não a da mãe? A orientação materna
aumentaria no curto prazo os sentimentos de ansiedade, de angústia e de culpa. A do
terapeuta reduziu no curto prazo tais sentimentos aversivos. Rosana relatou que, ao ser
recebida pelo namorado, sentiu-se “aliviada". Ao lado disso, a interação entre ela e o
namorado nos momentos seguintes, produziu reforçadores positivos que geraram estados
corporais sentidos como “agradáveis" (ela disse que se sentiu "muito bem", a partir do
momento em que voltou a estar com ele).
Observe que a análise exposta mostra basicamente que os comportamentos e
sentimentos expressos por Rosana controlaram diferentemente a mãe e o terapeuta: mostra
também que os comportamentos da mãe e do terapeuta, basicamente "mandos" verbais,
controlaram diferentemente os comportamentos de Rosana: os comportamentos da mãe
tiveram função de SA e os do terapeuta função de SD. (Pode-se questionar se os
comportamentos da mãe e do terapeuta poderiam ser chamados de mandos verbais. Acredito
que sim, uma vez que os telefonemas de Rosana criaram uma condição aversiva para
ambos: preocupação com o sofrimento dela. O comportamento de Rosana, sob controle do
comportamento verbal da mãe ou do terapeuta, foi o mediador do reforço negativo para
ambos, qual seja Rosana sentir-se bem novamente pela remoção do evento aversivo).
No exemplo acima, podemos organizar, didaticamente, os dados da seguinte maneira:
a) Contingências de reforçamento presentes:

Antecedente Ação de Rosana Conseqüente

Namorado faz reuni Ao de a. operantes: grita, briga, Namorado vai embora,


estudo com colegas do protesta contra a reunião etc. dizendo que assim não
sexo feminino b. respondentes: taquieardia, dá para viver com ela...
“ frio na barriga" ctc.

236 I lóllo José C/ulllxirdi


Contingência em operação sobre Rosana: punição negativa (perda de reforçadores
generalizados e primários).
Sentimentos experimentados por Rosana: angústia (perda de reforçadores
positivos): sentimento de culpa (os comportamentos dela produziram a perda dos Sr+);
ansiedade, que deve se manifestar posteriormente ("Será que ele vai me ligar, confirmando
que tudo terminou mesmo?")
b) História de contogências de reforçamento: não foi descrita até o momento, mas
conceitualmente pode-se afirmar que as funções que os estímulos e eventos têm
presentemente foram adquiridas através dos contatos que a pessoa teve com as
contingências de reforçamento, durante seu desenvolvimento. Assim, a reunião do
namorado com as colegas de classe pode ter diferentes funções para diferentes
pessoas, dependendo da história de contingências de cada uma. Para Rosana,
teve função aversiva.
c) Note, porém, que certas funções podem ter sido adquiridas no presente, produzindo
comportamentos e sentimentos novos, até opostos àqueles que a pessoa
apresentava anteriormente. Tal fenômeno comportamental ocorre, em geral, quando
as contingências são fortes. Por exemplo, um namorado, patrão, colega de trabalho
ou de estudo, muito punitivos, podem deprimir o repertório de comportamentos
que, sob controle de outras pessoas, produziam reforçadores positivos sociais
generalizados. Ou novas situações exigem um repertório mais amplo, mais
elaborado, que a pessoa não possui. Por exemplo, uma promoção para um cargo
para o qual ela não está preparada, um grupo que tem interesses diferentes aos
daqueles ao qual ela pertencia (por ex., deixou sua cidade e passou a fazer parte
de um novo grupo universitário, com padrões de comportamentos sociais e
acadêmicos mais exigentes). A pessoa poderá relatar que: a auto-estima e a
autoconfiança diminuíram: que não tem vontade de fazer nada; que perdeu a alegria
de viver; que se sente deprimida etc. A pessoa pode ou não discriminar as novas
contingências que alteraram seu repertório operante e seus sentimentos. O mais
comum é a pessoa relacionar o aparecimento das dificuldades comportamentais
e dos sentimentos aversivos a mudanças que ocorreram na sua vida, com frases
tais como: "desde quando comecei este namoro; "desde quando troquei de
emprego"; “desde quando mudei minha turma de amigos", sem ser capaz de
identificaras alterações que ocorreram nas contingências, a partir de tais mudanças
na sua rotina. No caso de Rosana, o fato de o namorado ser atencioso com ela,
não emitir comportamentos "suspeitos" (o que ela própria admite) em relação a
outras garotas, não controla o comportamento "ciumento" dela. (Pode-se dizer
que ela, no presente, reage ao SD "namorado" - não a este namorado presente -
independente dos antecedentes e conseqüentes que o namorado atual produz.
Mais precisamente, ela continua sob controle da função que os comportamentos
de namorados anteriores tiveram no passado. Ela não é sensível às funções dos
comportamentos do namorado atual. Ao se comportar de forma “ciumenta", inclusive
"agressiva", ela produz evidências (o namorado emite "tactos" verbais) que a
convencem de que foi injusta com ele. As conseqüências do comportamento de
Rosana geram nela “alívio" (“Ele é honesto comigo", por exemplo) e sentimentos
de culpa ("Fui injusta com ele"; “Ele não merece o que fiz" etc.) e ansiedade (“Se
continuar me comportando assim ele vai me largar"; “Ele vai encontrar uma menina
melhor que eu" etc.).

Sobre C'ompoiiiimcnlo c CoRnlvdo 237


3. Nom eando sentim entos
Antes de usar um termo para nomear um sentimento, a comunidade verbal, em
particular o terapeuta, deve ter acesso às seguintes informações:
a) Às contingências de reforçamento em operação. Esta informação é que permitirá
estabelecer a inter-relação entre os três termos da tríplice contingência (antecedente-
ação-consequente). Diferentes contingências podem produzir reações orgânicas
que são sentidas como análogas (batimentos cardíacos acelerados, “formigamento",
“frio na barriga" etc.), mas produzidas por condições diferentes. Logo, identificar a
reação orgânica apenas, não basta. A ameaça de apresentação de um evento aversivo
inescapável produz alterações no desempenho operante, na linha de base (chamadas
de ansiedade “negativa"), análogas á expectativa de um evento reforçador positivo
não contingente (chamadas de ansiedade “positiva"), de acordo com Azrin e Hake
(1969) eGuilhardi (1975).
b) Aos comportamentos operantes públicos emitidos. Assim, por exemplo, respostas
de fuga-esquiva indicam contingências aversivas; respostas de aproximação da
conseqüência podem indicar contingências reforçadoras positivas;
c) Aos comportamentos respondentes públicos (ruborização, contração da pupila,
sudorese, por ex.) que podem ser observados diretamente;
d) Aos comportamentos respondentes e operantes privados, através de inferência a
partir de outras classes comportamentais observadas e da análise da operação de
outras contingências, quando estas são acessíveis. Antes de fazer uma inferência,
o terapeuta deve obter o maior número possível de evidências de ocorrências de
outras classes comportamentais, com a mesma função do comportamento de
interesse ou com ele relacionado. Veja as diferenças nas condições que se seguem.
Se uma pessoa chora diante de outra, ela pode estar emitindo um operante diante
de um SD - a outra pessoa - e não estar "sentindo" tristeza; especialmente se,
diante de uma terceira pessoa (novo SD), ela se comporta de modo antagônico: ri,
emite ampla gama de operantes incompatíveis com o repertório debilitado de uma
pessoa que está triste, deprimida. Diferentemente, se a pessoa chora, reduz sua
alimentação, diminui sua produtividade profissional, esquiva-se de atividades de
lazer etc., a inferência de que está, de fato, triste ó mais provável.
e) Aos comportamentos operantes e respondentes privados, através de questões do
tipo: "O que você está sentindo?’’; “O que você está pensando?"; “O que você pensou
e sentiu naquele determinado momento?". As respostas a tais questões não são
necessariamente confiáveis. Em primeiro lugar, a pessoa pode ter baixo repertório de
observação dos seus comportamentos - não fica sob controle das próprias respostas
operantes e respondentes - e não "sabe" responder às questões propostas pelo
terapeuta. Neste caso, o terapeuta deverá modelar comportamentos de tactos verbais
sobre as reações do corpo e sobre comportamentos operantes que emite. Outra
possibilidade é a pessoa omitir a Informação. Isto só ficará claro se o terapeuta tiver
possibilidade de manter o processo terapêutico por um longo período (fizer observações
extensas dos comportamentos do seu cliente), o que aumentará a probabilidade de
serem detectadas contradições ou de serem obtidas novas informações.
f) Aos comportamentos operantes públicos correlatos (Skinner, 1945), que são
igualmente produzidos pelas contingências de reforçamento e que acompanham
comportamentos privados. Tais comportamentos correlatos podem fornecer
informações sobre os comportamentos ou estados corporais (por exemplo, colocar

238 Hélio Jotl Qullhiirdi


a mão na região do corpo que dói; andar mancando porque o sapato apertado
produz dor nos artelhos; dizer frases do tipo: “Não agüento minha enxaqueca",
"Sinto que meu estômago arde como fogo” etc.).
Ao relacionar todas essas informações (poderíamos acrescentar outras, como,
por exemplo, a história de contingências da pessoa, o que não detalharemos agora para
não estender exageradamente a discussão), o terapeuta está, então, em condições de
atribuir ao conjunto um termo - arbitrário, convencionado pela comunidade verbal - , qual
seja, o “sentimento" da pessoa. Note que, ao se basear na interação desse emaranhado
de informações, o terapeuta tem dados empíricos e desempenhos funcionais mais
confiáveis, nos quais pode se basear para propor o nome de um sentimento. Quanto mais
elementos ele dispuser para observar, mais apropriada a nomeação de sentimento. Mesmo
assim, o nome do sentimento (ansiedade, angústia, fobia etc.) não acrescenta nenhuma
informação adicional que possa ajudar no processo terapêutico. Talvez a função de usar
tais palavras seja a de facilitar a comunicação entre terapeuta-cliente (desde que fique
claro para ambos o que elas descrevem) e a de manter uma tradição no relacionamento
cliente-terapeuta, no qual se fala o tempo todo de sentimentos (mesmo não se tendo claro
sobre o que se está falando). A mudança nessa tradição deve ocorrer, mas gradualmente.
O terapeuta deve ensinar seu cliente a descrever contingências e não manter as verbalizações
com termos do vernáculo cotidiano dos sentimentos.
Skinner escreveu sobre os dois efeitos do reforçamento: fortalecimento do
comportamento e satisfação do indivíduo. Em suas palavras (Skinner,1987):
"O resultado è facilmente descrito como um tema de sentimento porque os
sentimentos em pauta estão intimamente ligados ao reforçamento. Assim, dizemos
que coisas reforçadoras nos agradam, que gostamos delas, que as sentimos como
boas. A associação de reforçamento com sentimentos é tào forte, que se costuma
dizer que coisas reforçam porque as sentimos como boas ou as sentimos como
boas porque elas reforçam. Deveríamos dizer, diferentemente, que sentimos as
coisas como boas e que elas reforçam por causa do que aconteceu na evolução
das espécies... Ê o efeito reforçador, não a tendência genética para comer, que
relatamos quando dizemos que alimentos sâo 'saborosos'."
“O reforçamento, no entanto, tem um outro efeito: comportamento que è reforçado
ó mais provável de ocorrer novamente. Correndo o risco de ser seriamente
incompreendido p tlo s críticos do behaviorismo, eu farei a distinção entre os
efeitos de prazer e de fortalecimento. Eles ocorrem em diferentes momentos e
sào sentidos como coisas diferentes. Quando sentimos prazer, não estamos,
necessariamente, sentindo uma m aior Inclinação para nos comportarmos da
mesma maneira. Quando repetimos o comportamento que foi reforçado, por
outro lado, nós não sentimos o efeito de prazer que sentimos no momento em
que o reforçamento ocorreu", (p. 17)

4. Relevância dos sentim entos no processo terapêutico


Com esta conceituação posso introduzir o papel dos sentimentos no processo
terapêutico. Expressa de forma direta, a questão é: como as pessoas se sentem enquanto
se comportam da forma que o fazem? "A maneira como as pessoas sentem é,
freqüentemente, tão importante quanto o que elas fazem.’’ (Skinner, 1989, p. 3) Eu me
atreveria a dizer: até mais importante. O ser humano sente antes de saber. A afirmação de
que os sentimentos são mais importantes que os comportamentos pode suscitar as
seguintes observações: se os sentimentos são comportamentos, então porque são mais

Sobrr Comportamento c CormíçSo 239


importantes que os comportamentos? O que sustentaria a tese de que os sentimentos
são mais importantes que os comportamentos? As contingências de reforçamento produzem
comportamentos operantes (aos quais se costuma referir como "comportamentos") e
comportamentos respondentes e estados corporais (aos quais se costuma referir como
"sentimentos"). Como produtos das contingências de reforçamento, deveríamos identificá-
los como manifestações do organismo, produzidas pela interação entre o organismo e o
ambiente, e poderiam ser todos chamados de comportamento. Após sua ocorrência, os
comportamentos podem vir a ter função de estímulo e, como tal, são antecedentes e
externos aos comportamentos que se seguem. Os comportamentos operantes podem ter
função de SD (ao me lembrar de que são 8 horas ou ao olhar para o horário num relógio,
dirijo-me ao telefone e peço desculpas porque chegarei atrasado a um compromisso
previamente agendado); podem ter função aversiva (ao olhar para um acidente de carro,
emito um comportamento de fuga desviando o olhar na direção oposta); podem ter função
reforçadora (ao ouvir a voz de uma pessoa amiga, desloco-me em sua direção e dou-lhe
um abraço) etc. Todos esses comportamentos operantes ocorrem simultaneamente com
os respondentes e com os estados corporais. O contato que a pessoa tem com os
comportamentos respondentes é mais intenso e imediato, em função dos receptores intero
e proprioceptivos aos quais ela responde e a colocam sob controle de tais eventos corporais,
de tal maneira que as reações corporais funcionam como conseqüências mais imediatas
que as conseqüências externas ao corpo, captadas pelos receptores exteroceptivos.
Funcionam também como eventos antecedentes imediatos - SDs, SAs, SDps ou
eliciadores - tanto para a emissão de comportamentos operantes como respondentes. É
essa função imediata de antecedente eliciador, inerentes aos eventos corporais, que produz
a impressão de que são causadores de comportamentos, como lembrou Skinner (1989)
ao criticar a função causal dos sentimentos: “O que sentimos são condições corporais...
mas o que é sentido nâo é uma causa inicial ou iniciadora (do comportamento)"(p. 4)
(parênteses do autor do texto).
A prática da comunidade verbal em usar o termo sentiram relação às respostas
respondentes e aos estados corporais, talvez, provenha dos receptores sensoriais -intero
e proprioceptivos - envolvidos na percepção de tais manifestações do corpo. Por outro
lado, o uso mais difundido do termo observar qm relação aos comportamentos operantes
pode provir dos receptores sensoriais - exteroceptivos - envolvidos na percepção de tais
ações do corpo: observamos o comportamento, no sentido de que o vemos, o ouvimos
etc. "Sentir é uma espécie de ação sensorial, como ver e ouvir"(Skinner, 1989, p. 3). Ou,
um pouco mais claramente (Skinner, 1987):
“Sentimentos nâo estão fora do âmbito de uma ciência comportamental, no
entanto. A questão não é o que sâo sentimentos, mas o que é sentido. Sentir è um
verbo - assim como ver, ouvir ou saborear. Nós vemos, ouvimos e saboreamos
coisas no mundo que nos cerca e sentimos coisas em nosso corpo. Quando nos
sentimos doloridos, nós estamos sentindo músculos doloridos; quando nos
sentimos cansados, estamos sentindo um corpo cansado; quando temos uma
dor de dente estamos sentindo um dente inflamado. Sentir difere de outros tipos
de sensações de várias maneiras. Por que aquilo que sentimos está sob nossa
pele, nâo podemos escapar dele. Os órgãos dos sentidos com os quais sentimos
nâo sâo tâo facilmente observados como aqueles com os quais vemos coisas no
mundo que nos cerca. E, nâo podem os rela ta r o que nós sentim os, tâo
precisamente como aquilo que nós vemos, porque falta àqueles que nos ensinam
a fazê-lo informações sobre o corpo que sentimos’’ (p. 16).

240 H élio Joié Ouilhtirdl


As distinções entre observar e sentir não se baseiam, portanto, na suposição de
que observamos e sentimos fenômenos de diferentes naturezas. São todas manifestações
corporais. Tais distinções só prevalecem porque a comunidade verbal conseqüencia o uso
discriminado dos term os-sentir e observar-ambos com sentido dualista. Seria preferível
utilizar uma linguagem comportamental monista: a pessoa se comporta sob controle de
manifestações do organismo, de respostas respondentes, por exemplo, ou sob controle
de comportamentos operantes.
Consideremos os seguintes exemplos: no paradigma experimental da ansiedade
a presença da luz (estímulo pré-aversivo exteroceptivo) desencadeia reações corporais
imediatas aversivas; o choque que ó associado à luz é apresentado somente após a luz e
as reações corporais eliciadas por ela. Ou seja, antes de o choque ser apresentado, o
organismo já começou a responder à simples sinalização de que ele virá. Mesmo que o
choque seja intenso, sua duração, tipicamente, é breve, enquanto que as reações corporais
aversivas se prolongam por mais tempo. No caso do ser humano, por condicionamento
respondente, basta a pessoa pensar no estímulo pré-aversivo (que tem função de CS,
estímulo condicionado aversivo) e as respostas respondentes aversivas são eliciadas,
sem necessidade da apresentação do estímulo aversivo (choque, no exemplo do análogo
experimental). E a apresentação do estímulo condicionado (CS) - pensar no evento pré-
aversivo - pode se repetir inúmeras vezes, sem ser associada à apresentação do estímulo
incondicionado (US), e não se enfraquecer a curto prazo. Considere outro exemplo: a
perda de reforçadores positivos intensos. A remoção de tais reforços produz, imediatamente,
reações respondentes aversivas, enquanto que os efeitos da remoção dos reforçadores
positivos sobre o comportamento operante demoram para se manifestar; o enfraquecimento
do repertório operante é gradual, a passagem do controle do comportamento atual e de
novas classes comportamentais para outros reforçadores também ó lenta. Assim como,
apontado no exemplo anterior, basta a pessoa pensar no reforçador positivo perdido que,
via condicionamento respondente, os comportamentos respondentes aversivos são eliciados,
sem necessidade de que haja efetivamente uma nova perda dos reforçadores. Pode-se
dizer que a evocação dos respondentes ocorre através de pensamentos, imagens etc.
(como, por exemplo, pensar que a namorada está com outro, ‘Vê-la" dançando com outro,
imaginá-la entre as amigas, dizendo que não o quer mais...) sem necessidade da ocorrência
da conseqüência real. Neste caso, pensamentos, imagens etc. têm a função de CS eliciador,
da mesma maneira que pensar num limão ou “vê-lo" como uma imagem, sem que ele
esteja presente, elicia salivação. Note que os comportamentos operantes pensar e imaginar
não causam comportamentos, o que seria um equívoco conceituai. Pensar e imaginar, ao
serem associados com o evento aversivo, adquirem a função de estimulo eliciador
condicionado, ou seja, um evento comportamental pode ter função de estímulo. As reações
respondentes são imediatas; e, provavelmente, por terem sido preservadas na espécie,
pelo primeiro nível de seleção apontado por Skinner (1990), têm função de estímulo intenso.
Mesmo que a função dos estados corporais e respondentes seja aversiva, isto é, produza
sensações aversivas fortes, delas não se pode fugir, nem se esquivar, não são
comportamentos operantes que podem alterar a conseqüência, mesmo porque o que
sentimos está debaixo de nossa pele. Só resta aguardar o processo de extinção respondente
(ou técnicas terapêuticas com componentes respondentes, tais como dessensibilização
sistemática ou técnica implosiva). Numa situação de fuga-esquiva, os respondentes são
eliciados antes que os comportamentos operantes possam ser emitidos. Há, pode-se
dizer, um desamparo comportamental: nada se pode fazer, não há de imediato

Sobre Comportamento c Cognição 241


comportamento operante possível que altere os estados corporais. Nem sempre é possível
afastar-se dos CSs que eliciam os respondentes, também é difícil não pensar nos CSs
que eliciam os respondentes, pois as técnicas disponíveis para deter o pensamento envolvem
um controle de comportamento muito frágil. O primeiro nível de seleção não nos preparou
para lidar mais eficientemente com a dificuldade de enfraquecer ou eliminar de imediato as
reações respondentes fortes, que assim foram selecionadas na espécie, com valor de
sobrevivência, mesmo quando eliciadas por eventos que adquiriram função aversiva ou
reforçadora, via condicionamento respondente, durante a vida da pessoa (não são, portanto,
típicas da espécie).
Há ainda um outro aspecto a ser destacado: a intensidade aversiva dos eventos
corporais compete com a emissão de comportamentos operantes (tal fenômeno
comportamental foi nomeado de supressão condicionada de comportamento operante, no
paradigma de ansiedade de Estes-Skinner, 1941). A diminuição na probabilidade de emissão
de comportamentos operantes, que vêm sendo mantidos por conseqüências reforçadoras
disponíveis, e a redução na variabilidade comportamental, que poderia expor a pessoa a
novas conseqüências reforçadoras, têm como resultado a alteração de contingências de
reforçamento, possivelmente adequadas, em operação (por exemplo, diminui a freqüência
de reforços positivos; comportamentos de fuga-esquiva de eventos aversivos deixam de
ocorrer funcionalmente) e não aparecem comportamentos que podem produzir novas
conseqüências mais favoráveis. Em suma, o que as contingências de reforçamento produzem,
passa a fazer parte das próprias contingências (lembre-se que as inter-relações ambiente-
organismo são dinâmicas, funcionais e nunca estáticas, nem circunscritas por limites
arbitrários) e há aspectos das contingências que têm um papel mais rápido e eficiente que
outros na determinação dos comportamentos que se seguem. Os estados corporais
produzidos por contingências intensas têm tais funções adversas e imediatas. Comportar-
se sob controle de conseqüências imediatas, muitas vezes, é desvantajoso para o indivíduo.
No cotidiano de uma pessoa, há inúmeras situações nas quais ela deveria se
comportar sob controle das conseqüências a médio e longo prazo e não apenas sob a
influência das conseqüências a curto prazo. Este ponto ganha especial notoriedade quando
as conseqüências a curto prazo são gratificantes, mas aquelas a longo prazo são adversas.
O exemplo mais notório é o uso indiscriminado de drogas, freqüentemente exibido para
justificar este tipo de argumento. Ou a decisão de uma pessoa, que sob pressão familiar
ou até mesmo do terapeuta, se afasta de uma pessoa e rompe um relacionamento
tumultuado no presente, já que “ele a faz sofrer demais..." Ficar sob controle de regras
externas à própria pessoa, por exemplo, sob a influência de amigos, pais etc., expressas
por frases tais como: "Ele não é boa pessoa"; "Vocês são muito diferentes"; “É melhor
sofrer agora com a separação do que amargar conseqüências mais drásticas no futuro"
etc. não parece ser a melhor estratégia. Os sentimentos adversos produzidos a curto
prazo pela separação - quando, por exemplo, o comportamento de separação que a
pessoa emite foi governado por regras advindas de alguém do universo social relevante
dela e não modelado pelas conseqüências advindas da interação da pessoa com o
companheiro, podem ser muito fortes e vir a se intensificar na forma de depressão,
ansiedade, medo, pânico etc., difíceis de ser superados. A experiência tem demonstrado
que, diferentemente do que se apregoa, a melhor máxima deveria ser "Melhor mal
acompanhado por um pouco mais de tempo do que só desde já”. A terapia comportamental
tem sido exageradamente operante e precariamente respondente. Precisamos aprender
mais sobre as leis que regem os comportamentos respondentes.

242 H tllo Jo«é Quilbctrdl


5. Algum as contingôncias sob as quais o terapeuta se comporta
Por que, então, o terapeuta se envolve neste equívoco de procedimento? O que
deveria, então, ser feito? Há vários aspectos a serem considerados:
a) O terapeuta com porta mental tem sido exposto a uma forma de controle conceituai,
durante a sua formação, que dá maior ênfase ao comportamento e menor relevância
ao sentimento. Assim, emerge uma preocupação em alterar incontinente o
comportamento considerado “inadequado", sem uma avaliação mais abrangente de
todo o contexto em que ocorrem as interações interpessoais. Seria crítica uma
visão mais abrangente da questão comportamental analisada, uma avaliação que
envolvesse pelo menos as seguintes preocupações: quem definiu as funções
comportamentais dos eventos analisados? Em outras palavras, determinadas
interações são de fato aversivas para a pessoa envolvida ou a função aversiva é
definida por outrem? Existem outras interações em pauta com funções reforçadoras
positivas? Como as funções aversivas e positivas interagem? Ao atuar sobre uma
interação social em vigor, de forma a alterá-la, a pessoa tem presentemente, em
seu repertório, comportamentos hábeis para substituir as conseqüências ora
presentes por outras funcionalmente mais adequadas para a pessoa? Pense na
possibilidade de remover (ao propor a separação de um casal, por exemplo; ou o
desligamento de um emprego; ou o rompimento de uma amizade; etc.) as
conseqüências aversivas operando na interação, mas, conjuntamente, remover
conseqüências reforçadoras positivas que não virão a ser substituídas a curto prazo.
Pense também nas funções de controle de estímulos que o outro tem para a pessoa:
o outro pode ter a função de SD para evocar comportamentos que produzem
reforçadores positivos, a partir de outras fontes com as quais ela não entraria em
contato sozinha (com um namorado a pessoa viaja, vai ao cinema, sai com grupos
de amigos; sem namorado fica em casa...). O outro pode também ter a função de
SDp ou SA para comportamentos que podem, se forem emitidos, produzir
conseqüências aversivas ou serem inconseqüentes (sujeitos à extinção). Assim,
com o namorado - que teria a função de SA nos exemplos a seguir, - a pessoa
deixa de freqüentar rodas de amigos que usam drogas; que programam encontros
sociais inócuos e inconseqüentes; ou que propiciam conseqüências que produzem
sentimentos de culpa etc. Ou ainda, o namorado pode ter função de SDp quando
diz a ela: “Fico muito decepcionado com a negligência que você está tendo com
seu horário de trabalho" ou "Preocupa-me como vai evoluir nossa relação se você
continuai bebendo tanto..." etc. Tanto as funções de SD, como as de SA e SDp, do
namorado, nos exemplos citados, são desejáveis e se perderiam caso ocorresse o
rompimento do casal. São desejáveis no sentido de que aumentam a probabilidade
de emissão de comportamentos que produzem reforçadores positivos e diminuem
a probabilidade de emissão de comportamentos que produzem conseqüências
aversivas ou não produzem conseqüências funcionalmente identificáveis (extinção).
b) O terapeuta sofre pressão para produzir alterações a curto prazo, tanto por parte do
cliente, como da comunidade social a que o cliente pertence (família, amigos etc.).
Tal pressão surge na forma de questões ou comentários do tipo: "Continuo deprimido";
“Até quando vai este sofrimento?"; "Não agüento mais a minha vida"; "Ele continua
na mesma de sempre"; “Quando ele vai dar um jeito na sua vida?"; etc. As mudanças
nos comportamentos operantes (usualmente se diz que a pessoa “tomou uma
decisão", “mudou o modo de agir" etc.) e as mudanças nos comportamentos

Sobre Comportamento c Cognição 2 4 3


respondentes e estados corporais (usualmente se diz que a pessoa "deixou de
sofrer", "finalmente se libertou", "perdeu seus medos", “está mais segura" etc.) não
ocorrem da mesma forma e nem no mesmo ritmo. São sujeitas, cada uma delas,
às leis próprias dos comportamentos operante e respondente. Assim, um sujeito
experimental submetido a um procedimento de esquiva não sinalizada pode,
rapidamente, emitir, de forma sistemática, o comportamento de fuga ou de esquiva
funcionalmente adequado (pressionar uma barra, por exemplo) e ser reforçado
negativamente: remove ou pospõe o choque. No entanto, as reações respondentes
eliciadas pelos estímulos condicionados aversivos da situação experimental não
desaparecerão a curto prazo, se é que desaparecerão. Explicitando melhor: um
comportamento operante específico pode ser alterado prontamente através de uma
conseqüência intensa (remoção de um evento aversivo ou apresentação de um
reforçador positivo poderoso) ou através de uma regra com função de mando. Por
exemplo, “Não lhe empresto mais o carro para fazer esses programas com esses
amigos"; "Você está proibido de sair à noite até melhorarem suas notas"; "Aqui
quem decide sou eu; não aceito insubordinação" etc. Mas, como ficam os
sentimentos gerados em tais exemplos de controle aversivo? Os comportamentos
respondentes são enfraquecidos, fundamentalmente, pelo processo de extinção:
os estímulos condicionados reforçadores devem ser apresentados e não ser
associados com os estímulos incondicionados reforçadores No experimento clássico
de Pavlov, o som (estímulo condicionado que elicia salivação) deixa de ser associado
com a comida (estímulo incondicionado) até o som perder a função eliciadora
condicionada (extinção respondente). Assim, ouvir uma música que esteve associada
com bons momentos vividos com o namorado evoca comportamentos operantes,
tais como pensar no namorado, “vê-lo" sem que esteja presente etc. (função de SD
da música) e elicia reações corporais respondentes (função de estímulo condicionado
respondente da música) e a pessoa relatará que se sente bem, feliz etc. Se os
bons momentos forem se tornando raros, a associação se enfraquece e a música
perderá progressivamente suas funções de SD e CS (ocorrerá o processo de extinção
das duas funções do estímulo). Se houver uma ruptura brusca do relacionamento, o
processo de extinção das funções do estímulo não ocorrerá: ao ouvir a música a
pessoa pensará no namorado, "verá" coisas que viveram juntos (operantes) e terá
reações respondentes associadas ao bom relacionamento prévio, portanto,
comportamentos emitidos e eliciados durante o período de convivência agradável.
Há, porém, um novo elemento no contexto: a pessoa perdeu o namorado, e a
música adquire de imediato uma nova função: sinaliza que houve perda de todos os
reforçadores advindos ou associados ao namorado. Haverá, então, comportamentos
operantes e respondentes evocados e eliciados pela perda e a pessoa dirá: “Penso
o tempo todo que o perdi" e relatará sentimentos aversivos ("Estou sofrendo muito...").
É a superposição das funções do estímulo: SD e CS associados a eventos
reforçadores e SA ou SDp (estímulo discriminativo de contingências de punição
pela perda de reforçadores positivos) ou CS sem associação com eventos
reforçadores que deve ser considerada na análise dos comportamentos e
sentimentos produzidos. Falo em superposição de funções porque as funções
reforçadoras ainda não perderam tal função original, mas as novas funções já estão
operando, uma vez que as contingências atuais são outras e também há superposição
dos comportamentos respondentes e operantes, uma vez que uns e outros ocorrem

244 I iélio josé C/uilhardí


sempre simultaneamente. O que a pessoa relata como “sofrimento" é causado pela
mudança brusca na função do estímulo. Conclui-se, então, que é preferível - se
isso for possível - um processo lento de rompimento, que propicie a ocorrência
natural do processo de extinção. Numa perspectiva comportamental, “um processo
lento de rompimento" significa que sucessivos CSs deixam de ser associados com
USs (extinção respondente), tais como parar de ir ao cinema, a shows, de ouvir
música etc. com o companheiro (o companheiro perde a função de CS, pois deixa
de ser associado com os estímulos US gratificantes presentes em tais atividades).
Note que tal procedimento respondente se superpõe ao procedimento operante de
reduzir os SDs que propiciam a ocasião para a emissão de comportamentos operantes
conseqüenciados com reforço positivo, bem como ao procedimento de extinção
para sucessivas classes de comportamentos operantes (deixo de comemorar datas
anteriormente significativas; não elogio determinadas classes de desempenhos,
como costumava fazer etc.). (Na prática, o fenômeno ó mais complexo do que aqui
foi exposto, uma vez que outras contingências estão operando simultaneamente,
como por exemplo, reforçamento positivo intermitente).
A outra maneira de enfraquecer os comportamentos respondentes é através da
mudança da função do estímulo condicionado, originalmente reforçador, para estímulo
condicionado aversivo, a partir de novas associações, agora com estímulo reforçador
negativo. Assim, se o namorado muda seus comportamentos, passando por exemplo, a
se comportar de modo agressivo, punitivo, ele adquire a função de estímulo condicionado
aversivo e começa a gerar - pela simples presença ou aproximação - respostas
respondentes típicas de ansiedade e medo. Assim, expor o namorado à namorada vai
tornando-o progressivamente mais aversivo na relação, o que aumentará a probabilidade
de ocorrerem comportamentos de fuga-esquiva (operantes), tais como a separação do
casal, bem como, reações respondentes desagradáveis que, com o rompimento,
desaparecerão e darão lugar a sentimentos de alívio. Segundo Skinner (1989);
“A situação em que o comportamento ocorre, ou algum aspecto do próprio
com portam ento, to rn a-se a versiva e, em co nse qü ên cia, pod e re fo rç a r
negativamente formas alternativas de comportamento. Quando a punição é
imposta por outra pessoa, como freqüentemente acontece, ela quase nunca ó
imediatamente contingente ao que é feito, e ó mais provável que funcione via
condicionamento respondente." (p. 78)

Deste ponto de vista, se os encontros forem proibidos ou espaçados o processo


comportamental de fuga-esquiva e os sentimentos de alívio (ambos desejáveis, no exemplo)
serão dificultados. Deve ser salientado que um processo comportamental não exclui e
nem se isola do outro: operante e respondente ocorrem simultaneamente e se influenciam
reciprocamente. No caso da relação afetiva em crise, sugerida no exemplo, provavelmente
a melhor estratégia terapêutica seria não interferir inicialmente de forma direta para alterar
as contingências naturais em operação, caracterizadas pela interação entre vários
procedimentos, quais sejam:
• punição operante aplicada pelo namorado nas ocasiões em que critica, grita com a
namorada ou se afasta dela contingente a comportamentos por ela emitidos;
• extinção operante aplicada pelo namorado quando a ignora e mantém-se afastado
por longos períodos;
• extinção respondente: a presença do namorado (CS) deixa de ser associada a
reforçadores positivos (US);

Sobre C omportamento c CognlçAo 245


• condicionamento respondente aversivo, uma vez que a presença do namorado (CS)
passa a ser associada à apresentação de eventos aversivos (US).
No entanto, cabe ao terapeuta sistematizar e explicitar para o cliente os
procedimentos em operação; torná-lo, enfim, consciente dos controles comportamentais
a que está submetido, enquanto as contingências produzem as alterações comportamentais
e afetivas que são inerentes às suas funções. Mais especificamente, o terapeuta emite
tactos verbais: descreve as interações comportamentais que estão se desenrolando entre
os namorados e dá-lhes a denominação técnica e a definição conceituai mais precisa
possivel (por ex., extinção, punição positiva etc.), a fim de que o cliente fique ciente
(consciente) do que ocorre, enquanto experiência na prática os efeitos das conseqüências
de seus comportamentos. O terapeuta deve, enfim, colocar o comportamento do cliente
sob controle das mudanças comportamentais que decorrem da atuação das contingências,
já que as alterações nos comportamentos são as únicas evidências confiáveis de quais
contingências estão em operação (descrever uma seqüência composta por antecedente-
resposta-consequente pode sugerir uma dada contingência, mas apenas o produto
comportamental, que decorre em função de tal seqüência, prova qual é a contingência).
Ensinar os termos técnicos e os conceitos para os clientes tem a vantagem importante de
colocá-los sob controle de um conceito comportamental e não apenas de um exemplo de
interação social. A partir do momento em que o cliente reage a um conceito, ele está apto
a fazer generalizações e estabelecer relações de equivalência, independentemente do
terapeuta. A capacidade de fazer generalizações deve ser programada pelo terapeuta,
pois é um objetivo da terapia levar o cliente a analisar e lidar com seu mundo sem ajuda
terapêutica adicional. Citando Skinner (1989).
“Não é todo problema que pode ser resolvido mediante a aplicação de uma
regra; sendo assim, os terapeutas precisam ir um passo à frente e ensinar seus
clientes como construir suas próprias regras. Isso significa ensinar-lhes algo sobre
a análise do comportamento, usualmente uma tarefa mais fácil do que ensiná-
los a alterar seus sentimentos ou estados da mente", (p. 81)

Os processos de extinção, lentos por um lado, apresentam algumas vantagens


importantes raramente destacadas. Em primeiro lugar, permitem uma apropriada adaptação
do indivíduo às suas próprias respostas emocionais, já que elas são intensas no início
(fato enfatizado na literatura pertinente e lamentado pelos efeitos colaterais que o
acompanham, em particular, a agressividade contra objetos e pessoas), mas diminuem
de intensidade até níveis operantes ou variações de intensidade típicas para os organismos
de determinada espécie. Em segundo lugar, as variações comportamentais que ocorrem
durante as extinções são conseqüenciadas pelo ambiente natural em que a pessoa está
inserida e ocorre uma seleção das variantes comportamentais dentro do contexto natural,
sem a influência arbitrária do controle exercido pelas regras emitidas por um agente social
específico munido de algum tipo de poder também arbitrário. Esta segunda característica
do processo comportamental, durante a extinção, propicia a aquisição de repertório para
lidar, de maneira mais natural, com as mudanças de contingências, pois dá tempo ou cria
possibilidades para as agências controladoras externas, como as ações do terapeuta, por
exemplo, atuarem em conjunto com as contingências naturais (por exemplo, começar
novas atividades, como um curso de idiomas, freqüentar academia de ginástica, retomar
atividades com grupo de amigos etc., que fornecem a ocasião para a pessoa entrar em
contato com conseqüências reforçadoras até então não disponíveis para ela) para a

246 Hélio joté C/ullfhirdi


ampliação de repertório comportamental de enfrentamento da nova realidade e
desenvolvimento de respostas emocionais e afetivas adequadas. Frases do tipo: “Eu não
sei se deveria ter terminado meu namoro"; “Precipitei-me pedindo demissão"; “Desde que
me separei do meu marido não encontrei mais paz" etc. revelam que o cliente tomou
decisões sob controle de contingências coercitivas e:
• não houve tempo de exposição às contingências para que as reações emocionais
atingissem um nível baixo, de tal modo que o estado de conforto estivesse associado
a contingências que não justificassem nenhum comportamento de fuga-esquiva.
Na prática, por exemplo, a relação com o namorado é aversiva e produz um
comportamento de fuga-esquiva imediato, com alívio imediato. No entanto, a
exposição à condição aversiva não foi suficiente para diminuir o valor reforçador
positivo do namorado, dal a pessoa relatar que não deveria ter terminado o namoro.
Ou
• pelo contrário, as contingências aversivas não atuaram por tempo suficiente para
que atingissem um grau de aversividade suficientemente intenso, de tal modo que o
estado de desconforto estivesse associado a contingências que justificassem, sem
dúvidas, comportamentos de fuga-esquiva. Por exemplo, apareceriam verbalizações
como “Precipitei-me. Ele não é tão ruim assim..." Ou, ainda mais,
• há necessidade de maior tempo de exposição aos procedimentos para que as
respostas emocionais atinjam um nível de neutralidade associado às contingências,
em relação às quais a perda ou apresentação das conseqüências fosse irrelevante,
de forma a não propiciar o lamento de reforçadores positivos perdidos ou apreensão
com a apresentação de reforçadores negativos. Por exemplo, os comportamentos
do namorado não têm mais função aversiva, nem reforçadora relevante, resultado
de procedimento de extinção. Ou, finalmente,
• não foram instalados comportamentos suficientes e eficientes para permitir ao
indivíduo lidar satisfatoriamente com as contingências de reforçamento de sua nova
realidade social.
Foi explicitado acima que o terapeuta emite tactos sobre as contingências de
reforçamento em funcionamento. O papel dele não se restringe, porém, a tal descrição. As
contingências de reforçamento produzem comportamentos que são mais prováveis naquela
determinada pessoa, em função da história dela de contato com contingências. Portanto,
outros comportamentos seriam possíveis sob as mesmas contingências atuais. Assim,
por exemplo, diante de uma contingência coercitiva expressa pelo namorado na seguinte
verbalização: “9& você sair de casa com suas amigas, então nunca mais olhe para minha
cara", a garota pode ficar em casa sem ousar desafiá-lo ou mostrar que não há razões
para ele exigir isso dela e sair com as amigas. Diante disso, cabe ao terapeuta a partir de
um determinado momento do processo terapêutico, modelar ou dar SDs para a emissão
de novas classes comportamentais, que possam produzir novos reforçadores positivos ou
que possam alterar e enfraquecer os comportamentos coercitivos do namorado. Não se
deve supor que a pessoa emite os comportamentos que quer emitir e temos que respeitá-
la. Ela emite os comportamentos que tem sido capaz de emitir diante de determinadas
contingências e cabe ao terapeuta ajudá-la a ampliar e até mesmo alterar o repertório de
comportamentos possíveis diante de tais contingências. Skinner (1978) afirmou:
“O manejo efetivo do comportamento humano ó ameaçado quando recorremos
aos sentim entos e às idéias para e xplicar o com portam ento. Ao fazê-lo
negligenciamos contingências de reforçamento úteis." (p. X)

Sobre Comportamento e Cognlv<lo * 2 4 7


c) A concepção que o terapeuta tem do controle coercitivo é outro obstáculo importante
para uma vida com sentimentos saudáveis. A preocupação com o comportamento
pode levar a concepção de que basta (e isso é um equívoco), diante do controle aversivo,
comportamentos adequados de fuga-esquiva, de tal maneira que os eventos aversivos
sejam afastados ou adiados, através de comportamentos mantidos por reforçamento
negativo. A eficiência comportamental mantida por reforçamento negativo pode ser
elogiada quanto à função dos comportamentos, mas não necessariamente quanto aos
sentimentos que acompanham contingências de fuga-esquiva. O encadeamento:
sentimentos de ansiedade, de medo, de preocupação, normalmente associados com
contingências coercitivas, seguidos por sentimentos de alívio temporário, normalmente
associados com contingências de reforçamento negativo, depois, novamente, ansiedade
para, mais uma vez, seguir-se alívio e assim sucessivamente, gera patologia
comportamental. O enfoque, repita-se, no comportamento de fuga-esquiva não altera
as macro contingências em operação, pois não altera a fonte do controle coercitivo. A
função do terapeuta não é a de ensinar respostas de fuga-esquiva para o cliente se
defender do controle aversivo: a função do terapeuta ó desenvolver comportamentos de
contra-controle que removam ou alterem definitivamente a fonte do controle coercitivo.
O contra-controle é, em essência, um conjunto de comportamentos de fuga-esquiva,
mas o que se deve destacar é que a ênfase do terapeuta deve ser direcionada para
alterar ou remover os comportamentos coercitivos do controlador e não, apenas, para
se defender desse controlador. Os clientes bem sucedidos no contra-controle descrevem
os resultados com frases, tais como “sinto que perdi um grande medo", “sinto-me
livre", "não me sinto mais ‘pisando em ovos’". Os ganhos emocionais que se tem com
o contra-controle são imensos e quebra-se a seqüência ansiedade-alívio-ansiedade-
alívio, substituindo-a por sentimentos duradouros de bem-estar, segurança, tranqüilidade,
satisfação, produzidos por contingências permanentes de reforçamento positivo, com
padrões bem instalados de comportamentos aptos para serem consequenciados
positivamente.

R eferên cias
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Sobre Comportamento e Cojjniydo 249


Capítulo 24
Histórias Infantis: Propostas de
intervenção psicológica com crianças
H e le n a lia /a n e lli P re b ia n c h i
n /C '• C'ampinas
e M a ria R ita Zoéga Soares
UH

"Você pode ter riquezas incalculáveis,


Cofres cheios do jóias e ouro.
Mas nunca poderá ser mais rico do que eu;
Porque tive quem mo contasse histórias. ”
Cynthia Pearl Maces

Através das interações sociais, o indivíduo não só adquire o conhecimento de si


mesmo, como também o da realidade na qual está inserido e das idéias e dos valores da
cultura a qual pertence. Elemento crucial, neste sentido, é a linguagem ou comportamento
verbal: ele é característica humana e, simultaneamente, produto e produtor de interações
sociais. O homem apenas o adquire através das interações com outros e dele necessita
para com outros interagir. De modo correlato, a cultura, tem no comportamento verbal, um
dos seus principais veículos para a propagação dos valores e das práticas que a caracterizam
e a mantém.
A narrativa"de histórias é um exemplo desse tipo de prática cultural. Durante
muito tempo as histórias foram tradicionalmente usadas na educação. Elas eram veículos
mediante os quais valores, pontos de vista sobre a moralidade e modelos de comportamento
eram transmitidos ao homem. Os contos de fadas - como têm alegado alguns estudiosos
- retratam paradigmas eternos da vida humana e freqüentemente refletem os papéis que
as pessoas desempenham.
E ainda, como relata Éstes:
"as tradições hispano-mexicana e húngara vêem o relato de uma história, como *
uma prática espiritual básica. Histórias, fábulas, mitos e folclore são aprendidos,
numerados e consorvados da mesma forma que se mantóm uma farmacopóia...
Essas histórias medicinais sào usadas para ensinar, corrigir erros, auxiliar a
transformação, curar ferimentos, recriar memória" (ístes, 1996,9-10).

250 l lelcna Bd/iinelll Prebianchi e M (iri«i Kltd Zoéjjd Soarc*


Para Baum (1999) as histórias têm algo a ver com as regras porque normalmente
transmitem lições práticas ou de moral - isto é, normalmente se referem a contingências
de reforço ou punição. As histórias fornecem estímulos discriminativos indutores de
comportamentos que são reforçados socialmente. J. Sommerville (1982, apud Baum, 1999)
afirma, em seu livro sobre a infância, que os contos de fadas possuem funções socialmente
úteis ao ensinarem, indiretamente, lições de vida.
Na última década, houve um interesse crescente dos psicoterapeutas no uso da
literatura imaginativa (por exemplo: Fuhriman, Barlow& Wanlass, 1989) e das metáforas
(Evans, 1988; Gonçalves & Craine,1990). Na abordagem Comportamental, a narrativa de
histórias tem sido agregada como instrumento avaliativo para o terapeuta dos
comportamentos manifestos e encobertos da criança (Nalin,1993), para a identificação
pela criança de seus comportamentos problemáticos e a modelagem de comportamentos
adequados (Salazar,1999), como técnica psicoterapêutica para evocar comportamento
adequado pela primeira vez, de forma que possa ser reforçado pelo terapeuta (Prebianchi,
2000, 2003), como alternativa para a preparação de crianças hospitalizadas para
procedimentos médicos (Soares, 2002).
Nesse trabalho, apresentamos algumas alternativas no uso de histórias, que têm
se mostrado eficientes como forma de intervenção psicológica

1. História para facilitar os com portam entos pró-sociais na hora do jogo


A capacidade de relacionar-se com outras pessoas, de maneira socialmente aceita,
é imprescindível ao ajustamento do indivíduo. A fim de que possa obter dos outros o
reforçamento necessário ao seu desenvolvimento, o indivíduo deve apresentar as habilidades
verbais e não-verbais que as situações interpessoais requerem.
Na idade escolar, o grupo de companheiros assume importância, porque o
aprendizado de valores e normas de comportamento, dentro do seu grupo etário, ajuda às
crianças a tornarem-se mais autônomas e avançarem em seu desenvolvimento (Kernberg
& Chazan, 1992 apud Prebianchi, 2000). As crianças que não conseguem utilizar o grupo
de companheiros em função da sua dificuldade em interagir, não desenvolvem amizades e
tendem a fazer com que outras crianças as evitem. Assim o desenvolvimento de habilidades
sociais que assegurem a aceitação da criança pelo grupo de companheiros, torna-se
crucial ao seu ajustamento.
Brincar é atividade característica da infância, em todas as culturas. Uma análise
social do desenvolvimento do comportamento de brincar mostra que ele evolui do jogo
solitário, até o nível mais elevado, representado pelos jogos associativos (Smith, apud
Prebianchi, 2000).A fim de participar dessa forma de interação, a criança deve não somente
apresentar as habilidades intelectuais e motoras necessárias ao desempenho do jogo;
como também as habilidades sociais que lhe permitam a permanência no grupo.
De maneira geral, nos anos escolares, as habilidades sociais que se correlacionam
com o ajustamento da criança referem-se principalmente, à participação em grupos de
atividades e ao estabelecimento e manutenção de relacionamentos satisfatórios (Reschly,
1990 apud Prebianchi, 2000). Vários estudos identificaram algumas das reações específicas
que são típicas nas crianças mais aceitas por seus pares (McGinnis & Goldstein, 1984;
Cartledge & Milburn, 1983; Hersen, 1981) e naquelas mais rejeitadas (Greshan & Elliott,
1989; Diez, 1988). A maior parte desses trabalhos, identificou habilidades auto-expressivas,
habilidades assertivas e habilidades empáticas como as que favorecem a aceitação da

Sobre Comporfiimcnlo e Cognlido 251


criança pelo grupo de companheiros e condutas disruptivas ou competitivas, agressões
físicas e verbais e falta de cooperação, como sendo as reações que são típicas nas
crianças rejeitadas.
Além das habilidades individuais, o desempenho social da criança em situação
de jogos com regras ó afetado também por fatores culturais. "Vencer sempre" ó um tema
dominante na sociedade atual e conseqüentemente, a competição permeia cada segmento
da cultura. Em função desse papel central na nossa sociedade, a competição incide
sobre o desenvolvimento infantil, produzindo efeitos positivos e negativos.
Alguns aspectos negativos dessa influência, como por exemplo: stress, transtornos
físicos e psicológicos, rebaixamento da auto-estima, já foram citados por vários autores
(Tuko&Bruns, 1976; Burke & Kleiber, 1976;Thomas, 1978; Elkind, 1981; Crawford, 1983
e Berlage, 1983).
Outros estudos (Galejs & Huang, 1983; Benson, 1996) apontaram diferenças no
comportamento competitivo em função da idade. De acordo com Benson (1996) as crianças
entre os 6 e 1 0 anos de idade têm um senso de superioridade em termos de valor social,
quando passam a competir: fazem comparações sociais mais freqüentemente e tentam
superar seus companheiros. Ainda segundo esse autor, os resultados da competição tôm
importantes implicações para a auto-avaliação que as crianças passam a fazer nesse
estágio do desenvolvimento. (Benson, 1996). Annes (1984) demonstrou que crianças
afetadas negativamente pela competição focam sua auto-avaliação mais em relação ao
quanto são espertas, ao invés de pensarem sobre como melhorar seus esforços.
Dessa forma, considerando-se o impacto das situações de jogos competitivos
tanto sobre o desenvolvimento social, quanto sobre o autocònceito da criança, propõe-se,
nesse trabalho, a utilização da narrativa de história como estratégia de evocação e modelação
de comportamentos pró-sociais e auto-avaliação positiva.
Como já mencionado em trabalho anterior (Prebianchi, 2003), na psicoterapia,
estratégias que favoreçam o contato direto com as contingências, na sessão, devem ser
preferidas àquelas que apenas instruem sobre o comportamento adequado. Nesse sentido,
a técnica aqui apresentada tem como propósito evocar comportamento pela primeira vez,
de forma que possa ser reforçado pelo terapeuta (entrando assim, em contato direto com
as contingências).

1.1 Descrição da técnica


a) Identificação do*comportamento-alvo: Mediante a avaliação funcional identificar os
comportamentos-problema que ocorrem no contexto da sessão psicoterápica, em
situação de jogos com regras. Escolher como comportamento-alvo, aquele que
apresentar maior relevância clínica, quer porque se trate do comportamento-problema
per se, ou porque esteja intimamente a ele relacionado.
b) Narrativa da história: Durante a sessão, quando o comportamento-alvo ocorrer,
interromper a atividade de jogo e introduzir a história dizendo: “Deixe-me lhe contar
uma história... "Conheci, certa vez, um menino (uma menina) que sempre que ia jogar
com outras crianças fazia de tudo para tentar ganhar: xingava, batia, reclamava, não
obedecia as regras. Desse jeito, ele(ela) conseguia ganhar no jogo, algumas vezes.
Mas, passado algum tempo, as outras crianças já conheciam o(a) menino(a) e o seu
jeito de jogar.

252 Helena Ra/anelli Prebianchi e M aria Rita Zoé#a Soares


As crianças conversaram e decidiram que não queriam mais jogar com o(a)
menino(a), porque nào era divertido jogar com alguém que queria ganhar sempre e tentava
isso de todas as formas. Assim, o(a) menino(a) ficou alguns dias sem ter com quem jogar,
porque as outras crianças já não o(a) convidavam e mesmo que ele(a) pedisse, não o(a)
deixavam participar.
Até que, (eu não me lembro como) o(a) menino(a) descobriu porque as outras
crianças estavam agindo assim. O(a) menino(a) já estava aborrecido de não ter com quem
jogar e por isso decidiu mudar a situação.
De tanto pedir, conseguiu que algumas crianças jogassem com ele(a). Mas aí, foi
diferente: não xingou, não reclamou, não tentou trapacear; pelo contrário, aceitou as regras
do jogo e num momento, até sorriu para uma das crianças e mais tarde, também elogiou
outra.
As crianças que jogaram com o(a) menino(a) ficaram admiradas pelo seu
comportamento e correram contar às outras. Como a notícia se espalhou rápido, logo
começaram a convidar o(a) menino(a) para jogar novamente e a deixa-lo(a) participar quando
ele(a) pedia. Agora, o(a) menino(a) sempre tinha com quem jogar e às vezes ganhava e
ficava contente e outras vezes perdia, mas isso já não o incomodava tanto, sabe por que?
Porque ele(a) acreditava que tinha descoberto algo muito importante: como fazer para ter
amigos."
c) Análise das contingências: Se a criança concordar, analisar junto com ela as
contingências apresentadas na história e, em seguida, retomar a atividade interrompida.
d) Reforçamento do comportamento adequado ou da não ocorrência do comportamento-
alvo após a narrativa da história: Elogiar a criança pela não apresentação do
comportamento-problema e/ou pela apresentação do comportamento adequado.

1.2 Considerações sobre a técnica


a) A técnica tem sido utilizada para os comportamentos inadequados de insultar, burlar
as regras do jogo e recusar-se (de maneira direta ou indireta) a continuar jogando
quando em desvantagem, apresentados pela criança em situações de jogos com regras
durante a sessão terapêutica.
b) Recomenda-se que a interrupção do jogo para a narrativa da história seja feita de forma
suave, porém assertiva, assegurando-se de que a criança concorda com a pausa
necessária. Nas situações em que essa concordância não ocorrer, o terapeuta poderá
introduzir a história após o final do jogo e, em seguida à narrativa propor outro jogo, de
forma a possibilitar a ocorrência do comportamento adequado (ou a ausência daquele
inadequado) ainda durante a sessão.
c) A técnica é recomendada para crianças entre 6 a 9 anos de idade.

1.3 Conclusão
Como as histórias instruem sobre a relação entre ação e conseqüência social,
sua utilização como instrumento psicoterapêutico é particularmente útil na prática
psicoterápica infantil, dado que, a despeito de todos os avanços tecnológicos elas ainda
se constituem em elementos atrativos do mundo das crianças.
Além disso, o uso da narrativa de história, possui ainda a vantagem de não se
constituir em elemento punitivo, nem em instrução direta, a qual às vezes, não é eficaz
devido à história de vida do sujeito.

Sobrr (.'omportitmcnlo t logntçáo 253


2. O livro de histórias com o estratégia de intervenção psicológica para a
adaptação da criança ao contexto hospitalar.
Maria Rita Zoéga Soares

A hospitalização é uma condição de extrema complexidade para a criança,


revelando-se não-familiar; com exposição a material médico e procedimentos invasivos;
com incerteza quanto à conduta apropriada; com perda de autonomia, de controle e de
competência pessoal. As reações da criança a esse contexto podem variar de acordo
com a natureza e período de preparação para a hospitalização, tipos de procedimentos
módicos utilizados e, especialmente, do repertório de habilidades de enfrentamento de
que dispõe (Whaley & Wong, 1989; Siegel e Hudson, 1992; Soares, 2002).
Sabe-se que a qualidade do ambiente hospitalar influencia tanto na adaptação
como na recuperação da criança e eventos ambientais antecedentes ou arranjos específicos
condicionam a responsividade da criança diante do contexto de procedimentos módicos.
Assim, intervenções ambientais e o fornecimento de um ambiente responsivo podem auxiliar
na promoção de condições apropriadas à modificação do comportamento da criança,
além de atender melhor suas necessidades (Costa Jr., 2001).
Estudos sugerem que a sensibilidade comportamental da criança a arranjos
ambientais específicos aumenta a probabilidade da alteração do comportamento, permitindo
o estabelecimento de repertórios comportamentais diferenciados. Tais repertórios podem
ser representados pelo estabelecimento de respostas de a de sã oa o tratamento,
comportamentos colaborativos ou participação ativa em processos de tomada de decisão
(Adams-Greenly, 1991; Bearison & Mulhern, 1994; Carpenter, 1991;Zannon, 1991).
A demanda de trabalho em um hospital é grande e o psicólogo se defronta com
vários comportamentos que precisam ser alterados, quase que imediatamente, em
contextos específicos ou podem ter muito pouco tempo para produzir mudanças
comportamentais necessárias e desejáveis. Tal condição requer um tempo menor e uma
técnica mais intensiva para que a equipe possa realizar seu trabalho, facilitando a adesão
do próprio paciente ao tratamento (Amaral, 2001; Chen, Zeltzer, Craske & Katz, 1999).
A atuação do psicólogo no hospital deve possuir características a curto prazo,
que se referem ao manejo imediato do comportamento do paciente, em especial, no caso
de crianças, e que estão diretamente ligadas às expectativas que os demais profissionais
têm para que o psicólogo possa complementar, facilitar ou maximizar suas tarefas diárias
(Amaral, 2001).
No hospital ó necessário proporcionar à criança recursos que lhe facilitem a
percepção dessa experiência e de seu propósito. Programas de atendimento à criança
hospitalizada são mais efetivos quando contém estratégias que possam atender
características individuais, além de atestar consistência de metodologias como facilitadoras
na adaptação ao ambiente hospitalar e como potenciais modificadores do comportamento
de pacientes submetidos a procedimentos módicos.
O conceito de enfrentamento, apresentado como um processo adaptativo, permite
que a orientação teórica derivada da análise do comportamento priorize o interesse pela
especificação de ambientes planejados, potencialmente redutores de sensações
desagradáveis (Costa Jr., 2001).
Para o autor, fatores do ambiente são considerados oportunidades contingenciais
para a evocação ou emissão de respostas específicas. A modificação de configurações

254 I lelen.i Rd/dnelli Prcbldnchl r M arld Rlt«i 7o*gd Soaret


de estímulo da situação (a intervenção) pode proporcionar alterações na probabilidade de
ocorrência de determinados comportamentos do indivíduo.

2.1 A Informação

A informação se roforo á estratégia de comunicação ao pacionte acerca do contexto


que envolve o procedimento módico, incluindo a explanação das razões que conduzem á
necessidade da execução do procedimento, bem como dos possíveis resultados a serem
obtidos e eventuais efeitos desconfortáveis. Para a preparação, adaptação e recuperação do
paciento pediátrico, a informação ó um elemento fundamental (Longsdon, 1991; Natapoff,
1982).

O bem-estar de pacientes pode ser influenciado positivamente pelo acesso à


informação sobre sua doença, hospitalização e procedimentos utilizados. A criança que
tem conhecimento sobre sua realidade pode auxiliar durante as intervenções, sentindo-se
mais confiante ao poder confirmar os dados observados. A informação pode ser utilizada
como recurso para melhorar o autocontrole da criança, porque ela sabe o que esperar de
uma determinada situação (Whaley & Wong, 1989).
A informação é um método efetivo na facilltação para um funcionamento adaptativo
da criança porque aumenta a previsibilidade dos eventos, através do esclarecimento
adequado e suficiente a respeito dos procedimentos médicos. A natureza da informação
pode ser genérica, esclarecendo aspectos da rotina hospitalar ou pode ser específica,
descrevendo detalhes sobre a equipe, equipamentos e procedimentos (Araújo & Arraes,
2000; Siegel & Hudson, 1992).
Para Gorayeb (2001), dar informação é função dos profissionais da saúde. Garantir
que a informação seja dada e compreendida é parte integrante do trabalho do psicólogo.
Este deve utilizar todo seu conhecimento, como um especialista em aprendizagem, para
que a informação chegue ao paciente. Bem informado o paciente evolui melhor, mais
rapidamente e sofre menos psicologicamente. O fornecimento de informação constitui um
direito do paciente.

2.2 Livros infantis


A leitura de livros infantis para o paciente hospitalizado pode fornecer informações,
demonstrar a condição orgânica do cliente, identificar experiências para que o indivíduo
lide de uma forma menos aversiva com a complexidade da situação, além de aumentar
sua capacidade de compreensão. A literatura também pode auxiliar, melhorando a
criatividade do indivíduo para a resolução de problemas (Shechtman, 1999).
Oaklander (1980) discute sobre a utilização do livro infantil no atendimento
psicológico a crianças porque possibilita uma forma de avaliação e intervenção altamente
original e criativa. Moura e Azevedo (2000) acrescentam que o livro possibilita a demonstração
de sentimentos, auxiliando no desenvolvimento de habilidades de enfrentamento por parte
das crianças.
Livros bem selecionados têm um grande valor para crianças. No hospital, tal recurso
pode ser explorado quando pacientes estão com pouca energia para dispender em
brincadeiras, podendo preferir que alguém leia histórias para eles (Whaley & Wong, 1989).
Como recurso para a intervenção com crianças hospitalizadas, livros infantis podem
ser elaborados juntamente com o auxílio dos profissionais da saúde e com sugestões dos
pacientes. Tal material deve ter como objetivo a descrição do ambiente hospitalar, a

Sobre Comportamento e Copnlçclo 255


informação sobre a função dos profissionais da saúde, a razão dos procedimentos médicos,
a identificação da percepção da criança com relação à doença e hospitalização, o incentivo
para a verbalização de sentimentos e pensamentos em face da condição de hospitalização
e de procedimentos módicos.
As atividades podem ser estruturadas incluindo a leitura de livros com temas
relacionados à saúde, solicitando que a criança conte e/ou desenhe a estória do seu jeito
ou conte e/ou desenhe a sua própria estória. Devem ser explicitadas questões relacionadas
à expressão de sentimentos e pensamentos. A verbalização da criança deve ser incentivada
através do questionamento e da solicitação de descrição da sua própria experiência nesse
contexto (Soares 2002).
Devem ser utilizadas estratégias adequadas às características de cada criança
(idade, sexo, doença etc.) e ao tipo de intervenção médica a ser utilizada. Livros infantis
devem fornecer informação tanto genérica como específica, possibilitando aumento na
previsibilidade de eventos, através do esclarecimento adequado a respeito da situação.
Quando a criança está bem preparada e informada, geralmente participa mais
ativamente no processo de restabelecimento de sua saúde, aumentando sua autoconfiança
e diminuindo a necessidade de restrição física.
A equipe de saúde não pode se eximir da responsabilidade de fornecer informação
sobre os procedimentos médicos porque pode tal condição influencia positivamente no
processo de preparação, contribuindo para o esclarecimento de dúvidas, o que contribui
para a diminuição do medo e da ansiedade, freqüentemente associados. Otero (2000)
entende que o profissional da saúde pode ter ações psicoterápicas pontuais sem ser
psicoterapeuta.

2.3 Conclusão
A hospitalização pode representar uma oportunidade para que o paciente aprenda
mais sobre a doença e o funcionamento de seu corpo, adquirindo habilidades de
enfrentamento. Através da exploração de atividades que propiciem uma melhor informação,
a criança pode tornar-se participante ativo em decisões clínicas, sendo incentivada a
tomar decisões, a ser mais independente, a ter mais autocontrole e autoconfiança. Tal
perspectiva é congruente com o crescente e atual reconhecimento dos direitos da criança
sobre a informação de sua condição (Rushforth, 1999).

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258 Helena Ba/.inclll Prebianchi e M aria Rita Zotga Soares


Capítulo 25
Análise comportamental de delírios e
alucinações
lima A . Çouldrt de Souza Hrilto
Universidade Católica de C/oiás

O presente estudo tem como objetivo apresentar uma interpretação alternativa


para duas classes de comportamentos considerada típicas do Transtorno Psicótico
chamado de Esquizofrenia: Delírios e Alucinações.
A interpretação proposta requer uma rápida apresentação da Teoria de Linguagem
de Staats, bem como, alguns fragmentos do livro Comportamento Verbal de Skinner, entre
outros.
As formulações tradicionais envolvendo atividades mentais tôm-se constituído em
um obstáculo para a compreensão adequada do comportamento humano complexo. De
acordo com Staats e Staats (1963/1973) o comportamento humano complexo parece
envolver a linguagem de uma maneira tão predominante que ó necessário estudar como o
comportamento verbal se desenvolve e funciona. O comportamento verbal do esquizofrênico,
como qualquer outro comportamento, é modelado e mantido por certas contingências de
reforço.
Desse modo, para compreender a Esquizofrenia seria necessário observar não
apenas os comportamentos públicos do indivíduo rotulado mas, principalmente, sua
linguagem. O que ocorre quando um esquizofrênico fala delirando, fala ver ou ouvir estímulos
que não estejam presentes’ (visão condicionada a evocar imagens), é um problema relativo
ao comportamento humano e deve ser investigado por uma ciência comportamental.
Estímulos verbais repetidos elicíam respostas emocionais condicionadas mais fortes e
tendem a evocar um comportamento operante. Torna-se necessário, pois, estudar as
relações funcionais relevantes para a ocorrência desses eventos na busca das variáveis
das quais são funções (Skinner, 1953/1976; 1957/1978); (Staats, 1996).
Delírios são crenças. E crenças são os comportamentos de acreditar, isto é,
eventos privados. Anderson, Hawkins, Freeman & Scotti (2000) sugerem que os eventos
privados podem ser conceitualizados dentro de uma estrutura analítico-comportamental
como Estímulo Especificador de Contingências (CSS): estímulos especificadores de
contingências são também chamados de regras, estímulos que afetam a função de outros

Sobre Comportamento e Cognlçdo 259


estímulos. De acordo com Anderson et al (2000 p. 8 ), “um CSS deve descrever a relação
entre o estímulo antecedente, o comportamento e as conseqüências; entre o estímulo
antecedente e o comportamento; entre o comportamento e as conseqüências ou entre
dois ou mais estímulos".
Afinal, os humanos acreditam e agem de acordo com o que crêem, mesmo que
certas circunstâncias não sejam compatíveis com o seu comportamento de acreditar. O
indivíduo responde ao que ele diz para ele mesmo, isto ó, tende a agir sob a influência dos
estímulos verbais.
Para Skinner, o indivíduo ó entendido como um sistema unitário, um organismo
como um todo, que aprendeu um repertório ao ser exposto às contingências de
reforçamento. Ao analisar o indivíduo como um todo, a proposta skinneriana deixa de lado
as atividades do 'aparelho m ental’. Aquilo que uma pessoa sente ou observa
introspectivamente são as condições de seu próprio corpo. O imperativo ó substituir o que
a mente faz por aquilo que a pessoa faz, vez que a palavra mente pode ser o sinônimo da
pessoa que age e percebe. (Skinner, 1974/1982; 1989/1991).
Skinner (1957/1978) afirma que ao analisarmos o comportamento verbal, por
extensão, estaremos analisando também o pensamento. Assim, pensamento ó
comportamento, é ação independentemente de sua acessibilidade. Para Skinner (1957/
1978 p. 534):
Pensamento é apenas comportamento - verbal ou nào, encoberto ou aberto.
Não se trata de nenhum processo misterioso responsável pelo comportamento,
mas do próprio comportamento em toda a complexidade de suas relações de
controle, relativas tanto ao homem que se comporta como ao meio em que ele
vive. Os conceitos e métodos que surgiram da análise do comportamento, verbal
ou de outro tipo, são mais apropriados para o estudo daquilo que chamamos de
mente humana. (...) O pensamento não é uma causa mística ou precursora da
ação, ou um ritual inacessível, mas a própria ação sujeita a análise com os
conceitos e as técnicas das ciências naturais e, em última análise, a ser explicado
em termos das variáveis de controle.

