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CAPÍTULO 10: FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL

Joel Cláudio Heimann, José Eduardo Krieger e Roberto Zatz

I. INTRODUÇÃO:

A função do sistema cardiovascular pode ser quantificada por meio de grandezas

físicas. Uma destas é a pressão que o sangue exerce sobre a parede das grandes artérias,

denominada pressão arterial. Alguns indivíduos desenvolvem, a partir de um determinado

momento da vida, uma pressão arterial acima de certos valores aceitos como normais. A

fisiopatologia desta elevação crônica da pressão arterial é uma temática muito complexa,

até mesmo por não haver, ainda hoje, uma definição precisa de hipertensão arterial. Neste

capítulo será discutida uma parte do que é conhecido a respeito dos principais mecanismos

responsáveis pela geração e manutenção da hipertensão arterial.

II. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS E EPIDEMIOLÓGICAS DA HIPERTENSÃO

ARTERIAL:

A pressão arterial é uma variável cuja distribuição na população é gaussiana: os

25

20
Freqüência, %

15

10

0
0 20 40 60 80 100 120 140
Pressão diastólica, mmHg

Fig. 10-1 – Representação esquemática da freqüência de distribuição da pressão


arterial diastólica na população. A área hachurada corresponde à
porcentagem de hipertensos que será observada caso o critério para a
definição de hipertensão seja o de pressão diastólica > 85 mmHg
(linha pontilhada vertical)
valores de pressão arterial distribuem-se de modo contínuo e simétrico entre um valor

mínimo e um valor máximo (Fig. 10-1), o que torna difícil estabelecer um ponto de corte

acima do qual o indivíduo passa a ser considerado hipertenso. Na verdade, a definição de

hipertensão arterial tem de certo modo uma natureza estatística: trata-se de um desvio da

normalidade, no qual os níveis pressóricos dos indivíduos acometidos situam-se

cronicamente acima de um determinado limite, estabelecido por convenção. O limite

atualmente adotado é o de 135 mmHg para a pressão sistólica e de 85 mmHg para a pressão

diastólica. É comum o uso exclusivo do nível de pressão diastólica como critério

diagnóstico, embora o efeito deletério da hipertensão sistólica esteja bem estabelecido.

A dificuldade em se diagnosticar a hipertensão arterial é ainda agravada pela

variabilidade da pressão arterial em cada indivíduo. A pressão arterial varia de acordo com

a hora do dia, com o grau de atividade física e com o estado emocional, podendo ser

influenciada até mesmo pela presença do médico (“hipertensão do jaleco branco”).. Essas

características tornam imperativa a adoção de procedimentos padronizados para a medida

da pressão arterial e para o diagnóstico da hipertensão arterial. Por exemplo, a

determinação da pressão arterial deve sempre ser feita por pessoal devidamente treinado,

com o paciente na mesma posição (deitado ou sentado), em ambiente tranqüilo e sempre no

mesmo horário, devendo-se medir a pressão arterial mais de uma vez em uma mesma

consulta. Para se estabelecer o diagnóstico de hipertensão arterial é ainda necessário que a

pressão arterial esteja alta em três consultas sucessivas, para evitar que uma elevação

acidental e temporária seja erroneamente interpretada (e tratada) como se fosse uma

condição permanenete.

Uma vez cumpridos adequadamente esses procedimentos diagnósticos, é possível

observar que a hipertensão arterial é um distúrbio extremamente freqüente. Se por exemplo


estabelecermos como ponto de corte uma pressão diastólica de 85 mmHg, a prevalência da

hipertensão (ou seja, a porcentagem de hipertensos em um determinado momento), chega a

superar os 25% da população geral. Se considerarmos a subpopulação de adultos do sexo

masculino com idade superior a 40 anos, essa prevalência pode ultrapassar 50%. Fica fácil

assim entender o impacto social da hipertensão arterial, já que a agressão mecânica imposta

ao sistema cardiovascular e renal por um aumento crônico da pressão arterial reflete-se no

alto risco que apresentam os pacientes hipertensos de desenvolver vasculopatias graves.

Dentre estas, as mais conhecidas pela população, por seu caráter dramático e por sua

enorme divulgação pelos meios de comunicação, são as coronariopatias e os acidentes

vasculares cerebrais. Mais insidiosa, mas igualmente deletéria, é a hipertrofia cardíaca,

conseqüência da maior quantidade de trabalho mecânico realizado pelo coração quando a

pressão arterial (pós-carga) está elevada. Essa hipertrofia acaba comprometendo a

oxigenação do miocárdio e o próprio desempenho cardíaco, levando à insuficiência

cardíaca. Outra complicação silenciosa mas potencialmente letal da hipertensão é a

insuficiência renal crônica . Através de mecanismos ainda não totalmente esclarecidos, a

exposição do tecido renal durante muitos anos a altas pressões de perfusão leva uma parte

dos pacientes a desenvolver uma fibrose crônica do parênquima renal, que termina

causando a perda irreversível da função desse órgão. Finalmente, uma pequena parcela dos

hipertensos desenvolve hipertensão maligna, na qual a pressão arterial eleva-se muito

rapidamente, levando à progressão acelerada de todas as complicações descritas acima.

Apesar de sua alta prevalência, da gravidade de suas complicações e do fato de ser

conhecida há mais de 1 século, a hipertensão ainda representa em grande parte um enigma

quando se consideram suas causas. Na verdade, apenas em cerca de 10% dos pacientes

hipertensos é possível identificar uma causa definida para a elevação da pressão arterial,
como por exemplo uma produção anômala de aldosterona (hiperaldosteronismo primário)

ou um estreitamento arterial renal (hipertensão renovascular). Nesses casos, a hipertensão é

conhecida como hipertensão secundária, em contraposição ao conceito de hipertensão

primária, ou hipertensão essencial. Nesta, que representa cerca de 90 % de todas as

hipertensões, não se consegue encontrar uma causa definida para o distúrbio. Isso não

significa que a hipertensão arterial seja uma condição incompreensível para a Medicina. Na

verdade, um número crescente de evidências clínicas e experimentais indica com clareza

cada vez maior que a hipertensão não pode ser considerada como o resultado de um único

agente ou fator etiológico. De acordo com os conceitos mais modernos, a hipertensão

primária resulta da interação entre fatores genéticos (ou seja a disfunção de um ou mais

genes) e fatores ambientais (consumo excessivo de sal, obesidade, fumo, entre outros).

