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CHOQUE

O passo inicial na abordagem do choque em um doente traumatizado é reconhecer sua


presença. Nenhum sinal vital e teste de laboratório pode diagnosticar o choque; de preferência,
o diagnóstico inicial baseia-se na avaliação clínica – avaliação da perfusão e da oxigenação. O
segundo passo na abordagem inicial do choque é identificar sua provável causa. Para os doentes
traumatizados, esse processo de identificação está diretamente relacionado com o mecanismo
de trauma. A responsabilidade do médico no atendimento inicia-se com o reconhecimento do
estado de choque e o início do tratamento deve ser simultâneo à identificação da provável causa
do estado de choque. A resposta ao tratamento inicial, junto com os achados dos exames
primário e secundário, habitualmente oferece informações suficientes para determinar a causa
do estado de choque. A hemorragia é a causa mais comum de choque no doente
traumatizado.

FISIOPATOLOGIA DO CHOQUE: o débito cardíaco é definido como o volume de sangue


bombeado pelo coração a cada minuto e é determinado pelo produto da frequência cardíaca e
do volume sistólico. O volume sistólico, ou seja, a quantidade de sangue bombeado a cada
contração cardíaca, é determinado pela pré-carga, contratilidade miocárdica e pós-carga.
• Pré-Carga: definida pelo retorno venoso (depende da capacidade venosa, da volemia
e do fluxo) – o fluxo é definido pela diferença entre a pressão venosa sistêmica média
e a pressão do átrio direito.
• Contratilidade Miocárdica: o comprimento das fibras musculares relaciona-se às
propriedades contráteis do músculo miocárdico, de acordo com a lei de Starling. A
contratilidade miocárdica é a bomba que movimenta o sistema.
• Pós-Carga: é a resistência vascular sistêmica (periférica) ou, em palavras mais simples,
a resistência ao fluxo anterógrado de sangue.
O sistema venoso e seus componentes são importantes, uma vez que o volume efeito que chega
ao coração vem da pré-carga. Nesse sentido, o fluxo sanguíneo para o coração deve sempre ser
observado e preservado, para a manutenção do débito. Basicamente, o sistema venoso
apresenta 2 componentes:
• Um volume de sangue que permanece no circuito de capacitância mesmo que a pressão
fosse zero (esse volume não tem influência na pressão venosa sanguínea).
• Um volume de sangue que contribui efetivamente para a pressão sanguínea venosa.
Estima-se que cerca de 70% do volume sanguíneo total seja contido no circuito venoso.
As relações entre o volume contido no sistema venoso e a pressão venosa descrevem a
complacência do sistema. E este gradiente de pressões que movimenta o fluxo venoso
e determina, portanto, o volume de retorno venoso para o coração.
As respostas circulatórias precoces à perda sanguínea constituem-se em mecanismo de
compensação: progressiva vasoconstrição da circulação cutânea, muscular e visceral
para preservar o fluxo sanguíneo aos rins, coração e cérebro.
• A resposta à perda aguda de volume circulante dá-se por meio de um aumento da
frequência cardíaca na tentativa de preservar o débito cardíaco. Na maioria das vezes,
a taquicardia representa o sinal circulatório mensurável mais precoce do choque.
• A liberação de catecolaminas endógenas aumenta a resistência vascular periférica.
Como decorrência, a pressão sanguínea diastólica aumenta e a pressão de pulso se
reduz.
• Outros hormônios com propriedades vasoativas são liberados na circulação durante os
estados de choque, dentre os quais a histamina, a bradicinina, as betaendorfinas e uma
cascata de prostanoides e de outras citocinas, com efeito profundo na microcirculação
e na permeabilidade vascular.
Como vimos, em um primeiro momento, a pressão pode ser mantida, dado que existe um
volume venoso “morto”, que não interfere na pressão – a vigência de hemorragia com disparo
dos mecanismos compensadores consegue sustentar a pressão, mas esses efeitos são limitados
– o não controle da hemorragia drena esse volume indiferente para a manutenção da pressão
venosa e da pré-carga, reduzindo-as, com início da redução do fluxo venoso e do débito
cardíaco.
• A maneira mais efetiva de restaurar o débito cardíaco e a perfusão a órgãos-chave é o
restabelecimento do retorno venoso ao normal, através da localização e interrupção do
foco de sangramento e de reposição volêmica apropriada.
No nível celular, as células que são perfundidas e oxigenadas inadequadamente ficam privadas
de substratos essenciais para o metabolismo aeróbico e para a produção de energia.
Inicialmente, a compensação é realizada pela mudança para o metabolismo anaeróbico, que
leva à formação de ácido lático e ao desenvolvimento de acidose metabólica.
• Se o choque for prolongado e a oferta de substrato para a produção de adenosina-
trifosfato (ATP) for inadequada, a membrana celular perde a capacidade de manter a
sua integridade e o gradiente elétrico normal desaparece.
• Se o processo não for revertido, o dano celular progride, podendo ocorrer alterações na
permeabilidade endotelial, edema teci dual adicional e morte celular.
O tratamento inicial do choque é direcionado no sentido de restabelecer a perfusão
celular e orgânica com sangue adequadamente oxigenado – reverte o processo de morte
celular por hipóxia, mas, se a hipóxia for prolongada, o restabelecimento do fluxo pode
gerar lesão de reperfusão. Os objetivos do tratamento do choque hemorrágico são o controle
da hemorragia e o restabelecimento do volume circulante adequado. No tratamento do choque
hemorrágico, os vasopressores são contraindicados porque eles pioram a perfusão tecidual. A
maioria dos doentes traumatizados que está em choque hipovolêmico exige uma intervenção
cirúrgica precoce ou uma angioembolização para reverter o estado de choque. A identificação
do estado de choque no doente traumatizado exige o envolvimento imediato de um cirurgião.
*Lesão de Reperfusão: a retomada da perfusão pode causar desbalanços elétricos da
membrana, com influxo repentino de cálcio e a sinalização para apoptose celular.