Do ponto de vista funcional, o comportamento verbal, como qualquer comportamento,


evoluiu através da seleção natural sob a ação das contingências de reforço. O comportamento
verbal do esquizofrênico impressiona porque sugere significados ocultos e misteriosos. Para
estudar a fala delirante com significados alucinatórios de um indivíduo rotulado de
esquizofrênico, temos que investigar sua história e registrar o que ele diz, observar o que ele
faz, o que ele vê, ouve e toca, a quem ele se dirige, quem o escuta, como fala, com que
gestos, expressões faciais, etc, ou em poucas palavras, fazer a análise funcional.
Skinner (1957/1978) afirma que tanto o comportamento encoberto ou privado quanto
o aberto ou público sempre ó executado pelo mesmo aparato muscular. O comportamento
verbal tem também algo da magia que esperamos encontrar num processo mental. As
práticas da comunidade interior costumam levar a idiossincrasias perturbadoras.
Desta forma, em vez de falarmos em delírios e alucinações, que são inferidos do
comportamento manifesto da pessoa rotulada como esquizofrênica, poderíamos falar em
estímulos e respostas privados que incluem eventos tais como falar para si mesmo, ouvir
e responder a si mesmo. Essas ocorrências privadas de comportamentos verbais se referem
a imagens visuais e auditivas, ao responder emocional, a estimulação fisiológica, respostas
sensoriais privadas entre outras. Quais são as condições relevantes para a ocorrência
dessas percepções privadas ou dos aspectos privados do responder emocional? De quais

260 lima A . C/ouldrt dc Sou/a Rritlo


variáveis são função? Assim, ao analisarmos os comportamentos privados de uma pessoa
rotulada de esquizofrênica, buscamos um conjunto plausível de circunstâncias apropriadas
à compreensão e, principalmente, à modificação daqueles comportamentos.
Ao se referir às propriedades de um estímulo presente quando uma resposta
verbal foi reforçada, Skinner (1957/1978) afirma que esse estimulo adquire certos controles
sobre essa resposta e que esse controle continua a ser exercido quando a propriedade
aparece em outras combinações. Esta ampliação do controle é útil uma vez que cada
estímulo compartilha propriedades com muitos outros e, assim, pode controlar uma
variedade de respostas. Se o processo de extensão não se verificasse, seria o caos.
Skinner (1974/1982) alerta para as dificuldades em estudar o pensamento devido à
complexidade do assunto. Afirma que as grandes realizações dos cientistas, matemáticos,
compositores ou artistas não são mais bem entendidas porque homens que se destacaram
nestes campos foram levados pelo mentalismo a dar, erroneamente, informes inúteis de
suas atividades. Afirma, também, que por mais deficiente que possa ser uma explicação
comportamental, devemos lembrar que o mentalismo nada explica. Nunca é demais sublinhar
que a mente não é observável, nem pela própria pessoa, mas inferida pelo comportamento.
A teoria de Staats (1996) explica os eventos privados através dos princípios
comportamentais. Um estímulo simples representa o meio ambiente, uma resposta simples
representa o comportamento e utiliza um organismo simples, cujo ambiente foi controlado.
Os condicionamentos clássicos e operantes são aplicáveis a vários estímulos, a várias
respostas e ás várias espécies, incluindo os humanos. Os condicionamentos de ordem
superiores, clássico e operante, proporcionam aos humanos uma extraordinária capacidade
para aprender respostas emocionais e motoras perante uma variedade de estímulos. Esta
é uma forma de aprendizagem vicária, que não depende da ocorrência de estímulos
biológicos. Essa aprendizagem, em sua variedade, profundidade e importância, é,
essencialmente, humana.
De acordo com Staats (1996 p. 79) nesta inter-relação o indivíduo pode aprender
combinações complexas de estímulos e respostas, vez que o comportamento humano
complexo implica conjuntos complexos de estímulos e hierarquias complexas de respostas
que produzem as diferenças individuais. Esse mecanismo é denominado de hierarquia de
resposta. As seqüências de respostas ou cadeias podem constituir diferentes tipos de
respostas aprendidas via condicionamento clássico e operante: “um estímulo pode provocar
uma resposta de imagem, cujo estímulo provoca uma resposta emocional, cujo estímulo
por sua vez, proyoca uma resposta verbal, cujo estímulo provoca uma resposta motora".
Sabe-se que ó difícil a análise de cadeias complexas de comportamento. Ao dar
uma definição comportamental para os elos encobertos, deve-se tratá-los como processos
de estímulos e respostas e não como construtos hipotéticos mentalistas inventados, que
fariam a mediação entre o ambiente e o indivíduo.
Staats (1996 p. 80) afirma, que “A aprendizagem humana complexa é
caracteristicamente acumulativa e de natureza hierárquica ”. Quando uma criança aprende
os nomes de objetos, pessoas e eventos, este repertório de linguagem é a base para que
a criança aprenda a nomear objetos novos ou propriedades desses objetos. Assim, a
criança aprende a contar, depois a fazer operações numéricas. Estes e outros repertórios,
num processo acumulativo e hierarquizado, por sua vez, seriam básicos para a
aprendizagem da álgebra, que é um requisito para aprender matemática mais avançada,
requisito para aprender física.

Sobrr Comportamento c Cognição 261


As condições de aprendizagem não sào separadas das condições ambientais.
Os conceitos seriam aprendidos pelos indivíduos ao longo do seu desenvolvimento através
das condições de aprendizagem cotidiana de onde se adquirem os repertórios
comportamentais básicos.
Do exposto, pode-se afirmar que os comportamentos encobertos são resultados
dos processos de aprendizagem. Ser um cientista, um matemático, um músico ou mesmo
um esquizofrênico implica toda essa aprendizagem acumulativa-hierarquizada dos
repertórios comportamentais.

1. Repertórios com portam entais


Ao tratar dos níveis e alcance da aprendizagem humana, Staats (1996) inclui, em
sua teoria o estudo de vários repertórios complexos de comportamento pelos quais os
humanos adquiriram uma aprendizagem acumulativa-hierarquizada. Esta tarefa também
exige a análise dos princípios mediante os quais os repertórios exercem sua influência no
comportamento posterior e aprendizagem. Estes elementos nos dão a definição de
repertórios básicos de comportamento - Basic Behavioral Repertoire (BBR).
Os três repertórios, Repertórios Lingüístico/Cognitivo, Repertório Emocional/
Motivacional e Repertório Sensório/Motor são, de acordo com Staats (1996), muito
complexos. Tais repertórios determinam a habilidade do indivíduo para aprender, para
experimentar e para comportar-se em situações que se encontram ao longo da vida.
A teoria de Staats (1996) propõe que os conceitos dos repertórios básicos de
comportamento emergiram, em boa parte, no contexto do estudo da linguagem. A teoria
indica que a linguagem do indivíduo é um repertório básico de comportamento bastante
complexo, é importante porque ajuda a determinar as experiências do indivíduo, a
aprendizagem e o comportamento. Staats apresenta análises teóricas e empíricas sobre
a linguagem. Tal como Skinner não apresenta a linguagem como aigo de natureza diferente,
mas aprendida e mantida como qualquer outro comportamento.
Para Skinner, tal como escreveram Córdova e Medeiros (2003 p. 173) "as palavras
controlam o comportamento por si só, enquanto estímulo, independente de seu referente.
Conseqüentemente, as respostas que as palavras evocam no ouvinte são o seu significado".
A palavra é um estímulo que controla o comportamento do ouvinte, ao mesmo tempo em
que ó uma resposta emitida pelo falante e controlada por outras variáveis.
O presente estudo não tem como objetivo apresentar de maneira mais completa
a teoria de Staats 0 996), mas analisar alguns subrepertórios da linguagem para a
compreensão dos modos pelos quais as palavras produzem emoções.
Como as palavras, estímulos visuais e auditivos têm função emocional? As palavras
têm funções emocionais através do condicionamento clássico. Os humanos podem
experimentar emoções através do repertório verbal-emocional. Deste modo, os humanos,
com um grande repertório de palavras emocionais positivas e negativas, podem experimentar
vicariamente respostas emocionais extremamente variadas através da linguagem.
Do mesmo modo, as emoções podem ser autoprovocadas através da
autolinguagem. Os humanos aprendem um repertório verbal-emocional que contribui na
determinação de sua experiência e aprendizagem emocional. Assim, de acordo com Staats
(1996) ainda que os princípios do condicionamento clássico operem na linguagem, o
processo não é simples. A experiência humana é complexa, como são as suas
conseqüências.

262 Uma A. Qoulart de Sou/d fírttto


Também para Skinner (1957/1978) as respostas emocionais são evocadas pelos
estímulos verbais. Estes, não eliciam apenas as respostas, mas estabelecem disposições
para o comportamento, isto é, as emoções. Um fato importante do comportamento verbal
ó que o falante e ouvinte podem ser a mesma pessoa. Como falante e ouvinte o indivíduo
pode evocar nele mesmo, emoções e imagens.
Ao analisar as propriedades emocionais das palavras, Staats (1996) lida com os
fenômenos privados. O autoreforçamento envolve a autolinguagem, onde as palavras eliciam
uma resposta emocional. Outras funções das palavras emocionais, de acordo com a
presente terminologia, são reforçar e direcionar (função discriminativa) o comportamento.
Além da função produtora de emoções, Staats (1996) considera que qualquer
estímulo externo ao qual o organismo ó sensível estará eliciando no organismo respostas
sensoriais, o que produz um estimulo interno. Tais respostas sensoriais podem ser
condicionadas em forma de imagens, que se condicionam às palavras, a um grande número
de palavras. Como exemplo, a palavra casa provoca uma imagem porque a palavra foi
emparelhada com casas. O mesmo pode ocorrer para uma variedade de palavras: livro,
cachorro, papai, entre tantas outras. Uma vez aprendidas tais palavras são instrumentos
para produção de imagens. O repertório verbal-imagemè importante porque proporciona a
base para novas aprendizagens e pode afetar também o comportamento. Assim, os
humanos, pela exposição à linguagem, podem ter experiências sensoriais - imagens - e
aprender.
Além dos nomes que produzem imagens completas do objeto, Staats (1996)
afirma, que os adjetivos e os advérbios eliciam imagens envolvendo apenas parte dos
objetos ou eventos, por exemplo, a palavra brancoelicia uma imagem d e "brancura" porque
a palavra foi emparelhada com objetos diferentes que têm em comum as mesmas
características estimulares, a de ser branco. Uma vez aprendida, a palavra branco pode
combinar-se com outras palavras que eliciam respostas de imagens diferentes, cujo
resultado será uma combinação de imagens.
Skinner (1953/1976 p. 154) propôs que as respostas sensoriais podem ser
eliciadas por estímulos neutros com base no condicionamento pavloviano:
"Pode se ver ou ouvir ‘estímulos que nâo estejam presentes' nos padrões do
reflexo condicionado: vemos X, nâo apenas quando X está presente, mas quando
qualquer estímulo que freqüentemente acompanha X for apresentado. A sineta
que anuncia o jantar nâo só nos faz fícar com água na boca, mas nos faz ver o
alimento também".
m

Sob a ótica de Staats (1996), a sensação não é apenas um processo sensorial; é


um processo de resposta que produz um processo sensorial com características
estimulares internas, que por sua vez produz um estímulo privado. A vantagem de nomear
as sensações como respostas é dizer que elas são aprendidas, que se pode condicionar
um organismo a ter uma resposta sensorial.
Como conseqüência de tal condicionamento, uma resposta sensorial pode ser
provocada por um estímulo diferente ao estímulo que simplesmente provoca a sensação.
Essa sensação aprendida, que ocorre na ausência de um estimulo sensorial, pode ser
nomeada com terminologia simples: imagem. Uma imagem é, então, um estímulo privado.
Sob certas circunstâncias uma imagem pode ser nomeada de alucinação.
Uma alucinação pode ser definida como uma resposta sensorial, isto é, ver ou
ouvir privadamente com os ‘olhos do imaginar’, dependendo da história passada; não

Sobre Comportamento e Cognitfo 263


necessariamente na presença do estímulo público, e falar a alguém que 'de fato' está
vendo.
Assim, uma alucinação pode ser considerada como uma resposta sensorial que
foi condicionada a algum estímulo estranho e que pode ser provocada por esse estímulo.
Devido à resposta, e os eventos estimulares envolvidos na resposta sensorial condicionada
serem internos e inacessíveis à observação direta, os estudos envolvem manipulações
que produzem o condicionamento. A evidência do condicionamento é a mudança no
comportamento do sujeito. As respostas sensoriais, com características estimulares,
evocam imagens - e essas são aprendidas via condicionamento clássico (Staats 1996).
A complexidade e as controvérsias relativas a estas questões podem ser elucidadas,
de acordo com Staats (1996), da seguinte maneira: em primeiro lugar, dar ao evento
cognitivo - im agem - uma definição comportamental é declarar que tal evento atua de
acordo com os princípios comportamentais. Em segundo lugar, deve-se demonstrar o
modo como os princípios comportamentais, via imagens, podem afetar outros
comportamentos. Terceiro, as respostas sensoriais podem ser condicionadas. E, respostas
sensoriais condicionadas têm propriedades estimulares - im agem - para as quais outras
respostas podem ser condicionadas.
Em face destas considerações, tanto os estímulos públicos quanto os privados
podem controlar a resposta ‘ver na ausência do objeto'. Contudo, se uma pessoa relata ver
uma imagem, então a pessoa vê na ausência dos estímulos públicos, mas na presença
dos estímulos privados. Ver ou ouvir, necessariamente não exigirá a presença dos estímulos
públicos. Se o reíato verbal da pessoa sobre Ver na ausência da coisa vista'foi condicionado
pelo ambiente, então a pessoa responderá, mais provavelmente, sob o controle daqueles
estímulos privados.
De acordo com Staats (1996) as palavras podem ser utilizadas para eliciar o
comportamento de outra pessoa. O repertório verbal-motorconsiste em palavras que eliciam
uma resposta motora específica no indivíduo. Aprendemos um grande número de unidades
verbais motoras novas, a partir das unidades verbais motoras aprendidas, via condicionamento
operante de ordem superior. Parte do repertório verbal-motor envolve aprendizagem para
responder de forma motora não apenas aos verbos, mas também para substantivos, adjetivos
e advérbios. O verbo determina qual resposta será dada. O advérbio determina variações na
resposta, por exemplo, rapidez ou lentidão. O substantivo determina para qual estímulo a
resposta será dada e o adjetivo proporciona uma especificação adicional ao estímulo. A
instrução "pressionejapidamente o botão vermelho" irá determinar a resposta particular, a
forma da resposta e o objeto estimular particular para o qual a resposta será dada.
Por outro lado, quanto mais rico for o repertório verbal-motor de um indivíduo, mais
finamente ele poderá direcionar seu comportamento. Falar para si mesmo, isto é,
autolinguagem pode também produzir emoções e imagens via repertórios verbal-emocional
e verbal-imagem.
A linguagem tem múltiplas funções. Evidenciam-se sentimentos ou desejos
através da linguagem. Esse repertório, sob a forma da autofalas, é a base para raciocinar,
tomar decisões, planejar etc; isto é, esse repertório pode ser à base para várias habilidades
encobertas do Indivíduo. Staats (1996) afirma que as palavras afetam o comportamento do
indivíduo, se aprendeu previamente os repertórios de linguagem. O indivíduo pode
experimentar emoções e imagens relacionadas às palavras e, estas, por sua vez, podem
afetar o comportamento manifesto.

264 lima A . t/oulart de Sou/a Rritlo


Outros repertórios para Staats (1996) são os repertórios da fala - verbaJ-rotulaçào
- que capacitam o indivíduo a responder verbalmente aos estímulos internos e externos
aos quais experimenta. O indivíduo pode rotular o que se vô, se ouve, se prova, se cheira,
o que se sente tatualmente etc. O indivíduo pode também rotular as experiências internas
para as quais nomina-se consciência ou emoções privadamente experienciadas, imagens
ou respostas sensoriais condicionadas, falas privadas, etc. O autor apresenta, ainda, uma
teoria para a aquisição da fala, além do repertório verbal de imitação e repertório verbal de
associação entre outros.

2. Análise de cenas do film e Uma Mente Brilhante


Para ilustrar a interpretação não mentalista de Delírios e Alucinações, foram
selecionados para análise alguns trechos do filme Uma Mente Brilhante. O filme ó o
relato da história de John Forbes Nash Jr., matemático ganhador do Prêmio Nobel, em
outubro de 1994, cujo nome se encontra nos anais da Real Academia de Ciências da
Suécia e em compêndios de matemática e economia. Aos 30 anos de idade, foi
diagnosticado, por psiquiatras, como esquizofrênico paranóico (Nasar, 2002).
O DSM-IV-TR (2002 p. 317), da Associação Americana de Psiquiatria, diz que a
característica essencial da Esquizofrenia Tipo Paranóide “é a presença de delírios e
alucinações auditivas proeminentes no contexto de uma relativa preservação do
funcionamento cognitivo e do afeto". Os delírios são persecutórios ou grandiosos e as
alucinações são tipicamente relacionadas ao conteúdo do tema delirante.
O DSM- IV- TR define os delírios como crenças errôneas, envolvendo a interpretação
equivocada de percepções ou experiências. Os delírios persecutórios são os mais comuns.
Neles o indivíduo acredita estar sendo atormentado, perseguido, enganado, ridicularizado
ou espionado.
As alucinações podem ocorrer em qualquer modalidade sensorial, mas as
alucinações auditivas são as mais comuns. São experimentadas como vozes conhecidas
ou estranhas e percebidas como distintas do pensamento da própria pessoa (DSM-IV-TR).
O personagem principal do film e apresentava delírios, alucinações e
comportamentos estranhos. Abandonou, por vários anos, a matemática e a profissão de
professor, dedicando-se à numerologia. Acreditava que era figura notável de grande, mas
secreta importância. Foi hospitalizado contra a sua vontade e submetido a tratamento
com medicamentos, eletrochoques e coma insulínico (Nasar, 2002).
As ceTias do filme mostram que Nash acreditava que muitos estímulos verbais
textuais, por exemplo, frases em revistas ou jornais, datas, padrões numéricos ou textos
publicados revelavam ‘dicas’ secretas, conspirações políticas ou significados ocultos, mas
vis/veis apenas a ele. O controle exercido por aqueles eventos era de tal magnitude que
Nash acreditava ter insight cósmico. Acreditava também, ter encontrado uma solução
para o maior dos problemas não solucionados da matemática pura, a hipótese de Riemann.
Nash não tinha amigos e apresentava um repertório verbal-emocional incompatível
para a função de conquistar uma namorada. Princeton era um ambiente competitivo. Nash
era hostilizado e ridicularizado pelos pares e desse modo, respondia a eles. Ambicioso,
procurava desenvolver sua independência intelectual e mostrava-se atento aos problemas
cotidianos não resolvidos. Buscava-os por toda parte, inclusive no movimento dos pássaros,
e desenvolvia fórmulas nas vidraças. Observou e descreveu sua idéia original das relações
de interdependência entre os fenômenos.

Sobre Comportamento e CosniçJo 265


É possível afirmar que Nash fazia verbalizações descritivas, dos eventos por ele
experienciados e, efetivamente era controlado por eles. Assim, Nash agia de acordo com
o que acreditava, mesmo que as circunstâncias fossem desfavoráveis ao seu
comportamento. Em seus monólogos alucinatórios comportava-se como falante e ouvinte,
respondendo a si mesmo. Agia sob forte influência dos estímulos verbais privados, dos
processos sensoriais que produziam nele imagens visuais e imagens auditivas que afetavam
seu comportamento. Qualquer evento que envolvesse sons, barulhos ou pessoas estranhas,
eficiava intensas respostas emocionais negativas, que direcionavam suas respostas de
esquivas ou fugas.
Nash ‘via e ouvia’ pessoas imaginárias que o acompanhavam em situações
especiais e exerciam funções diferenciadas em sua vida. Um "amigo" e a “sobrinha do
amigo" eram altamente reforçadores. Apareciam em sua vida em momentos críticos, quando
precisava de amigos. Outra imagem era um "agente" especial que o mantinha informado
das conspirações, dando-lhe ‘dicas’ ou instruções. O “agente" tinha função reforçadora e,
às vezes, função coercitiva e/ou punitiva.
Em um momento dramático do filme, Nash enfrenta suas próprias imagens visuais
e auditivas numa tentativa de expulsá-las de sua vida ou pelo menos neutralizar sua
Influência. Havia aprendido com Alicia - sua esposa - a discriminar seus estados internos
e a confrontá-los com as contingências públicas as quais era exposto.
É possível falar de Esquizofrenia não como 'transtorno mental’ ou como ‘doença'.
Se a Esquizofrenia afetasse o cérebro, então ela seria uma doença cerebral, não mental.
Até a presente data não existe um fator etioíógico que a explique. Mesmo através de
exames de última geração, que registram imagens do cérebro, os resultados permanecem
inconclusivos (Britto, 1999).
Os comportamentos estranhos, fora do comum, são os que se tornam objetos de
estudo quando se analisa o comportamento da pessoa rotulada como esquizofrênica. O
comportamento é discrepante, com causas tão enigmáticas que é fácil (ou simplista)
postular princípios mentalistas ou orgânicos para explicá-lo.
Skinner (1953/1976 p.32) afirma que o comportamento humano é, um dos objetos
mais difícil dentre os que foram alvos dos métodos de ciência: “é um objeto de estudo pelo
menos tão difícJI quanto à química dos materiais orgânicos ou a estrutura do átomo". Para
aprofundar a compreensão do comportamento humano deve-se preparar para o caráter
rigoroso que a ciência requer.
Observa-se que a inferência de um termo mentalista sugere uma pseudocausa.
Os comportamentos estranhos não são explicados, de fato, eles são apenas inferidos.
Ciasses de comportamento podem ser descritas peio termo delírío. A pessoa acredita que
está sendo perseguida, espionada ou ridicularizada. Também acredita, como Nash, que
certos gestos, letras de músicas, comentários e passagens de livros, jornais, são dirigidos
especificamente a ela.
Assim, termos como Delírio e Alucinação acabam sendo tomados como
explicações ativas do comportamento, vez que o comportamento é explicado pelo conceito.
A circularidade destas explicações se tornam evidentes quando se pergunta: “como você
sabe que esta pessoa é esquizofrênica?". A resposta: "porque ela delira”. E, por que eía
delira? Nova resposta simplista e circular: “porque ela é esquizofrênica".
Com relação à Esquizofrenia acredita-se que há uma determinação biológica,
ainda que provas nunca tenham sido apresentadas. Staats (1996) afirma, que se há uma

266 lima A . í/oulort de Sou/a Britto


determinação biológica num transtorno comportamental, então, a biologia exerce seus
efeitos através da via comportamental, vez que ó o comportamento do indivíduo que está
transtornado. Skinner previu, ainda na década de trinta, que variáveis ambientais produzem
efeitos fisiológicos que podem ser inferidos do comportamento.
O objetivo principal deste estudo foi propor uma interpretação alternativa sobre
delírios e alucinações, isto ó, Esquizofrenia, dentro de uma perspectiva da análise do
comportamento. Neste procedimento, foi possível obedecer a uma regra da curiosidade
científica, que é a de reabrir questões mais do que fechá-las.

R eferên cias
Associação Amoricana de Psiquiatria. (2002). Manual Diagnóstico o Estatístico do Transtornos
Mentais. (DSM - IV - TR). Porto Alegre: ARTMED.

Anderson, C. M.; Hawkins, R. P.; Freeman, K. A., & Scotti J. R. (2000). Private Events: Do They
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Britto, I. A. G. S. (1999). Poder Saber X Doença Mental. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade
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Córdova, L. F. & Modeiros, C. A. (2003). Diferenciação entre a Noção de Significado pelo Uso e
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Brandão; Y. K., Ingberman; C. B., Moura; V. M., Silva; S. M., Oliane. (Orgs.), Sobre
Comportamento e Cognição: a história e os avanços, a seleção por conseqüência em ação,
Vol. 11, (pp.170-178). Santo André: ESETec Editores Associados .

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original publicado em 1953).

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Staats, A W. (1996). Behavior and Personality: Psychological Behaviorism. New York: Springer
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Sobre Comportamento e C ofliilçdo 2 6 7


Capítulo 26
Modelo terapêutico integrativo
comportamental aplicado em autismo com
grau severo de comportamento
José Raimundo Faeion'
Universidade do C'ontestado-L ZnC- Campus Caçador-SL

Poucas coisas são tão difíceis como conviver ou trabalhar diariamente com pessoas
com autismo quando associado a graves transtornos de comportamento. Podemos
encontrar uma vasta literatura sobre o Transtorno Autista com as mais diversas formas de
entendimento sobre sua possível etiologia e que, muitas vezes, implica numa condução
terapêutica. No entanto, na medida em que o mundo científico avança nos seus
conhecimentos, vai ficando cada vez mais claro, que a forma de compreender tal fenômeno,
dentro de uma perspectiva médica e comportamental, indica alguns resultados bastante
satisfatórios em suas ações terapêuticas. Este capítulo pretende, através de relatos bem
definidos e concretos, demonstrar esta relação, ou seja, um conceito teórico que
desencadeia uma ação, ou um conjunto de ações terapêuticas que demonstram,
claramente, as modificações de comportamentos pretendidas.
Primeiramente é preciso definir sobre o que e sobre quem estamos falando:
Transtorno Autista e Graves Problemas de Comportamento e ações terapêuticas.
O Transtorno Autista é compreendido dentro dos Transtornos Invasivos do
Desenvolvimento “que causam prejuízos severos e invasivos nas diversas áreas do
desenvolvimento (habilidades de interação social recíproca, de comunicação ou presença
de comportamentos e/ou interesses estereotipados). Eles vêm, muitas vezes,
acompanhados de um Retardo Neuropsicomotor, significando assim, uma segunda
formulação de diagnóstico e uma possível associação com distúrbios de comportamentos
mais graves e, por conseqüência, de maiores dificuldades de convívio no dia-a-dia.
O autismo se apresenta como uma inadequacidade no desenvolvimento que se
manifesta desde o nascimento, de maneira grave, por toda a vida. Ele acomete cerca de
vinte entre cada dez mil nascidos e é quatro vezes mais comum entre meninos do que
meninas. Quando a menina é acometida, normalmente é mais grave. Ele é encontrado em

1 Pilcótoyo. doulor etrn pnkxjlogta pelo Depto de PttquMria lnf»nto-.kiv*r\l<la Univeraldad«d» Mtnuter, Atamanha, PruíeMor Tllular <1« Urilwiraklmtn (to
Conteatado-UnC. Campu* Caçador-SC, Coordenador do Ortipo de Petqulta Enaino • Aprendlugom no Programa de Maatmdo em Educação da UnC,
Coritullor Qeral dH COTEI-Comunldade Teru|>4utk:a lnterdl»d|)llnar

268 lott Rtifmumio h < td a n


todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial, étnica ou social. Não se
conseguiu até agora provar nenhuma origem psicológica ou, até mesmo, no meio ambiente
destas crianças que possam causar a doença. Os sintomas, muito provavelmente,
provenientes de disfunções físicas do cérebro, podem ser verificados através da anamnese,
de exames, ou de entrevista com o indivíduo. Eles incluem:
• Ritmo do desenvolvimento das habilidades físicas, sociais e de linguagem comprometido;
• Anormalidades às reações aos sentidos. As funções ou áreas mais afetadas são:
visão, audição, dor, tato, olfato, gustação e maneira de equilibrar o corpo;
• Ausência ou atraso de fala ou linguagem. Ritmo imaturo da fala; restrita compreensão
de idéias; uso de palavras sem associação com o significado;
• Relacionamento anormal com pessoas, objetos ou lugares. Respostas não apropriadas
a adultos ou crianças.
Existem formas mais graves, que podem se manifestar quando a criança apresenta
comportamento destrutivo, auto-agressivo, hiperativo, de insônia, problemas de alimentação,
forte resistência a mudanças etc. Há ainda outras com níveis de inteligência mais
preservados, onde é possível observar determinadas habilidades bastante desenvolvidas,
as quais podem constituir verdadeiros talentos relacionados à sensibilidade musical,
habilidades matemáticas, memorização, desenhos e pinturas, dentre outros.
Durante os últimos 29 anos de constante investigação e experiência clínica diária
pudemos observar que, possivelmente, estas dificuldades mencionadas poderão estar
contribuindo para que a pessoa com Transtorno Autista venha a ter enormes problemas de
lidar com as situações corriqueiras do dia-a-dia.
"Durante todo este tempo, vivendo, diariamente, pessoas com estes transtornos
m encionados, aprese ntan do as m ais dive rsa s form as de d istú rb io s de
com portam entos, que necessitam , urgentem ente, de uma atenção m ais
especializada e intensiva. Continuo observando em muitas regiões onde trabalho
a perplexidade, a resignação e um grau de sofrimento muito elevado - em alguns
casos chegando a um certo nlvel de desespero - de pais, de outros familiares e
de trabalhadores da saúde m ental e educação especial, que convivem
diariamente com pessoas que apresentam graves transtornos de comportamento,
na busca de alguma alternativa terapêutica que pudesse minorá-los. Todo
funcionário que se confronta com esses tipos de comportamentos exacerbados
(agressões, auto-agressões, destrutividade, isolamento social, insônia etc...), se
depara sempre com a mesma simples pergunta: Como é possível que uma
criança ou jovem chegue a tal ponto de maltratar a si e às pessoas que estão à
sua volta, chegando, às vezes, até a ser uma ameaça à própria vida e a dos
outros?"(Facion, 2002, pág. 39)

Procurando na literatura atual sobre essa temática, percebe-se que o tratamento


destes fenômenos se restringe, geralmente, a dados epidemiológicos e na descrição de
casos individuais. Conceitos terapêuticos mais generalizados e abrangentes são, poucas
vezes, apresentados.
Este déficit motiva-me muito a apresentar, novamente, uma contribuição com o
objetivo de dar continuidade à análise científica sobre o Transtorno Autista, principalmente
quando acom panhados de graves problem as de com portam ento, buscando
fundamentalmente desenvolver, experimentar e apresentar novos conceitos e modelos
terapêuticos para um efetivo tratamento.

Sobre Comportamento e Cognitfo 269


"Partindo de uma atuação prática e da procura de possibilidades terapêuticas,
buscando investigar a literatura, tento encontrar um m odelo terapêutico
razoavelmente aprovado ou, pelo menos, uma teoria sobre Autismo e outros
Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, assim como outros transtornos
menfa/s, que susfentesse o que uma teoria, normalmente, promete: oferecer um
modelo para representação da realidade, a qual apresenta as formas funcionais
desta. Busco, portanto, um m odelo que esclareça estes diversos quadros
nosológicos acima descritos, nas causas de seus desenvolvimentos e/ou nas
suas persistências; ou seja, uma teoria que pudesse enunciaras condições destas
manifestações et em conseqüência disto, apresentar algumas instruções de ações
para a prática cotidiana. " (ibidem, pág, 39)

Contudo, temos que responder à seguinte pergunta: O que ó, realmente, Autismo?


Isto não é táo simples assim, pois, não se conseguiu, até hoje, uma definição e uma
delimitação consensual das terminologias sobre ele. A multiplicidade das terminologias
fenomenológicas e, respectivamente, seus sinônimos demonstram a complexidade do
problema e a diversidade dos princípios de esclarecimentos existentes até hoje.
Partindo então, da prática e da busca de possibilidades terapêuticas, foi desenvolvido
um princípio de procedimentos, na tentativa de encontrar uma teoria que pudesse enunciar
as condições de manifestações de comportamentos inadequados e, em conseqüência
disso, apresentar algumas instruções de ações para a prática terapêutica.
A complexidade de uma série de crises de comportamentos, sob o ponto de vista
de uma quantidade enorme de mecanismos causais, assim como os mecanismos de
reações do meio ambiente, exigem a construção de um procedimento terapêutico complexo,
significativo e necessário. Por isto, um modelo terapêutico tem que considerar também o
nível estrutural da pessoa, assim como uma quantidade de outros fatores, como por
exemplo, a reação do meio ambiente - especificamente da família ou das pessoas de
convívio - o meio social, o comportamento educativo, não deixando de mencionar também
uma pesada carga afetiva de todos os envolvidos com a criança.
Evidentemente, isto só é alcançado quando, além das estratégias terapêuticas,
no sentido da redução das manifestações comportamentais inadequadas, se fizer uso, ao
mesmo tempo, de procedimentos, com a finalidade de organizar comportamentos
adequados que, intrinsecamente, sejam incompatíveis com os referidos transtornos. Isto
significa que, quanto maior for o nível de experiência de uma criança com autismo,
possivelmente serão menores os comportamentos exacerbados. Sendo assim, propõe-
se, por exemplo, a construção de um programa terapêutico com a finalidade de desenvolver
uma autonomia nas*atividades práticas do dia-a-dia, portanto, na busca de uma estruturação
de comportamentos desejados.
Para cada criança é necessário esboçar um conceito terapêutico individual e
integrativo, ou seja, não conseguimos, até hoje, indicar um conceito que tenha uma validade
generalizada ou ideal.
A participação dos familiares e outros que convivem cotidianamente com estas
crianças é fundamental para um possível sucesso terapêutico. Porém, observamos que o
impacto emocional destas pessoas, assim como de muitos terapeutas, professoras e
outros profissionais é muito elevado o que significa um grande fator dificultador no processo
terapêutico.
As variáveis condicionadas à manutenção e ao reforço de comportamentos
inadequados podem ser resumidas, de uma forma simples, em três elementos fundamentais:

270 Juié Raimundo Facion


a) Os familiares e outras pessoas de convívio, assim como os pais de crianças normais,
reagem bem naturalmente, ou seja, com insegurança e mais atenção nas primeiras
manifestações de comportamentos inadequados. Deste modo, se assim o fizerem,
eles estarão, sem a menor intenção e, indiretamente reforçando estes comportamentos,
no sentido da hipótese do reforço positivo.
b) Um outro fator ó - e isto nos parece muito claro - que o comportamento, no inicio das
suas primeiras manifestações, pode servir a um determinado objetivo, como, por exemplo,
obter atenção ou esquiva. Contudo, após um determinado tempo, a criança não consegue
mais controla-lo, perdendo, assim, o contato com a realidade e automatizando suas
ações, ou seja, cada vez mais adota condutas estereotipadas.
c) O terceiro elemento que pode ser observado são as fases cíclicas, característica presente
em todas as crianças com transtornos de ordem mental que vimos até hoje na nossa
prática clínica. Estas fases, assim acreditamos, representam o fator principal e
responsável pela dificuldade de influenciar terapeuticamente os transtornos de
comportamentos manifestos. Não ó fácil, por exemplo, diferenciar se o progresso
conseguido no tratamento se deve, realmente, à intervenção terapêutica propriamente
dita ou se ó uma fase positiva permanente. Assim, pode-se observar que, muitas vezes,
um mesmo método terapêutico não consegue atingir nenhum sucesso durante uma
das fases ruins da criança.
Como conseqüência dessas observações, concluímos que uma aplicação
terapêutica em longo prazo somente terá sentido quando acompanhada constantemente
de observações e registros rigorosos de comportamentos. Resultados aparecerão, então,
primeiramente, quando, também nas fases ruins, independentemente do respectivo
tratamento, a freqüência e a intensidade dos comportamentos exacerbados diminuírem.
Baseados nesses fatores até agora descritos, assim como, nas informações de
outras instituições que atendem crianças e jovens com Transtorno Autista associado a
graves problemas de comportamento, desenvolvemos, pelo menos, cinco condições básicas
que devem ser consideradas para um trabalho mais eficaz, mais eficiente e mais humano:
a) Considerando as fases cíclicas dos comportamentos exacerbados, é necessário
formular um conceito terapêutico individual e integrativo, ou seja, não existe nenhum
conceito generalizado ou ideal. Isto exige, como início do processo terapêutico, uma
fase de observação intensiva, uma primeira diferenciação de cada comportamento ou
sintoma manifesto e uma ordenação hierárquica correspondente no sentido de montar
uma baseline (linha de base), que posteriormente, medirá o resultado terapêutico. O
passo segumte seria a observação da interação dos pais e/ou das pessoas de convívio
rotineiro da criança e o seu meio social.
b) Um meio ambiente bem estruturado, um dia-a-dia bem regulamentado e de
comportamentos organizados e pré-estabelecidos das pessoas de convívio podem
controlar o excesso de estímulos comuns em situações cotidianas. Uma das formas
de alcançar este objetivo é separando a criança de sua pessoa de convívio (por exemplo:
os pais), por um determinado espaço de tempo. É muito comum observarmos uma
relação simbiótica já existente nessas famílias. A possibilidade que surge para a pessoa
de convívio alcançar uma nova estabilidade psíquica, ter tempo para si mesma e aprender
novos comportamentos e novas reações estão asseguradas através deste procedimento.
Por outro lado, a criança tem grande probabilidade de aprender a orientar-se em um
ambiente novo, bem estruturado e, conseqüentemente, com modelos de comportamentos
emitidos pelo terapeuta e auxiliares. Sendo assim, pode-se alcançar um aumento da

Sobre Comportamento e CognlçAo 271


autonomia. Uma rotina diária bem estruturada consiste em estabelecer uma mesma
seqüência de atividades desde o levantar até ao ir dormir. Com isso, a criança pode
adquirir, pouco a pouco, confiança e segurança, ou seja, ela pode aprender, de acordo
com o seu nível de compreensão, se movimentar dentro de limites e situações descritas,
que para ela vão se tornando mais claras.
c) A Interação Corporal Centrada (ICC) ó um elemento fundamental do modelo de trabalho
de uma interação básica. Compreende-se como interação básica uma semelhança á
comunicação basal desenvolvida por Mall (1984), que desenvolve na criança mecanismos
interativos através de uma estimulação sensorial, ou seja, a reação adequada às
situações de estímulos, que ampliam o seu campo de experiência. O excesso de
estímulos que uma criança recebe, que vem marcado de um nível de agitação muito
elevado, é colocado sob controle através da ICC2, que modifica tanto a qualidade dos
estímulos exteriores como, também, está preocupada em estabelecer uma redução
do nível de agitação.
d) O desenvolvimento de um conceito terapêutico integrativo deve ser realizado
individualmente, contendo, dentre outras, medidas terapêutico-comportamentais, como
por exemplo, extinção de comportamento, time-oul.over-correction, reforço positivo,
negativo etc. A escolha precisa dos diferentes procedimentos depende da característica
e das formas de reações de cada criança.
e) Quando o programa terapêutico integrativo apresenta os seus primeiros resultados e a
criança se adapta ao novo meio ambiente, os pais ou as pessoas de convívio são
introduzidos, por algum tempo, nos procedimentos terapêuticos e pedagógicos, como
observadores acompanhantes. Nesta fase, eles não participam diretamente do trabalho
com a criança, ou seja, eles quase não entram em contato com ela durante as atividades.
Problemas ou dúvidas que surgem durante este tempo, do tipo emocional, em sua
maioria, são discutidos e esclarecidos no final dos trabalhos, através de uma conversa
com o terapeuta. Numa fase posterior, que poderá durar em torno de duas semanas,
eles aprendem a realizar os trabalhos e as formas de condução com a criança, de
acordo com o observado. Este procedimento é muito usado em instituições-dia ou em
residências protegidas.
A partir dessas experiências sistematizadas foi possível encontrar um conceito
básico sobre o trabalho com crianças com transtornos de comportamento. É necessário
frisar que, esse conceito se torna mais fundamental, quando se trata de quadros mais
crônicos e agudos. O conceito terapêutico integrativo pode oferecer uma base sólida
de tratamento, sob ^condição de estar constantemente subjugado à adequação individual
a cada nova situação; por isso ela deve ser entendida como um modelo dinâmico.
Partindo das experiências e da tentativa de novas possibilidades terapêuticas
foi desenvolvido um princípio de procedimentos, seguindo o objetivo de encontrar uma
teoria que pudesse enunciar as condições de manifestações de comportamentos
inadequados e, em conseqüência disto, oferecer algumas instruções sólidas para a
prática terapêutica.
Muitos dos transtornos de comportamentos são observados em pessoas com
deficiência mental, lesões cerebrais, autismo, psicoses e outros. Essa afirmação exige
um modelo de esclarecimento sobre quais condições levam as pessoas a desenvolverem

' A ICC, que o it i daacrlta mal* cJnlaltuKtamenl« no Capllulo 0 do livro 'Itonstonto* InvtUvo» do D— twolviménlo Ataodmkm » O ta v t Problmrm$ dm
Compoflummito Rttlmxfaa *o6r» um MtxMo Intêgnltvo'(Factoo, 2002) rvprment« um do« fundamnnkNi do trwüwimnlo

272 )o*é Raimundo Fridon


e estabilizarem comportamentos hiperativos, auto-agressivos, agressivos, destrutivos,
insônia e etc.

1. C onsiderações teórico-cientificas e m etodológicas


Ao ser proposta uma nova alternativa terapêutica, se espera, naturalmente, que o
representante desta apresente comprovações de sua eficácia. Para a legitimidade de um
procedimento deve-se percorrer, normalmente, três diferentes caminhos:
a) Comparação entre um grupo experimental em terapia - a ser legitimada - com um
grupo de controle sem terapia;
b) Comparação do grupo experimental com um ou mais grupos de comparação aos quais
são aplicados outros métodos terapêuticos (cuja inferioridade possa ser comprovada
com este design experimental);
c) Estudos individuais controlados, nos quais pode ser comprovada a eficácia do método,
durante um tempo, com uma criança, através de manifestações controladas da
terapêutica (por exemplo: modelo ABAB).
Na exposição final do modelo utilizado devem ser apresentadas as estratégias de
investigação que explicitam os fundamentos teórico-científicos e metodológicos e, depois,
os procedimentos e suas conseqüências práticas.

Sobre o a.): A constelação desses tipos de investigação se deixa resumir da


seguinte maneira: a terapia é eficaz?Kiesler (1966,1969), fez uma crítica fundamental a
esta pergunta relacionada a este design, como relembra Grawe (1976):
"Se procede de uma maneira tal como se < o paciente > representasse um grupo
terapêutico homogêneo, como se < o terapeuta > defendesse um tratamento
uniforme, como se < o sucesso terapêutico > representasse uma dimensão
uniforme de modificação’’ (pág. 14).

A incorporação implícita deste mito da uniformidade (Kiesler, 1966) acompanhou


todos os cientistas desta tradição, que reivindicaram uma onipotência do método proposto
por eles. A propagação das estratégias de intervenção seria, para esses cientistas, o
único método correto, desconsiderando, assim, a indicação diferenciada de métodos de
tratamento, não atentando para as diferenças individuais.
Paralelo aos problemas estratégico-científicos, a proposta do design de
investigação exposta implica um dilema bem prático: para legitimar o método é necessário
comparar um grupo de crianças com transtornos severos de comportamento que recebe o
tratamento (grupo experimental), com outro grupo com o mesmo grau de acometimento,
que não o recebe (grupo de controle). Isso significa que, do ponto de vista metodológico,
há a necessidade de deixar uma série de crianças atingidas, voluntariamente, sem
acompanhamento terapêutico. A esse dilema adiciona-se o questionamento ótico, além
de não se poder deter, de facto, critérios rígidos dos não atendidos do grupo de controle,
visto que, a maioria das famílias dessas crianças procura em um outro lugar uma
possibilidade de tratamento, seja através de um outro profissional ou buscando um alívio
dos sintomas com amigos, parentes ou grupos de auto-ajuda. Por último, não deixa de
ser um equívoco pensar que um não-tratamento garanta uma constância das variáveis
consideradas como controladas. A possibilidade do agravamento dos sintomas durante a
fase experimental levaria este design a um ad absurdum.

Sobre Comportamento e C ogni^o 273


Sobre o b): As restrições apresentadas resumidamente por Kieler (1966,1969)
sobre mito da uniformidade aplicam-se, também, sobre este design experimental. Outros
problemas relacionados com esta estratégia de investigação podem ser observados. Grawe
(1976) resume:
"Assim tôm, tambóm, os estudos comparativos empíricos, até o momento, mais
a função de fornecer munições para discussões ideológicas entre diferontos
escolas terapêuticas, do que construir uma ponte de ligação, para um intercâmbio
mais intensivo dos conhecimentos práticos dentro das orientações terapêuticas
isoladas", (pág. 14)

0 rigor metodológico e sua reputação acadêmico-científica compensam, aqui, em


grande parte, a irrelevância dos resultados obtidos para a prática terapêutica. Esta conduta
irredutível de perfeição metodológica e a relevância pragmática foram descritas, inicialmente,
por Holzkamp (1970) e levou, por muito tempo, a uma divisão entre pesquisa e prática
psicoterapêuticas (Grawe, 1982). Não obstante, tais investigações, mesmo com critérios
imanentes são comumente questionadas. Com a pretensão de comprovar a superioridade de
uma conduta terapêutica ainda com um nível de desconhecimento relativo, se emprega um
método comparativo cheio de erros e/ou inoompleto, assim que, este, per se, não tem nenhuma
chance na comparação. "Um plano experimental como este se constrói <um elefante branco>,
com o único objetivo de destrui-lo posteriormente"(Grawe, 1976, pág. 15).
Sobre o c): A partir da necessidade de eliminar todas as desvantagens e
problemas mencionados do estudo de comparação de grupos, foram desenvolvidos os
estudos isolados controlados. Sendo assim, deve-se examinar numa criança uma estratégia
de intervenção, durante a qual, é determinado um tempo sem tratamento (A) e uma fase
de tratamento (B), que vão se alternando, várias vezes (design ABAB), ou transferir,
temporariamente, o tratamento para outros âmbitos sintomáticos (design de múltipla
baseline). Se ocorrerem modificações de sintomas com o começo e o final de uma fase
de tratamento, simultaneamente, este é visto como eficaz. Grawe (1976), mais uma vez,
chama a atenção sobre um dilema deste procedimento:
"Nestas conclusões se esquece, sem dúvida, a suposição silenciosa que, o efeito
de uma intervenção terapêutica desaparece, novamente, com seu término (dosign
ABAB) o que, modificações nos diversos conjuntos de comportamentos, sucedem
completamente independentes uns dos outros (múltipla baseline). As duas
suposições parecem ser, para a área da psicoterapia, altamento ‘problemáticas'".
(pág. 15).
Estes problemas deixam transparecer para o nosso objetivo, como sem utilidade
para designs de investigação como os acima mencionados, mas, não para estudos isolados
em geral.
Podemos resumir que, os problemas dos estudos sobre os êxitos terapêuticos
levaram a um distanciamento e uma indiferença cada vez maiores entre investigações
psicoterapêuticas e prática psicoterapêutica. Entendemos que, acima da pretensão da
exatidão metodológica ou a comprovação de melhor ou mais efetivo frente a outros métodos,
destaca-se o interesse de, sob uma base científica, apresentar ao terapeuta, resultados
relevantes, práticos, para a conduta terapêutica no sentido de aplicação diária. Este esforço,
de acordo com Holzkamp (1970), em buscar a relevância técnica exige, para os próximos
procedimentos, um alto grau de semelhança de estrutura entre a respectiva realidade
experimental e a realidade diária, que se fundamenta nos interesses técnicos.

274 José RdImundo laclon


Além disso, nos parece que uma revisão do método nos parâmetros de uma
investigação de grupo conforme os designs sobre o a.) e b.) seja contra-indicados para a
nossa temática; não se trata neste método integrativo de um método estandardizado,
único para todos os possíveis casos clínicos, senão de uma aplicação dinâmica, flexível,
de um conjunto de diferentes intervenções dentro de uma situação bem concreta e individual.
Portanto, não se trata de uma demonstração de eficiência universal de intervenções
isoladas, senão de uma revisão sobre, até que ponto, com a aplicação deste modelo
Integrativo, orientado nas condições individuais, se assegura um resultado eficaz para
cada caso.
Dentro deste contexto conclui-se que:
• A verificação do método proposto é procedida, fundamentalmente, não sob condições
artificiais de laboratório e sim, bem dentro de um contexto, no qual, este método possa
ter uma aplicação posteriormente (semelhança de estrutura) e que,
• na aplicação dos casos isolados (evitando as dificuldades relativas ao design c.), deve
ser verificada a adequação de cada combinação empregada de intervenções.

2. Ilustração
Para ilustrar o funcionamento do modelo integrativo proposto, descrevemos abaixo
o atendimento de um jovem com 19 anos, com o diagnóstico de autismo com retardo
mental, associado a graves comportamentos de auto-agressão, que esteve sob regime de
residência terapêutica durante cinco meses.
Trata-se do primeiro filho de uma união conturbada, tendo a mãe biológica feito
várias tentativas de aborto durante toda a gestação. Após separação dos pais ele foi criado
somente pelo pai e posteriormente também pela madrasta. O comportamento auto-agressivo
foi observado, pela primeira vez, aos dois anos de idade e ele já apresentava um atraso no
desenvolvimento neuro-psico-motor. Andou com quatro anos, não desenvolveu a linguagem,
apesar de emitir alguns sons e, aos 11 anos foi diagnosticado com o Transtorno Autista.
Ainda que apresentasse o controle esfmcteriano anal e vesical ele evacuava, e algumas
vezes urinava em locais inadequados, como por exemplo, debaixo do chuveiro, dentro do
guarda-roupa etc. Sua auto-agressão se manifestava através de fortes golpes na cabeça e
frontes com as mãos abertas e em forma de punhos e, por isso, vivia contido (com as mãos
para trás atadas com uma fralda) havia, pelo menos, 14 anos. Ele era dependente nas
atividades de vida diária como: alimentar-se, tomar banho, escovar dentes, vestir-se e despir-
se, etc. Havia baixa freqüência de utilização do vaso sanitário para as necessidades fisiológicas,
restrição alimentar, utilização dos pés em funções manuais etc.
Observava-se que muitos dos comportamentos inadequados eram conseqüências
da imobilidade das mãos para evitar a auto-agressão. Após o seu ingresso na Residência
Protegida, estabeleceu-se como objetivos prioritários a eliminação dos comportamentos
de auto-agressão; do deitar-se no chão ou em colchão em horários inapropriados; de
urinar e evacuar em locais inadequados; de utilizar os pés em atividades tipicamente
manuais; de enurese e encoprese. Foram também objetivos terapêuticos a instalação de
comportamentos de sentar-se no vaso sanitário; de utilizar calçados; de ajudar a terceiros
e de utilizar pijamas para dormir além de promover uma maior independência nas atividades
de vida diária como: alimentar-se, vestir-se, higiene corporal assim como de aumentar
qualitativamente os itens de sua dieta alimentar.

Sobrr Comportamento e Cognifüo 275


Como procedimentos foram usadas as seguintes estratégias:

a) Modelação e Estímulo Aversivo


Utilizada para que ele adquirisse o hábito de urinar somente no vaso sanitário. Era
observado que o jovem Luciano fazia suas necessidades principalmente no chão. Portanto,
toda vez que o comportamento inadequado era apresentado procedia-se da seguinte
maneira:
• sua atenção era chamada, dizendo-lhe que ali não era o local adequado:
• o vaso sanitário lhe era mostrado e dito que se urinava ali.
• a limpeza do local onde urinava era realizada por ele mesmo com a ajuda do atendente.
A modelação era utilizada em todos os momentos nos quais outros residentes
usavam o vaso para urinar. Nestes Luciano presenciava a utilização do sanitário seguindo-
se ao comando para fazer o mesmo. Para a encoprese se utilizada do mesmo procedimento.
A limpeza e troca de roupas eram realizadas quinze minutos após a enurese e/ou encoprese,
considerando o seu incómodo por estar com a roupa molhada e/ou suja. Assim, para que
se pudesse evitar o estímulo aversivo a higiene corporal não era realizada imediatamente.

b) Utilização de Regras
As regras auxiliavam na eliminação e instalação de alguns comportamentos como,
por exemplo, deitar-se no chão ou colchão em horários inapropriados. Todas as vezes que
o comportamento se manifestava Luciano era colocado de pé. Nos horários de assistir
televisão ele permanecia sentado como os demais residentes e só era permitido que se
deitasse na cama no horário em que todos se recolhiam para dormir.
A restrição alimentar dependia do que era oferecido. Ele não ingeria, por exemplo,
lasanha, macarrão, carne de frango, doces etc. Procurou-se não modificar as regras da
instituição e as refeições recusadas não eram substituídas. Também para que se Instalasse
o hábito de utilizar calçados durante todo o dia e pijamas para dormir o mesmo procedimento
foi utilizado. Portanto, enquanto ele não estava calçado ou, à noite, não colocava o pijama,
ele não poderia participar das respectivas refeições.

c) Reforço Positivo
O reforço positivo foi utilizado em todos os comportamentos adequados de Luciano.
Em especial para instalar o hábito de sentar-se no vaso sanitário e evacuar. Ele evacuava
todos os dias quando^stava tomando banho e foi observado que a água morna do chuveiro
lhe era bastante agradável e, por isso, poderia ser utilizada como reforço positivo. Desta
maneira, antes que se iniciasse o banho, o chuveiro era ligado e falado a ele que somente
depois que se sentasse no vaso e evacuasse entraria no Box. Quando, mesmo após
utilizar o sanitário, ele reiniciava a evacuação tomando banho, o chuveiro era desligado e
ele recolocado no vaso.

d) Treinamento
Este procedimento começou a ser utilizado após eliminação da auto-agressividade.
Considerávamos que algumas dependências nas atividades de vida diária e utilização dos
pós em funções manuais eram conseqüências da imobilidade dos braços que estavam
atados. Quando Luciano não necessitada mais estar contido, esses hábitos começaram
a ser treinados e a cada resposta adequada ele recebia reforço material e socíaí. Desta

27 6 Joiò Rulmumlo l-<icion


forma foram instalados os comportamentos de ajudar em pequenos serviços domésticos,
utilização das mãos em atividades e independência para vestir-se e despir-se, calçar-se
etc.

e) Contenção mecânica, dessensibilização sistemática e respostas antagônicas


A auto-agressão era o comportamento inadequado mais grave, mais longo e que
causava uma série de inadequações nos hábitos de Luciano. O primeiro procedimento
utilizado foi substituir as tiras de pano que seguravam seus braços por uma contenção
mecânica mais adequada. Foram colocadas as “manchetes" confeccionadas em tecido
resistente duplo. Entre um tecido e outro eram colocadas varetas ou barbatanas de metal
que impossibilitavam a flexão dos braços. Assim, eles ficavam ao longo do corpo e não
mais fora de sua visibilidade, nas costas.
Após algum tempo deu-se inicio à retirada das manchetes utilizando-se a
dessensibilização sistemática. Por curtos períodos no início e, posteriormente, mais longos,
os braços de Luciano ficavam soltos e ele segurava com as próprias mãos as manchetes.
Depois não era permitido que as segurasse, mas ficavam próximas a ele, em cima da
mesa, por exemplo. Posteriormente, nos horários de refeições coíocava-se o alimento á
sua frente e o braço esquerdo (ele era canhoto) era solto para que pudesse se alimentar.
No início um atendente ficava próximo a ele e a qualquer tentativa de agressão era impedido.
Então, a manchete era recolocada e a refeição retirada de sua frente. A intenção era de
mostrar a ele que com a contenção mecânica não poderia se alimentar. Assim teria que
escolher entre se agredir ou utilizar a mão para ingerir o alimento ou segurar o talher
(respostas antagônicas). A retirada da contenção mecânica começou gradativamente a
ser aumentada. Durante alguns períodos do dia Luciano começava a ficar com os braços
soltos mediante ocupação das mãos e durante as refeições até que não necessitava mais
da utilização de contenção mecânica.
O comportamento auto-agressivo, o maior comportamento alvo, foi completamente
eliminado. Os dados do mostram a freqüência de auto-agressão sem utilização de contenção
mecânica a partir da 4a quinzena. Os picos de 100% significam que sem as manchetes
ele se agredia durante todo período. Ao se iniciar as intervenções necessárias a eliminação
do comportamento foi alcançada. Isto aconteceu a partir da 5a quinzena de tratamento e
se manteve sem ocorrência.

Sobre Comportamento c CogniçJo 2 7 7


O gráfico 2 demonstra que houve um aumento de freqüência na evacuação no
vaso sanitário. Nos primeiros quinze dias de tratamento Luciano não evacuou nenhuma
vez no vaso e sim no Box enquanto tomava banho. O comportamento desejado teve seu
maior pico na 5aquinzena, estabilizando entre cinco e 6 vezes no final de seu internamento.

Gráfico 2

Freqüôncia
quinzenal de

r evacuação no
sanitário

Quinzenas

Apesar da baixa freqüência inicial nos comportamentos de enurese, encoprese e


urinarem locais inadequados, foram realizadas intervenções com resultados satisfatórios.
O gráfico 3 mostra o comportamento enurêtico que inicia com baixa freqüência na
primeira quinzena. Posteriormente, ele tem seu maior valor na sexta quinzena e como
últimos dados uma variação entre 0 e 1 vez em dois meses.

Gráfico 3

5 *
/ \
■8 4 / \
I 3 ♦ . / \ ♦ ♦ Frequência quinzenal
| i \ do comportamento
£ 2 í ♦ ♦ 4 \ ♦ enurótico
1 ♦ ♦ ♦
0 , , r ♦ T- ♦

1 2 3 4 5 6 78 9 10111213
Quinzenas

A encoprese apresentada por ele era baixa nas primeiras quinzenas, aumentou
por volta do terceiro mês oscilando entre 3 e 4 vezes por quinze dias. Finalmente foi
eliminada como pode ser observado no gráfico 4, da página seguinte três meses antes da
sua alta.

27 8 joié Raimundo Facion


Gráfico 4

5 , ... - ------------

4 ♦

1
í2
3
. \ ♦ Frequência quinzenal
do comportamento
LL I ©ncoprético
1 ♦ ♦ ♦ ♦
/ .........

0 \ -----------------r t - ♦ - r r ♦

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Quin/enas

0 gráfico 5 mostra o comportamento de urinar em locais inadequados que era


oscilatório. No entanto vinha sendo mantido com baixa freqüência. O seu pico se dá nas
quarta e oitava quinzena, a partir daí oscila entre 0 e 1 vez em trinta dias.

Gráfico 6

16 •

14 ♦ ♦
12 \
♦ ♦ Freqüência quinzenal do
1 10
comportamento de deitar-se no
1 8 '
♦ chfio
1 6
4 ♦ ♦
2 * \ ...................... ♦ *
0 ♦ i ♦
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13
Quin/enas

Sobrf Comportamento e Cognifdo 279


Outro comportamento observado com freqüência acentuada e sem apresentação
considerável na última quinzena de seu tratamento foi o de deitar-se no chão. Como pode
ser observado no gráfico 6, da página anterior este inicia-se com média de 14 vezes em
quinze dias e oscila. Não era mais observada a apresentação de deitar-se no chão nos
últimos quinze dias.
Um hábito inexistente e instalado com sucesso foi o de mantê-lo calçado durante
todo dia. Os dados do gráfico 7 mostram que no último mês não há ocorrência do
comportamento inadequado. Nos últimos três meses, que compreende da 8* á 13a quinzena,
Luciano não utilizava mais elásticos nos chinelos para evitar que os retirasse. A maior
apresentação deste comportamento é na primeira quinzena. Depois pode ser observada
uma oscilação em baixa freqüência, sendo que, os últimos dados mostram ausência do
comportamento.

Gráfico 7

Freqüência quinzenal
do comportamento de
tirar o calçado

Quinzenas

Em relação às atividades de vida diária, o objetivo de independência foi conseguido


em sua maioria. Luciano vestia-se, despia-se, calçava-se e se alimentava sozinho. Todavia
ainda precisava de ajuda na escovação dos dentes e na higiene corporal. Isto se devia à
dificuldade de movimentar o braço com desenvoltura por haver calcificação das juntas
(conseqüência do longo período que permaneceu atado anteriormente). No entanto, era
colaborador e não resistia às atividades mencionadas anteriormente.
Quanto à dieta alimentar foi aumentada qualitativamente. Não se observava recusa
aos alimentos, com exceção algumas vezes, quando o jantar era sopa.
As atividades de ajuda a terceiros eram executadas sem qualquer dificuldade.
Elas compreendiam em recolher roupas no varal, hora apanhando-as ou segurando-as
para a funcionária. Também dobrava as peças e as guardava no local apropriado.
Utilizava as mãos para qualquer tarefa sem qualquer ajuda dos pés. Começava a
manusear cartas de baralho, organizando-as em cima da mesa e a folhear revistas.
Estes resultados foram alcançados em 5 meses e os comportamentos que não
puderam ser totalmente eliminados foram mantidos com baixa freqüência. Após a alta de

28 0 Joté Raimundo f-udon


Luciano foi mantido contato com os familiares. O pai recebeu uma folha de registro de
comportamentos que enviava periodicamente à psicóloga responsável. Os comportamentos
de auto-agressão, evacuar no Box do banheiro, recusar alimentos, deitar-se no chão,
continuavam sem ocorrências. Os de urinar em locais inapropriados eram apresentados
quando o pai se encontrava ausente de casa. Os demais comportamentos inadequados
trabalhados não foram mencionados pelos familiares como recorrentes.

3. Discussão e Perspectivas
As teorias sobre a sintomatologia e, principalmente, sobre a etiologia e terapia do
Transtorno Autista evidenciaram a superficialidade e os limites dos conhecimentos atuais
sobre esta temática. A multiplicidade e as contradições das interpretações das respectivas
teorias (princípios psicológicos, orgânicos, psicanalíticos, neuroquímicos etc.), nos íevam
à conclusão que, no momento, não se pode partir, no mais longínquo que seja, de uma
etiologia uniforme sobre os transtornos de comportamentos associados ao Transtorno
Autista. Sendo assim, torna-se necessária a intensificação das investigações científicas
buscando aprimorar as relações teórico-práticas.
A compreensão que temos desta problemática ó multidimensional e isto implica
a necessidade de oferecer um tratamento para as diferentes manifestações de
comportamento (independentes da gravidade) não exclusivamente com um método, como
por exemplo, os procedimentos operantes, a estimulação sensorial ou uma terapia
farmacológica; nos parece muito mais ter sentido uma combinação de uma série de
estratégias de intervenções terapêuticas. Esta combinação não deve ser entendida como
um mero alinhamento eclético de métodos isolados um do outro; muito mais decisiva é a
concordância, a influência recíproca das diferentes partes do programa terapêutico, num
processo dinâmico. O mecanismo de atuação deste processo dinâmico, o qual foi
conceituado como Modelo Integrativo necessita, entretanto, de intensas investigações.
A aplicação prática deste modelo requer do terapeuta um empenho elevado. Ele tem que
estar em condições de reagir, em cada fase da terapia, de uma forma flexível sobre o
respectivo desenvolvimento da criança e adaptar suas intervenções posteriores a este
estado de desenvolvimento.

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Sobre Comportamento c CofjnlçJo 281


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282 loté Raimundo Facion


Capítulo 27
História de Contingências no transtorno
dismórfico corporal: análise
comportamental de casos
Josy de Sou/a Moriyama
e Vera Lúcia A dam i Raposo do Amara /

0 Transtorno Dismórfico Corporal (TDC) é um transtorno relacionado a preocupações


com a aparência física. De acordo com o DSM-IV (APA, 1995) para que haja diagnóstico
de TDC ó preciso que a pessoa apresente uma preocupação acentuada com um defeito
imaginado na aparência. Uma mínima assimetria pode estar presente, mas a preocupação
deve ser desproporcional ao que realmente pode ser observado, trazendo grande desconforto
e isolamento. Não deve ser confundido com Anorexia e Bulimia, em que as preocupações
sào com o tamanho ou forma do corpo como um todo. No TDC as preocupações são com
uma ou mais partes específicas do corpo como: nariz, cabelo, queixo, pele, face, quadril,
mãos, seios, entre outras.
O TDC ainda é pouco conhecido e muito pouco estudado, principalmente entre
profissionais da psicologia. A maioria dos estudos está na área da psiquiatria. Este trabalho
buscará entender o TDC sob a perspectiva da Análise do Comportamento, em que mais
importante do que discussões sobre classificações, que permeiam os estudos psiquiátricos,
é a consideração da história de contingências. Para isto, serão analisadas algumas variáveis
da história de vida de três pessoas com TDC.

1. TDC e os Estudos Psiquiátricos


Ainda não há consenso na literatura psiquiátrica quanto à etiologia, prevalência,
tratamento e classificação do TDC (Figueira, Mendlowicz, Nardi, Marques, Saboya, Andrade
& Versiani, 1993).
Teorias biológicas sugerem a desregulação do sistema serotoninérgico como causa
orgânica do TDC. Vários autores (Rosen, 1997; Petrlbú & Oliveira, 1999; Savóia, 2000)
consideram as influências da valorização cultural da beleza sobre seu desenvolvimento.
Em estudos de caso, destacam-se aspectos da história de vida, que parecem ser comuns
em indivíduos com TDC, e assim, poderiam ter alguma relevância como preditores, entre
eles estão: a educação rígida ou pais superprotetores; poucos amigos durante a fase

Sobre Comportamento e Cognição 283


escolar e pouco relacionamento com pessoas do sexo oposto (Andreasen & Bardach,
1977; Braddock, 1982); famílias em que se dá maior ênfase a conceitos estereotipados de
beleza (Kaplan, Sadock & Grebb, 1997); comentários ou críticas em relação à aparência
(Andreasen & Bardach, 1977; Rosen, 1997); acidentes traumáticos com partes específicas
do corpo (Rosen, 1997). Estes aspectos são apenas mencionados, sem que suas
contribuições para o desenvolvimento do TDC sejam realmente analisadas.
A maioria dos estudos psiquiátricos se dedica às discussões de qual seria a
melhor maneira de classificar o TDC, uma tarefa que tem se mostrado bastante árdua,
diante do grande número de transtornos comórbidos e de diferentes níveis de preocupação
com o defeito. Embora seja classificado no DSM-IV (APA, 1995) como um Transtorno
Somatoforme particular, há grandes discordâncias se o TDC deve permanecer como um
transtorno separado ou deveria ser considerado como um subtipo de outros transtornos
(Phillips, McElroy, Keck, Pope & Hudson, 1993).
Como as preocupações com a aparência se acentuam em situações sociais,
pois o indivíduo acredita que os outros irão notar seu defeito e julgá-lo como feio, deformado
e repugnante (Rosen, 1997), alguns autores apontam para as semelhanças do TDC com
a Fobia Social, já que, em ambos os transtornos, ocorre esquiva de situações sociais e
isolamento (Savóia, 2000).
Além da esquiva de situações sociais, pessoas com TDC desenvolvem alguns
comportamentos típicos, que teriam a função de aliviar a ansiedade como: tentar
camuflar o defeito (com maquiagem, roupas, acessórios, gestos); olhar no espelho
para checar o defeito ou, do contrário, evitar completamente os espelhos; comparar-
se com outras pessoas; pedir opiniões aos outros sobre o d efe ito. Estes
comportamentos podem ocupar diversas horas do dia e se tornar verdadeiros rituais.
Assim, as preocupações com a aparência, recorrentes, persistentes e intrusivas, são
comparadas às obsessões, enquanto que os comportamentos, para eliminar a
ansiedade, são comparados às compulsões, características do Transtorno Obsessivo
Compulsivo (TOC). Diante disto, alguns autores defendem que o TDC deva ser
considerado como um subtipo de TOC (Petribú & Oliveira, 1999).
Como os níveis de preocupação com o defeito podem variar, de obsessões a
idéias supervalorizadas, podendo chegar aos delírios (Phillips et al., 1993), alguns autores,
inclusive o DSM-IV (APA, 1995), defendem que a presença ou não de delírio deveria
determinar a classificação em dois transtornos distintos: o TDC e sua variante Delirante
de Tipo Somático.
Phillips (1§99) discute que deve haver uma relação complexa entre o TDC e a
Depressão, pois, embora, em muitos casos, os pacientes atribuam a Depressão aos
sintomas do TDC, como se eles causassem a Depressão, há casos em que a Depressão
precede o TDC.
Portanto, pesquisas sobre diagnóstico diferencial do TDC apresentam muitos
pontos divergentes. O DSM-IV (APA, 1995) recomenda que quando houver a presença de
mais de um diagnóstico, deve-se dar predominância a um sobre os outros, especificando-
o como principal, e os demais como secundários. No entanto, o próprio DSM-IV (APA,
1995) reconhece que nem sempre ó fácil traçar o limite entre os diagnósticos. Como
indivíduos com TDC, geralmente, apresentam não apenas comportamentos relacionados
a preocupações com a aparência, mas também típicos de outros transtornos, o diagnóstico
psiquiátrico torna-se ainda mais difícil.

284 Josy de Sou/a Morlyama e Vera Lúda Adaml Raposo do Amaral


De acordo com Baum (1994): "em certo sentido, a tarefa da ciência é exatamente
agrupar as coisas e eventos em categorias. Reconhecer as semelhanças é o começo da
explicação"(p.96). Porém, diferentes categorias podem ser utilizadas para classificar um
mesmo evento. As classificações psiquiátricas são baseadas em categorias estruturais,
pois consideram as semelhanças dos sintomas, ou seja, das respostas apresentadas por
indivíduos.
Em uma perspectiva comportamental, o comportamento deve ser cientificamente
categorizado em unidades funcionais, de acordo com seus efeitos sobre o ambiente (Baum,
1994). Categorias estruturalmente definidas não podem explicar o comportamento, pois
ignoram o contexto em que ele ocorre e seu desenvolvimento, não considerando sua
funcionalidade.
Embora a classificação diagnóstica do DSM-IV seja adotada pela maioria dos
profissionais da área, tendo sua utilidade, principalmente em termos de comunicação,
para os analistas do comportamento ela é insuficiente. Neste trabalho, sua utilização
limitou-se à descrição de algumas respostas específicas, que são conhecidas (ou
categorizadas) sob o rótulo de TDC. As explicações dos comportamentos apresentados
foram bem além destas descrições.