Embora nosso conhecimento sobre a etiologia da hipertensão arterial seja ainda

fragmentário, sabemos muito hoje em dia sobre os mecanismos fisiopatológicos envolvidos

nesse processo. O conhecimento desses mecanismos é essencial para se compreender não

apenas o funcionamento do sistema cardiovascular sob pressão arterial elevada, como

também os princípios básicos da terapêutica da hipertensão arterial.. Nas seções seguintes,

esses mecanismos serão considerados em detalhe, a começar pela hemodinâmicas normal

do sistema circulatório.

III. DETERMINANTES HEMODINÂMICOS DA PRESSÃO ARTERIAL:

Estudando sistemas hidráulicos, Poiseuille estabeleceu a seguinte relação:

F=(Pi-Pf)/R,

onde F é o fluxo de fluido em uma tubulação rígida, Pi e Pf são, respectivamente, as


pressões no início e no fim da tubulação e R é a resistência oferecida ao fluxo. Esta relação

entre F, Pi, Pf e R, conhecida como equação de Pouiseille, pode ser transposta, com

pequenas modificações, ao sistema circulatório. Desta forma, teremos

DC=(PA-PV)/R

onde DC representa o débito cardíaco (portanto o fluxo hidraúlico), PA a pressão arterial

média, PV a pressão venosa e R a resistência hidráulica do sistema, que no sistema

cisculatório é denominada resistência periférica. Comparada à PA, a PV tem uma

magnitude muito pequena, sendo possível retirá-la da fórmula sem incorrer em um erro

muito grande. Fica-se então com

DC= PA/R (1),

Essa equação é mais freqüentemente expressa como

PA = DCR (2)

O conceito contido na equação 2 pode ser melhor visualizado com o auxílio da Figura 10-2,

que mostra um esquema simplificado da circulação.

~ PA

DC

RP

PA = DC RP •

Fig. 10-2 – Representação esquemática e simplificada da circulação. A pressão arterial (PA) sempre pode
ser expressa como o produto do débito cardíaco (DC) e da resistência periférica (RP)
Pode-se demonstrar que a resistência periférica total é inversamente proporcional à quarta

potência do raio da tubulação:

R= k/r4 (3)

Substituindo-se o valor de R na equação (1) pela equação (3) tem-se:

DC=kPA/r4 (4)

A pressão arterial é, portanto, diretamente proporcional ao débito cardíaco e inversamente

proporcional à quarta potência do raio dos condutos que formam o sistema circulatório, ou

seja, os vasos sangüíneos. A maior parte desse efeito é representada pelas arteríolas, que

constituem a porção do sistema circulatório que mais influi na resistência periférica. É

principalmente nas arteríolas que agem os compostos vasoativos que ajudam a regular

momento a momento a pressão arterial. É também principalmente através das arteríolas que

os tecidos regulam o fluxo sangüíneo que os perfunde, num processo conhecido como

autorregulação e que tem grando importância na gênese da hipertensão, como veremos

adiante.

Apesar da simplicidade da equação 2, são extremamente complexos os mecanismos

que regulam a pressão arterial e que deixam de funcionar adequadamente no indivíduo

hipertenso. Sejam quais forem esses mecanismos, no entanto, seus efeitos sobre a pressão

arterial envolvem necessariamente uma alteração do débito cardíaco, da resistência

periférica, ou de ambos.

IV. MECANISMOS DE REGULAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL


A pressão arterial é regulada por um sistema de controle de natureza extremamente

complexa. De modo geral, um sistema regulador consiste em um dispositivo cibernético

constituído de um sensor, de um sistema de transmissão, de um centro de integração, onde

o sinal captado é processado e comparado a alguma referência interna e de um efetor, capaz

de influir sobre a variável regulada de modo a mantê-la próxima a um valor previamente

ajustado. É assim que funciona, por exemplo um termostato de refrigerador ou de

aquecedor. É assim que funciona também o nosso termostato interno: sensores cutâneos e

centrais levam a um centro integrador hipotalâmico as informações sobre as respectivas

variações de temperatura, gerando respostas efetoras tais como a vasodilatação ou

vasoconstrição cutâneas, sudorese e tremores musculares, corrigindo, através desse sistema

de realimentação negativa, quaisquer desvios da temperatura corpórea de seu ponto de

ajuste. Sistemas semelhantes atuam na regulação do nível sérico de cálcio (ver Capítulo 13)

e da pressão osmótica do organismo (ver Capítulo 11).. Já a regulação da pressão arterial é

um processo bem mais complexo. Temos aqui a interação de vários mecanismos atuando

em paralelo, cada um com sua própria dinâmica e com seus próprios efetores. Há

mecanismos de ação rápida, como os baroreceptores, os quimioceptores arteriais e a

resposta isquêmica do sistema nervoso central, capazes de responder em questão de

segundos a variações bruscas da hemodinâmica circulatória, como a mudança da posição

supina (horizontal) para a ereta. Esses sistemas são também muito úteis em situações de

emergência, como em uma hemorragia, por exemplo. A médio prazo (horas ou dias),

adquire maior destaque a ação das propriedades mecânicas das paredes vasculares, capazes

de acomodar seu diâmetro a situações de estiramento prolongado, e a reabsorção de fluido

do interstício para o interior dos capilares, em situações de hipotensão prolongada.

A longo prazo, isto é, após um intervalo de alguns dias, entra em ação a capacidade
dos rins de controlar a excreção de sal e água. Essa capacidade baseia-se no fato de que a

pressão de perfusão renal exerce uma profunda influência sobre a excreção de sódio e água.

