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1991;41:4:257-265 Artigo de Revisão

Fisiopatologia e Tratamento do Choque


José Otávio Costa Auler Junior, TSA1 & Maria José Carvalho2

Auler Júnior J O C, Carvalho M J - Shock: physiopathology and treatment.

Key Words: SHOCK: physiopathology, treatment

Fisiopatologia
A shipotensão
primeiras definições de choque destacavam a
arterial sistêmica ou a queda brusca
da pressão arterial. Atualmente, associa-se esta sín- Com o propósito de entender os mecanismos pri-
drome à redução no fluxo sangüíneo efetivo e falência mários do choque circulatório e suas implicações te-
no transporte e liberação de substratos essenciais à rapêuticas, o estabelecimento de modelo hemdinâ-
manutenção dos sistemas orgânicos vitais. Assim, mico pode ser bastante útil. Oito componentes primá-
perfusão tissular inadequada proporciona disfunção rios deste sistema podem ser identificados:
progressiva, seguida de lesão orgânica irreversível e 1 - coração, que atua como bomba, gerando o
morte se esta condição não for rapidamente rever- poder contrátil da circulação. O débito cardíaco de-
tida 1. pende do estado contrátil do miocárdio, da freqüência
Sinais clínicos iniciais de hipoperfusão tecidual cardíaca, do retorno venoso e da resistência perifé-
como palidez cutânea, extremidades frias, colapso rica.
das veias superficiais, queda da diurese, prostração, 2 - volume intravascular, que determina a pré-
obnubilação mental e hipotensão arterial devem ser carga.
prontamente reconhecidos para que a causa possa 3- circuito de resistência, que inclui artérias e ar-
ser investigada e tratada adequadamente. teríolas. Variações deste circuito podem Ievar a mu-
danças na pós-carga.
4- Ieito capilar, responsável pela troca de fluidos e
metabólitos entre os sistemas intra e extravascular.
5- metarteríolas, que unem os vasos pré-capilares
Trabalho realizado no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da
às arteríolas.
FMUSP. 6- leito venoso de resistência, que inclui vênulas
pós-capilares e pequenas veias que regulam a filtra-
1 Diretor do Serviço de Anestesia do INCOR, ProfessorAssociado da ção de fluidos na microcirculação, sendo regulado por
Disciplina de Anestesiologia.
2 Pós-Graduando da Disciplina de Anestesiologia, Assistente do
mecanismos neuro-humorais.
Serviço de Anestesia. 7- grandes veias (como a cava). O sistema venoso
é o principal reservatório de sangue, contendo 70 a
Correspondência para José Otávio C. Auler Júnior
Instituto do Coração do Hospital das Clínicas FMUSP
80% da volemia.
Divisão Cirúrgica - 2º andar 8- representa possíveis pontos de obstrução a o
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 44 nível do sistema circulatório como pericárdio (tampo-
05403 - São Paulo - SP namento), vasos pulmonares (embolia pulmonar) e
Recebido em 8 de novembro de 1990 outros.
Aceito para publicação em 13 de março de 1991 As principais alterações hemodinâmicas que po-
© 1991, Sociedade Brasileira de Anestesiologia dem Ievar ao estado de choque são a redução do vo-
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lume intravascular, a falência da bomba cardíaca, o A redução do fluxo sangüíneo renal estimula o sis-
aumento da resistência arterial periférica, problemas tema renina-angiotensina-aldosterona, promovendo
na troca ao nível da microcirculação, o aumento da retenção hidrossalina. Existem também respostas
resistência ao nível das pequenas veias e vênulas neuroendócrinas envolvendo nervos aferentes a par-
pós-capilares, o curto-circuito arteriovenoso, o se- tir do ventrículo, átrio e cavas, na tentativa de manter
qüestro no sistema de capacitância e a obstrução ao o volume intravascular. Estes mecanorreceptores são
fluxo sangüíneo. sensíveis à variação de pressão intracavitária. Ocorre
também aumento da secreção do hormônio antidiuré-
tico que promove retenção hídrica.
Parâmetros hemodinâmicos A queda da pressão de perfusão coronariana ob-
seevada no choque é minizada pela vasconstrição
Os parâmetros hemodinâmicos indicadores do periférica na tentativa de manter a pressão na raiz da
estado de choque são a pressão arterial, a freqüência aorta. Pela anatomia das artérias coronárias, o local
cardíaca, o débito cardíaco, as pressões de enchi- mais propenso à ocorrência de isquemia inicial é 0
mento atriais (pressão venosa central e pressão de endocárdio. É freqüente o encontro de necrose e
átrio esquerdo) e as resistências vasculares (pulmo- hemorragia subendocárdica após choque prolongado
nar e sistêmica). Os volumes ventriculares sistólicos e estas lesões aparecem mesmo na ausência de co-
e diastólicos também expressam índices de função ronariopatia, podendo ser observadas em animais de
ventricular 3-4 . Iaboratório e no homem. Também foram encontradas
Os sinais clínicos do choque refletem a diminuição após a administração de altas doses de agentes va-
do fluxo sangüíneo a nível tecidual. A queda do fluxo sopressores alfa-adrenérgicos.
sangüíneo cerebral detemina as alterações mentais A irreversibilidade do choque hemorrágico e sépti-
características. Pele fria, palidez cutânea e cianose co tem sido atribuída a mecanismos metabólicos e
distal traduzem a hiperatividade adrenérgica. Exce- circulatórios, e principalmente às lesões cardíacas5-6.