2. TDC e a Análise do C om portam ento


O diagnóstico comportamental pode ser diferenciado do modelo topográfico das
classificações psiquiátricas, porque ao invés de descrever as respostas em diferentes
categorias diagnósticas, busca descobrir as variáveis ambientais relacionadas à instalação
e manutenção destas respostas. O objeto de estudo dos analistas do comportamento não
se limita às respostas do indivíduo, pois abrange as interações deste com o meio em que
vive. Estas interações são denominadas de comportamentos.
Segundo Skinner (1953), para a compreensão da interação entre um organismo e
seu ambiente, três coisas deveriam ser consideradas: a ocasião em que a resposta ocorre,
a própria resposta e as conseqüências reforçadoras. Este é o modelo da Tríplice
Contingência.
Por enfatizar uma única interação, ou comportamento, limitado no tempo e espaço,
o modelo é chamado molecular. No entanto, os comportamentos podem ser agrupados
em categorias funcionais, que podem ser entendidas como classes de comportamentos
que têm a mesma função.
Cada indivíduo possui uma ampla variedade de comportamentos, alguns são
englobados em uma mesma classe funcional, outros não. É neste sentido que surge a
idéia de categorias molares, que também são categorias funcionais, mas seus membros
podem ser ações que se estendem ao longo do tempo e podem ser interrompidos por
outras categorias (Baum, 1994).
A análise molar, que busca explicações históricas, refere-se a efeitos cumulativos
de muitos eventos ao longo do tempo. Foram os eventos do passado, em conjunto, que
produziram o comportamento do presente. Eventos do passado podem afetar o
comportamento no presente, mesmo que haja uma lacuna temporal entre o passado e o
presente (Baum, 1994).
Apesar do modelo da tríplice contingência enfatizar os eventos atuais, ou as
contingências mantenedoras do comportamento, sua composição está relacionada à história
de contingências, pois não se pode falar em seleção de um comportamento por suas

Sobre Comportamento c CogniiAo 285


conseqüências sem considerar o passado. A partir do princípio de seleção por
conseqüências, os analistas do com portam ento comparam a modelagem (ou
desenvolvimento) de um comportamento com a evolução das espécies.
"O reforço e a punição modelam o comportamento à medida que ele evolui
durante a vida de um indivíduo (durante a ontogônese do comportamento) da
mesma forma que o sucesso reprodutivo modela as características de uma espôcie
durante a filogênese" (Baum, 1994, p.82).

Para Skinner (1990), o comportamento como um todo seria o produto de três


tipos de variação e seleção: as contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais. As
primeiras seriam responsáveis pelos comportamentos característicos das espécies. As
contingências ontogenéticas seriam todas aquelas que atuariam ao longo da história
particular de um individuo, contribuindo para o desenvolvimento de comportamentos
específicos. As últimas seriam as influências de uma determinada cultura no
desenvolvimento de comportamentos. Seguindo este raciocínio, Matos (1999) caracteriza
o analista do comportamento como um darwinista, que acredita que todas a mudanças
comportamentais resultam de um processo de seleção pelas conseqüências.
“Para um funcionalista, comportamentos evoluem (isto ó, se modificam) porque
tôm uma funçào de utilidade na luta pela sobrevivência do indivíduo; evoluem
porque de alguma maneira representam um mecanismo de lidar com ambientes
complexos. Assim, por exemplo, um comportamento estranho jam ais ó dito
'patológico', pelo analista comportamental; se ele ocorre é porque de alguma
maneira ó funcional, tem um valor de sobrevivência" (Matos, 1999, pp.11-12).

Nesta perspectiva, o TDC poderia ser entendido como um conjunto de


comportamentos que foram selecionados e desenvolvidos, ao longo da vida de um indivíduo,
a partir de suas interações com o meio.
Esta visão implica a consideração de cada caso como único. Somente considerando
a história e as variáveis mantenedoras do comportamento de cada indivíduo é que se
conseguirá descobrir qual é a função dos comportamentos problemáticos e assim alterá-
la. Para Moore (2001), o que diferencia um terapeuta efetivo é a consideração da história
inicial de desenvolvimento dos comportamentos problemáticos. De acordo com o autor, os
analistas do comportamento deveriam conhecer as condições estabelecedoras e
contingências responsáveis pelos problemas comportamentais, a fim de planejar as
intervenções terapêuticas, para prevenir que tais contingências não tenham os mesmos
efeitos problemáticos da próxima vez que o cliente se deparar com elas.
Então, mesmo sendo categorizados em um rótulo, assim como os demais
transtornos correspondentes, os comportamentos que compõem o TDC devem ser
analisados de acordo com a história de contingências de cada indivíduo.
Apenas quando se considera a história de contingências, é que podem ser
identificados os processos que estabeleceram determinado estímulo como discriminativo
para a resposta, ou que fizeram com que certos estímulos se tornassem reforçadores
positivos ou negativos, alterando a probabilidade da resposta. Neste ponto é importante
enfatizar a distinção entre estímulos discriminativos e operações estabelecedoras. Um
estímulo discriminativo é aquele que precede imediatamente a resposta e muda sua
probabilidade, estando temporariamente próximos. Já a operação estabelecedora é a
operação antecedente que estabelece um estímulo como reforçador, punitivo, ou muda o
valor do reforço ou punição (Michael, 1983).

286 Jo*y ilc Souza Moriyam<i t Vera l úcld AiKiml Raposo do Amaral
Desse modo, propõe-se que através do levantamento das histórias de reforço e
punição de indivíduos particulares, seja possível entender os processos que estabeleceram
determinados estímulos como discriminativos e alteraram os valores do reforço ou punição,
relacionados aos comportamentos atuais categorizados como TDC.
Geralmente, um indivíduo encontra-se em contextos complexos, sob a presença
de inúmeros estímulos, mas parte do contexto foi selecionada como estímulo discriminativo,
antes da ocasião imediata em que ocorre a resposta. Portanto, a discriminação provém da
história de reforço e punição (Baum, 1994). Considerando as definições de Baum (1994)
de que estímulo significa "contexto" e controle significa "mudar a freqüência ou probabilidade"
de uma ou mais ações, pode-se entender o controle de estímulos como a mudança de um
comportamento na presença de um determinado estímulo.
Atualmente, observa-se uma tendência, entre analistas do comportamento, em
enfatizar o controle de estímulos em eventos privados como pensamentos, sentimentos e
lembranças (Moore, 2001 ). Diante das afirmações de indivíduos diagnosticados com TDC
de que emitem comportamentos típicos do transtorno para aliviar a ansiedade, propõe-se
que esteja havendo um controle de estímulos deste tipo.
Entretanto, o principal problema em considerar os eventos privados seria classificá-
los como causas iniciais do comportamento. Estes eventos devem ser analisados em
termos de relações comportamento-ambiente, entendendo que parte do ambiente pode
estar dentro da pele, ou seja, pode ser o "contexto". Como os eventos privados também
são comportamentos, sujeitos às mesmas leis dos comportamentos externos,
primeiramente, é preciso compreender as circunstâncias que causam ambos os eventos:
privados problemáticos e os problemas comportamentais. (Moore, 2001 ).
Sob a perspectiva dos analistas comportamentais todos os comportamentos são
multideterminados. “Na explicação histórica, a ‘causa’ do evento não está presente em lugar
algum, mas é toda uma história de eventos passados" (Baum, 1994, p.87). Não existe uma
única causa ou um agente iniciador que explique a emissão de um comportamento. O que
há são muitas e diferentes variáveis atuando em conjunto, de modo que não se deveria falar
em causas, pois tudo o que existe são relações entre eventos ou entre variáveis (Matos,
1999). Desse modo, para se estudar um comportamento deve-se investigar estas relações
entre eventos, também denominadas de relações funcionais, uma vez que explicam quais
as funções de um determinado comportamento para o indivíduo.
Neste trabalho, a análise dos casos buscou enfatizar, principalmente, as variáveis
históricas, com o objetivo de demonstrar a importância da história de contingências no
desenvolvimento de comportamentos típicos do TDC.

3. História de Contingências de Três Casos de TDC


Os casos aqui apresentados foram retirados de uma pesquisa de dissertação de
mestrado, que procurou analisar as variáveis da história de vida de sete pessoas
diagnosticadas com TDC, através de entrevistas semi-estruturadas com os participantes
e seus familiares (Moriyama, 2003). A escolha dos casos descritos neste trabalho foi
baseada na maior semelhança entre as histórias de contingência dos três participantes.
As análises foram elaboradas a partir de trechos das falas dos participantes, transcritos
para título de exemplificação. Os nomes apresentados a seguir são fictícios.
Caso I: Celina, 32 anos, era casada, tinha uma filha de um ano e fazia faculdade.
Sua preocupação era com o nariz, que descrevia como torto e tendo calos na região

Sobre Comportamento e Cognivdo 2 8 7


superior. Para um observador, seu nariz era simétrico. Existiam, realmente, pequenas
irregularidades na região superior, mas eram pouco observáveis, principalmente tendo
em vista suas preocupações. Quando tinha nove anos de idade, Celina estava correndo
na escola e bateu o nariz em um poste, que resultou em um desvio de septo. Logo após
o acidente foi levada a um hospital, mas como seu convênio não cobria as despesas de
uma cirurgia, o médico disse que ela poderia esperar para corrigir o desvio quando
completasse 18 anos. Quando completou esta idade, sua mãe a levou a um cirurgião,
que sugeriu uma correção não apenas funcional, mas também estética. Após a cirurgia,
ao se olhar no espelho, Celina começou a chorar e a perguntar onde estava seu nariz.
Esta reação à primeira cirurgia foi considerada por ela e seus pais como o inicio das
preocupações com a aparência. A partir de então, foram feitas mais 12 cirurgias plásticas
no nariz, com diferentes profissionais, avaliadas pela participante como uma seqüência
de erros médicos.
Caso II: Marcos, 44 anos, era solteiro e trabalhava em sua fazenda onde vivia
sozinho. Preocupava-se com uma cicatriz na região superior da bochecha, resultante de
uma cirurgia realizada para retirar uma verruga. Embora, só fosse visível uma marca
minúscula, um pouco mais clara que a pele, quase imperceptível, ele acreditava que possuía
uma mancha roxa, um buraco, dizia que seu rosto havia ficado paralisado, sem expressão,
fora do normal (SIC). Segundo ele, antes da cirurgia nunca havia se preocupado com a
verruga, mas como um parente lhe sugeriu que a tirasse, ele resolveu fazê-la. Após a
cirurgia, foi notando que a cicatriz não melhorava e começou a olhar no espelho
repetidamente e tentar camuflá-la. Procurou vários cirurgiões plásticos e dermatologistas
para retirar a cicatriz, que se recusaram, explicando que não havia o que ser feito, já que
não viam nada comparado ao que o participante enxergava. Ele não acreditava nestas
afirmações dos profissionais.
Caso III: Paulo, 44 anos, era casado, tinha dois filhos adolescentes e trabalhava
como pedreiro. Preocupava-se com a ponta do seu nariz, que considerava muito grande e
fina. Relatava parecer um monstro, todo deformado (SIC). Para um observador, a ponta do
seu nariz tinha proporções adequadas. Lembrava-se que, desde criança, achava os narizes
de seus tios muito grandes e se preocupava se um dia seria daquele jeito. Cinco anos
antes da época em que foi entrevistado, ouviu um comentário a respeito de seu nariz, feito
por colegas de trabalho, o qual considerou como o fator desencadeante para o início de
suas preocupações. Relatou que, após esse dia, começou a receber comentários freqüentes
e a perceber que os outros riam dele por causa de seu nariz. Procurou vários cirurgiões
plásticos para operar o nariz, que não aceitaram realizar o procedimento.

3.1. Categorias de Respostas descritas como TDC: relatos dos participantes


Inicialmente, os três participantes apresentavam alta freqüência de comportamentos
de se olhar no espelho. Marcos, por exemplo, carregava um espelho em que checava a
marca da bochecha em diferentes lugares, sob diferente iluminação. Com freqüência, ele
parava o carro no meio da estrada, para checar se havia ficado pior. Depois de algum
tempo, os três participantes começaram a evitar os espelhos completamente, diante do
grande desconforto que sentiam ao verem a imagem do defeito refletida. Paulo não olhava
no espelho nem para pentear o cabelo, perguntando á sua esposa se estava bom antes de
sair de casa.
No começo era direto, agora não. Me fazia mal nó, então agora eu nem olho mais,
porque sei que vai me fazer mal, deixa eu ficar quieto. (Marcos)

288 loiy de Souza Morlyama e Vcr<i l.úda Adaml Raposo do Amaral


Este relato exemplifica a alta freqüência de comportamentos de checagem no
espelho e, depois, o comportamento de esquiva diante da conseqüência aversiva.
Eles apresentavam alta freqüência de comportamentos de tentar camuflar o defeito.
Celina, colocava a mão sobre o nariz ao falar com as pessoas. Paulo evitava ficar de perfil
e Marcos só conversava com alguém com o rosto virado.
Por exemplo, se eu vejo que tem uma pessoa sentada que está me focalizando,
então eu tento ficar ao lado de uma pessoa que me tampa, ou senão, se ele tá desse lado,
eu me seguro no ônibus assim, tampando com o braço e dessa forma vou me escondendo.
(Paulo).
Acho que instintivamente eu evito certas posições quando estou conversando
com as pessoas para que elas não vejam a cicatriz. (Marcos)
Além destes comportamentos relacionados ás preocupações com a aparência,
os três participantes também apresentaram comportamentos inseridos em outras categorias
estruturais, como repertórios depressivos:
Eu fui perdendo até a esperança de querer viver sabe, eu não sentia prazer em
viver. (Paulo)
Relataram que não conseguiam parar de pensar no defeito, por mais que tentassem
e acabaram desenvolvendo rituais de olhar no espelho e de tentar camuflar o defeito,
semelhantes aos comportamentos obsessivo-compulsivos, característicos do TOC.
Ah, eu penso direto, penso toda hora, a hora que saio. (Marcos)
Mas o duro ó que eu não conseguia evitar olhar, parece que alguma coisa me
levava até o espelho. (Marcos)
Também apresentavam comportamentos de timidez, tinham poucos amigos e
esquivavam-se de situações sociais, o que se assemelha aos comportamentos vistos na
Fobia Social. Além disso, suas afirmações sobre seus defeitos e sobre as reações dos
outros tinham o caráter delirante:
Na hora que eu me ponho no meio do grupo, de uma festa ou de um shopping,
então eu me sinto todo deformado, que ninguém vai conseguir passar sem me ver, então
eu me sinto sozinho na multidão e todo mundo tá me vendo. (Paulo)

3.2-Algumas Variáveis Relacionadas à História de Contingências


A partir de questões relativas à história de vida dos participantes, foram levantadas
algumas variáveis que, provavelmente, atuaram no desenvolvimento dos comportamentos
apresentados por eles. Entre elas, serão descritas aquelas que foram comuns à história
de vida dos três participantes.
Todos eles, durante a infância e adolescência, tinham baixa freqüência de
comportamentos de sair de casa e passear, poucos amigos e poucos namorados. Estes
dados correspondem àqueles apresentados na literatura como possíveis preditores
(Andreasen & Bardach, 1977; Braddock, 1982).
Eu tive dificuldades de ter amigos sim, às vezes, no recreio, eu ficava sozinha.
Não era muito fácil me entrosar não...Eu nunca fui de sair mesmo, desde antes de eu
operar. A l depois que aconteceu isso ô que eu não safa mesmo. (Celina)
Eu nunca fui muito de sair, mas agora não tenho conseguido ir a mais nenhum
lugar, só vou de casa para o trabalho, do trabalho para casa. (Marcos)
Estes relatos são indicadores da baixa freqüência de comportamentos variados e
sociais, que, desde o princípio, não foram modelados.

Sobre Comport.imcnto e Cognição 2 8 9


Os três participantes tiveram uma educação pautada no controle coercitivo, pois
receberam, em sua história, muito mais consequenciação aversiva a seus comportamentos,
do que positivas. Os pais dos participantes eram bastante críticos e exigentes, e
despendiam poucos reforços positivos, como carinhos e elogios. Estes dados também
estão de acordo com relatos de casos na literatura que apontaram o fato de que pessoas
com TDC tiveram uma educação rígida ou pais superprotetores (Andreasen & Bardach,
1977; Braddock, 1982).
Não lembro de elogio. Eu lembro de não elogio. (Celina)
A conversa com o meu pai era muito curta, ele não brincava com nada, meu pai
era mais sório, mais quieto, ele andava sempre preocupado. (Paulo)
As exigências educacionais podem ser traduzidas em reforçamento diferencial
para respostas muito próximas ou exatamente consideradas corretas, nos critérios de
avaliação dos país, que eram os agentes controladores. Uma história de reforçamento
para comportamentos altamente elaborados e punição para qualquer outro comportamento,
que não seja considerado correto, pode desenvolver comportamentos perfeccionistas, como
no TOC, assim como, resultar em uma baixa variabilidade comportamental.
Ele (o pai) era muito exigente, ele cobrava muito, era muito rígido mesmo. Ele
cobrava que eu fosse responsável, que eu trabalhasse. (Marcos)
O Marcos pra você ver como ele sempre foi perfeccionista... ele não admitia erro,
já ai, ele era pequenininho...ele se preocupava com tudo, não era sô com a aparência,
tudo, tudo. (Mãe de Marcos)
Estas histórias de punição podem ter modelado comportamentos privados aversivos,
como sensações corporais de ansiedade, uma vez que os participantes aprenderam a
esperar por punição, o que leva ao desenvolvimento de classes comportamentais de fuga/
esquiva. Propõe-se que vários comportamentos dos participantes, tivessem a função de
fuga/esquiva não apenas de contextos semelhantes aos do passado, mas também deste
tipo de sensações corporais.
Eu não saio porque eu não me sinto bem, falta confiança. Eu ftco achando que os
outros vão olhar. (Marcos)
As histórias de reforço e punição modelaram padrões comportamentais de fuga/
esquiva, resultando em uma baixa variabilidade comportamental e, conseqüentemente,
baixa quantidade de reforços, que também, provavelmente, estão relacionadas com o
desenvolvimento de comportamentos depressivos e obsessivos compulsivos.
Eu tava triste por causa do meu nariz, eu tinha acabado de operar, não tava
gostando do meu nariz, então eu ficava triste, era tristeza mesmo, a tristeza me impedia
de sair. (Celina).
Desse modo, estas variáveis, analisadas até aqui, podem ter originado
comportamentos categorizados estruturalmente como Depressão, Fobia Social e TOC, que
apesar de serem topograficamente diferentes, parecem ter a mesma função de fuga/esquiva,
e, assim, poderiam pertencer à mesma classe funcional. Mas por que comportamentos
específicos, descritos como típicos do TDC, relacionados às preocupações com a aparência,
foram desenvolvidos? A seguir alguma hipóteses são levantadas.
Nas famílias dos três participantes a aparência física parecia estar entre os critérios
de avaliação da criança, indo ao encontro de alguns estudos da área (Kaplan, Sadock &
Grebb, 1997). A família de Celina a comparava freqüentemente com uma prima, que diziam
ser mais comunicativa, mais bonita e ter mais amigos:

290 Josy de Soum Moriynmu t Vera Lúcl«i Adam i Raposo do Amurai


Falavam que eu tinha que melhorar. Eu não gosto de comparação, mas meus
pais me comparavam com a minha prima. (Celina)
A minha mãe sempre vivia comparando ela com a outra neta, que a outra neta era
esperta, sabia conversar, sabia isso, sabia aquilo e a Celina não. Que ela era bobinha...,
fazia estas comparações na cara dela. (mãe de Celina)
A família de Marcos também o comparava com primos que diziam ser mais bonitos
e bem vestidos. Paulo tinha primos com melhores condições de vida, com quem ele
próprio se comparava, reparando em suas roupas, sapatos, entre outras coisas.
O que se destaca nestes eventos ó a forte valorização da aparência física, que
pode ter sido uma influência cultural de peso para o desenvolvimento dos comportamentos
do TDC entre os participantes, em concordância com a literatura (Rosen, 1997; Petribú &
Oliveira, 1999; Savóia, 2000). De acordo com as definições de Michael (1983), devido a
este tipo de eventos, acumulados na história de vida dos participantes, a beleza pode ter
adquirido a função de operação estabelecedora, no sentido de que, alterava o valor punitivo
de comentários sobre a aparência, assim como, aumentava a freqüência e intensidade de
comportamentos de prestar atenção, olhar repetidamente no espelho, tentar camuflar, ou
se preocupar exageradamente com algo na aparência.
É, eu lembro até que nós estávamos na nossa hora do almoço, que era quinze
pra meio-dia, numa sexta-feira, e aquilo (o comentário sobre o nariz) foi marcando que eu
entrei dentro de um banheiro para chorar e foi que marcou. (Paulo)
Eu acho que uma pessoa bonita, ela entra em qualquer lugar e é aceita, tanto que
hoje, a maioria dos lugares que estão procurando trabalho, que é mexer com o público nè,
que é uma recepção, exige uma pessoa de boa aparência... Então ô por isso que eu quero
dar uma reformada em mim para mim ter um espaço. (Paulo)
Percebe-se neste relato como a aparência física adquire, então, um alto valor
reforçador, no sentido de que os belos são aprovados e os feios reprovados.
Alguns eventos relacionados à parte do corpo específica de preocupação ocorreram
durante a história de vida dos três participantes. Celina sofreu um acidente em que quebrou
o nariz durante a infância, Paulo ouviu comentários sobre seu nariz e Marcos realizou uma
cirurgia na parte do corpo com que se preocupava. Eventos, acidentes e comentários
sobre a parte do corpo especifica de preocupação também são destacados na literatura
como possíveis preditores do TDC (Andreasen & Bardach, 1977; Rosen, 1997).
Estes eventos podem ter sido variáveis importantes para que determinados aspectos
da aparência 6 a própria imagem refletida no espelho se tornassem estímulos
discriminativos, adquirindo a função de evocar comportamentos típicos do TDC.
As preocupações surgem a partir da hora que eu estou me olhando, eu já me
deparo com as preocupações. Eu posso estar esquecido, eu olhei no espelho, já vem
toda a preocupação. (Paulo)
A história de punição em relação à aparência física, como comentários, críticas e
comparações, também pode explicar a seleção de outros estímulos discriminativos como:
lugares específicos (shoppings, bares e cinemas) e pessoas desconhecidas. O simples
olhar de outras pessoas se tornaram estímulos pré-aversivos, como se observa no relato:
Eu distingo certinho onde as pessoas estão me olhando. Eu não acho, eu vejo,
que as pessoas estão me olhando. (Paulo)
Ah, quando desvia o olhar, você fica meio, pô, chamou a atenção.(Marcos)

Sobre Comportamento e Cognlv<io 291


Inclusive, os comportamentos delirantes dos participantes como a certeza de que
tinham os defeitos, de se verem como “monstros" ou “deformados” , de que as pessoas
olhavam para eles e os ridicularizavam, também podem estar relacionados ao forte controle
de estímulos, como por exemplo, a grande ênfase em aspectos da aparência e no olhar do
outro, em detrimento de outros estímulos.
A hipótese desta análise é que os comportamentos dos participantes, típicos do
TDC e de outros transtornos, ficavam sob o controle de estímulos discriminativos, que
sinalizariam conseqüências punitivas. Por isso, independentemente de suas topografias,
pertenciam à mesma classe funcional, pois tinham a função de fuga/esquiva.
Alguns eventos privados também parecem ter adquirido a função de estímulo
discriminativo, como sugerem os estudos atuais (Moore, 2001), que enfocam o controle
de estímulos em comportamentos privados.
Olha, quando eu vou sair, eu só posso dizer o seguinte, se eu, por exemplo, estou
muito preocupado com a minha aparência, eu nem saio. (Paulo)
Através deste tipo de fala, nota-se como os participantes procuravam se esquivar
de contextos em que suas preocupações sobre a aparência pudessem ocorrer. Apesar da
ansiedade ter sido analisada como um estímulo discriminativo para as respostas de olhar
ou evitar o espelho; tentar camuflar o defeito ou esquivar-se de sair, ela não está sendo
considerada como uma causa inicial, pois adquiriu esta função a partir de processos
identificados na história de vida dos participantes. Tanto os comportamentos privados,
como os comportamentos públicos de fuga/esquiva, podem ter sido selecionados a partir
das histórias de controle coercitivo. Neste sentido, a análise histórica, procurou conhecer
as condições estabelecedoras e contingências responsáveis tanto pelos comportamentos
problema, como pelos eventos privados problemáticos como sugere Moore (2001).
Embora para os participantes, eventos específicos (comentários para Paulo e
cirurgias para Celina e Marcos) fossem considerados desencadeantes das preocupações
exageradas com a aparência, diferentes eventos se entrelaçaram em suas histórias,
completando-se e intensificando-se mutuamente. Celina sofreu um acidente na infância
em que machucou o nariz, mas relatou que começou a se preocupar com seu aspecto
estético, apenas depois que fez a primeira cirurgia para corrigir o desvio de septo aos 18
anos. Marcos ouviu um comentário de que deveria tirar uma verruga, vindo a se preocupar
apenas com a cicatriz, deixada após a cirurgia para retirá-la. Observa-se como eventos do
passado, provavelmente, afetaram comportamentos presentes, apesar da lacuna temporal,
conforme cita Baum (1994).
Portanto, vários eventos podem ter contribuído para o desenvolvimento de
comportamentos típicos do TDC. Percebe-se que não há apenas um evento relevante,
mas uma somatória de diferentes situações, possivelmente importantes, que se
acumularam na história de vida dos participantes.

4. Conclusão
A partir da perspectiva de que todos os comportamentos são desenvolvidos através
das interações dos indivíduos com seu ambiente, foram lançadas hipóteses para explicar
alguns comportamentos relatados por três pessoas diagnosticadas com TDC. Além dos
comportamentos relacionados às preocupações com a aparência, categorizados como
TDC, os participantes apresentaram comportamentos inseridos em outras categorias
estruturais. Foram consideradas as histórias de reforçamento que, provavelmente,

292 Jo«y dc Sou/a Morlyama c Vera l.úda Adaml Raposo do Amaral


modelaram estes comportamentos. Respostas topograficamente distintas, que numa visão
psiquiátrica seriam descritas como pertencentes a diferentes transtornos, puderam ser
consideradas como unidades funcionais, já que tiveram histórias de reforço e punição
semelhantes e eram mantidas pelas mesmas funções de fuga/esquiva.
Ao invés de se determinar qual dos transtornos surgiu primeiro, ou qual deles
seria o principal, buscou-se descobrir as relações entre os comportamentos característicos
destes transtornos e os processos comuns de desenvolvimento. Isto aponta para as
vantagens em se considerar a funcionalidade dos comportamentos e a história de vida
para se entender comportamentos típicos de transtornos, como o TDC.
Não foi possível fazer predição e controle de variáveis, pois o método utilizado foi
de análises descritivas retrospectivas. Entretanto, a explicação histórica pode ser
considerada uma boa alternativa, quando se considera a modelagem do comportamento
(ontogônese) como semelhante à evolução das espécies (filogônese). Baum (1994) a
defende: "O tipo de explicação da teoria da evolução, que chamaremos de explicação
histórica, é crítico para a análise de comportamento porque a alternativa cientificamente
aceitável ao mentalismo é a explicação histórica" (p.69).

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294 lo*y d« Souid Morlyumd c V cm l.úcid Adam l Rapoto do A m aw l


_____Capítulo 28
O modelo de terapia por contingências
aplicado ao transtorno dismórfico corporal:
fragmentos de um caso
Kátiâ Pcrez Ramos
instituto dc Análise do C omportamento dc C'ampinas

0 transtorno dismórfico corporal é um novo nome para um velho transtorno.


Segundo Warwick (1995), tem sido descrito na literatura européia e japonesa por uma
variedade de expressões, sendo a mais comum dismorfofobia, termo utilizado por Morselli
pela primeira vez em 1886. Embora esse termo tenha sido usado de diferentes maneiras,
é definido como um sentimento de feiúra ou defeito físico que o paciente percebe a despeito
de sua aparência normal. O termo dismorfia é uma palavra grega que significa feiúra,
especialmente na face. A primeira referência aparece na história de Herodutus, no mito da
garota feia de Esparta, que era levada por sua enfermeira, todos os dias ao templo, para
se livrar da sua falta de beleza e atrativos.
Tem-se a classificação de Janet, em 1908, como obsessão com a vergonha do
corpo, enfatizando a extrema vergonha dos indivíduos que se sentiam feios; de Kraeplin
em 1909, como uma neurose compulsiva; de Jahrreiss, em 1930, como hipocondria da
beleza, e de Stekel, em 1950, como um grupo peculiar de idéias obsessivas que as
pessoas apresentam a respeito de seu próprio corpo.
Embora sua presença seja clara na literatura européia, a dismorfofobia não
apresenta na Cl D - Classificação Internacional de Doenças (1993) uma categoria
nosológica, estando inclusa na categoria da hipocondria. Na classificação psiquiátrica
americana, é encontrada primeiramente noDSM-lll, Diagnostic Statistic Manual of Mental
Disorders - Third Edltion (APA, 1980), como um exemplo de transtorno somatoforme sem
nenhum critério diagnóstico, vindo este apenas no DSM-III-R, Diagnostic Statistic Manual
o f Mental Disorders - Third Edition Revised (APA, 1987).
Sobre esta reclassiflcação do TDC no DSM lll-R, Berrios e Kan (1996) realizaram
uma análise conceituai e quantitativa selecionando 178 casos de 300, coletados através
de um levantamento histórico de 150 artigos em sete idiomas. O objetivo do estudo foi
verificar se a reclassiflcação sugerida pelo DSM III havia mudado a abordagem clínica do
transtorno. Para isso os autores criaram dois grupos de pacientes: pré DSM lll-R (G1) e
pós DSM lll-R (G2). Os resultados encontrados apontaram que G1 era um grupo mais

Sobrv Comportamento e CognifAo 295


heterogêneo e que os pacientes do G2 respondiam melhor aos tratamentos psicoterápicos.
Além disso, foram encontradas no G1 diferenças entre pacientes que apresentavam delírio
dos que não apresentavam delírio, o que justifica a subseqüente subdivisão entre transtorno
dismórfico corporal e transtorno delirante (subtipo somático).
Finalmente, segundo o DSM-IV, Diagnostic Statistic Manual o f Mental Disorders -
Fourth Edition (APA, 1994), o transtorno dismórfico corporal é caracterizado pela
preocupação com um imaginado defeito na aparência. Caso uma ligeira anomalia física
esteja presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva. A preocupação
causa sofrimento significativo na área clínica e prejuízo no funcionamento social, ocupacional
e em outros campos importantes da vida do indivíduo.
Do acordo com Hay (1983) os sintomas que nâo sâo específicos do TDC podem
ser encontrados em diversos transtornos psiquiátricos, como na depressão
(Cotteriil, 1981; Hardy & Cotterili, 1982), na psicose (Bychowski, 1943; Stekei,
1950; Crisp, 1981), no transtorno obsessivo compulsivo (TOC) (Hollander, 1989;
Nezlroglu <S Tobias, 1993), em transtornos de personalidade (Braddock, 1982) e
na anorexia nervosa (Thomas, 1984).

Segundo Buhlman, McNally, Wilhelm e Florin (2002), o TDC é uma síndrome que
se caracteriza por sofrimento mental e físico sobre defeitos imaginados na aparência e
que possui características associadas à fobia social (medo de avaliação negativa por
parte de outras pessoas), e ao TOC (pensamentos intrusivos sobre a feiúra do defeito e
comportamentos de checagem).
Existem argumentos que tornam o TDC um transtorno relacionado ao transtorno
obsessivo-compulsivo (TOC), ou seja, o TDC não seria uma desordem separada, mas,
uma forma de TOC (Vitello & Leon, 1990; Neziroglu & Tobias, 1993; Petribú & Oliveira,
1999).
Para Amaral (2002), no TOC as obsessões são caracterizadas por pensamentos
repetitivos inaceitáveis e as compulsões por respostas repetitivas mal-adaptativas que
têm como objetivo a esquiva ou fuga dos pensamentos e das respostas fisiológicas
associadas a tais pensamentos, mesmo que por um curto período de tempo. Já no
Transtorno do Corpo Dismórfico estes pensamentos são específicos, pois envolvem dúvidas
sobre a aparência física e para que sejam evitados os pacientes desenvolvem rituais
elaborados.
Desta forma, tentando camuflar o seu defeito, uma pessoa poderá se olhar no
espelho inúmeras vezes, até alcançar uma camuflagem que ela considere a mais eficaz
para que seu defeito fique quase imperceptível. Entretanto, o que ocorre é que checando-
se novamente no espelho tornará a perceber que seu defeito ainda está visível, e os
pensamentos sobre a aparência física serão novamente recorrentes, fazendo com que o
ciclo da camuflagem recomece, até que a pessoa consiga obter algum alívio. Grande
parte do tempo desta pessoa é consumido durante o processo de checagem,
conseqüentemente fazendo com que este comportamento substitua qualquer outro que
seja apropriado e que tenha probabilidade de ser positivamente reforçado (Amaral, 2002).
Assim, segundo Amaral (2001) o repertório comportamental apresentado no TDC
não pode ser mais bem descrito em outra desordem, de acordo com os sistemas
classificatórios de transtornos.
A Tabela 1 mostra o constructo do TDC a partir das informações levantadas acima,
levando em consideração os critérios do diagnóstico do TDC pelo DSM-IV (1994) já

296 Kutla Per« Ramot


apresentados anteriormente e o repertório comportamental que deve ser levado em conta
para o diagnóstico em cada critério.

Tabela 1 - Matriz de Conteúdo dos Critérios Diagnósticos do TDC.

Critérios Itens relacionados

1. Preocupação com um • Insatisfação com a aparência física.


imaginado defeito na • Preocupação com alguma parte do corpo.
aparência. • Não existência de defeito nesta parte do corpo.
• Presença de um defeito mínimo na aparência.
2 . Caso uma ligeira • Proporção entre o grau de preocupação (alta) e o defeito
anomalia física esteja (quase imperceptível)
presente, a preocupação • Pensamentos obsessivos sobre a parte do corpo.
do indivíduo • Nível de conhecimento sobre a preocupação exagerada
é acentuadamente com a aparência (tem percepção de que sua preocupação
excessiva. é despropositada ou não a tem?).
• Auto-avaliação negativa devido ao defeito na aparência.

• Camuflagem do defeito através de roupas e maquiagem.


3. A preocupação • Checagem freqüente do defeito em diversas superfícies
causa sofrimento refletoras (espelhos, vitrines, etc) e/ou sem a necessidade
significativo na dessas superfícies refletoras olhando diretamente no
área clínica defeito.
e prejuízo no • Esquiva de ambientes sociais / Prejuízos na vida social.
funcionamento social, • Esquiva de contatos físicos.
ocupacíonaí e em • Esquiva de atividades físicas.
outros campos • Prejuízos nas funções diárias (trabalho e/ou estudo e/ou
importantes da vida do família).
indivíduo. • Realização de tratamentos cosméticos e/ou cirurgias
plásticas para a correção do defeito.

• A preocupação é restrita à aparência física.


• As queixas não estão relacionadas com a forma e/ou
4. Essa preocupação tamanho do corpo (como na anorexia).
não é melhor explicada • As queixas não estão relacionadas especificamente com
por outros transtornos, a insatisfação com o gênero (Transtorno de identidade do
como a anorexia gênero).
• As obsessões e compulsões devem estar relacionadas
ao defeito na aparência (checagem e camuflagem do
defeito), e não a qualquer outro comportamento.

Em relação às queixas associadas ao TDC estas envolvem, em geral, falhas


imaginárias ou leves na face ou na cabeça, como acne, cicatrizes, rugas, inchaço,
assimetria ou pêlos faciais excessivos. Outras preocupações comuns incluem tamanho,
forma ou algum outro aspecto do nariz, da boca, dos olhos, das pálpebras, das sobrancelhas,

Sobre Comportamento e CognljJo 2 9 7


das orelhas, dos dentes, da mandíbula, do queixo, das bochechas ou da cabeça. Entretanto,
qualquer outra parte do corpo pode ser o foco de preocupação - por exemplo, genitais,
abdômen, nádegas, quadris e ombros. A preocupação pode se concentrar simultaneamente
em diversas partes do corpo. Embora a queixa seja freqüentemente específica, como
nariz grande, orelha grande, boca esticada etc; (Rosen, 1997) pode ser, por vezes, vaga,
e alguns indivíduos evitam descrever os seus defeitos em detalhes podendo se referir à
sua “feiúra” em geral (Marks & Mishan, 1988).
Preocupações culturais acerca da aparência física e da importância da
apresentação física adequada podem influenciar ou ampliar preocupações acerca da
imaginada deformidade física (Moriyama, 2003). Evidências preliminares sugerem que o
transtorno dismórfico corporal seja diagnosticado com freqüência aproximadamente igual
em homens e mulheres (Warnick, 1995). O período da primeira manifestação é, em geral,
do Início da adolescência até a idade de 20 anos, aproximadamente. De acordo com
Phillips e Diaz (1997) 70% dos casos ocorre antes dos 18 anos.
Embora existam poucos estudos sobre a prevalência desse transtorno, a literatura
indica que parece ser mais comum do que se supunha (Phillips, McElroy, Keck, Pope &
Hudson, 1993; Savóia, 2000).
A prevalência de TDC na população geral ocorre em uma proporção de 0,7% a
2,2% segundo Dufresne et. al. (2001), sendo que em clínicas de cirurgia plástica este
número cresce para 6 % a 15%. Isto ocorre, pois os indivíduos com Transtorno Dismórfico
Corporal freqüentemente buscam e recebem tratamentos médicos gerais, dentários ou
cirúrgicos com o objetivo de corrigir os seus defeitos imaginados. Entretanto o indivíduo
continua discriminando seu corpo como defeituoso. Desta maneira, este tipo de tratamento
médico pode piorar o transtorno, levando a uma intensificação ou a novas preocupações,
que podem, por sua vez, levar a procedimentos mal-sucedidos adicionais, de modo que os
indivíduos podem, por fim, ainda sentirem insatisfação.
Entretanto, o que acontece é que o TDC é insuficientemente reconhecido em
contextos nos quais são executados procedimentos com fins cosméticos (Crisp, 1981).
Segundo Andrease e Bardach (1977) aproximadamente 2% das pessoas que
procuram a cirurgia plástica são portadores de TDC, e segundo eles, o tratamento correto
seria o psicológico e não o cirúrgico. Rosen (1997) corrobora a afirmativa de Andreasi e
Bardach (1977) confirmando que as cirurgias plásticas e tratamentos estéticos não são
eficazes nestes casos. Essa população só é posteriormente encaminhada às clínicas e
consultórios do especialista em comportamento pela solicitação da família ou por um
médico mais atento^o transtorno (Amaral, 2001).
O especialista em comportamento ou analista do comportamento tem como
abordagem a terapia por contingências que é a atuação clínica baseada no behaviorismo
radical de Skinner e na análise experimental do comportamento. Os objetos de interesse
da terapia por contingências são: o comportamento e os estados corporais, sendo seu
instrumento de atuação psicoterapeutica a Análise Funcional do Comportamento (AF) por
meio da tríplice contingência (Guilhardi, 2 0 0 0 ).

Antecedente « ...... Resposta ---------------------- Conseqüônda

298 Kalla Pcrc7 Ramos


Na tríplice contingência tem-se que a ação do organismo (uma resposta) produz
conseqüências no ambiente que retroagem sobre o organismo e alteram a probabilidade
de respostas futuras.
O papel do psicoterapeuta na terapia por contingências é:
1. Identificação das contingências atuais em operação na vida do paciente.
2. Análise da funcionalidade à luz da história de reforçamento do indivíduo.
3. Sugestão de possíveis mudanças na configuração das contingências atuais.
4. Estabelecimento de contingências que possam controlar os comportamentos do
paciente, com o objetivo de alcançar as mudanças no seu repertório comportamental
na direção desejada pelo paciente e terapeuta, (por meio de regras para a ação e
manejo direto das contingências).

1. Relato de caso

1.1. Caracterização da Cliente


J., 20 anos, sexo feminino, solteira, ensino médio completo, promotora de vendas,
reside com os pais, 2 irmãos e uma tia materna (de 45 anos). A renda familiar é de R$
1.500,00 mensais.

1.2. Queixa Inicial


A mãe procurou a clínica pela indicação de outra cliente e seu relato-queixa sobre a
filha foi alto nível de agressividade com pais e irmãos, comportamentos de isolamento, falta de
contato afetivo com parentes, reclamações freqüentes sobre o corpo (enfatizando as pernas e
as orelhas), auto-agressão, choro constante, duas fugas de casa, e tentativa de suicídio.

1.3. Histórico de Vida


O levantamento do histórico de vida, relacionamentos interpessoais e histórico da
queixa foi realizado pelo relato da mãe na primeira sessão e pelo relato da cliente nas
sessões subseqüentes. Alguns dados são apresentados a seguir:
Aos 3 anos de idade J. sofreu um acidente. Foi atropelada na rua de sua casa,
sofrendo lesões na nuca, introdução de uma pedra na virilha e arranhões nas pernas e
braços. Permaneceu 4 dias na Unidade de Terapia Intensiva e passou por uma cirurgia
para a remoção da pedra na virilha. Após exames e observações clínicas nenhuma lesão
ou problema físico grave foram encontrados. Entretanto, a partir de então, J. começou a
apresentar medo de sair sozinha, comportamentos de isolamento e agressão. Algumas
falas da cliente explicitam esses comportamentos:
“Acho que eu pensava que estava feia, depois do acidente eu fiquei feia mesmo,
não queria sair (...) lembro de olharpra minha irmã e a perna dela toda bonita, a minha
tinha cicatriz, eu tinha raiva...às vezes batia nela (na irmã) (...) quando tinha uns 14,
15 anos brigava com todo mundo, ninguém entendia meu problema, dizia que era
frescura..."
Dos 6 aos 10 anos de idade, a mãe procurou auxílio para J., a princípio em um
Centro de Psicologia de uma universidade onde J. realizou psicoterapia por 2 anos e
posteriormente com um médico homeopata devido a apresentação do comportamento de
defecar nas calças quando era solicitada a sair de casa. Após o tratamento houve a
diminuição deste comportamento mas não a extinção. Sobre este comportamento J. expõe:

Sobre C omportamento c Coflnlç.lo 2 9 9


“Às vezes achava bom acontecer, al minha mãe ficava comigo e eu não precisava
sair, nem pra brincar e nem pra ir à escola (...) agora é muito difícil acontecer, mas quando
eu fico muito nervosa com alguma coisa, acontece..."
Em relação ao ambiente escolar, durante o ensino fundamental, era tímida,
não ía á lousa, não conversava com colegas. Os colegas diziam que ela era multo magra,
a chamavam de “Olívia Palito", e nesta época ela parou de usar saias e shorts.
"Eu nem percebia isto (que era magra) mas quando eles começaram a falar aí não
tinha como esconder mais. Comecei a usar várias calças, e me olho no espelho o tempo
todo, toda hora mesmo!"
Aos 18 anos se submeteu a duas cirurgias plásticas nas orelhas (dizia que as
orelhas eram de “abano").
"Eu já não gostava das minhas orelhas e das minhas pernas. Mas as pernas dá
pra esconder, nó? E a orelha não. Então eu insisti com meu pai pra fazer a cirurgia e ele
deixou. A culpa ó dele (do pai), ele me pegava pelas orelhas e puxava quando eu era
pequena (...) dizia que ia me deixar com orelha de abano se eu não obedecesse, dal ficou
mesmo!(...) agora tá melhor (as orelhas), mas ainda precisa de mais uma ou duas cirurgias,
porque parece que uma tá mais alta do que a outra, sabe?”
Quando chegou à clínica a cliente trabalhava como promotora de vendas em um
hjpermercado, freqüentava a academia de ginástica 6 vezes por semana e pretendia fazer
mais uma cirurgia na orelha e tentar uma na perna direita (tem uma cicatriz muito pequena
perto do joelho, a qual se refere como "... uma lesão grande na perna").
Outros dados relevantes relacionados à família foram coletados nas sessões
com a mãe e a cliente. Dentre estes tem-se que os pais de J. estão casados há 24
anos, mas não mostram afetividade um com o outro, conversam somente o necessário
e não procuram entrar em consenso em relação as regras colocadas para os filhos. O
pai mostra-se ausente, e quando se apresenta faz cobranças, o que produz ansiedade
em J. O diálogo entre J. e sua mãe é restrito e a mãe fala que ela tem que mudar, impõe
como deseja que a filha se comporte, mas está disposta também a rever seus
comportamentos. J. nunca teve regras claras para serem cumpridas. A cliente relata
possuir sentimentos positivos em relação aos pais (quer ter mais aproximação física) e
considera importante a relação pais-filha. Em relação aos irmãos J. conversa somente o
necessário. Outro dado extremamente importante relatado pela mãe de J. diz respeito
ao fato da primeira sempre ter elogiado a aparência física da Irmã de J. comparando-a
com J. As vezes, q mãe dizia:
"... você não deve se gostar por não ter cabelo loiro e a pele clarinha como sua Irmã,
acho que é por isso que você tem ciúmes, mas cada um tem a sua beleza, vocô tambôm..."
A intervenção baseou-se na análise da história de contingências e das contingências
atuais em operação na vida de J. como mostra o quadro da página seguinte:
Alguns dos procedimentos utilizados com esta cliente, levando em consideração
os preceitos da Terapia por Contingências, foram:
1. Análise do histórico de vida do paciente, como forma de se eliminar regras implícitas
nas mensagens culturais acerca da aparência física e do modelo de beleza reforçado
em nosso contexto cultural.
2. Realização do procedimento de exposição e prevenção de respostas do paciente.
3. Realização do procedimento de modelagem em relação à exposição pública, ou seja,
através de aproximações sucessivas, fazer com que ela saia de casa e freqüente

300 K<itld Pere/ Ramo«


História de contingências Contingências atuais
Déficit de "... eu brincava sozinha, “Defeito” como "... o que eu olho são as
habilidades ndo gostava de ficar com estimulo pernas e as orelhas
sociais outras crianças(.„) a discriminativo mesmo, não fico vendo
minha mâe ficava outra coisa (...) se eu olhei
comigo..." uma vez não paro, olho no
espelho, no vidro do carro,
quando vou no shopping
(vitrines), nào tem lugar
nào, onde dá pra ver eu
olho mesmo...“

Comporta­ “...era a hora de fazer Respostas de "... gosto de ficar no quarto,


mentos faxina ...s e não tivesse fuga-esquiva saio muito pouco, assim em
mantidos por fazendo, ele (o pai) nào festa, barzinho, cinema,
reforçamento faiava nada nào, já não gosto, as pessoas sào
começava a gritar e muito metidas, ficam
negativo bateras portas... " olhando pra gente, parece
que a gente è um monstro
(...) então nem saio e
pronto ..."

Déficit de "... ah, eles (os pais) Déficit de “...eu trabalho, vou na
reforçadores nunca falaram que eu reforçadores academia e só, né (...) não
positivos faço coisas certas, mas positivos tenho vontade de fazer
quando tem coisa outras coisas (...) no
errada sempre sou eu trabalho é só encheção,
(...) eu nunca ouvi ninguém vê tudo o que eu
assim elogio bom que faço, ninguém fala: pô você
nem meus irmãos...’ é esforçada! (...) parece
que tudo é só obrigação..."

Modelos “...minha màe era Influências do “... ah, dá pra vera


inadequados menos, mas meu pai, contexto diferença, elas tém tudo no
tudo tinha que tá no lugar, nem sei porque vão
lugar, sempre no lugar, lá, dá até raiva (...) eu vou
ai que não tivesse (...) a porque tenho problema,
gente nào viajava se a porque ainda nào sou que
casa nào tivesse nem e la s ..."
brilhando, a minha mâe
também nào gostava
de ver a casa suja... a
gente limpava todo
dia..."

ambientes a meia fuz, cinema, por exemplo, com poucas pessoas, até fazer com que
ela chegue a freqüentar ambientes com maior interação social e iluminados, os quais
fique bem mais exposta (festas, barzinhos, etc).
4. Instalação de comportamentos que sejam incompatíveis com respostas relacionadas
ao transtorno como forma de prevenir que ela se engaje em suas compulsões.

Sobrr l*ompor1,imcnto e C'oflniç«lo 301


5. Proporcionar o aumento da freqüência de comportamentos incompatíveis com as
respostas de fuga-esquiva e que tenham alta probabilidade de serem reforçados.
Com base nestes procedimentos foram utilizadas estratégias psicoterápicas e
orientações para a mãe da paciente que teve o papel de co-terapeuta no processo. As
estratégias estào relatadas no quadro a seguir. É importante lembrar que as mesmas não
abrangem a totalidade do trabalho psicoterápico, sendo um modo de expressar
didaticamente algumas das intervenções.
Em relação às estratégias psicoterápicas utilizadas com J., tem-se no quadro da
página seguinte algumas delas.
O atendimento psicoterápico ainda está em andamento. Foram realizadas sete
sessões com a mãe, incluindo a entrevista inicial e 28 sessões com a cliente. As classes
de respostas relacionadas a habilidades sociais de J. foram ampliadas. A cliente não está
mais em busca de cirurgia plástica para as pernas e orelhas. Os comportamentos de
checagem estão menos freqüentes pela instalação de comportamentos incompatíveis
como o de sair de casa. A mãe está engajada na psicoterapia de J. e realiza a maioria das

Orientações para a mãe (co-terapeuta) Efeitos pretendidos

Não reforçar (dar atenção) os comportamentos de Retirada da contingência


auto-agressão (dependendo do comportamento a mantenedora do comportamento de
orientação era de intervir com o auto-agressão.
objetivo de prevenir maiores danos).

Incentivar a filha a trazer colegas para casa ou Reforçar qualquer comportamento


reforçar (dar atenção) o comportamonto de interação pró*social de J., com o objetivo de
com os colegas quando houver um relato. desenvolver repertório social.

Não realizar comparações com a irmã em relação à Diminuição do comportamento de


aparência fisica e reforçar comportamentos de agressão à mãe e à irmã; aumento
assertividade de J. do comportamento assertivo.

Discutir molhor com o marido as regras familiares e Prevenção de que comportamentos


chegar a um consenso sobre estas regras. adequados de J. sejam punidos e
comportamentos inadequados
reforçados.

Observar mais outras relações entro pais e filhos e/ Estimular a mãe a criar um modelo
ou assistir filmes que aborde relações adequadas de relacionamento mais reforçador
nas relações famftiares (estes filmes foram com J.
sugeridos).

orientações que são dadas. Os outros aspectos apresentados neste relato ainda estão
sendo trabalhados.
É importante ressaltar a importância da terapia por contingências no processo de
tratamento do transtorno dismórfico corporal (aliás, não somente no TDC), já que não se
limita a diagnósticos centralizados em sintomas, mas se caracteriza por um processo
contínuo, interativo e autocorretivo, não produzindo como produto final o estabelecimento
de um rótulo ou diagnóstico para tratamento e não orientando a avaliação e a psicoterapia
para uma patologia. Desta forma, este modelo está se mostrando eficaz na melhora da
qualidade de vida da cliente e na manutenção desta melhora.

302 Kdlla Perez Ramo*


PROCEDIMENTOS COM A CLIENTE EFEITOS PRETENDIDOS

Fazõ-la discriminar as contingências Desenvolver na cliente a habilidade de


sob as quais alguns comportamentos descrever as contingências que estão em
inadequados estão sob controle operação nas situações problema, desta forma
ela conseguirá entender o que mantém alguns
de seus comportamentos e entenderá as
estratégias propostas para a modificação dos
mesmos.

Desenvolver repertório verbal, Facilitar o desenvolvimento de contato social,


(modelagem e fading in) aumentando a probabilidade deste
comportamento ser reforçado fora do
consultório.

Instalar respostas eficazes para Aumento do reportório verbal; busca de


resolução de problemas reforçadores positivos; diminuição da
(comportamento assertivo) ansiedade.

Treinar situações de relacionamentos Aumentar as habilidades sociais e reforçar


sociais em consultório. situações de contato social, diminuindo a
freqüência das respostas de esquiva.

Orientá-la a buscar cursos (inglês, Orientá-la a buscar cursos (inglês, informática,


informática, curso universitário). curso universitário).
Ampliação do ambiente e contatos sociais;
ampliação do repertório comportamental
(verbal e não verbal)

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Sobre Comportamento c Coflnlçüo 305


Capítulo 29
Estratégias Lúdicas da terapia analítico-
comportamental infantil:
A literatura infantil - Branca de Neve e os
sete anões
Laércia Abreu Vasconcelos - Untf, Caro/ine Cunha da Silva' - Unfí,
Eliene Moreira Curado - Unfí, Patrícia Ç alvão" - L/nfi

1. O Comportamento de brincar e o desenvolvimento infantil


O comportamento de brincar tem sido estudado há várias décadas por profissionais
de diferentes orientações teóricas e a principal consistência existente entre as diferentes
interpretações é que esse comportamento é fundamental para o desenvolvimento infantil
(e.g., Bussab, 1997; Daudt, Sperb & Gomes, 1992; Dias,1992; Gil & Almeida, 2001;
Kishimoto, 2001; Mello, Goulart, Ew, Moreira & Sperb, 1999; Sager & Sperb, 1998; Vieira,
1997). A partir de brincadeiras é possivel acessar informações importantes relativas às
contingências às quais uma criança é exposta. Aspectos culturais, valores familiares e
características de práticas educativas poderão estar presentes na linguagem verbal e não
verbal de uma criança no transcorrer de uma brincadeira. O brincar, diferente do jogar,
envolve indeterminação quanto ao uso do brinquedo, isto é, ausência de regras pró-
determinadas para sua utilização (Kishimoto, 2001; Mello et. al, 1999). O comportamento
de brincar possibilita a aquisição e expressão de outros comportamentos tais como
sentimentos ou opiniões da criança sobre diferentes temas. Observações cuidadosas
desse padrão de coníportamento em diferentes contextos podem oferecer ricas informações,
as quais contribuem para estratégias de intervenção sensíveis a cada criança.
Para o analista do comportamento desenvolvimento compreende: mudanças em
padrões de comportamentos que são determinados não apenas pela idade, pela passagem
do tempo, mas pelas contingências presentes e passadas em sua história de vida (Keller
& S choenfeld, 1950/19731, Harzem, no prelo; Staats & Staats, 1963/1973). O
desenvolvimento é considerado um processo continuo e gradual, não há uma teoria voltada
para padrões universais de desenvolvimento, com estágios descontínuos e de orientação
biológica (Forehand & Wierson, 1993; Ribes-lflesta & Quintana, 2002). O desenvolvimento
não deveria ser visto como um tema analisado em apenas uma das divisões da psicologia,
* OrmtiMtKjH em PrtcotoglM
** M«»lr»ri(iat<m Psicologia
1A* (lun* dalan «[HeMHilmIu» rnfofncn-*« i «dlçâo ortglrial • àquela uUI/jkím na oonautla

306 l.aérciti A brfu Vasconcdo*. Cdrollnc Cunh.i d.i Silva, Hlcnr Monrira Curadu c Palrftiu C/ulv.lo
como na psicologia do desenvolvimento, mas como um tema presente em todas as questões
psicológicas. Interessa ao psicólogo investigar como padrões de ação desenvolvem-se e
como são mantidos (Harzem, no prelo). A avaliação do desenvolvimento funcional é
apresentada também por outros profissionais como Brazelton e Greenspan (2002).
O surgimento de padrões de comportamento, logo após o nascimento, assim
como nos primeiros anos de vida tem sido pouco investigado na abordagem analítico-
comportamental. Estudos longitudinais envolvendo mãe-criança poderiam contribuir para
o conhecimento da aquisição e desenvolvimento da linguagem, como sugerido por Ribes-
Iflesta e Quintana (2002). A interação mãe-criança seria, assim, a unidade funcional mínima.
O sistema observacional envolveria categorias comportamentais que poderiam, por sua
vez, ser utilizadas com díades de diferentes culturas, classes sociais e níveis educacionais
(Ribes-lnesta & Quintana, 2002).
Na sociedade contemporânea, ó urgente a investigação de meios eficientes e
humanistas de controle de comportamento e do ambiente para que se possa lidar com
novas tecnologias. Uma falha humana em uma usina nuclear, poderá resultar em efeitos
fatais de grandes proporções (Harzem, no prelo). É urgente também o desenvolvimento de
estratégias que possam transmitir aos pais noções sobre o desenvolvimento infantil, as
necessidades de uma criança, e práticas educativas apropriadas, não coercitivas (Brazelton
& Greenspan, 2 0 0 2 ).
Brazelton e Greenspan discutem a importância do desenvolvimento de
estratégias voltadas para a avaliação da saúde que possam contribuir para uma visão
mais otimista e positiva dos cuidadores para com as crianças. No mundo infantil, o
abuso e a negligência estão aumentando. Assim, torna-se imprescindível para os
profissionais das áreas de saúde e educação não negligenciar famílias e crianças que
apresentam problemas, mas incluí-las em programas que irão contribuir para o
desenvolvimento de uma criança inteligente, criativa, segura e com elevados níveis de
auto-estima. É necessária uma mudança dirigida para uma orientação antecipatória,
preventiva em substituição a um modelo de educação patológico em que os déficits da
criança estào sendo rotulados e remediados (Brazelton & Greenspan, 2002). Há uma
clara interação de déficits neurológicos e estresses ambientais. A forma como os
cuidadores interagem com uma criança, incluindo o cuidado carinhoso, um ambiente
sustentador, o respeito pelas diferenças individuais poderá alterar padrões de
comportamentos, que, de outra forma atingiriam, por influência fisiológica, alguns dos
distúrbios de saúde. Traços fisiológicos não determinam, necessariamente, o potencial
de uma criança, com exceção dos danos incapacitantes (Brazelton & Greenspan,
2 0 0 2 ). “Temos aplicado rótulos a padrões de problemas e síndromes diagnosticadas,
quando a evidência de que muitos desses comportamentos perturbados realmente se
enquadram em síndromes verdadeiras não é ainda convincente" (Brazelton & Greenspan,
2 0 0 2 , p. 1 0 1 ).
Estudos mostram alterações na família brasileira do século XX. Dos anos 30 aos
80, observam-se mudanças no conceito de criança e de práticas educativas adotadas
(Biasoli-Alves, 1997). Nos anos 30 e 40, a ênfase era sobre padrões de comportamentos
que caracterizavam o bem-educado e, posteriormente, sobre a ternura, o lúdico e o lazer.
Os anos 70 e 80 mostraram o diálogo, a compreensão e a afeição para com a criança. O
tamanho das famílias diminuiu, com um menor número de filhos. As mulheres foram para
o mercado de trabalho fora do ambiente doméstico e os valores democráticos permearam
a educação dos filhos. A participação da criança na vida familiar aumentou e ela passou a

Sobre Comportamento c CoqnlçJo 307


ser vista como uma cidadã com direito de escolha e opinião, o que é legalmente estabelecido
no Estatuto da Criança e do Adolescente, na década seguinte (Biasoli-Alves, 1997).
O contexto de brincadeiras mudou de fora de casa para dentro de casa, devido à
violência urbana. Assim, a brincadeira de rua, em grupo foi substituída pela brincadeira
solitária. As mães mais jovens voltaram sua atenção para aspectos do desenvolvimento
infantil, transmitindo aos filhos as brincadeiras de sua infância e apresentaram a tendência
a prover a criança com uma grande quantidade de objetos lúdicos. As atividades conjuntas
de adultos, idosos e crianças, dos tempos de outrora, cede lugar a supostos valores de
modernidade com divisão por idades: criança fica com criança, jovem com jovem, adulto
com adulto e idosos com idosos (Biasoli-Alves, 1997).
A televisão, que surge na década de 50 nas casas de famílias brasileiras de
classe média, passa a dominar o espaço e o tempo do contato familiar (Biasoli-Alves,
1997). Uma pesquisa realizada em Porto Alegre mostra que a criança permanece em
média de 11 a 28 h semanais diante de uma televisão (Guareschi, 1998/2002). Em média,
a criança brasileira assiste à televisão 4 h por dia, o que supera o número de horas em
sala de aula ao incluir também os finais de semana. Assim, em um ano a criança é
exposta a, aproximadamente, 14.000 referências a sexo, 2 0 0 .0 0 0 atos de violência, a um
significativo incentivo ao consumo e a programas, em geral, com qualidade de conteúdo
questionável para crianças (Pesquisa Ibope/Retrato, 1997, citada em Zagury, 2004). A
redução do tempo de estudo e a da comunicação entre familiares são algumas das
conseqüências negativas desta nova era (Zagury, 2004).
Apesar do conceito de criança ter avançado para uma visão dinâmica e bidirecional,
isto é, ela é influenciada pelo seu meio e é capaz também de alterá-lo, na sociedade
contemporânea, urbana e industrializada o lúdico, fundamental para o mundo infantil, tem sido
substituído por uma rotina repleta de atividades, semelhante à de um adulto, com várias
tarefas em um contexto de competição. A criança tem sido inserida bem mais cedo no ambiente
escolar e exposta à estimulação dos meios de comunicação de massa, havendo interferência
acentuada de valores e normas no ambiente familiar (Biasoli-Alves, 1997). Nos primeiros anos
de vida, um número crescente de crianças tem permanecido um grande período do dia em
instituições de cuidado infantil, creches, pré-escolas, orfanatos, entre outras. Observa-se uma
experiência precoce de convivência social com um amplo grupo de pessoas. Pesquisas futuras
irão mostrar os resultados dessas práticas educativas (Carvalho, 1997).
Hipóteses sugerem que a combinação de alguns fatores tem levado à privação
emocional e a conseqüências adversas para o desenvolvimento de uma criança. Entre os
problemas estão: (1 ) um grande número de crianças por cuidador nas creches ou nos
primeiros anos do ensino fundamental: (2 ) o rodízio desses profissionais em função dos
baixos salários: (3) a ausência de apoio para os profissionais que lidam diretamente com
as crianças, nas instituições educacionais e de saúde. Observa-se, para estes
profissionais, uma sobrecarga de problemas familiares e de dificuldades na interação com
os pais das crianças que atendem, e (4) o sistema de trabalho que ocupa pais e mães,
sem que estes dediquem tempo para brincadeiras ou interações entre pais e filhos, durante
o tempo de contato com a criança em casa (Brazelton & Greenspan, 2002).

2. A literatura Infantil e seus potenciais beneficios


Ao considerar o contexto da clínica infantil, observa-se uma variedade de recursos
lúdicos, facilitadores da comunicação entre a criança e o terapeuta. Por meio da fantasia,

308 I aércia Abreu V<i*concelos, Carollnc Cunha da Silva, Hiene Moreira Curado e Patrícia C/alvilo
é possível acessar informações valiosas para a compreensão dos padrões de
comportamentos infantis (Conte & Regra, 2000). A literatura infantil representa um dos
instrumentos disponíveis que, ao ser cuidadosamente analisado, poderá maximizar seus
potenciais benefícios. A criança depara-se com alternativas para solução de problemas
vividos em diferentes áreas e ó possível observar, entre alguns dos ganhos, o
desenvolvimento de sua comunicação, ao aprender a descrever seus próprios sentimentos
e pensamentos; ao emitir comportamentos criativos, soluções originais para os problemas,
e ao desenvolver o comportamento de leitura e uma visão crítica da realidade.
O desenvolvimento desses padrões de comportamentos ocorre quando os
primeiros educadores, pais e professores, utilizam recursos tais como livros, músicas,
filmes e teatro, entre outros, desde os primeiros anos de vida. Livros-brinquedo oferecem
uma ocasião para a emissão de comportamentos por parte da criança, tais como sorrisos,
movimentos do corpo, emissão de sons na presença da estimulação de cores, formas,
texturas e sons presentes em alguns livros. Além disso, uma mãe estará conversando,
sem a necessidade de limitar-se a frases curtas, apresentando o conteúdo do livro com
uma expressão de alegria para a criança. Essas interações com a criança despertarão
seu interesse por diferentes temas e objetos.
Os comportamentos de brincar com livros, ouvir ou assistir histórias, recontá-las
de diferentes formas e a representação em teatrinhos possibilitam a aquisição de: noções
básicas de interação social, valores culturais, noções éticas e, sobretudo, uma visão
crítica da criança, o que tem valor de sobrevivência para grupos familiares e sociais em
nossos dias. É necessário saber criticar e filtrar as informações disponíveis em diferentes
veículos de comunicação (Gontijo, 2004; Vasconcelos, 2003).
A produção de literatura infantil no Brasil tem crescido de forma significativa e
com alta qualidade. As livrarias, por sua vez, têm valorizado essa produção, criando espaços
de leitura e brincadeiras atraentes para a população infantil. Os contadores de história são
cada vez mais freqüentes e prestigiados nesses espaços, assim como em shopping centers,
escolas, eventos festivos familiares e feiras do livro. O contexto de alta produção literária
dirigida à população infantil e as possibilidades de interação com tal produção em espaços
públicos têm favorecido a participação das famílias. Vale ressaltar também a crescente
participação de professores em apresentações de escritores, em eventos científicos
nacionais e em feiras do livro.
O trabalho que será apresentado constitui-se de interpretações, orientadas pela
análise do comportamento, do clássico Branca de Neve e os Sete Anões, versão dos
estúdios Disney de 21 de dezembro de 1937. Essa adaptação feita para crianças foi
selecionada por ser a história mais lida e assistida em todo o mundo (Rahn, 2000). Foi o
primeiro longa-metragem de animação que causou e ainda causa impacto positivo em
crianças e adultos. Análises de contingências presentes no filme de Walt Disney, envolvendo
as interações dos personagens em diferentes contextos, poderão sugerir aos educadores,
pais e professores, terapeutas e outros profissionais que lidam diretamente com a criança,
formas alternativas de ação, em momentos críticos da história para cada criança.
A história envolve a princesa Branca de Neve, a Rainha madrasta, o caçador, um
príncipe e os sete anões (Mestre, Zangado, Feliz, Dengoso, Atchim, Soneca e Dunga). A
beleza da Princesa despertou inveja, competição e vingança na Rainha, a qual tentou
destruir Branca de Neve. Nessa tentativa, a Princesa conheceu os sete anões que viviam
entre as sete colinas, no meio da floresta. Eles tentaram protegê-la da maldade da Rainha,
mas não conseguiram evitar o ataque com uma maçã envenenada. O encantamento pela

Sobre Comportamento e CoRniçüo 309


Princesa os fizeram construir um caixão de cristal e colocá-la no alto de uma colina. O
Príncipe, ao saber da história de uma linda moça que estava sendo, assim, velada vai ao
seu encontro e ao beijá-la, desfaz o feitiço da Rainha. Todos foram felizes para sempre,
sem a presença da madrasta que caíra de um penhasco, ao tentar empurrar uma grande
rocha sobre os sete anões, durante uma tempestade, quando fugia da casa, deixando a
Princesa desfalecida.
Branca de Neve e os Sete Anões apresenta uma variedade de comportamentos
comumente observados em diferentes contextos culturais. São sentimentos tais como
inveja, raiva, medo e amor. Comportamentos sociais como divisão de tarefas, negociação,
cooperação, competição, comportamentos de organização, noções de beleza, de higiene;
temas como valorização do trabalho, o estabelecimento de rotina, a relação com a natureza,
a importância da música e a questão do desconhecido. Diferenças individuais, crenças e
sonhos também fazem parte de aspectos importantes que podem ser analisados. A história,
escrita para diferentes idades, a partir da versão Disney, ó um clássico que oferece
contribuições fundamentais para a inserção de uma criança no mundo do cinema, da
literatura e da música.
A seguir serão apresentadas análises de alguns trechos de Branca de Neve e os
Sete Anões. O objetivo das interpretações psicológicas apresentadas a seguir ó aumentar
as informações relativas a cada tema, apresentando um quadro mais completo com
alternativas de ação que poderiam solucionar os problemas envolvidos. Assim, pais,
professores ou terapeutas poderão favorecer o desenvolvimento do repertório comportamental
de uma criança por meio deste recurso lúdico. Tal estratégia poderia evitar a aquisição ou
o fortalecimento de alguns comportamentos desadaptativos ou disfuncionais que já façam
parte do dia-a-dia da criança. Comportamentos disfuncionais são aqueles que causam
dificuldades no relacionamento social das crianças ou que prejudicam seu rendimento
acadêmico ou desempenho em outras atividades. São comportamentos-problema definidos
a partir de cada criança ou familia.
Nem todas as interpretações psico lóg ica s apresentadas devem ser
necessariamente trabalhadas com todas as crianças na leitura do clássico Branca de
Neve e os Sete Anões. Elas são apresentadas como instrumentos que poderão ser utilizados
com crianças que tenham dificuldades relacionadas com alguns dos temas tratados na
história. No contexto terapêutico, familiar ou escolar, algumas das interpretações poderão
ser úteis na superação dessas dificuldades, ao criar oportunidades de discussão e de
brincadeiras, estratégias que poderão resultarem alternativas de solução de problemas a
serem adotadas pelas crianças. Além disso, as interpretações psicológicas poderão
promover a prevenção de algumas dificuldades comportamentais, assim como contribuir
para o desenvolvimento de diferentes habilidades da criança. Entretanto, as interpretações
que destacam os comportamentos funcionais ou comportamentos adaptativos apresentados
pela história poderão ser parte de discussão com todas as crianças. O destaque para
esses comportamentos poderá ser produtivo para o enriquecimento do conjunto de suas
habilidades em diferentes contextos.
A hipótese do analista do comportamento é que o conhecimento das fontes que
explicam um determinado comportamento poderão aumentar o poder de predição e controle
do indivíduo, aumentando, assim, suas alternativas de escolha, portanto, sua liberdade
(Delitti, 1993; Delitti & Meyer, 1995; Skinner, 1989/1995). Por meio da fantasia podemos
acessar informações importantes para a compreensão das contingências às quais uma
criança está sendo exposta (Conte & Regra, 2000; Otero, 1993; Nalín, 1993; Regra, 1999).