Esse fenômeno, denominado natriurese pressórica, transforma o rim num poderoso agente

efetor na regulação da pressão arterial. Quando a pressão arterial se eleva, a excreção renal

de água e sódio aumenta, reduzindo o volume sangüíneo. Com isso, cai o débito cardíaco,

baixando a pressão arterial (Equação 2 e Fig. 10-2) e trazendo de volta ao nível anterior a

taxa de excreção renal de sódio (ver adiante).

Adquirem aqui especial importância os hormônios e autacóides vasoativos e/ou

aqueles que influenciam a excreção renal de sódio, tais como a angiotensina II, a

vasopressina e as catecolaminas (vasoconstritores) e a insulina, a prostaciclina, a

bradicinina, o fator natriurético atrial e o óxido nítrico (vasodilatadores), além da

aldosterona, um retentor de sódio por excelência (ver Capítulo 2). É fácil perceber, tendo

em vista o esquema mostrado na Fig. 10-2, que esses compostos podem alterar a pressão

arterial influenciando a resistência periférica (vasodilatadores e vasoconstritores) ou o

débito cardíaco, regulando a excreção renal de sódio (natriuréticos e antinatriuréticos). De

modo geral, os vasoconstritores, como as catecolaminas e a angiotensina II, funcionam

também como retentores de sódio (antinatriuréticos), enquanto os vasodilatadores, como o

fator natriurético atrial e o óxido nítrico, atuam como espoliadores de sódio (natriuréticos).

Por essa razão, é praticamente impossível obter um efeito puramente antinatriurético ou

vasoconstritor mediante a administração exógena de compostos vasoativos ou da

estimulação de sistemas que liberam esses compostos, como o sistema nervoso simpático e

o sistema renina-angiotensina-aldosterona.
V. FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL: AS DUAS PRINCIPAIS

TEORIAS

Sendo assim complexo o sistema de regulação da pressão arterial, e não havendo

consenso quanto à importância relativa de cada um, não chega a surpreender que também

quanto aos mecanismos que levam à hipertensão essencial haja uma grande dose de

controvérsia. Basicamente, a polêmica opõe duas grandes correntes: de um lado, os que

propõem a existência, em hipertensos essenciais, de uma alteração do sistema nervoso

central, de modo a que o ponto de ajuste da pressão arterial, presumivelmente determinado

pelo próprio SNC, está elevado em relação ao normal. De outro lado, temos os que

defendem um papel preponderante, na gênese da hipertensão, de uma retenção de sal e água

pelos rins. Vamos analisar separadamente cada uma dessas duas grandes hipóteses.

1) Teoria neurogênica:

Os proponentes da hipótese de que a hipertensão essencial é uma doença do sistema

nervoso central invocam série de evidências em apoio a sua tese. Salientam a importância

do achado de que, em pacientes jovens com hipertensão limítrofe, a anomalia

hemodinâmica encontrada é basicamente uma elevação do débito cardíaco e não, de início,

um aumento da resistência periférica. Mais do que isso, apresentam evidências de que esse

estado de hipercinese circulatória é decorrência de uma atividade do sistema nervoso

autônomo, já que a administração de um beta-bloqueador e de um parassimpatolítico

abolem a anomalia. Aliás, a administração de beta-bloqueadores é um dos procedimentos

mais comuns no tratamento da hipertensão essencial, em consistência com essa hipótese.


Na mesma linha, o grupo de Allyn Mark demonstrou que, em indivíduos com hipertensão

limítrofe, o influxo simpático à circulação periférica, estimado através do registro direto da

atividade nervosa, está aumentado. Além disso, a atividade parassimpática está reduzida

nesses pacientes.. Os indivíduos com hipertensão limítrofe são ainda, de acordo com

algumas evidências, exageradamente responsivos ao estresse, desenvolvendo uma atividade

simpática excessiva e hipertensão. Stevo Julius, um dos mais destacados defensores da

hipótese da origem nervosa da hipertensão, argumenta em favor desse ponto de vista que as

manobras que elevam a pressão arterial o fazem mesmo em face de profundas modificações

hemodinâmicas induzidas farmacologicamente. Quando por exemplo se produz hipertensão

por compressão do quarto traseiro de cães anestesiados, a base hemodinâmica da

hipertensão é um aumento da resistência periférica. Quando este é prevenido pela

administração de um alfa-bloqueador, a pressão arterial continua a se elevar, agora à custa

de um aumento no débito cardíaco. Baseado nesse tipo de evidência, Stevo Julius propõe

que o sistema nervoso central seja na verdade o grande controlador da pressão arterial,

mantendo-a constantemente ao redor de um valor previamente ajustado. Desarranjos desse

mecanismo central, de acordo com essa teoria, forçam a pressão arterial a elevar-se. Se se

tentar impedir essa elevação bloqueando por exemplo a vasoconstrição periférica, o sistema

ainda assim conseguirá trazer a pressão arterial a seu novo valor, aumentando o débito

cardíaco. O inverso ocorrerá se o parâmetro bloqueado for o débito cardíaco: o que

aumenta nesse caso é a resistência periférica.. Portanto, o sistema nervoso central funciona,

de acordo com essa hipótese, como um regulador a longo prazo da pressão arterial. Nos

hipertensos, o ponto de ajuste está alterado, de modo análogo ao que ocorre com o centro

termorregulador em estados febris.


O sistema nervoso central exerce, sem sombra de dúvida, uma enorme influência

sobre a pressão arterial. O centro vasomotor, situado na substância reticular do bulbo e na

porção inferior da ponte, mantém através das fibras simpáticas um tônus contrátil na

musculatura lisa vascular, aumentando-o ou diminuindo-o conforme as necessidades

imediatas do sistema circulatório, utilizando-se também do sistema parassimpático quando

necessário. É crucial para o seu funcionamento a atuação de um sistema sensor, capaz de

perceber variações da pressão arterial. Esse sistema é constituído pelos baroceptores

situados no arco aórtico e no seio carotídeo. Através dos nervos vago, de Hering e

glossofaríngeos (vias aferentes), esses baroceptores emitem continuamente sinais nervosos

para o centro vasomotor, inibindo-o parcialmente e portanto modulando o efluxo simpático

que dele emana. Quando a pressão arterial se eleva, o fluxo inibitório originado nos

baroceptores aumenta, fazendo-a retornar a seu valor inicial. É por essa razão que a

ligadura simultânea de ambas as carótidas, manobra que estimula ao máximo os

baroceptores situados no seio carotídeo, provoca uma elevação acentuada da pressão

arterial, servindo mesmo como um modelo de hipertensão arterial aguda.