AVALIAÇÃO PRIMÁRIA: após assegurar a via aérea e ventilação adequadas, é fundamental


a avaliação cuidadosa das condições circulatórias do doente para identificar precocemente as
manifestações do choque, incluindo a taquicardia e a vasoconstrição cutânea.
Confiar exclusivamente na pressão sistólica como indicador resulta em reconhecimento tardio
do estado de choque. Os mecanismos de compensação podem evitar uma queda mensurável
na pressão sistólica até uma perda de 30% da volemia. Consequentemente, todo doente
traumatizado que está frio e taquicárdico deve ser considerado como chocado, até que se prove
o contrário. A frequência cardíaca normal varia com a idade. Considera-se taquicardia uma
frequência superior a 160 no lactente, a 140 na criança em idade pré-escolar, a 120 até a
puberdade e acima de 100 no adulto.
• Os doentes idosos podem não apresentar taquicardia devido à limitação da resposta
cardíaca ao estímulo das catecolaminas ou ao uso de medicamentos tais como agentes
bloqueadores beta-adrenérgicos (a senescência dos vasos também impede que os
mecanismos de vasoconstrição sejam efetivos – arteriosclerose).
• A presença de um marca-passo é outro fator que pode limitar a capacidade de aumentar
a frequência cardíaca.
• Os níveis de hematócrito ou da concentração de hemoglobina não são métodos
apropriados nem confiáveis para estimar a perda sanguínea aguda.
• O valor do défice de base e/ou do lactato na gasometria pode ser útil para determinar a
presença e a gravidade do choque. Avaliações seriadas desses parâmetros podem ser
utilizadas para monitorar a resposta do doente ao tratamento instituído.

DIFERENTES MECANISMOS DO CHOQUE: no doente traumatizado, o choque pode ser


classificado como hemorrágico ou não hemorrágico. A determinação inicial da etiologia do
choque depende de uma história clínica apropriada e de um cuidadoso exame físico. Testes
diagnósticos adicionais, como a determinação da pressão venosa central (PVC), radiografias
de tórax e/ou da pelve e estudos ultrassonográficos, podem fornecer evidências que confirmam
a etiologia do estado de choque, mas não devem, de forma alguma, retardar a restauração
agressiva do volume sanguíneo.