ção à regra é representada pelo choque séptico hi- Nem todas as alterações cardíacas podem ser expli-
perdinâmico onde há enorme redução da resistência adas pela redução da pressão de perfusão corona-
vascular periférica. riana. Está comprovada a depressão da função mio-
De maneira geral, o estado de choque determina cárdica durante os estados de choque e a própria
redução do fluxo sangüíneo em praticamente todos os toxina Gram-negativa pode reduzir o desempenho
órgãos e sistemas, independente da causa primária. ventricular 7,8 ,, apesar da manutenção do fluxo san-
Em relação aos conceitos e relatos de estudos em güíneo coronário. Já foi identificada também a pre-
animais de Iaboratório existem algumas diferenças sença de uma substância depressora do miocárdio no
quando estes dados são transpostos ao homem e as soro de pacientes sépticos e a queda da fração de
diferentes variáveis devem ser Ievadas em conta. ejeçã correlacionou-se à diminuição in vitro de célu-
Uma das principais diferenças refere-se às pesquisas Ias miocárdicas de ratos quando expostas a este
com choque séptico, onde o órgão de choque difere soro 9. A própria bacteremia meningocócica associa-
entre as diversas espécies. se à depressão miocárdica reversível, comprovada
Quando o débito cardiaco cai, ocorre redistribuição por redução do débito cardíaco e aumento da pressão
do fluxo sangüíneo; sendo que o fluxo sangüíneo diastólica final do ventrículo esquerdo10.
cerebral e coronariano são relativamente protegidos. No choque hemorrágico experimental em cães
Entretanto, a constrição alfa-adrenérgica reduz o observa-se grande redução da perfusão dos múscu-
fluxo cutâneo, muscular, esplâncnico e renal. A dimi- los papilares 11. Histologicamente, há necrose dos
nuição do fluxo renal e intestinal pode causar lesões miócitos, distorção de microfilamentos e alterações
isquêmicas destes órgãos. No pulmão aparecem mitocondriais. Uma das causas possíveis da disfun-
shunts arteriovenosos. A oonstricção arterial é acom- ção ventricular durante estado de choque seria o
panhada da constricção das vênulas pós-capilares. edema do miocárdio. O metabolismo miocárdico
Este efeito causado pelas catecolaminas aumenta a aeróbico é fundamental para a produção de energia
pressão hidrostática nos capilares e há transudação para a contração das proteinas miofibrilares. O meta-
de líquidos para o interstício. Este fenômeno explica a bolismo anaeróbico conseqüente à má perfusão mio-
queda do volume intravascular hemoconcentração cárdica reduz a produção de ATP. A diminuição da
que se segue ao choque de qualquer etiologia. Tais disponibilidade dos fosfatos de alta energia causa a
efeitos são também observados com a administração deterioração da contratilidade miocárdica. O gradien-
exógena de agonistas alfa-adrenérgicos. te elétrico transmembrana também é alterado pela
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isquemia, modificando as características do trans- somente se o Iactato exceder 1,5 mM/l. Por outro Iado,
porte iônico, sendo esta a base para a formação de a redução progressiva dos níveis sangüíneos de lac-
edema intracelular. Outro agravante é o desequilíbrio tato pode ser interpretada como sinal de melhora
entre a oferta e o consumo de oxigênio pelo miocár- hemodinâmica. Algumas situações como hiper-
dio, acentuado pelas catecolaminas endógenas e ventilação, exercício físico, tremores e convulsões
exógenas. Quando o edema celular e a isquemia podem aumentar transitoriamente os níveis de lacta-
miocárdica progridem intensifica-se a má distribuição to sangüíneo. Nestas condições, o Iactato é ra-
do fluxo sangüíneo, o coração torna-se menos com- pidamente metabolizado a níveis muscular e he-
placente e a contratilidade menos efetiva. Os reflexos pático 15.
que aumentam a freqüência cardíaca e estimulam o
aparecimento de arritmias diminuem por sua vez o Alterações metabólicas e hormonais
débito cardíaco. Isto pode ser complicado pela exis-
tência prévia de doença cardíaca e em pacientes em O metabolismo de carboidratos e Iipídios está
uso de digitálicos. Durante o choque há diminuição da francamente alterado nos estados de choque. lnicial-
depuração dos digitálicos, aumentando o risco de sua mente ocorre hiperglicemia atribuida ao excesso de
toxicidade 12. catecolaminas, glucagon e glicocorticóides. Quando
os depósitos de glicogênio tornam-se depletados, nos
estados mais avançados do choque, pode ocorrer
Consumo de oxigênio e metabolismo anaeróbico hipoglicemia. Concomitantemente ocorrem Iipólise,
também atribuída às catecolaminas, e hipertrigliceri-
É fundamental entender-se que as alterações demia, consequente à redução da Iipase lipoprotéi-
metabólicas oriundas dos estados de baixa perfusão c a16,17 .