Seria então a disfunção dos baroceptores uma causa de hipertensão arterial? Essa

possibilidade parece hoje um tanto remota. O sinal proveniente dos baroceptores é de curta

duração, esgotando-se após algumas horas se a alteração da pressão arterial persistir. Em

outras palavras, os baroceptores adaptam-se ao novo nível pressórico, passando a adotá-lo

como nova referência. Esta característica torna difícil imaginar como uma alteração do

componente sensor desse sistema de controle poderia originar uma hipertensão persistente.

Essa limitação fica evidente quando observamos o que ocorre quando os baroceptores são

desconectados do sistema nervoso central (deaferentados), por denervação dos receptores

carotídeos e aórticos. Nos animais assim tratados, ocorre um grande aumento da


instabilidade hemodinâmica, com ampla flutuação da pressão arterial, em contraste com os

estreitos limites de variação observados em animais intactos. Isso ocorre porque

perturbações corriqueiras da circulação (mudança de posição, atividade física, sustos,

sonolência, etc.), fortemente atenuadas pelo sistema nervoso central em animais intactos,

deixam de sê-lo nos animais intactos. No entanto, a pressão arterial mantém-se, na média

diária, em níveis semelhantes aos observados antes da denervação, ou seja, os animais com

baroceptores deaferentados não se tornam hipertensos. Como não se conhecem outras

formas através das quais o sistema nervoso central poderia perceber variações da pressão

arterial sistêmica, fica difícil entender como poderia funcionar o sistema de realimentação

negativa proposto por Stevo Julius. Existe no entanto a possibilidade de que uma disfunção

do sistema nervoso central eleve cronicamente a pressão arterial através de sua íntima

relação com o funcionamento renal, conforme veremos mais adiante.

2) Teoria renal:
A teoria de que a hipertensão essencial é basicamente uma disfunção renal tem em

Arthur Guyton o seu defrensor mais destacado. De acordo com essa teoria, o rim, único

órgão a regular de modo significativo a excreção de sódio pelo organismo, é por essa

mesma razão o responsável último pelos níveis de pressão arterial sistêmica a longo prazo.

Ainda de acordo com essa teoria, além de constituir a única via de excreção de sódio de que

dispõe o organismo, os rins são também o único sistema capaz de responder diretamente a

alterações da pressão arterial com uma variação da excreção desse íon. Isso ocorre devido

ao fenômeno, mencionado acima, da natriurese pressórica, através do qual variações da

pressão de perfusão renal, em geral idêntica à pressão arterial sistêmica, deflagram

rapidamente no interior do parênquima renal uma série de fenômenos ainda não muito bem

400 400

300 300
Ingestão/Excreção de Sódio (mEq/dia)

Ingestão/Excreção de Sódio (mEq/dia)

200 200

100 100

0 0
0 20 40 60 80 100 120 140 160 180 0 20 40 60 80 100 120 140 160 180
Pressão de perfusão renal (mmHg) Pressão de perfusão renal (mmHg)

A B

Fig. 10-3 – Natriurese pressórica. Variações da pressão arterial promovem um aumento da taxa de
excreção urinária de sódio ao longo da linha azul. O círculo vermelho, que marca a intersecção dessa
linha com a linha vermelha, representatrva da taxa de ingestão de sódio, é denominado ponto de
equilíbrio.A) - Em condições normais, esse ponto corresponde a uma pressão arterial média entre 90 e
95 mmHg . B) - Se a pressão arterial média se elevar a cerca de 100 mmHg, a taxa de excreção de sódio
dobrará, levando a um desequilíbrio entre ingestão e excreção de sódio.

compreendidos. Alguns desses processos são de natureza puramente física, como por
exemplo as alterações das pressões hidráulica e oncótica (forças de Starling) junto ao

túbulo proximal e o aumento do fluxo sanguíneo ao longo dos vasos retos medulares. Essas

alterações tendem a alterar a excreção renal de sódio no mesmo sentido do distúrbio inicial

da pressão arterial, ao longo da linha de natriurese pressórica (Fig. 10-3a). A intersecção

dessa linha com a linha de ingestão de sódio é denominada ponto de equilíbrio. É esse

ponto de equilíbrio o que determina a longo prazo o valor da pressão arterial. Se por

exemplo a pressão arterial se elevar, a excreção de sódio aumentará ao longo da linha de

natriurese pressórica. (Fig. 10-3b). Como a ingestão de sódio permanece constante, passa a

ocorrer um desequilíbrio entre ingestão e excreção, resultando num balanço positivo de

sódio (e conseqüentemente de água). Havendo tempo suficiente, essa perda de sódio e água

resultará em uma lenta redução do volume plasmático, e portanto em um progressivo

retorno da pressão arterial a seu valor original. Uma queda na pressão arterial tem um efeito

exatamente inverso, novamente resultando em uma normalização da pressão arterial. Essa

normalização é sempre completa, já que o efeito da pressão arterial sobre o rim é

obrigatório, e não cessará enquanto a pressão arterial não houver retornado a seu valor

original. Dessa maneira, a pressão arterial será determinada, de um lado, pela taxa diária de

ingestão de sódio e de outro pela inclinação da linha de natriurese pressórica, que reflete em

última análise a sensibilidade do rim a variações de sua pressão de perfusão e, portanto, sua

capacidade de excretar sódio. Como essa linha é, em indivíduos normais, quase vertical, a

pressão arterial altera-se em geral muito pouco com a ingestão de sódio, mesmo que esta

varie amplamente.