A) CHOQUE HEMORRÁGICO: a hemorragia é a causa mais comum de choque após


trauma. Virtualmente todo doente com traumatismos múltiplos tem um componente de
hipovolemia. Assim que o tratamento é instituído, é importante identificar o pequeno número
de doentes nos quais o choque é causado por outra etiologia (por exemplo, doentes que têm
lesões concomitantes, como tamponamento cardíaco, pneumotórax hipertensivo, lesão medular
ou contusão cardíaca, que agravam seu estado de choque hemorrágico e hipovolêmico). O
objetivo principal é identificar prontamente e interromper rapidamente a hemorragia.
• Focos potenciais de perda sanguínea - tórax, abdome, pelve, retroperitônio, membros e
sangramentos externos - devem ser rapidamente avaliados no exame físico e estudos
complementares apropriados.
• Radiografia do tórax, da pelve, ou mesmo a avaliação abdominal com ultrassonografia
direcionada para trauma (FAST) ou lavagem peritoneal diagnóstica e sondagem
vesical.

B) CHOQUE NÃO-HEMORRÁGICO:
• Choque Cardiogênico: deve-se suspeitar de traumatismo fechado do coração sempre
que a desaceleração rápida for o mecanismo de lesão torácica. Todo doente com trauma
fechado do tórax necessita de monitoração eletrocardiográfica (ECG) contínua para
determinar a presença de arritmias ou de traçados sugestivos de lesão. Os níveis
sanguíneos da isoenzima CK e os estudos do miocárdio com isótopos específicos
raramente têm algum valor no diagnóstico FAST realizado no OS pode identificar a
presença de líquido no pericárdio e a possibilidade de tamponamento cardíaco como a
causa do choque.
• Tamponamento Cardíaco: é mais comum no ferimento penetrante do tórax, mas pode
ocorrer como resultado de contusões torácicas. Bulhas abafadas, veias do pescoço
dilatadas e engurgitadas com hipotensão que não responde à reposição volêmica
sugerem tamponamento cardíaco (TRÍADE DE BECK – pode ou não estar presente).
O tamponamento cardíaco é tratado melhor por toracotomia. A pericardiocentese pode
ser uma manobra paliativa.
• Pneumotórax Hipertensivo: o pneumotórax hipertensivo pode simular o
tamponamento cardíaco, mas pode ser diferenciado deste pela ausência de murmúrio
vesicular e pelo timpanismo à percussão no hemitórax afetado. É uma verdadeira
emergência cirúrgica e requer diagnóstico e tratamento imediatos. Ele aparece quando
se forma um mecanismo valvular que permite a entrada de ar no espaço pleural, mas
não a sua saída. A pressão intrapleural aumenta progressivamente, causando colapso
total do pulmão e desvio do mediastino para o lado oposto, e resulta em diminuição do
retorno venoso e redução no débito cardíaco. presença de insuficiência respiratória
aguda, de enfisema subcutâneo, de ausência de murmúrio vesicular, de timpanismo à
percussão e de desvio da traqueia sugere fortemente o diagnóstico e autoriza a
descompressão torácica emergencial com Gelko calibroso no 2º Espaço Intercostal
adjacente à borda esternal sem esperar a confirmação radiológica.
• Choque Neurogênico: a perda do tônus simpático acentua o efeito fisiopatológico da
hipovolemia e a hipovolemia acentua o efeito fisiopatológico da denervação simpática.
O quadro clássico do choque neurogênico é hipotensão sem taquicardia e sem
vasoconstrição cutânea. Os pacientes devem ser tratados inicialmente como se
estivessem hipovolêmicos. O insucesso no restabelecimento da perfusão orgânica com
a reposição volêmica sugere a presença de hemorragia contínua ou de choque
neurogênico. A monitoração da PVC pode auxiliar no tratamento desse problema.
• Choque Séptico: esse problema pode ocorrer se a chegada do doente ao PS demorar
algumas horas. O choque séptico pode ocorrer nos doentes com ferimentos penetrantes
de abdome com contaminação peritoneal por conteúdo intestinal. Os doentes sépticos
que estão hipotensos e afebris são de difícil diferenciação daqueles em choque
hipovolêmico, pois ambos os grupos podem apresentar taquicardia, vasoconstrição
cutânea, diminuição do débito urinário, diminuição da pressão sistólica e pulso fino.