são causadas pela má utilização celular de oxigênio A ação de hormônios Iiberados em grandes quan-
devido à redução no transporte, como no choque tidades durante o choque, tais como as catecolami-
hemorrágico, ou a má utilização, como no choque nas, as substâncias do sistema renina-angiotensina-
séptico. Portanto, o declínio no consumo de oxigênio aldosterona, os glicocorticóides e a vasopressina,
é sempre inevitável na progressão do estado de cho- deterrnina vasoconstrição, efeitos inotrópicos e cro-
que. As necessidades de oxigênio dependem do es- notrópicos no miocárdio, expansão ou contração do
tado metabólico do paciente, na dependência da volume intravascular e alterações do metabolismo da
doença de base, da presença de hipertermia e da uti- gordura, glicose e proteinas.
lização de catecolaminas exógenas, especialmente Os diferentes mediadores Iiberados durante o
as beta-adrenérgicas. O consumo de oxigênio duran- choque produzem inúmeros efeitos nos diversos ór-
te o choque é altamente variável, não sendo medida gãos e sistemas:
útil para diagnosticar e prognosticar os estados de a) Histamina, produzida pela redução da histami-
choque. Nos estágios mais avançados do choque é nase na evolução da sepse e anafilaxia.
comum observar-se substancial redução do consumo b) Cininas, produzidas a partir do cininogênio (glo-
de oxigênio, quase sempre precedida por deteriora- bulina plasmática) por ação de calicreínas. O principal
ção do estado hemodinâmico13,14. peptídeo vasoativo e a bradicinina, que provoca va-
Quando a oferta de oxigênio é reduzida drastica- sodilatação, aumento da permeabilidade vascular e
mente altera-se o metabolisrno dos derivados de car- seqüestro de Ieucócitos.
boidratos, aminoácidos e ácidos graxos. Inibe-se o c) Serotonina, potente vasoconstritor encontrado
ciclo do ácido cítrico, produzindo-se ATP apenas por em grande concentração nas plaquetas. A rápida
glicolise anaeróbica. Ativa-se então a via de transfor- destruição das plaquetas, comum nos choques sépti-
mação de piruvato a Iactato, de forma que um mol de co e anafilático, e acompanhada de liberação de se-
glicose produz menos de 10% da quantidade de ATP rotonina. Esta aumenta a resistência vascular pulmo-
que seria produzida pelo metabolisrno aeróbico. O nar e está implicada no desenvolvimento da síndrome
aumento de lactato no sangue está, portanto, relacio- de angústia respiratória do adulto (SARA),
nado ao déficit de oxigênio. Quando a concentração d) Ácido araquidônico, cujos produtos têm sido
de Iactato aumenta de 2 para 8 mM/litro em seres implicados na lesão celular. A concentração destes
humanos em estado de choque, a sobrevivência di- prostanóides está aumentada no choque, mas seu
minui de 90 para 10%. A dosagem dos níveis sangüí- papel exato na fisiopatologia do mesmo ainda não é
neos de Iactato é importante na avaliação clínica e o claro. O tromboxano está relacionado à vasoconstri-
diagnóstico de situação de má perfusão é confirmado ção, principalmente pulmonar, e a prostaciclina e a
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prostaglandina E2 podem estar colaborando com a são; o edema miocárdico secundário à isquemia e a
resposta hiperdinâmica do choque séptico18. depressão da contratilidade associada a fatores de-
e) Endorfinas, opióides endógenos produzidos e pressores circulantes causam deterioração da função
Iiberados pelo sistema nervoso central e relacionados cardíaca, que pode contribuir para a má evolução dos
à hipotensão durante a sepse e hemorragia18. estados de choque.
f) Lipídios A, Iipopolissacárides liberados pelas Rins - a insuficiência renal é uma das complicações
bactérias Gram-negativas. Quando injetados em ani- mais comuns do choque e em geral manifesta-se com
mais de Iaboratório provocam lesão endotelial difusa, 24 a 72 horas do seu início. A fisiopatologia da lesão
plaquetopenia e Ieucopenia. renal é atribuída à drástica redução do fluxo sangüí-
g) Enzimas lisossomais, produzidas por granulóci- neo renal causado pela hipotensão e pelo excesso de
tos e ativadas por diferentes mediadores. Atuam des- catecolaminas exógenas e endógenas circulantes. A
truindo as membranas celulares. lesão tubular renal progride até a necrose celular e
h) Radicais Iivres de oxigênio, elementos citotóxi- obstrução dos túbulos21.