Ë fácil depreender do exame da Figura 10-3 que é impossível alterar

permanentemente a pressão arterial sem que seja modificada a relação entre ingestão e

excreção renal de sódio. Uma maneira de se obter esse efeito poderia ser um aumento
substancial da ingestão de sódio. No entanto, um exame simples da linha azul na Fig. 10-3

indica que seria necessário aumentar extraordinariamente a ingestão de sódio para que

ocorresse uma elevação de uns poucos mmHg na pressão arterial média. Portanto, a única

maneira de se instalar uma hipertensão duradoura é promover uma alteração nas

características da natriurese pressórica. A Figura 10-4 ilustra duas alterações possíveis: na

Fig. 10-4a, a inclinação da linha azul diminuiu, ou seja, a linha de natriurese pressórica

deslocou-se para a direita, indicando uma menor capacidade renal de excretar sódio: são

400 400

300 300

Ingestão/Excreção de Sódio (mEq/dia)


Ingestão/Excreção de Sódio (mEq/dia)

200 200

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Pressão de perfusão renal (mmHg) Pressão de perfusão renal (mmHg)

A B
Fig. 10-4 – Duas maneiras de se alterar a natriurese pressórica e provocar hipertensão arterial (deslocamento do ponto de
equilíbrio). A) diminuindo a declividade da linha de natriurese pressórica. Neste caso temos uma hipertensão sal-sensível. B)
deslocando a linha de natriurese pressórica para a direita, mantendo inalterada sua declividade. As linhas pontilhadas indicam
a natriurese pressórica normal.

agora necessárias pressões arteriais mais elevadas para que ocorra a excreção de uma

mesma quantidade de sódio. Não ocorrendo variação da ingestão de sódio, a pressão

arterial eleva-se até que a excreção e a ingestão de sódio se igualem. estabilizando-se nesse

novo valor, necessariamente elevado em relação ao normal. Esse efeito pode ser obtido em

animais de laboratório através da administração de uma droga retentora de sódio, como a


aldosterona ou a angiotensina II, ou pode ocorrer espontaneamente em um paciente com

hipertensão essencial. Note-se que, em um indivíduo com esse tipo de anomalia, a pressão

arterial cai sensivelmente quando se reduz a ingestão de sal – o ponto de equilíbrio desloca-

se para a esquerda e para baixo, sendo possível até mesmo normalizar a pressão arterial.

Essas hipertensões são portanto sal-sensíveis. Uma outra maneira de se interferir com a

natriurese pressórica, baixando a pressão arterial, é a administração de um diurético, como

por exemplo um tiazídico (ver Capítulo 6). Nesse caso, a linha azul inclina-se para a

esquerda e a pressão arterial cai até que ingestão e excreção de sódio novamente se

igualem. Poderíamos obter um resultado semelhante administrando uma droga

vasodilatadora, como por exemplo um supressor do sistema renina-angiotensina,. Em

ambos os casos, estaremos aumentando a capacidade renal de excretar sódio. Essa constitui

na verdade a base racional para o tratamento da hipertensão. Na Fig. 10-4b está

esquematizada uma outra maneira de se provocar uma hipertensão persistente alterando as

características da natriurese pressórica. Neste caso, a reta está deslocada para a direita,

mantendo-se no entanto paralela àquela observada em indivíduos normais. Aqui também

será necessária uma pressão arterial mais elevada para uma mesma excreção de sódio,

levando assim a um deslocamento para a direita do ponto de equilíbrio. No entanto, a

pressão arterial neste caso seria pouco afetada retirando-se o sal da dieta, uma vez que a

inclinação da linha não se alterou em relação ao normal. Temos aqui portanto um exemplo

de hipertensão sal-insensível ou sal-resistente. Nesse caso, a restrição salina teria pouco

efeito, sendo necessário administrar drogas que tendam a trazer a natriurese pressórica a

suas características normais. É provável que uma parcela considerável dos hipertensos

reúna características comuns a esses dois modelos de disfunção. Por essa razão, a restrição

ainda que parcial à ingestão de sal e o uso de diuréticos integram de modo proeminente o
arsenal terapêutico utilizado no combate à hipertensão.

É importante ressaltar que o modelo de Guyton e associados, mesmo assumindo que

o hipertenso sempre apresenta uma relativa incapacidade de excretar sódio, não requer

necessariamente um aumento do volume plasmático. A razão para isso é que um aumento

do volume plasmático termina sempre levando a um aumento do débito cardíaco, e portanto

a um aumento do fluxo sangüíneo aos tecidos periféricos. Estes no entanto possuem a

capacidade de regular sua própria perfusão modificando a resistência das arteríolas que os

alimentam. Essa propriedade, conhecida como autorregulação, decorre de uma variação da

concentração local de catabólitos, como o O 2, o CO2 e os íons H+, à medida que varia o

fluxo sangüíneo. Quando este é baixo, acumulam-se catabólitos dilatadores, como o CO 2.

Quando o fluxo é excessivamente alto, cai a pressão parcial de CO 2, enquanto a de O2 se

eleva: o resultado é um aumento da resistência vascular. Quando diminui a capacidade renal

de excretar sódio e o indivíduo passa a reter o íon, esse processo ocorre de modo

generalizado no organismo, promovendo um aumento progressivo da resistência periférica.

Essa anomalia tende a elevar ainda mais a pressão arterial. No entanto, essa elevação é

autolimitada, porque promove um aumento da excreção de sódio, o que aos poucos reduz o

volume plasmático a níveis quase normais. Em conseqüência, a hipertensão que se

desenvolve, inicialmente dependente de uma aumento no volume plasmático e no débito

cardíaco (Fig. 10-2), muda de perfil, tornando-se dependente de um aumento da resistência

periférica. Quando finalmente o indivíduo chega à situação estacionária (ou seja, quando a

pressão arterial se estabiliza no novo valor), o volume plasmático está normal ou

minimamente elevado, a resistência periférica está elevada e o balanço de sódio é igual a

zero (ou seja, como seria de se esperar, a ingestão e a excreção de sal são exatamente iguais

na situação estacionária). Portanto, mesmo que a hipertensão resulte de uma limitação à


excreção renal de sódio, como propõe o modelo de Guyton, não se observa um balanço

positivo de sódio. O indivíduo só retém uma pequena quantidade de sódio durante um curto

período, imediatamente anterior à instalação da hipertensão e que obviamente nunca é

detectado. Quando se apresenta ao clínico, o paciente hipertenso sem complicações está

invariavelmente em balanço zero de sódio.