310 I «lércici Abreu Vasconcelos, Carolinc Cunha ila Sjlv.i, I licnc Moreira Curado c Patrícia C/alv<U>
A utilização de recursos lúdicos, entre eles a literatura infantil, é fundamental para a
comunicação com educadores, pais e professores, assim como, com outros profissionais
que lidam diretamente com uma criança.

3. Espelho, espelho meu!

Evento antecedente ■4 Comportamentos-alvo «4 Conseqüências

A beleza de Branca de 0 sentimento de Inveja da ^ A Rainha ser a mais bela...


Neve Rainha e 0 seu planejamento da
morte da Princesa

O clássico Branca de Neve e os Sete Anões é conhecido pelos chamados da


Rainha madrasta voltados para o seu espelho mágico. A inveja e a competição poderiam
ser apresentados como os principais temas tratados no transcorrer da história. O conceito
de madrasta vaidosa e cruel merece atenção em razão do crescente número de famílias
reconstituídas. É comum a convivência da criança com um padrasto ou uma madrasta,
com seus respectivos filhos. Como estratégias alternativas para trabalhar esses aspectos
sugere-se brincadeiras que reinventem características para Branca de Neve, assim como
para a madrasta - ó possível brincar com uma madrasta compreensiva e uma Branca de
Neve questionadora, favorecendo interações permeadas pela cooperação e negociação,
minimizando o sofrimento de ambos os personagens.
Os sentimentos negativos enfatizados nesse trecho da história, raiva e inveja
também podem tornar-se estímulos que definirão uma ocasião para uma rica reflexão dos
educadores e crianças. Esses sentimentos podem ter diferentes formas de manifestação
no dia-a-dia. Práticas educativas valorizam, em geral, a expressão de sentimentos positivos,
enquanto aqueles classificados como negativos são negados. A modelagem da expressão
socialmente aceita de sentimentos negativos torna-se necessária para que a criança possa
conviver socialmente sem ser rotulada ou diagnosticada como incapaz e insensível em
suas interações. A noção de beleza também poderá se tornar estímulo para discussões:
O que é ser belo? A beleza pode ser considerada em diferentes momentos e sob diferentes
aspectos? A beleza pode envolver o cuidado com características tanto físicas como
psicológicas? É importante ser a mais bela? É possível conviver com o belo, admirando-o
sem o objetivo de destruí-lo? Isto pode valer para objetos e para toda a natureza?

4. É o coração de um bicho que está em vossa mão...

Evento antecedente H Comportamentos-alvo ■4 Conseqüências

Ordem da Rainha ao 0 caçador desobedece à


caçador para matar Branca ^ Rainha, advertindo a Princesa Sobrevivência da Princesa e
de Neve do perigo e apresentando uma do caçador
prova falsa de sua morte

Ao descobrir pelo Espelho Mágico que Branca de Neve era a mais bela, a Rainha
ordenou ao caçador que a matasse. Essa passagem possibilita a discussão da relação
com uma figura de autoridade e o cumprimento de ordens. No contexto da história está

Sobre C'omportumcnlo e C'oflnlçflo 311


em cena um sistema feudal, com relações entre nobres e servos, os quais deveriam
cumprir ordens de seus superiores, sem questioná-las e sob a ameaça de punição. Em
nosso contexto, ó necessário seguir todas as ordens? Quando e como podemos apresentar
nossos próprios pontos de vista? É desrespeitoso não concordar com uma figura de
autoridade ou podemos fazô-lo de forma respeitosa? É necessário procurar uma segunda
figura de autoridade sempre que tiver problemas de interação com uma primeira? O que é
mentir? Quando a mentira torna-se importante? O que significa a mentira do caçador, no
contexto da história?
O planejamento de atividades para que uma criança possa questionar um
determinado tema poderá favorecer o desenvolvimento de padrões de comportamentos
que contribuirão para a sua própria proteção diante de situações que envolvam alguma
forma de violência. Uma postura crítica das crianças diante de informações transmitidas
em diferentes fontes de comunicação de massa tem sido alvo de análise de Silvana Gontijo,
escritora, jornalista e produtora cultural, a qual discute a importância da inclusão de uma
disciplina no ensino regular voltada para estes objetivos educacionais (Gontijo, 2004).

5. Vá, corra, fuja menina...

Evento antecedente Comportamentos-alvo Conseqüências

A descoberta da intenção da — k Sentir medo e imaginar Sofrimento durante a fuga na


Rainha e a tentativa do monstros por todos os lados... floresta e sobrevivência de
caçador de matá-la Correr pela floresta durante a Branca de Neve.
noite.

Estas são as primeiras cenas de ação da história, a fuga de Branca de Neve para
o interior da floresta, assustada com o que o caçador dizia "...A Rainha é invejosa, é má,
corra, fuja para bem longe...” Assustada com a tentativa do caçador de matá-la e com as
informações que ele passou, ela corre em direção à floresta e seu medo, despertado pela
situação imediatamente vivida a faz ver o mundo de outra forma. Sua imaginação produz
vários perigos e monstros. O escuro, a noite, os troncos e galhos das árvores tornam-se
animais ferozes em sua direção. Perguntas poderiam orientar um contexto voltado para: O
que é sentir medo? é vergonhoso chorar? É vergonhoso sentir medo? Meninos e meninas
podem ter os mesmos sentimentos? O medo pode nos proteger do perigo? O medo pode
nos impedir de aprender coisas novas ou fazer novos amigos? Preconceitos e algumas
relações entre conceitos tais como, medo-vergonha e escuro-medo podem ser enfraquecidos,
enquanto se fortalecem padrões alternativos, adaptativos ou funcionais.
O escuro e a noite podem contribuir para aumentar sensações de perigos
imaginários ou inexistentes? As crianças são advertidas dos riscos potencialmente
envolvidos nessas circunstâncias, o que possibilita a emissão de comportamentos
preventivos. Entretanto, algumas histórias associam o escuro, a noite, a tempestade a
momentos críticos e assustadores.
Novamente, vale ressaltar que todas as interpretações psicológicas e sugestões
de atividades não devem ser utilizadas, necessariamente, com todas as crianças,
independentemente de suas histórias de vida. É possível encontrar crianças que utilizam
a linguagem da fantasia com seres imaginários sem que isto represente problemas ou

312 I «lérciti Abreu Vasconcelos, Oarollne Cunlw d<i Sllvd, Miene Moreira Curado c Palrldti C/<ilv<lo
dificuldades em seu dia-a-dia. A imaginação possibilita uma busca original de solução
para inúmeros problemas, facilitando, assim, o surgimento de pensamentos originais (e.g.,
Virgolim & Alencar, 1994; Virgolim, Fleith & Neves-Pereira, 1999). Infelizmente, desde os
primeiros anos da criança na escola, o pensamento lógico em detrimento das fantasias é
cada vez mais estimulado. "A educação moderna está em crise... Ela tem gerado jovens
lógicos, que sabem lidar com números e máquinas, mas não com dificuldades, conflitos,
contradições e desafios" (Cury, 2003, p. 139). A escola tem estimulado a discussão sobre
o desenvolvimento de todos os animais e pouco tem falado sobre o desenvolvimento do
homem, sobre seu crescimento emocional (Alves, 2002; Brazelton & Greenspan, 2002).

6. Aprenda uma canção... E com muita alegria ó mais fácil trabalhar...

Evento antecedente Comportamentos-alvo -4 Conseqüências


Tarefas a cumprir em um Comportamentos de trabalhar -4 Cumprimento de tarefas;
contexto musical. fettdbacks sociais de prazer,
de realização.

Em Branca de Neve e os Sete Anões o contexto musical transmite a mensagem


para o espectador da contribuição da música para a felicidade, sensações de bem-estar,
especialmente voltadas para o trabalho. No inicio da história a Princesa canta e expõe
seus sonhos de felicidade ao lavar a escadaria do castelo, assim como o Príncipe declara
seu amor e a esperança de um destino feliz para os dois em forma de cançào. Branca de
Neve também canta para espantar o medo e ao limpar a casa dos anões, afirmando que
com muita alegria ó mais fácil trabalhar. Os anões também transmitem essa mensagem
ao cantarem na mina, enquanto trabalham, e na floresta, enquanto voltam para casa. São
músicas que se tornaram conhecidas em pelo menos 20 diferentes idiomas (Rahn, 2000).
O contexto musical enriquece uma atividade lúdica e pode favorecer a um maior
envolvimento por parte da criança nas tarefas propostas. A música tem sido apresentada
como um meio importante para o relaxamento, desde os primeiros anos de vida. Estudos
sugerem efeitos positivos da música clássica sobre o feto, a qual tem sido adaptada para
canções de ninar (Cury, 2003; Valentim, 2002). Os efeitos positivos do contexto musical
para a realização de diferentes tarefas têm sido destacados por vários autores (Ver Alves,
2002; Lipp, 1997/2000; Valentim, 2002). "A música ambiente deveria ser usada desde a
mais tenra infância na sala de casa e na sala de aula" (Cury, 2003, p. 122). Tal contexto
pode facilitar a aprendizagem de conceitos na pré-escola, assim como em toda a vida
acadêmica. Portanto, a música utilizada como recurso lúdico pode facilitar a expressão
de sentimentos e pensamentos de uma criança. Ela poderá escolher trechos de canções
voltadas para o seu dia-a-dia, criar uma canção ao combinar trechos de outras conhecidas,
o que, poderá acrescentar informações relevantes sobre as contingências que são expostas.
Práticas educacionais, seja no contexto fam iliar ou escolar, assim como
procedimentos terapêuticos na clínica infantil deveriam privilegiar recursos de qualidade,
ou seja, que apresentem para a criança informações sobre sua própria cultura ou país,
assim como de outras localidades. São recursos com uma linguagem rica, porém, acessível.
Além disso, as músicas deveriam apresentar também harmonias bem elaboradas. Músicas
infantis tais como as canções de Bia Bedran, Paulo Tatit, Sandra Peres, Hélio Ziskind,
Vinícius de Moraes, Toquinho, a produção do Sítio do Picapau Amarelo, Villa-Lobos para

Sobre Comportamento e Cognição 3 1 3


crianças - Coro Infantil do Teatro Municipal do Rio de Janeiro entre outras poderiam
enriquecer a situação terapêutica com contribuições que se ajustam ao objetivo
construcional da clínica analítico-comportamental infantil. Os estilos musicais brasileiros
como o Chorinho, Samba, Bossa Nova, modas clássicas de viola, a Música Popular de
Raiz, a Música Popular Brasileira e Música Regional poderão aproximar a criança de suas
raízes culturais. O terapeuta analítico-comportamental infantil busca enriquecer o repertório
da criança, respeitando e atuando de acordo com os objetivos e valores de seu grupo
familiar. Assim, o objetivo não ó de eliminação de comportamentos disfuncionais,
desadaptativos, mas o fortalecimento de comportamentos funcionais, o que resultará no
enfraquecimento de comportamentos-problema. Educadores e terapeutas deveriam também
estar atentos à rede de apoio oferecida pela cidade, centros culturais que poderiam ser
incluídos como espaços para sessões fora do consultório, ricas para a observação de
padrões de comportamentos da criança, contribuindo também para o seu conhecimento
geral (por exemplo, exposições de arte como os Quadrões da Turma da Mônica, peças de
teatro, e muitas outras atividades culturais).
Voltando à relação música-trabalho, a história mostra que o trabalho ó necessário
e importante na vida dos personagens. Ele propicia sensações prazerosas como se sentir
útil, ter uma ocupação e produzir algo que tenha utilidade para si mesmo e para outras
pessoas. Para os anões ele resulta em sobrevivência e distração, assim como para Branca
de Neve, a qual propõe aos novos amigos manter a casa limpa e fazer deliciosas tortas e
pudins. Tarefas são desempenhadas pela Princesa com bom humor e disposição, mesmo
quando obrigada a realizar tarefas impostas pela Rainha.
Este trecho da história pode ser acompanhado por brincadeiras que envolvam belas
canções, assim como por discussões sobre algumas obrigações diárias. Enquanto algumas
pessoas trabalham, principalmente pelo dinheiro, outras valorizam outros aspectos de sua
atividade. Enquanto a segunda-feira é vista como um encargo para uns, para outros significa
a retomada alegre das atividades de trabalho e estudo. As crianças poderiam ser incentivadas
a descreverem aspectos positivos em suas tarefas do dia-a-dia. O retomo às aulas após um
final de semana ou após um período de férias poderia ser cuidadosamente preparado pelos
educadores, favorecendo o destaque de aspectos positivos na formação da criança.

7. Nossos am iguinhos...

Evento antecedente Comportamentos-alvo Conseqüências


A presença de anlmâis *4 Interação e carinho com os Respostas positivas dos
animais; setlmentos da alegria anlmais:carinho e permanência ao
e participação em tarefas lado cuidador Favorecimento ao
propostas. processo de aprendizagem e
saúde - o que pode ser
observado na vida da Princesa e
das crianças, em geral

Evento antecedente ^ Comportamentos-alvo Conseqüências


Aparência física. m—} Rotular e discriminar um Menor variabilidade cultural manifesta
indivíduo. dentro de um grupo; baixa auto-estima
e rendimento acadêmico, assim como
isolamento social por parte do rotulado

314 l aércid A b rfu Vasconcelos, Caroline Cunlw dd Sllvd, Flicnc M o rtin i C'unido e l\itrki<i 1/dlv.lo
As interações de Branca de Neve com os animais representam também outro
aspecto extraordinário na comunicação com crianças. O respeito, o carinho e a possibilidade
de conversar com os bichinhos encantam a todas elas. No mundo da fantasia amigos
imaginários e grandes amigos no reino animal fazem parte do cotidiano de muitas crianças.
Noções de amor, de enfrentamento do medo e noções de limpeza e organização dentro de
uma casa, cuidados pessoais são transmitidos às crianças quando Branca de Neve
conversa com os animais.
A utiiização de fantoches de animais em brincadeiras com as crianças pode
contribuir para a transmissão de conhecimento e de criação de um vínculo positivo com
diferentes animais. A interação com o reino animal pode incentivar a educação ambiental,
o cuidado com plantas e animais, a separação do lixo, a reciclagem, o uso moderado da
água e tantos outros temas urgentes na formação das novas gerações.
Uma outra característica da obra de Branca de Neve e os Sete Anões ó a ênfase
nas diferenças individuais dos sete anões. O Mestre, o líder; o Zangado, com seu mau
humor e clara rejeição pelas mulheres, embora seja um importante tecladista em momentos
de festa. Branca de Neve mostra-se compreensiva, diante das críticas de Zangado, lutando
para que ele mude sua opinião em relação a ela, o que acontece no transcorrer da história.
O Dengoso tão envergonhado, tímido; o Atchim, com sua alergia; o Soneca, tão cansado;
o Feliz, sempre disposto e sorridente e o Dunga, o anão com deficiência, o qual nunca
falou. Dunga, participa de todas as atividades, trabalha e se diverte como todos os outros
e não é isolado ou superprotegido por sua deficiência. O convívio entre os anões ó
harmonioso, todos opinam, são ouvidos e aceitos.
Ao Dunga foi atribuída a difícil tarefa de descobrir quem estava dentro do quarto.
Porém, ele não sabia argumentar e, tampouco negociar outras formas de resolver esse
problema. A crianças são impostas também muitas tarefas ou lhe são atribuídas
responsabilidades sem que estas tenham alternativas de escolha. Portanto, de forma
lúdica, elas podem ser conduzidas à formulação de argumentos e à criação de novas
formas de resolução de tais problemas.
Uma análise sobre os personagens pode se tornar uma ocasião de aprendizagem.
O comportamento de rotular as pessoas por suas características mais marcantes, físicas
ou intelectuais é muito comum em nossa sociedade e os educadores ou terapeutas poderão
alterar esse padrão de comportamento. As crianças são muito sensíveis a mensagens
sutis que refletem discriminação de gênero, idade, raça, credo, nível socioeconõmico,
dentre outros. A promoção de um ambiente mais reforçador e acolhedor quanto às diferenças
individuais pode facilitar a comunicação de todas as pessoas envolvidas. A variabilidade
de opiniões, de histórias de vida, de valores poderá ser cada vez mais apresentada, a qual,
por sua vez, contribuirá para um ambiente mais rico, favorecendo a sobrevivência dos
grupos culturais envolvidos.

8. Vocês lavam a louça, vocôs tiram a poeira... e eu sou a varredeira...

Evento antecedente «-4 Comportamentos-alvo - 4 Conseqüências


Objetos espalhados por toda ^^Organizar lavar e limpar dividir Aceitação por parte dos anões
a casa; sujeira... tarefas... (comportamentos da permanência de Branca de
emitidos pela Princesa e também Neve em sua casa... E, para as
por crianças, em geral.) crianças facilltação e cumprimento
de tarefas diárias; elogios ou
reconhecimento dos adultos e de
outras crianças...

Sobre Comportamento c Cognição 315


Evento antecedente Comportamentos-alvo ^ Conseqüências
Horário pré-estabelecldo Seguimento da rotina prô- Elogios; adequado
desenvolvimento para as -♦ estabelecida de horários e ^ desenvolvimento e
atividades voltadas para a atividades manutenção da saúde
alimentação, a escola, as geral
brincadeiras e o descanso...

A divisão de tarefas e acordos estão presentes entre os personagens em Branca


de Neve e os Sete Anões. Na mina, todos estão envolvidos em alguma atividade: grande
parte deles cavando as paredes de pedra, o Soneca transportando as pedras num carrinho,
o Mestre selecionando-as e o Dunga se desfazendo das pedras não selecionadas e
guardando o tesouro dentro da mina. E, enquanto isso, entre as sete colinas, na casa dos
anões, a Princesinha dividia tarefas de limpeza e arrumação com os seus amiguinbos,
vários pequenos animais: ...Vocês lavam a louça, vocês tiram a poeira, vocês limpam a
lareira e eu sou a varredeira... Algumas noções de limpeza e higiene são transmitidas pela
Princesa tais como a forma adequada de varrer o chão, de lavar a louça e de organizar a
casa, bem como a importância de se lavar antes de comer, referindo-se aos anões durante
uma refeição.
Os temas de organização e limpeza são freqüentemente considerados junto às
crianças. A aquisição, manutenção e generalização desses comportamentos são
fundamentais para a sua saúde e para o convívio social. Estímulos poderão ser apresentados
em forma de perguntas como: Existem pessoas que nascem bagunceiras e outras que
nascem organizadas? As pessoas podem aprender a ser organizadas? Quais os benefícios
de se ter uma casa arrumada - louça lavada e guardada em seus devidos lugares, chão
limpo, roupa limpa e roupa suja separadas? Como podemos contribuir para que todos
dentro de uma casa se sintam mais confortáveis e tenham menos trabalho doméstico a
fazer? A quem cabe manter uma casa organizada?
Outras cenas que merecem destaque referem-se à apresentação de lindos relógios
esculpidos em madeira, um dentro da mina, anunciando o final de mais um dia de trabalho
e outro dentro da casa dos anões sinalizando o momento de descanso. Essa noção de
horário, de rotina, constitui um outro ponto informativo para crianças. A existência de
rotina em suas vidas favorece sua saúde física e psicológica, especialmente quando
supervisionada por seus pais, o que pode transmitir para a criança a preocupação, o
cuidado e o amor de 6 eus pais para com ela. A rotina favorece o desenvolvimento das
noções de distribuição de tempo entre as tarefas: há momentos para brincar, estudar,
comer e dormir. Distúrbios de alimentação e do sono são exemplos de dificuldades
comportamentais que poderão ser estabelecidas com a ausência de rotina. Entretanto,
trata-se de regras negociadas com carinho em família, com espaço para flexibilidade
quando se fizer necessário. Brincadeiras poderão ter questionamentos como: Nossos
pais querem apenas sossego, tranqüilidade quando nos põem para dormir? Qual a
importância de termos uma boa noite de sono? Por que não é saudável comer a qualquer
hora? Por que fazer a mesma coisa, nos mesmos horários, todos os dias? Por que temos
que respeitar horários? Alguns horários podem ser negociados?
Outros comportamentos sociais adaptativos também estão presentes na história.
A hospitalidade dos anões ao oferecem suas camas para a Princesinha dormir e o cuidado
de Branca de Neve ao chegar na casa de seus amigos, batendo à porta. As crianças

316 l dérclu Abreu Viinconcelo*, C\irollne Cunhd d.i S||v<i, Hiene M oreiw Cunido c l\itrki<i t/<ilv«lo
poderão ser estimuladas a pensar nos cuidados que devemos ter com nossos hóspedes.
Em que momentos são importantes os comportamentos de pedir licença, dizer por favor,
agradecer, se desculpar? Que benefícios estes comportamentos podem trazer?

9. Será um fantasm a? Um dem ônio? Uma assom bração?

Evento antecedente -f Comportamentos-alvo ^ Conseqüências


Evento desconhecido: Fuga; interpretar que sâo Sofrimento e a nao
fenómenos, objetos, monstros, fantasmas, demônio. resolução do
animais ou pessoas. problema...

Evento antecedonte .4 Comportamentos-alvo Conseqüências

Aparência' trajes e «4 Estabelecer a relação boa -4 Erros de avallzçâo;


gestos... aparêncla-boa pessoa; má discriminação; conseqüências
aparôncia-má pessoa... aversivas para ambos, julgador
e julgado...

Ao retornarem da mina, os anões depararam-se com a presença de alguém em


sua casa. Ao longe avistaram diferenças, fumaça na chaminé, janelas abertas e luzes. O
desconhecido ou algo estranho está em cena e eles se perguntam: será um fantasma?
Um demônio? Uma assombração? São possíveis explicações para um fenômeno estranho
que podem dificultar a solução de problemas e gerar sofrimento, ao antecipar, em geral,
situações altamente ameaçadoras.
O desconhecido entra novamente na história, quando Branca de Neve depara-se
com uma frágil senhora que lhe oferece uma maçã em sua janela. Apesar de ter sido
advertida das artimanhas, do sortilégio da Rainha a Princesa se deixou influenciar pela
aparência da pobre velhinha, aparentemente inofensiva, acolhendo-a no interior da casa e
aceitando a fruta como presente.
Assim, os comportamentos em situações imprevistas poderão ser analisados
com um grupo de crianças em um ambiente escolar ou familiar, assim como no contexto
terapêutico: Quais comportamentos poderão favorecer nossa segurança diante de pessoas
desconhecidas?. Um boa aparência é sinônimo de uma pessoa que sabe respeitar os
direitos do outro, que sabe respeitar uma criança? Que cuidados devemos ter ao abrir a
porta de nossa casa, ao atender ao telefone, ao dar informações sobre nossa fam(tia para
uma pessoa estranha? Fenômenos naturais como a chuva, raios, trovão são sinônimos de
histórias de terror? Que comportamentos podemos adotar para que possam favorecer o
escoamento da água, evitando enchente? Que comportamentos de proteção podemos
adotar diante de alguns fenômenos naturais tais como raios e tempestades? Este trecho
da história possibilita a modelagem de comportamentos de proteção, necessários na vida
urbana, assim como, poderia quebrar a relação existente entre fenômenos naturais e
histórias de terror, caso seja assim definido por uma criança.
Alguns autores sugerem que riscos urbanos tais como seqüestros e assaltos
sejam introduzidos gradualmente para a criança por volta dos 6 anos de idade, não
interferindo no desenvolvimento de relações de confiança entre a criança e o adulto. As

Sobre Comportamento c Cognição 317


crianças em seus primeiros anos de vida deveriam estar sempre sob supervisão cuidadosa
de um adulto (Brazelton & Greenspan, 2002). O respeito dos educadores e terapeutas aos
valores familiares, ao repertório comportamental e ao ritmo de aprendizagem de uma criança
poderá garantir estratégias educativas apropriadas, não constituindo critério para seleção
destas, apenas a idade das crianças.
A história apresenta trechos que retratam preconceitos, regras cuja discussão
junto às crianças, novamente, poderá resultar em ganhos positivos, em uma visão mais
ampla do fenômeno considerado. Diante da Princesa dormindo em suas caminhas, enquanto
alguns a consideram um anjo Zangado comenta: Ela ó uma mulher e as mulheres são
falsas, cheias de sortilégios. Em uma outra parte Branca de Neve ao tentar adivinhar quem
morava naquela casinha que se apresentava com sapatos e meias sobre a mesa, com
muita louça suja, poeira acumulada e roupa espalhada. ...Com tanta bagunça aqui devem
morar crianças órfãs..., transmitindo a mensagem de que crianças são bagunceiras, quando
não tôm uma orientação, supervisão de mãe.
Em outros momentos, a história apresenta uma interpretação igualitária entre
homens e mulheres, quando um anãozinho pede à Princesa que lhes conte uma história
de amor. Aqui homens também mostram interesse por uma história de amor, quando
todos eles param para ouvir o encontro que Branca de Neve teve com um príncipe. A
interpretação de que senhoras, idosas, frágeis podem ser acolhidas sem nenhum risco,
no trecho de envenenamento da Princesa pela Rainha madrasta em seu disfarce, também
ilustra um preconceito que teve conseqüências desfavoráveis para a Princesa. Portanto,
as classificações de pessoas boas ou más baseadas na aparência, a divisão de sonhos
em femininos e masculinos poderá ser tema de discussão, uma ocasião para tornar as
crianças mais sensíveis às contingências, diminuindo a força de regras que estabelecem
o que são os homens, as mulheres, os bons e os maus.

Evento antecedente -4 Comportamentos-alvo -4 Conseqüências


0 conceito de felicidade. -4 Casamento com um “príncipe" -4 Ser feliz para sempre...

10. Um dia... Eu serei feliz... E foram felizes para sem pre...


Ao encontrar Branca de Neve paralisada pela poção da Rainha, o Príncipe não
hesita em dar-lhe um beijo de amor, desfazendo o feitiço da madrasta. O casal se dirige,
então, ao castelo onde viveram felizes para sempre. Em Branca de Neve e os Sete Anões
a Princesa e o Príncipe sonham um dia se encontrarem e terem um destino feliz, são as
primeiras cenas do filme. Todos os clássicos infantis envolvendo príncipes e princesas
são finalizados com a realização desse encontro, do sonho de felicidade.
As crianças e jovens do século XXI poderiam ter acesso a discussões, em
brincadeiras que lhes possibilitassem pensar em formas de sonhar e de encontrar felicidade.
O contexto poderia ser orientado por questões como: o que gosto de fazer e me deixa
feliz? O que não faço, mas gostaria de estar fazendo? Por que, muitas vezes, o sonho de
se ter um amor eterno não se realiza? Em que um homem e uma mulher podem contribuir
para juntos encontrarem a felicidade? Homens e mulheres têm sonhos de felicidade a
dois? Todos os príncipes e princesas são felizes ou mais felizes que outras pessoas que
não fazem parte da realeza? As moças seriam mais felizes se fossem princesas e
encontrassem verdadeiros príncipes? [repetir a pergunta utilizando moços].

318 l.aércia Abreu Va*concelo», Caroiinc Cunha da Silva, Elienc Moreira Curado c Patrícia Qalvilo
O final feliz da maior parte das histórias infantis, representa para a criança a
possibilidade de solução dos problemas vividos pelos personagens que souberam respeitar
os direitos de outros. Branca de Neve livra-se do feitiço da Rainha madrasta e reencontra
o Príncipe. Por outro lado, a madrasta não teve seus sonhos realizados, envolvendo a
destruição da Princesa, chegando ao final da história de forma trágica, com sua queda de
um penhasco. Os conceitos de bom e mau e os finais felizes e tristes podem se tornar
também temas de discussão com crianças ao envolver as seguintes questões: Fazer o
bem sempre ó seguido por conseqüências positivas, enquanto fazer o mal é seguido por
conseqüências negativas?
Em Branca de Neve e os Sete Anões diferentes conceitos, valores, regras e
outros padrões de comportamentos podem ser discutidos de forma lúdica com a criança.
A programação de contingências, por parte de educadores ou terapeutas poderá favorecer
ao enriquecimento do repertório comportamental das crianças, com a manipulação de
estímulos antecedentes e conseqüentes. Estímulos discriminativos podem constituir uma
ocasião que favorecerá a emissão comportamentos funcionais e novas soluções para os
problemas vividos pelos personagens. Assim, questões reflexivas, jogos nos quais
alternativas de solução para os problemas são apresentadas, filmes, dramatizações, teatro
de bonecos, a música, redações, entre outras possibilidades aplicadas individualmente
ou em grupos podem fazer parte dos estím ulos discrim inativos utilizados. A
conseqüênciação positiva para os comportamentos emitidos pelas crianças cria um
contexto receptivo, não coercitivo, favorecendo a expressão de diferentes opiniões. O
reforçamento natural, em oposição ao reforçamento arbitrário, tornará a situação de
aprendizagem mais próxima ao ambiente natural, o que facilita a ocorrência de
generalização de estímulos (e.g., Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). Isto ó, a emissão dos
comportamentos adquiridos em um determinado ambiente para outros ambientes
constituídos por semelhanças físicas ou funcionais (e.g., Gadelha, 2003; Gadelha &
Vasconcelos, no prelo). Estas estratégias lúdicas contribuem para o desenvolvimento da
criança, especialmente nos campos intelectual e emocional.

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320 L itrd ti Abreu Vasconcelos, Caroline Cunha da Silva, Mlene Morvlra Curado e Patricia C/alv,lo
= = Capítulo 30
Terapia de grupo como processo
interpessoal

Luc Vândcnbcrghc
i/nivcrsidn/c L\itóHcd </<• C/o/<í$

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), além de uma abordagem psicoterapêutica,


pode ser vista como uma forma de entender o processo de mudança em terapia. Não
propõe técnicas diferentes, mas uma maneira para o terapeuta falar e pensar sobre a sua
atuação, a partir do que acontece no encontro entre ele e seu cliente. Podemos dizer que
um terapeuta FAP não age necessariamente diferente de um colega que trabalha com
Terapia pelas Contingências ou Terapia de Aceitação e Compromisso, mas fala de maneira
divergente sobre o que faz.
Enquanto a linguagem da FAP foi moldada pelo discurso sobre a psicoterapia
individual (Kohlenberg e Tsai, 1991/2001), a intenção deste texto ó de expandi-la para o
contexto da terapia de grupo. A conceitualização analítica funcional pode facilitar a discussão
sobre o que acontece na relação entre o terapeuta e cada um dos clientes que participam
de um grupo de terapia. Este texto, contudo, pretende ir ao menos um passo mais longe,
mostrando o potencial da mesma linguagem para a análise dos processos curativos que
podem emergir rras interações complexas do grupo como um todo.
Novamente, esta forma de analisar o processo de grupo não implica uma inovação
técnica da terapia comportamental em grupo. Um dos fatores terapêuticos mais importantes
no grupo é a aprendizagem interpessoal pelas conseqüências (Delitty e Derdyk, 1999).
Esta aprendizagem é exatamente o princípio fundamental da FAP.
Conflitos entre participantes ou entre participantes e terapeuta, o cliente que
monopoliza a ação ou aquele que, pelo contrário, contínua silencioso apesar de
convites e desafios para participar, o queixoso que rejeita ajuda, são problemas
comuns na terapia em grupo (Delitty e Derdyk, 1999). Freqüentemente, trata-se de
comportamentos clinicamente relevantes que precisam ser analisados, em certos
casos como momentos em que o problema do cliente se manifesta e em outros
como momentos de mudança.

Sobre Comportümenlo e Cognição 321


1. Psicoterapia Analítica Funcional em grupo.
Pensar em termos de FAP começa com uma constatação que talvez cada terapeuta
skinneriano pode fazer. A única possibilidade de influenciar o cliente passa pela nossa
relação interpessoal com ele. Queremos mudar o comportamento do cliente fora da sessão,
mas somente podemos reforçar ou enfraquecer o que ele faz em nossa presença.
Três condições são necessárias para que as vivências no consultório possam
tornar-se um instrumento de mudança. São pré-requisitos para poder falar em termos de
FAP em qualquer setting terapêutico.
(1) A situação em que o cliente age durante a sessão deve ser funcionalmente
similar com a circunstância em que o comportamento problemático acontece no seu dia-
a-dia. (2) Tanto comportamentos que caracterizam problemas do cliente, quanto melhoras
clínicas (mudanças fundamentais) devem ser possíveis na sessão terapêutica. O que o
cliente faz na terapia não pode ser qualitativamente diferente do que faz ou poderia fazer
no cotidiano fora da sessão em relação com outras pessoas. (3) As conseqüências que
obtém com seu comportamento devem ser relevantes para ele e para a situação de vida
dele. Conseqüências que são funcionalmente diferentes de qualquer tipo de troca com
outras pessoas nos contextos do cotidiano do cliente, são irrelevantes.
Antes de decidir se ó possível trabalhar com FAP, o terapeuta precisa avaliar não
somente os comportamentos do cliente e as suas relações com as contingências de sua
vida. Deve também fazer um diagnóstico da relação terapêutica. A necessidade de analisar
a relação terapêutica para poder atuar decorre diretamente da visão contextualista que
subsidia a FAP. De acordo com esta visão, o mesmo comportamento da mesma pessoa
significa algo completamente diferente dependendo do contexto em que acontece. Por
isto, não podemos entender o que o cliente está aprendendo com uma vivência durante o
encontro terapêutico, se não é examinado este contexto.
Resumindo os três pontos acima mencionados, podemos dizer que, para poder
pensar em termos de FAP, os estímulos antecedentes, os comportamentos e as
conseqüências durante a sessão devem ser funcionalmente equivalentes com as do cotidiano
problemático do cliente. Na minha experiência, a terapia de grupo comporta facilmente
estas três condições.
Há uma segunda constatação a partir da perspectiva skinneriana, que permeia o
processo da FAP e que é relevante para a terapia de grupo. Nosso comportamento é
modelado pelas contingências do cotidiano e estas contingências são o resultado do
nosso comportamento. Podemos pensar como exemplo, num cliente que é maltratado
quando ele toma iniciativas e cujo comportamento submisso é reforçado pelas pessoas
importantes na sua vida. Do outro lado, pára de atrapalhar estas pessoas com suas
iniciativas quando elas o maltratam. Isto significa que reforça (negativamente) o
comportamento de maltratá-lo. Obedece quando pessoas mandam nele. Isto quer dizer,
reforça (positivamente) o comportamento dominador delas.
O que acontece na terapia? Ele espera que o terapeuta ou outros participantes
lhe falem o que fazer. Na interação com este novo ambiente, reconstrói as contingências
interpessoais que mantêm seus problemas. Terapia pode ocorrer quando a interação no
grupo reforça novos comportamentos, como tomar iniciativas ou decisões, protestar quando
o terapeuta ou outros membros mandam-no fazer algo. Quando são reforçadas no grupo,
estas novas táticas de vida aparecerão em diferentes variações em situações
funcionalmente similares. Os padrões habituais das pessoas nestes outros ambientes

322 l.uc Vdmlenberflhe


não serão mais reforçados por estas novas estratégias interpessoais e as contingências
sociais no dia-a-dia do cliente mudarão. Com o que aprendeu durante a sessão, ele age
diferente fora da sessão e assim muda a maneira em que as pessoas o tratam.
Quando começou a freqüentar o grupo, o cliente do nosso exemplo descreveu
um cotidiano de isolamento social e sem crença na possibilidade de mudança. Tinha
desistido do trabalho e atividades de lazer, parecia seguir os palpites e instruções dos
outros, sem persistir em nenhuma atividade e justificou (para quem queria ajudá-lo) sua
passividade com sua história de vida sofrida. Fora disso, não expressou suas opiniões ou
desejos.
No grupo, esquivou de perguntas sobre sua opinião. Faltou em muitas sessões e
se mostrou muito pouco participativo. Procurou justificar-se por não ter feito tarefas de
casa. Não reagiu à fala dos outros, ignorando tentativas dos outros de iniciar interações,
aceitando passivamente todas as propostas do terapeuta, mas no fim nunca colaborou na
execução destas.
No início, seu silêncio irritava os outros participantes, que consequênciaram suas
esquivas com críticas, tornando assim sua estratégia ineficaz. Instigaram-no a falar sobre
si e reforçaram as falas sobre ele mesmo com escuta interessada. Parece que o seu
silêncio era aversivo para os outros membros. Sua fala, num primeiro momento, aliviou a
pressão sobre os outros (estes não precisavam falar sozinhos quando também começou
a fazer sua contribuição). Assim, exigir sua participação e manter a sua fala com uma
variedade reforços como atenção e colocações direcionadas aos conteúdos que trouxe,
eram comportamentos sob controle de reforço negativo.
Num segundo momento, estes comportamentos dos ouvintes passaram a ficar
sob controle de elementos interessantes que a sua fala trouxe para eles. Assim, os
comportamentos dos outros que evocaram e sustentaram as suas contribuições, foram
mantidos por reforço positivo. Suas primeiras tentativas de tirar algum proveito do processo
de grupo foram desajeitadas, mas provocaram muita interação entre os demais membros
do grupo e estimularam a discussão livre entre eles. Sua fala se tornou um estímulo
discriminativo para comportamentos dos outros de atentar, elaborar e aprofundar os
assuntos.
Quando numa sessão relacionou sua atitude calada com sua crença de que as
pessoas não entendiam o que falava, entrou em contato com outras contingências na
vivência deste momento, pois os participantes entenderam e compreenderam muito bem
o que estava dizendo. Tais vivências enfraqueceram o controle verbal exercitado por regras
deste tipo e o colocaram em contato direto com contingências sociais que favoreceram
comportamentos que iriam ajudá-lo na resolução dos seus problemas, como tomar
iniciativas, expressar sentimentos e desejos, interagir ativamente com os outros.
Suas tomadas de iniciativa foram reforçadas em diferentes situações. Em vários
momentos os participantes não tiveram meios para voltar para casa, e assim acabou
tomando a iniciativa de oferecer uma carona. Quando uma participante expôs seus
problemas e ele se identificou com eles, relatou seus sentimentos e ofereceu sugestões
para ela, que foram bem aceitas e apoiadas pelo grupo.
Suas atitudes frente à terapia mudaram. Não concordando com uma tarefa, começou
a assumir sua atitude e explicar por quê. Chegou a participar de todas as sessões, a
interagir espontaneamente com outros membros do grupo e a propor objetivos para sessões
futuras.

Sobre Comportamento c Cojjnivüo 323


Uns exemplos que podem ilustrar mudanças profundas na sua vida são: ír contra
a opinião de algumas figuras de autoridade, voltar a participar de reuniões de família,
freqüentar novos ambientes e conhecer novas pessoas. Toma uma seqüência de iniciativas
profissionais, e diversas decisões que levam sua vida para frente.

2. Reflexões
O grupo pode ser um contexto excelente para FAP por três motivos.
(1) Os antecedentes: Situações sociais difíceis acontecem realmente no grupo e de
maneiras bastante variadas. Não precisam ser introduzidos em forma de role play
porque fazem parte do encontro entre pessoas.
(2) Os comportamentos: O cliente realmente precisa lidar com estas situações. Não se
trata de ensaiar, mas de ação no seu próprio direito.
(3) As conseqüências: Os outros membros do grupo realmente reagem ao comportamento
do cliente (sem precisar fazer um papel) porque suas atitudes têm efeitos sobre eles e
precisam lidar com estes efeitos.
Tendo estas características, os processos interpessoais espontâneos no grupo
possibilitam os episódios genuínos (em contraste com ensaios, treinos, exercícios ou
dramatizações), que de acordo com FAP têm o maior potencial curativo, por transformar
diretamente os padrões clinicamente relevantes, através da vivência do encontro com
outras pessoas.
Se o grupo tem todas as características necessárias, ainda precisa de terapeutas?
E para que? Acredito que numa terapia de grupo, segundo os princípios da FAP, o trabalho
do terapeuta ó crucial. Suas tarefas são complexas e estrategicamente delicadas. Elas
incluem:
• Propor e coordenar as discussões.
• Moderar as trocas entre participantes.
• Destravar seqüências de interações repetitivas quando necessário.
• Tornar as interações mais intensas.
• Evocar comportamentos clinicamente relevantes.
• Instigar interações nas quais os participantes podem aprender algo relevante para os
seus problemas.
• Facilitar reforço positivo e interromper interações punitivas.
• Cuidar para qufe novas táticas valiosas (mas inicialmente ainda fracas) que emergem
no meio das trocas, não sejam extintas pelo grupo.
• Além disso, é uma das pessoas que está envolvida na interação, o que o torna
inevitavelmente, um participante do grupo.
Psicoterapia analítico-funcional num grupo é uma inovação, mas não ó uma quebra
com as técnicas estabelecidas do grupo comportamental estruturada em módulos de
aprendizagem. Não se trata de eliminar as técnicas tradicionais da terapia comportamental
em grupo, para deixar as interações espontâneas predominar. Módulos programados,
temas sucessivos com atividades escaladas, podem ser aproveitados como contextos de
encontro, de colaboração e de convivência para se fazer FAP.
Como conduzir FAP nestas condições? Trata-se de atentar-se às trocas que
acontecem entre os participantes como pessoas envolvidas em atividades em conjunto,
conhecendo um ao outro, ajudando, criticando, colaborando com ou defendendo-se do

3 24 l.uc Vcinilcnborfllie
outro. Consiste em prestar atenção a eventos mais importantes que ocorrem entre estas
pessoas, o terapeuta e os participantes, enquanto estão participando destas técnicas. É
olhar além das técnicas e levar a sério o comportamento.
Fazer FAP só é possível quando você não considera o que os clientes falam como
comunicação sobre outros tópicos, mas como comportamento relevante por si mesmo.
Assim, cada fala pode ser uma manifestação do problema ou uma melhora ao vivo. A
vantagem da FAP é que os participantes do grupo não aprendem sobre a vida, como é o
caso com técnicas de dramatização, treino de habilidades ou ensaios comportamentais.
Aprendem pela experiência direta a lidar com o outro e com problemas reais durante a
sessão. A interação no grupo, assim, nào é um contexto didático, mas uma oportunidade
de aprendizagem e de crescimento coma própria vida.
Com todo o anterior, sugeriu-se que os princípios da FAP constituem uma opção
interessante para intensificar e aprofundar o processo de mudança em terapias de grupo.

R e fe rên c ia s

Delitty, M. & Derdyk, P. (1999). Terapia comportamental em grupo. In: R. Kerbauy & R. Wielenska
(Orgs.). Sobre comportamento e cogniçào v.4.: Psicologia comportamental e cognitiva - da
reflexão teórica à diversidade na aplicação. Santo Andró: ESETec Editores Associados
Kohlenberg, R. & Tsai, M. (2001), FAP. Psicoterapia Analítico Funcional. Santo Andró : ESETec.
(Original 1991. Tradução organizada por R. Kerbauy).

Sobrr Comportamento e CognlçAo 325


Capítulo 31
Melhora de desempenho na gagueira: o
que a terapia comportamental cognitiva
tem a oferecer?
M aria José Car/i pontes1

O objetivo deste trabalho é apresentar duas propostas de atuação na gagueira,


dentro do referencial teórico da terapia comportamental cognitiva. O tratamento da gagueira
nem sempre ó realizado pelo psicólogo. Em nosso meio, é o fonoaudiólogo que mais
trabalha com essa patologia. Um trabalho integrado, que reúna psicólogo e fonoaudiólogo,
pode trazer resultados positivos e duradouros.
Na primeira proposta, relata-se um caso clínico de gagueira em adulto, em que a
atuação psicológica ocorreu concomitantemente à terapia fonoaudiológica. A atuação
psicológica foi conduzida com o objetivo de diminuir a ansiedade da cliente, diante das
situações temidas e construir um novo repertório comportamental, mais adaptativo e
integrado ao meio em que vive. Na segunda proposta, apresenta-se um programa
desenvolvido pelo Dr. Gordon Blood, patologista da fala da Pennsylvania State University.
Este programa chama-se Power 2 e foi desenvolvido com o propósito de prevenir a recaída
e fornecer uma maneira fácil e estruturada de ensinar adolescentes a lidar com a gagueira
e com seus sentimentos.
A gagueira ó um distúrbio da comunicação que envolve disfluências involuntárias.
É diagnosticada precocemente, geralmente em torno de dois ou trôs anos na maioria dos
casos, e torna-se uma condição crônica para cerca de 2 0 % das pessoas que apresentam
disfluências na infância (Bloodstein, 1995).
Toda gagueira é uma disfluôncia, mas nem toda disfluôncia ó gagueira. Essa
disfluência que inicia na infância é também chamada de gagueira idiopática ou
desenvolvimental. De acordo com Andrade (1999), resulta de uma disfunção do controle
motor e temporal da fala, com base genética (modelo de transmissão poligênico-
multifatoriai). Em sua evoluçào, em decorrência de fatores pessoais e ambientais, que
ainda não estão suficientemente compreendidos, pode implicar em prejuízos significativos
nas relações sociais.

1 Pfticòlogn, doutoranda em Pnlcotog)« do IPUSP, Docente UNIP- SAo Joeé do Rio Prelo

326 Murta Jotó Ctirll Çome*


A gagueira aparece em todas as culturas e sua prevalência na população mundial
é de 1% (Bloodstein, 1995), sendo mais freqüente em pessoas do sexo masculino, numa
proporção de 3:1 (Poulos e Webster, 1991; Andrews, Morris-Yates, Howie e Martin, 1991).
Para Van Rlper e Emerick (1990/1997) a gagueira tem três aspectos principais:
um comportamento de fala anormal, perturbação emocional e atitudes negativas que
resultam em ajustes no estilo de vida. Esses autores destacam o papel das emoções na
gagueira:
"Ansiedade, frustração, vergonha e outras emoções negativas tomam conta da
pessoa quando ela tenta falar e percebe que está bloqueada. Com os repetidos
fracassos no ato de falar, o gago passa a acreditar que a comunicação é muito
difícil e que ele, de certa forma, è imperfeito e inferior como pessoa. Aos poucos,
quando entra na idade adulta, sua auto-imagem torna-se tão infiltrada com
pensamentos mórbidos e negativos que ele antecipa e interpreta a maioria de
suas experiências diárias em termos de sua anormalidade da fala. A gagueira
tende a dominar seus dias, bem como seus sonhos " (p.262).

Essas conceituações levam profissionais da gagueira a estar atentos, não apenas


aos comportamentos observáveis como pausa, repetições silábicas, bloqueios, tensão
muscular e esforço, como também na influência de fatores ambientais e emocionais, que
podem influir no agravamento dos sintomas(Andrade, 1999; Gregory, 1994; Haynes, Pindzola
e Emerick, 1992; Peters e Guitar,1991). Os sentimentos que o gago apresenta à respeito
de sua fala, expectativa ou antecipação de uma sensação desagradável quanto ao seu
desempenho na comunicação interpessoal, associados aos comportamentos de esquiva
e fuga das situações de fala, têm um importante papel na avaliação e tratamento da
gagueira em adultos.

1. Caso Clínico de G agueira em Adulto: Terapia com portam ental cognitiva


integrada à atuação fonoaudiológica.
Este estudo está relatado em maiores detalhes, em um artigo em co-autoria
(Schrochio e Gomes, 1999). Ele sugere a possibilidade de uma atuação fonoaudiológica
e psicológica concomitante, na avaliação e tratamento da gagueira em adulto, partindo do
pressuposto que esta não é uma prática presente no atendimento clínico fonoaudiólogico
tradicional. O fonoaudiólogo pode, através da avaliação, propiciar ao cliente o conhecimento
dos aspectos relacionados às manifestações da gagueira e seus prejuízos para a efetividade
da transmissãoTla mensagem pelo indivíduo gago. E o psicólogo pode atuar no sentido de
diminuir a ansiedade do gago diante de situações aversivas, construindo, gradualmente,
um novo repertório de enfrentamento.
A idéia de uma atuação integrada surgiu a partir de observações da gagueira
apresentada pela cííente e de certas características lingüísticas e psicológicas: a) ganhos
na terapia fonoaudiológica limitavam-se, praticamente, ao contexto clínico, com dificuldades
na transferência e generalização; b) fala rápida e movimentação secundária exacerbada
(tremor dos lábios), c) amplo repertório de esquiva e fuga das situações de fala. d) isolamento,
depressão e desesperança, e) tratamentos anteriores mal sucedidos.

1.1 Cliente
A cliente, a quem chamaremos pelo nome fictício de Mila, tem 28 anos, bacharel
em Direito, solteira, desempregada. É gaga desde a adolescência.

Sobre Comportámtnlo t CogniçAo 327


Mora com os pais e o irmão, que ó casado. Pais são pessoas simples, com
pouca instrução. O pai é aposentado e a mãe trabalha cuidando de senhora idosa e
doente. Não se dá Çem com o pai. Guarda muita mágoa dele, "pelos anos tristes da
infância, com muita pobreza e falta de carinho." Com a mãe, tem um bom relacionamento.
É muito dependente dela e tem consciência disto: "Minha màe é minha boca, falo através
dela."
A gagueira de Mila foi avaliada como apresentando um grau de severidade
moderada, de acordo com o SSI (Stuttering Severity Instrument for Children and Adults)),
proposto por Riley (1972). Nas amostras da fala, apresentou de 41% a 60% de palavras
gaguejadas, com repetições de silabas e de palavras, bloqueios, prolongamentos e
movimentação secundária (mímica facial, movimentação de cabeça para baixo e de
membros superiores e inferiores) bastante distrativa. A velocidade e a articulação da fala
estavam também aumentadas.

2.1 Queixas e informações:


• Queixa principal é a gagueira: quando fala com estranhos e ao telefone. Evita palavras
e situações de comunicação.
• Ansiedade e tensão em muitos momentos. "Pânico e suor excessivo" quando fala.
• Dificuldade em relaxar, tristeza e solidão.
• Isolamento social; nenhum lazer(a não ser quando vai passear com a mãe no shopping).
• Dificuldade em fazer novas amizades e manter as que já tem.
• Sente-se mal e inferiorizada perante todos, por não conseguir emprego.
• Insatisfeita, insegura, exigente, não sabe partilhar.
Na terapia fonoaudiológica foram trabalhados os seguintes aspectos da fala: ritmo
e velocidade, organização, inteligibilidade, auto-monitoramento, conscientização e
modificação do comportamento de fala e aspectos pragmáticos da linguagem.
Na terapia psicológica, com o objetivo de diminuir a ansiedade de Mila.diante das
situações temidas e construir um novo repertório comportamental adaptativo e integrado
ao meio em que vive, foram empregados os seguintes procedimentos:
• Relaxamento
• Dessensibilização sistemática
• Treino comportamental
• Treino de discriminação e registro dos sentimentos e pensamentos nas situações de
fala
• Reestruturação cognitiva
• Treino de habilidades sociais
Foi construída uma hierarquia das situações mais temidas por Mila, com o objetivo
de trabalhar a exposição gradual a elas. Abaixo encontra-se uma lista de metas a atingir
na terapia, colocadas em ordem de dificuldade crescente:
• Conversar com a mãe e com irmão.
• Conversar como pai e com cunhada.
• Ira casa de uma amiga conversar.
• Lazer com amigas (ir ao cinema, por exemplo).
• Fazer compras(pedir algo).

328 Mciri.i )osò Caril C/omcs


• Iniciar novo relacionamento.
• Falar ao telefone.
• Procurar emprego.
• Ir ao Forum local e pedir informação sobre um processo.
No decorrer do atendimento foram identificados e trabalhados alguns aspectos
importantes do comportamento de Mila, tais como o isolamento social em que ela se
encontrava, certas crenças irracionais, seu autoritarismo e o não saber partilhar. A cada
semana Mila devia executar um certo número de tarefas, que variava em função do estágio
da hierarquia que estava sendo trabalhado.
As sessões de cada modalidade de tratamento eram semanais, com a duração
Quadro 1: Mudanças ocorridas no comportamento de Mila.

Aspectos Avaliados Inicio da Terapia Um ano após

Comunicação Não iniciou diálogos, porém Iniciou e mantevo diálogos,


os manteve, respeitando a respeitando a troca de
troca de turnos. turnos.

Disfluôncias Hesitações; Interjeições; H e sita çõ e s; In te rjeiçõ es;


Repetições de palavras, Repetições e bloqueios.
silabas e sons; Bloqueios. Palavras Inacabadas.

Mimica Facial, Bastante Levemente notáveis para


Movimentação de cabeça distrativas. um observador casual.
e de membros suporiores.
Severidade da Gagueira Grau Moderado: Grau Leve:
(SSI) 41% a 60% de palavras 17% a 19% de palavras
gaguejadas. gaguejadas.

Velocidade da Fala. Acima da média: 160 pal./min.:


(183 pal./min) na conversa dentro da normalidade
espontânea. (140 a 170/min)

Velocidade da Articulação Emissão de 5 sil./seg.: fora Emissão de 4 sil./seg.


da média (3 a 4 sil./seg).

Repertório Alta freqüência de Repertório de enfrentamento


Comportamenlal comportamento de esquiva de várias situações de
e fuga das situações de comunicação.
comunicação.
Isolamento Social Não visita nenhuma amiga e Procurou amigas de
raramento recebe alguma. infância; mantém contatos
esporádicos.

Aparôncia Fisica Pouco cuidado com a Bem arrumada; brincos e


aparôncia; desanimada. colares.Mudou o corte de
cabelo.
Relatos de sentimentos Ansiedade, tensão, culpa, N iveis re b a ixa d o s de
tristeza, raiva e ansiedade e tensão. Raiva e
agressividade. culpa raramente descritas.

SobreComportamentocCognição 329
de 50 minutos cada. Após um ano de atendimento integrado, foram reavaliados alguns
aspectos do comportamento de Mila, que estão apresentados no quadro abaixo:
Com relação ao isolamento social, Mila conseguiu vários êxitos. Voltou a falar
com uma amiga de infância, que mora apenas a cem metros de sua casa e com a qual
não mantinha contato havia dois anos.
Sua aparência física modificou bastante, em comparação com o início da terapia.
Hoje apresenta-se bem arrumada, com batom e blush de tonalidade discreta, brincos e
colares, assim como mudou o corte do cabelo. Tem observado rapazes e está atenta a
olhares e comentários por parte deles, com o objetivo de paquerar e arrumar um namorado.
No início da terapia chorava em todas as sessões. Um ano após, conseguia falar sobre
coisas que a magoavam, sem chorar.
Decidiu trabalhar em áreas diferentes da advocacia e prestou dois concursos
públicos, na época, mas não passou. A terapia continuou por mais 8 meses e foi
interrompida.
Atualmente, M. está trabalhando em um banco estatal, selecionada após um
concurso público em que se saiu muito bem. Está namorando e relata ser feliz. Há
revalidação social de sua melhora: sua mãe entrou em contato, por duas vezes, para
relatar as mudanças benéficas que ocorreram na vida de sua filha.

2. Pow er 2- Tratam ento cognitivo com portam ental para prevenir a recaida
em adolescentes que gaguejam .
A obtenção da fluência é suficiente para mudar sentimentos e atitudes do gago?
Para Dr. Blood, eminente patologista da fala, não. Para ele, mudanças nas atitudes
e nos sentimentos não resultam, necessariamente, dos procedimentos de modelagem da
fluência. É necessário trabalhar as mudanças cognitivas, instalando novas habilidades e
prevenindo recaídas, além da manutenção e transferência dos ganhos para outros contextos.
Para isto, esse autor propõe o Power 2 (Blood, 1995) que é um programa que foi desenvolvido
com o propósito de prevenir a recaída e fornecer uma maneira fácil e estruturada de ensinar
adolescentes a lidar com a gagueira e com seus sentimentos.
Após um treinamento intensivo da fluência, durante 25 horas, é introduzido o
Power 2, que é um jogo de tabuleiro, através do qual são trabalhados pensamentos e
sentimentos sobre responsabilidade, domínio, resiliência, auto-estima e recuperação, por
um mínimo de 50 horas. A terapia, nesta fase, incluía também revisões e prática dos
comportamentos e habilidades adquiridos na fase anterior, além de ensinar estratégias
para enfrentar situações de recaída ou percebidas como muito estressantes.
Power* é uma reunião das iniciais de P(permission), O(ownership), W(well-being),
E (esteem of one’s self), R(resilience) e R2(responsability). Nesse jogo, o participante
joga dois dados, um com letras (P,0,W,E.R,R2) e o outro com números( 1,2,3,4,5,6 ). Se
tirar, 4 e P, por exemplo, vai andar 4 casas e responder uma pergunta sobre
Responsabilidade.
Em cada casa de jogo pode haver letras; se cair numa letra F(power-full), o
participante deve responder de uma maneira mais positiva, construtiva, segura. Se cair na
letra L(power-less), vai responder de maneira menos positiva, menos segura e menos
produtiva. De acordo com Blood (1995), esta forma de dessensibilização e prática negativa
ajuda os clientes a imaginar de que maneira estão reagindo à sua gagueira e às situações

330 Miirl.i Joié C'arli C/ome*


de comunicação. Com isso os participantes percebem sua gagueira em meio "seguro" e
não punitivo, experimentando diferentes modos de responder.
Outra letra, a D, pode aparecer também em algumas casas do jogo. Significa o
momento da diversão. São cartões de atividades para serem desempenhadas durante
alguns minutos (3 a 5min). Incluem treino comportamental e desafios sobre a gagueira
(por exemplo, “Não consigo falar pizza e peço pro meu amigo telefonar pedindo"). Essas
atividades tôm o propósito de trazer à tona alguns problemas e verificar como o cliente
responde. É um bom momento para o terapeuta oferecer soluções alternativas e outras
explicações em uma atmosfera não-ameaçadora.

2.1 Power 2 : Resumo dos Tópicos e das Atividades


• Permissão (permission): Nesta fase o cliente discute a gagueira e recebe informações;
treino em habilidades de comunicação e técnicas de solução de problemas.
• Domínio (ownership): Discute-se o domínio do problema; objetivos a curto e longo
prazo na terapia; sentimentos e pensamentos.
• Bem-estar (well-being): Foco nos sistemas de suporte social e nas barreiras que
impedem o sucesso. Análise de como o cliente lida com as “crises" de gagueira em
sua vida.
• Auto-estima (esteem of one’self): Discussões sobre assertividade. Auto-falas e
mudanças nos pensamentos e sentimentos sobre si mesmo e sobre a gagueira.
• Resiliência (resilience): Discussões sobre "retrocesso" após momentos de gagueira;
perda de controle; fluência perfeita, etc.
• Responsabilidade(responsability): Lida com a mudança e o uso funcional de habilidades
motoras e cognitivas. Discute modelos de comunicação, aceitação cognitiva;
identificação de estratégias para diferentes situações.
Power 2: Exemplos de questões
• Permissão: “Diga três coisas que você pode fazer ao invés de gaguejar, para transmitir
sua mensagem."
• Domínio: "Quantas pessoas gagas há nos Estados Unidos?" "Há mais gagos do que
gagas?"
• Bem-estar. "Enumere três amigos. Como eles influenciam sua gagueira?"
• Auto-estima: “Defina assertividade."" O que é auto-fala?"
• Resiliência* Algumas pessoas exageram o “negativo", hipergeneralizando. Descreva
uma vez em que isso aconteceu depois que gaguejou."
• Responsabilidade; "Seu amigo lhe pede que fale lentamente e solte a fala. O que
você faz?"
Power 2: Resultados Finais
• Porcentagem de sílabas gaguejadas: menos de 3% para todos os participantes no
final do tratamento.
• Follow-up: Ganhos foram mantidos após 6 meses e 1 ano.
• Severidade da gagueira: De grau Moderado para Leve ou Muito Leve.
• Sentimentos: De alta apreensão sobre a comunicação para baixa apreensão.
• Padrões de Esquiva: Diminuição da freqüência de esquiva. Novos repertórios de
enfrentamento foram adquiridos.

Sobre Comportamento e Coflnlvílo 331


• Assertividade: Aumento na freqüência de comportamentos assertivos nas situações
sociais.
Os resultados mostraram que os participantes mantiveram um baixo nlvel de sílabas
gaguejadas durante a fase de manutenção e de follow-up, além de mudanças positivas
nos sentimentos e pensamentos sobre a gagueira. Nos momentos em que a gagueira
aumentava, eles foram capazes de utilizar as estratégias de enfrentamento adquiridas e
reduzir as disfluências ao nível observado durante o treinamento.

R eferên cias
Blood,G.W. (1995) Power3: Relapse management with adolescents who stutter. Language,
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Van Riper, C. e Emerick, L.L.(1990/1997). Correção da Linguagem: Uma introdução à patologia
da fala e à audiologia. Trad, de Marcos A.G.Domingues. Porto Alegre, Artes Módicas, cap.9,
260-313.

332 Maria JoséCaril Qomcs


Capítulo 32
Motivação para a mudança em
dependentes de cocaína - Considerações
sobre o modelo transteórico de motivação
para a mudança
Mylène MagrineUi OrsP
Facukiiuk de Cicncus / lunhithis c <// Sdúde de IdijiMni (RS)
Centro de Pcsquisii cm Akool c Pro^is - UFRQS.
Margareth da Silva Oliveira?
PUCRS

O principal aspecto motivador deste estudo foi o consenso presente na literatura


mundial acerca do alto índice de recaídas de indivíduos dependentes químicos, mesmo
após um grande número e enorme variedade de modalidades de tratamento aos quais
costumam se submeter ao longo da vida (Allsop, Saunders, Phillips & Carr, 1997; Prochaska
& DiClemente, 1982). Surgem as grandes perguntas: “Afinal, o que está faltando nesses
tratamentos? Como torná-los mais eficientes?", e indo além: “O que faz com que algumas
pessoas consigam sozinhas modificar comportamentos-problema, e outras tantas não o
façam apesar das constantes buscas de tratamento?".
Todo esse questionamento científico tem levado a interessantes avanços na
abordagem psicoterápica. A motivação do paciente, hoje em dia, vem sendo pensada
como mais uma.tarefa do terapeuta, provavelmente a mais difícil, quando se trata de
dependência química. E, se motivar é uma tarefa nossa, pesquisadores e clínicos precisam
questionar, cada vez mais, a eficácia de sua prática, avaliando resultados e aprimorando
os aspectos necessários.

1. O Modelo Transteórico
A elaboração do modelo transteórico começou a partir da análise dos resultados
divergentes de diversos estudos, onde alguns mostravam que a aderência a um tratamento
formal faz com que as pessoas modifiquem comportamentos indesejados; outros, no
entanto, referiam que as mudanças podem acontecer sem nenhum tipo de ajuda profissional,
' Puloóloga. Moalm nrti Ptlootogla Clinica - PU CRS, Fantiklad* d* Ciénd*a Humana* e da Saúdo de Taquara (RS), Contro d« Paaqutaa am Aluxil n Droga*
-U F R 08
1 Pilcôtoga, Doutora em Ciência» da Saúda - UNIFESP.Progrania da Póa-Qraduaçâo um Psicologia - PU C R S

Sobre Comportamento e Coflnlçáo 333


e outros ainda afirmavam que mudanças bem-sucedidas podem ocorrer com ou sem ajuda
profissional (Prochaska, Di Clemente & Norcross, 1992). De acordo com Miller (1998),
das muitas pessoas com problemas com o álcool que conseguem parar de beber, observa-
se que apenas uma pequena minoria delas utilizou algum tipo de tratamento formal para a
dependência.
Em função de tudo isso, o Grupo de Pesquisa do Câncer Prevention Research
Centeróa Universidade de Rhode Island (EUA), tem se dedicado a responder a seguinte
pergunta: "Existem princípios básicos e comuns que podem revelar a estrutura da mudança
* ocorrida com e sem psicoterapia?". Em 1979, James Prochaska, buscou identificar, a
partir da análise comparativa dos 18 maiores sistemas de psicoterapia, os processos de
mudança comuns a todos eles. Por isso, o modelo que ali nascia foi denominado
“transteórico", e teve como seu principal pressuposto que as auto-mudanças bem-sucedidas
dependem de fazer coisas certas (processos) no momento certo (estágios) (Prochaska et
al., 1992).
O modelo transteórico está focado na mudança intencional, ou seja, na tomada
de decisão do indivíduo, ao contrário de outras abordagens que estão focadas nas influências
sociais ou biológicas no comportamento. Nesse sentido, as pessoas que modificam
comportamentos adictivos tendem a se mover através de uma série de estágios, que
envolvem emoções, cognições e comportamentos, independentemente de estarem ou
não em tratamento (Velicer, Prochaska, Fava, Norman & Redding, 1998).
Dois conceitos teóricos têm sido estudados em sua relação com a progressão do
indivíduo através dos estágios: a auto-eficácia, conceito elaborado por Bandura (1977,
1982) que diz respeito à crença na capacidade de mudança pessoal; e a balança dos prós
e contras da mudança, que se baseia no reconhecimento da ambivalência, aqui considerado
como sendo muito mais do que uma simples relutância em fazer alguma coisa, mas o
verdadeiro e profundo conflito psicológico para escolher entre duas formas de ação, onde
ambas as opções refletem os benefícíos e os riscos a elas associados. (Rollníck et al.,
1993; Miller, 1998).
Os estágios de motivação para a mudança representam a dimensão temporal do
modelo transteórico, e permite que entendamos quando mudanças particulares nas atitudes,
intenções e comportamentos tendem a acontecer. Inicialmente foram idealizados 4 estágios:
Pré-Contemplação, Contemplação, Ação e Manutenção. Posteriormente, foi verificado que,
entre o estágio da Contemplação e o da Ação, as pessoas passavam por uma fase de
planejamento da ação. Esse período foi denominado Determinação e passou a ser incluído
como o terceiro estágio (Prochaska et al., 1992).
Para os autores, a implicação mais importante de suas pesquisas foi a
descoberta da necessidade de, inicialmente, acessar o estágio de prontidão para a
mudança do cliente e só então, adequaras intervenções terapêuticas a ele (Prochaska
et al. 1992).
Na página seguinte segue um quadro esclarecendo as características de cada
estágio motivacional e as abordagens terapêuticas sugeridas para cada um.
Para Miller e Rollnick (2001) existe um sexto estágio, a Recaída, onde a tarefa do
indivíduo é voltar a circular pelos demais estágios, não permanecendo congelado neste- A
recaída é normal e prevista quando se busca uma mudança de comportamento por um
longo prazo. A tarefa do terapeuta neste estágio seria ajudar o paciente a renovar os
processos de contemplação, determinação e ação.

334 M ylènc Mdflrlnelll Orsl r M.irfliircth d.i Silva Olivelr.i


Quadro
Estágios motivacionais segundo o Modelo Transteórico

Estágio Estágio Abordagem Terapêutica

Pré-Contemplação A pessoa sequer consegue Levantar dúvidas, fazer com


identificar que tenha um que a pessoa possa aumentar
problema. Não apresenta a sua percepção dos problemas
intenção de mudar o causados pelo comportamento
comportamento nos atual.
próximos 6 meses*. Os pró-
contempladores tendem a ser
identificados em exames
médicos de rotina.

Contemplação A pessoa já tom alguma Buscar as razões para a


consciência do problema e está mudança, os riscos de não
pensando seriamente em mudar mudar, fortalecer a crença
o comportamento nos próximos do paciente sobre as
6 meses. Aqui a marca mais possibilidades da mudança.
importante ó o alto nível de
ambivalência apresentado. A
mudança passa a ser tanto
considerada quanto rejeitada.

Determinação Existe a intenção de mudar o Auxiliar o paciente a definir a


comportamento em um futuro forma mais apropriada de
próximo, geralmente no próximo conseguir obter as mudanças
mês. Desenvolve-se um plano que deseja.
para concretizar a mudança.

Ação Houve mudanças significativas no Ajudar o paciente rumo à


estilo de vida dentro dos últimos 6 mudança.
meses. Existe engajamento em
ações significativas na busca da
mudança.

Manutenção Menor possibilidade de recaída e Auxiliar o paciente a


aumento na confiança de que identificar estratégias de
pode continuar seu processo de prevenção à recaida.
mudança.

* É utilizado o padrAo de 6 meses porque se considera que este é o futuro mais distante no qual as pessoas
plane|am mudanças especificas para comportamentos problema.
Fonte«: Velicer, Prochaska, Fava, Norman, Reddlng (1998); Velicer, Rossi, Prochaska & DICIemente (1996);
Prochaska elal. (1992); Mlller & Rollnlck (2001); Mlller (1998).

2. Relato de pesquisa
O principal objetivo desta pesquisa foi estudar a motivação para a mudança em
sujeitos internados por dependência de cocaína através de um delineamento transversal.
Para fins deste relato serão apresentados os resultados obtidos com a administração da
URICA (University of Rhode Island Change Assessment), que é a escala desenvolvida por

Sobrr Comportamento e Cogniçdo 335


McConnaughy, Prochaska & Velicer(1983), da Universidade de Rhode Island (EUA) que
tem por objetivo avaliar a motivação para a mudança que o sujeito apresenta no momento
da sua administração. É constituida por 32 itens (afirmações), divididos em 4 subescalas
de 8 itens cada uma, que indicam os estágios motivacionais homônimos: Pré-
Contemplação, Contemplação, Ação e Manutenção.
O sujeito deve considerar o quanto está ou não de acordo com cada uma das
afirmações, pontuando de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente) em uma
escala de tipo likert.
É importante lembrar que, em função da dinamicidade atribuída aos estágios
motivacionais, cada sujeito obterá pontuação (mínima de 8 pontos e máxima de 32 pontos)
em todos os estágios, sendo possível identificar os estágios que estão predominando no
momento da entrevista.
Esta escala ainda não está validada no Brasil para amostras de usuários de
cocaína, embora esteja sendo utilizada e validada para amostras de alcoolistas (Oliveira,
2000; Figlie, 1999).
Não foi o objetivo deste estudo estudar a escala em si, no entanto cabe citar o
Coeficiente Alfa de Cronbach calculado para cada uma das subescalas: 0,666 Pré-
Contemplação, 0,748 Contemplação, 0,807 Ação, 0,613 Manutenção.
A amostra foi composta por 70 indivíduos de ambos os sexos, com idade média
de 29 anos (16-44), internados com a finalidade de tratar sua dependência de cocaína.
Os resultados obtidos na pontuação das subescalas da URICA aparecem descritos
na Tabela abaixo.