cos produzidos, dentre outras maneiras, por leucóci- O quadro clínico consiste de graus variáveis de
tos ativados. São responsabilizados por lesão celular oligúria, podendo chegar à anúria. Mais raramente a
tecidual difusa. fase de oligúria passa despercebida, ocorrendo a
i) Sistema complemento, conjunto de proteínas chamada insuficiência renal poliúrica, onde há excre-
relacionadas ao sistema imunitário. Promove a fago- ção de água mas não das escórias nitrogenadas.
citose, participando da defesa contra a invasão bac- Ao exame de urina observa-se aumento do núme-
teriana. Quando ativado, por exemplo, pela endotoxi- ro de glóbulos vermelhos, de cilindros, da concentra-
na, interfere com a coagulação e provoca agregação ção de proteínas e de sódio 22,23. No plasma observa-
plaquetária e Ieucocitária. se elevação progressiva de uréia, creatinina, fósforo,
potássio, e redução do sódio, bicarbonato e cálcio.
Mecanismos imunológicos O tratamento deste tipo de insuficiência renal con-
siste basicamente no tratamento da causa do choque,
A função imunológica está bastante atlerada no restaurando a perfusão renal. Adicionalmente utili-
choque, sendo que as principais alterações são: zam-se métodos clássicos de suporte como a diálise,
lmunoglobulinas - a anafilaxia é mediada por rea- nutrição adequada e controle hidroeletrolítico.
ções antígeno-anticorpo envolvendo a lgE. Este anti- Pulmões - precocemente podem ser observados
corpo ativa diretamente os basófilos e mastócitos, hiperventilação, aumento do espaço morto e do gra-
liberando mediadores como a histamina, o fator ati- diente alveoloarterial de oxigênio, traduzidos basica-
vador plaquetário e outras substâncias envolvidas em mente por hipoxemia e alcalose respiratória. A lesão
fenômenos anafiláticos. endotelial difusa desencadeada pelos mediadores
Sistema complemento - a ativação pela via clássi- liberados no choque pode determinar a síndrome de
ca ou alternativa gera cininas a partir de neutrófilos, angústia respiratória do adulto. Histologicamente
plaquetas e eosinófilos. As cininas aumentam a per- observam-se comprometimento difuso da barreira
meabilidade capilar e estimulam os mastócitos e ba- alveolocapilar que afeta a sua integridade, lesão do
sófilos a Iiberarern outros mediadores. pneumócito tipo II, presença de exsudatos contendo
No sistema de coagulação ativa-se a via intrínse- fibrina no interstício e Iuz alveolar, edema e presença
ca, liberando o fator Xll. maciça de células inflamatórias (principalmente ma-
O resultado final é a broncoconstrição e edema crófagos e Ieucócitos) e trombos plaquetários.
generalizado por aumento da permeabilidade vascu- A lesão celular e das proteínas estruturais é de-
lar, a agregação leucocitária e plaquetária, a coagu- terminada por vários mediadores bioquímcos e hu-
lação intravascular disseminada e progressiva hipo- morais Iiberados no transcorrer do choque.
volemia. Embora existam muitos efeitos colaterais A SARA incide com maior freqüênia nos pacien-
paralelos à ativação do sistema complemento, exis- tes com choques séptico e hemorrágico, sendo mais
tem também muitos efeitos benéficos como a acele- rara no choque cardiogênico.
ração da fagocitose, uma vez que o sistema retículo- A terapêutica é realizada com suporte ventilatório
endoteliat está deprimido no estado de choque. utitizando-se respiradores e PEEP adequados, restri-
ção hídrica, controle das infecções secundárias e
Efeito do choque nos diversos órgãos e sistemas suporte nutricional. A terapêutioa farmacológica com
o emprego de agentes que visam reduzir ou bloquear
Coração- Iesões celulares atribuidas à hipoperfu- a resposta inflamatória, como os corticosteróides e os
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esteróides não hormonais, é ainda meramente espe- assegura fluxo cerebral razoável até uma pressão
culativa. arterial de 50 mmHg. Abaixo deste Iimite, podem sur-
Fígado - a hipoperfusão tecidual também compro- gir sinais de isquemia traduzidos por obnubilação,
mete o fígado, provocando zonas isoladas de necrose torpor, alterações do raciocínio e da memória e graus
centrolobular. Necrose mais extensa é difícil de ser variáveis de coma.
observada, exceto quando o choque incide em pa- A hiperventilação provocada pelo choque pode
cientes com doença hepática prévia. prejudicar a auto-regulação do fluxo sangüíneo cere-
A elevação das enzimas TGO, TGP e DHL é co- bral, diminuindo o Iimiar de tolerabilidade ao baixo
mum a todos os tipos de choque. As bilirrubinas cos- fluxo.