A teoria defendida por Guyton e outros encontra apoio em uma série de evidências

experimentais produzidas por esse grupo. Em cães que tiveram 70% de sua massa renal

removida, esses investigadores demonstraram que, mesmo nessas condições, o tecido renal

era ainda capaz de manter uma pressão arterial relativamente normal, provavelmente por

adaptação dos néfrons remanescentes (ver Capítulo 15). No entanto, quando esses animais

bebiam salina a 0,9% ao invés de água, desenvolviam hipertensão acentuada, a qual era

revertida quando voltavam a receber água pura. Esses resultados sugeriam que o que

provocava a hipertensão arterial era a incapacidade do tecido renal remanescente de dar

conta de uma sobrecarga de sódio. Essa intolerância ao sódio também se desenvolve

quando os rins, mesmo sem sofrer redução de sua massa, têm diminuída sua capacidade

intrínseca de excretar sódio, como no hiperaldosteronismo primário e nos modelos

experimentais de administração crônica de vasoconstritores como a angiotensina II. Nesse

caso, os rins exigem uma elevação persistente da pressão arterial a fim de chegar a uma

taxa de excreção de sódio idêntica à de ingestão, ou seja, para chegar a um balanço zero de

sódio. Segundo a teoria de Guyton, um mecanismo semelhante a esse atua na maior parte

dos indivíduos com hipertensão essencial - o defeito básico é sempre um comprometimento

da capacidade renal de excretar sódio , com desvio para a esquerda da linha de natriurese

pressórica, com ou sem redução de sua declividade,

Uma série de evidências clínicas e experimentais obtidas por diversos outros grupos
dão respaldo à teoria da origem renal da hipertensão essencial. Talvez as evidências mais

convincentes sejam aquelas obtidas através de transplantes experimentais e em humanos.

Em experimentos realizados com várias cepas de ratos com hipertensão de origem genética,

observou-se de modo bastante consistente que a hipertensão "segue o rim". Isso fica claro

quando se transplanta, para um animal normotenso previamente nefrectomizado, um rim de

um doador hipertenso. Nesse caso, o receptor torna-se hipertenso. Isso ocorre mesmo

quando o doador é previamente mantido normotenso por meios farmacológicos, indicando

que a anomalia que leva à hipertensão é intrínseca àquele rim . O experimento inverso

mostra resultados análogos: quando se transplanta um rim de um doador normotenso para

um receptor hipertenso, a hipertensão arterial é prevenida se o receptor for jovem e ainda

normotenso e atenuada se o receptor já for adulto e hipertenso. Observações semelhantes

foram realizadas em transplantes humanos: receptores provenientes de famílias

normotensas e que recebem rins de doadores de famílias hipertensas necessitam de mais

medicação anti-hipertensiva do que nos casos em que a família do doador é normotensa.

Em outro estudo, pacientes com nefropatia hipertensiva terminal tiveram sua pressão

arterial normalizada ao receberem enxertos de doadores normotensos, mantendo-se assim

durante pelo menos 4 anos e meio.

Outras evidências menos diretas dão também respaldo à teoria da origem renal da

hipertensão essencial. As hipertensões adquiridas ou induzidas em animais previamente

normotensos envolvem de modo consistente um comprometimento da capacidade renal de

excretar sódio. É o caso do hiperaldosteronismo primário, mencionado acima, da coartação

de aorta, da redução cirúrgica da massa renal e talvez até mesmo de modelos classicamente

atribuídos à hiperatividade do sistema renina-angiotensina, como a hipertensão de Goldblatt

com dois rins (com um clip em uma das artérias). Algumas formas hereditárias de
hipertensão experimental dependem nitidamente da retenção renal de sódio, como é caso do

rato Dahl sensível, que se torna hipertenso quando submetido a um regime de alta ingestão

de sal. Outra linha de evidência em apoio à hipótese da retenção de sal é representada por

estudos populacionais em que se observou o efeito da ingestão de sal sobre a pressão

arterial. Esses estudos, dos quais um dos mais conhecidos é o INTERSALT, mostraram que,

em populações onde o consumo de sal é baixo, o aumento da pressão com a idade é

modesto ou inexistente, ao passo que os níveis pressóricos aumentam acentuadamente com

a idade em populações afeitas dietas ricas em sal. Finalmente, deve-se lembrar que uma

grande parte das hipertensões essenciais responde satisfatoriamente a uma diminuição da

ingestão de sal e ao uso de diuréticos, mostrando que a capacidade renal de excretar sódio

influencia fortemente os níveis pressóricos.

3) Interação entre mecanismos nervosos e renais na regulação da pressão arterial

O papel dominante desempenhado pelos rins na regulação a longo prazo da

pressão arterial e o caráter transitório da atuação dos baroceptores não exclui a participação

do sistema nervoso na gênese e manutenção da hipertensão arterial. Conforme observado

anteriormente, sabemos identificar os mecanismos fisiopatológicos associados à

hipertensão, mas desconhecemos a etiologia da maioria dos casos. Sabemos existirem

fatores genéticos capazes de causar hipertensão, mas ignoramos quais são os produtos

gênicos envolvidos. Dada a íntima conexão entre os rins e o sistema nervoso, é possível que

um desajuste deste provoque o desenvolvimento de hipertensão através de uma ação sobre

os rins. Os vasos renais e o processo de transporte tubular de sódio respondem a uma série

de estímulos de origem nervosa, seja através da inervação direta do parênquima renal, seja

através da ação renal de compostos vasoativos circulantes originados no sistema nervoso.


Embora plausível, essa concepção carece ainda de evidências sólidas em seu favor.