CHOQUE HEMORRÁGICO: a hemorragia é a causa mais comum de choque no doente


traumatizado. A resposta do doente traumatizado à perda de sangue torna-se mais complexa
em virtude das transferências de líquidos entre os diferentes compartimentos do organismo.
• A hemorragia é definida como uma perda aguda de volume sanguíneo.
• Embora exista uma considerável variação individual, o volume sanguíneo de um adulto
normal corresponde a aproximadamente 7% do seu peso corporal. Por exemplo, um
indivíduo de 70 kg tem aproximadamente 5 litros de sangue circulante.
• O volume sanguíneo de adultos obesos é calculado de acordo com o seu peso corporal
ideal.
• Para crianças, o volume sanguíneo é calculado de 8 a 9% do peso corporal (80 a
90mL/kg).
• Classificação das Hemorragias - quatro classes baseada em sinais clínicos. É uma
ferramenta útil para estimar a porcentagem da perda. A reposição volêmica
subsequente é determinada pela resposta inicial do doente ao tratamento. Esse
sistema de classificação é útil para enfatizar os sinais precoces e a fisiopatologia
do choque.
▪ CLASSE I (até 15% do volume sanguíneo): Em situações não complicadas,
ocorre taquicardia leve. Não ocorrem alterações mensuráveis na pressão
arterial, na pressão de pulso ou na frequência respiratória. Desse modo, nem
doentes saudáveis, essa perda volêmica não exige reposição.
▪ CLASSE II (de 15% a 30% do volume sanguíneo): perda volêmica
representa de 750 a 1.500mL de sangue. Os sintomas clínicos incluem
taquicardia (frequência cardíaca acima de 100 no adulto), taquipneia e
diminuição da pressão; esse último sinal está primariamente relacionado à
elevação do componente diastólico decorrente do aumento de nível de
catecolaminas circulantes. Esses agentes produzem um aumento no tônus e na
resistência vascular periférica. alterações sutis do sistema nervoso central, como
ansiedade, medo ou hostilidade. Apesar das significativas alterações
cardiovasculares e da perda significativa de sangue, a diurese está pouco
alterada. O débito urinário é usualmente de 20 a 30mL/h no adulto. Perdas
hidroeletrolíticas concomitantes podem agravar a manifestação clínica da
hemorragia classe II. Raramente precisam de transfusão, sendo tratados com
reposição de cristaloides.
▪ CLASSE III (de 30% a 40% do volume sanguíneo): a perda de sangue na
hemorragia classe III (aproximadamente 1.500 a 2.000mL no adulto) pode ser
devastadora. Os doentes quase sempre apresentam os sinais clássicos de
perfusão inadequada, incluindo taquicardia acentuada, taquipneia, alterações
significativas do estado mental e queda mensurável da pressão sistólica. a
prioridade no tratamento inicial é interromper a hemorragia por meio da
realização de cirurgia de emergência ou embolização se necessário. Muitos
doentes nessa categoria vão requerer concentrado de hemácias e produtos
sanguíneos para a reanimação no intuito de reverter o estado de choque. A
decisão de transfusão de sangue é baseada na resposta do doente à reposição
líquida inicial.
▪ CLASSE IV (mais de 40% do volume sanguíneo): é uma ameaça imediata à
vida. Os sintomas incluem taquicardia acentuada, diminuição significativa da
pressão sistólica e presença de pressão do pulso muito pinçada (ou de pressão
diastólica não mensurável). O débito urinário é desprezível e o nível de
consciência está notadamente deprimido. A pele está fria e pálida. Tais doentes
usualmente exigem transfusão rápida e intervenção cirúrgica imediata. Essa
decisão é baseada na resposta do doente às medidas de tratamento inicial.
• As lesões extensas de partes moles e as fraturas comprometem o estado hemodinâmico
do doente traumatizado de duas maneiras:
▪ A primeira é a perda de sangue no local lesado, particularmente no caso de
fraturas graves. Por exemplo, uma fratura de úmero ou tíbia pode ocasionar
perdas equivalentes a aproximadamente uma unidade e meia de sangue
(750mL). Uma perda duas vezes maior (até 1.500mL) está comumente
associada a fraturas de fêmur. Fraturas de bacia associam-se com grandes
hemorragias para o retroperitônio.
▪ O segundo fator a ser considerado é o edema que ocorre nas partes moles
traumatizadas. A extensão dessa perda adicional de líquido é proporcional à
magnitude da lesão de partes moles. O edema tecidual resulta da transferência
de líquidos fundamentalmente do plasma para o espaço extravascular,
extracelular devido a alterações na permeabilidade endotelial. Essa
transferência depleta ainda mais o volume intravascular.