tumam elevar-se principalmente no choque séptico, Sangue e coagulação - a lentificação do fluxo san-
mostrando aspecto de icterícia colestática. güíneo tecidual promove agregação de hemácias,
Funcionalmente há diminuição do metabolismo leucócitos e plaquetas na microcirculação, podendo
dos carboidratos e da síntese dos fatores de coagu- aumentar a resistência periférica e ser um dos vários
lação. A falência hepática acentuada é pouco fre- fatores responsáveis pelo desencadeamento da coa-
qüente no choque, podendo ocorrer tardiamente na gulação intravascular disseminada (CIVD). Esta é
fase de falência orgânica múltipla. uma das complicações mais graves do choque, indu-
Musculatura esqulética - a queda do fluxo san- zida principalmente por endotoxinas no choque sépti-
güíneo tecidual 24, 25 promove diminuição do metabo- co, fatores pró-coagulantes Iiberados no trauma,
Iismo muscular, afetando principalmente sua função embolização amniótica dentre outros fatores. A
respiratória e comprometendo a função motora de formação de microtrombos desencadeia a fibrinó-
muitos músculos. O exemplo mais importante é re- lise.
presentado pelo diafragma, cuja capacidade pode ser Os achados Iaboratoriais típicos são tromboci-
excedida pelas necessidades ventilatórias do pacien- topenia, prolongamento do tempo de protrombina e
te, sobrevindo fadiga e que vem agravar a insuficiên- tempo de tromboplastina parcial ativada, queda dos
cia respiratória, culminando muitas vezes com a ne- fatores V, VII e fibrinogênio e aumento da concentra-
cessidade de assistência ventilatória. çã dos produtos de degradação da fibrina.
Estômago e intestinos - O trato intestinal tern sido A terapêutica visa corrigir a causa básica do cho-
responsabilizado pela irreversibildade do choque, que, principalmente a sepse. Na vigência de sangra-
baseando-se no princípio de que a Iesão da mucosa mento importante, devem ser administrados fatores
gastrointestinal permite a passagem para a circulação de coagulação associados à heparina. Se o evento
de bactérias e endotoxinas. Lesões isquêmicas e principal2 7é, 2 8 a trombose, a terapêutica com heparina se
hemorrágicas têm sido observadas principalmente impõe .
nos cólons, podendo progredir para necrose e perfu-
ração visceral.
A ocorrêmia de isquemia no setor visceral é atri- Classificação dos estados de choque
buida à vasoconstrição provocada pelas catecolami-
nas circulantes, sendo que os pacientes idosos são As primeiras classificações de choque baseavam-
mais susceptíveis de apresentaram essa complica- se principalmente em sua etiologia: hipovolêmico,
ção, em decorrência das Iesões ateroscleróticas ob- cardiogênico, anafilático, séptico, obstrutivo, neuro-
servadas nos troncos arteriais. gênico e endócrino.
O estômago também é alvo freqüente dessas le- Estudos mais recentes tendem a classificar o cho-
sões, que se manifestam sob a forma de graus varia- que de acordo com seu padrão hemodinâmico em
dos de hemorragia. quatro grandes grupos:
Pâncreas - o fluxo sangüíneo pancreático é mar- Hipovolêmico - o mecanismo primário e a perda de
cadamente reduzido no choque, provocando Iesões volume circulante e as causas clínicas principais são
celulares de diferentes magnitudes 26. Experimental- a hemorragia, a sequestração de volume plasmático
mente o pâmreas é referido como sendo o produtor por queimaduras, inflamação e anafilaxia, a perda de
do fator depressor do miocárdio. Embora citado como fluídos e eletrólitos por diarréia, vômitos e insolação e
órgão primário na irreversibilidade do choque, são perdas endógenas como no trauma fechado.
necessários estudos adicionais para comprovar estes Cardiogênico - o mecanismo primário é a falha da
fatos. bomba cardíaca e as principais causas são: o infarto
Cérebro - a circulação cerebral é relativamente agudo do miocárdio, as arritmias, as obstruções in-
bem protegida durante o choque. A auto-regulação tracardíacas e a insuficiência cardíaca.
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Distributivo - causado por disfunção vasomotora, cristalóides pode produzir edema que pode não ter
pode ser subdividido de acordo com a resistência maiores conseqüêcias, desde que não interfira com
periférica: a função de algumas áreas vitais como os pulmões.
1 - choque com resistência periférica normal ou Soro fisiológico, solução de Ringer simples ou com
elevada, onde existe basicamente seqüestro, no Ieito lactato e colóides sintéticos podem ser utilizadas para
venoso de capacitância relacionado a bacteremia reposição volêmica, sendo que em perdas maiores de
Gram-negativa, bloqueio simpático agudo, doses 1.000-1.500 ml no paciente adulto deve-se considerar
excessivas de tranqüilizantes e narcóticos. a utilização de derivados hemoterápicos30,31.
2 - choque com resistência periférica diminuída, Solução hipertônica de cloreto de sódio a 7,5%
onde o macanismo primário é a presença de curto- também tem sido empregada com sucesso no trata-
circuitos arteriovenosos relacionados a infecções, em mento do choque hemorrágico, comprovando sua efi-
geral bastante graves. cácia em animais e mais recentemente no homem32.