Tabela
Médias, medianas e desvios-padrão das subescalas da URICA

Pré-Contemplação Contemplação Ação Manutenção

Média 17,03 35,63 35,10 33,33

Dosvio Padrão 4,69 3,69 4,23 4,22

Mínimo 8 25 21 18

Máximo 34 40 40 41

Observa-se assim que os escores de pré-contemplação possuem uma média


mais baixa (o que era previsto para uma amostra de indivíduos em tratamento), enquanto
os escores das outras subescalas ficam bastante próximos. Isso quer dizer que os escores
de contemplação e ação aparecem igualmente relevantes. Esse dado parece Importante
quando temos em vista o questionamento de modelos de tratamento para esse tipo de
população, pois mostra que é preciso que se estruture estratégias terapêuticas não apenas
para aqueles que estão em ação (sendo este o estágio “previsto" para alguém em tratamento
para a dependência química), mas também para aqueles que ainda não têm claro para si
mesmos, as razões para evocar uma mudança de comportamento, embora já estejam
procurando tratamento (contemplativos).
Isso confirma que o fato de buscar tratamento não necessariamente significa uma
motivação para a mudança do comportamento-problema, e se é assim, estratégias

336 M y ltn c M.iflrlnelli Orsi e Marflarclli dü Silvu Oliveira


terapêuticas focadas unicamente nas possibilidades de açâo tendem a ser pouco eficazes.
Parece que, mesmo em uma intemaçáo para a dependência química, as estratégias voltadas
para o estado da contemplação fazem-se extremamente necessárias. Não adianta apenas
o sujeito conhecer as razões pelas quais seus companheiros desejam modificar o
comportamento, e os danos que este lhes causou. É necessário que possa encontrar as
suas razões próprias para evocar essa mudança e precisa estar convicto delas. Talvez
uma das tarefas terapêuticas mais difíceis seja, exatamente, ajudar o paciente a fazer
com que a “balança” pese mais para o lado da mudança. Não se pode subestimar a
importância desse fato para sujeitos internados.

3. Conclusões
Embora este estudo tenha algumas limitações importantes tais como: amostra
reduzida e obtida por conveniência, e a utilização de instrumentos não validados para
amostrar de dependentes de cocaína, acredita-se que seus dados possam ser utilizados
para a formulação de novas questões de pesquisa, bem como para reflexões sobre a
prática clínica nas unidades de tratamento para a dependência química.
Para finalizar, sugere-se tendo em vista os dados mencionados, que durante o
processo terapêutico de um indivíduo dependente químico, esteja ele em tratamento
ambulatorial ou em internação, sejam realizadas periodicamente avaliações individuais de
sua motivação para a mudança. Só assim pode-se delinear estratégias eficientes de
abordagem tendo em vista o estágio motivacional em que o paciente se encontra.

R eferên cias

Allsop, S., Saunders, B., Phillips, M. &Carr, A. (1997). A trial of rolapse prevention with severely
dependent male problem drinkers. Addiction, v.92, n1, 61-74.
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Sobre Comportamento e CoflniçJo 337


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Rollnick, S., Kinnersley, P. & Stott, N. (1993). Methods of helping patients with behavior change.
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Velicer, W. F., Rossi, J. S., Prochaska, J. O. & DiClemente, C. C. (1996). A criterion measurement
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Volicer, W. F., Prochaska, J.O., Fava J.L., Norman, G.J. & Redding, C.A (1998). Smoking cessation
and stress management: applications of the Transtheoretical Model of behavior change.
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338 M y lin c M .ifltinclll Oral c M.irflarcth da Silva Oliveira


Capítulo 33
O stress, o transtorno do pânico e a
psicoterapia: a pessoa e sua vida

N ione Torres'
lA C tr
e M yrna Chagas Coelho'
lACkP

Este trabalho propõe uma reflexão sobre as possíveis relações entre o stress e o
transtorno do pânico, mas sem a pretensão de realizar conclusões pois ele baseia-se em
observações do cotidiano clínico. Observa-se, na prática clínica que, muitas vezes, se não
na maioria, as queixas são tão amplas e as contingências tão variáveis que se faz
necessário, com certa freqüência, lançar mão de enquadramentos clínicos. Dessa forma,
considera-se importante a discussão do que se tem evidenciado: a estreita relação causal
entre contingências geradoras de stress, repertórios comportamentais de enfrentamento
deficiente e o transtorno do pânico.
Inicialmente serão utilizadas verbalizações de um cliente diagnosticado com
transtorno do pânico pelo psiquiatra que o encaminhou. M. tinha 32 anos, sexo masculino,
recém-casado, empresário, e, em suas primeiras sessões de terapia assim relatou:
“Eu tenho ’pânico'. Nào sei bem como tudo começou, só sei que grandes problemas
eu tive, na verdade, dez meses atrás, ao mudarmos para uma casa em construção... A
casa dos sonhos da minha esposa... Demorou muito para ser terminada: problemas com
o engenheiro, còm o terreno, o dinheiro acabou, aí, diminui a marcha da construção, mas,
já estávamos dentro dela. Quartos e cozinha inacabados... Tudo incompleto. Nâo suporto
viverem desorganização; nào agüento mesmo! Dá uma sensação horrível... Fico ansioso
demaisl Quero resolver tudo rapidamente I Também tenho medo de viver numa casa.
Desde que nasci, morei em apartamento. Meus pais tentaram mudar para uma casa, nâo
aceitei... Quando me casei, minha esposa quis... Fomos e foi péssimo, nào me adaptei e
voltamos em menos de dois meses. Ê fato... Nâo gosto de mudanças - nenhuma.
Trabalhei a vida toda com meu pai. Nâo é fácil, mas acho que pior seria se tivesse que
passar por mudanças e mudanças de emprego, relacionamentos e tudo mais. Preciso
me sentir seguro em tudo, por Isso ó difícil me adaptar. Evito mesmo... se nâo
consigo, sofro multo... Nesta mesma época, meu pai passou por uma grave doença... e
•Pncôtoo«» Clinica* da InatKuto d* Análtaa da Comportamento em Eitudoa e Pakxtampta - IACEP Londrina/ Pr • Bratll

Sobre Comporldmcnto c CoflnlçJo 339


uma grande cirurgia. Fiquei apavorado... Assustado; pensava muito em como fazer para
ter controle sobre a situação... sobre a vida... Comecei a me sentir muito cansado, com
picos de irritabilidade e... dormia mal... acordava durante a noite... uma sensação de não
agüentar mais nada... vontade de fugir...fugir de tudo...de todos. Hoje tudo me assusta...
a vida me assustai Não fico mais sozinho com medo de ter estas crises e não ter como
controlá-las. Na crise, sinto falta de ar, tontura, taquicardia, minhas mãos gelam, meu
queixo enrijece, sensação de sufocamento, fico com dificuldade de engolir. Tenho medo
de desmaiar, de perder os sentidos. Nunca aconteceu, mas tenho medo..."
Observa-se aí um quadro de Transtorno do Pânico? De Stress agudo? Seria
um, o antecedente e / ou outro, o conseqüente? Ou, seria tão somente uma relação de
continuidade entre um processo e outro? Vejamos:
O Transtorno do Pânico (TP) é caracterizado pela
“Presença de ataques de pânico, os quais envolvem crises espontâneas, súbitas,
de mal-estar e sensação de perigo ou morte iminente, acompanhados de pelo
menos quatro sintomas físicos e cognitivos, atingindo seu ponto máximo em
sogundos ou minutos e decrescendo logo após. è distinto por ser abrupto, súbito
e inesperado" (Neto & Ito, apud Coelho & Torres 2002: 315)

A experiência clínica tem demonstrado que diferentes indivíduos podem


experimentar diferentes combinações desses sintomas físicos e cognitivos e também que
a grande maioria deles relata muito mais do que o número mínimo de quatro sintomas
especificados na Classificação Diagnóstica do DSM - IV ( Barlow & Cerny, 1999).
Outra evidência clínica também de Barlow e Cerny (1999) apóia-se no aspecto de
que a pessoa que apresenta tal transtorno se torna "apreensiva” em relação à possibilidade
de ter um ataque inesperado de pânico. Parece ser esta natureza potencialmente inesperada
do ataque, a gênese do medo muito intenso e, assim, surge mais ansiedade e mais
insegurança, o que, numa espiral ascendente, instalará um quadro de ansiedade
antecipatória.
Por sua vez, stress é definido como uma resposta não específica do organismo a
qualquer mudança ambiental;
“O organismo tenta adaptar-se, elaborar um comportamento na presença de
uma situação, face à qual seus padrões habituais de referência encontram-se
superados, do modo que o seu repertório pessoal de respostas comportamentais
se revela insuficiente... Quando o indivíduo não tem sucesso nessa adaptação,
rompe-se -o equilíbrio, a estabilidade orgânica, ou seja, a homeostase" (Seger,
2001: 214).

De acordo com Lipp (2003), um processo de stress se desenvolve a partir de


quatro fases. Em resumo:
a) Fase de alerta: estágio no qual a pessoa necessita produzir mais força para poder
enfrentar a situação que, por sua vez, também está exigindo dela um esforço maior. Na
percepção de uma ameaça, o mecanismo de luta/fuga ativa a produção de adrenalina
e noradrenalina que, ao penetrarem na corrente sangüínea, contribuem para que haja
aumento de motivação e energia que, não sendo excessivo, pode até gerar uma maior
produtividade.
b) Fase de resistência: nesta ocorre um aumento na capacidade de resistência e um
reequilíbrio, ao menos temporário, da homeostase, em virtude de um grande dispêndio

340 Nlone lorrc* e M yrna Chtigas Coelho


de energia. Contudo, pode advir uma sensação de desgaste generalizado sem causa
aparente.
c) Fase de quase exaustão: caracterizada pela incapacidade do organismo em
reestabelecer a homeostase. Há momentos em que o equilíbrio é alcançado, e a pessoa
se sente bem, alternando-se com períodos de muito desconforto, cansaço e ansiedade.
Algumas doenças começam também a aparecer.
d) Fase de exaustão: aqui há uma quebra total da resistência, o que leva à exaustão
psicológica (que pode surgir em forma de depressão ou outros transtornos) e também
à exaustão física (através de inúmeras doenças e, até mesmo, da morte, como resultado
final).
Vários fatores, geralmente, estão envolvidos no rompimento desse equilíbrio. Entre
eles estão os eventos vitais extremamente dolorosos, tais como morte, separação, perdas
profissionais e suportes sociais. Estes eventos são também denominados de eventos
estressores, assim conceituados a partir da percepção do sujeito do seu ambiente
social, e relacionados às mudanças relativamente inesperadas e imprevisíveis
(Appley e Trumbull, 1967) que exigem um esforço maior de adaptação e que, muitas
vezes, podem exceder à capacidade de adaptação de um organismo.
Entretanto, o porquê e o modo como o processo de stress se desenvolve é peculiar
a cada pessoa, visto estarem relacionados a sua história de vida. De acordo com Coelho
e Torres (2002), a história passada da pessoa exerce função crucial na aprendizagem.
Assim, enquanto uma pessoa que passou por experiências de controlabilidade tem
expectativas de que eventos da vida podem ser controlados; uma outra, tendo passado
(freqüentemente) pela incontrolabilidade, dificilmente irá crer que possa exercer algum
controle sobre o ambiente, mesmo quando este é realmente controlável. A pessoa com
história de controle, contudo, ao se defrontar com situações incontroláveis não se convence
facilmente da situação e empreende esforços para modificá-la.
Neste sentido, é crucial entender que o significado de cada evento ó individual
- o que é relevante para a sobrevivência imediata parece ser influenciado basicamente
pela percepção. Vale afirmar, então, que o processo particular de stress está diretamente
relacionado à maneira como pensamos, sentimos, agimos, e a nossos valores, história
pessoal de regras e auto-regras, e que, portanto, são aprendidos.
De maneira específica, Pereira e Tricoli (2003) abordam tal questão como uma
vulnerabilidade da pessoa em apresentar ou não um stress excessivo; ou seja, a pessoa
demonstra predisposição em reagir de modo desproporcional, com Intensificação de reações
fisiológicas e psicológicas à situação estressante em razão de sua história pessoal de
aprendizagem.
Outros estudos clínicos sobre vulnerabilidade e resistência ao stress, notadamente
na infância, demonstraram que as reações em situações de stress diferem de criança
para criança e que a influência dos pais no desenvolvimento da resistência ou da
vulnerabilidade ao processo de stress foi um dado de grande relevância (Luthar e Ziegler,
1991).
Por outro lado, Craske e Barlow (1999) ao conceituarem o Transtorno do Pânico
demonstram a vulnerabilidade psicológica como um conjunto de pensamentos
sobrecarregados de perigo sobre sensações corporais (“coração acelerado pode significar
um infarto") e sobre o mundo em geral (“acontecimentos avançam incontrolavelmente";
"estou fraco porque não controlo minhas emoções") geralmente aprendidos a partir das

Sobre Comportamento c CoflnlçJo 341


experiências de interações com: a) pessoas bastante significativas (exemplo, pais,
professores) e/ou b) acontecimentos de vida negativos que são inevitáveis ou incontroláveis
(exemplo, luto por morte ou separação dos genitores).
Nesta mesma perspectiva, este autor ainda complementa que é possível que o
Transtorno do Pânico surja a partir de uma diátese entre os estressores vitais e a
vulnerabilidade psicológica e fisiológica e que o stress realmente aumente os níveis de
excitação fisiológica e/ou intensifique pensamentos de descontrole e sentimentos de
apreensão sobre as sensações corporais dentro de uma cadeia comportamental.
Distingue-se, assim, o papel da vulnerabilidade psicológica no Transtorno do Pânico:
ou seja, algo mais, certamente, está envolvido: não somente os eventos estressores, mas
também a resposta da pessoa a esses eventos. Isto faz crer que a qualidade de
enfrentamento pode ser um fator importante no desenvolvimento do transtorno, ou seja,
a forma como cada pessoa aprende a lidar com situações de stress é aprendida ao longo
da vida.
No que diz respeito à vulnerabilidade e à resistência ao processo de stress
associados ao Transtorno do Pânico (foco deste estudo), achados clínicos indicam que
80% dos indivíduos, que o apresentam, descrevem um ou vários eventos vitais negativos
experienciados antes do primeiro ataque de pânico; além de quadros de stress severo na
infância e adolescência precedendo o transtorno em muitos casos.
No contexto terapêutico, cabe ao profissional intervir tanto nos mecanismos de
desenvolvimento do TP quanto nas respostas ao stress psicossocial (assim também
chamado por estar relacionado aos eventos vitais), como na relação de
continuidade entre stress psicossocial e o primeiro ataque de pânico, e também
ao aspecto da vulnerabilidade do indivíduo.
Portanto, uma das ênfases do processo de intervenção terapêutica deve envolver
o desenvolvimento de um repertório de habilidades de enfrentamento para a vida.
Justifica-se: se a forma pessoal de reagir diante de acontecimentos vitais são
pilares para desenvolver maior ou menor resposta ao stress, a implementação de
um repertório de habilidades de enfrentamento torna-se relevante, uma vez que
levaria à minimização da aversidade e à eliminação de respostas de fuga/esquiva,
resultando num aum ento da percepção de controle pessoal e m aiores
possibilidades de enfrentamentos bem sucedidos.
Por esta razão, no rol dessas habilidades de enfrentamento, é importante o
“aprender a enxergar e a lidar com as contingências”, já que, quanto mais sensível a
elas, mais compatível com a situação será a resposta da pessoa e maior a sua percepção
de ser capaz de exercer um razoável grau de controle sobre eventos, assim como de
desenvolver uma maior tolerância também aos eventos incontroláveis e imprevisíveis. Isso,
conseqüentemente, fortalecerá mais e mais o contato com as contingências e, então, as
respostas aos eventos incontroláveis serão mais adaptativas, no sentido de uma leitura
não amplificada do contexto e, portanto, uma aceitação maior.
É preciso reconhecer, como bem assinalou Hayes (1987), que culturas e
subculturas podem falhar em desenvolver regras adequadas ou podem desenvolver regras
imprecisas, tornando restrito o contato com as contingências. Este autor também afirma
que seres humanos acreditam que os sentimentos são as causas dos seus problemas e
que, portanto, seria preciso eliminá-los para que vivessem melhor. Ocorre que ver os
sentimentos como problema é, em si, o problema, até porque a pessoa tenta, então,

342 Nlone lorres c M yrm i Ch.iflds Coelho


inutilmente, controlar os sentimentos desagradáveis, o que faz surgirem e instalarem processos
de esquiva no seu comportamento com o objetivo de evitar situações que os gerem.
O pressuposto analisado é o de que os seres humanos elaboram descrições
verbais sobre as contingências às quais se expõem e formulam / reformulam regras e
auto-regras, instalando-as e adotando-as no seu repertório comportamental, muitas vezes
com maior efetividade do que o controle das contingências (Zakir, 2003) gerando, com o
tempo, uma insensibilidade a elas.
Como exemplo dessa rigidez de regras e auto-regras, vêem-se alguns trechos do
caso exposto no início do trabalho: "Não suporto viverem desorganização! Não agüento
mesmof Dá uma sensação horrível... Fico ansioso demaisf Quero resolver tudo
rapidamente.""(...) não gosto de mudanças - nenhum a"Trabalhei a vida toda com meu
pai. (...) pior seria se tivesse que passar por mudanças e mudanças de emprego,
relacionamentos e tudo mais. Preciso me sentir seguro em tudo., é difícil me adaptar".
“(...) como fazer para ter controle sobre situações? Sobre a vida?"
Assim sendo, é possível o terapeuta ensinar ao cliente como lidar com a
incontrolabilidade, a inevitabilidade e a imprevisibilidade que estão quase sempre permeando
eventos de vida, inclusive no que se refere aos próprios sentimentos, no sentido de buscar
uma aceitação dos mesmos. Para tanto, estratégias terapêuticas como análises e
discussões de metáforas, parábolas, poesias, músicas e jogos vivenciais têm-se mostrado
eficazes, pois tais recursos apresentam uma linguagem não-literal, o que auxilia na
flexibilização das regras e auto-regras, ou mesmo, no testar outras.
Constata-se: - embora o grau de eficácia das respostas do sujeito às vicissitudes
da vida não seja algo fácil de ser avaliado, talvez possa ser assim observado: se a pessoa
obtém equilíbrio entre as exigências do mundo e suas habilidades de enfrentamento,
existirá, então, um alto grau dessa eficácia, gerando a recuperação mais rápida de sua
homeostase. Obviamente, num processo inverso ocorrerá uma maior dificuldade de
recuperar tal equilíbrio (Simon, 1983).
Cabe aqui ainda ressaltar que tanto o Transtorno do Pânico como o ataque de
pânico propriamente dito não podem ser considerados apenas sob o ponto de vista biológico,
sendo, muitas vezes, erroneamente citado como “crises que vêm do nada", sem causa.
Num enfoque analltico-comportamental, sabe-se que todo comportamento tem uma função
no ambiente e que esta precisa ser compreendida pelo terapeuta e discutida com o cliente
para que sejam empreendidas mudanças, que ajudem a desenvolver repertórios
comportamentais e que operem modificações nas relações de contingências, ou seja, na
interação entre <5 organismo e o ambiente, e não apenas que tenham como foco a remissão
de crises ou sintomas.
Resumindo, porém não concluindo, este estudo tentou demonstrar que um
repertório comportamental deficitário para lidar com acontecimentos da vida gera respostas
ineficazes e pouco adaptatívas para o ambiente externo e um alto grau de desequilíbrio no
ambiente interno (organismo), considerando que o significado que as pessoas com
transtorno do pânico atribuem aos eventos incontroláveis e dolorosos parece ter papel
preponderante no desenvolvimento do transtorno. Esta análise remete à questão da
vulnerabilidade psicológica tão bem especificada por Barlow (1999) e que, evidentemente,
está relacionada á história de contingências do índivíduo.
Um dos caminhos terapêutico precisa ser, sem dúvida, a aprendizagem de
habilidades de enfrentamento - incluindo a reformulação de regras e auto-regras, como

Sobre Comportamento e CofjnlçJo 343


aqui se tentou demonstrar - com objetivo de desenvolver um repertório comportamental
mais eficaz para a vida, por ser ela, na sua essência, um extenso e intenso processo de
adaptação às situações em que, verdadeiramente, precisamos subsistir.

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344 Nione Forres e M y n w Chdfidi C'oclho


Capítulo 34
Intervenção Cognitiva na pedofilia: um
ensaio clínico
Renato M . Caminha
Universidade do Vale do Rio dosSinos - Unisinos

A literatura científica é bastante restrita quando se trata do quadro clínico de


Pedofilia. Em revisões criteriosas da literatura encontramos desde artigos de neuropsicologia
que pretendem encontrar alguma anomalia patológica na arquitetura neural de pedófilos,
até explicações psicodinâmicas sobre as origens desta complexa psicopatologia.
No que tange ao tratamento, ou aos modelos de intervenções psicoterápicas em
pedofilia, a literatura cientifica se torna mais limitada ainda. No critério tratamento de
pedófilos encontramos variantes do tipo, castração física, castração química, terapias
farmacológicas diversas, terapias comportamentais, terapias centradas em modelos
alcoólicos anônimos e finalmente terapias cognitivas, podendo todas as modalidades ser
efetuadas de modo individual e ou grupai.
Nenhum dos modelos propostos possui elevado grau de replicabilidade já que a
pedofilia na maioria dos países ó considerada como um comportamento criminoso, e as
sociedades variam muito quanto a culpabilização deste comportamento em seus contextos
sociais.
No Brasil, por exemplo, este crime ó considerado hediondo por envolver coerção
sexual da vítima, com pena a ser cumprida em regime fechado e sem nenhuma forma de
tratamento penal proposto ao pedófilo. Assim o acesso à pesquisa e ao tratamento deste
tipo de paciente ó muito restrito aos profissionais de saúde mental, já que a demanda
espontânea de tratamento de pedófilos é muitíssimo baixa na maioria dos registros
efetuados por países que pesquisam este fenômeno.
A proposta de intervenção realizada neste trabalho pôde ser realizada a partir de
levantamentos primários efetuados pelo autor como perito criminólogo do Estado do Rio
Grande do Suí por dois anos consecutivos. A partir desta prática nosso grupo de pesquisa
foi chamado por uma instituição penal do tipo albergue para realizar um trabalho terapêutico
com um grupo de pedófilos já em final de pena e com relaxamento do regime fechado,
uma contradição legal já que o crime hediondo não permite este tipo de benefício aos
contraventores.

Sobre Comportamento e CopnlçJo 345


1. Critérios Diagnósticos para Pedofilia
A pedofilia ó classificada no Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais
- DSM -IV -T R (2002) no item dos Transtornos Sexuais e da Identidade de Gênero, no
subitem das Parafilias, sendo tais classificações assim caracterizadas:
Transtornos Sexuais e da identidade de gênero
Parafilias

Fantasias, anseios sexuais ou comportamentos recorrentes, intensos o sexualmente


excitantes, em geral envolvendo:_______________________________________________
1) objetos não-humanos;
2) sofrimento ou humilhação, próprios ou do parceiro, ou
3) crianças ou outras pessoas sem o seu consentimento, ocorrendo durante um período
de no mínimo seis meses.
Em alguns indivíduos, as fantasias ou estímulos parafflicos são obrigatórios para a excitação
e quase sempre são incluídos no ato sexual. Em outros casos são episódicas (ostresse).

Características comumente associadas ao transtorno:


• Buscar atividade profissional associada a parafilia, por exemplo, trabalhar com crianças;
• Ver, ler, comprar ou colecionar fotos, filmes e textos relativos ao objeto parafílico.
• Presença de não sofrimento, embora perceba o efeito social de seu comportamento.
• Culpa, vergonha e depressão, sentimento de ser imoral.
• Dificuldade comum de atividade sexual recíproca e afetuosa
• Depressão, que pode ter o comportamento parafílico como reforçador negativo.

2. Prevalência e curso
Conforme Kaplan & Sadock (1996) o transtorno possui uma prevalência de 20:1
(homens e mulheres). Para compreendermos estas discrepâncias é necessário recorrermos
às teorias evolucionistas que abordam a assimetria do comportamento sexual entre homens
e mulheres.
Conforme Buss (1998) e Caminha (1999) há significativo grau de assimetria sexual
no comportamento masculino e feminino, variando as estratégias masculinas mais ao
nível quantitativos as femininas mais ao nível qualitativo, formando diferenciado nível de
estratégia na escolha de parceiros sexuais.
Estima-se que os transtornos parafílicos ao nível epidemiológico estejam
subestimados. Infere-se desse modo que o número de parafílicos seja significativamente
maior, contribuindo para o subdiagnóstico a difundida e aceita cultura da pornografia em
muitos substratos sociais (Perry & Orchard, 1992).
Outra importante questão se refere ao nível de procura espontânea de tratamento
de parafilias. Há um baixo nível de dissonância cognitiva nestes pacientes, o que não
ocasiona demanda por tratamento. Qualquer clínico experiente não deve possuir muitas
histórias para contar acerca de pacientes que o tenham procurado com queixas do tipo:
“vim buscar tratamento, pois tenho impulsos sexuais com crianças".
Tais afirmativas quanto ao subdiagnóstico das parafilias são pertinentes tendo-se
em vista que a cada ano novos escândalos relacionados à pedofilia são divulgados em

346 Renato M , C.imínhu


jornais mundiais envolvendo altas cúpulas sócias e políticas em diversos países. Isto já
ocorreu nos últimos anos na Inglaterra envolvendo políticos e industriais, Estados Unidos
envolvendo principalmente o dero, Bélgica envolvendo alta cúpula política, França envolvendo
políticos, juizes e policiais.
Em países em desenvolvimento como o Brasil o problema ó ainda mais drástico e
menos fiscalizado no que tange ao envolvimento de crianças e atividades sexuais. Em
nosso país já houve levantamento de casos de meninas virgens leiloadas, transportadas
de cidades miseráveis do interior num esquema envolvendo desde caminhoneiros até
policiais rodoviários.
Conforme Salter (2003) metades dos parafílicos são casados o que indica que a
parafilia não está relacionada com a dificuldade de atuação sexual com parceiros voluntários.
Com relação aos critérios específicos de pedofilia conforme o DSM-IV-TR (2002)
temos:

A. Ao longo do um período mínimo de 06 moses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes


e intensas, impulsos sexuais ou comportamentos envolvendo atividade sexual com uma
(ou mais de uma) criança pró-púbere (geralmente com idade inferior a 13 anos).
B. As fantasias, impulsos sexuais ou comportamentos causam sofrimento clinicamente
significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas
importantes da vida do indivíduo.
C. O indivíduo tem no mínimo 16 anos e é pelo menos 5 anos mais velho que a criança ou
crianças no critério A.
Nota para codificação: Nâo incluir um indivíduo no final da adolescência envolvido em um
relacionamento sexual continuo com uma criança com 12 ou 13 anos de idade.
Especificar se:
Atração sexual pelo sexo masculino
Atração sexual pelo sexo feminino
Ambos
Especificar se: Restrita ao incesto
Especificar se: Tipo exclusivo (apenas crianças) ou Tipo Nâo Exclusivo

A pedofHia pode ser caracterizada, em última instância, por impulsos sexuais


recorrentes relacionados a crianças diretamente ou aspectos da infância. Por exemplo,
sentir-se sexualmente excitado com fotos de crianças, com roupas do vestuário infantil,
ou, ainda, diretamente com crianças. Quase que invariavelmente o pedófilo acaba por
envolver crianças diretamente na satisfação de seu impulso.
Em termos de curso do desenvolvimento da patologia é comum que ela inicie no
inicio da idade adulta ou já na fase mediana da adolescência com as características
impulsivas mais mascaradas, ou seja, envolve mais fantasias do que objetos na satisfação
do impulso. Ao longo do curso da patologia os objetos começam a tomar parte no ato
pedofílico e o envolvimento direto de crianças na busca da satisfação sexual é apenas
uma questão de tempo (Caminha, 2003; Marshall, 2002).
Há fatores complicadores relacionados ao diagnóstico da pedofilia - ele é feito
geralmente de modo indireto. Conforme havíamos afirmado anteriormente dificilmente alguém

Sobre Comportamento c CognlçAo 347


busca tratamento espontaneamente referindo sentir impulsos sexuais direcionados a
crianças.
Geralmente o diagnóstico é feito após a denúncia de um caso de abuso sexual
infantil, por exemplo, havendo tendenciosamente a negativa por parte do abusador. Conforme
a experiência do autor como perito criminólogo do Estado do Rio Grande do Sul, é comum
a negativa do pedófilo mesmo quando já se encontra cumprindo pena, mesmo quando
houve testemunhas oculares, mesmo quando o ato pedofílico era recorrente. Tal
comportamento pode ser explicado a partir do modelo cognitivo proposto pelo autor no
item a seguir; modelo cognitivo da pedofilia.
Outra característica marcante: a pedofilia é uma patologia que gera patologia.
Cada vez que um pedófilo atua seu impulso junto a uma ou mais crianças, está tendo para
com as mesmas o comportamento de abuso sexual infantil, que conforme Caminha (2003)
é um dos principais fatores geradores do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
na infância, uma psicopatologia com alto fator de desagregação neuropsicológica e
conseqüentemente cognitiva.
O comportamento pedofílico é segundo Furniss (1997) uma Síndrome de Segredo
e de Adicção. A síndrome de segredo possui relação com a capacidade que o pedófilo
possui de compreender o repúdio social que o seu comportamento gera.
Desse modo, ele evita tornar seu comportamento revelado. Para tal usa subterfúgios
como ameaças, barganhas e vantagens às crianças submetidas a seu impulso. É comum
pedófilos ameaçarem a criança e suas famílias caso o abuso seja revelado.
A síndrome de adicção, por sua vez, se caracteriza pelo descontrole de impulso
que o pedófilo possui frente às crianças. Podemos classificar tal comportamento como
compulsivo o que faz com que o pedófilo faça “uso" da criança como se fosse uma droga.
Comportamental e cognitivamente estamos lidando com um comportamento com a mesma
expressão dinâmica de comportamentos das dependências químicas (Caminha, 2002).
Atualmente sugere-se que outras formas de comportamentos de descontrole de
impulso também possam ser compreendidas como comportamentos adictos, como é o
caso do jogo, do sexo, do uso da Internet, do trabalho e do comer compulsivos.
Em suma, o comportamento pedofílico é extremamente complexo e os manuais
diagnósticos não são específicos quanto à delimitação do problema nem tampouco com
os fatores correlacionados ao problema. Dados fundamentais para quem trabalha na
abordagem clínica deste padrão de comportamento.
m

3. Principais Co-morbidades
A rigor ainda não conseguimos afirmar com relativo grau de certeza no que tange
a pedofilia como um todo, exceto caso a caso, se a pedofilia é gerada como co-morbidade
por algum outro, ou ainda vários outros transtornos específicos, ou se ela ó uma decorrência
co-mórbida comum a várias psicopatologias.
Caminha (2003) após estudos epidemiológicos anuais com maus-tratos infantis
pende mais para a idéia de que o quadro de pedofilia é uma conseqüência recorrente a um
espectro específico de outros transtornos, sobretudo os de Eixo II, os Transtornos de
Personalidade, que por sua vez, possuem alto grau de correlação com abuso sexual e
físico na infância e o naturalmente comum a crianças abusadas, Transtorno do Estresse
Pós-Traumático Infantil.

348 Remilo M. Ciiminh.i


Evidentemente a manifestação do comportamento pedofílico também pode gerar
transtornos decorrentes como é o caso do transtorno depressivo, e eventuais outras
manifestações de Eixo I, entretanto, estas manifestações são fatores comuns ao próprio
quadro de pedofilia e não explicam o espectro pedofílico como os transtornos de Eixo II
talvez o façam.
Dentre os principais transtornos psicopatológicos correlacionados com o
comportamento de pedofilia encontramos:
• Negligência e abusos infantis
• Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT)
• Transtornos de Personalidade: principalmente Borderline, anti-social e Narcisista
• Outras classes de comportamentos adictos: principalmente álcool e drogas
• Depressão

4. Modelo Cognitivo da Pedofilia


Não dispomos na literatura científica de propostas de modelos cognitivos que
sejam capazes de identificar os principais esquemas acionados na atuação do pedófilo.
Caminha (2003) postula o seguinte modelo após estudo com amostras de pedófilos
decorrentes do modelo prisional do Estado do Rio Grande do Sul. A proposta é caracterizada
pela identificação dos esquemas cognitivos recorrentes à pedofilia, sendo:

4.1. Esquemas Compulsivos: ocorre o aumento da ansiedade e o comportamento pedofílico


gera o reforço negativo na busca do alívio da tensão. Neste caso estamos falando de
aumento de tensão não necessariamente envolvendo percepções de prazer. Nesta fase os
modelos explicativos do comportamento compulsivo de Beck (1991) e Marlat & Gordon
(1993) se encaixam perfeitamente bem à pedofilia.

4.2. Esquemas Permissivos: formados por Esquemas Dissociativos e Evitativos (cognições):


são os que permitem ao pedófilo o início do ato pedofílico. Neste item cabem os rituais de
entrada e de saída descritos por Furniss (1997) e os chamados rituais dissociativos descritos
por Caminha (2003). Cognitivamente o pedófilo é capaz de compreender a dimensão de
seu ato, que envolver crianças em atuações sexuais é repudiado socialmente e prejudicial
à criança. Com a ativação dos esquemas dissociativos há o freio de processos
metacognitivos em sua ação. Podemos constatar empiricamente o esquema dissociativo
a partir do relato produzido por crianças abusadas sexualmente. Elas relatam que o abusador
evita atitudes carinhosas que possam aproximá-lo afetivamente da criança e evita falar
sobre o ocorrido. O olhar é outra característica Interessante o comportamento olho-no-
olho tende a ser fortemente rejeitado pelo abusador, e o prazer sexual parece secundário
ao comportamento abusivo. Juntamente com isso esquemas evitativos se presentificam
quando há alguma possibilidade de dissonância cognitiva. Em todas as situações nas
quais se vê confrontado o pedófilo tende a negar seu comportamento. Em entrevistas
clínicas realizadas por nossa equipe os pedófilos apelam para a negativa mesmo quando
já se encontram cumprindo pena e muitas vezes até quando havia testemunha ocular de
seu ato. As duas classes de esquemas dissociativos e evitativos podem ser resumidas
como fazendo parte dos Esquemas Permissivos.

4.3. Esquemas reparadores: em geral após a ocorrência de comportamentos pedofílicos


os pedófilos apelam para justificativas do tipo: "fui provocado...ela gostava...eu estava
ensinando algo bom para ela...era prazeroso". Acreditar em afirmativas deste tipo evita um

Sobre Comportamento e Cognl(<lo 349


elevado nível de dissonância que em muitos casos se toma insuportável para os pedófilos.
Em alguns situações clínicas quando os abusadores sexuais eram capazes de perceber
a dimensão de seu comportamento e os prejuízos gerados às crianças e as famílias
envolvidas, muitos deles tentavam suicídio. Em quatro situações acompanhadas por nossa
equipe um dos sujeitos conseguiu se matar e outros três se feriram severamente.

Esquema 1: retroalimentação do comportamento pedofílico

•aquamaa
raparadora*

•aquamaa parmlaalvoa
(dlaaoclaçAo-avitaçlo)

5. Modelo de Tratamento
Pedófilos são pacientes difíceis de serem tratados no mundo todo justamente
pela tendência de não-revelaçâo e de não-percepção de seus comportamentos como
patologia.
A imensa maioria destes pacientes é acessada por pesquisadores e terapeutas
quando se encontram cumprindo pena em alguma instituição penal e cada país tende a
tratá-los conforme o previsto em seus códigos penais e os modelos terapêuticos que
dispõe.
A literatura registra modelos discrepantes de tratamentos de pedófilos conforme
diversos países. Países nórdicos até poucos anos atrás apelavam para a castração física,
hoje muitos deles estão utilizando a castração química através de injeções de hormônios
inibidores de esteróides sexuais (Perry, 1992).
Países como Bélgica utiliza centros de tratamento com tecnologias como a
falometria capaz de mapear os estímulos mais potentes para desencadear o comportamento
pedofílico. Na Bélgica os pedófilos são monitorados periodicamente e os índices de recaída
ficam apenas na faixa dos 15%, muito baixos se considerarmos pedofilia como um
comportamento compulsivo (Marshall, 2002).
Na Inglaterra e Estados Unidos perduram os modelos comportamentais e cognitivo*
comportamentais no tratamento destes pacientes (Salter, 2003).
Apesar dos modelos diferirem de país a país, algumas características são imutáveis
devido o perfil do pedófilo.

350 Renato M . Caminha


Características do tratamento utilizado em nossa amostra:

5.1. Tratamento Compulsório, ou seja, obrigatório, em geral os pedófilos não se percebem


como patológicos e não querem se tratar, se tratam por obrigatoriedade jurídica.

5.2. Grupoterapia: utilizada quando apresenta benefícios ao paciente. A avaliação deve


ser criteriosa individualmente para que o grupo não se torne um local no qual pedófilos
compartilhem experiências patológicas de modo inadequado.

5.3. Individuais: quando o paciente após a avaliação padrão não se beneficia com o
tratamento grupoterápico.

5.4. Tratamento Farmacológico combinado: sempre benéfico. Os pacientes são medicados


para descontrole de impulso.

5.5. Tratamento combinado geral: quando utilizamos o tratamento grupai, individual e


farmacológico em um mesmo caso.

5.6. Princípios de Psicoterapia voltada tanto ao Comportamento Adicto quanto aos


Transtornos de Personalidade, objetivando: desencadear Esquemas nas sessões e fora
dela por meio de imagens, discutir acontecimentos perturbadores do passado e do presente,
se colocar constantemente (inversão de papéis) no lugar da vítima, reexaminar a aliança
terapêutica, recomendar livros e filmes, examinar sonhos e propor tarefas de casa. Ligar
os problemas atuais aos problemas na infância, multígeracíonalídade. Avaliar
constantemente e intensamente as emoções do paciente (principalmente a vergonha,
espelhar constantemente os sentimentos).
Com relação ao item 5.1 para que consigamos motivar o paciente para o tratamento
utilizamos o recurso da Entrevista Motivacional de Miller & Rollnick (2002) que consiste
num conjunto de técnicas desenvolvidas por psicólogos no intuito de acessar pacientes
que precisavam de intervenções terapêuticas, mas não possuíam o que chamamos de
dissonância cognitiva, ou seja, não dispunham de um juízo crítico acerca de suas condições.
Como exemplo podemos citar pacientes alcoolistas ou usuários de drogas, que não são
capazes de identificar-se estando com problemas. É comum encontrarmos nestes pacientes
afirmativas do tipo: "não tenho problemas com a bebida, paro de beber quando quiser"; em
contrapartida suas famílias atestam a incapacidade deles em fazer uso controlado de
álcool bem como os efeitos negativos da bebida no seu dia-a-dia. Muitos deles perderam
empregos, oportunidades de ascensão profissional, perderam amigos, apoio dos familiares
e, muito comumente, a condição de dignidade.
Raramente tais pessoas aceitam se tratar ou aceitam ajuda na resolução de seus
problemas, pois eles julgam não tê-los. A demanda espontânea por ajuda é praticamente
inexpressiva nestas pessoas. Isso ocorre em razão de muitas vezes os seres humanos
perderem suas capacidades cognitivas de reconhecimento de problemas e de duas
conseqüências. Muitas vezes estes processos ocorrem decorrentes de patologias;
entretanto, em muitos casos o não reconhecimento envolve aspectos emocionais, ativação
negativa da emoção como vergonha, tristeza, fazendo com que a pessoa evite pensar
sobre o problema para não ativar sentimentos negativos. Outras vezes a falta de estimulação
cognitiva gera o não reconhecimento da citada condição.
Foi neste contexto que as técnicas de entrevista motivacional foram desenvolvidas.
Os técnicos de saúde mental reconhecem a necessidade de acessar estas pessoas, e

Sobre Comportamento e CojjniçJo 351


sabem também da dificuldade que elas possuem de reconhecimento de sua condição.
Neste contexto a EM sugere uma série de técnicas de entrevistas indiretas, sugerindo e
estimulando a pessoa indiretamente e proporcionando a ela os pré-requisitos para o auto-
reconheclmento. A abordagem segue os princípios de aliança terapêutica utilizada nas
psicoterapias cognitivas que consiste: acolher e ser afetivo com o sujeito a ser abordado,
não emitir juízo de valores, não menosprezar, aceitar incondicionalmente a pessoa e estar
disponível e acessível à pessoa a quem nos propomos ajudar.

6. Descrição do ensaio clinico através de vinheta:


• Vinheta clínica (3* sessão de grupo - 04 participantes)
• Atendimento em grupo: processo seletivo após conceitualização cognitivo-
comportamental detalhada e encaminhamento do tratamento combinado.
• Nesta sessão foram discutidos aspectos relacionados à caracterização do
comportamento pedófilo como um comportamento problema numa lógica de balanço
de decisão cognitivo.
Terapeuta: Bem M. parece que chegou a tua vez de descrever o motivo de estares
aqui (no segundo e 3o encontros o objetivo do grupo é relatar detalhadamente as situações
abusivas as quais submetiam suas vítimas1)
Paciente M. (36 anos, vítima ASI2 pelo padrasto, abusador de meninos e meninas,
gatilho crianças de 06 a 08 anos, negava o abuso por vergonha3): Bom eu tenho muita
vergonha de falar sobre isso.
Paciente F: vergonha todos nós temos, essa nossa tara é horrorosa... todo mundo
é igual aqui... farinha do mesmo saco.
Paciente M.: eu acho vocês uns tarados; não consigo me ver assim.
Terapeuta: educa quanto ao processo dissociativo na pedofilia, o quanto negar é
uma forma de evitar dissonância.
Paciente M.: no meu caso era diferente, ela (enteada) gostava, não fui eu que
comecei o negócio.
Terapeuta: que negócio? Como é mesmo o nome disso???
Paciente M.: (relutante) o abuso...
Terapeuta: então estamos partindo do princípio que ela era uma menina de 08
anos, dependendo de cuidados e limites dados pelos adultos, que um destes adultos em
quem ela confiou eras tu, e tu quebraste a relação de confiança com ela e abusou
sexualmente por muitas vezes desta menina de 08 anos.
Paciente M.: (chorando, envergonhado) mas não fui eu quem começou o
negó...(terapeuta diz aftnn) quer dizer o abuso.
O grupo parecia irritado com a negativa de M., já que todos ali haviam relatado,
dificilmente, suas experiências no encontro anterior do grupo.
Paciente V.: (confrontando) não importa quem começou, se tu és bêbado não
podes te descuípar dizendo que o teu vizinho também é...
Terapeuta: (Educando quanto ao transtorno novamente, tendências à negativa e
a dissociação). Pensando desta maneira que tu não eras o primeiro talvez fique mais fácil

O tnrmo vitima pow ul aqui um o m h o torapéutkx>


1 Al» mo Sftxual Infantil
' Ernoçâo fortamanle explorada no Ambfto IwapéuUco

352 Renato M . Caminha


para ti aceitar o sofrimento ao qual tu submeteste tua enteada, família e amigos, no
entanto, a realidade é que tu abusavas de uma criança e que hoje tu és um risco para
crianças de um modo geral (resumo). Neste momento o grupo recomeça o trabalho de
aliança terapêutica com a ênfase na necessidade do controle do comportamento
disfuncional.
Nos momentos seguintes o paciente M. consegue relatar parcialmente uma
situaçáo abusiva a qual submeteu sua enteada, e relacionou com sua vida passada, sendo
reforçado pelo grupo e pelo terapeuta por isso. (Importância da disponibilidade do terapeuta
e assistentes conforme a aliança terapêutica cognitiva prevê).
Ao longo do processo terapêutico visamos o detalhamento e o mapeamento de
gatilhos e estratégias de controle (roteiro de emergência). Como a Terapia é compulsório
há o monitoramento constante destes pacientes.

7. Conclusões
Ensaios clínicos são necessários para maior conhecimento científico e elaboração
de modelos replicáveis nesta difícil patologia. A pedofilia possui forte impacto social e no
processo de desenvolvimento de crianças e adolescentes que são expostos á ação de
pedófilos.
Estudos recentes apontam para graves patologias decorrentes de exposição a
abusos infantis. A exposição de crianças a atos pedofílicos é tão grave que é capaz de
gerar definitivas alterações na arquitetura neural das crianças expostas a estes estímulos.
A principal patologia decorrente de abusos infantis ainda é o transtorno de estresse
pós-traumático, grave patologia altamente correlacionada com transtornos de personalidade
na vida adulta, de comportamentos compulsivos e de exposição a riscos.
O comportamento pedofílico è resultante de um severo esquema disfuncional
patológico. Tal comportamento se caracteriza por ser uma patologia que gera patologia.
Assim sendo serve para retroalimentar o padrão de repetição da violência através de
gerações de adultos que interagem com crianças denominado de multigeracíonalidade,
fonte permanente de abusos infantis.
Interferir terapeuticamente na pedofilia ajuda a interromper o drástico ciclo de
violência e de patologias que acometem as vítimas dos pedófilos, diminuindo o impacto
social negativo gerado a partir do desencadeamento deste comportamento.

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Sobre Comportamento e CoflnlvJo 353


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354
Capítulo 35
Metodologia de pesquisa da interação
terapêutica
Soniâ Beatriz Meyer
Pcfurtiimcnto de PsicohgU CHnicü do /PL/ST

Desenvolver pesquisa clinica propicia melhor entendimento de como ocorrem


mudanças nas pessoas. Evidências empíricas dão suporte a decisões de terapeutas,
políticas do setor de saúde e de prestação de serviços, professores no ensino de
novos terapeutas e ajudam na formulação de teorias que expliquem o fenômeno
encontrado.
A realização de pesquisas clínicas é tarefa complexa com desafios a serem
superados. O objetivo deste trabalho ó mostrar alguns deles, e indicações de caminhos
que podem ser seguidos. A tarefa é mais complexa com metodologias menos
convencionais, e a ênfase será dada nessas questões. A metodologia mais convencional
na área da pesquisa clínica é a de delineamento de grupo, comparando um grupo
experimental com um grupo controle. Entretanto há importantes perguntas a serem
respondidas pela área da psicoterapia e em especial pela terapia analítico funcional que
são melhor respondidas por delineamentos não-experimentais ou por delineamentos
experimentais de sujeito único.
O aspecto primordial que requer sistematização se refere aos tipos de perguntas
que podemos fazer para aumentar nosso entendimento da psicoterapia. A formulação da
pergunta ó passo essencial para o desenvolvimento da pesquisa, é a pergunta que determina
o tipo de delineamento que se vai utilizar. Uma classificação de perguntas de pesquisa ó
proposta a seguir, incluindo exemplos de perguntas já feitas por pesquisadores da área,
ou exemplos de perguntas que ainda estão sem resposta.

1. A pergunta de pesquisa
O primeiro passo para a condução de uma pesquisa é a formulação de uma
pergunta de pesquisa. Pode-se perguntar sobre 1) os resultados da psicoterapia; 2) o
processo de produção de mudanças em psicoterapia; 3) a influência das variáveis do
terapeuta, 4) do cliente, 5) da relação terapêutica.

Sobre Comportamento e Cognição 355


1.1 Perguntas sobre resultados
As perguntas típicas sobre resultados sâo: Psicoterapia funciona? Existe uma
forma de psicoterapia que ó superior às outras?
Alguns exemplos deste tipo de estudo são aqueles sobre resultados de terapia
breve, da medicina comportamental, de tratamentos computadorizados, sobre duração do
tratamento, sobre psicoterapia realizada em instituições de saúde.
O maior corpo de pesquisas disponível é o que responde a perguntas sobre
resultados e existem inúmeros textos que abordam o que se sabe sobre resultados de
psicoterapia.

1.2. Perguntas sobre processos de mudança


Há vários tipos de perguntas interessantes para conhecer o processo que gera
mudanças através da psicoterapia: a) Como funciona um determinado tipo de psicoterapia?
b) Que elementos do tratamento fazem com que ele funcione? c) Que tipo de experiência
o cliente deveria ter durante a terapia para superar seus problemas e se sentir melhor? d)
Mudanças em terapia ocorrem por formulação e seguimento de novas regras ou por
modelagem de novas formas de comportamento? e) Mudanças ocorrem quando há quebra
de classes de equivalência? f) Ocorrem progressos quando o cliente tem expressões
emocionais em terapia? g) Ocorrem progressos quando o terapeuta consegue bloquear
esquivas do cliente? h) Avaliação e formulação de caso (análises funcionais) escritas
mudam o rumo da terapia?
Mahrer (1998), apresentou as seguintes perguntas relativas ao processo de
mudança: a) Se o terapeuta se comportar de uma determinada forma quando o cliente
apresentar um determinado comportamento, quais os resultados? b) Dado esse resultado,
que comportamentos do terapeuta frente a que comportamentos do cliente podem alcançar
esse resultado? Isso é, o que o terapeuta pode fazer para produzir um determinado resultado
desejado? c) Dado um determinado problema ou comportamento do cliente, que
comportamentos do terapeuta podem produzir um determinado resultado? Isso é, quando
o cliente é dessa forma, o que o terapeuta quer alcançar e o que o ele faz para alcançar
esse resultado?

1.3. Perguntas sobre variáveis do cliente


Os estudos que procuram identificar a influência de variáveis do cliente perguntam
o efeito de sua idade, sexo, nível educacional, classe social, grau de distúrbio, tipo de
distúrbio, expectativas sobre a terapia, motivação, sugestionabilidade e assim por diante.
As possíveis perguntas de pesquisa relevantes ao estado atual de conhecimento
sobre clientes de psicoterapia são: a) Podemos predizer quem vai se beneficiar da terapia,
quem vai terminar tratamento prematuramente e quem pode piorar durante a psicoterapia?
b) O cliente prefere um tratamento a outro?

1.4. Perguntas sobre variáveis do terapeuta


Os estudos que procuram identificar a influência de variáveis do terapeuta perguntam
o efeito de sua experiência, competência, habilidades sociais, formas de se relacionar
com o cliente. Perguntam também sobre o efeito do tipo de terapia ou técnicas de terapia,
e sobre o efeito da supervisão e do treinamento. Perguntam se existem fatores terapêuticos
que estão presentes em diferentes tipos de tratamento e se sim, quão significativos são

356 Sonia Reatrl; M eyer


esses fatores comuns para a melhora do cliente. Outra pergunta ainda não totalmente
respondida por pesquisas é: O que é mais importante para que a mudança ocorra: uma
boa relação terapêutica ou o uso de técnicas poderosas? E ainda: Terapeutas experientes
fazem o que dizem que fazem?

1.5. Perguntas sobre a relação terapêutica


Exemplos de perguntas de pesquisa que relacionam variáveis de clientes e de
terapeutas podem incluir a de se um terapeuta pode ser melhor com certos tipos de
clientes, e certos clientes podem se dar melhor com certos tipos de terapeutas. Perguntas
similares são as de se existem formas de terapia que são mais indicadas para clientes
específicos, e se é benéfico o emparelhamento cultural do cliente com o terapeuta.
Questões sobre aliança terapêutica têm sido bastante estudadas, mas pela
complexidade das variáveis envolvidas, há necessidade de mais investigações.
Talvez a pergunta mais ampla e genérica sobre psicoterapia seja: O que ocorre
entre um terapeuta e seu cliente e como isso está relacionado às variáveis iniciais do
terapeuta, do cliente e aos diversos tipos de resultados?

2. Perguntas de pesquisa considerando o delineam ento

Diferentes delineamentos de pesquisa sugerem perguntas de pesquisa diferentes.


As seguintes questões foram baseadas na classificação apresentada por Campos (2000).

A) Questões pertencentes ao campo de pesquisa descritiva


A1)A questão de existência
A pergunta típica é: “Pode X existir?" Alguns exemplos da questão da existência em
psicoterapia são: Terapeutas comportamentais utilizam a orientação de seus clientes durante
a terapia? Terapeutas comportamentais solicitam expressão emocional de seus clientes?
Terapeutas experientes fazem o que dizem que fazem? Este tipo de questão se limita a
perguntar por evidências da existência ou não de um determinado fenômeno (ou parte dele).
A2) A questão de descrição e classificação
Aqui a pergunta típica é: "Se X ocorre, quais as características e componentes de
X?" Pode-se citar como exemplos as questões: Quais as classes de comportamentos
emitidos por terapeutas em sessões de psicoterapia? e Que elementos do tratamento
fazem com que ele funcione? Este tipo de questão é aquela que se interessa pelas
características do fenômeno, posto que sua existência já foi comprovada anteriormente.
A3) A questão da composição do fenômeno
Nesse caso a pergunta formulada é: “Quais os componentes existentes em X?"
Exemplos desse tipo de questão em psicoterapia são: Como funciona um determinado
tipo de psicoterapia? e Quais os elementos ativos num pacote de intervenção?
A4)A questão de relacionamento
Pergunta-se nesse caso: "Existe associação/relação entre X e Z?" Por exemplo:
Existe relação entre tipo e quantidade de análises apresentada pelo terapeuta e tipo e
quantidade de análises feitas pelo cliente? Quando o terapeuta faz auto-revelações o
cliente faz mais auto-revelações? Nessa modalidade de pesquisa busca-se a existência
apenas de uma relação e não a existência de uma relação que seja causal.

Sobre Comportamento e CoflnlyJo 357


A5) A questão descritiva-comparativa
Esse ultimo tipo de questão do campo da pesquisa descritiva pretende responder
à pergunta: MÉ X diferente de Z?" Pode-se perguntar, por exemplo: Existe diferença entre
terapeutas experientes e pouco experientes quando estes analisam o que ocorre numa
sessão de psicoterapia? Má diferenças nos resultados de tratamentos padronizados e
individualizados para o transtorno do pânico? Neste tipo de questão objetiva-se descrever
e comparar elementos a fim de determinar se há ou não diferença significativa entre eles,
traçando um perfil de cada grupo ou condição estudada.

B) Questões pertencentes ao campo de pesquisa experimental


As perguntas apresentadas a seguir exigem delineamento experimental para
produzir respostas.
B1) A questão de causalidade simples
A pergunta formulada nesse caso ó: "Pode X causar ou impedir W?" Por exemplo:
Quando o terapeuta reforça relatos de sonhos de seus clientes estes contam mais sonhos
do que na ausência do reforçamento? A apresentação de um modelo de análise de sessão
feita por um terapeuta experiente produz análises mais completas em terapeutas em
formação?
B2) A questão de causalidade comparativa
A pergunta típica é: “X causa maior alteração em Z ou W?" Dois exemplos desse
tipo de questão são: O procedimento de exposição e prevenção de respostas de esquiva
é mais efetivo em clientes com TOC ou com transtorno do pânico? A terapia comportamental
funciona melhor com clientes de nível de escolaridade alta ou baixa? Nesta forma de
pesquisa experimental determina-se a existência da relação causal e se a mesma é
constante para duas condições ou grupos diferentes.
B3) Questão causal-comparativa interacionista
Aqui a pergunta passa a ser: “Em que condições X causa a maior alteração em Z
ou W e em que condições nào causa?" Um exemplo desse tipo de questão ó:
Comportamentos do terapeuta considerados diretivos produzem melhores resultados em
clientes considerados submissos do que nos considerados inflexíveis? Busca-se verificar
se há relação de causalidade entre duas variáveis e, além disso, estabelecer se há
condições que limitem ou favoreçam esta relação.

3. Delineam ento de pesquisa


Como indicado no item anterior, a pesquisa pode ser descritiva ou pode ter um
delineamento experimental. Pode-se identificar dois grandes grupos de pesquisas
experimentais clínicas, o das pesquisas com delineamento de grupo, e o das pesquisas
com delineamento de sujeito único.
A lógica do delineamento experimental de grupo é a de que se forem comparados
dois grupos de indivíduos similares entre si em que apenas um deles recebeu um
determinado tipo de intervenção, as diferenças encontradas podem ser atribuídas ao efeito
desta intervenção. Testes estatísticos avaliam então a probabilidade das diferenças
encontradas serem devidas ao acaso. No delineamento de sujeito único o comportamento
do participante serve como seu próprio controle. Procura-se demonstrar, numa mesma
história de vida, o efeito de uma variável independente, ao longo de diferentes condições
às quais o mesmo indivíduo ó submetido (ver Meyer, 2003).

358 Sônia Rciitrlz M eycr


3.1. Vantagens do delineamento de grupo
Uma das vantagens em desenvolver pesquisas com delineamento de grupo é que
os resultados obtidos em um estudo podem ser generalizados para a população, desde que
a amostra participante do estudo seja representativa da população. Algumas variáveis só
podem ser controladas através do delineamento de grupo: as caracterfsticas dos participantes
como sexo, idade, escolaridade, nível socioeconômico. Além disso, o delineamento de
grupo é o melhor para responder a perguntas de comparação entre tratamentos.

3.2. Desvantagens do delineamento de grupo


Um indivíduo particular que busca ajuda psicológica pode não se beneficiar dos
resultados de pesquisas de grupo. Ele pode não ter as mesmas características dos
participantes da pesquisa. Mesmo se ele tiver essas características não há garantia de
que ele pertença à parcela da população que poderia se beneficiar do tratamento já que os
resultados de pesquisas de grupo indicam o que ocorreu com a maioria dos participantes
mas não com todos.
Outra desvantagem dos delineamentos de grupo ó que geralmente se exige
padronização do tratamento para que conclusões sejam generalizadas, mas, na prática
clínica, tratamentos tendem a ser individualizados.

3.3.Vantagens do delineamento de sujeito único


Uma vantagem do delineamento de sujeito único é que este está de acordo com
o objetivo da ciência do comportamento de prever e controlar o comportamento do organismo
individual. A pesquisa experimental de um único participante permite o entendimento de
padrões individuais de melhora de cada cliente. As perguntas sobre o processo de mudança
terapêutica podem ser respondidas com esse delineamento de pesquisa. Além disso,
essa forma de investigação se aproxima da prática clínica, permitindo estudar
comportamentos e variáveis múltiplas, que é a situação que geralmente se apresenta para
o clínico. Este tipo de pesquisa não requer uma grande infra-estrutura, como a que é
necessária aos estudos com delineamento de grupo, tornado-os mais viáveis aos
pesquisadores não engajados em centros de pesquisa. Por serem similares à prática dos
terapeutas, ajudam na generalização a outros casos, senão dos resultados, pelo menos
dos procedimentos adotados.

3.4. Desvantagens do delineamento de sujeito único


Para cjarantir generalização para outros clientes é necessário que o experimento
seja replicado diversas vezes, nenhum caso único é um "experimento crítico". Além disso, é
difícil e trabalhosa a coleta de medidas repetidas que é característica essencial dos
experimentos com sujeito único. Uma outra limitação é a dificuldade de se obter uma linha-
de-base quando a relação terapêutica pode influir no resultado da pesquisa. Isso porque a
relação terapêutica costuma ser estabelecida desde os primeiros momentos do processo
terapêutico, e os efeitos de procedimentos específicos interagem com ela, inviabilizando,
para algumas perguntas de pesquisa, uma observação do problema antes da intervenção.

4. Coleta de dados
Para responder perguntas sobre o processo de mudança, a melhor fonte de dados
é a análise de sessões de terapia. Para isso têm sido usadas gravações de sessões em

Sobre Comportamento e Coflnivâo 359


áudio ou vídeo. Gravações mais sofisticadas ocorrem quando a filmagem é feita com duas
câmaras de vídeo, uma focalizando o terapeuta outra focalizando o cliente. Uma das
vantagens de gravações é a de que já que uma fita pode ser revista tantas vezes quantas
forem necessárias para observar diferentes aspectos. A gravação também ó útil para
analisar resultados não antecipados, permitindo também testes de fidedignidade.
Após as gravações as sessões podem ser transcritas, sendo variável o grau de
precisão da transcrição de acordo com os objetivos da pesquisa. Há a possibilidade de se
usar sistemas de notação que incluam pausas, entonações, superposição de falas, gestos
e expressões faciais.
Dados menos trabalhosos e menos sofisticados sobre sessões podem ser obtidos
por registros feitos pelo terapeuta durante ou após a sessão. Apesar desse método poder
produzir dados com menor grau de fidedignidade, a seleção que o terapeuta faz de que
aspectos registrar pode ser uma vantagem, uma vez que ele está em contato com variáveis
relevantes para seu trabalho clínico.
Observação direta da sessão é uma outra possibilidade para coletar dados e
pode ser feita, por exemplo, atrás de um espelho unidirecional. Para auxiliar o registro
existem programas de computador que permitem a análise da sessão durante sua
ocorrência.

4.1. Dificuldades na coleta de dados


As dificuldades nessa fase da pesquisa podem ser agrupadas em quatro: a)
dificuldade em encontrar terapeutas que aceitem participar da pesquisa, b) dificuldade em
encontrar clientes que permitem a gravação da sessão, c) desistência do cliente, d)
dificuldades devido à infra-estrutura.
a) Dificuldade em encontrar terapeutas que aceitem participar da pesquisa
Alguns terapeutas se negam a gravar sessões, outros não respondem ao pedido
ou mesmo explicitam razões para não participar. A oposição à gravação parte tanto de
terapeutas experientes como pouco experientes. As argumentações mais freqüentes são
as de que eles não ficariam à vontade para gravar, se sentiriam invadidos, ou seus clientes
não topariam. Alguns terapeutas mencionaram que não consideravam esse tipo de pesquisa
ético. Há também aqueles que até chegam a gravar, mas na hora de entregar desistem,
alegando ter medo de se expor.
b) Dificuldade em encontrar clientes que permitem a gravação da sessão
Nem todos clientes permitem a gravação. O problema não é comum nas clínicas-
escola, que oferdfcem serviços gratuitos ou com preços simbólicos. Já profissionais
experientes, geralmente com consultórios próprios, cobram honorários. Eles ou tem mais
dificuldade em explanar sobre a importância deste tipo de pesquisa ou os clientes, por
estarem pagando por esse serviço, não acham que precisem colaborar.
c) Desistência do cliente
Clientes podem desistir da terapia quer ela faça parte de uma pesquisa ou não.
d) Dificuldades devido à infra-estrutura
A qualidade de som das gravações para transcrição nem sempre é satisfatória,
quer a gravação seja feita com gravadores comuns, digitais ou em vídeo, tendo ter que ser
por vezes descartada. A qualidade pode sofrer influência do equipamento de gravação, da
acústica da sala ou de barulhos externos. O problema é sério uma vez que o tempo gasto
para se transcrever uma fita dobra ou triplica, podendo muitas vezes chegar a tornar-se

360 Sonla Bc.ilrl/ M c y rr


inviável. Mesmo quando a qualidade da gravação é boa, a atividade de transcrever é um
trabalho manual e demorado.

4.2. Algumas soluções


Algumas soluções possíveis incluem recrutar mais terapeutas e clientes que o
previsto, explicar os objetivos de pesquisas em psicoterapia e da pesquisa em questão
enfatizando a importância da colaboração, “cobrar" as sessões gravadas dos terapeutas
que se dispuseram a colaborar da mesma forma que se "cobra" a resposta a questionários,
oferecer a transcrição das sessões ao terapeuta assim como a análise individualizada de
seus dados, criar um banco de dados de sessões de psicoterapia. É possivel também
coletar dados sem transcrever as sessões. Essa forma de coleta pode ser feita: a) pelo
próprio terapeuta que registra durante ou após a sessão, podendo ou não se valer de
gravação, ou b) outra pessoa pode fazer observação direta e registrar em folhas de papel
especialmente preparadas ou usar programas de computador para o registro. Dois programas
de computador podem ser citados: o software The Observer que permite a reprodução em
áudio e vídeo e a categorização do comportamento de forma simultânea à reprodução em
vídeo, e o EthoLog, que é uma ferramenta para a transcrição (ou registro em tempo real) e
cronometragem de sessões de observação de comportamento, escrita para ambiente
Windows. O EthoLog não possui todos os recursos do The Observer da Noldus, mas está
disponível na Internet de forma gratuita enquanto o The Observer ó caro.

4.3. Questões óticas


A preocupação com cuidados éticos deve preceder qualquer outra decisão de como
conduzir a coleta de dados em pesquisas da interação terapêutica. Por falta de tradição no
uso de gravações regras rigorosas devem ser criadas e seguidas de forma a criar condições
duradouras para o desenvolvimento destas pesquisas. Ao iniciar uma coleta de dados os
participantes devem dar seu consentimento informado. O consentimento informado deve
seguir as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos
do Ministério da Saúde, de acordo com a Resolução Normativa 196, de 10 de outubro de
1996. Entre outros cuidados deve ficar claro para os participantes que eles têm a liberdade
de retirar seu consentimento a qualquer momento e de que dados indicativos de identidade
não serão revelados. Assim, os nomes próprios (pessoas, lugares, instituições) deverão ser
alterados para nomes fictícios. Terapeutas e clientes devem também poder apagar trechos
da sessão que julgarem que não devam ser escutados pelos pesquisadores. Uma questão
que merece ser discutida é se os participantes devem dar autorização a cada novo estudo
feito com os dados coletados ou se o consentimento pode servir para diversos estudos,
desde que isso fique claro no consentimento informado inicial.

5. A nálise de dados
Existem diversos sistemas de categorias de análise de sessões tanto na literatura
nacional quanto internacional e tanto de pesquisadores comportamentais como não. É
possível usar categorias já desenvolvidas ou criar novas de acordo com os objetivos do
estudo. A vantagem das categorias já desenvolvidas está na comparação entre estudos.
Um exemplo de sistema nacional de categorias de verbalizações de terapeutas e clientes
é o elaborado pelo Grupo de Estudos em Análise do Comportamento da Universidade
Federal do Pará. Na literatura internacional temos como exemplo o livro "Helping Skills:
The Empirical Foundation" organizado por Clara Hill (2001).

Sobrr C o m p t > r i< im e n h > e C o g n l t f o 361


A vantagem de criar sistemas de categorias novos é a de que esses podem se
basear no objetivo da pesquisa ou na percepção da terapeuta sobre aquilo que é relevante
para cada cliente dentro dos objetivos propostos na terapia.

5.1. Concordância, fidedignidade e treino de juizes


É importante que se possa obter resultados similares por observadores
independentes. É isso que possibilita replicaçâo, necessária para generalização dos
resultados. Por isso é necessário que se demonstre que os dados coletados sejam
fidedignos, ou seja, que avaliadores independentes obtenham um grau razoável de
concordância em suas avaliações dos mesmos dados. Em pesquisas de laboratório a
exigência de fidedignidade costuma ser alta, mas em pesquisas de processo psicoterápico
provavelmente devemos aceitar níveis de concordância abaixo de 90%.
Provavelmente mais importante do que obter alto índice de concordância seja
relatar o treino realizado com os juizes, incluindo número de tentativas/tempo necessário
ató obter grau de concordância aceitável.
Para a realização dos cálculos algumas particularidades podem ser úteis, por
exemplo, a concordância pode ser medida separadamente para diferentes dimensões, e
devemos encontrar maneiras de evitar distorções quando há número baixo de ocorrências,
por exemplo incluindo Concordâncias de não ocorrências.

6. Tratam ento dos dados


Quando se usa delineamento de sujeito único, pode-se usar a tradicional inspeção
visual. Mas quando se analisam múltiplas respostas e/ou múltiplos procedimentos ou
condições pode-se também fazer análises estatísticas, como, por exemplo, a correlação.
Qualquer técnica estatística pode vir a ser utilizada considerando cada sessão como um
sujeito, desde que os dados das sessões consecutivas não apresentem autocorrelação,
ou seja, desde que os dados não apresentem tendências crescentes ou decrescentes.

7. Consideração final
Não devemos nos esquecer dos limites quanto à confiança que se pode ter nos
resultados obtidos assim como possibilidades e limites quanto à sua generalização.

R eferências

Campos (2000). Mótodos e Técnicas de Pesquisa em Psicologia. Campinas: Alinea.


Hill, C. E. (2001). Helping Skills: The Em pirical Foundation. Washington DC: American
Psychological Association.
Mahrer, A. R. (1998). Discovery-oriented psychotherapy research: rationale, aims, and methods.
In Kazdin, A. E. Kazdin (Ed.). Methodological Issues & Strategies in Clinical Research. Second
edition. Washington DC: American Psychological Association.
Meyer, S. B. (2003). Pesquisa em clinica comportamental - Proposta metodológica e resultados.
Em M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, C. B. Moura, V. M. Silva,
S. M. Oliane (Org.) Sobre Comportamento e Cognição: Clínica, pesquisa e aplicação. , v. 12,
p. 345-352, Santo André: Esetec.