VI.1. Fatores humorais: a importâncai do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA):

Os rins respondem a uma série de compostos vasoativos que fazem parte de

sistemas complexos , como o das prostaglandinas, o sistema L-arginina/óxido nítrico, o

sistema calicreina-cinina, entre outros (ver Capítulo 2). Dentre todos esses, o sistema

renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), cuja descrição inicial remonta a mais de 60 anos,

é ainda hoje considerado por muitos como o mais importante, devido a três razões

principais: 1) trata-se de um dos mais potentes sistemas vasoativos conhecidos. 2)

oespectro de sua atuação é enorme, compreendendo desde a ação vasoconstritora da

angiotensina II até a retenção de sódio e espoliação de potássio promovidas pela

aldosterona, passando por uma série de efeitos celulares que podem influenciar

decisivamente o desenvolvimento de processos inflamatórios renais e até mesmo

extrarrenais. Por essa razão, o SRAA é considerado em detalhe neste capítulo (ver também

o Capítulo 2).

Sabe-se desde os clássicos experimentos de Goldblatt, em 1934, que a constricção

de uma artéria renal produz hipertensão arterial em animais. A contrapartida clínica desse

modelo é a hipertensão renovascular. A hipertensão arterial nestas situações é o exemplo

maior da relação entre hiperatividade do SRAA e a elevação pressórica. A constricção da

artéria renal ativa a produção e liberação de um hormônio produzido pelas células

justaglomerulares denominado renina. A renina, por sua vez, age sobre um substrato

sintetizado no fígado, o angiotensinogênio. O produto dessa interação é a angiotensina I,

um decapeptídeo que, sob ação de uma enzima hidrolítica (enzima conversora da


angiotensina I), é transformado em angiotensina II (A II), um octapeptídeo. A A II é um

potente vasoconstrictor, elevando agudamente a pressão arterial através deste e outros

efeitos. Além da ação sobre os vasos, a angiotensina II também promove a liberação de

aldosterona na córtex das supra-renais. A aldosterona é um hormônio esteróide cuja ação

nos túbulos distais finais e coletores corticais promove reabsorção de sódio e água (ver

Capítulo 5). Esse efeito retentor de sódio contribui para a elevação da pressão arterial. A

secreção aumentada de aldosterona ocorre de forma autônoma quando da existência de um

tumor da supra-renal, produtor deste hormônio. Como vimos anteriormente, esta anomalia é

denominada hiperaldosteronismo primário.

O sistema renina angiotensina é estruturado como um sistema endócrino típico.

Neste modelo, o substrato (angiotensinogênio hepático) sofre modificações por duas

enzimas (renina renal e enzima conversora de angiotensina I, presente principalmente no

endotélio pulmonar) resultando na produção da substância ativa do sistema, a A II, que age

nos vários órgãos através da circulação. Este modelo é útil e consistente com o que se

observa em diversas situações fisiológicas e patológicas. A avaliação da atividade do

SRAA baseia-se primariamente na aferição dos níveis circulantes de angiotensinogênio,

renina, ECA, Ang I e A II na circulação. Com bases nestes dados tornou-se claro que o

fator limitante para a formação de A II no plasma é a atividade da renina. Sabemos hoje que

a produção/liberação de renina na circulação é controlada por três estímulos principais: 1)

a diminuição da pressão de perfusão renal (por exemplo, em uma hemorragia). 2) a

diminuição da concentração de cloreto de sódio que alcança a mácula densa (por exemplo,

na administração de uma dieta pobre em cloreto de sódio). 3) aumento da atividade

simpática (por exemplo, em uma hipovolemia). É ainda pouco conhecida a importância

relativa desses estímulos, ou seja, a hierarquização dos mesmos nas diferentes situações
fisiológicas e patológicas. O desenvolvimento de agentes farmacológicos que interferem

com o sistema, principalmente aqueles que o inibem, foi muito importante no tratamento de

doenças cardiovasculares e como ferramentas farmacológicas para compreender melhor o

SRAA. A utilização mais freqüente dessas drogas, principalmente a dos inibidores da ECA,

a partir dos anos 70 tornou-se um marco importante na medicina, pois veio revolucionar o

tratamento de várias afecções cardiovasculares como a própria hipertensão arterial, o

diabetes melito, o infarto do miocárdio e a insuficiência cardíaca congestiva. Por outro

lado, diversas evidências experimentais e clínicas colocaram em dúvida o modelo

tradicional endócrino. Por exemplo, o sucesso dos “inibidores” do sistema não se

correlacionava em todos os pacientes com a atividade da renina, como sugeria o modelo.

Na mesma época a popularização das técnicas de biologia molecular fazia com que esta

abordagem de alto poder analítico começasse a ser amplamente utilizada. Isto propiciou a

constatação de que os componentes do SRAA estavam presentes de forma mais ampla do

que a imaginada, principalmente nas células e tecidos que compreendem o sistema

cardiovascular (vasos, coração, rins, adrenais e sistema nervoso). Esses achados forçaram a

uma revisão do paradigma anterior. Considera-se hoje a existência, além do sistema SRAA

endócrino, de sistemas SRAA locais (ou seja, é possível a vários órgãos e tecidos produzir

sua própria A II sem depender de componentes circulantes), que poderiam desempenhar

ações parácrinas (sobre células de tecidos vizinhos) e autócrinas (sobre células do mesmo

tecido). Este novo paradigma permite explicar, portanto, a ausência de correlação entre a

eficácia do tratamento com inibidores do SRAA e os níveis circulantes dos componentes do

sistema. A existência de uma produção local de A II sugere também que esse peptídeo, que

exerce diversos efeitos celulares além da constricção do músculo liso, participa de

processos não hemodinâmicos como a proliferação celular, a formação de matriz


extracelular e as inflamações crônicas. Esses achados sugerem ainda que a AII pode

participar da seqüência de eventos que conduzem à perda progressiva da função renal (ver

Capítulo 15) e ajudam a explicar a eficácia dos supressores do SRAA na prevenção desses

processos.

EXERCÍCIOS

Abra o programa HIPERTENSÃO ARTERIAL”. Há nesta tela duas áreas para a entrada de
parâmetros, denominadas 0-45 dias e 45-90 dias. Os parâmetros que constam de cada área podem
ser variados de modo inteiramente independente.