Obstrutivo - a causa primária é a obstrução ao flu- Tal solução tem sido empregada também no trata-
xo sangüíneo relacionado à obstrução da veia cava, mento de alguns casos de choque séptico33, restau-
tamponamento cardíaco, pericardite constritiva, rando o transporte e o consumo de oxigênio.
embolia pulmonar e dissecção ou compressão da Após a correção da hipovolemia e de eventuais
aorta. problemas ventilatórios, o próximo passo é a manu-
tenção de adequada função cardíaca. Rotineiramente
Tratamento dos estados de choque deve-se monitorizar a ECG, que nos informa sobre a
freqüência e o ritmo cardíacos, e, com a colocação de
Princípios gerais e prioridades eletrodos em posições especiais, pode-se obter in-
formações sobre a perfusão miocárdica. Outros pa-
A primeira abordagem de um paciente em choque râmetros hemodinâmicos monitorizáveis são a pres-
deve ser direcionada à presença de hipovolemia e de são arterial sistêmica, a pressão venosa central, as
problemas respiratórios que Ievem à hipoxemia. pressões de artéria pulmonar, a pressão capilar pul-
Quando a hipovolemia é prontamente combatida ra- monar (correspondente à pressão de átrio esquerdo),
ramente o paciente falecerá por essa causa direta, o débito cardíaco e a saturação arterial e venosa de
mas poderá desenvolver falência de múltiplos órgãos oxigênio. A partir destes dados podem ser obtidos
alguns dias depois. A terapêutica deve, portanto, ser indices muito importantes, tais como resistência vas-
direcionada à conseqüência fisiopatológica mais gra- cular sistêmica e pulmonar, consumo e transporte de
ve do choque, que é o transporte inadequado de O2 e oxigênio, extração periférica de oxigênio, trabalho
a má distribuição do fluxo sangüíneo à microcircu- ventricular direito e esquedo. Dentre outros parâme-
lação 29. tros hemodinâmicos úteis no diagnóstico diferencial,
O déficit volêmico deve ser prontamente corrigido tratamento e avaliação prognóstica dos diferentes
e o volume e a velocidade de reposição devem ser tipos de choque, temos:
guiados por parâmetros hemodinâmicos e valores de Choque cardiogênico - a causa principal deste tipo
hematócrito. A principal meta é a restauração da de choque é o infarto agudo do miocárdio, estando sua
pressão arterial a níveis de 100 mmHg de pressão severidade relacionada à perda funcinal de músculo
sistólica ou 80 mmHg de pressão arterial média no cardíaco. Em geral, a deterioração é progressiva, pois
paciente adulto. A velocidade da infusão de Iíquidos o infarto pode estender-se em decorrência do baixo
pode ser limitada pela avaliação da pressão venosa débito persistente e da utilização de altas doses de
ou capilar pulmonar. drogas inotrópicas.
A escolha do líquido a ser utilizado depende da Em geral, o choque cardiogênico é mais freqüênte
causa básica da perda, sendo complementada por após a oclusão da artéria descendente anterior, que
medidas que incluem a avaliação seriada do hemató- irriga a parede anterior do ventrículo esquerdo. O in-
crito, do sódio sérico, da osmolaridade e pressão co- farto da parede Inferior, que se segue à oclusão da
loidosmótica plasmática. Tanto os colóides como os artéria coronária direita, em geral não provoca cho-
cristalóides revertem efetivamente o estado hipovo- que, exceto quando há grande acometimento ventri-
lêmico. Entretanto, por difundirem-se Iivremente cular direito ou se se trata de caso de coronária direita
através dos compartimentos orgânicos, o volume dominante.
requerido para expansão com, cristalóides é 3 a 4 Os achados hemodinâmicos característicos do
vezes maior que o requerido com, colóides, e com choque cardiogênico são o baixo índice cardíaco
efetividade menor. Desta maneira, a expansão com (menor que 2,2 L/min/m 2) e a alta pressão capilar pul-
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monar (maior que 18 mmHg). As pressões do Iado Exceto quando há perdas volêmicas evidentes, os
direito não estão muito elevadas, exceto se há com- achados de exame físico dos pacientes em choque
prometimento do ventrículo direito, embolia ou hiper- hipovolêmico são inespecíficos. Palidez cutânea,
tensão pulmonar. Outros métodos de avaliação ven- taquicardia e hipotensão postural são sinais iniciais.
tricular, como a ecocardiografia e a ventriculografia Hipotensão franca ocorre em fases mais tardias da
clássica e por radioisótopos, podem mostrar e men- hipovolemia. Á medida que ocorre redução da vole-
surar o comprometimento ventricular no choque car- mia, o aumento inicial do débito cardíaco é seguido
diogênico. por sua diminuição. O aumento do Iactato sangüíneo
O diagnóstico diferencial do choque cardiogênico ocorre com perdas maiores que 60% da volemia.