362 Sônia Be.iíri/ M eyer


Capítulo 36
Terapia Comportamental de casais: da
teoria à prática
Vçra Regina Ligneí/í O fero
CHnic<i OR ThC- Ribeinlo Prcto-SP
Yara kuperstein higberman
Universidúiic Federai do Paraná
CtnCC-CunIilki-PR

Este capítulo tem como objetivo oferecer um conjunto de informações sobre o


atendimento psicoterápico de casais com enfoque comportamental. Serão destacados
alguns dos tópicos importantes que devem ser considerados nesse tipo de atendimento:
a escolha de parceiros, o namoro, o casamento e o desenvolvimento dos problemas do
casal. Serão enfocadas ainda algumas propostas teóricas de intervenção, assim como
serão apresentadas algumas considerações e sugestões sobre esta prática clínica e sobre
o encerramento do processo terapêutico. Na estrutura do texto, intencionalmente, estão
mescladas informações sobre teorias e as práticas clínicas. Algumas destas aparecerão
mais de uma vez de acordo com a pertinência do aspecto em questão.
O atendimento de casais ó a área de intervenção psicoterápica que se propõe a
ajudar parceiros no enfrentamento dos problemas de relacionamento existentes entre eles,
e em suas dificuldades pessoais. Este atendimento conjunto ó denominado terapia de
casal e não terapia conjugal como era chamada anteriormente dado que o foco da intervenção
é a relação de parceiros (Beck, 1988; Datillio e Padesky, 1995; Cordioli, 1998).
Procuram este tipo de atendimento as pessoas que mantêm uma relação de
namorados ou noivos assim como casais heterossexuais ou homossexuais. Atualmente, a
busca de ajuda por parte de noivos e namorados tem aumentado, numa tentativa de evitar
problemas no futuro, Rangé e Datillio (1995) referem-se a diferentes propostas baseadas na
abordagem comportamental para intervenção com casais mostrando que elas têm objetivos
e procedimentos semelhantes, embora cada uma tenha suas peculiaridades.
Na prática clínica, ao seguir os modelos de intervenção descritos na literatura o
terapeuta adapta-os à sua forma de atuação e desta maneira constrói os seus próprios
instrumentos de trabalho (Papp, 1992; Datillio e Padesky, 1995; Otero, 1997).
Para entendermos as queixas apresentadas por um casal e podermos ajudá-los a
lidar com suas dificuldades examinamos toda sua história de relacionamento - passada e
p r e s e n t e assim como a história de vida de cada um deles. Sabe-se que as queixas de
hoje têm componentes de ontem.

Sobrr Comportdmçnto e Coflnlçâo 363


1. 0 nam oro e a escolha de parceiros
É relevante que se identifique quais fatores atraíram os parceiros, dado que os
mesmos podem ser “indicadores de pistas" para compreender os problemas atuais vividos
pelos casais. Podemos considerar, basicamente, as seguintes possibilidades de fontes
de atração:

1.1 Homogamia: as semelhanças existentes entre as pessoas levam a interações


reforçadoras que funcionam como critérios de escolha dos parceiros. Os fatores mais
freqüentes são: tipo de educação, valores de vida, projetos para o futuro, escolha de
atividades e interesses parecidos. As afinidades os atraem e são vistas como elementos
de atratividade, e são entendidas como facilitadoras de uma convivência futura.

1.2 Heterogamia as diferenças existentes entre as pessoas sâo vistas como fatores de
complementação, de enriquecimento e neste caso, fundamentalmente funcionam como
critérios de escolha dos parceiros. Dentre eles os mais comuns são: maneira de ser (mais
falante, mais calado, assertivo, inassertivo) diferenças de opiniões, afazeres, gostos,
interesses. Neste critério de escolha, cada parceiro ora atua como controlador ora como
suplemento do outro. As diferenças são vistas como elementos de atratividade, interpretadas
pelos pares como facilitadoras da vida a dois. Entendendo assim, eles se escolhem
mutuamente. A partir disso muitos acordos e concessões se tornam necessárias ao
estabelecimento de uma boa convivência.
O namoro é uma fase do relacionamento na qual as pessoas se conquistam
visando uma vida futura: ambos explicitam suas melhores idéias, a melhor ’maneira de
ser’ e de resolver questões divergentes. Os encontros são mais esporádicos e quase
sempre têm por objetivo a recreação, o lazer e o prazer. As diferenças e semelhanças
potencialmente conflitantes, em geral, não costumam se caracterizar como problemas
nesta fase.
Após a decisão de viverem juntos’ e o conseqüente aumento do tempo de
convivência, revelam-se mais claramente suas características individuais, estados de humor,
hábitos de vida e preferências pessoais: os valores e os padrões de relacionamento tornam-
se mais genuínos. Nesta fase nem sempre desejam as mesmas coisas ao mesmo tempo
eda mesma maneira.
Desenvolvem-se as regras de convivência e a prática de negociações. Negociação
deve ser entendida como a busca da melhor solução para que ambos se sintam respeitados
e considerados no enfrentamento de suas divergências. A partir de então, as decisões
pessoais de um já afetam a vida de ambos. É muito comum neste período surgirem
dificuldades que a primeira vista não parecem de grande importância, embora sejam
responsáveis pela maioria dos desajustes encontrados na clínica de casais.

2. Desenvolvim ento dos problem as


As mesmas questões que os atraíram poderão ser as que criarão os problemas
de relacionamento. Quando mal negociadas e mal resolvidas os casais desenvolverão
dificuldades identificadas como:

2.1. A Incompatibilidade, as mesmas características que os atraíram e eram fontes de


reforçamento mútuo, passam a dar origem aos conflitos e, portanto, tornam-se fontes de

364 .1I ignelli


Vera Rcflln Otero c V«ira Kupm tcln Infibcriruin
punições mútuas. Ambos os parceiros ficam privados de reforços e/ou expostos à
estimulação aversiva. Surgem, então, os sentimentos de frustração, decepção, mágoa,
raiva, arrependimento e acusações recíprocas. Novos padrões de interação se estabelecem
e passam a ocorrer dificuldades que antes não existiam: comprometem a capacidade de
expressar necessidades individuais: desaparecem dos seus repertórios a vontade e a
importância de agradar o(a) parceiro(a); desenvolvem-se esquivas de situações aversivas,
dentre outras.

2.2. Com o passar do tempo os parceiros tornam-se gradativamente menos tolerantes


com as diversidades do cotidiano. Agridem-se e interagem coercitivamente. Cada um
aprende que para fazer com que o outro responda deve agir de modo aversivo, (por exemplo,
aumentando o tom de voz). O outro aprende que para acabar com a aversividade precisa
ceder. Ambos passam a usar a 'mesma arma’, ou seja, usam a coerção para induzir o
outro o fazer o que ele quer e do modo como ele faria.
O parceiro coercitivo ó reforçado positivamente pela manifestação do parceiro à
aversão (responde ou cede) e o outro é reforçado negativamente por responder à aversão
(a aversão pára quando a submissão ocorre), conforme descrito por Jacobson e Christensen
(1998).
Parceiros em conflitos coercitivos atribuem a causa e a responsabilidade pelas
suas dificuldades ao seu(ua) parceiro(a): interpretam as diferenças existentes entre eles
como maldade do outro (ela(e) quer ir visitar tal pessoa porque sabe que eu não gosto de
fazer visitas): a ‘atributos psicológicos’ negativos como 'ele(a) é inseguro(a)’, 'depressivo(a)’,
‘desequilibrado(a)’; à inadequação social (você não sabe tratar bem seu marido ou sua
mulher); elaboram autoregras que permitem e conduzem à calúnia e à difamação mútuas.
É possível constatar que as percepções apresentadas pelos pares podem ser
pessoalmente genuínas. Genuínas, mas não corretas nem absolutas. Para ajudá-los a
enfrentar esses tipos de problema pode-se utilizar estratégias que enfatizam a aceitação
do outro, prioritariamente.
Christensen e Jacobson (2000) sugerem um exercício que deve ser realizado
durante a sessão, logo após um relato de interação coercitiva. Sugerem a seguinte
instrução:
Escolha um recente desacordo entre você e seu(ua) companheiro(a). Descreva
trôs lados do incidente: aquele que você contaria, aquele que seu(ua) companheiro(a)
provavelmente contaria e como um observador o veria. Compare as trôs histórias, verificando
o que elas tôm fle diferente? Tôm alguma semelhança?
Através deste exercício o terapeuta induz o casal a verificar que a sua visão do
problema não ó única. A aprendizagem desta nova percepção possibilita a diminuição da
culpabilizaçào do outro como responsável pelo conflito, aumentando assim as possibilidades
de trocas mais positivas para o enfrentamento dos problemas iniciais apresentados.
Diminuem ou são eliminadas as formas de interação coercitivas.

2.3. A polarização é outro mecanismo importante a ser considerado. Através dele o


relacionamento ruim transforma as diferenças em deficiências fazendo parecerem maiores
do que realmente são. Os parceiros negam-se a ter momentos gratificantes, desaparecendo
assim os reforçadores positivos anteriores. Como conseqüência disso maximiza-se o
valor do reforçador negativo. Aumenta também a ocorrência de comportamentos de
polarização, de coerção e de calúnia, dentre outros, típicos da interação conjugal conflituosa.

Sobre Comportamento e Coqnlçflo 365


2.4. Christensen e Jacobson (2000) indicam quatro tipos de argumentos iniciadores de
discussões entre casais: a) a critica; b) a exigência injusta ou ilegítima; c) o aborrecimento
acumulado; d) o sentimento de rejeição. Cada parceiro só tem a visão do papel do outro no
conflito e faz acusações de que é o outro quem tem características negativas e definitivas.
Ele 'não olha' para si próprio. Passam a classificar um ao outro através de atributos que os
definem negativamente: ("Você é doente, imaturo, neurótico inseguro, ou depressivo"); a
desvalorização das capacidades do outro (Você não é bom o suficiente: não sabe ser pai,
ou se comunicar, não sabe expressar sentimentos'). Estes argumentos são rotas dos
comportamentos que ferem e que têm como resultado a vitimizaçào ('Pobre de mim'). Em
resumo, os casais, a partir destas formas de interação, entendem e atribuem os problemas
como ‘É tudo falta sua'.
Uma outra sugestão de Christensen e Jacobson (2000) para suprimir esses
argumentos iniciadores de discussões é o exercício denominado 'Você está errado'.
Através deste exercício ajudamos o casal a fazer os seguintes questionamentos e
ponderações:
Escolhemos um parceiro com estas falhas? Nós as permitimos ou encorajamos?
As Inadequações do outro são tão censuráveis assim? Nos centramos mais nos
comportamentos de nosso(a) companheiro(a) do que no nosso? Temos a falsa crença de
que informar o(a) companheiro(a) sobre suas falhas ó a melhor maneira de levá-lo(a) a
trabalhar em sua mudança? Esta hipótese é falsa porque os parceiros raramente são
receptivos a ela. Sentem-se culpabilizados e querem defender-se colocando suas próprias
conclusões sobre o(a) companheiro(a).
O conflito torna-se entrincheirado se não ampliado, e ambos cavam seus poços e
se recusam a perceber que é imprescindível que mudem suas atitudes pessoais.
Assim, tornam-se necessárias intervenções específicas para prevenir e interromper
esta maneira de se relacionar. Para tanto é necessário levá-los a identificar o que o
problema diz de cada um, propondo-lhes o seguinte exercício:
'Pense nas afirmações que você faz a respeito de seu(ua) parceiro(a) quando algo
não está bem. Qual sua reação usual? Você foca imediatamente o papel de seu(ua)
companheiro(a), o seu papel ou de ambos? O que você faz com os sentimentos que você
tem acerca de seu papel no conflito? Quando encontra uma falha em seu(ua) companheiro(a),
o que você usualmente pensa? Ele(ela) é..., mau(má), egoísta. Tem problemas, é
emocionalmente instável, imaturo(a). Suas incompetências... não sabe ser um bom marido
(esposa). Identifique os tipos de falhas que você localiza mais repetidamente’.
Geralmênte, o que se ouve dos casais, são afirmações sobre características que
parecem imutáveis, sobre falta de habilidades, que são consideradas pelo(a) companheiro(a),
não como aprendidas no decorrer do relacionamento, mas sim, como ‘naturais’ daquela
pessoa.

3. O bjetivos gerais
Os objetivos gerais do processo psicoterápico de casais propõem o
estabelecimento de algumas estratégias que facilitam a mudança na direção desejada.
Estas estratégias incluem atividades como o treinamento em solução de problemas, o
treinamento em comunicação, a programação de condições para o aumento de trocas
positivas e a reestruturação de cognições (autoregras) problemáticas (Beck, 1988; Papp,
1992; Caballo, 1996; Barlow, 1999).

366 Vera Regin.i Lignelli Otero c Vara Kupmteln Intfbfrman


Considerando-se que os enfoques tradicionais da Terapia Comportamental de
Casais tinham alcance limitado para resolver uma grande gama de problemas entre parceiros,
dado que não melhoravam suas habilidades interativas, Christensen e Jacobson (2000),
dentre outros, propuseram uma ampliação de seus objetivos, observando que a ênfase
nas mudanças deveria basear-se na aceitação e no compromisso.
As intervenções a partir de então visam promover: a) alterações nos comportamentos
públicos (mudança), b) efeitos sobre as experiências privadas ou emoções (aceitação), c)
mudanças dos próprios comportamentos e no modo de aceitação do outro (compromisso).
Nesse sentido as estratégias do processo terapêutico de casais se direcionam
para a melhoria da comunicação entre eles considerando-se os processos de recepção e
expressão. Propõem-se mudanças de esquemas de vida, realização de tarefas especificas,
reformulação da compreensão sobre um determinado fato, revisão de autoregras,
aprimoramento das habilidades de discriminação e generalização. Enfoca-se ainda o
ensinamento de habilidades específicas de aproximação empática, de explicitação de
vontades e desejos diretos ao parceiro. De maneira relevante busca-se o desenvolvimento
de habilidades que podem fortalecer uma relação amorosa: cuidar, compreender, confiar,
partilhar, respeitar, compartilhar etc. Visam, também, aumentar as taxas de intercâmbios
positivosem relação aos negativos, modificar expectativas irrealistas, corrigiratribuições
de causalidade incorretas, identificar esquemas vigentes de reforçamento e classes de
estímulos e respostas que maximizam os problemas de relacionamento de um casal.

4. M udança, aceitação e com prom isso


Pretendendo aumentar e contextualizar a abrangência do atendimento clínico de
casais, Hayes, Jacobson, Follette e Dougher (1994) e Hayes e Wilson (1994) formularam
a Terapia da Aceitação e do Compromisso, que sistematiza uma maneira mais abrangente
para se compreender os problemas de relacionamento de casais além de oferecer um
conjunto de técnicas e procedimentos elaborados com o objetivo de alterar as maneiras
como as relações verbais funcionam entre os pares, É um outro modo psicoterapêutico
derivado da Análise do Comportamento.
É uma das pouquíssim as psicoterapias verbais com preensivas que,
consistentemente embasada na filosofia do Behaviorismo Radical, tem como objetivo alterar
o contexto sócio-verbal no qual ocorrem os eventos privados.
As alterações das relações verbais existentes entre os parceiros têm como meta
principal tratar e esquiva emocional, o número excessivo de respostas literais ao conteúdo
cognitivo assim como a inabilidade de assumir e manter compromisso com a mudança
comportamental.
Os terapeutas de casal seguidores desta orientação teórica, consideram que o
comportamento de cada pessoa é mantido por eventos singulares e só pode ser
compreendido e analisado dentro dos seus contextos pessoais. Partem do principio de
que cada pessoa da díade aprendeu a se comportar nos relacionamentos íntimos através
de suas próprias experiências de vida, especialmente as do relacionamento atual.
Hayes, Jacobson, Follette e Dougher (1994) observam, ainda, que para se obter
efeitos sobre comportamentos privados é necessário identificar as funções e as classes
de equivalência funcional dos comportamentos (crenças, regras, autoregras) além de
modificar as contingências atuais e os contextos nos quais ocorrem os problemas de
relacionamento do casal.

Sobre Comportamento c Cognição 367


As estratégias mostradas entào, para se atingir os objetivos acima são: desenvolver
uma união empática em torno do problema (enfatizar o sofrimento sem acusar), transformar
o problema em um atrativo (tolerar as diferenças sem culpar ou acusar), identificar o
contexto para o desenvolvimento da aceitação (rusgas que terminam em brigas), promover
a aceitação emocional através do desenvolvimento da tolerância (compreender o outro),
treinar a re-ônfase positiva (ver o positivo no negativo). Propõem-se, também, a enfatizar
as diferenças complementares, realizar simulações de interações negativas, buscar
aceitação emocional através de maior autocuidado, modificar comportamentos, treinar
comunicação e resolução de problemas além de prepará-los para eventuais recaídas futuras.
Christensen e Jacobson (2000) enfatizam também que, para se escolher os objetivos
a serem atingidos por cada casal e decidir quando e como intervir é indispensável que se
faça análises funcionais. Essas análises facilitam a realização de boas discriminações
acerca das contingências atuais que controlam os comportamentos dos pares, tornando-
as passíveis de modificação. Permitem deslocar o foco da atenção da topografia para a
função de um comportamento. Podem-se entào identificar classes de equivalências
funcionais que contêm grupos de comportamentos que, mesmo sendo topograficamente
diferentes, têm funções semelhantes.
Promove-se a aceitação e a mudança. É importante frisar que alguns
comportamentos tais como os diferentes tipos de abuso, nunca devem ser aceitos. No
entanto, é imprescindivel destacar que algumas características do outro precisam ser
aceitas para melhorar o relacionamento do casal.
Cada um deve decidir o que é ou não aceitável no comportamento de seu parceiro,
assim como o que pode e quer (ou não) mudar em si mesmo. O terapeuta deve ficar alerta
para evitar o perigo da elaboração de uma lista muito grande de mudanças para o outro e
uma pequena lista para si mesmo. Este fato indicaria que os parceiros estariam somente
'mais ou menos abertos’ ao que o outro expõe, pede ou necessita.
Para se treinar atitudes de aceitação e mudança o terapeuta propõe aos casais
tarefas de pensar sobre características de seu parceiro, descrever aspectos que passou a
aceitar com o tempo e os que acha que poderia passar a aceitar mais facilmente. Quais
características suas seu(ua) companheiro(a) passou a aceitar? Quais características suas
você gostaria que seu(ua) parceiro(a) aceitasse melhor? É importante que o terapeuta
ensine aos parceiros a considerar as diferenças existentes entre eles como diferenças e
não como defeitos ou erros; que considerem vulnerabilidade ao invés de violação, descrição
ao invés de avaliação, validar ao invés de invalidar a experiência do outro. É relevante que
atinem, também, que os dilemas se tornaram complexos ao invés de mais simples; que
as conseqüências das ações são conscientes e não simples tentativas inconscientes de
ferir o outro. É imprescindível que o casal verifique que as próprias ações e suas
conseqüências podem ser alteradas. Finalmente busca-se levá-los a entender que muitas
das situações aversivas, são conseqüências de reações emocionais ao invés de motivadas
a ferir o outro.
Para exercitarem a aceitação e a mudança se propõem, também, como exercício,
que o casal desenvolva, por escrito, uma história acerca de um problema importante em
seu relacionamento. Propõe-se ainda, que identifiquem as incompatibilidades e
vulnerabilidades que constituíram a dificuldade inicial; que indiquem algumas das maneiras
como costumam enfrentar o problema; que relembrem quando cada um começou a ficar
mais reativo ao problema. Solicita-se ainda, que olhem para sua história e verifiquem se a
baseou mais em diferenças do que em defeitos, mais em vulnerabilidades do que em violações,

368 Vrra Rcfiln.i l.igndli Otcro c Var.i Kuperstein liifibcrm.m


mais em descrições do que em avaliações. Se a pessoa escreveu a sua história sozinha
sugere-se que tente compartilhá-la com seu(ua) parceiro(a). O melhor critério para considerar
uma história como boa, ó que ambos possam concordar com as ‘histórias que contam.’
Conforme já descrito em trabalhos anteriores, Christensen e Jacobson (2000)
(Otero, 2003), pode-se agrupar, de maneira resumida, os objetivos das diferentes maneiras
de intervir: a) ajudar o casal a identificar os próprios sentimentos e os da outra pessoa,
expressando-os e nomeando-os corretamente (raiva, medo, indiferença, vingança, forra,
abandono, desamparo, ressentimento etc.); b) evitar inferir intenções maldosas no outro;
c) identificar os valores de vida que estão embutidos em cada comportamento queixa
(respeito, solidariedade, individualismo etc.); d) desenvolver habilidades que permitam o
aumento de interações positivas; e) demonstrar interesse pelo conteúdo da fala do outro;
e) indicar que está ouvindo com atenção; f) parafrasear e identificar semelhanças e diferenças
entre relatos sobre um mesmo fato; g) atentar para o fato de que diferentes interpretações
geram diferentes estados emocionais e que diferentes compreensões levam a acreditar
em diferentes regras; h) ajudar os parceiros a identificar os modelos de interação que cada
um traz consigo e o quanto cada um deles os reproduz no relacionamento do casal,
lembrando que é mais fácil perceber no outro do que em si mesmo; i) voltar para as
histórias de vida de cada um tentando identificar em seu repertório a influência dos modelos
de interação de seus pais; j) identificar como as características pessoais, de cada membro
do casal interferem na qualidade da relação; k) não tentar mudar o outro impositivamente;
I) rever a forma de compreender o próprio comportamento e o comportamento do outro; m)
fazer análises funcionais, distinguindo topografia de classes de respostas; n) falar sobre
seu próprio comportamento e não sobre o comportamento do outro; o) clarear algumas
regras básicas que, normalmente, estão presentes nas relações dos casais em crise
[exemplo: *ele(a) planejou algo para me prejudicar’; 'ele(a) fez alguma coisa exatamente
porque eu não gosto’; ‘a relação ó ruim porque o outro não colabora', de modo a estabelecer
regras de interação mais adaptativas.

5. A condução do processo terapêutico


Otero (1997) e Christensen e Jacobson (2000), dentre outros, sugerem que o
processo terapêutico pode ser conduzido em sessões conjuntas e em sessões individuais.
A realização de sessões individuais mostra-se de grande importância para a
psicoterapia de casal. O conteúdo das mesmas é próprio e pessoal e apenas poderá ser
levado para a sessão conjunta pela própria pessoa,
Note-se que nas sessões individuais, de um modo geral, os parceiros são mais
honestos, especialmente com relação a áreas sensíveis como sexo e violência. Nessas
sessões, o terapeuta tem a possibilidade de ficar bastante atento e validativo, sem deixar
de lado o outro membro do casal. O cliente verificará que a sua versão da história foi
escutada e se sentirá compreendido quando o terapeuta adotar uma postura neutra nas
sessões seguintes. Este procedimento aumenta a credibilidade nas reformulações, em
momentos subseqüentes.
As sessões individuais podem ser solicitadas pelo terapeuta ou pelos parceiros e
a freqüência delas depende do andamento do caso devendo o terapeuta atentar para que
sejam intercaladas por sessão conjunta.
O estabelecimento do vínculo de confiança e lealdade entre os membros do casal
e o terapeuta é condição indispensável para iniciarem-se os atendimentos individuais, a

Sobre Comportamento e CofjnlçJo 369


despeito de contribuírem, fortemente, para o sucesso do tratamento. Quando efetivadas,
as sessões individuais permitem alcançar os seguintes objetivos: a) conhecimento da
história de vida de cada um dos parceiros em relação ao comportamento queixa focalizado;
b) a identificação de como foram estabelecidas as regras controladoras de seus
comportamentos; c) proposição de análises funcionais dos comportamentos em questão
e, finalmente, d) o confronto das regras individuais com a realidade.

6. Avaliação e condução do atendim ento


A partir da primeira entrevista o terapeuta deve avaliar a história de relacionamento
do casal e identificar quais são suas bases de ligação. Deve observar a expressão do
afeto na sala de terapia, verificando se sâo capazes ou não de refletir sobre o porquê de
ainda estarem juntos; se dirigem ou não o foco da atenção sobre o que está errado com
o relacionamento, enquanto estão discutindo sua história de desenvolvimento. Para avaliar
as áreas nas quais o casal tem problemas, Christensen e Jacobson (2000) sugerem que
o terapeuta examine diferentes aspectos e momentos do relacionamento dos pares:
• Como se escolheram? Como se conheceram, e como se envolveram como um casal?
Quais das características pessoais os atraíram? Semelhanças ou diferenças pessoais?
Quais são os pontos de ligação entre eles? O que se tornou diferente agora? A situação
poderia ser diferente se o terapeuta pudesse girar uma varinha mágica e transformá-los
no tipo de casal que gostariam de ser? Como seria uma boa relação para eles?
• Qual a condição de estresse do casal? Qual tipo de compromisso o casal tem com a
relação? Quais questões os dividem? Por que estas questões constituem problemas
para eles? Quais são as forças que os mantêm juntos? Acreditam que o tratamento
poderá ajudá-los? Crêem que as intervenções terapêuticas os tornarão capazes de
retomar os propósitos que os uniram? Pensam que ambos devem mudar?
• Quais as peculiaridades próprias de cada um dos parceiros? O terapeuta deverá ficar
atento para identificar as dificuldades existentes no relacionamento do casal. Deverá
avaliar se elas são decorrentes de fatores tais como: a) distúrbios de comportamento;
b) transtornos de personalidade; c) parceiros homossexuais; d) parceiros de diferentes
etnias, classes sociais, religiões; e) parceiros com filhos de relacionamentos anteriores
(de ambos ou só de um deles); f) parceiros de idades muito diferentes; g) casal cujos
filhos já saíram de casa (ninho vazio); h) casal de namorados ou noivos. Cada um
desses casos requererá intervenções específicas.
Durante a avaliação o terapeuta buscará informações que o ajudarão na formulação
do plano de tratamento. Conduzirá as sessões, focalizando a discussão geral e tomará
algumas decisões relevantes. Escolherá dentre os incidentes ocorridos no intervalo entre
as sessões qual deles deverá ser examinado naquela entrevista. O terapeuta tentará
transformar uma questão conflituosa em um veículo de intimidade, levando os membros
do casal a verem suas diferenças de maneira mais construtiva. Além disso, o terapeuta
tentará facilitar o desenvolvimento de uma relação mais próxima ensinando-os a respeitar
as diferenças existentes entre eles.
As discussões podem ocorrer em quatro níveis: 1) discussão geral do problema;
2) discussão de um evento que pode trazer o problema; 3) discussão de um incidente
recente que ilustre o problema de maneira negativa; 4) discussão de um problema recente
de maneira positiva na qual cada um dos dois ou ambos tentou ‘fazer melhor' mesmo que
o resultado não tenha sido positivo.

370 Vera Regina Lignelli Ofero e Vara Kupcrslcln Ingbcrman


Os parceiros devem deixar a sessão sentindo-se melhor, mais aliviados, valorizados
e com um bom nível de compreensão do processo de avaliação que está sendo feito.
Deve-se buscar, já nas primeiras entrevistas, que se consiga aumentar o relacionamento
dos parceiros durante a mesma. O terapeuta mostrará aos parceiros com muita clareza,
que compreende as dificuldades enfrentadas por ambos, suas ambivalôncias e
desesperanças e que tentará ajudá-los. Tentará ainda sensibilizá-los para o processo
duplo de avaliação e terapia. Esses primeiros contatos com o casal tôm uma 'agenda
oculta', que é planejada para ser terapêutica.
O papel do terapeuta é propor um plano que leve á mudança ou à aceitação o mais
rapidamente possível. O profissional deverá investir mais na aceitação do que na mudança.

7. Predltores de eficácia da terapia de casal


Outras informações relevantes que devem ser buscadas, ao longo do atendimento
de um casal em conflito, dizem respeito aos preditores de eficácia de uma terapia de
casal. São informações que devem ser colhidas pelo terapeuta ao longo do atendimento.
Os seguintes indicadores podem ser considerados relevantes para o prognóstico do
atendimento de cada casal: a) a gravidade dos conflitos; b) o tempo de ocorrência das
principais queixas; c) o grau de compatibilidade entre os membros do casal; d) o grau de
comprometimento com o relacionamento; e) o desejo de cada um de melhorar a relação;
f) o grau de participação e colaboração no processo; g) a receptividade de cada membro
do casal para conciliação e concessão mútuas; h) qual dos dois propôs a terapia de
casal, quem e como aderiu.

8. Habilidades do terapeuta
Christensen e Jacobson (2000) sugerem que especialmente na prática da terapia
comportamental integrativa o terapeuta de casais tenha algumas habilidades e seja capaz
de: a) ensinar os parceiros a reconhecerem a polarização; b) ensinar os parceiros a
formular a descrição de suas histórias, c) estar apto a distinguir entre variáveis básicas e
derivativas, d) manter uma atmosfera terapêutica bastante relaxada, apesar dos casais
estarem vivendo conflitos severos; e) evitar a ocorrência de confrontos; f) interromper a
interação destrutiva, sem contribuir para a linguagem raivosa e acusatória; g) manter uma
posição não confrontativa, tentando não entrar em nenhum dos lados; h) exercer uma
influência apaziguadora, sendo que quando isto não for possível a sessão deverá ser
interrompida e poderão ser realizadas mini sessões individuais para tentar o
equacionamento da situação; i) usar a linguagem da maneira que 'seja familiar' ao cliente,
tentando utilizar as mesmas palavras e expressões proferidas pelos casais.
Além disso, o terapeuta habilidoso usará de metáforas pertinentes, ficando sempre
atento ao tipo de linguagem do casal; tem habilidade para usar o bom humor e fazer os
casais rirem de situações que vivenciam assim como deve ensiná-los a rir de si mesmos.
Utilizará linguagem da aceitação, para guiar os casais no sentido de desenvolverem uma
maneira diferente de falar sobre os problemas. Enfatizará a experiência de cada um ao
invés de salientar o que o parceiro fez ou disse. Encorajará os parceiros a falarem sobre
suas próprias experiências. Quando falarem acerca de si mesmos, o terapeuta os estimulará
para que façam revelações suaves ao invés de apontarem ou abordarem incisivamente
temas difíceis para o casal.

Sobre Comportamento c CognifA» 371


9. Conclusões
Os objetivos e estratégias, apresentadas pelas diferentes propostas de intervenção,
devem ser modificadas, ampliadas, encampadas e revistas, constantemente por cada
profissional. A intervenção deve sempre ser especifica para cada casal. Uma dupla de
parceiros tem sua própria história de relacionamento e, portanto sua terapia requer objetivos
e estratégias próprias. Conclui-se que, toda terapia de casal, para ser eficaz, deve prever
processos de mudança, tolerância e aceitação; deve trabalhar com os comportamentos
públicos e com os encobertos presentes na relação; deve considerar que diferentes conjuntos
de variáveis controlam diferentes interações entre os membros do casal (Lazarus, 1992;
Otero, 1997).
Embora o objetivo primeiro de uma terapia de casal seja equacionar a relação de
ambos, é também fundamental que cada um deles possa identificar a influência de seus
comportamentos nas interações. Ou seja, deverão identificar suas características pessoais,
seus sentimentos e seus valores de vida. Além disso, é desejável que possam, ainda,
conhecer-se melhor e reconhecer seus objetivos pessoais de vida. Ao término da terapia
multo provavelmente, nem todos os problemas do casal estarão resolvidos. Mesmo assim
a terapia termina porque os casais já adquiriram as habilidades necessárias ao
equacionamento das situações problemáticas e entrarão em um procedimento de
esvanecimento (fading out). Finalmente, uma terapia de casal deverá contemplar total ou
parcialmente três processos psicoterápicos: o de cada um dos parceiros e a própria terapia
do casal, todos em um mesmo processo.
As propostas aqui apresentadas são sugestões de caminhos que buscam ajudar
os terapeutas a identificar os problemas reais de um casal, descobrir soluções para
resolvê-los ou minimizá-los ou mesmo ajudar os parceiros a interromper a relação,
suavizando o processo de separação.

R e fe rê n c ia s

Barlow, D.H.(Org). (1999). Transtornos psicológicos. Porto Alogro, RS: Artmed.


Beck, A.T. (1988). Para alôm do amor. Rio de Janeiro, RJ: Rosa dos Ventos.
Caballo, V. (1996). Manual de Técnicas de terapia e modificação de comportamento. São Paulo,
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Christensen, A. & Jacobson, N.S. (2000). Reconcilable differences. New York, London: The
Guilford Press.
Dattilio, F.M. & Padesky, C.(1995). Terapia Cognitiva com casais. Porto Alegre, RS: Artes Módicas.
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Lazarus, A. A. (1992). Mitos Conjugais. Campinas, SP: Editorial Psy.
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comportamento e da terapia cognitivo-comportamental (pp. 250-256). Santo Andró, SP:
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Otoro, V.R.L.(2003). Psicoterapia de casais. Em Costa, C.E., Luzia, J.C. e Sant'Anna, H.H.N.
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Andró, SP: ESETec Editores Associados.
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Porto Alegre, RS: Artes Módicas.
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cognitiva (pp. 171-191). Campinas, SP: Editorial Psy.

Sobre Comportamcnlo e CogniçJo 373


Capítulo 37
Dependência Química - Prevenção de
recaída Contribuições da terapia cognitiva
Comportamental
Viviane de Castro1
Santa Casa de Misericón/ia-SP

O consumo de substâncias é um fenômeno mundial e constitui um dos principais


problemas de saúde pública. Este consumo acarreta diversos danos físicos, psicológicos
e sociais, estando por vezes associado à criminalidade, baixo rendimento escolar e prejuízos
no trabalho e nas relações interpessoais (Laranjeira e Surjan, 2001).
Segundo a Organização Mundial da Saúde o uso de drogas é um problema
crescente tanto em países desenvolvidos, quanto nos em desenvolvimento. No mundo
existem cerca de 40 milhões de usuários dependentes e uma superprodução de substâncias
suficiente para 140 milhões de pessoas. A produção de drogas aumenta aproximadamente
200% ao ano. No Brasil, o consumo de drogas ó um problema crescente. O alcoolismo e
o uso de substâncias representam cerca de 2 0 % das internações em instituições de
saúde mental em nosso país (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas
- CEBRID - disponível: http://www.saude.9 0 v.br/saude/ [1 abril. 2004]).
O conceito droga é utilizado para qualquer substância que tem a propriedade de
atuar sobre um ou mais sistemas do organismo, produzindo alterações em seu
funcionamento. As diversas substâncias psicoativas podem ser classificadas segundo
seus efeitos sobre 0 sistema nervoso central (SNC) (Mansur e Carlin), 1989).
As drogas depressoras da atividade do SNC apresentam a capacidade de diminuir
a atividade motora, a reatividade à dor e à ansiedade, sendo, no entanto, comum um efeito
euforizante inicial e um posterior aumento da sonolência. Dentro dessa categoria encontram-
se 0 álcool, os barbitúricos, os benzodiazepínicos, ópio e solventes ou inalantes. As
drogas estimulantes da atividade do SNC têm a capacidade de aumentar a atividade de
alguns sistemas neuronais, ocasionando um estado de alerta exacerbado, insônia e
aceleração dos processos psíquicos. Dentro dessa categoria encontram-se a cocaína e a
anfetamina e seus derivados. As drogas perturbadoras da atividade do SNC geram alterações
sensoperceptivas como alucinações, ilusões e delírios, sem que haja inibição ou
' Psicóloga do Núcleo (1« Álcool n Drogai do Cenlro (to AtençAo Inlngrada a Saúde M w ii Ih I da Irmandade da Santa Caaa d« Mlaorlcórdla do Sâo Paulo
Mnalmnda do Programa d« P6» OtaduaçAo do Departamento d« Ptlqulafrla da Faculdade de Medicina da Unlveraidade de SAo Paulo

374 Vera Regina Llgnelli Otero c Yara Kuperstein Ingberman


estimulação do SNC. Dentro dessa categoria encontram-se a maconha, os anticolinérgicos
e alucinógenos e seus derivados (Aluani, 1999).

2. Uso, A buso e Dependência


O uso da substância é definido como qualquer consumo, independente da freqüência
ou da intensidade incluindo o uso esporádico. O abuso ou uso nocivo da droga é o consumo,
associado a conseqüências adversas recorrentes e significativas. A principal característica
do abuso é que o indivíduo faz uso repetido da substância em situações nas quais isto
apresenta perigo físico, porém, sem preocupar-se com os possíveis danos. Comumente
fracassa no cumprimento de obrigações e compromissos importantes e gradualmente
começa a ter problemas legais, sociais e interpessoais (APA, 1995). O consumo excessivo
e constante é a condição necessária para o início da dependência. O sujeito
progressivamente perde a liberdade de escolher usar ou não certa substância. A droga é
utilizada em quantidades e freqüências cada vez maiores. O organismo tenta se adaptar a
administração da substância estabelecendo um novo equilíbrio em seu funcionamento, de
tal forma que, na falta da droga o organismo funciona maf. A droga é essencial para que o
corpo funcione normalmente. Quando o uso é interrompido o organismo entra em colapso.
O indivíduo é dominado por um forte impulso, considerado incontrolável, de administrar a
droga à qual se habituou, experimentando um mal estar intenso na ausência da substância.
No momento da administração o sujeito sente um prazer imensurável, exigindo um uso
periódico ou continuo da droga para proporcionar satisfação ou evitar desconforto. As \
dificuldades do usuário são momentaneamente esquecidas pelos efeitos da droga que
preenche a necessidade de soluções imediatas. Na ausência da substância o indivíduo
normalmente desenvolve uma alteração física e comportamental, com prejuízos cognitivos
e fisiológicos, que caracteriza a abstinência. A maior parte dos indivíduos com abstinência
tem uma premência por readiministar a droga para reduzir os sintomas pela falta da
substância. A abstinência varia de acordo com a substância usada e é um dos indicadores
para o diagnóstico da síndrome de dependência. O estado de abstinência é um conjunto
de sintomas variáveis que dependem da gravidade do uso da substância. A abstinência
ocorre após a interrupção do uso repetido e prolongado e/ou devido a administração de
altas doses da substância. Os sintomas físicos gerais da síndrome, sem a especificidade
da droga utilizada, variam de perturbações psicológicas, mudanças no estado de humor,
convulsões, complicações orgânicas entre outros (APA, 1995).

3. Modelo Moral, Modelo de Doença e M odelo Cognitivo Com portam ental


O uso excessivo de qualquer substância que leve a gratificação imediata poderia
ser visto como um problema de “controle do impulso", no qual, falta ao indivíduo força de
vontade e ele se torna incapaz de exercer o controle adequado sobre o comportamento.
Esta linha de pensamento culminou no “modelo moral" de adicção. Uma visão baseada
em pressupostos religiosos cristãos que exercia forte influência social e que atualmente ó
bastante difundida (Marlatt e Gordon, 1995). Um indivíduo que não consegue controlar
seus impulsos para resistir às tentações é alguém que não possui ou tem pouca "fibra
moral”. No caso qualquer dependente químico, como, por exemplo, o alcoollsta, é rotulado
como uma pessoa a quem falta caráter moral ou força de vontade e, portanto Incapaz de
resistir à tentação. O julgamento moral alcançou seu ápice nos Estados Unidos há cerca
de um século, com a experiência fracassada da proibição nacional do álcool. Atualmente

Sobcr (.'umporUmtnto eCognlçAo 375


o modelo moral de adicção ó bastante criticado, porém ainda existem muitos indivíduos
que acreditam que tais transtornos são o resultado de falhas morais.
No final dos anos 40, uma nova abordagem começou a aparecer sob a forma de
modelo de doença. De acordo com essa linha de pensamento, os comportamentos adictivos
estão baseados em uma dependência física subjacente e a atenção ó focalizada sobre
fatores fisiológicos predisponentes, que se presume serem geneticamente transmitidos,
como a causa subjacente da adicção. A versão contemporânea deste modelo foi
apresentada pela primeira vez no centro de estudos do álcool em Yale (Jellinek, 1960). Em
1956 a Associação Módica Norte Americana declarou oficialmente o alcoolismo como
uma doença e desde então o modelo de doença tem sido aceito pelo Conselho Nacional
sobre Alcoolismo da Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde esta época muitos
indivíduos buscam tratamento médico para seu transtorno. O indivíduo recebe a informação
de que sofre de uma doença (dependência química) muito parecida com outros transtornos
biológicos. Talvez uma das principais razões para as pessoas buscarem assistência para
seu problema, seja porque esta abordagem absolve a carga do indivíduo ser responsável
ou culpado pela sua doença. Segundo alguns estudos genéticos a doença esta latente
mesmo antes do sujeito se engajar no comportamento indulgente e permanece ativa mesmo
que o indivíduo não faça uso durante anos. Devido o curso crônico da doença as "recaídas"
fazem parte deste contexto (Irvin et al, 1999).
O modelo de doença envolve o conceito central de controle. Esta abordagem
define o dependente como incapaz de exercer controle sobre o comportamento devido à
influência dos fatores psicológicos internos subjacentes à dependência. Entretanto o
dependente é o único que pode evitar o problema e a forma mais adequada é abster-se da
substância. O indivíduo precisa manter total abstinência por um período indefinido de
tempo. O compromisso para cessar o uso é uma forma de controle. Assim o indivíduo
exercerá controle sobre a sua doença enquanto mantiver total abstinência. Certamente há
uma contradição nesta forma de compreender a doença e o próprio dependente químico.
Embora a etiologia da doença seja descrita como um processo além do controle ou
responsabilidade do indivíduo, normalmente a principal forma de tratamento é a total
abstinência e isto exige do indivíduo exatamente o controle sobre seu comportamento. A
principal qualidade do modelo de doença é a absolvição do dependente em relação à
responsabilidade pessoal para com o seu problema, porém se o indivíduo começa a ver
seu comportamento como o resultado de uma doença, pode tornar-se mais propenso a
assumir um papel passivo e acreditar que não existe nada que possa fazer. O modelo de
doença pode ser efetivo na medida que convence o dependente de que ele esta doente,
sofrendo de uma doença médica reconhecida e não é mais capaz de usar determinada
substância sem perder o controle (Marlatt e Gordon, 1995)
Nos últimos anos uma nova alternativa foi proposta: o modelo adictivo de
comportamento. Neste modelo a adicção é compreendida como um funcionamento mal-
adaptativo, um hábito hiperaprendido que pode gerar conseqüências danosas ao indivíduo.
Estes comportamentos podem ser analisados e modificados através do estudo dos seus
determinantes, incluindo antecedentes situacionais e ambientais, regras e expectativas,
história familiar individual e experiências de aprendizado anteriores com a substância em
questão.
As conseqüências destes comportamentos são im prescindíveis para a
compreensão do que pode contribuir para aumentar e/ou reprimir o uso e manter o
comportamento, bem como os efeitos da droga sobre a própria atividade (Marlatt e Gordon,

376 Viviane do Castro


1995), Os fatores sociais estão envolvidos tanto no aprendizado inicial deste hábito quanto
no desempenho subseqüente desta atividade, uma vez que o hábito tenha sido firmemente
estabelecido. Em geral estes padrões são seguidos por alguma forma de gratificação
imediata (satisfação ou redução de tensão ou euforia). O processo de mudança de hábitos
envolve a participação ativa do indivíduo. O sujeito adquire novas habilidades e estratégias
e assim os comportamentos mal adaptativos dão lugar a comportamentos mais saudáveis.
À medida que o indivíduo passa por um processo de reestruturação e aquisição de novas
habilidades, responsabiliza-se pela mudança do seu comportamento. Alguns estudos
revelam que índívíduos que recebem uma explicação genética para a etiologia do seu
problema sentem que tem pouco a fazer e estão mais propensos a usar a substância do
que aqueles que recebem uma explicação etiológica de aprendizado social. O modelo da
análise do comportamento adictivo não negligencia os aspectos fisiológicos que ocorrem
no organismo do indivíduo, mas explica-os como um estado crônico de doença gerado
pelo comportamento adictivo prolongado (Carroll, 1996).
O modelo do comportamento adictivo sofre algumas criticas. Esta forma de entender
o indivíduo seria uma regressão ao modelo moral, na medida em que responsabiliza o
sujeito pela aprendizagem do seu comportamento. Dessa maneira as pessoas seriam
culpadas pela escolha de suas experiências passadas de aprendizado. Entretanto, o fato
de um comportamento adictivo ser explicado como um padrão de hábitos hiperaprendidos
não significa que o indivíduo seja responsável por sua aquisição, uma vez que vários
fatores estão envolvidos, como condicionamento clássico e operante, expectativas e regras
sobre o efeito da droga, além da aprendizagem social e da modelagem. O indivíduo não ó
responsabilizado pelo aprendizado do comportamento adictivo, ele ó chamado a assumir
um papel ativo para mudar seus hábitos.
Todos estes modelos ampliam a possibilidade para entender a dependência
química, seja como uma síndrome, um comportamento mal adaptativo ou ainda como
uma questão moral. Atualmente o problema é compreendido através de um enfoque
biopsicossocial (Kaplan, 1999).

4. Histórico da Prevenção de Recafda


Leavell e Clark publicaram em 1953 a obra Medicina Preventiva e desde então
prevenção passou a ter um significado mais amplo dentro da comunidade científica. A
prevenção passou a ser compreendida como um conjunto de medidas para evitar o
aparecimento de uma doença, porém de uma maneira menos restrita e específica.
A Prevenção de Recaída (PR) é uma abordagem terapêutica derivada da
combinação de uma abordagem clássica da Medicina Preventiva e da Teoria
Comportamental e Cognitiva. A PR é uma ampla faixa de estratégias que visa evitar a
recaída do comportamento adictivo que esta sendo modificado. O foco primário é a
manutenção do processo de mudança de hábito. A finalidade é de prevenir a ocorrência de
lapsos iniciais após o sujeito ter ingressado no tratamento e evitar que qualquer lapso
chegue a ponto de uma recaída total.
Os comportamentos adictivos são conceitualizados como padrões de hábitos
hiperaprendidos. Segundo a PR estes padrões podem ser modificados através da aplicação
de procedimentos de automanejo e autocontrole. O autocontrole, no contexto desta
abordagem, abrange diversas técnicas: aquisição de habilidades de enfrentamento
adaptativas como alternativa aos comportamentos adictivos e apoio e sustentação aos

Sobre Comportamento c CognlçAo 377


novos comportamentos. Estas estratégias além de abranger a natureza da mudança de
hábitos também envolvem a capacidade do indivíduo de desenvolver um estilo de vida
diário que inclua atividades positivas como auto cuidado e formas não destrutivas de atingir
satisfação e gratificação pessoal.

5. Prevenção de Recaída
A Prevenção de Recaida é uma abordagem que promove e mantém a mudança do
comportamento adicto. O dependente químico aprende a prever e a lidar com a possibilidade
da recaída. A recaída é o retorno do uso da substância, no momento que o indivíduo esta
buscando a mudança de seu comportamento indulgente. O indivíduo retoma o consumo
da droga depois de permanecer determinado período em abstinência, tendo realizado
nesse espaço de tempo tentativas de mudança comportamental (Marlatt e Gordon, 1995).
O indivíduo deve ter iniciado uma mudança no seu estilo de vida. O que determina a
ocorrência ou não de uma recaída, além do período de abstinência, é se o consumo foi ou
não precedido por uma tentativa de mudança comportamental (Irvin et al, 1999).
As taxas de recaídas entre dependentes químicos são altas, especialmente entre
indivíduos que saem de um tratamento em regime de internação. O indivíduo sente uma
falsa sensação de autocontrole em relação ao consumo da substância, após permanecer
em ambiente protegido. A maior parte destes sujeitos acredita que somente a permanência
em ambiente controlado é suficiente para não retomar o uso da substância. Geralmente o
dependente químico apresenta dificuldade para compreender que sua recuperação
dependerá de diversos fatores que não somente a permanência neste tipo de ambiente;
aliás, a internação não é condição si ne qua non para a reabilitação do indivíduo.
Apesar das taxas de recaídas serem altas, alguns fatores são reputados como
indicadores de bom prognóstico, como, por exemplo, a procura voluntária pelo tratamento,
a participação ativa do sujeito no seu processo de reabilitação e um histórico de bom
funcionamento social anterior ao diagnóstico da dependência (Leite et al, 1999).
Antigamente a recaída era considerada uma falha completa no tratamento. O
profissional não discutia e nem levantava a possibilidade da sua ocorrência e tão pouco
como esta poderia ser evitada. Os tratamentos desenvolvidos para dependentes químicos
eram constituídos por uma fase de promoção àa abstinência imediata, sem a preocupação
da manutenção da mesma por um período maior. Atualmente a recaída é um indicativo de
que algo no processo terapêutico está necessitando de uma revisão; é considerada uma
ocorrência totalmente aceitável, porém que pode ser evitada (Miller, 1995).
De maneira geral, a recaída é o conjunto de sucessivos acontecimentos internos
e externos ao indivíduo que se iniciam antes mesmo dele retomar o uso da substância.
Devido a isso, é difícil determinar com exatidão quando começa o processo da recaída
(Marlatt e Gordon, 1995). O próprio indivíduo tem dificuldade para perceber estas mudanças
e emite comportamentos que podem desencadear uma recaída. Quando percebe a situação
fora do seu controle, sente-se incapaz de reverte-lá. As fissuras tornam-se cada vez mais
intensas e o indivíduo se coloca em situações de risco buscando maneiras de obter a
substância. Dessa forma, o sujeito retoma o padrão adicto finalizando o ciclo de
acontecimentos que caracterizam a recaída completa. A retomada do uso da substância
não significa necessariamente que houve uma recaída total. Ao contrário do que se observa
o indivíduo pode ter apresentado um lapso. O lapso é considerado como um primeiro sinal
de violação nas regras para a promoção e manutenção da abstinência, pode ser o início de

378 Viviane dc C'a*tro


uma recaída, porém nem sempre o ó de fato, pois inúmeras vezes as mudanças
comportamentais ocorrem antes da retomada completa do uso da substância (Marlatt e
Gordon, 1995).
O modelo da prevenção de recaída originou-se da teoria cognitiva e comportamental
e da teoria do aprendizado social. O objetivo ó essencialmente educativo e as técnicas
promovem principalmente o desenvolvimento do autocontrole, da autoeficácia e da modelação
necessária para organizar este sistema. Estas abordagens compreendem que as ações
humanas influenciam a natureza dos acontecimentos ambientais e que, por sua vez,
influencia as ações humanas de uma forma recíproca e contínua.
A PR considera a história natural do comportamento (contingências de
reforçam ento, antecedentes e conseqüências a curto, médio e longo prazo,
comportamentos associados e controle de estímulos) primordial para compreender as
implicações do comportamento adicto e para a formulação da intervenção.
No modelo cognitivo comportamental e cognitivo o sujeito assume em conjuntc
com o terapeuta um compromisso pela sua mudança. O indivíduo é considerado capaz de
realizar modificações em seu comportamento. Nesta abordagem, a forma pela qual as pessoas
interpretam situações específicas influencia seus sentimentos, pensamentos e suas ações.
, As interpretações são modeladas por regras que são ativadas em determinadas situações,
como, por exemplo: “Eu preciso de um baseado para relaxar". Indivíduos com essas regras
específicas estão propensos a se engajarem em algum comportamento indulgente. Essas
regras ativadas sob circunstâncias preditivas aumentam a probabilidade da continuação dc
uso de substâncias. As regras do indivíduo sobre si e sobre o mundo dificultam a modificação
do comportamento adictivo. O sujeito vê seu futuro como um conglomerado de fracasso e
condicionado a essas regras envolve-se no mesmo comportamento que o ajudou a desenvolvê-
las inicialmente, reforçando-as. A terapia promove uma modificação na forma que o indivíduo
reage emocionalmente e no engajamento em comportamentos autodestrutivos. Assim, o
indivíduo entra em contato com os problemas que geram o sofrimento e aprende a ter umá
visão mais crítica sobre seu problema e sobre a busca por prazer ou alívio de uma maneira
imediata. Além disso, a terapia ajuda o indivíduo a lidar com outros transtornos como
depressão, ansiedade, mudanças de humor, os quais estão freqüentemente presentes e
geralmente mantêm a dependência. Os dependentes químicos apresentam grande dificuldade
para interromper permanentemente o uso da substância. Os problemas decorrentes do uso
da substância como, por exemplo, familiares, profissionais, ocupacionais e médicos,
normalmente §£o ignorados ou minimizados muitas vezes associados a alguma outra razão
menos relevante (Caballo, 1996).
A associação entre o comportamento adicto, fissura e a regulação do humor é
descrito em diversos estudos (Childress et al, 1987; Sinha et al, 2000). Estados afetivos
negativos, como ansiedade, depressão, solidão ou tédio são bastante relatados por
dependentes químicos. O uso da substância é o meio encontrado para produzir alívio
deste estado de humor negativo (Sherman et al, 1989). A ocorrência simultânea da fissura
e dos afetos negativos endossa o modelo do reforço negativo para as recaídas (Litt et al,
1990; Tiffany & Drobes, 1990; Childress et al, 1994; Robbins et al, 2000). A fissura também
está relacionada com estados emocionais positivos. Alguns indivíduos relatam que buscaram
a droga devido ao fato de estarem se sentindo muito bem, ao invés de estarem sofrendo.
Os sentimentos são de prazer e satisfação e estes indivíduos intensificam o estado
emocional positivo através do consumo da substância (Baker et al, 1987).

Sobre Comportamento e CoqnlçÜo 379


A interrupção do uso ó associada a privação do prazer proporcionado pela droga
ou ameaça ao “bem estar funcional" a qual o organismo já se adaptou (Jennings, 1991).
Geralmente os dependentes químicos acreditam que podem parar com o uso quando bem
entenderem, porém quando surge a fissura e percebem que não conseguem resistir a ela,
vivenciam intensamente sentimentos de decepção, fracasso e frustração o que gera
pensamentos automáticos, como, por exemplo, “Eu sou um fracassado, não sei lidar com
esse sentimento".
Os dependentes químicos apresentam pensamentos automáticos que afetam o
funcionamento global do indivíduo. Com a supressão do uso da substância, estas regras
se manifestam com os efeitos da abstinência e com a fissura, como, por exemplo, "Se eu
não usar, não vou conseguir suportar a angústia". Pensamentos como este fazem com
que o indivíduo acredite que não conseguirá controlar-se o que acaba por si só confirmando
a regra de que não ó capaz de lidar com as dificuldades geradas pela dependência.
As regras no processo da dependência foram divididas em dois grandes grupos.
O primeiro refere-se á sobrevivência pessoal, desempenho, autonomia e autocontrole,
como, por exemplo, o indivíduo acredita ser fraco, inferior, inapto, fracassado, desconsolado,
aprisionado, derrotado entre outros. O segundo grupo está associado com afetos e vínculos
afetivos. O indivíduo se preocupa em ser aceito, amado e tem muito medo de ser rejeitado
e também apresenta uma visão negativa de si próprio e do ambiente. Estas regras caminham
paralelamente com os comportamentos adictivos. No início do uso o indivíduo pensa na
diversão e satisfação que a substância poderá proporcionar. À medida que adquire prazer
com a substância, o uso deixa de ser esporádico e entra na rotina do sujeito.
O dependente químico toma pequenas decisões que geram recaídas sucessivas.
Essas decisões são chamadas de Decisões Aparentemente Irrelevantes (DAI). O indivíduo
prepara a situação para uma possível recaída, segue uma série de DAI's que move o
indivíduo em direção ao uso. A fissura pode se manifestar através de distorções cognitivas
que preparam ou dão permissão para o indivíduo recair. Geralmente o dependente químico
não percebe este processo. Os comportamentos sào considerados irrelevantes e
conseguem convencer o dependente e mesmo as pessoas que estão a sua volta que não
há problema algum naquela situação, como, por exemplo, o relato de uma mãe que deu
dinheiro para o filho acreditando que o mesmo iria comprar pão na padaria da esquina que
também vende bebidas alcoólicas. Seqüencialmente, o indivíduo desenvolve um plano de
ação para conseguir a substância e consumi-la. Neste plano o sujeito planeja como
conseguirá a droga, onde e como comprá-la, que local ira utilizá-la e o que será necessário
fazer para despister os familiares ou amigos (Marlatt e Gordon, 1995).
Na terapia cognitiva comportamental, a recaída é vista como uma forma de
aprendizado e não como uma falta de caráter como muitos modelos propõem. O importante
é entender o processo, o desenvolvimento da fissura antes mesmo do uso. Na terapia, os
dependentes químicos aprendem a perceber os fatores que geraram a fissura e
conseqüentemente o uso.
A fissura dentro do modelo cognitivo comportamental é multidimensional, tem
natureza psicobiológica, constituída de componentes cognitivos e comportamentais,
fisiológicos e neurofisiológicos (Ludwig et al, 1974). No processo do comportamento adicto,
a percepção das alterações internas provocadas pela substância é associada a estímulos
percebidos no ambiente. Dessa forma, estímulos externos antes neutros adquirem o poder
de desencadear respostas fisiológicas (O’Brien et al, 1976). A fissura é ativada em uma
situação estimulante específica. Contudo, entre o estímulo e a fissura há uma regra que é

380 Viviane de Castro


auvada pela situação. Desta regra deriva um pensamento automático e esta seqüência
ocorre de forma instantânea (reflexo condicionado) associada ao consumo. Algumas
situações (internas - emoções e/ou externas - ambiente, pessoas) são fatais e as fissuras
são rapidamente desencadeadas.
As regras e as fissuras geralmente são ativadas em situações especificas, quase
sempre previsíveis. Dependendo principalmente do estado de humor, autocontrole e
autoeficácia que o indivíduo esta experimentando naquela situação, o risco varia
consideravelmente. O indivíduo pode ter sucesso em lidar com determinada situação,
porém quando ela novamente ocorrer pode recair.
Algumas estratégias comportamentais são reputadas como essenciais para reduzir
as fissuras e ao mesmo tempo desenvolver um sistema fortalecido de autocontrole e
autoeficácia como:
a) Modelação
b) Controle de estímulos (automonitoramento)
c) Técnicas de relaxamento
d) Identificação e compreensão das situações de alto risco
e) Identificação e modificação de cognições distorcidas
f) Identificação e compreensão de determinantes intrapessoais e interpessoais (situações
específicas e estados afetivos)
g) Aprendizado de habilidades sociais e de enfrentamento (ênfase em assertividade e
resolução de problemas)
Uma importante meta da terapia cognitiva comportamental ó ensinar o indivíduo a
aprender a lidar com seus estados emocionais, questionar comportamentos subjacentes,
reconstruir a maneira de pensar, rever padrões rígidos de comportamento e pensamento e
ampliar a forma de avaliar os mesmos. O objetivo é aumentar o autocontrole e a autoeficácia.
A terapia cognitiva comportamental é compatível com diversas outras modalidades de
tratamento: ambulatorial, individual, em grupo, familiar, hospitalar, farmacológico e em
grupos de auto-ajuda.

6. G rupo de Prevenção de Recaída: na Prática com o Funciona


Nas últimas décadas, muitas pesquisas têm sido desenvolvidas com o intuito de
adaptar a psicoterapia de grupo, para atender às necessidades específicas desta população
(Flores, 1996). Esta modalidade terapêutica tem sido bastante utilizada, e seus resultados
sugerem que estfe é um dos principais alicerces para o tratamento destes sujeitos (Ciraullo,
1991).
A intervenção em grupo visa à integração do indivíduo a um grupo inicial de
recuperação. Geralmente, os dependentes químicos iniciam o tratamento com idéias
distorcidas sobre si e sobre a gravidade dos problemas relacionados ao uso da substância
(Washton, 1989).
O processo terapêutico em grupo privilegia a interdependência entre os indivíduos.
A interdependência grupai promove o estabelecimento de vínculos sociais saudáveis, na
qual os integrantes conseguem compreender uns aos outros e compartilhar experiências
pessoais. Os indivíduos aprendem a escutar os relatos de seus companheiros, colocam
suas opiniões sobre as experiências alheias e sobre suas próprias vivências (Miller, 1997).
Aos poucos, o indivíduo consegue identificar os pensamentos distorcidos provenientes
de seus colegas de grupo, mesmo quando não possui crítica sobre seus próprios

Sobre Comportiimcnto e t'oflnl(do 381


pensamentos. O indivíduo aceita mais facilmente interpretações, críticas e intervenções,
quando estas são formuladas em grupo. O trabalho terapêutico em grupo permite que o
indivíduo identifique e expresse suas idéias e emoções. Normalmente o indivíduo apresenta
uma grande dificuldade em expressar sentimentos, isto porque o consumo da substância e
suas conseqüências prejudicam seus relacionamentos interpessoais e vínculos sociais. O
sujeito inserido no grupo ouve os temores, desejos, vontades e as dificuldades de seus
companheiros, que normalmente costumam ser muito parecido aos seus próprios. O grupo
também promove o convívio com sujeitos que estão abstinentes por um período maior de
tempo e, dessa forma, servem como modelos para novos integrantes. A intervenção em
grupo faz com que o indivíduo se torne capaz de transformar informações cognitiva mente
aprendidas em comportamento operante (Miller, 1994).
Indivíduos que saem de um período de tratamento em regime de internação
hospitalar geralmente apresentam uma falsa sensação de segurança e proteção e devido
a isso as recaídas são freqüentes. Programas de tratamento desenvolvidos para
dependentes químicos em instituições de saúde mental devem contar com o respaldo de
um projeto destinado à prevenção da recaída. A prevenção de recaída oferecida nesta fase
do tratamento parece ser crucial no prognóstico do indivíduo.
Os indivíduos orientados quanto às situações de risco conseguem se manter por
um tempo maior em abstinência e consequentemente maior qualidade de vida.

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Sobre Comportamento c Coflnlçào 383


Capítulo 38
Sistematização de observações informais
em psicoterapia
Yuristrta Ydno'
U N IP JA P A
Sonia H cdtrí/ M eycr
LA/'1'

Muitos esforços têm sido feitos no sentido de desenvolver pesquisas na área


clinica, prática bastante complexa, porém, extremamente necessária por favorecer a
compreensão das mudanças ocorridas em processos psicoterápicos e até mesmo colaborar
na tomada de decisões de terapeutas.
Para que este campo de pesquisa possa ser ampliado torna-se necessário o
desenvolvimento de formas de mensuração, já que nào temos medidas prontas, bem
estabelecidas, de modo a avaliar as mudanças comportamentais dos clientes.
Em pesquisas cujo delineamento é de grupo ó comum a utilização de instrumentos
como inventários ou testes (instrumentos padrões) que são aplicados em períodos
estabelecidos. Porém, em pesquisas com sujeito único, tais instrumentos podem perder
sua utilidade, já que aqui o que interessa não é o resultado grupai e sim o individual. Sâo
as particularidades de cada um que nos interessa. Neste caso, é preciso que medidas
repetidas sejam tomadas no decorrer do tempo, pois elas permitem estimativas sobre o
grau de variabilidade no comportamento de interesse, seu nlvel de ocorrência e tendências
aparentes. Além disso, se apenas tomarmos uma medida antes do tratamento e outra
depois, como muitas vezes ocorre nas pesquisas, não saberemos se uma eventual melhora
é devida ao tratamento ou a uma variação no procedimento de medida, ou ainda a outros
fatores estranhos. No entanto, tem sido difícil encontrar medidas de variáveis dependentes
e independentes que sejam significativas ou que interfiram pouco na relação terapêutica
(Meyer & Vermes, 2001).
Uma forma de se fazer pesquisa em Psicologia seria por meio de estudo de
casos, com ou sem delineamento experimental, em que o comportamento do sujeito
serviria como seu próprio controle (também chamado d e "time series" por Barlow, Hayes &
Nelson, 1984). Uma das razões para utilizar esse delineamento é por se aproximar muito
daquela envolvida na tomada de decisões na prática clínica. O delineamento de sujeito
1Doutora «Kl Psicologia pek> Dopartamenlo do Palcologla Clinica do IPUSP, Ptlcólogn Clinica da CLIAD, Profaaaota da UNIP n FAPA
' Doutora em Psicologia |>do IPUSP, Profmuiora do Daplo da Ptlcotogla CNnlca do IPUSP, PticMoga Clinica

384 Yuriitcl.i Y<mo e Sonla M ry e r


único tem como objetivo demonstrar, dentro de uma mesma história de vida, a interferência
de algumas variáveis que poderiam ser manipuláveis e mensuráveis. Muitas vezes, este
tipo de delineamento é utilizado para verificar o efeito de um tratamento ou uma intervenção
sobre um único indivíduo, no qual cada participante individual serve como seu próprio
controle. Algumas vezes é denominado como N=1, caracterizado por tomar medidas
repetidas de uma variável quantificável de um caso único (Barker, Pistrang & Elliott, 1994).
Sendo assim, o sistema de medida precisa ser padronizado, isto é, medidas
precisam ser tomadas sob condições consistentes. É preciso ainda considerar que qualquer
condição que possa influenciar a medida não pode covariar com o tratamento, já que
geraria interferência nos resultados. Em alguns casos, medidas mais precisas não estão
disponíveis, assim é preciso obter as medidas possíveis e então reconhecer suas limitações
(Barlow, Hayes & Nelson, 1984).
Uma outra possibilidade é sugerida por Barlow et al. (1984), a adoção de medidas
múltiplas, tantas quanto possíveis e, que sejam coletadas de maneira freqüente. Este
procedimento pode favorecer a visualização da variabilidade dos comportamentos. Os
autores citados sugerem ainda que sejam tomadas medidas de vários comportamentos e,
que, ao longo do tempo, poderão ser reduzidas (afuniladas) de acordo com os interesses.
Utilizando essa metodologia, o clínico pode observar e verificar os sucessos e
falhas cometidas e assim, analisar, quando possível, a razão das variações individuais.
Posteriormente, a intervenção a ser utilizada poderia ser administrada em outros contextos
para determinar a generalidade da efetividade do tratamento. E isto é de fundamental
importância, pois como sabemos quanto mais os dados forem replicáveis, maior será a
confiabilidade e generalização. Se forem realizadas por diferentes pessoas, em diferentes
ambientes e se os achados forem consistentes, isso será um indicativo de que essas
intervenções poderão servir para outras situações. Caso ocorram falhas na replicação, em
alguns contextos, podemos utilizá-las para identificar os limites da generalidade (Barker,
Pistrang & Elliott, 1994).
Algumas medidas objetivas, padronizadas, podem não permitir com grau de
confiança se possíveis alterações e suas dimensões seriam devidas ao tratamento ou
produto de outras condições existentes no momento da mensuração. Alóm disso, não
permitem conhecer como se dá o processo de mudança, por exemplo, se as mudanças
ocorrem juntas ou seqüencialmente, de forma gradual ou não, se os novos padrões são
estáveis ou oscilantes. Para responder tais questões, não se tem um instrumento
padronizado. O instrumento comumente utilizado pelos clínicos é a observação clínica,
poróm este procedimento pode ser difícil de ser operacionalizado para efeitos de replicação
e ele corre o risco de ser falível, se o clínico usar critérios mutantes de observação e
avaliação.
Uma possibilidade, então, seria utilizar instrumentos objetivos (padrões)
conjuntamente com avaliações subjetivas do próprio terapeuta. Este método nos parece
trabalhoso, mas parece amenizar as variáveis acima citadas. Podemos exemplificar por
meio de um estudo, que utilizou medidas objetivas conjuntamente com outras subjetivas,
mas onde o pesquisador procurou sistematizar medidas informais utilizadas por clínicos
(Yano, 2003).
Primeiramente, medidas foram coletadas em diferentes fases do processo
terapêutico (começo, meio e fim), assim como outras que foram coletadas com a mesma
freqüência, sessão por sessão (relatos do cliente). Para tanto, foram criadas categorias
de comportamento, com base em relatos verbais do cliente, e o terapeuta-pesquisador

SobreComportamento cCognlvâo 385


categorizou as sessões gravadas em vídeo após suas ocorrências. Para tal categorização
os conteúdos das sessões foram agrupados por temas gerais e específicos. Após isso,
também foram construídas categorias individualizadas para cada participante da pesquisa,
isto é, foram definidas durante o tratamento baseando-se na percepção do terapeuta sobre
aquilo que ele considerava relevante para cada cliente. No decorrer da análise, foi observado
que muitas das categorias formuladas eram semelhantes entre os clientes e, então, foram
construídas categorias gerais.
Para cada categoria foi criado um sistema de pontuação, variando de zero a três
pontos, da pior à melhor avaliação, respectivamente. Esse sistema de pontuação teve por
objetivo permitir comparações entre categorias e os participantes da pesquisa. Este método
de pesquisa envolveu o desenvolvimento de categorias baseadas na observação clínica do
terapeuta, porém com definições que permitissem aos juizes calcular o grau de
concordância na categorização, o que é um requisito para replicabilidade. Além disso, o
método foi aplicado de forma contínua, ou seja, em todas as sessões - requisito para
estudar o processo de mudança, para poder analisar tendências dos comportamentos e
para permitir um eventual delineamento de pesquisa de sujeito único.
Este trabalho teve como objetivo ilustrar uma possibilidade para se fazer uma
pesquisa clínica de modo a contribuir na compreensão de um processo de mudança
comportamental que visualizamos em situação da prática clínica.
Tabela 1. Exemplificação da categorização do comportamento de um cliente.

Sessões 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Ataques de Pânico 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2
Exercícios 3 3 3 3 3 3 2 3 3 3
Exposição 0 1 2 2 2 2 2
Sintomas da Depressão 0 0 1 2 3 3 3 3 2 2 2 3
Sono 0 2 2 3 3 3 3
Uso de Tranquilizante 3 0 3 3 3
Pensamento catastrófico 1 1 2 1 2 2 2 2 2 2
Relação c/ Família 0
Relação d Marido 1.5 0 1.5 0 3 0 0
Relação d Filhos 0 0 1.5 3 3
Percepção jie Mudança 1 1 2 2 2 3
Assertividade 0 2 3

Na tabela acima temos na primeira coluna as categorias gerais e individuais do


comportamento do cliente. As colunas subseqüentes correspondem a cada uma das
sessões às quais foi submetido, com sua respectiva pontuação atribuída pelo terapeuta-
pesquisador, com base em critérios estabelecidos.