ATENDIMENTO INICIAL: o diagnóstico e o tratamento do choque devem ocorrer quase


simultaneamente. Para a maioria dos doentes traumatizados, o tratamento é instituído como se
o choque fosse hipovolêmico. O princípio básico do tratamento é interromper o sangramento e
repor as perdas volêmicas.
• Exame Físico: é dirigido para o diagnóstico imediato das lesões que ameaçam a vida e
inclui a avaliação dos ABCDE. O registro e a anotação das condições iniciais são
importantes para a monitoração da resposta do doente ao tratamento e a mensuração
dos sinais vitais, débito urinário e nível de consciência são essenciais.
• Via Aérea e Respiração: O estabelecimento de uma via aérea permeável com
ventilação e oxigenação adequadas é a prioridade. A suplementação visa a manter a
saturação acima de 95%.
• Circulação: a prioridade é interromper a hemorragia e não o cálculo de volume de
fluido perdido. Deve-se controlar as hemorragias e obter o acesso venoso nos pacientes,
antes que o mesmo sangre e as veias periféricas colabem. Mesmo em pacientes com
poucos sinais de hemorragia, o acesso deve ser feito e na prática todos recebem
reposição com cristaloides. O sangramento pode ser controlado com pressão direta
sobre o local, embora hemorragia maciça em uma extremidade possa requerer um
torniquete. Um lençol ou cinta pélvica de uma extremidade pode ser utilizado para
controlar a hemorragia de fraturas pélvicas. Pode ser necessário o controle cirúrgico ou
angiográfico de hemorragias internas.
• Exame Neurológico: rápido exame neurológico para determinar o nível de
consciência, a movimentação ocular e a resposta da pupila, a melhor função motora e
o nível de sensibilidade. Esses dados são úteis na avaliação da perfusão cerebral, no
acompanhamento da evolução de distúrbios neurológicos e no prognóstico quanto à
recuperação.
• Exposição: depois de realizadas as manobras prioritárias de reanimação, o doente deve
ser despido e examinado cuidadosamente "da cabeça aos pés" para pesquisa de lesões
associadas. Ao despir o doente, a prevenção da hipotermia é essencial. O uso de líquidos
aquecidos, bem como de técnicas de reaquecimento externo passivo e ativo, é essencial
para evitar a hipotermia.
• Descompressão Gástrica: a dilatação gástrica ocorre frequentemente no trauma,
especialmente em crianças. No doente inconsciente, a dilatação gástrica aumenta o risco
de aspiração de conteúdo gástrico, complicação potencialmente fatal. A descompressão
do estômago é realizada pela introdução de um tubo naso ou orogástrico que deve ser
conectado a um equipamento de aspiração
• Sondagem Vesical: sondagem vesical permite a avaliação da presença de hematúria
(indicando que o retroperitônio possa ser o foco significativo da perda
sanguínea/trauma uretral ou prostático) e a monitoração constante da perfusão renal por
meio do débito urinário. Em pacientes hígidos, o débito normal é de 35-50ml/h.