é feito principalmente com o tamponamento pericár- O reenchimento capilar tende a minimizar os sinais
dico, a embolia pulmonar e as próprias complicações de hipovolemia, mas demora algumas horas para se
do infarto como a comunicação intraventricular aguda completar. A queda do débito cardíaco é compensada
e a disfunção do músculo papilar. por vasoconstrição periférica progressiva, que man-
O tratamento do choque cardiogênico inclui medi- tém a pressão arterial até certo ponto, a partir do qual
das gerais como analgesia e oxigenioterapia. A moni- ocorre rápida deterioração hemodinâmica.
torização hemodinâmica com cateter de Swan-Ganz O tratamento do choque hipovolêmico visa a rápi-
fornece dados que permitem adequação da volemia e da restauração do volume intravascular. As regras
instituição de suporte inotrópico e/ou mecânico a básicas utilizadas para reposição são: utilização de
circulação 34,35 . derivados hemoterápicos para repor perdas maiores
Atualmente e fundamental o estudo cinecorona- que 1.000 a 1.500 ml, colóides quando existe lesão
riográfico completo para que possam ser definidas a endotelial e maior risco de edema e cristalóides para
presença de eventuais Iesões coronariana residuais, repor as perdas hídricas menores que 1.000 ml e
que poderão ser submetidas a angioplastia ou trom- quando o interstício está depletado. Entretanto, estas
bólise nos casos de infartos recentes. A partir da não são regras absolutamente fixas. Muitas vezes
ventriculografia pode ser diagnosticada a presença de numa reposição volêmica costuma-se associar dife-
eventual comunicação intraventricular e realizada a rentes tipos de soluções, dependendo da avaliação de
avaliaçã do grau de disfunção ventricular. dados Iaboratoriais e hemodinâmicos, da disponibili-
A partir do diagnóstico hemodinâmico outros pro- dade momentânea e da intenção de diminuir os efei-
cedimentos podem ser indicados, a exemplo da pró- tos colaterais de alguns Iíquidos quando infundidos
pria cirurgia de revascularização do miocárdio. em grande quantidade.
Dentre as drogas inotrópicas, as mais utilizadas Outro aspecto controvertido é o emprego de glico-
são a dopamina34 e a dobutamina, associadas ou não corticóides, recomendado por alguns autores no sen-
a agentes vasodilatadores. A norepinefrina pode tido de bloquear a ativação dos vários mediadores
também ser utilizada, dependendo da intensidade da comuns aos estados de choque. Atualmente existe o
instabilidade hemodinâmica. consenso de que os corticóides só devem ser utiliza-
O suporte circulatório mecânico para tratamento dos na presença de insuficiência adrenal aguda37.
do choque cardiogênico é realizado com balão intra- Choque distributivo - esta forma de choque deve-
aórtico, e mais recentemente também com utilização se a alterações na distribuição do fluxo sangüíneo
de bombas centrífugas e ventrículo artificial. A con- tecidual. A causa predominante do choque distributi-
trapulsão com o balão intra-aórtico 35 diminui a pós- vo é a sepse, principalmente aquela causada por en-
carga e aumenta a pressão diastólica no arco aórtico, terobactérias Gram-negativas. A segunda causa mais
melhorando a perfusão coronariana sem os efeitos comum e a diminuição da resistência arterial periféri-
colaterais das drogas inotrópicas que aumentam ca com aumento da capacitância venosa, produzida
exageradamente o consumo de oxigênio pelo miocár- por doses excessivas de barbitúricos, narcóticos
dio, sem aumento equivalente da oferta. tranqüilizantes e alguns anestésicos. As causas neu-
Choque hipovolêmico - existem várias causas que rogênicas referem-se ao bloqueio simpático extenso,
originam este tipo de choque, sendo a mais comum a como durante anestesias regionais e traumatismos
hemorragia. Outras causas, como as perdas de líqui- raquimedulares com transecção medular.
dos por inflamação, queimaduras, vômitos, darréia ou A bacteremia por germes Gram-negativos consti-
obstrução intestinal, são acompanhada de hemo- tui cerca de dois terços dos casos clínicos de choque
concentração. Na anafilaxia, quantidades significati- séptico. Muitas vezes estes microrganismos estão
vas de plasma podem ser perdidas durante as reações presentes na flora hospitalar, contaminando os pa-
de hipersensibilidade 36. cientes principalmente durante procedimentos invasi-

263
AULER JÚNIOR E CARVALHO

vos. A incidência de bacteremia e choque séptico lar e queda da fração de ejeção. Nos casos mais gra-
aumenta muito quando há imunossupressão, como ves é freqüente observar-se falência do sistema car-
nas doenças neoplásicas, na desnutrição e nos ex- diovascular caracterizado por queda da resistência
tremos de idade. vascular sistêmica, aumento da resistência vascular
A incidência de bacteremia e choque por germes pulmonar, elevação das pressões atriais e diminuição
Grarn-negativos aumentou significativamente nos úl- dos índices de função ventricular.
timos 30 anos, em decorrência do aumento do núme- As razões para o desenvolvimento do estado hi-
ro de procedimentos invasivos em vias aéreas, uriná- perdinâmico não são bem conhecidas. Experimental-
rias e vasculares, a intensificação na utilização de mente, a injeção na circulação de microrganismos
assistêcia ventilatória artificial, o grande número de vivos produz vasodilatação, enquanto os lipossacári-
cirurgias de Ionga duração e a antibioticoterapia fei- des derivados destes microrganismos produzem va-
ta muitas vezes de forma inadequada e abusiva, soconstrição.