R eferên cias
Barker, C., Pistrang, N. & Elliott, R. (1994). Research methods in clinical and counseling
psychology. New York: John Wiley & Sons.
Barlow, D.H., Hayes, S.C. & Nelson, R.O. (1986). The Scientist Practitioner. Research and
Accountability in Clinical and Educational Settings. (3rt Ed.). New York: Pergamon Press.

386 Yuristcla Yano e Sonia Beatrix M eyer


Meyer, S. B. (2003). Pesquisa em clinica comportamental. Em: M.Z.S. Brandão, F.C.S. Conte,
F.S. Brandão, Y.K. Ingberman, C.B. Moura, V.M. Silva & S. M. Oliane (Orgs). Sobre
Comportamento e Cognição - Clínica, pesquisa e aplicação. (Volume 12 pp. 345-352).
Santo Andró, ESETec Editores Associados.
Meyor, S. B., & Vermes, J. S. (2001). Relação Terapêutica. In: B. Rangé (Org.). Psicoterapias
Cognitivo-Comportamentais. Um diálogo com a psiquiatria, (pp. 101-110). Porto Alegre:
Artmed Editora.
Yano, Y. (2003). Tratamento padronizado e individualizado no transtorno do pânico. Tese de
Doutoramento. Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, Sào Paulo, 216 p.

Sobrr Comportamento c Cuflnlvdo 387


Seção IV

A Formação de
Psicoterapeutas
Capítulo 39
Análise correlacionai entre repertório
em habilidades sociais em terapeutas
iniciantes e o estabelecimento da
relação terapêutica1
Karine Amaral Magalhães - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
Josiane Cecília Luzia - Universidade tstadua! de Londrina
José Carlos Palmas - Universidade tstadua! de Londrina

1. Relação Terapêutica
Segundo Meyer e Vermes (2000), a psicoterapia pode ser definida como um
processo em que os principais objetivos são a promoção de mudanças comportamentais
que, consequentemente, levem a uma diminuição dos eventos aversivos responsáveis
pelo sofrimento e também aumente as contingências reforçadoras para o indivíduo. Para
que tais objetivos sejam alcançados, diversos procedimentos e técnicas são utilizados.
Todavia, isto gerou a noção de que terapeutas comportamentais exerciam apenas o papel
de "modificadores de comportamentos" utilizando-se da tecnologia do condicionamento
operante (Ferster, 1979), o que disseminava ainda mais a concepção errônea de que o
Behaviorismo Radical se caracterizava como uma abordagem mecanicista e reducionista
do comportamento humano.
Para Silveira e Kerbauy (2000) a pesquisa em Psicoterapia dividiu o contexto clínico
em dois segmentos. Estes se propunham a analisar as variáveis que contribuíram para a
obtenção dos resultados terapêuticos: as variáveis específicas, caracterizadas pelas ações
intencionais co*mo procedimentos e técnicas aplicadas pelo terapeuta e, as variáveis não
especificadas que "referem-se às qualidades inerentes a uma relação humana satisfatória,
tais como a empatia e aceitação incondicional" (Silveira e Kerbauy, 2000, p. 214).
Sabe-se que a relação construída entre o cliente e o terapeuta pode funcionar
como uma variável preditora de bons resultados da terapia (Digiuseppe, Linscott, Jilton,
1996) pois uao início do atendimento, o clínico não dispõe de procedimentos específicos
para auxiliar seu cliente, necessitando recorrer à própria relação terapêutica [...]e ao seu
repertório pessoal, construído ao longo da vida, para levar o cliente a se engajar no
tratamento. "(Wielenska, 2000, p.9). Para Novaki (1999), o papel do terapeuta, no início do
processo terapêutico, caracteriza-se por um envolvimento nas discussões e avaliações,
1Trabalho deaenvolvtdo pela primeira autora, orientado pota «egunda. no Curto de Espedalbaçio em Palcolerapia na AnátiM do Comportamento •
aaaettorado pelo terceiro autor not quealtoa eatatliUoo* • apresentado como Comunicação Coordenada no XII Encontro da AaaoclaçAo Bratllelru de
PaJcuterapJa e Medicina Cornpof lamentai - ABPMC, 2003

Sobrt Comportamento c Coflnlç«1o 391


assim como a indicação do que sentem e pensam sobre o andamento dos conteúdos da
sessão.
A relação terapêutica pode ser vista como “uma interação de mútua influência
entre terapeuta e cliente. Nela, a pessoa que buscou ajuda ô privilegiada pelo trabalho de
um profissional capacitado a utilizar técnicas e procedimentos específicos, ao mesmo
tempo em que lança mâo de habilidades sociais importantes, como a empa tia" (Meyer e
Vermes, 2000, p.6 ). Também para estas autoras, o sucesso dos procedimentos e técnicas
utilizadas pelo terapeuta comportamental está diretamente ligado à qualidade da relação
terapêutica.

2. Com portam entos e Habilidades Pessoais do Terapeuta


Para Banaco (1993) o estabelecimento e a manutenção de uma boa relação
terapêutica têm sido atribuídos a características e habilidades pessoais do terapeuta.
A literatura aponta algumas listas de características e habilidades que, mesmo sob
posições teórico-filosóficas distintas, são convergentes. Tais listas sugerem características
como: interesse genuíno, calor humano, empatia, sensibilidade, honestidade, aceitação
incondicional; diretividade e controle; questionamento; clarificação e estruturação;
interpretação; confrontação e crítica e confiabilidade (Rogers, 1961; Meyer e Vermes, 2000;
Digiuseppe et al, 1996). Este conjunto de habilidades comportamentais é agrupado sob o
rótulo de “relação terapêutica" (Wielenska, 2000), o qual todo terapeuta deveria apresentar
independentemente de sua orientação teórica (Digiuseppe, Linscott, Jilton, 1996) em função
de contribuir com efeitos benéficos sobre a terapia (Silvares e Gongora, 1998).
Neste sentido Workman e Williams (1979), pesquisaram as características
desejáveis em um conselheiro potencial, segundo a opinião de 249 estudantes universitários.
As respostas obtidas, a partir uma lista de 25 itens, foram as seguintes: ser capaz de
entender corretamente o cliente, atuar sigilosamente, identificar estratégias específicas
para resolver a queixa, demonstrar conhecer profundamente a área do conhecimento na
qual atua e não tecer julgamentos morais sobre as idéias e sentimentos do cliente. No
entanto, para Wielenska (2000) ainda se faz necessária uma operacionalização mais
adequada dos termos para se definir um terapeuta ideal na abordagem comportamental.
Algumas características de terapeutas acima mencionadas podem representar
uma via de mão dupla, ou seja, em função de seu caráter contextuai, ora pode contribuir
no estabelecimento de uma boa relação terapêutica, ora pode atrapalhá-la. Uma dessas
características é a‘ diretividade, entendida como a habilidade do terapeuta em oferecer
possibilidades e instruções de maneira mais direta (Lipp, Torrezan e Oliveira 1996). Segundo
Scheel, Searman, Roach, Mullin e Mahoney (1999) as recomendações e instruções
oferecidas pelo terapeuta podem ser importantes contribuições para resultados psicológicos
positivos. Todavia, estas recomendações podem nào ajudar quando os clientes as percebem
como inapropriadas para suas queixas atuais e, consequentemente, não as implementam.
Lipp, Torrezan e Oliveira (1996), realizaram um estudo com 164 indivíduos a fim de
verificar os efeitos da variável diretividade na avaliação da competência e empatia do terapeuta
e na decisão ou não de se fazer terapia com ele. Destes 76 eram acadêmicos do Curso de
Psicologia d e uma universidade em Minas Gerais matriculados em diferentes períodos e
o restante eram casais, que freqüentavam um grupo religioso da cidade. Foram produzidos
dois vídeos que continham cenas de uma suposta sessão na abordagem comportamental.
Tais cenas variavam o grau de diretividade, ou seja, no oferecimento direto de possibilidades

392 Kiirlnc Amanil M.ifl.ilhács, Josi.mc Ccclllu t lo*é C\irlo* l>,ilm.i


de atitudes que a cliente poderia tomar. Foi construída uma escala destinada a medir a
diretividade/nào-diretividade, composta de 17 itens. O grupo de universitários foi dividido
em dois subgrupos, dos quais um assistiu à fita com cenas diretivas e outro com as cenas
não-diretiva. Com o grupo de casais o mesmo procedimento foi empregado. Os resultados
obtidos com esta pesquisa indicaram que a diretividade afeta negativamente a percepção
da empatia, e a decisão de se fazer ou não terapia, de ambos os grupos.
Patterson e Forgatch (1985), analisaram registros em vídeo de sessões de
orientação a pais na abordagem comportamental, com o objetivo de relacionar o
engajamento dos pais frente ao tratamento e alguns comportamentos diretivos por parte
dos terapeutas. Os resultados obtidos mostram que tais comportamentos resultavam em
uma adesão menor às propostas dos terapeutas.
Com base nisto, alguns estudos (Gold e Dole, 1989; Banaco, 1996) enfatizam que
terapeutas experientes e/ou treinados estão mais habilitados em ajudar seus clientes do
que os terapeutas menos experientes ou iniciantes. Entretanto, a literatura científica da área
carece de estudos mais direcionados ao comportamento do terapeuta e aos contextos em
que ocorrem (Meyer.1997). Desta forma, estes comportamentos foram, inicialmente,
negligenciados na investigação dos resultados terapêuticos (Alvarez e Silveira, 2002).
Deve-se levar em consideração que a relação terapêutica não ó, por si só,
responsável pelas mudanças terapêuticas ocorridas com o cliente. Todavia, os
procedimentos utilizados pelo terapeuta têm seus resultados potencializados em função
de uma boa relação com seu cliente.
Muitas das características acima enfatizadas dizem respeito a um conjunto de
comportamentos conhecidos sob o rótulo de Habilidades Sociais. A área das habilidades
sociais tem oferecido contribuições bastante significativas para o contexto clinico de um
modo geral, tanto para clientes em processo terapêutico, quanto para a formação do
profissional de psicologia (Del Prette, Del Prette e Castelo Branco, 1992)

3. Habilidades Sociais e sua Im portância na Terapia


Vários autores, dentre eles, (Caballo, 1996,1999; Del Prette e Del Prette, 1999)
apontam para a dificuldade em sistematizar uma definição única e consensual, em função
das diferentes posições teóricas, para o conceito de Habilidades Sociais. Isto se deve ao
fato de que as habilidades sociais consistem em um processo multideterminado, em que
diferentes aspectos podem estar operando.

"A habilidade social deve sor considerada dentro de um determinado marco
cultural, e os padrões de comunicação variam amplamente entre culturas e dentro
de uma mesma cultura, dependendo de fatores como idade, sexo, classe social
e educação'. (Caballo, 1996, p.364).

Considerando, então, que existam várias abordagens que utilizam a mesma


denominação, partindo de pressupostos e modelos teóricos diferentes, o presente estudo
utilizou a definição de habilidades sociais proposta por Del Prette e Del Prette (2001 a), em
que as habilidades sociais se aplicam à dimensão descritiva de desempenhos sociais
complexos e inclui componente comportamental tais como: comportamentos verbais (fazer
pedidos, recusar etc); não-verbais (sorriso, gestos, expressão facial etc); cognitivo-afetlvo
(auto-regras, valores, comportamentos encobertos, empatia) e comportamentos respondentes
(respiração, taxa cardíaca etc). Já o termo competência social é aplicado à sua dimensão

Sobre Comportamento e CoflnlçJo 393


funcional, isto é, o grau de eficiência com que o indivíduo organiza estes componentes de
modo a torná-los efetivos"... a competência social possui um caráter avaliativo ou de auto-
avaliação ..."(Del Prette, Del Prette e Saldafia 2002, p.278). Neste sentido, competência
social pode ser definida como um “comportamento que produz um melhor efeito [...] em
relação ao interlocutor, no sentido de equilibrar reforçadores ou, no mínimo, assegurar direitos
humanos básicos"(Del Prette, Del Prette e Castelo Branco, 1992, p.41)
Assim, a pertinência da avaliação e promoção das Habilidades Sociais no campo
da Psicologia Clínica se dá devido ao fato de que
"um repertório adequado dessas habilidades pode constituir tanto um com(.)onente
da competência profissional - quando a atuação se dá na e através da interação
social - como um dos alvos dessa atuação - quando os objetivos de intervenção
incluem ou priorizam a avaliação e promoção das Habilidades Sociais da clientela
atendida [...] déficits neste repertório podem com prom eter efetivam ente o
desempenho profissional e, por essa via a realização profissional no trabalho"{Do\
Prette e Del Prette, 1996, p.234:235)

4. E m p a tia e C o m p e tê n c ia S o c ia l: p o s s iv e is c o n trib u iç õ e s p ara o


desem penho do profissional de Psicologia
É de consenso de vários autores (Falcone, 2000 e 2001; Lipp, Torrezan, Oliveira,
1996; Rangé, 1998; Novaki, 1999) que a empatia, por parte do terapeuta, favorece resultados
terapêuticos positivos. Já a competência social é um requisito importante para o terapeuta,
isto que este exerce funções de mediador na promoção de relações sociais mais equilibradas
e na defesa dos direitos humanos básicos (Del Prette e Del Prette, 1992)
A empatia consiste em "perceber o marco de referência interior da outra pessoa
com precisão e com os componentes emocionais que lhe pertencem, como se fosse
essa pessoa, porém sem perder nunca a condição de 'como se'" (Rogers, 1961, p.85).
Para Falcone (2001/2002), o processo empático é composto de três elementos: o cognitivo,
o afetivo e o comportamental. O primeiro deles corresponde à compreensão dos sentimentos
e da perspectiva das outras pessoas; o afetivo engloba sentimentos de compaixão e
simpatia pelos outros, assim como uma preocupação genuína com seu bem-estar; já o
comportamental refere-se à expressão de entendimento empático por parte do terapeuta.
Uma interação empática do terapeuta com seu cliente requer que algumas classes
comportamentais vçrbafs e não-verbais sejam emitidas peto primeiro em direção ao segundo.
Dentre elas podemos destacar: prestar atenção/interesse na fala do cliente; ouvi-lo
sensivelmente e verbalizar sensivelmente; mostrar compreensão, envolvimento e preocupar-
se mais com o aspecto humano sendo menos diretivo em suas intervenções (Rangé,
1998; Falcone, 2000; Lipp, Torrezan e Oliveira, 1996).
Embora se reconheça a importância da empatia para a eficácia do tratamento,
poucas pesquisas têm sido realizadas no sentido de orientar os terapeutas, principalmente
os iniciantes, quanto aos seguintes aspectos: conhecimento do conceito de empatia; á
necessidade da habilidade empática, tanto nas relações profissionais quanto nas
interpessoais; os momentos e condições em que tais comportamentos devem ser emitidos
durante a sessão terapêutica; modelos verbais e não-verbais de comportamentos empáticos
etc. O conhecimento de tais aspectos maximizaria muito o ganho terapêutico para o
cliente. Já para o terapeuta a melhora e satisfação do cliente seriam, por si só, recompensas
gratificantes.

394 Karfnc Amaral McigulhAet, losl.inc Cccflld l.u/l.i c lo*é t <irlo* l)<ilma
O termo competência social, anteriormente definido, também se constitui em um
importante requisito na formação de profissionais de várias áreas de atuação, pois pode
evitar dificuldades adaptativas ao desempenho profissional destes (Del Prette e Del Prette,
1997).
Com base nisto, a importância das habilidades sociais para o profissional da área
de Psicologia Clínica se dá em função do caráter essencialmente interativo de suas relações
com seus clientes.
"A natureza essencialmente interativa da atuação profissional de psicólogo aponta
para a necessidade de avaliar a aquisição de habilidades interpessoais ao longo
da formação do aluno e, portanto, de tomar a competôncia social como um
objetivo, mais do que como um subproduto esperado dessa form ação" (DoI
Prette, Del Prette e Castelo Branco, 1996)

Neste sentido, as habilidades sociais deveriam fazer parte do currículo dos Cursos
de graduação em Psicologia, tanto em seu escopo teórico quanto prático. Para Silvares e
Gongora (1998) os comportamentos específicos ou habilidades devem ser treinados em
alunos de graduação através de role-playingacompanhados de feedbacks. Todavia, percebe-
se que tais cursos privilegiam alunos com um repertório em habilidades sociais melhor
desenvolvido em detrimento dos que apresentam prejuízos comportamentais nesta área.
Na perspectiva de Del Prette, Del Prette e Castelo Branco (1992), a aquisição de habilidades
sociais pelos alunos, muitas vezes, se dá de forma indireta, como produto da aprendizagem
observacional e/ou da generalização de comportamentos aprendidos em outros contextos.
Com base nisto, os feedbacks dos supervisores de casos clínicos conduzidos
por terapeutas iniciantes (geralmente realizados no quinto ano de Psicologia) torna-se
condição sine qua non para que o aluno atente para suas dificuldades. A partir destes
feedbacks, os supervisores podem modelar interações terapêuticas mais adequadas em
seus alunos, os futuros terapeutas.
Neste sentido, estudos que viabilizem uma descrição mais sistemática dos
comportamentos do terapeuta, assim como um levantamento das variáveis determinantes
da relação terapêutica se faz necessário. Segundo Wielenska (2000,), "o desafio que
persiste ô o de conseguir descrever funcionalmente relações entre características e
comportamentos do cliente e do terapeuta"(p. 11).
Desta maneira, se o estabelecimento e a manutenção de uma boa relação
terapêutica têm sido atribuídos a características e habilidades pessoais do terapeuta,
então há relação entre habilidades sociais e o estabelecimento de relação terapêutica?
Assim, este estudo se propôs a: investigar a correlação entre os escores de
Habilidades Sociais e Relação Terapêutica obtidos através do Inventário de Habilidades
Sociais (IHS - Del-Prette e Del-Prette, 2001) e do Inventário de Aliança Terapêutica -
versão terapeuta (A..O. Horvath, 1981-1984).

5. Método
PopulaçAo: participaram desta investigação 38 alunos do quinto ano do Curso de Psicologia
que atuavam nas Clínicas-Escola de duas universidades da cidade de Londrina-Paraná e
tinham como referencial teórico a Análise do Comportamento.
L ocal: esta pesquisa foi desenvolvida nas dependências das Clínicas-Escola das
universidades situadas na cidade de Londrina, Paraná.

Sobre Comportamento e CoflniçAo 395


Instrumentos: para o desenvolvimento desta pesquisa foram utilizados os seguintes
instrumentos:
• Inventário de Habilidades Sociais (IHS - Del-Prette, 2001): O IHS-Del-Prette é um
instrumento de auto-relato para aferir o repertório de habilidades sociais usualmente
requerido em uma amostra de situações interpessoais cotidianas. É composto de 38
questões que versam sobre diversos comportamentos em diferentes contextos. Para
cada situação existe uma escala de A a E, respectivamente: nunca ou raramente,
com pouca freqüência, com regular freqüência, muito freqüentemente, sempre
ou quase sempre. As trinta e oito questões são distribuídas em cinco fatores que
caracterizam respectivamente: enfrentamento com risco, auto-afirmação na
expressão de afeto positivo, conversação e desenvoltura social, auto-exposição
a desconhecidos ou a situações novas e autocontrole da agressividade em
situações aversivas.
• Inventário de Aliança Terapêutica - versão terapeuta (A.O. Horvath, 1981-1984)\
Elaborado para avaliar a percepção que o terapeuta tem acerca do seu desempenho na
sessão terapêutica. Este instrumento é composto de 36 afirmações que buscam
descrever comportamentos e sentimentos do terapeuta no que se refere à relação
terapêutica. Para cada afirmação existe uma escala de 1 à 7 que correspondem,
respectivam ente, a: nunca, raram ente, o c as io n a lm e n te , às vezes,
freqüentemente, muito freqüentemente e sempre.
M ateriais: os materiais utilizados nesta pesquisa consistiram em: envelopes pardos;
canetas; disquetes e computador.
P rocedimento: foi dividido em duas etapas:
Etapa I aEsta etapa consistiu em contatos prévios: uma das instituições com os seguintes
profissionais:
a) professores de quinto ano que supervisionavam casos clínicos. O objetivo foi realizar
as explanações necessárias acerca da pesquisa, tais como: objetivos do estudo,
questões éticas pertinentes e metodologia a ser utilizada;
b) terapeutas condutores do caso a fim de que os objetivos do estudo fossem esclarecidos
e o Termo de Consentimento Esclarecido (conforme CONEP/96) fosse assinado.
Na outra instituição, o contato realizado foi, em primeira instância, com o
Coordenador do Curso de Psicologia. Em seguida com a diretora da Clínica-Escola e
por último com os alunos participantes da pesquisa para que estes tivessem acesso
aos objetivos do ©studo e assinassem Termo de Consentimento Esclarecido.
Etapa 2: A segunda etapa compreendeu a coleta de dados propriamente dita. Nesta
fase, os instrumentos foram aplicados, individualmente em cada aluno (terapeuta
iniciante), na seguinte ordem: Inventário de Habilidades Sociais e Inventário de Aliança
Terapêutica. Os instrumentos respondidos foram colocados em envelopes sem
identificação e lacrados.
AnAlise de dados- inicialmente se fez uma análise descritiva dos dados, conforme sugere
as duas primeiras tabelas. Em um segundo momento, utilizou-se de uma escala invertida,
conforme descrito abaixo, com o objetivo de obter, assim, um escore que permitisse a
realização da análise de correlação entre os inventários utilizados. A análise estatística
paramétrica permitiu que os cálculos do Coeficiente de Correlação de Person e do
coeficiente de explicação fossem realizados, verificando a não existência de uma correlação
linear ao nível de significância de 5%. O teste t e a Estatística Paramétrica foram utilizados
na obtenção de tais resultados.

396 Karlm* Amaral Magalhães, Josiane Cecília Lu/la e Josí Carlot Palma
6. Resultados
Os resultados referem-se, primeiramente, a uma caracterização da amostra
estudada, assim como uma média da pontuação geral desta nos instrumentos utilizados.
Tabela 1 : Caracterização da população pesquisada
Os dados da Tabela 1 indicam que 50% dos terapeutas cursavam o quinto ano do
Curso de Psicologia da Universidade A e os outros 50% cursavam o mesmo ano do
referente curso na Universidade B. A maior parte dos terapeutas era do sexo feminino e
estavam atendendo clientes na faixa etária adulta.

Terapeutas Clientela
Instituição
Masculino Feminino Infantil Adulto
A 1 18 12 7
B 04 15 1 18

Tabela 2. Média da Pontuação Geral nos Instrumentos Inventário de Habilidades


Sociais (IHS) e Inventário de Aliança Terapêutica - versão terapeuta (IAT)
Os dados obtidos demonstram que, tanto no Inventário de Habilidades Sociais
quanto no de Aliança Terapêutica os sujeitos apresentaram desempenho considerado
acima da média, nos dois instrumentos. A primeira coluna refere-se ao escore total maior
obtido entre os participantes da pesquisa Embora se deva levar em conta que os
instrumentos diferem quanto a aspectos relacionados ao número de questões e também
a pontuação atribuída a cada afirmação.

Escore Total Escore Total Média dos


Inventários Maior Menor escores totais

IHS 135 79 102,1


IAT 241 171 208,7
Nota: n=38

Dessa forma, optou-se pela análise de correlação entre os dois instrumentos


utilizados na pesquisa: Inventário de Habilidades Sociais (IHS - Del-Prette, 2001) e inventário
de Aliança Terapêutica-versão terapeuta (A..O. Horvath, 1981-1984). Os dados obtidos
podem ser observados na figura da página seguinte:
Os resultados dessa pesquisa mostraram que o Inventário de Aliança Terapêutica
e o inventário de Habilidades Sociais tiveram uma correlação positiva, porém fraca (r =
23,4%) resultando em um coeficiente de explicação de 5,5% (r2), o que mostra a pouca
influência na relação entre os dois instrumentos. Fazendo-se o Teste t para verificar a
significância da correlação, chega-se à conclusão que não há correlação linear significativa
(p = 0,157), ao nível de significância de 5%.
Tais dados apenas sugerem uma tendência de acompanhamento entre os dois
instrumentos, ou seja, quando há uma boa pontuação em um Instrumento, existe uma
inclinação, por parte do respondente, em apresentar um bom desempenho no outro.
Os resultados dessa pesquisa mostraram que o Inventário de Aliança Terapêutica
e o inventário de Habilidades Sociais tiveram uma correlação positiva, porém fraca (r =
23,4%) resultando em um coeficiente de explicação de 5,5% (r2), o que mostra a pouca

Sobre Comportamento c CoflnlyJo 397


Análise de Correlação entre IIIS e IAT

210 |
♦ re^rcssà«

120 í -I

60 90 120 150

ms
Figura 1: Correlação entre a pontuação obtida pela somatória dos pontos do IAT e dos escores
totais do IHS

influência na relação entre os dois instrumentos. Fazendo-se o Teste t para verificar a


significância da correlação, chega-se à conclusão que não há correlação linear significativa
(p = 0,157), ao nível de significância de 5%.
Tais dados apenas sugerem uma tendência de acompanhamento entre os dois
instrumentos, ou seja, quando há uma boa pontuação em um instrumento, existe uma
inclinação, por parte do respondente, em apresentar um bom desempenho no outro.
No entanto, não se pode afirmar, com base exclusivamente nestes dados, que o
terapeuta que apresenta um bom repertório comportamental em Habilidades Sociais também
conseguirá estabelecer uma aliança terapêutica consistente e efetiva, ou seja, que contribua
para a promoção de resultados terapêuticos positivos.
m

7. Discussão
Os resultados dessa investigação mostraram que os escores totais obtidos estão
acima da média tanto no Inventário de Habilidades Sociais (IHS - Del-Prette, 2001), como
no Inventário de Aliança Terapêutica versão terapeuta (A.O. Horvath, 1981-1984), como se
pode verificar na Tabela 2. Os desempenhos dos participantes em cada instrumento
utilizado, demonstraram que esta população apresenta um repertório de Habilidades Sociais
acima da média e, também, habilidades em estabelecer uma relação terapêutica efetiva
com seus clientes.
Uma explicação possível para este fenómeno reside no fato de se tratar de uma
população já em fase de término do Curso de Psicologia (alunos de 5o ano), que já adquiriu
um repertório comportamental mais elaborado na área de habilidades sociais em função

398 Kiirlnr Amaral Magalhâet, Jotianc Crcllia l u/i.i e Joté Carloi Palma
de algumas disciplinas (pelo menos nas instituições investigadas) modelarem, de forma
direta e indireta, tais comportamentos, conforme sugere Silvares e Gongora (1998), que
os comportamentos específicos ou habilidades facilitadoras do processo terapêutico, devem
ser treinados em alunos de graduação através de role-playing acompanhados de feedbacks,
a fim de melhorar o desempenho profissional do futuro terapeuta.
Apesar das diferenças estruturais dos inventários utilizados (número de asserções
e pontuação atribuída a cada uma delas), os resultados demostraram que o Inventário de
Aliança Terapêutica e o Inventário de Habilidades Sociais tiveram uma correlação positiva,
porém fraca (r = 23,4%) resultando em um coeficiente de explicação de 5,5% (r2), o que
mostra a pouca influência na relação entre os dois instrumentos. Fazendo-se um teste
para verificar a signrficância da correlação, chega-se à conclusão que esta nào foi significativa
(p = 0,157).
Tais achados sugerem uma tendência de acompanhamento entre os dois
instrumentos. Havendo uma boa pontuação em um instrumento, pode haver uma inclinação,
por parte do respondente, em apresentar um bom desempenho no outro. Assim sendo, os
resultados encontrados nesta pesquisa foram insuficientes para afirmar que terapeutas
com um bom repertório comportamental em Habilidades Sociais também fossem hábeis
em estabelecer uma relação terapêutica consistente e efetiva.
Talvez o fato de a observação dos comportamentos ter sido realizada de maneira
indireta, apenas, pode ter contribuído para estes dados. Outro aspecto a ser considerado
refere-se ao fato de que o Inventário de Habilidades Sociais não ser um instrumento utilizado
exclusivamente para avaliar habilidades sociais em terapeutas, mas sim em pessoas de
modo geral. Desta maneira, a observação direta, de sessões de psicoterapia desde o seu
início e a elaboração de um instrumento específico poderá contribuir com resultados mais
consistentes dando margem para o desenvolvimento de novas pesquisas nesta área. Outro
aspecto refere-se a estudos que incluam a percepção dos clientes acerca das habilidades
de seus terapeutas, objetivando operacionaiizar e sistematizar melhor os termos que
definam os comportamentos de um terapeuta comportamental ideal (Wielenska, 2000).

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Sobre Comportamento c C'o«nlv»lo 401


Capítulo 40
Habilidades de Psicoterapeuta
comportamental infantil para o
desenvolvimento de repertório socialmente
hábil em crianças: ensino e pesquisa
M aria Lui/a Marinho'
Jocdâinc Martins da Silveira
Universidade tstadua/ de Londrina

Segundo Barlow (Iwamasa, Barlow, Peterson, Nangle e Findley, 1998), psicólogos


clínicos que trabalham em universidades como docentes têm três objetivos claramente
aceitos: 1 ) criar novos conhecimentos e aplicações relevantes para a psicologia clínica;
2 ) ensinar a próxima geração de psicólogos a ser um clínico sensível, cuidadoso e efetivo;
3) treinar a próxima geração de cientistas-clínicos.
Dentre essas áreas, há grande defasagem nos estudos sobre o ensino de
habilidades para a prática clínica. Há inúmeras indagações por responder, como quais
são e como treinar as habilidades terapêuticas relevantes. Segundo Bencivenne (1999),
atualmente não se sabe exatamente como os treinandos adquirem habilidades técnicas,
conceituais e interpessoais, nem quais são as habilidades pontuais a serem desenvolvidas
de forma a aumentar a eficiência do terapeuta, traduzida na obtenção de resultados
desejáveis de maneira ágil.
Em relação à formação do terapeuta infantil o problema é ainda mais grave. Em
geral, há consideravelmente menos profissionais interessados em se capacitar para
trabalhar com crianças que com adultos, embora a demanda para intervenção com crianças
seja maior. Segundo Silveira (2003), o treinamento de terapeutas comportamentais para
trabalhar com crianças é um procedimento pouco explorado, que tem atraído pouca
atenção dos pesquisadores e cuja problemática eventualmente se confunde com o quadro
geral da formação de terapeutas comportamentais.
No Brasil, os estudos empíricos sobre a formação profissional são especialmente
relevantes, considerando-se que a atuação do psicólogo clínico está, felizmente,
ultrapassando as barreiras do consultório particular para adentrar em contextos onde tais
conhecimentos são úteis e acessíveis para uma parcela maior da população.

Doutora oiti Pntcologla Clinica - USP / Pfri-dookxado na Unlveraklade da Granada - Espanha/ Eapxiallala am Pakxrtarapta na AnAHan do Cornporliirnmito
- UEL
' Doulora em Palcologla Clinica • USP/ Kfaatrn arn Palcokjgla Exporimantal • USP/Eipecialisla oni P*k30lerapla na AnéUan do Coniportamimlo - UEL

402 M aria I uIm M arinho t locelalne Martins da Silveira


Em trabalhos realizados em cllnicas-escola e em outros centros de atendimento
gratuito, um objetivo terapêutico freqüente com a clientela infantil é o desenvolvimento de
repetórios comportamentais que lhes permitam interagir adequadamente com o ambienbte
social (as chamadas habilidades sociais). Dificuldades de interação com os pares e com
adultos podem ser uma variável que dificulte o processo de desenvolvimento infantil em
determinadas áreas, além de estarem correlacionadas a problemas de comportamento
como padrão anti-social de interação ou timidez, entre outros.
Dentro desse contexto, o presente trabalho tem por objetivos discutir questões
relacionadas a habilidades de terapeuta comportamental infantil que se consideram
importantes para intervenções que visem desenvolver repertório socialmente adequado
em crianças.

1. Repertório com portam ental do terapeuta e a prom oção de habilidades


sociais na criança a quem atende: há relação entre esses fatores?
Para interagir com crianças no contexto clínico, o terapeuta comportamental
infantil (TCI) precisa apresentar diversas habilidades específicas. Um vasto elenco delas,
cuja hierarquia de prioridade varia conforme a percepção dos autores e a natureza da
intervenção terapêutica, pode ser encontrado na literatura nacional e estrangeira (Conte,
1996; Conte & Regra, 2000; Guerrelhas, Bueno & Silvares, 2000; Hariton, Kernberg &
Chazan, 1992; Kanfer, Eiberg & Krahn, 1992; Kernberg, Chazan, Kruger, Frankel, Scholl
& Saunders, 1992; Marinho, Caballo & Silveira, 2003; Silvares & Gongora, 1998). Ao
leitor que deseja conhecer as habilidades citadas pelos autores e a ênfase que conferem
a cada uma delas, recomenda-se um dos capítulos da tese escrita por Silveira (2003),
que é dedicado ao tema.
No presente trabalho outros aspectos importam mais. Primeiramente, convém
lembrar a premissa de que há especificidade na prática do TCI, quando comparada à do
terapeuta que atende adultos somente (Silveira, 2003). Essa especificidade implica em
habilidades inteiramente preterlveis para profissionais que não trabalham com crianças.
Assim, entre outras peculiaridades, o TCI precisa deter um amplo repertório relacionado
ao lúdico e deve ser hábil em conduzir atividades lúdicas.
Um outro ponto a ser considerado ó o primado de algumas habilidades do
terapeuta. Há estudos que se debruçaram sobre a pertinência das habilidades nas quais
os clínicos seriam treinados, investigando se haveria primazia de algumas habilidades
sobre outras*« indicaram que isso parece ocorrer (Bergan & Tombari, 1976). Silveira
(2003) examinou a literatura e identificou três habilidades criticas no repertório
comportamental de terapeutas: a habilidade de identificação do problema do cliente
(Bergan & Tombari, 1976); a habilidade verbal do terapeuta em levar o cliente a descrever
contingências importantes clinicamente (Eisenberg & Delaney 1970; Robinson, Froehle
& Kurpius, 1979) e a habilidade para o estabelecimento da relação terapêutica (Digiuseppe,
Linscott & Jilton, 1996; Neufeldt & Nelson, 1998).
E é precisamente a habilidade para promover a relação terapêutica que guarda
relação com a questão de como promover habilidades sociais em crianças. A década de
oitenta registra estudos indicando que é possível preparar eficazmente profissionais para
aplicar um treino em habilidades sociais em seus clientes (Bouchard, Wright, Mathieu,
Lalonde, Bergeron &Toupin, 1980); Wright, Mathieu & Mcdonough, 1981). Wright, Mathieu
e Mcdonough (1981) avaliaram a eficácia relativa de três maneiras de ensinar o treino em

Sobre Comportamento e Coflnlçâo 403


habilidades sociais (referente à expressão da língua inglesa social skills training ou SST)
a 39 profissionais da área da saúde (assistentes sociais, psicólogos ou psiquiatras).
Todas as condições receberam um pacote de modelação em leitura e modelação por
videoteipe sobre o SST. Os sujeitos submetidos ao formato "aprendizagem estruturada"
(structured learning format ou SLF) receberam instruções, ensaio e retroalimentação
durante 2 0 horas. Os terapeutas treinados no formato "seminários” (seminar format ou
SF) discutiram tópicos do SST, com base em leituras e filmes, também por 20 horas.
Além da modelação e da leitura, os sujeitos submetidos ao formato ‘'workshop" (W)
receberam instruções concisas a respeito da condução do SST, durante seis horas de
treino. As três condições demonstraram significância em termos da equivalência no pré-
teste e pós-teste quanto à familiaridade com o SST. Em uma sessão simulada os
terapeutas demonstraram melhoras significativas, apesar do período de treino ser diferente
entre as condições. Os resultados indicaram que somente os formatos workshop (W) e a
aprendizagem estruturada (SLF) proporcionaram melhoras significativas das habilidades
de avaliação do terapeuta (p < 0,01), no formato seminários (SF), havendo diferenças
entre as três condições para o tipo de habilidade treinada. Todos os grupos apresentaram
melhoras, considerando-se as condições de pré-teste e de pós-testes quanto às variáveis
do SST tais como diagnóstico, análise racional, automonitoramento, jogo de papéis e
retroalimentação.
Entretanto, é interessante chamar a atenção aqui para dados que sugerem que,
não só o treino estandardizado, mas as habilidades de relacionamento do terapeuta
determinam, de algum modo, o sucesso na aplicação do procedimento clinico e
conseqüentemente, a obtenção de bons resultados. Note-se um estudo realizado na
década de setenta. Alexander, Barton, Schiavo e Parsons (1976) verificaram que as
habilidades de relacionamento apresentadas por terapeutas de famílias mostraram-se
fortemente relacionadas com o sucesso nos resultados. A fim de determinar o grau de
variância no resultado relacionado com certas características do terapeuta, Alexander,
Barton, Schiavo e Parsons (1976) atenderam 21 famílias de delinqüentes distribuídas
aleatoriamente para os terapeutas, conforme a disponibilidade na agenda destes últimos.
As sessões foram registradas em videoteipe e a elas se assistiram através de um espelho
unidirecional. Os terapeutas foram treinados previamente em um treinamento de dez
semanas. O modelo de intervenção envolveu o atendimento conjunto do delinqüente e
seus pais. Os terapeutas foram treinados para modificar os padrões de comunicação
familiares e seqüências de interação. O foco não era a delinqüência em si, mas funções
familiares que maxitinham o padrão delinqüente como afastamento dos pais
Supervisores, depois de treinarem os terapeutas, deram-lhes escores em oito
escalas de cinco pontos, com base na observação direta de seu comportamento durante
as sessões de treino. Este seria um modo de predizer como os terapeutas comportar-se-
iam com as famílias a que iriam atender.
Então, algumas categorias foram estabelecidas. A integração comportamento-
afeto foi identificada pelo grau com que os terapeutas em treino relacionaram expressões
de afeto com seqüências de comportamentos. O humor foi traduzido pelo grau com que
os terapeutas em treino o usaram para aliviar a tensão. O afeto, por sua vez, foi refletido
pela freqüência do uso do sorriso, escuta, inclinação do corpo e do bate-papo antes e
depois das sessões. A freqüência de comandos verbais e não-verbais, instruções, rearranjo
físico das cadeiras e interrupção das seqüências de interação da família indicaram a
"direção". A autoconfiança foi medida pelo contato visual e inclinação do corpo enquanto

4 0 4 M»irl<i I uizd Mdrinho c Jotcldlne M.irtlns da Sllvclru


se davam orientações, pelo nível de voz, pelas referências ao programa e pela efetividade
pessoal. O grau com que os terapeutas em treino, caracteristicamente, referiram-se às
suas próprias reações, a sua história e a sua vida corrente indicaram a "auto-exposição".
A acusação foi deduzida pela freqüência de uso de reforçamento negativo, atribuição de
más intenções e queixas. A clareza, a seu turno, foi aferida pelo grau com que os
terapeutas em treino, caracteristicamente, usaram comunicações claras e curtas e fizeram
comentários específicos sobre comportamentos.
Três amostras de 15 minutos de interações durante a terapia foram registradas
em videoteipe e selecionadas para cada família. Os resultados do tratamento foram
examinados com base em uma matriz de inter-correlaçào das categorias acima. Assim
os escores para as categorias acusação, auto-exposição e clareza tiveram baixa correlação
com o resultado (rs = 0,35; 0,44 e 0,29) respectivamente. As categorias foram agrupadas
arbitrariamente em “dimensão de relacionamento” (integração afeto-comportamento,
acusação, afeto, humor e auto-exposição) e "dimensão estruturada" (direção, autoconfiança
e clareza). As variáveis da dimensão de relacionamento relacionaram-se com 44,6 % da
variância no resultado, enquanto as habilidades estruturadas sozinhas responderam por
35.8% da variância no resultado.
Em razão talvez da possível interferência das habilidades de relacionamento nos
resultados da terapia, um estudo realizado no Brasil por Otero (1998) indicou que
terapeutas comportamentais julgam importante a terapia pessoal do terapeuta. Otero
(1998) realizou um levantamento junto a 54 terapeutas comportamentais brasileiros com
o objetivo de conhecer como esses terapeutas têm lidado com possíveis interferências
de suas terapias pessoais no seu desempenho profissional. Ela verificou que a maioria
deles (93%) já havia se submetido a um processo de terapia. Metade da amostra afirmou
ter buscado terapia também por motivos de ordem profissional. A autora relata que 91 %
da amostra julga importante que o terapeuta comportamental se submeta à terapia, visando
seu aprimoramento profissional. No entender de Otero (1998), esses dados sugerem que
a terapia pessoal acaba por tornar-se um complemento à formação profissional do terapeuta
comportamental.
Os dados obtidos por Otero (1998) concordam com levantamentos realizados
fora do Brasil segundo os quais a maioria dos terapeutas ( 8 8 %) posiclonou-se
favoravelmente à terapia pessoal como um requisito para o treino profissional (Williams,
Coyle & Lyons, 1999). Macran, Stiles e Smith (1999) verificaram que, ao experimentar
condições de ajuda em suas próprias terapias, os terapeutas pareceram mais capazes
de provê-las ags seus clientes.

2. H abilidades sociais do terapeuta e seu desem penho em um program a


de treino de habilidades elem entares de terapeuta com portam ental infantil
Um estudo que avaliou um programa de treino de habilidades elementares de
TCI, realizado pela segunda autora, deixou pistas de que pode haver alguma relação
entre as habilidades sociais dos estudantes e seu desempenho no programa de treino
(Silveira, 2003). No estudo, uma caracterização preliminar dos participantes foi feita por
meio da aplicação do Inventário de Habilidades Sociais (Caballo, 1987), do IDATE
(Spielberger, Gorsuch & Lushene, 1979) e do Inventário de Depressão de Beck (Qeck,
Rusch, Shaw & Emery, 1979). Essa caracterização fundamentou-se na hipótese de que
características parentais como ansiedade, depressão e habilidades sociais deficitárias

Sobir Comportamento c Cognição 405


sabidamente correlacionadas ao desenvolvimento de problemas de comportamento dos
filhos, fossem as mesmas para predizer o desempenho de TCIs no programa de treino
em que interagiriam com crianças (Bost, Vaughn, Washington, Cielinski, & Bradbard,
1998; Cobham, Dadds & Spence, 1998; Garralda & Bailey, 1988; Ghodian, Zajicek &
Wolking, 1984; Hallak, Hallak & Golfeto, 1999). A Tabela 1 apresenta os escores obtidos
pelos participantes em cada um dos inventários.

Tabela 1. Escores apresentados pelos participantes aos inventários de habilidades


sociais (IHS); de ansiedade (IDATE) e de depressão (BDI).

PARTICIPANTE IHS IDATE INVENTÁRIO BECK


Gl
Particioanto 5 M151 C53 = 204 E 35 T 40 06
Participante 7 M160 C71 = 231 E 34 T 39 03
Participante 8 M139 C102 * 241 E 60 T 47 18
Participante 10 M148 C 57 * 205 E 34 T 39 00
Particioante 11 M178 C50 = 228 E 34 T 32 11
Participante 13 M172 C 3 6 » 208 E 24 T 27 03
Participante 14 M176 C59 = 235 E 30 T 32 09
Participante 15 M140 C38 = 178 E 40 T 36 06
Participante 17 M171 C44 = 215 E 44 T 43 10
Gll
Participante 1 M165 C 56 = 221 E 37 T 33 12
Participante 2 M138C101 =201 E 31 T 37 06
Participante 3 M160 C 72 = 232 E 51 T 4 2 12
Participante 4 M98 C134 = 232 E 47 T 44 12
Participante 6 M142 C 47 = 189 E 34 T 34 04
Participante 9 M161 C 62 = 224 E 43 T 42 06
Participante 12 M182 C70 = 252 E 43 T 42 22
Participante 16 M 83C 101 * 184 E 45 T 58 10

Nota M refere-se à parte motora do inventário IMS e C, à parte cognitiva do inventário; E indica o estado
de ansiedade e T, o traço de ansiedade. Gl e Gll indicam o grupo de treinamento do qual o estudante fez
parte.
Os desistentes do programa, identificados pelos números 15 e 16, foram os
únicos a apresentar escores inferiores a 185 no Inventário de Habilidades Sociais,
respectivamente 178 e 184.0 escore mais próximo desses, foi 189, apresentado pelo
participante número 6 e todos os demais foram superiores a 2 0 0 , conforme ilustra a
Figura 1 na página seguinte.
A Tabela 1 indica que, em medidas da ansiedade, os desistentes não pareceram
diferir de maneira sensível dos demais. Os sintomas de depressão estiveram ausentes
(escore 6 ) no número 15 e quase ausentes, mas mais próximos de moderados (escore
10) no número 16. Portanto, em relação aos participantes desistentes do programa,
apenas as habilidades sociais deficitárias apresentaram escores sensivelmente distintos
dos demais.

4 0 6 M aria Lul/a M arinho c Jocclainc Martins da Silveira


300 c

1 2 3 4 5 8 7 8 9 10 11 12 13 14 16 16 17

Partie Ipantsa

F igu ra 1. Escores obtidos pelos participantes no IHS.

Os p articipantes desse estudo receberam uma lista de procedim entos para


retroalimentação da condução de atividades lúdicas, apresentada em anexo (Anexo 1). Essa
lista era fornecida aos estudantes, que a preenchiam, onquanto observavam seus colegas
intoragirem com uma criança em uma situação clinica real. Todos os itens da lista parecem
importantes para conduzir atividades lúdicas no contexto clínico e portanto, tôm alguma relação
com a promoção de comportamentos relevantes da criança. Quando os comportamentos
relevantes da criança refletem-se em habilidades sociais, todos os itens parecem igualmente
necessários. Considerando o repertório comportamental do terapeuta, observa-se que os
itens 2, 3, 4 e 5 exigirão dele uma conduta tipicamente assertiva. O item dois, por exemplo,
requer o estabelecimento de contato visual e operações de modelagem do contato visual na
criança; além da capacidade de manter uma adequada expressão facial e gesticulação. Já o
item trôs, demandará prontidão do terapeuta, seja ela verbal ou não, frente às respostas da
criança, a fim de garantir a contiguidade da conseqüência à resposta. Os itens quatro e cinco
solicitarão do terapeuta a capacidade de manter-se na direção de uma interação interpessoal
e de estabelecer uma comunicação eficaz. Portanto, a conduta do clínico guarda estreita
relação com aquela tipicamente definida como "assertiva". Isso leva a crer que um terapeuta
inábil socialmente executaria com menos competência suas tarefas com a criança, o que
teria implicação na promoção de quaisquer comportamentos dela, inclusive os relacionados
às chamadas ‘habilidades sociais".

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Anexo 1

Lista de procedimentos para retroalimentação da condução de atividades lúdicas

Preencha os parênteses com T para Inadequado, "R" para Regular e “A" para Adequado.

1. Observação do comportamento da criança e coleta de dados. ( )


Identificação/discriminação de comportamentos de esquiva emocional e/ou de
determinadas temáticas durante a interação.
Formulação de perguntas abertas (que não podem ser respondidas com um
simples “sim" ou “não") no começo da interação.
Evitação de perguntas em série.
Evitação de temáticas geradoras de desconforto emocional nos instantes finais
da interação.

2. Postura corporal e interação motora. ( )


Estabelecimento de contato visual.
Modelagem do estabelecimento de contato visual.

Sobre Comportamento c Coflnlç«lo 4 0 9


Contato físico adequado às respostas da criança.
Contenção física ou contato físico para iniciar movimento desejado.
Movimentação / exploração do espaço físico.
Gesticulação.
Expressão facial.
Postura corporal aparentemente relaxada.

3. Aproveitamento de condições oportunas para modelagem direta. ( )


Reforçamento de comportamentos da criança.
Extinção de comportamentos da criança.

4. Auto-exposição do terapeuta. ( )
Auto-exposição oportuna para modelação e/ou modelagem de comportamentos
da criança.
Evitação de familiaridade excessiva e de auto-exposições desvinculadas dos
objetivos da atividade.

5. Direção da atividade. ( )
Apresentação e cumprimentos iniciais.
Esclarecimentos sobre os objetivos da atividade.
Resolução da tensão "manter-se sensível ao comportamento da criança versus
cumprir os objetivos da sessão".
Variação de brincadeiras.
Retroalimentação da interação com a criança
Descrição do que a criança está fazendo
Capacidade de sumariar a interação.
Cumprimentos finais (afetuosos e definitivos).

410 M aria Lul/u M arinho c Jocel.iinc Martins da Silveira


Capítulo 41
Influência da experiência e de modelo na
descrição de intervenções terapêuticas'
Pâtrfciâ Cristina N o vd kf

Esse capítulo tem como objetivo descrever um estudo sobre as possíveis diferenças
encontradas entre terapeutas experientes e iniciantes quanto à identificação de intervenções
terapêuticas e, a partir desse conhecimento, levantar uma proposta para treinamento de
terapeutas comportamentais que estão em processo de formação.
A literatura a respeito da experiência dos terapeutas indica que não ocorrem
diferenças entre terapeutas experientes e iniciantes em relação à formação do vínculo
terapêutico (Mallinckrodt & Nelson, 1991; Dunkle & Friedlander, 1996; Novaki & Luiza,
2000). Contudo, não aponta um consenso sobre diferenças de outras variáveis3, como:
Objetivos e Tarefas da terapia (Mallinckrodt & Nelson, 1991; Dunkle & Friedlander,
1996); Satisfação dos clientes (Gold & Dole, 1989; Laszloff, 2000); Tipo específico de
cliente (Berman e Norton, 1986; Weisz, Weiss, Alicke & Klotz, 1987) e Orientação teórica
do terapeuta (Gomez-Scwwartz, 1978).
Porém, observa-se que há uma diferença entre eles. Investigando mais
detalhadamente esses estudos ocorre que algumas diferenças entre os profissionais podem
existir, apesar 5e todos apresentarem melhoras nos resultados da terapia. Contudo essas
diferenças só são percebidas quando os dados coletados são mais específicos como o
estabelecimento das tarefas e objetivos da terapia, ou com clientes de idades diferentes.
Desta forma, pode-se considerar que essas diferenças estejam relacionadas aos
comportamentos apresentados pelos terapeutas em sessão (fatores específicos) e não à
questão do seu relacionamento com o cliente (fatores inespecíficos), até porque a maioria
dos estudos sobre a aliança terapêutica concorda que com relação à formação do vínculo
esses terapeutas não diferem entre si.
1Em « artigo A dacorranle da peaqulM realizada pala auktra no curto d« M««lraòo am Puuologla Clinica USP-SP
1A autora é palcótoga dl nica « docentn do nurao da paloologia na Unlvanudada Pwwumioimi - UNIPAR carnpu» Catcaval Ê EapaoMila am Patootompla
na AnállM do Coc?rç>ort*rnarito. pota UEL e Mm Ii * arn Pwcoiogia Clinica, pata USP-8P Endereço para oonlato Rua Alfrado BatUni, 610 Jd. San Reino,
Londrina/Pr, OMViaa-rtiaM|>novahlQ)unip«r br Telefcxie (43) 3327-3143 ou 3327-0920
1Para aabarmata attora a*dtfarariçaa onlre InrapoutMaxportwilM• inicianlM NOVAKI, PC (2003) Tarapoulaa«xpartaolMaInWanta». Oqua a NlaralutM
apxita «obra alw ?Em M Z S BrandAo al al (org) Sobr* CtímportanmUo • Cogntçéa A hM onattM m m nçot, aaahçêopofoona^quándêt mv açàa (p 251 -
2fl7) Sank>AndrA,SP EaatacEdikimaAaaociado«
Sendo então, o comportamento apresentado pelo terapeuta uma variável que pode
indicar as diferenças entre terapeutas experientes e iniciantes, levanta-se a hipótese de
que essa diferença poderia estar relacionada ao conhecimento que têm sobre o que acontece
em sessão, o que fazem e o porquê o fazem. Isto é, o quanto sào capazes de prever e
controlar seu próprio comportamento na sessão (Novaki, 2003).
Com base nesta hipótese, buscou-se realizar uma pesquisa que pudesse confirmá-
las ou refutá-las. Para tanto, teve-se por objetivo verificar se: a) há diferenças entre terapeutas
iniciantes e experientes no que se refere à capacidade de identificar e descrever o que um
terapeuta faz em sessão e justificar sua ação em termos dos objetivos que este teria, isto
é, se o conhecimento que os terapeutas têm sobre o que acontece em sessão, sobre o
que um terapeuta faz, é um aspecto que os diferenciaria, e b) se a introdução de um
modelo de análise e o exercício afeta a capacidade de terapeutas iniciantes em identificar,
descrever e justificar o que acontece em sessão.

1. Metodologia
Colaboraram para esta pesquisa três tipos de participantes: nove alunos, um
participante experiente e um aluno-terapeuta. Os nove alunos eram do último ano do curso
de Psicologia com orientação comportamental, que foram denominados nessa pesquisa
de alunos-participantes. Esses pertenciam a uma mesma Instituição e recebiam, em
virtude disso, orientação semanal de uma mesma supervisora (a orientação referia-se aos
atendimentos clínicos que realizavam e que faziam parte das atividades de quinto ano do
curso de Psicologia da instituição na qual os alunos estavam matriculados. Esclarecimento:
essas atividades, atendimento e supervisão, não fizeram parte desta pesquisa). Procurou-
se selecionar os alunos-participantes dessa forma, para que estivessem todos em uma
mesma condição e não houvesse diferenças em relação ao conteúdo teórico ministrado a
eles pela instituição. Foi dada instrução a esses alunos-participantes para que não
comentassem sobre o material a ser estudado nesta pesquisa com os demais, tanto para
garantir o compromisso de sigilo com o caso, como para evitar que as respostas fossem
influenciadas pela discussão com outros.
Os alunos-participantes foram separados em três grupos denominados de grupos
A, B e C, conforme o dia da sua supervisão. Cada grupo de supervisão era composto de
quatro alunos, sendo os participantes desta pesquisa os que concordaram em participar.
Assim, o grupo A foi composto de três alunos-participantes (P1a, P2a e P3a), o grupo B
composto por quatro alunos-participantes (P1b, P2b, P3b e P4b) e o grupo C por dois
alunos-participantes (P1c e P2c). P indica participante, o número determina o participante
e a letra define a qual grupo ele pertence.
Também colaborou com a pesquisa um terapeuta experiente com 17 anos de
experiência clínica e prática de supervisão. Esse terapeuta experiente foi denominado de
participante experiente (P exp.).
Além desses participantes, fez parte da pesquisa um aluno-terapeuta (em formação)
que foi selecionado para atuar como aluno-terapeuta (T) em um atendimento clínico individual
com um cliente adulto. O aluno-terapeuta, em suas atividades acadêmicas, também recebia
orientação sobre o caso que atendia. O aluno-terapeuta e os alunos-participantes pertenciam
a instituições diferentes. Esse critério foi adotado para evitar um possível contato dos
alunos com o caso atendido pelo aluno-terapeuta e também para preservar a identidade do
aluno-terapeuta e do cliente. Para contemplar os objetivos desse capitulo serão analisados

412 Crl«tln.i Noviikl


apenas os dados obtidos pelos alunos-participantes e pelo participante-experiente. Não
será analisado o dado do aluno-terapeuta.
Todos os participantes da pesquisa (P exp., P1 a, P2a, P3a, P1 b, P2b, P3b P4b,
P 1ce P2c) responderam a um questionário (descrito em "Material") sobre as sessões
realizadas pelo aluno-terapeuta no seu atendimento com o cliente. Para tal, foi fornecido
aos participantes a transcrição das sessões realizadas pelo aluno-terapeuta. Optou-se
por trabalhar com três grupos de participantes, porque o estudo envolveu delineamento de
linha de base múltipla.
Os pedidos de autorização foram feitos a todos os participantes desta pesquisa.
No caso das sessões gravadas, foi assinado um termo de consentimento entre a
pesquisadora e os participantes autorizando a gravação das sessões.

1.1. Sessões
Foram estudadas cinco sessões de atendimento clínico que foram gravadas em
vídeo e posteriormente transcritas. As sessões começaram a ser gravadas a partir da
quinta sessão de terapia, por se considerar que a partir desse período ocorrem mais
intervenções que na fase inicial do tratamento, sendo esta entendida, em sua maior parte,
como coleta de informações sobre o cliente. Considerou-se que as cinco sessões eram
suficientes para obter uma amostra da intervenção, além de não tornar muito extenso o
trabalho dos participantes a ponto de desestimular sua participação nesta pesquisa.

1.2 Material
Foram utilizadas fitas de vídeo e cassete, filmadora, gravador, as sessões transcritas
e um questionário contendo três questões abertas. O questionário que foi destinado aos
alunos-participantes e ao participante experiente continha as seguintes questões sobre os
procedimentos adotados pelo aluno-terapeuta na terapia: “(1 ) Descreva as intervenções que
você percebe que o terapeuta fez nessa sessão. Em que momentos da sessão isso ocorreu?;
2 ) O que você considera que levou o terapeuta a fazer cada uma destas intervenções? Isto
é, baseado em que análise, ou em que hipótese?, e 3) Como essas intervenções
(procedimento adotado) estão relacionadas com a Terapia Analítico-Comportamental?".
Os questionários foram entregues aos participantes semanalmente e em conjunto
com a transcrição da sessão atendida, totalizando cinco semanas. No caso do aluno-
terapeuta era entregue apenas o questionário, uma vez que esse já tinha acesso ao conteúdo
de sua própria sessão de atendimento. Assim, todos responderiam aos questionários
com base nos dados da sessão naquela semana.
Na semana seguinte, os questionários respondidos juntamente com a transcrição
da sessão correspondente eram devolvidos à pesquisadora. Só então tinham acesso a
uma nova transcrição e ao questionário.
Para verificar a influência de um modelo sobre as respostas dos alunos-
participantes, foram-lhes apresentadas às respostas do participante experiente. Assim, a
partir do início da fase de intervenção, as respostas das sessões anteriores eram devolvidas
aos alunos-participantes para compararem o que haviam respondido com o que o participante
experiente respondeu.

1.3. Local
Os atendimentos foram realizados na sala da clínica-escola, na qual o aluno-
terapeuta estava matriculado. Após a saída do cliente da terapia, esse respondia ao

Sobre Comportamento c Cognição 413


questionário sobre a sessão realizada, no próprio local de atendimento. Para os alunos-
participantes as respostas ao questionário ocorreram em uma sala reservada da clínica-
escola e em outra da biblioteca, de forma a não ocorrerem interrupções, assegurando o
sigilo do conteúdo das sessões. O participante experiente (P exp.) respondeu ao
questionário em sua própria clinica.

1.4. Delineamento
Este estudo envolveu dois delineamentos de pesquisa. Para a pergunta de pesquisa
sobre diferenças entre terapeutas iniciantes e experientes foi realizado um estudo descritivo
e exploratório que não contou com uma amostra representativa, em que se comparou a
resposta de um único participante experiente com as respostas de nove alunos-participantes,
com objetivo de levantar subsídios para o treinamento futuro de terapeutas iniciantes. Já
um delineamento experimental de sujeito único foi usado para responder à questão do
efeito de um modelo de resposta de um participante experiente sobre as respostas de
alunos-participantes. O delineamento foi o de linha de base múltipla através de participantes.
Para isso houve a participação dos nove alunos-participantes de uma mesma
instituição que foram divididos em três grupos, os quais deveriam responder durante cinco
semanas a um questionário que versava sobre uma transcrição de sessão por semana.
Conforme as semanas decorriam, foi entregue a cada grupo a resposta ao questionário
formulado pelo participante experiente, com base na transcrição da sessão da semana
anterior. Este procedimento teve por objetivo verificar se a apresentação de um modelo de
análise de sessão feita pelo participante experiente poderia facilitar a identificação de
intervenções por parte dos alunos-participantes.
Assim, o grupo A composto por três alunos-participantes recebeu na terceira
semana, juntamente com a transcrição da terceira sessão e o questionário, a resposta
dada pelo participante experiente sobre as sessões anteriores, isto ó, sobre a primeira e
a segunda sessão. Os alunos-participantes desse grupo A deveriam comparar suas
respostas com as do participante experiente e responder, em seguida, ao questionário
referente à terceira sessão. Para tanto foi devolvida a cada participante a sua própria
resposta ao questionário das sessões anteriores (primeira e segunda). Com esse grupo,
esse procedimento ocorreu da terceira à quinta semana, portanto, eles tiveram acesso às
respostas dadas pelo participante experiente por três semanas.
Para o grupo B, composto por quatro alunos-participantes, houve a apresentação
da resposta do participante experiente a partir da quarta semana. Esses alunos-
participantes deveriam, assim como os alunos-participantes do grupo A, comparar suas
respostas com as do participante experiente e responder, em seguida, ao questionário
referente à quarta sessão. Para tanto, foram-lhes devolvidas as suas respostas ao
questionário das sessões anteriores (primeira, segunda e terceira sessão). Nesse grupo,
os primeiros dados a serem comparados foram referentes á quarta sessão. Esse
procedimento ocorreu por duas semanas.
Ao grupo C, composto por dois alunos-participantes, foi apresentado às respostas
do participante experiente referentes às sessões anteriores, somente na última semana.
Assim como para os demais, os alunos-participantes desse grupo deveriam comparar
suas respostas com as do participante experiente e responder, em seguida, ao questionário
referente à quinta sessão. Para isso, os dois alunos-participantes desse grupo receberam
as suas próprias respostas ao questionário das sessões anteriores (primeira, segunda,
terceira e quarta sessão). Com esse grupo, o acesso às respostas dadas pelo participante
experiente foi concedido apenas uma vez.

414 Patrícia Cristina Novaki


Os modelos só foram apresentados ao grupo A na terceira sessão para que
houvesse duas sessões de linha de base. Com isso poder-se-iam observaras respostas
dadas na ausência do modelo, para servir de comparação do indivíduo com ele mesmo
depois da introdução do modelo. A segunda sessão ainda foi de linha de base para permitir
observar um possível efeito da experiência na realização do exercício. O efeito do exercício
poderia ser observado em três sessões no grupo B e em quatro no grupo C. Se mudanças
nas respostas só fossem observadas quando houvesse a apresentação do modelo, seria
possível afirmar que havia alta probabilidade do modelo ser responsável pela mudança, já
que o efeito teria sido replicado nove vezes e estaria afastada a interpretação alternativa de
que a mudança fosse resultado da experiência, porquanto a mudança ocorreria nas
diferentes sessões programadas para a introdução do modelo.

1.5 Procedimento
Início dos atendimentos e da coleta de dados. Após cinco semanas de atendimento
do cliente foi iniciada a gravação das sessões (totalizando cinco sessões). Ao final de
cada uma dessas sessões, as fitas gravadas foram encaminhadas à pesquisadora para
que se realizasse a transcrição. Essas foram encaminhadas, semanalmente, ao participante
experiente (P exp.) e aos alunos-participantes, para que esses analisassem a transcrição
da sessão e respondessem às questões. O procedimento de responder ao questionário
ocorreu durante as cinco semanas em que a transcrição das sessões foi apresentada aos
participantes, uma em cada semana. Assim, na primeira semana receberam a transcrição
da sexta sessão de atendimento do terapeuta com seu cliente. Na segunda semana
receberam a sétima sessão, e assim por diante até se completarem as cinco sessões (a
décima sessão de atendimento).
Como explicado no delineamento, os participantes foram divididos em três grupos
por envolver-se procedimento de linha de base múltipla. Assim, antes da terceira sessão
ser analisada pelos três alunos-participantes do grupo A, foram-lhes apresentadas as
respostas do participante experiente relacionadas à primeira e segunda sessões para
serem comparadas com as suas respostas. Para os quatro alunos-participantes do grupo
B, as respostas do participante experiente relativa à primeira, segunda e terceira sessões
foram apresentadas antes da quarta sessão ser analisada por esses alunos-participantes.
Para os dois alunos-participantes do grupo C, as respostas do participante experiente
referente à primeira, segunda, terceira e quarta sessões foram apresentadas antes da
última sessão ser analisada pelos alunos-participantes desse grupo. Assim, obtiveram-se
como linha de t>ase às respostas apresentadas pelos alunos-participantes antes da
apresentação das respostas do participante experiente. Durante a fase de intervenção, os
alunos-participantes continuaram recebendo as respostas do participante experiente dadas
à sessão anterior, antes de responderem ao questionário daquela semana. Para um melhor
entendimento, a tabela da página a seguir ilustra como foi o procedimento.
Sistematização e categorizaçâo dos dados coletados. A sistematização dos dados
ocorreu após a digitação literal das respostas dadas pelos participantes e de uma leitura
geral de todas as respostas. Seguido esse primeiro passo, optou-se por categorizar os
dados por questão. Fez-se uma nova leitura das respostas à primeira questão identificando-
se semelhanças e diferenças entre elas. Foi criada uma lista de intervenções terapêuticas
utilizadas por terapeutas analítico-comportamentais as quais foram citadas como resposta
à pergunta 1 do questionário. Essas foram consideradas as categorias de Intervenção. A
criação dessa lista envolveu diversas revisões, em que algumas categorias foram extintas

Sobre Comportamento c Coflnlçflo 415


por serem abrangentes ou restritas demais, e novas categorias foram elaboradas. Cada
intervenção identificada pelo participante só poderia pertencer a uma categoria.
Para a análise da segunda questão, foi realizada uma leitura de todas as respostas

Grupo dos participantes

Sessões Grupo A Grupo B Grupo C


Sessão 1
Linha dc base
Sessão 2
Sessão 3
Sessão 4 Modelo de resm»Ma do iiurticinuiiti*
Sessão 5 experiente

Nota: As células em cor clnza-claro sinalizam as sessões em que não houve a apresentação do modelo de
respostas do participante experiente. As células em cor cinza-escuro sinalizam a apresentação do modelo
de respostas do participante experiente aos respectivos grupos.
a essa questão, e então foram agrupadas as justificativas que eram semelhantes. Somente
após esse processo ó que foram definidas as categorias de justificativas das intervenções
realizadas pelo terapeuta. Da mesma forma como ocorreu com a definição das categorias
para a primeira questão, nessa questão ela foram criadas a partir das justificativas dadas
pelos participantes, sobre os motivos da atuação do aluno-terapeuta em cada sessão e,
portanto, não foram predeterminadas. Porém, diferentemente da análise da questão um,
nessa questão as categorias formuladas não foram excludentes, assim, numa mesma
resposta pode-se encontrar mais que uma categoria de justificativa da intervenção do
aluno-terapeuta.
Na questão três, novamente foi realizada uma leitura das respostas dadas pelos
participantes e foram agrupadas aquelas que eram semelhantes. Após esse processo
definiram-se as categorias que relacionavam as Intervenções com a terapia analítico-
comportamental. Também nessa questão as categorias não foram predeterminadas e
correspondiam às respostas dadas pelos participantes a essa questão.
Essa sistematização e categorização foram realizadas para que houvesse a
possibilidade de comparação das respostas dos alunos-participantes, do aluno-terapeuta
e do participante experiente verificando-se assim, se havia diferença entre eles quanto à
quantidade de procedimentos terapêuticos identificados nas sessões e quanto ao tipo de
categorias identificadas e se a identificação dos eventos que ocorreram em sessão foi
facilitada pela apresentação do modelo e, ainda, se sofreu influência do exercício.

2. Resultados
Para investigar se a diferença entre terapeutas experientes e iniciantes estava
relacionada ao conhecimento que possuem das intervenções que ocorrem na sessão,
utilizou-se das questões do questionário para comparar os dados obtidos pelo participante
experiente com os dados dos alunos-participantes.
Em relação à primeira pergunta sobre as intervenções que o terapeuta fez e em
que momentos da sessão isso ocorreu, obtiveram-se os seguintes resultados:
- 10
0) 1 H"" ■B
TD
6 5 -*-C
z
0

Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3 Sessão 4 Sessão 5

F igu ra 1 : Média de intervenções identificadas pelos alunos-particlpantes dos grupos A, B e C, pelo participante
experiente e aluno-terapeuta nas cinco sessões.
Nota: P exp indica o participante experiente, T indica que o aluno-terapeuta, A representa a média dos
resultados dos alunos-particlpantes do grupo A, B representa a média dos resultados dos alunos-
particlpantes do grupo B e C representa a média dos resultados dos alunos-particlpantes do grupo C.

o
Sessão 1 Sessão 2 Sessão 3 Sessão 4 Sessão 5

F ig u ra 2: Média de categorias identificadas pelos alunos-partlcipantes dos grupos A, B e C, pelo participante


experiente e aluno-terapeuta nas cinco sessões.
Nota: P exp indica o participante experiente, T indica o aluno-terapeuta, A representa a média dos resultados
dos alunos-particlpantes do grupo A, B representa a média dos resultados dos alunos-particlpantes do
grupo B e C representa a média dos resultados dos alunos-participantes do grupo C.