ACESSO VASCULAR E REPOSIÇÃO VOLÊMICA: o acesso ao sistema vascular deve


ser obtido rapidamente.
• A melhor forma de fazê-lo é a inserção de dois cateteres intravenosos periféricos
(calibre mínimo 16 G no adulto) antes de considerar qualquer possibilidade de
cateterismo venoso central.
• Para infusão rápida de grandes volumes de líquidos, cateteres intravenosos periféricos
curtos e calibrosos são preferíveis. Utilize líquidos aquecidos e bombas de infusão
rápida quando houver hemorragia maciça e hipotensão grave.
• Os locais mais adequados para os acessos venosos periféricos no adulto são as veias do
antebraço ou antecubitais. Se as circunstâncias não permitirem o uso de veias
periféricas, de grosso calibre, estarão indicados a dissecção cirúrgica da veia safena ou
o acesso venoso central (veia femoral, jugular ou subclávia).
• O cateterismo venoso central, no ambiente do PS, pode não ser totalmente estéril. Deve-
se fazer e, em momento oportuno, trocá-lo em ambiente controlado. O médico deve
estar ciente das possíveis complicações desse acesso antes de tentá-lo.
• Em crianças de menos de 6 anos de idade, antes de se proceder à inserção de um cateter
central, deve-se tentar o acesso intraósseo com uma agulha intraóssea. O acesso
intraósseo com equipamento especialmente desenhado também é possível em qualquer
faixa etária e tem sido utilizado com maior frequência.
• Assim que se conseguir o acesso venoso, são colhidas amostras de sangue:
▪ para tipagem e prova cruzada;
▪ para exames laboratoriais adequados;
▪ estudos toxicológicos;
▪ teste de gravidez em todas as mulheres em idade fértil;
▪ deve ser colhido sangue para gasometria arterial.
• Após a punção para inserção de cateter na subclávia ou jugular interna, deve ser
solicitada uma radiografia de tórax para documentar a posição do cateter.
Sobre a Reposição Volêmica Inicial, devemos considerar:
• Na reanimação inicial são utilizadas soluções eletrolíticas isotônicas aquecidas, como
Ringer lactato ou soro fisiológico. Esse tipo de líquido promove a expansão
intravascular transitória e contribui para a estabilização do volume vascular.
• A dose habitual é de um a dois litros no adulto e de 20mL/kg em crianças. Volumes
absolutos de fluidos para a reanimação devem ser baseados na resposta do doente.
É importante lembrar que a quantidade inicial de fluidos inclui qualquer fluido
administrado no pré-hospitalar.
• Lembre-se de administrar líquidos mornos ou aquecidos e avaliar constantemente
a resposta do paciente à reanimação volêmica, pois isto será essencial para
determinar os próximos passos.
• MAIS IMPORTANTE do que tentar estimar a quantidade de volume perdido e a
quantidade de reposição volêmica é avaliar o paciente constantemente para sua resposta
e identificar a evidência de uma adequada perfusão e oxigenação orgânica finais (por
exemplo, débito urinário, nível de consciência e perfusão periférica).
• Se, durante a reanimação, a quantidade de líquido necessária para restaurar ou manter
a perfusão orgânica for muito maior que essa estimativa, torna-se necessária uma
reavaliação cuidadosa da situação, assim como a pesquisa de uma lesão não
diagnosticada e de outras causas de choque. Considerar avaliação cirúrgica.
O objetivo da reposição é a restauração da perfusão dos órgãos. Isso é obtido por meio
da utilização de fluidos para a reanimação a fim de repor o volume intravascular perdido.
Observe, no entanto, que se a pressão subir rapidamente antes que a hemorragia tenha
sido controlada definitivamente, pode haver aumento do sangramento. A infusão
contínua de grandes quantidades de fluidos e sangue na tentativa de atingir pressão
arterial normal não substitui o controle definitivo da hemorragia. A administração
excessiva de fluidos pode exacerbar a tríade letal da coagulopatia, acidose e hipotermia
com a ativação da cascata da inflamação.