promovendo o desenvolvimento de cepas resisten- Aceita-se atualmente que existam problemas na
tes. utilização periférica de oxigênio durante os estados
As bactérias que têm sido isoladas com maior fre- sépticos, por falha em atender à demanda ou mais
qüência no choque séptico são a Escherichia coli no provavelmente por alterações na microcirculação que
trato urinário e a Pseudomonas aeruginosa, o Ente- impedem a distribuição do oxigênio (curto-circuitos
robacter sp e a Klebsiela sp nas vias respiratórias. arteriovenosos) ou alterações na própria célula em
O diagnóstico da sepse por Gram-negativos em metabolizar o oxigênio ofertado. Não há ainda expli-
geral possui algumas características em comum, tais cação razoável para a alta saturação venosa de oxi-
como a presença de tremores e de febre alta (maior gênio no sangue de pacientes sépticos. Para contes-
que 38°C) seguindo-se a lnvasão bacteriana. Tipica- tar a teoria do curto-circuito ao nível da micro-circula-
mente isto ocorre de duas a 24 horas após o procedi- ção, alguns trabalhos mediram o fluxo capilar no ter-
mento cirúrgico ou outro procedimento invasivo. Hi- ritório muscular de pacientes em sepse e não encon-
perventilação acompanhada de alcalose respiratória traram diminuição.
ocorre na fase inicial do choque, seguida por acidose Como em outros tipos de choque, o tratamento
metabólica discreta. Inicialmente a pele é quente e inicial é a remoção da causa básica, ou seja, a remo-
rósea, não havendo, na maior parte das vezes, alte- ção do foco infeccioso por métodos cirúrgicos ou
rações hemodinâmicas perceptíveis. Nesta fase são através de antibioticoterapia adequada. O tratamento
freqüente as alterações mentais por provável redu- de suporte inclui a manutenção de volemia adequada
ção do fluxo sangüíneo cerebral. Na seqüência ocor- e troca gasosa a nível pulmonar e periférico. Os va-
rem hipotensão arterial e alterações gastrointestinais sopressores devem ser empregados principalmente
tais como vômito e diarréia. A pele pode então per- quando há hipotensão arterial determinada pela baixa
manecer aquecida ou iniciar-se uma fase de choque resistência periférica. Entretanto, os vasopressores
frio, pricipalmente quando coexiste hipovolemia. podem comprometer a função cardíaca por determi-
Pode ocorrer Ieucopenia ou leucocitose, depen- narem aumento do consumo de oxigênio pelo mio-
dendo do momento em que o exame é colhido e do cárdio. O emprego de altas doses de corticóides tam-
tipo de infecção. A hiperglicemia é decorrente da hi- bém é bastante controverso37. Estudos Iaboratoriais
persecreção de catecolaminas e, em pacientes dia- mostram um efeito positivo destas drogas, protegen-
béticos, pode ocorrer resistência à utilização periféri- do os animais contra os efeitos tóxicos das endotoxi-
ca de glicose. A elevação de enzimas hepáticas é nas e, quando injetadas com os antibióticos, também
freqüente neste tipo de choque. exercem efeito protetor. Entretanto, os ensaios clíni-
As medidas hemodinâmicas, em geral, mostram cos são contraditórios em relação aos resultados. A
débito cardíaco normal ou elevado, resistência vas- imunoterapia passiva parece ser bastante promis-
cular sistêmica diminuída e pressões de átrio direito e sora. Podem ser obtidos anticorpos de extrato de
esquerdo em geral baixas. A presença de hipertermia lipossacárides de germes Gram-negativos em soro
associada a este padrão hemodinâmico diferencia o de seres humanos e os mesmos serem adminis-
choque séptico dos demais. trados em pacientes de alto risco. Tal procedimento
Com a progressão do choque séptico, em geral, não está ainda à disposição para o uso clínico
ocorre deterioração do estado funcional do miocárdio, rotineiro.
representada por queda do débito cardíaco e diminui- A coagulação intravascular disseminada é uma
ção dos índices de trabalho ventricular direito e es- das príncipais complicação do choque séptico. A
querdo. O ecocardiograma mostra dilatação ventricu- mortalidade, nestes casos, varia de 25 a 90%, de-
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264 Vol. 41: Nº 4, Julho - Agosto, 1991
FISIOPATOLOGIA E TRATAMENTO DO CHOQUE

pendendo de fatores múltiplos como idade, extensão Iíticos no caso de embolia pulmonar ou cirúrgico,
da operação, doenças de base e outras doenças como no caso do tamponamento pericárdio.
adquiridos durante a internação.
Choque obstrutivo - as causas primárias no cho- Auler Junior J O C & Carvalho M J - Fisiopatologia e
que obstrutivo já foram vistas anteriormente e o seu tratamento do choque.
tratamento seria o restabelecimento de fluxo sangüí-
neo adequado. Os procedimentos podem ser trombo- Unitermos: CHOQUE: fisiopatologia, tratamento

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