1) Aumente a ingestão de sódio no dia zero para 200 mEq/dia (a ingestão aos 45 dias acompanha essa
variação). Observe que: a) a pressão arterial e o débito cardíaco praticamente não variam. b) a
excreção urinária de sódio aumenta gradativamentede modo a igualar a quantidade ingerida. c) as
linhas azuis que representam a natriurese pressórica nos gráficos situados nos cantos inferiores
direito (0-45 dias) e esquerdo (45-90 dias) da tela tornam-se um pouco mais verticais, indicando
um aumento da capacidade renal de excretar sódio. Observe que, neste exercício, esses dois
gráficos são idênticos. Observe ainda a movimentação do ponto de equilíbrio (representado nos
dois gráficos pelo pequeno círculo vermelho).

2) Mantendo a ingestão inicial de sódio em 200 mEq/dia, reduza a 100 mEq/dia o valor
correspondente ao período 45-90 dias. Verifique o retorno dos parâmetros aos valores basais

3) Pressione novamente “PADRÃO”. Imagine agora uma situação em que o sistema nervoso
autônomo conseguisse a façanha de aumentar a resistência periférica sem alterar a resistência renal
e, portanto, a capacidade renal de excretar sódio (isso na verdade não ocorre na prática). Para isso,
aumente a resistência periférica de 20 para 25 mmHg/ml/min. Observe que a pressão arterial eleva-
se a princípio, retornando porém rapidamente ao valor basal à custa de uma queda no débito
cardíaco, motivada por uma perda urinária de sódio (forçada pela própria elevação da pressão
arterial – natriurese pressórica).
4) Reduza agora a declividade da reta de natriurese pressórica movendo a barra deslizante
correspondente (“capacidade renal de excreção de sódio”). Observe que: a) as reta azuis nos
gráficos inferiores esquerdo (0-45 dias) e direito (45-90 dias) deslocam-se para a direita e para
baixo, indicando uma redução de sua declividade e, portanto, de sua capacidade renal de excretar
sódio. b) desta vez a pressão arterial eleva-se progressivamente, estabilizando-se em um valor
permanentemente elevado em relação ao basal. c) ocorre de início uma redução na excreção
urinária de sódio, refletindo a dificuldade dos rins em excretar sódio na vigência de uma pressão
arterial normal. Com o passar do tempo, a excreção urinária de sódio retorna ao valor basal,
refletindo a elevação da pressão arterial (natriurese pressórica). O preço dessa adaptação é no
entanto a hipertensão arterial. e) o débito cardíaco aumenta gradativamente, explicando neste caso
a elevação da pressão arterial. Refaça o exercício observando atentamente a movimentação do
ponto de equilíbrio.

5) Mantendo os demais parâmetros em valores idênticos aos do exercício anterior, ative a


autorregulação tecidual (no gráfico débito cardíaco vs. tempo). Observe que agora o aumento do
débito cardíaco, verificado no exercício anterior, não se mantém: ocorre uma progressiva
normalização do débito cardíaco, enquanto a resistência periférica se eleva. Esse quadro, de
aumento da resistência periférica, e não aquele observado no exercício 4, de aumento de débito
cardíaco, é o que na realidade se encontra nos pacientes hipertensos. A explicação para esse
fenômeno é a de que o débito cardíaco é progressivamente forçado a reduzir-se (e a resistência
periférica a elevar-se) devido à autorregulação tecidual, que limita os fluxos sangüíneos locais.

6) Vamos tentar agora tratar a hipertensão desse paciente. Reduza para 20 mEq/dia, na seção 45-90
dias, a ingestão de sódio. Observe que há uma queda dos níveis pressóricos e da resistência
periférica. Portanto, quando a declividade da reta de natriurese pressórica está diminuída, a
hipertensão é extremamente sensível à ingestão de sal. Observe agora o efeito da administração de
um diurético (assinalando o círculo correspondente) sobre a declividade da reta de natriurese
pressórica no gráfico à direita (correspondente ao período 45-90 dias). Observe novamente o
deslocamento do ponto de equilíbrio. Observe o que acontece ao débito cardíaco. Por que ocorre
isso?
7) Retorne a capacidade renal de excretar sódio ao normal, mantendo ativada a autorregulação.
Aumente para 110 o intercepto da reta de natriurese pressórica em relação ao eixo das abscissas.
Observe a reta deslocar-se para a direita, sem alterar sua declividade (mantendo-se portanto
paralela à reta normal). Observe o deslocamento do ponto de equilíbrio. Verifique que a pressão
arterial, a excreção urinária de sódio e o balanço de sódio comportam-se de modo semelhante ao
observado no ítem 6. Reduza agora a ingestão de sódio da segunda fase (45-90 dias) para 20 como
no ítem 7. Observe que o efeito hipotensor dessa manobra é agora bem mais modesto. Observe
também o efeito da administração de um diurético nessa fase. Portanto, quando a reta da natriurese
pressórica é paralela à normal, a hipertensão é pouco sensível à ingestão de sal. O efeito da
administração de diuréticos é também relativamente modesto. Isso não significa que a restrição
salina e o uso de diuréticos sejam inúteis a esses pacientes, uma vez que alguma redução pressórica
sempre ocorre. No entanto, esses pacientes quase sempre necessitam de outros medicamentos anti-
hipertensivos.

8) Combine agora as duas anomalias renais, reduzindo a declividade e aumentando o intercepto para
100 (essa é provavelmente a situação mais freqüente). Verifique que a sensibilidade a sal é
intermediária. Isso quer dizer que, de modo geral, vale a pena tentar controlar a hipertensão
restringindo a ingestão de sal e administrando diuréticos, nem que seja como um tratamento
coadjuvante.

9) Finalmente, mantendo a autorregulação ativada, observe o efeito hipotético de uma ativação do


sistema nervoso central sobre a excreção renal de sódio e a pressão arterial. De acordo com o
conceito aqui representado, um excesso de atividade do sistema nervoso central pode em tese levar,
através do sistema nervoso autônomo, a uma vasoconstrição renal e a uma diminuição da
capacidade de excreção de sódio, com as conseqüências observadas no exercício no. 5.

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