AVALIAÇÃO DA RESPOSTA E DECISÕES TERAPÊUTICAS: os mesmos sinais e


sintomas de perfusão inadequada utilizados para o diagnóstico de choque são guias úteis para
avaliar a resposta do doente. A normalização da pressão sanguínea, da pressão e da frequência
do pulso são sinais favoráveis e sugerem que a perfusão está retornando ao normal. Essas
observações, entretanto, não fornecem informações a respeito da perfusão orgânica. São
métodos de avaliar a reanimação:
• DÉBITO URINÁRIO: dentro de certos limites, o débito urinário pode ser utilizado
como monitor do fluxo sanguíneo renal. A reposição adequada de volume deve
restabelecer o débito urinário a aproximadamente 0,5 mL/kg/h no adulto, enquanto 1
mL/kg/h é um débito urinário adequado para doentes pediátricos. Para crianças abaixo
de 1 ano de idade, devem ser mantidos 2 mL/kg/h.
• EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO: os doentes com choque hipovolêmico precoce têm
alcalose respiratória devido à taquipneia. A alcalose respiratória é seguida
frequentemente por acidose metabólica leve nas fases precoces do choque e não
necessita de tratamento. A acidose metabólica grave pode surgir quando o choque é
prolongado ou grave. A acidose metabólica decorre do metabolismo anaeróbio. O
défice de base e o lactato podem ser úteis para determinar a presença e a gravidade do
choque. A avaliação seriada desses parâmetros monitora a resposta do doente ao
tratamento. O bicarbonato de sódio não deve ser usado rotineiramente para o tratamento
da acidose metabólica secundária ao choque hipovolêmico.
Observando-se a resposta à reposição volêmica inicial, pode-se identificar aqueles doentes
cuja perda de sangue foi maior que a estimada e aqueles com sangramento persistente
que exigem um controle cirúrgico de hemorragia interna. A reanimação na sala de
operação tem por objetivo obter simultaneamente o controle direto do sangramento pelo
cirurgião e a restauração do volume sanguíneo.
• Pacientes com Resposta Rápida: respondem rapidamente à reposição volêmica inicial
e permanecem hemodinamicamente normais após o término da reposição inicial,
quando a velocidade de infusão é reduzida para níveis de manutenção. Usualmente,
esses doentes tiveram uma pequena perda da volemia (inferior a 20%) e, se
pernamecem estáveis, não necessitam de mais infusões.
• Pacientes com Resposta Transitória: os doentes deste grupo respondem à reposição
inicial rápida. Entretanto, alguns doentes, à medida que se reduz a velocidade de infusão
para níveis de manutenção, mostram deterioração da perfusão periférica, indicando
sangramento persistente ou reanimação inadequada. A maioria desses doentes teve
perda sanguínea inicial estimada entre 20 e 40%. Sangue e derivados são indicados,
mas o fato mais importante é reconhecer que este doente requer controle da hemorragia
por cirurgia ou angiografia.
• Pacientes com Resposta Mínima ou Sem Resposta: a falta de resposta na sala de
emergência à administração adequada de cristaloide e de sangue indica a
necessidade de intervenção definitiva imediata (por exemplo, cirurgia ou
angioembolização) para controlar uma hemorragia exsanguinante. Em casos
muito raros, uma resposta inadequada pode ser devida à insuficiência da bomba,
resultante de traumatismo cardíaco contuso, de tamponamento cardíaco ou de
pneumotórax hipertensivo. Os possíveis diagnósticos de choque não hemorrágico
devem sempre ser lembrados nesse grupo de doentes.

TRANSFUSÃO SANGUÍNEA: doentes com resposta transitória ou mínima I sem resposta -


aqueles em hemorragia classe III ou IV - necessitarão de sangue e derivados como parte
precoce de sua reanimação. O principal objetivo da transfusão sanguínea é restabelecer a
capacidade de transporte de oxigênio do volume intravascular. A alternativa preferível é
sangue com todas as provas cruzadas. Entretanto, o procedimento para realizar as provas
cruzadas completas exige aproximadamente 1 hora na maioria dos bancos de sangue.
• Na maioria dos bancos de sangue, sangue tipo específico pode ser providenciado em
aproximadamente 10 minutos. Este sangue é compatível com o do doente, nos sistemas
ABO e Rh. Incompatibilidades devidas a outros anticorpos podem existir. O sangue
tipo específico é o de primeira escolha para os doentes.
• Quando não está disponível sangue tipo específico, indica-se o uso de concentrados de
hemácias tipo O para doentes com hemorragia exsanguinante. Em mulheres em idade
fértil, prefere-se o uso de glóbulos Rh negativos para prevenir sensibilizações.
• Aquecimento dos Componentes: a hipotermia deve ser sempre evitada e deve ser
corrigida quando o doente chega hipotérmico ao hospital. O uso de aquecedores de
sangue é incômodo, mas desejável no serviço de emergência.
• Autotransfusão: Existem no comércio dispositivos ajustáveis aos tubos de drenagem
de tórax que permitem a coleta estéril, a anticoagulação (geralmente com solução de
citrato de sódio e não heparina) e a retransfusão do sangue.
• Tranfusões Maciças: um pequeno grupo de doentes em choque vai requerer
transfusão maciça, mais frequentemente definida como > 10 unidades de sangue
em 24 horas de admissão. A administração precoce de sangue, plasma e plaquetas
e a administração agressiva de cristaloides minimizada pode melhorar a sobrevida
nesses doentes. Um protocolo de transfusão maciça que inclua disponibilidade
imediata de todos os componentes do sangue deve ser instituído.
• Coagulopatias: traumatismos graves e hemorragias consomem os fatores de
coagulação e podem levar à coagulopatia precocemente, estando presentes em até 30%
dos doentes gravemente traumatizados à admissão.
▪ A transfusão maciça com diluição de plaquetas e de fatores de coagulação e os
efeitos adversos da hipotermia na agregação plaquetária e na cascata da
coagulação são as causas comuns de coagulopatia no doente traumatizado.
▪ As medidas do tempo de protrombina, do tempo de tromboplastina parcial
e a contagem de plaquetas são estudos valiosos na primeira hora.
▪ Em doentes que não requerem transfusão maciça, o uso de plaquetas,
crioprecipitado e plasma fresco congelado, incluindo a dosagem dos níveis de
fibrinogênio, deve ser norteado por esses parâmetros de coagulação.
• Suplementação de Cálcio: a maioria dos doentes que recebe transfusão de sangue não
necessita de suplementação de cálcio. Quando necessária, a administração deve ser
guiada por dosagem de cálcio ionizado.

CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS:
• IDOSO: o processo de envelhecimento produz uma diminuição relativa da atividade
simpática no que diz respeito ao sistema cardiovascular. Acredita-se que este fato
resulte de um défice na resposta do receptor às catecolaminas mais do que uma redução
na produção destas. A complacência cardíaca diminui com a idade.
▪ A doença oclusiva vascular aterosclerótica faz com que muitos órgãos vitais se
tornem extremamente sensíveis a reduções no fluxo sanguíneo.
▪ Muitos doentes idosos apresentam uma depleção de volume preexistente,
devida a uso crônico de diuréticos ou à um mau estado nutricional.
▪ O uso de bloqueadores beta-adrenérgicos pode mascarar a taquicardia como
indicador precoce do choque.
▪ Outros medicamentos podem comprometer a resposta sistêmica ao trauma, ou
bloqueá-la totalmente.
▪ A redução na complacência pulmonar, a diminuição da capacidade de difusão e
a fraqueza geral da musculatura respiratória limitam a resposta do doente.
▪ O envelhecimento glomerular e tubular dos rins reduz a capacidade do idoso em
preservar o volume. Os rins são também mais suscetíveis aos efeitos do
hipofluxo.
▪ É prudente considerar precocemente a conveniência da monitoração
invasiva com o intuito de evitar uma reposição de volume excessiva ou
insuficiente.
• ATLETAS: as rotinas de treinamento rigoroso adotadas por este grupo de doentes
alteram sua dinâmica cardiovascular. A resposta habitual à hipovolemia pode não se
manifestar em atletas.
▪ O volume sanguíneo pode aumentar de 15 a 20% e o débito cardíaco pode
aumentar até seis vezes.
▪ O volume de ejeção sistólica pode aumentar 50% e o pulso de repouso é,
geralmente, em torno de 50. A capacidade de adaptação à volemia é muito boa.
• GRAVIDEZ: tendo em vista a hipervolemia fi siológica da gravidez, torna-se
necessária uma perda sanguínea maior para que se manifestem anormalidades de
perfusão na mãe que também repercutam em sofrimento fetal.
• MEDICAMENTOS:
▪ Os bloqueadores de receptores beta-adrenérgicos e os bloqueadores dos canais
de cálcio podem alterar significativamente a resposta hemodinâmica do doente
à hemorragia.
▪ A superdosagem de insulina pode ser responsável por hipoglicemia e pode ter
contribuído para os eventos que resultaram no traumatismo.
▪ O uso crônico de diuréticos pode explicar uma hipocalemia inesperada.
▪ Agentes antinflamatórios não esteroides podem prejudicar a função plaquetária.
• HIPOTERMIA: os doentes que apresentam hipotermia e choque hemorrágico não
respondem normalmente à reposição volêmica e à administração de sangue podem
desenvolver ou piorar a coagulopatia.
• MARCA-PASSO: doentes com marca-passo são incapazes de responder a perda
sanguínea da maneira habitual, pois o débito cardíaco é diretamente proporcional à
frequência cardíaca. A monitoração da pressão venosa central é de grande utilidade para
orientar a reposição volêmica.

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