Observa-se desta forma que em relação às intervenções identificadas (Figura 1)


que o Participante experiente identificou um maior número de intervenções que qualquer
um dos alunos-participantes em todas as sessões. Através desse dado pode-se hipotetizar
que possivelmente há diferença no nível de identificação das intervenções entre terapeutas
experientes e iniciantes, isto é terapeutas experientes conseguem identificar melhor as
intervenções que são realizadas em sessão por um terceiro terapeuta. Desta forma, a
experiência clínica e/ou a experiência em supervisão pode ser uma variável decisiva na
discriminação de formas de atuação dos terapeutas.
Sobre as categorias identificadas (Figura 2) teve-se um total de catorze (n=14)
categorias. Em relação ao número de identificações das categorias realizadas pelo
participante experiente e pelos alunos-participantes (Figura 2) percebe-se que não houve
uma diferença muito grande entre eles. A diferença maior ocorreu nas duas primeiras
sessões e diminuindo nas seguintes.

Sobre Comportumento e l ognlçAo 4 1 7


Como resultado da segunda questão sobre os motivos que levaram o aluno-
terapeuta a realizar as intervenções identificadas obtiveram-se como respostas três tipos
de categorias: a) Baseada em análise ou hipótese do comportamento do cliente: b) Baseada
em análise ou hipótese do comportamento do terapeuta, e c) Baseada em eventos ocorridos
durante a sessão. Essas foram apontadas da seguinte forma:
• 90% dos alunos-participantes justificaram as intervenções que o aluno-terapeuta fez
com base nos comportamentos da cliente indicando assim, uma reprodução de uma
resposta uma vez que esta estava descrita nas sessões, demonstrando assim uma
análise pouco abrangente sobre os motivos que levaram o aluno terapeuta a intervir;
• Três dos nove alunos-participantes e o Participante experiente justificaram as
intervenções que o aluno-terapeuta fez com base em análise ou hipóteses sobre o
comportamento do terapeuta apresentando expressões de idéias, opiniões e inferências
que não estavam descritas nas sessões, indicando assim, um maior conhecimento
sobre a atuação do terapeuta:
• 60% dos alunos-participantes e o Participante experiente utilizaram da categoria com
base nos eventos ocorridos em sessão em freqüência menor que as demais categorias
Desta forma, esses dados podem sugerir que terapeutas experientes observam,
na sessão, mais eventos, como por exemplo, a própria relação terapêutica, a maneira
como o cliente relata os acontecimentos de sua vida e o seu próprio comportamento do
que a maioria dos terapeutas iniciantes. Em relação ao próprio comportamento na sessão,
parece haver de fato, uma possível diferença entre terapeuta experiente e terapeutas
iniciantes, porquanto esses permaneceram mais atentos ao relato trazido pela cliente,
enquanto aquele ficou sob controle maior das ações do terapeuta.
Sobre como a intervenção identificada relaciona-se com a Terapia Analítico-
Comportamental (terceira questão) teve-se que:
• Apesar de haver diferenças na utilização das categorias, observou-se que quando ao
conteúdo teórico não houve diferenças entre experiente e iniciantes:
• A categoria denominada Identifica variáveis de controle foi a mais indicada pelos alunos-
participantes como pelo Participante experiente, o que demonstra que quanto ao
conhecimento teórico parece não haver diferenças entre terapeutas experientes e
iniciantes.
Com relação ao efeito de um modelo de resposta de participante experiente sobre
as respostas de alunos-participantes, isto é, sobre a possibilidade de um treino na
identificação de intervenções, obtíveram-se os resultados descritos abaixo.
A respeito da apresentação do modelo de respostas do Participante experiente
para os alunos-participantes, tem-se que:
• essa apresentação produziu efeito sobre a quantidade de intervenções terapêuticas
identificadas, pois após a introdução do modelo os alunos-participantes apresentaram
aumento no número de intervenções identificadas: (Para melhor compreensão ver figuras
3 e 4 das páginas seguintes)
• essa apresentação também produziu um 2 o efeito: novas formas de intervenção não
identificadas anteriormente passaram a ser indicadas pelos alunos-participantes, após
a apresentação do modelo de respostas do Participante experiente. (Para melhor
compreensão ver figuras 5 e 6 das páginas seguintes).
Com base no efeito da apresentação do modelo a questão dois, tem-se que:
• houve influência do modelo de análise no grupo A e em pequena escala no grupo C;

4 1 8 Piitrlda Cristina Novaki


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Figura 3: Total de categorias identificadas polo articipante experiente e pelo aluno-terapeuta

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Figura 4: Porcentagem de categorias identificadas pelos alunos-participantes nas cinco


sessões.
Nota 1: As linhas entre losangos sinalizam a linha de base e a linha entre quadrados sinalizam
a apresentação da resposta do participante experiente para oa alunos-participantes.
Nota 2: As figuras apresentadas diferem em relação ao valor da porcentagem (eixo Y).

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Figura 5: Porcentagem de intervenções identificadas pelos alunos-participantes nas cinco


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Figura 6: Porcentagem de intervenções identificadas pelos alunos-participantes nas cinco


sessões.
Nota 1: As linhas entre losangos sinalizam a linha de base e a linha entre quadrados sinalizam
a aprosentação da resposta do participante experiente para oa alunos-participantes.
Nota 2: As figuras representadas diferem em relação ao valor da porcentagem (eixo Y).

Sobre Comportamento e CognlçAo 421


• e no grupo B, já apresentavam todas as categorias antes da introdução do modelo de
respostas.
Desta forma, percebe-se que em relação à identificação de intervenções a
apresentação de um modelo de análise parece ser efetiva no auxilio de terapeutas em
formação quanto ao que identificam nas sessões de atendimento.

3. Conclusão
O conhecimento que os terapeutas tem sobre o que acontece em sessão, sobre
o que fazem, possivelmente é uma diferença entre terapeutas experientes e iniciantes.
Essa diferença pode estar relacionada a:
• Discriminação dos eventos que ocorrem em sessão;
• Terapeutas iniciantes estarem menos conscientes sobre o que ocorre em sessão do
que o experiente;
• Terapeutas iniciantes permanecem sob controle do relato do cliente para justificar as
intervenções, enquanto o experiente fica mais atento ao comportamento do terapeuta
e à interação com o cliente.
Em relação a influência do modelo de respostas, observou-se que este produziu
efeito, tanto na:
• identificação de intervenções quanto de categorias,
• quanto na identificação de novas formas de intervenção que antes não foram percebidas;
• a utilização do delineamento de linha de base múltipla permitiu observar que os efeitos
(aprendizagem) foram decorrentes da apresentação do modelo (VI) e não da simples
repetição do exercício (responder as questões)
Desta forma, acredita-se que a utilização desse procedimento pode favorecer
a aprendizagem de terapeutas analítico-comportamentais quanto à identificação de
intervenções realizadas em terapia, sendo uma forma promissora de ensino.

R eferências
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York: Prentice hall.
Dunklo, J. H. & Friedlander, M. L. (1996). Contribution of therapist experience end personal
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4 2 2 Patrícia Criitlna Novaki


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Sobre Comportamento c
Cognição 423
Capítulo 42
Categorias funcionais de intervenção
aplicadas em contextos terapêuticos*
Pau/d Virgínia Oliveira hl ias e
lima A. Goulart de Sou/a Hntto
Universidade Católica de í/onis

Estudos empíricos sobre os procedimentos utilizados na prática terapêutica


mostram-se relevantes para o desenvolvimento da aplicabilidade do método científico,
presente nas bases de investigação do comportamento humano (Britto, 2002). Investigar
questões de interesse prático para os atendimentos clínicos torna-se crucial. Sendo a
observação e a descrição parte dos métodos científicos de investigação do comportamento,
atendimentos realizados dentro dos consultórios psicológicos podem ser analisados de
forma confiável. Estas e outras práticas de investigação tornam identificáveis as variáveis
atuantes durante atendimentos psicológicos, demonstrando de forma clara eventos que
podem influenciar os resultados obtidos.
Diversos estudos analisados sobre situações envolvendo contextos clínicos
baseiam-se no que terapeutas relatam a respeito da forma como atuam. Raramente, são
encontradas pesquisas que utilizem a observação direta neste ambiente.
As modalidades terapêuticas que seguem a linha comportamental utilizam-se dos
princípios da aprendizagem em seus estudos, sendo o objeto de interesse o comportamento
do indivíduo em sues relações com o ambiente, bem como e seus fatores determinantes e
mantenedores. Em função de tais fatores e pelas investigações seguirem princípios
experimentais, as pesquisas devem primar pela coleta e análise sistemática e rigorosa de
dados. Daí, a ênfase em estudos clínicos baseados em observações diretas e não apenas
em relatos sobre os moldes do tratamento. Deve haver especificações do tratamento em
termos objetivos, de modo que seja possível a réplica do mesmo (Kazdin, 1978).
Segundo Yates (1973), o papel fundamental e primário do psicólogo clínico é,
também, de investigador básico da ciência, formulando hipóteses para, a partir daí, contribuir
para a evolução científica.
A partir de tais análises, fica evidente que terapeutas têm a necessidade de atuar
de forma a, também, demonstrarem dados, a respeito de sua prática ou de suas observações
'Eitac«plUilobflMilft-ii<inH(1lnM)rtflçAodAnH)8tra<lc>(l«PiKilAVO EHat «prnMntada eni telnmtKn dn 2002 nob orUtnlnçAo <1h ProP Om llm* A Qoolnrt
dn Sou« Britto

4 2 4 P«lulii Vlrflínlii Oliveira t lins e llm<i A . C/oul.irt de Sou/«! Britto


em contextos clínicos, que contribuam para o avanço do conhecimento científico na área
aplicada.

1. O Processo Educacional em Psicoterapia


Ao fazer referência a educação Skinner (1953/2000) afirma que, “educação é o
estabelecimento de comportamentos que sejam vantajosos para o indivíduo e para os
outros em um tempo futuro". Sendo que, educar envolve a atuação de alguém em relação
à outra pessoa. E, quando os reforços educacionais tornam-se contingentes às propriedades
topográficas do comportamento chama-se o resultado de habilidade.
Skinner (1953/2000) também afirma que para a terapia, contingências de reforço
estabelecidas pelo terapeuta são os principais eventos ambientais responsáveis por qualquer
aprendizagem e, conseqüentemente, pela mudança com porta mental apresentada.
O aprendizado de novas habilidades pelo cliente dependerá do tipo de processo
educacional implementado a partir dos conhecimentos do terapeuta sobre o problema
apresentado. Neste sentido, em contextos clínicos, o processo educacional é realizado a
todo o momento. Entretanto, de acordo com a definição de Lemgruber (1993) sobre a
psicoterapia, as técnicas terapêuticas podem ser divididas em três diferentes abordagens,
que seriam: terapias de apoio, terapias reeducativas e terapias reconstrutivas. Segundo
esta subdivisão a Psicanálise seria do tipo reconstrutiva por excelência. Já a terapia
Comportamental-Cognitiva seria colocada no âmbito das terapias reeducativas.
De acordo com Malerbi (1997), a terapia é um processo reeducativo, buscando
desenvolver nos clientes a discriminação para eventos dos quais estão participando, sejam
eventos privados ou públicos.
Outro dado relevante sobre o processo educacional encontra-se em pesquisas de
Nezu, Nezu e Lombardo (2001), sobre a Terapia Comportamental-Cognitiva aplicada a
sintomas médicos não explicados. Tais autores destacam que há conclusões compatíveis
de alguns protocolos de tratamento deste tipo de abordagem terapêutica, onde se conclui
que a inclusão do componente educacional é adequada às necessidades de fomentar
aceitação do modelo biopsicossocial.
E, com a finalidade de promover a aceitação do modelo de tratamento com
freqüência há também a necessidade de desmistificar a psicologia para alguns clientes,
pois, ainda hoje, observam-se pessoas com idéias distorcidas sobre este campo de estudo.
Como aborda Statt (1972, p. 1 ), a idéia de que a psicologia constitui um assunto misterioso
e difícil de ser entendido é defendida com grande freqüência (...) tal conceito é profundamente
errôneo”. Assim, os fundamentos científicos que pautam a psicologia devem ser
demonstrados aos clientes, para que fique claro o tipo de tratamento implementado por
esta área. A maioria dos clientes sente-se mais confortável quando sabe o que esperar da
terapia. Para tal, o processo terapêutico deve se tornar compreensível.
A terapia engloba o papel de ensinar, isto é, criar condições que permitam ao
cliente aprender a observar, descrever e controlar seu próprio comportamento. Deve ensinar
novos repertórios comportamentais.
Educar o cliente para o modelo de tratamento é de grande valia, particularmente
no caso deste tipo de terapia, pois o tratamento envolve uma abordagem estruturada,
devendo também haver a colaboração do cliente. E, para que haja tal colaboração é
essencial que o cliente compreenda claramente os princípios e metodologia envolvidos,
bem como a familiarização sobre o que está lhe ocorrendo (Dattilio e Padesky, 1995). Isto
oferece suporte para a estruturação de novas estratégias de tratamento.

Sobre Comportamento c Cognição 425


Há processos educacionais específicos para cada cliente, conforme seu nível de
instrução, assim como para cada tipo de problema, apesar de haver aspectos em comum.
Um caso eficaz de procedimento educacional para o tratamento refere-se ao uso
da respiração, principalmente, no caso do Transtorno de Pânico, pois neste caso ocorrem
sintomas hiperventilatórios. Pesquisas de Kraft e Hoogduin, em 1984, confirmaram que
“seis sessões bissemanais de reeducação de respiração e Relaxamento Muscular
Progressivo reduziram a freqüência dos ataques de pânicos de 10 a 4 por semana" (Craske
& Barlow, 1999, p.30). Porém, é verdade que tais técnicas não superam a eficácia das
técnicas combinadas que são aplicadas no atendimento clínico convencional.
Segundo Craske e Barlow (1999), nos casos de Transtornos de Ansiedade, por
exemplo, o Transtorno de Pânico, deve haver uma fase de reeducação sobre a base
fisiológica da hiperventilação. De acordo com estes autores, o objetivo da apresentação
didática ó reduzir interpretações erradas e fornecer uma base de informação sobre a qual
o cliente possa apoiar-se. Esta apresentação pode ser realizada de forma escrita.
Outro exemplo de tipo de reeducação eficaz é aquela realizada nos casos de
problemas sexuais. No início da terapia sexual, o terapeuta deve fazer ao casal uma
descrição simples e breve da natureza de seus problemas e dos possíveis fatores que
contribuem para a existência deles (Hawton, 1997).
Considerando os aspectos citados anteriormente, o cliente precisa tornar-se um
conhecedor do seu problema. E neste caso, a terapia torna-se uma fonte de aprendizado
no que se refere à modificação dos modos de se comportar. Quando o cliente aprende
novas habilidades este aprendizado pode se generalizar a outros comportamentos
desadaptados.
De acordo com Kirk (1997), o papel educativo geral, além de outras contribuições,
leva o cliente a focalizar variáveis externas e internas que podem não ter sido consideradas
relevantes para o problema antes da aprendizagem.

2. Relevância das Categorias de Intervenção


A prática clínica em psicologia mostra-se bastante diversificada e fragmentada. A
diversidade pode ser um benefício, pois promove a oportunidade de escolha com relação a
tipos de intervenção a serem realizadas para atender a uma variedade de transtornos
condutuais, comportamentos complexos apresentados pelos indivíduos em suas relações
diárias. Entretanto, a fragmentação promove desintegração de objetivos, o que gera diversas
conseqüências. Éprejudicial.
Neste contexto, a Terapia Comportamental tem se tornando primordial para atender
e responder a uma variedade de situações e comportamentos-problema. Há uma diversidade
de técnicas e procedimentos a serem utilizados, desenvolvidos ao longo de anos de
investigação. Fontaine (1987), Hawton e cols (1997), Barcellos e Haydu (1998), entre
outros autores, sintetizam historicamente os principais fatos ligados ao desenvolvimento
e comprovação experimental de variadas técnicas, relacionados à evolução da Terapia
Comportamental. E, apesar de tais avanços, pode ser percebido o quanto há a investigar
a respeito do frutífero campo de atuação terapêutico.
A abordagem comportamental, em suas formas de aplicação, mostra-se calcada em
dados, é estruturada e coesa. Desta forma, a aplicabilidade deste tipo de abordagem terapêutica
deve, necessariamente, seguir padrões e sistematização de procedimentos e técnicas de
intervenção. Não com o intuito de tornar a terapia algo mecânico, mas com a intenção de dar

4 2 6 Piiulii Vlffllnld Oliveira Fitas e llmu A . Qouldrt dc Sou7<i Britto


continuidade á tentativa de se estudar o comportamento humano de íorma integrada e objetiva,
como vem sendo desde os primórdios do surgimento de tal metodologia de atuação.
Para que tais objetivos sejam atingidos, o terapeuta deve trabalhar com coleta de
dados e avaliação destes, na tentativa de modificar o comportamento-problema do seu
cliente, com a função de aprimorar os comportamentos em questão, ou mesmo, instalar
comportamentos funcionais ainda inexistentes ou inoperantes. Isso requer, ensinar sobre
a terapia, sobre o problema apresentado e formas de modificá-lo ou solucioná-lo. O cliente
deve aprender com a terapia, devendo ser instigado a chegar a determinadas conclusões,
pois o cliente é tanto produto quanto produtor de contingências.
A aprendizagem realizada pelo cliente pode ser utilizada por ele no cotidiano.
Entretanto para que este aprenda a identificar seus próprios problemas faz-se necessário
que compreenda paralelamente alguns conceitos, também, sobre o modelo teórico. Desta
forma, "o tratamento concentra-se na oportunidade para uma nova aprendizagem adaptativa
e na produção de mudanças fora do ambiente clínico (...) todos os aspectos da terapia
são explicitados ao cliente” (Hawton e cols, 1997, p. 16).
Entretanto, em alguns momentos, observando a variedade de procedimentos de
atuação e comportamentos apresentados pelos clientes em atendimento, nota-se que
terapeutas e estagiários-terapeutas podem encontrar problemas ao atuarem. Através de
observações particulares diante de atendimentos terapêuticos e de observações da atuação
de estagiários-terapeutas em suas intervenções, tornou-se evidente a necessidade de
observar e descrever algumas categorias funcionais de intervenção no contexto clínico,
intervenções estas denominadas educacionais. Atentando para o fato de que as diversas
técnicas em terapia não devem ser utilizadas mecanicamente ou isoladamente.
Mahoney (1998) alerta para o perigo de se depositar mais crédito nas técnicas do
que elas mereçam. O processo terapêutico é bem mais que mera aplicação de técnicas,
elas funcionam apenas quando integradas a ele, o que envolve terapeuta, cliente e
comportamentos apresentados. Sendo que, de acordo com pesquisas sobre as variáveis
envolvidas neste contexto, é especificada e particularizada, também, a importância da
relação terapêutica.
De acordo com Kholemberg (1987) as características do terapeuta valorizadas e
enfatizadas por outros tipos de terapia, não devem ser deixadas de lado. Não se pode
obter êxito se o cliente percebe de alguma forma que o terapeuta é frio e indiferente.
Quanto mais compreensivo, atencioso e dedicado, for o terapeuta, maior será a confiança
do cliente no processo.
Considerando os aspectos levantados acima, foram realizadas classificações de
categorias de intervenção no contexto terapêutico através de observação, registro, análise
e comparação de dados coletados através de filmagem de atendimentos clínicos envolvendo
díades de estagiários-terapeutas e, respectivos, clientes. Participaram do estudo três
díades, selecionadas randomicamente, tendo sido filmadas quatro sessões de,
aproximadamente, 60 minutos de cada díade. Acumulando assim, um total de 720 minutos
de gravação em vídeo.

3. Categorias Funcionais de intervenção Educacional


A literatura mostra dados ainda escassos de pesquisas utilizando observação
direta durante sessões de atendimento clínico, a respeito da relevância de informar, explicar
e instruir o cliente como forma de processo educacional dentro da psicoterapia.

Sobre Comportamento e Cogniçáo 4 2 7


Desta forma, as categorias expostas neste estudo foram formadas através da
metodologia de observação direta e medida do comportamento, em atendimentos de
estagiários-terapeutas em contextos clinicos. Também, pela prática pessoal de atuação e
acompanhamento de relatos de atendimentos por parte de profissionais da área.
Considerando que, esta análise tem a finalidade de auxiliar e servir como parâmetro para
procedimentos clinicos de intervenção, sem ter, no entanto, a pretensão de esgotar as
possibilidades de atuação presentes neste contexto.
Para classificações e definições do que neste trabalho denominaram-se Categorias
Funcionais de Intervenção Educacional (CFIE) foram filmadas e analisadas as sessões
terapêuticas numa clínica-escola.
As CFIE foram divididas em três, tendo estas a Função Informativa, Explicativa e
Instrutiva. Cada uma destas três categorias também foi subdividida, no que se denominou
Classes de Técnicas de Intervenção Educacional (CTIE), totalizando para as três categorias
citadas, sete CTIE.

a) Função Informativa:
Intervenções realizadas com o objetivo de informar ao cliente sobre aspectos
considerados relevantes sobre a terapia, de forma oral ou escrita, em sessões iniciais de
atendimento e/ou ao longo do processo. Foram incluídas duas CTIE para especificar esta
categoria.
a.1) Educar para a Terapia: informações orais fornecidas ao diente sobre os procedimentos
do processo de tratamento da terapia, no que se refere à duração de cada sessão de
atendimento, freqüência semanal, princípios explicativos da abordagem com a qual trabalha
o terapeuta, procedimentos e técnicas utilizadas, em que momentos são úteis, credibilidade
do tratamento junto a órgãos de saúde, métodos de intervenção adquiridos através de
estudos empíricos em laboratório, forma de seleção de conteúdos a serem abordados
durante as sessões e estruturação destas.
Tais dados são abordados durante a sessão com o objetivo geral de levar o cliente
a compreender o modelo de intervenção terapêutica, com relação ao tratamento e aspectos
gerais e/ou corrigir possíveis distorções de idéias sobre a terapia. Tendo em vista que
estes procedimentos podem vir a facilitar a adesão do cliente ao processo, pois se supõe
que estes conhecimentos tragam maior credibilidade ao tratamento.
Exemplo resumido da breve fala de um terapeuta com relação a estes aspectos:
“As nossas sessões tem duração de, aproximadamente, 50 minutos e ocorrem
duas vezes por semana... na Psicologia existem algumas abordagens de tratamento que
se diferem em seus métodos de trabalho. Por exemplo, temos a Psicanálise, fundada por
Freud, a Gestalt, o Psicodrama, a Terapia Comportamental, entre outras. Nosso trabalho
aqui será desenvolvido com base na Terapia Comportamental. Esta abordagem trabalha
com procedimentos de tratamento mais diretivos e focais, sendo que sua metodologia de
atuação deriva da aplicação do método científico aos problemas humanos, pela eficácia
apresentada durante o tratamento. Utilizamos dezenas de técnicas específicas como, a
Exposição Gradual ao Vivo, a Dessensibilização Sistemática, o Relaxamento Muscular
Progressivo, a Prevenção de Respostas, entre outras, que serão explicadas e demonstradas
a você em momentos específicos. As sessões serão planejadas e estruturadas de acordo
com os problemas apresentados por você. O trabalho é conduzido de forma mais objetiva,
se baseando em estudos, também, de laboratório. O problema é contextualizado,

4 2 8 Paula Vlrglnla Oliveira Mia* c lima A . l/oulart d? Sou/a Britto


observando-se a situação em que ocorre e as conseqüências advindas. Bem..., ao longo
das sessões continuarei informando a você sobre os passos do nosso trabalho aqui.
Gostaria de deixá-lo à vontade também caso haja necessidade de esclarecer dúvidas”.
a.2) Informar Textualmente: informações escritas fornecidas ao cliente, através da realização
de leituras de textos ou trechos de textos informativos, correspondentes ao problema
apresentado pelo cliente, envolvendo ou não questões relativas à terapia propriamente
dita. Estas leituras podem ser realizadas durante os atendimentos no consultório ou quando
o terapeuta solicita tais leituras como tarefas de casa.
Este procedimento tem o objetivo de maximizar o entendimento do cliente a respeito
de seu comportamento-problema e/ou sobre aspectos da terapia, esclarecendo dúvidas e
detalhando o problema abordado. O que também, pode facilitar a adesão à terapia.
Materiais para informar textualmente podem ser encontrados em literaturas da
área ou serem elaborados pelo próprio terapeuta. Por exemplo, em casos envolvendo
ansiedade, o terapeuta pode utilizar materiais que abordem descrições dos estados
corporais e suas funções na supressão do comportamento. O cliente pode ser informado
textualmente sobre o paradigma da ansiedade, por exemplo.
É importante ressaltar que tanto para primeira (Educar para a Psicoterapia) quando
para a segunda CTIE (Informar Textualmente) pertencentes à categoria de Função Informativa,
o terapeuta necessita utilizar uma linguagem que não dificulte a compreensão do cliente,
e isto varia, pois os níveis de instrução de cada pessoa em tratamento são variados.

b) Função Explicativa:
Intervenções elaboradas com a finalidade de explicar ao cliente aspectos
considerados relevantes sobre a situação e comportamentos apresentados, bem como,
utilização de reforço positivo verbal pelo terapeuta. Foram incluídas três CTIE para especificar
esta categoria.
b.1) Reeducar1 para a Situação: explicações fornecidas ao cliente sobre objetos ou pessoas
presentes na situação, no momento em que seus comportamentos adaptados ou desadaptados
ocorrem, sendo estas situações antecedentes e/ou conseqüentes, seja em casa, no trabalho
ou durante o lazer. Devem ser priorizadas as explicações e exemplos contendo a situação
problema que envolve o cliente. Sendo que, durante tais explicações o terapeuta pode ou não
realizar perguntas direcionadas, que levem o cliente a compreender melhor.
A finalidade principal deste procedimento é levar o cliente a descrever os fatores
ou contingências que favorecem a manutenção de vários de seus comportamentos.
Exemplo resumido das possíveis falas de terapeuta e cliente com relação a estes
aspectos:
T - "Sempre que você está numa situação semelhante isto parece ocorrer, você
concorda?”
C - “É parece que sim".
T - “Quando sua prima está presente você permite que ela escolha por você, por
isso as pessoas dizem que você depende muito dela. Na maioria das vezes que estão
juntas, ela toma a iniciativa de fazer as escolhas?"
C - “Sim, isso é verdade. Sempre que saímos juntas fico meio incomodada e
deixo que ela domine a situação desta maneira. Apesar de que me sento mal por isso".
O twmo Riwd<ic«r foi utilizado por m oonsktorar qu# o potaul conhcdnianlo« ■nterkXB» * larapia, tanlo »obre m tt ilfcjaçâo quanto aob»a »eus
<x>TiporUmi«nto«, porém. podando conliw dltlorçAM «obre ■ raaldada do« faina

Sobre Comportamento e Cognição 4 2 9


T - “Quer dizer que nestas situações isto ocorre. É, quais são as conseqüências"?
C - “Não consigo ter minhas próprias opiniões diante de amigos, sobre o que
quero fazer e me acomodo ao lado dela, continuando a não conseguir falar na presença de
outras pessoas".
T - “Diante do que discutimos no início desta sessão sobre assertividade, de que
forma vocô pode agir para que esta situação mude e vocô consiga se sentir melhor"?
b.2) Reeducar para o Comportamento: explicações fornecidas ao cliente sobre seu
comportamento adequado ou inadequado, sejam estes comportamentos públicos ou
privados. Devem ser priorizados explicações e exemplos contendo o comportamento-
problema desempenhado pelo cliente. Sendo que, durante tais explicações o terapeuta
pode ou não realizar perguntas direcionadas ou exemplos de comportamentos de terceiros,
que façam com que o cliente compreenda melhor.
O objetivo principal deste procedimento é levar o cliente a discriminar o tipo de
inadequação de seu comportamento e quando utiliza respostas adequadas, em seu
ambiente natural.
Exemplo resumido das possíveis falas de terapeuta e cliente com relação a estes
aspectos:
T - "Você me diz que fica ansiosa, na maioria das vezes, que está perto das
pessoas. Vou explicar a você de onde vem este comportamento: ‘ficar ansiosa'... A
ansiedade faz parte da vida. Sem ela não sobreviveríamos, pois esta resposta que emitimos
tem a função de nos proteger diante das ameaças e perigos, porém, caso ocorra em
excesso, o efeito é inverso, ela nos atrapalha a agir. Ou seja, há um tipo de ansiedade
considerada normal e outro tipo considerada patológica. O Sistema Nervoso Autônomo é
responsável por disparar as reações fisiológicas da ansiedade em nosso organismo. Ele é
subdividido em Simpático, responsável pelas reações que chamamos de autonômicas, de
tensão e Parassimpático, responsável pelo relaxamento do organismo. Este sistema pode
ser ativado quando estamos expostos a situações das quais gostaríamos de fugir. Isto
quer dizer que, às vezes, temos reações de ansiedade disparadas sem que haja uma
situação de perigo real, ou seja, a força da ansiedade é desproporcional ao ’’impacto" do
evento temido por você, ela torna-se patológica. E, considerando que, o pensar, o sentir e
o agir são todos comportamentos interligados, nós podemos disparar reações em nós
mesmos".
C - "Isso acontece comigo".
T - "Sim. E sua 'autofala' contribui para que eventos rotineiros sejam catastrofizados
ou agigantados, ou seja, o que você diz a si mesma sobre a situação ativa suas esquivas.
Como você se comporta pública ou privadamente, como já expliquei a você, quando ó
necessário falar em público"?
C - “Ê... na verdade nunca havia parado para pensar realmente nisso” .
b.3) Modelagem por Reforço Positivo: explicações fornecidas ao cliente, consideradas
apenas quando o terapeuta utiliza o reforço positivo verbal diante do modo de proceder e/
ou falas do cliente sobre como procedeu, tendo os comportamentos do cliente ocorrido
durante a sessão ou a respeito do que relata ter realizado em seu ambiente natural, de
forma a apontar adequações comportamentais.
Esta forma de proceder do terapeuta tem o intuito de fortalecer ou manter a utilização
de tais comportamentos no ambiente natural e/ou no ambiente clínico.

430 l\iuld Virgínia Oliveira tliu t e lima A . Qoulart dc Souía Britto


Exemplo resumido das possíveis falas de terapeuta e cliente com relação a estes
aspectos:
C - “Quando saí da sessão anterior, pensei sobre o que discutimos e fui para o
trabalho. Chegando lá, solicitei uma reunião com os funcionários do meu departamento.
Lembrei-me de fazer o exercício da respiração e utilizei a técnica da 'parada de
pensamento’... Quero dizer pra você que me coloquei na situação e consegui!!! No começo
fiquei nervosa, meu coração disparou..., mas depois fui me tranqüilizando! Que alívio!
T - “Muuuiiitto beemmü É dessa maneira que conseguiremos juntas o resultado que
esperamos. Parabéns, estou muito satisfeita pelo que você conseguiul (a cliente sorri).

c) Função Instrutiva:
Intervenções realizadas com a finalidade de instruir o cliente à respeito de aspectos
considerados relevantes para a psicoterapia, de forma oral ou através de demonstrações,
podendo ser incluídas neste item vários tipos de técnicas. Tal procedimento pode ser
realizado em sessões iniciais de atendimento e/ou ao longo do processo. Foram incluídas
duas CTIE para especificar esta categoria.
c.1) Modelação 1 (falar como fazer): instruções fornecidas ao cliente. São consideradas
as fala do terapeuta sobre a melhor forma de se comportar em situações do ambiente
natural, no que se refere ao conteúdo verbalizado, expressão facial, entonação de voz,
postura corporal, vestuário e/ou autocomandos. Tendo sido esta situação demonstrada,
relatada pelo cliente ou sendo apenas uma exemplificação de prováveis situações no
ambiente natural deste.
A finalidade principal deste procedimento é de aprimorar ou adequar as atitudes
do cliente frente as mais diversas situações do ambiente natural.
Exemplo resumido da breve fala de um terapeuta com relação a estes aspectos:
T - “Gostaria que nesta situação você se comportasse de forma assertiva, como já
conversamos, falando ao seu chefe o que deseja, sem dar oportunidade para que ele o
deprecie. Se ele o acusar novamente de algo que você não fez, como vem ocorrendo,
descreva os fatos reais a ele. Diga que você não é responsável pelo erro e que você está
a disposição da empresa para qualquer esclarecimento sobre o ocorrido. Lembre-se, sempre
utilizando uma expressão facial firme, com uma entonação de voz condizente e postura
corporal voltada para ele, com os ombros erguidos. Diga a você mesmo neste momento
que não irá acontecer nada demais por estar falando a verdade, de forma adequada, ao
seu chefe, pelacontrário, poderia ocorrer um problema se a situação não fosse esclarecida.
Você concorda?"
c.2) Modelação 2 (demonstrar como fazer): instruções demonstradas e encenadas diante
do cliente, consideradas quando o terapeuta demonstra, com a colaboração do cliente, o
comportamento adequado a ser executado em determinada situação do ambiente natural,
no que se refere ao conteúdo verbalizado, expressão facial, entonação de voz, postura
corporal e/ou auto comandos. Tendo sido esta situação demonstrada, relatada pelo cliente
ou sendo apenas uma exemplificação de prováveis situações no ambiente natural deste.
Sendo que, durante tais explicações o terapeuta pode ou não realizar a troca de papéis,
característica do Ensaio Comportamental.
A finalidade deste procedimento é adequar ou aprimorar os comportamentos do
cliente frente as mais diversas situações do ambiente natural através da demonstração de
possíveis comportamentos adequados.

SobrsComportamentoeCoflntçJo 431
Exemplo resumido da breve demonstração de um terapeuta com relação a estes
aspectos:
T - "Gostaria que nesta situação houvesse comportamentos assertivas, como já
conversamos, falando ao seu chefe o que deseja, sem deixar que ele o deprecie. Se ele o
acusar novamente de algo que vocé não fez, como vem ocorrendo, diga: "Eu não sou o
responsável pelo erro cometido no departamento Sr. Pedro, parece-me que isso vem
ocorrendo mesmo antes de eu entrar na empresa. Mas, em todo caso, se houver
necessidade, me coloco a disposição para qualquer esclarecimento sobre o ocorrido.”
Lembre-se (o terapeuta demonstra), sempre utilizando uma expressão facial firme, com
uma entonação de voz condizente e a postura voltada para ele, com os ombros erguidos,
como demonstrei a vocô agora. Diga a você mesmo neste momento: "Não irá acontecer
nada demais por eu estar falando a verdade ao meu chefe, pelo contrário, pode ocorrer um
problema se a situação não for esclarecida." Isto irá ajudá-lo na resolução do problema? O
que acha?"
Os exemplos de fragmentos de intervenções parciais abordados acima fazem
parte de um caso clínico de Fobia Social.
No Quadro 1apresentam-se as sínteses e siglas das três Categorias Funcionais
de intervenção Educacional e suas respectivas Classes de Técnicas utilizadas durante o
estudo.

a) Função Informativa (IEFI)


a.1) Educar para a Psicoterapia (IEFI - 1)

a.2) Informar Textualmente (IEFI - 2)

_____________b) Funçào Explicativa (IEFE)________


b.1) Reeducar para Situação (IEFE - 3)
b.2) Reeducar para o Comportamento (IEFE - 4)
b.3) Modelagem por Reforço Positivo (IEFE - 5)

_____________ c) Funçào Instrutiva (IEFI»)_________


c. 1) Modelação 1 (falar como fazer) (IEFI» - 6)_____
c.2) Modelação 2 (demonstrar como fazer) (lEFIs - 7)

4. Intervenções Identificadas e Analisadas


O estudo das categorias e respectivas classes de técnicas apresentadas acima
limitou-se à situação restrita de uma clínica-escola, porém tais análises podem e devem
se estender a outros contextos envolvendo a terapia.
A análise dos dados objetivou verificar, entre outras coisas, a freqüência de utilização
das três categorias de intervenção educacional e das sete classes de técnicas supracitadas.
Observando que para tal coleta de dados foi utilizado, além do registro cursivo através da
filmagem das sessões, o registro de intervalo de tempo através da elaboração de folha de
registro desenvolvida especificamente para este estudo.
Abaixo serão apresentados alguns resultados encontrados a partir do estudo em
questão, no que se refere à utilização de tais categorias de intervenção e suas classes de

432 1’aulii Vlrglnlti Ollvelrd Elias c llmd A . C/ouldrt dc Sou/a Britto


técnicas, pelas três terapeutas-estagiárias em cada uma de suas quatro sessões de
atendimento analisadas.
Os dados apresentados abaixo trazem a representação da comparação de
aplicação das sete Classes de Técnica de IE durante as primeiras, segundas, terceiras e
quartas sessões de atendimento, no que se refere a cada terapeuta-estagiária participante
do estudo.

0 1 1 11/(1
) -

■ D2-I2/C2

□ D3-T3/C3

1 KM I 1FF12 1EFK3 IKFF.4 IFFF. 5 l F. FlsA 1 F F I » 7

Figura 1 - Freqüência de Ocorrências das Classes de IE por T1/T2/T3 (1* Sessflo).

Técnicas

Comparando-se graficamente o desempenho das três terapeutas-estagiárias durante


a primeira sessão, observa-se que a T1 obteve os índices de IEFI -1 mais elevados que as
outras terapeutas-estagiárias, porém, isto não foi uma constante durante as aplicações
das outras seis classes de técnicas, pois quem se destacou com os maiores índices de
aplicação foi a 12. Já a T3 obteve índices de aplicação mais baixos dentre as três
terapeutas-estagiárias.
Os índices mais altos de T1 foram com IEFI - 1 e os mais baixos com lEFIs - 7,
sabendo-se que esta terapeuta-estagiária deixou de aplicar três técnicas. Os índices mais
altos de T2 foram com IEFI - 3 e os mais baixos com IEFI2 e IEFE5, sendo que, esta
terapeuta-estagiária não deixou de aplicar técnica alguma. E por fim, os índices mais
altos de T3 forafn com IEFI -1 e os mais baixos com IEFE - 3 e IEFE - 4, deixando de
aplicar as outras quatro técnicas.
Assim, houve cinco classes de técnicas de IE que deixaram de ser aplicadas em
algum momento por alguma das três terapeutas-estagiárias, entretanto não houve IE não
aplicada.
Durante esta sessão a técnica mais aplicada pelas três terapeutas-estagiárias foi
IEFI - 1 e as técnicas menos aplicadas foram IEFI - 2 e IEFE - 5.
Abordando os dados referentes a segunda sessão de atendimento temos, a
equiparação de aplicação da técnica IEFI - 1 entre T1 e T2, sendo que a T3 não utilizou
esta IE durante a sessão. Observa-se que a T2 destacou-se durante a aplicação de IEFI
- 2, IEFE - 3, IEFE - 4, lEFIs - 6 e lEFIs - 7. E, da mesma maneira que na análise
anterior, T3 ficou abaixo das outras duas terapeutas-estagiárias no geral.

Sobre Comportamento c CoRnlçJo 433


Figura 2 - Frequência de Ocorrências das Classes de IE por T1/T2/T3 (2* Sessão).

Técnicas

Os índices mais altos de T 1 foram com IEFE - 4 e os mais baixos com IEFE - 5,
sabendo-se que esta terapeuta-estagiária deixou de aplicar duas técnicas. Os índices
mais altos de T2 foram com IEFE - 3 e os mais baixos com IEFE - 5, sendo que esta
terapeuta-estagiária não deixou de aplicar técnica alguma, assim como na primeira sessão.
E chegando às análises de T3 os índices mais altos foram com IEFI - 4 e os mais baixos
com IEFE - 5, deixando de aplicar quatro Classes de IE, que foram, IEFI - 1, IEFI - 2,
IE F Is - 6 e IE F Is -7 .
Houve quatro Classes de Técnicas de IE que deixaram de ser aplicadas em algum
momento por alguma das trôs terapeutas-estagiárias, entretanto não houve IE não aplicada.
Durante esta sessão a técnica mais aplicada pelas três terapeutas-estagiárias foi
IEFE - 4 e as técnicas menos aplicadas foram IEFI - 2 e IEFE - 5, novamente.

Figura 3 - Freqüência de Ocorrências das Classes de IE por T1/T2/T3 (3* Sessão).

Técnicas

434 l\iul,i Vlrftlnld Oliveira tll«is e llmu A . C/oulart dc Sou/d Brltlo


Para os dados da terceira sessão das terapeutas-estagiárias participantes observa-
se que lEFI - 1 foi mais utilizada por T3, considerando que para nenhuma outra classe de
IE está terapeuta-estagiária se destacou. Já T2, se destacou na aplicação de IEFI - 2,
IEFE - 4 e lEFIs - 6 . Entretanto, obteve os índices mais baixos de atuação das três
terapeutas-estagiárias, apenas durante a aplicação de IEFI - 1 .
Os índices mais altos de T 1 foram com IEFE - 3 e os mais baixos com IEFE - 5,
novamente. Sabendo-se que esta terapeuta-estagiária deixou de aplicar uma técnica. Da
mesma maneira, os índices mais altos de T2 foram com IEFE - 3 e os mais baixos com
IEFE - 5, novamente. Não deixou de aplicar técnica alguma, assim como nas outras
sessões. E os índices mais altos de T3 foram com IEFI - 4, novamente, e os mais baixos
com IEFE - 5, também. Deixando de aplicar apenas uma técnica, nesta sessão.
Houve apenas duas classes de técnicas de IE que deixaram de ser aplicadas em
algum momento por alguma das três terapeutas-estagiárias, entretanto não houve IE não
aplicada.
Durante esta sessão as duas técnicas mais aplicadas pelas três terapeutas-
estagiárias foram IEFE - 3 e IEFE - 4, esta última como na sessão anterior, e as técnicas
menos aplicadas foram IEFI - 2 e IEFE - 5, da mesma forma que nas outras duas sessões
anteriores analisadas.

IEFII IEF12 IFFEJ IF.FE4 IEFE5 IEFU6 IEFU7

Figura 4 - Freqüência de Ocorrências das Classes de IE por T1/T2/T3 (4* Sessáo).


Técnicas
No que se refere aos dados desta sessão de atendimento destacam-se a aplicação
de IEFI - 1, IEFE - 3 e IEFE - 4. A T2 foi a única que aplicou IEFI - 2, ainda assim, com
uma freqüência baixa e T1 fez os maiores índices de aplicação de IEFE - 4 nesta sessão.
A T3 aplicou com menor freqüência, se comparada às outras duas terapeutas-estagiárias,
as técnicas IEFE - 3, IEFE - 4 e lEFIs - 6 .
Os índices mais altos de T 1 foram com IEFE - 4, novamente, e os mais baixos
com lEFIs - 7, sabendo-se que esta terapeuta-estagiária deixou de aplicar uma técnica.
Os índices mais altos de T2 foram com IEFE - 3 e IEFE - 4 e os mais baixos com lEFIs
- 7, assim como T1. Não deixou de aplicar técnica alguma, assim como nas outras
sessões. Por fim, os índices mais altos de T3 foram com IEFI - 4 , novamente, e os mais
baixos com lEFIs - 7, deixando de aplicar apenas uma técnica, assim como na sessão
passada.

Sobrf Comporl.imcnto c Coflniçío 435


Houve apenas uma classe de técnica de IE que deixou de ser aplicada em algum
momento por algum dos três terapeutas-estagiárias, entretanto não houve IE não aplicada.
Durante esta sessão as duas técnicas mais aplicadas pelas três terapeutas-
estagiárias foram, novamente, IEFE - 3 e IEFE - 4 e as técnicas menos aplicadas foram
IEFI - 2 e lEFIs - 7, a primeira da mesma forma que nas outras sessões analisadas. Esta
foi á sessão com índice máximo de ocorrências.

5. Conclusão
Através da comparação dos dados acima, pôde ser observada uma tendência ao
aumento da aplicação das técnicas selecionadas da primeira para a quarta sessão, bem
como uma diminuição do número de técnicas não aplicadas. Os dados mostram que
durante a primeira sessão, cinco técnicas não foram aplicadas, na segunda sessão o
número foi reduzido para quatro, na terceira sessão para duas e, finalmente, na quarta
sessão o número foi reduzido para apenas uma técnica não aplicada. É interessante
observar que na quarta sessão houve o índice máximo de ocorrência de aplicação geral
das técnicas.
Tais dados podem sugerir que, com o passar do tempo e com mais oportunidades
de treinamento, as terapeutas-estagiárias observadas tiveram uma tendência a utilizar
mais as intervenções educacionais sugeridas acima.
Percebe-se que se faz necessário, mas não é suficiente, o entendimento por
parte do cliente sobre os aspectos que estão controlando seu comportamento de modo a
desadaptá-lo. Isto é, aspectos antecedentes e conseqüentes do ambiente envolvido e
respostas emitidas diante de tais contingências, tendo em vista a história de
condicionamento.
Nota-se a relevância da presença de aspectos educacionais durante sessões
terapêuticas, com o objetivo de levar ao aprendizado de respostas mais adaptativas por
parte do cliente, considerando as metas envolvidas nos procedimentos da Terapia
Comportamental-Cognitiva.

R eferên cias

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Sobre Comportamento e CognWlo 437


Capítulo 43
O terapeuta comportamental do terapeuta
comportamental: questões de bastidores
Regina Christina Wielcnskâ
A M liA N d o !Pq do / /O fM L/SP

Observo que muitos psicoterapeutas atendem, entre outros clientes, estudantes


e profissionais de Psicologia e, com base nesta constatação, discutirei aspectos de uma
situação bem específica: quais as implicações do terapeuta comportamental atender alguém
da mesma abordagem teórica, seja este candidato a cliente, um profissional principiante
ou colega tarimbado? Entre os critérios possíveis de uma escolha imagino a qualificação
profissional do terapeuta escolhido, a maneira como ele interage com o cliente-colega nas
sessões, o custo das sessões e a convergência de linha teórica.
Mas há diferenças entre um terapeuta comportamental atender um colega da
mesma abordagem ou um cliente de outra profissão, encaminhado por terceiros? Imagino
que sim, ao menos em alguns casos, e discutirei as particularidades envolvidas. Na
verdade, esta discussão vai se restringir mais às situações nas quais o clinico deveria
ponderar com cautelosa se ele é mesmo o profissional mais adequado para atender seu
colega.
A busca de terapia comportamental por parte de quem pertence a este meio
científico ocorre por razões diversas. Entre elas, destaco a necessidade de compreender
e resolver problemas pessoais, o interesse em vivenciar o atendimento em nossa abordagem
(talvez como instância formadora) e a vaga busca do autoconhecimento (numa linguagem
comportamental, poderia afirmar que o cliente aprenderia a identificar e intervir sobre o que
lhe controla).
Entre outras preocupações, nas consultas iniciais, o terapeuta precisa analisar
as circunstâncias controladoras da busca por terapia. Por vezes, essa descoberta requer
tempo superior ao de uma consulta. Não há problema, desde que este dado não se perca
na bruma dos diálogos. A despeito do extenso treinamento em analisar contingências,
nem os terapeutas escapam de explicar seus atos alegando razões distintas daquelas
que efetivamente controlam seu comportamento. Então, o terapeuta não pode supor que
seu colega de profissão, agora seu cliente, seja sempre capaz de explicar claramente o
que o controla.

438 Kegind Wlelenskd


Se a conclusão for que o cliente deseja, através da terapia, aprender a ser terapeuta
comportamental, surgiria uma incompatibilidade entre objetivos e meios. Para tornar-se
um terapeuta comportamental, cursos e supervisão podem ser mais eficazes. Um terapeuta
que aceitasse atender o cliente com tal objetivo, ensinaria acidentalmente ao colega que
sentir-se na pele do cliente substituiria a educação formal, via cursos de pós graduação,
supervisão e estudo, muito estudo. Para condução do impasse, sugiro uma discussão
sobre o processo de formar-se terapeuta e a maneira precária como o principiante, na pele
do cliente, pretende estabelecer as bases de sua formação. Avançando mais neste
raciocínio, será que o cliente busca sempre atalhos em sua vida, a despeito da precariedade
dos meios e resultados? Faltariam a ele fontes de informação? O que ocorre? Por meio
destas indagações, a terapia poderia tornar-se uma das instâncias realmente formadoras
da pessoa do terapeuta.
Também pode ficar claro que o cliente, como tantos de nós, se esquiva de situações
que lhe pareçam desconhecidas ou atemorizantes e que, para ele, estar sob os cuidados
de alguém desconhecido seria uma experiência quase intolerável. Teríamos oportunidade
de auxiliar o colega a enfrentar este medo e quem sabe nossa tarefa se encerre, com
sucesso, quando o cliente aceitar o “risco" de relacionar-se com um profissional com o
qual não tenha familiaridade, uma situação na qual os controles interpessoais são menos
previsíveis. É bom aprender a lidar com o que é estranho, incerto e menos controlável...
Agora vamos nos afastar um pouco das razões que levariam o colega a nos
procurar e passemos a outro tópico. Antes de aceitar atender a alguém de mesma profissão
e abordagem, preciso me antecipar a possíveis problemas e prever se eu conseguiria
chegar a uma solução adequada. Como exercício de fantasia, proporei alguns desafios.
Uma situação delicada: é possível estimar de antemão o grau de entrelaçamento
social/profissional/acadêmico entre o terapeuta e o cliente? Haverá conforto suficiente
entre ambos quando se encontrarem fora do consultório? Suponha, por exemplo, que meu
cliente tenha problemas com uso e abuso de substâncias. Se o encontro na mesma festa,
bebendo em excesso, o que posso fazer com este dado surgido fora do consultório? Eu
me faço de morta, ou abordo o tema numa futura sessão? Faço algo na hora ou espero
para ver o que acontece? E se fosse o terapeuta quem se excedeu na festa, à qual o
cliente também compareceu? Passariam a alternar a ida a ambientes em comum, liberando
a ocorrência de vexames nestas ocasiões? Claro que esta é uma solução tosca, artificial
e restritiva. Prováveis conseqüências dos contatos fora da sessão (é maior a probabilidade
de ocorrerem em contextos profissionais, como congressos e reuniões científicas) podem
ser avaliadas âo início do tratamento, mas nem sempre conseguimos prever fatos ou
cumprir o que foi acordado previamente. Como eu me sentiria se encontrasse meu cliente-
colega, a quem atendo a um custo reduzido, fazendo refinadas aquisições no shopping
center vizinho ao congresso do qual participamos?
Imagino outra situação insólita: T e C pretendem se candidatar a um mesmo
cargo ou concurso, e tal descoberta surge em plena sessão. O terapeuta abre o jogo, se
é que o cliente já não ficou sabendo disso por vias tortas. Uma das partes renuncia ao
direito de participar do concurso? Quais seriam as soluções viáveis e óticas?
Mais uma saia justa: qual o conforto dos participantes se o cliente precisar se
queixar, relatar um conflito que enfrentou com alguém que faz parte das relações pessoais
de ambos? Há como se discutir esta briga, sem o controle exercido pela convivência com
ambas as partes? O terapeuta está a serviço do cliente, visa ajudá-lo a amenizar suas
privações, buscar os reforços possíveis e se esquivar de punições, sem negligenciar os

Sobre Comportcimcnto c ('ognlçAo 439


direitos e necessidades dos que o cercam. Tudo fica mais difícil quando os dois participantes
trilham caminhos em comum.
Estes exemplos sào uma pequena amostra das situações que podemos enfrentar
se decidimos atender colegas próximos a nós. Vamos falar claramente: nào é porque
trabalhamos com saúde mental que estamos livres dos achaques, tragédias e dilemas
que acometem o homem comum. Posso, por exemplo, estar deprimida, ou enfrentando
dificuldades financeiras, e não me sentiria bem se meu cliente soubesse disso apenas
porque algum conhecido em comum acidentalmente vazou este dado em sua presença.
Meu cliente tem dificuldades e problemas suficientes, nào precisa saber dos meus
problemas, ou ató se preocupar com eles, me poupando do estresse natural da prática
psicoterapêutica.
Como terapeuta ou cliente, prefiro nào me expor desnecessariamente a situações
fora do consultório nas quais tenha chance de observar acidentalmente meu cliente ou
terapeuta e identificar omissões de dados ou contradições entre o relatado na sessão e o
que pude observar diretamente ao longo das sessões. Considero mais confortável e seguro
para ambos trabalhar com os dados advindos da sessão, aos quais tive acesso direto. Se
o contato entre o cliente e terapeuta pudesse se limitar às sessões, haveria menor chance
de surgir algum constrangimento entre eles. Na sessão, como terapeuta, procuro interagir
guiada pela transparência necessária à aprendizagem e bem estar do cliente, mas prefiro
resguardar minha privacidade se isto não o prejudicar. E contextos de vida previamente
cruzados dificultam esta forma confortável de trabalho. O terapeuta que aceitar atender
seu colega deveria tomar dois cuidados: explicitar estes riscos durante a elaboração do
contrato e permanecer sempre atento ao andamento do caso e os efeitos deste emaranhado
ambiental sobre os participantes.
Outro cuidado a ser tomado pelo terapeuta refere-se a supervisões ou discussões
clínicas a respeito do caso do colega. Com quem mais eu poderia partilhar com segurança
o conteúdo precioso, que me foi depositado em confiança? O quanto consigo discutir bem
um caso sem revelar a identidade do colega-cliente? Acho difícil, embora viável para alguém
muito experiente e ético.
Se o terapeuta se tornar professor do cliente em algum curso, daqueles com
avaliações de desempenho, recomendo o exame deste conflito de interesses. Para ser
justa com os alunos, eu não poderia isentar o cliente de entregar um trabalho no prazo
combinado porque ele me confidenciou, em terapia, que seu tempo disponível para estudo
virou uma sucessão.de brigas com o cônjuge. E o que fazer com minha empatia pela dor
e cansaço do cliente? A sobreposição de papéis seria desgastante para o terapeuta.
Fazemos terapia supostamente para conhecer e poder lidar melhor com o que
nos controla, uma forma de autoconhecimento guiado pelo terapeuta. Imagino que nenhum
de nós é totalmente santo ou demônio, mas acharia desconfortável que um colega de
profissão, de quem espero aprovação e aceitação, precisasse, na posição de terapeuta,
me ajudar na descoberta de relações funcionais sobre aspectos “desabonadores" do meu
funcionamento. O que talvez eu mais precise, como cliente, é exatamente o que mais
temo e do qual fujo. O peso da entrega de nossa vida ao colega deriva-se da necessidade
do terapeuta descobrir, com finalidade de ajuda, até o que não gostamos ou suportamos
em nós mesmos. Terapeutas são cuidadores profissionais. Precisam, e muito, de cuidados.
Mas sempre há o risco de se esperar do colega-cliente ou do colega-terapeuta algo diferente
do que ele pode nos oferecer naquele momento.

4 4 0 Rcpirtti Wlclenik.i
Capítulo 44
Ser cliente nos ensina a ser terapeuta?*

Vera Regina Lignelli O tem


Clínica OR TH * - Ribemb Preto - SP

Para analisar e compreender melhor o exercicio da profissão de terapeuta ó


necessário que se reflita sobre sua formação e também sobre a pessoa do profissional.
Suas características pessoais estão presentes na interação com cada cliente durante
toda a psicoterapia. A relação entre o terapeuta e o cliente é pessoal a despeito de ser
necessariamente profissional. O papel profissional é exercido “através” da pessoa do
terapeuta; é desempenhado “pela” pessoa do terapeuta.
Terapeutas existem e trabalham para transformar pessoas e, então vivendo
pessoalmente esse processo, freqüentemente mudam a si mesmos. E ó nesse c a s o -
ou nesse processo - que a terapia pessoal do terapeuta pode levar a um melhor
desempenho profissional como decorrência das próprias mudanças pessoais (Otero,
1995; Haley, 1998).
Suas características individuais são, portanto, condição mutável e relevante para
o andamento da terapia de seu cliente. Elas interferem positiva ou negativamente em todo
o processo. Não há possibilidade de serem neutras. Seria irreal e ingênuo supor o contrário.
O objetTvo do presente texto é refletir, principalmente, sobre as possíveis
interferências das características pessoais do terapeuta no desempenho da tarefa de ser
terapeuta, lembrando que podem ser positivas e/ou negativas.

1. Formação profissional
Ao analisarmos a formação do terapeuta, após terminar sua graduação, verificamos
que ela ocorre em duas principais instâncias: na supervisão de seus casos clínicos e na
sua própria terapia pessoal. O profissional recém formado tem, especialmente nestas
duas circunstâncias, a oportunidade de conhecer e examinar seus atributos pessoais que
obviamente advêm de sua história de vida e estão presentes na sua atuação como
psicoterapeuta (Otero, 2000).
* RownwroMvwBoty»*, Tfoc«mci»muK» kléiu» e cktvo n nln
muHo do qun sistematizei neata Iflxto

Sobre Comportamento c Coflnlçío 441


A supervisão de casos clínicos: durante os primeiros anos da carreira de
psicoterapeuta, os psicólogos clínicos buscam a ajuda de profissionais mais experientes
para supervisioná-los na condução de seus atendimentos. O supervisor os orienta sugerindo
caminhos para intervenção, apontando os dados que são relevantes e os que ainda
necessitam ser colhidos; indicam como discriminar informações clinicamente relevantes
das irrelevantes, alertando-os para as armadilhas dos relatos das histórias de vida. Modelam
habilidades clínicas nos supervisionandos. Sugerem leituras técnicas ou não que
contribuirão para aprimorar aquele atendimento. Mais importante do que todos os itens
enumerados acima (que não são exaustivos), ó a função que deve ser exercida pelo
supervisor de ajudar o profissional iniciante a discriminar seus próprios valores de vida,
seus atributos pessoais; ajudá-lo a discriminar sua história de aprendizagem pessoal da
história de vida do seu cliente; levá-lo a perceber que suas características pessoais
interferem na sua atuação como terapeuta. Então, sugere que o profissional iniciante vá
buscar sua própria psicoterapia para ajudá-lo no processo de aprendizagem de ser terapeuta.
Muitas vezes, o colega iniciante já faz terapia, cabendo assim ao supervisor sugerir que
examine mais profundamente com seu próprio terapeuta, determinados aspectos pessoais
que poderão estar atrapalhando seu exercício profissional (Zaro, Barach, Nedelman e
Dreiblatt, 1980; Porchate Barros, 1985; Otero, 1995). Chegamos assim à segunda instância
relevante da formação profissional:
A própria psicoterapia: qualquer terapia visa ajudar uma pessoa a lidar com
suas próprias características, busca ajudá-la a identificar e a entender as variáveis das
quais seu comportamento ó função. Deve levar o cliente a compreender porque se comporta
da maneira que se comporta, porque ó a pessoa que ô, com suas facilidades e suas
dificuldades de relacionamento em diferentes níveis: familiar, social, afetivo, profissional,
dentre outros. Supõe-se que o cliente se beneficie e melhore sua qualidade de vida como
um todo após passar por uma psicoterapia eficaz. A vivência pessoal de ser cliente permite
ao terapeuta, além dos aspectos acima enumerados, aprimorar seu papel profissional
através das possibilidades descritas a seguir.

a) Viver o outro lado da moeda: quando o terapeuta torna-se cliente ele passa pelos
processos de aprendizagem de várias situações de vida. Aprende a expor a uma pessoa
inicialmente desconhecida, suas próprias dificuldades e facilidades de relacionamento e
de enfrentamento, além de suas imperfeições, seus medos e fantasmas, suas resistências
á mudança e seus limites pessoais. Vive a experiência de ouvir a opinião do outro sobre si
próprio. Observa nar própria carne o quanto é difícil expor-se e se sentir analisado e avaliado
por alguém; o quanto é difícil identificar e assumir seus pontos fortes e fracos. Assumir e
aceitar seus limites pessoais.

b) Integrar o "saber teórico" ao “saber prático”: sendo cliente o terapeuta descobre a


grande diferença entre ter informação sobre um determinado assunto, que é o seu saber
teórico e ter a sabedoria imprescindível para chegar à aplicação do mesmo. Constrói o seu
saber prático. Esta transição entre teoria e prática é solidificada na terapia do terapeuta.
Nela, o profissional, iniciante ou não, experimenta suas dores, seus sofrimentos pessoais;
sabe o que é chorar na frente do outro quando se frustra ou se sente incapaz por não
atingir suas metas desejadas ou mesmo por conhecer claramente suas próprias
características, seus limites, sua realidade de vida. O terapeuta-cliente adquire um saber
que nasce do que vivência, do que experimenta na própria terapia. Passa a ter um saber

4 4 2 Vera R«Rlna UflnclU Ot«ro


sedimentado que exige constantes revisões e aprofundamentos. Passa a ter um saber
que permite se enxergar através dos olhos do outro e, paralelamente, aprende a olhar o
outro através dos seus olhos. A integração do saber teórico com o saber prático é a
principal fonte da formação do terapeuta.

c) Relação terapêutica: ao fazer sua psicoterapia o profissional descobre de uma maneira


muito mais rica, as nuances da intrincada relação terapêutica. Verifica pessoalmente o
que significam:
c. 1) Variáveis ligadas ao cliente: o que o motivou a procurar ajuda? Foi buscar sua terapia
para satisfazer o supervisor? Cré que este caminho pode ajudá-lo a ser um profissional
mais capaz, melhor preparado? Qual ó a sua expectativa? Ocorrerão mudanças em sua
vida decorrentes da terapia? O que deverá fazer para efetuá-las? Deverá ser um elemento
ativo? As mudanças ocorrerão por si só? O caminho será longo ou curto? A natureza das
suas queixas e dos seus problemas pode interferir em todo o processo?
c.2) Variáveis ligadas ao terapeuta: o terapeuta, como cliente, consegue identificar a
disponibilidade de acolhimento por parte de seu terapeuta? Sente e observa se as
características pessoais dele são genuínas ou postiças e artificiais? Ele busca chegar ao
equilíbrio entre teoria e prática? Acredita que a teoria que fundamenta suas intervenções ó
suficientemente ampla e abrangente para dar conta de toda sua problemática? Sente-se
tratado, como pessoa prioritariamente e depois como cliente? O terapeuta busca
proporcionar uma empatia mútua? Coloca-se como parceiro da e na caminhada
psicoterápica?
c.3; Integração das variáveis ligadas ao cliente e ao terapeuta: a relação que se pode
estabelecer entre cliente e terapeuta ó fundamental para se conseguir a adesão ao
tratamento. A adesão ó facilitada quando o cliente sente que seu terapeuta coloca-se
como parceiro; isto permite o estabelecimento de um bom vínculo terapêutico que por sua
vez aumenta a probabilidade de sucesso do atendimento. O profissional deve
constantemente tentar discriminar o que diz respeito a ele pessoalmente, a sua história
de vida e o que diz respeito à história de vida do cliente. Deve lembrar-se que antes de
qualquer papel existente na relação do par cliente-terapeuta, ambos vivem uma interação
entre duas pessoas.

d) Viver pessoalmente as diferentes etapas de uma terapia: quando um profissional vai


fazer sua própria terapia ele tem a oportunidade de vivenciar todas as etapas de um
atendimento: refletir se é o momento de buscar a própria terapia; decidir submeter-se;
escolher o profissional; viver os primeiros contatos; fazer o contrato terapêutico. Ele pode
observar a importância de todos estas etapas iniciais para o estabelecimento da aceitação
e da adesão á proposta terapêutica. Após estas etapas ele tem a oportunidade de passar
pelo aprofundamento da sua terapia com os peculiares enfrentamentos das dificuldades
de aceitação e mudança pessoais. A seguir o terapeuta-cliente vive as dificuldades do
desligamento: sente-se órfão, antes mesmo da separação, imagina-se sem o apoio do
seu terapeuta; vive as dúvidas sobre suas habilidades e capacidades para resolver seus
próprios problemas. Vive o conflito do querer despedir-se do terapeuta e ao mesmo tempo
querer continuar sua terapia. Sobretudo, este cliente-terapeuta aprende o que é chegar, o
que é estar e o que ó sair de uma psicoterapia (Campos, 1995; Haley, 1998; Otero, 1995,
2000).

Sobrr Comportamento e Cognição 443


2. S er c lie n te e n s in a a se r te ra p e u ta ?
Viver a posição de cliente no processo de terapia solidifica os conhecimentos
teóricos adquiridos anteriormente e durante a própria terapia. Concretiza a importante
noção do que é sentir-se respeitado e preservado pelo sigilo profissional. Descobre o
exato significado do não-julgar o comportamento do cliente. Sensibiliza-o para a importância
do acolher e do compreender a pessoa que busca terapia. Sensibiliza o terapeuta para a
relevância da sua atenção e escolha de e para diferentes componentes do caminho
psicoterápico:
a) Das palavras: O terapeuta-cliente verifica a força das palavras de um terapeuta.
Aprende a observar a relevância do tom de voz para se expressar a cada momento. Descobre
que as palavras não sáo inócuas: podem ser variáveis facilitadoras ou dificultadoras para
se atingir as mudanças desejadas. O cliente-terapeuta sente pessoalmente como ó
importante buscar o melhor exemplo, o melhor comentário, a melhor analogia, a melhor
explicação, a melhor sugestão.
b) Do momento de falar e de calar. O cliente-terapeuta aprende a cuidar melhor da
escolha do momento de fazer alguma consideração de peso para a vida de alguém.
Descobre a importância dos silêncios do cliente e do terapeuta. Descobre que há silêncios
que necessitam ser interrompidos. São aqueles nos quais o cliente precisa da ajuda do
terapeuta para conseguir expor algo que seja extremamente difícil para ele. Há outros
silêncios que não podem ser invadidos pelo terapeuta. São de reflexão, de descobertas
pessoais e amadurecimento. Uma difícil tarefa que deve ser aprendida pelo terapeuta é a
de discriminar quando respeitar e quando interromper o silêncio do cliente. Sua própria
terapia o ajudará nesta aprendizagem.
c) Dos diferentes tipos de intervenção: O terapeuta-cliente aprende mais facilmente
a avaliar a melhor oportunidade para pôr em prática diferentes procedimentos e intervenções:
estimular falar, calar-se, aceitar, envolver-se, aproximar-se, afastar-se, propor treinamentos
e exercícios que melhorem a qualidade de vida.
Concluindo, ser cliente facilita a modelagem e a modelação dos comportamentos
embutidos na tarefa de ser terapeuta. Fazer a própria psicoterapia aumenta a possibilidade
de aprendizagem de atitudes que permitem o aprimoramento do desempenho profissional.
O terapeuta passa a fazer discriminações que só a vivência pessoal ensina. Passa a
considerar de outra maneira todos os conceitos teóricos que aprendeu. Passa a atentar
muito mais fortemente para a importância de todos os preceitos éticos anteriormente
aprendidos, especialmente o respeito ao sigilo profissional. Cuidará melhor para que
nenhuma característica, informação ou qualquer dado sobre seu cliente possa ser
identificado ou revelado sem autorização prévia do mesmo. O terapeuta-cliente descobre
na prática que antes de ter qualquer outro atributo, a relação terapêutica é uma relação
pessoal entre alguém que detém um saber e alguém que busca um alívio para suas
mazelas (Buys, 1987; Otero, 1995; Haley, 1998). E é uma relação especial, diferente de
qualquer outra vivida pela díade cliente-terapeuta. E essa interação vivida conjuntamente
ensina muito e especialmente ao terapeuta. Ele aprende como profissional e como pessoa.

R e fe rê n c ia s
Barros, L. F. L. (1995) Supervisão em terapia cognitivo comportamental. Em B. Rangó (Org):
Psicoterapia comportamental e cognitiva - pesquisa, prática, aplicações e problemas.

4 4 4 Vera Regimi l.lgnelli Otero


Campinas, SP: Editorial Psy, parte IV, c.31, pp.357-364.
BUYS, R. C. (1987) Supervisão do psicoterapia. Sâo Paulo,SP Summus.
Haloy, J. (1998) Aprendendo e ensinando terapia. Porto Alegro,RS: Artos Módicas.
Otero, V. R. L. (1995) Psicoterapia pessoal na psicoterapia comportamental. Em B. Rangó
(Org): Psicoterapia comportamental e cognitiva - pesquisa, prática, aplicações e problemas.
Campinas,SP: Editorial Psy, pp.353-355.
Otoro, V. R. L. (2000) Psicoterapia funciona? Em R. C. Wielenska (Org.): Sobre comportamento
e cognição - questionando e ampliando a teoria e as intervenções clinicas e em outros
contextos. Santo Andró.SP: Set, c. 18, pp. 152-155.
Porchat, I. , barros, P. (1985) (Orgs) Ser terapeuta - depoimentos. Sâo Paulo,SP: Summus.
Zaro, J. S., Barach, R., Nedelman, D. J., Dreiblatt, I. S. (1980). Introduçãoàpráticapsicoterapôutica.
Sâo Paulo,SP: EPU

Sobre Comportamento c Coflnlçflo 445


(...)

A análise do comportamento, na busca dos


determinantes do comportamento humano, tem nos levado
a analisar os ambientes presentes e história passada.
Também tem nos levado a colocar esses eventos em
contextos sociais e culturais mais amplos que
complementam nossas análises. Por fim ela nos leva a
procura das razões e causas do nosso próprio
comportamento de olhar para isso tudo.

(...)

A primeira parte desse volume, Análises Teóricas em


Psicologia Comportamental, indica a preocupação dos
terapeutas comportamentais em estudar temas teóricos e
conceituais diversos que subsidiam o trabalho clínico. A
segunda parte mostra trabalhos na área de comportamento
verbal que se constitui uma enorme contribuição para a
compreensão do comportamento e conseqüentemente,
para a clínica. A terceira parte trata, de forma mais
específica, de intervenções terapêuticas para vários
problemas de comportamento que são freqüentes na
clínica. A última parte retrata a formação dos terapeutas, as
variáveis que influenciam suas ações terapêuticas e
questões relativas ao seu desenvolvimento pessoal.

ESETec
Editores Associados

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