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um retrospecto.
Ubiratan D’Ambrosio*
UNIBAN , São Paulo , Brasil
*
ubi@usp.br
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Friedrich Nietsche. Obras Incompletas, Seleção de textos de Gérard Lebrun,
Tradução e Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, Editora Nova Cultural Ltda,
São Paulo, s/d; p.380.
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disciplina Matemática havia muita Geometria, mas era uma Geometria
Dedutiva, no estilo euclidiano, demonstrando teoremas (mentefatos) que, na
sua maioria, haviam sido objeto de construção com régua e compasso ou
dobrando cartolina. Assim, o ensino de Geometria era compartilhado entre as
disciplinas Matemática e Desenho+Trabalhos Manuais. Esse compartilhar
dava ênfase ao aspecto teórico, dedutivo, lidando essencialmente com
mentefatos, e ao aspecto prático, ao fazer, com ampla utilização de
artefatos. Ambos se complementavam, como efetivamente acontece nas
atividades humanas.
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Um programa de pesquisa em sala de aula é investigar
O que é conhecimento?
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contexto natural, cultural e social. É esse processo dinâmico que chamo o
ciclo do conhecimento, que estuda a aquisição individual e social de
conhecimento. Eu adoto o enfoque transdisciplnar, no qual os estágios são
estudados de forma integrada.2
2
Para uma discussão mais elaborada sobre esse tema, ver meu livro
Transdisciplinaridade, Editora Palas Athena, São Paulo, 2009 (edição original 1997).
3
René Descartes: Discurso do Método (trad. Enrico Corvisieri, ed.orig. 1637), in
Descartes – Vida e Obra, Editora Nova Cultural Ltda, São Paulo, 1999; p.48.
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“meu propósito não é ensinar aqui o método que cada qual deve seguir
para bem conduzir sua razão, mas somente mostrar de que modo me
esforcei por conduzir a minha [razão]”.
...realidade→indivíduo→ação→realidade....4
4
Isso é discutido no meu livro Da Realidade à Ação. Reflexões sobre Educação (e)
Matemática, Summus Editorial, São Paulo, 1998.
5
Ver o livro de Steven Pinker: Como a Mente Funciona, Companhia das Letras, São
Paulo, 1998.
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considerando informações parciais, selecionadas a partir do que é
efetivamente real.
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”A modelagem matemática consiste na arte de transformar problemas
da realidade em problemas matemáticos e resolvê-los interpretando
suas soluções na linguagem do mundo real”6
6
Rodney C. Bassanezi: Ensino-aprendizagem com modelagem matemática: uma
nova estratégia, Editora Contexto, São Paulo, 2002; p.16.
7
Há inúmeros exemplos no livro de Maria Salett Biembengut e Nelson Hein:
Modelagem Matemática no Ensino, Editora Contexto, São Paulo, 2000.
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Por outro lado, uma das críticas que se faz a essa intimidade com o real é
que isso pode interferir com o desenvolvimento da criatividade. DE fato, a
fixação no que é real, portanto no puramente utilitário, é prejudicial a uma
boa educação. O utilitarismo radical desestimula o aluno a procurar o novo e
a fantasiar, a “sonhar”, que são componentes essenciais na criatividade
matemática.
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um outro status na sociedade, como intelectuais detentores de
conhecimentos científicos e matemáticos, dominando artefatos e mentefatos,
instrumentos e idéias abstratas. Um interessante exemplo nos é dado por Sir
Christopher Wren (1632-1723), cientista, matemático, um dos fundadores da
Royal Society e professor de astronomia da Oxford University, que foi o
responsável pela construção da Catedral de Saint Paul, em Londres.8
Etnomatemática.
Como exemplo, vou examinar o que se passa com um fato/fenômeno que é dos
favoritos entre os cultores da modelagem, que é a apicultura. Se aqueles
envolvidos no estudo da apicultura forem matemáticos, eles vão dispor de uma
etnomatemática própria dos matemáticos acadêmicos, como equações
diferenciais e outros instrumentos intelectuais e materiais, como computadores.
Mas se os envolvidos forem apicultores camponeses, que estão interessados na
8
Isto é bem estudado por Anthony Gerbino e Stephen Johnston: Compass and Rule,
Architercture as mathematical practice in England 1500-1750, Yale University
Press, New Heaven, 2009.
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comercialização do produto das abelhas, eles deverão utilizarão instrumentos
qualitativos e quantitativos que interessam para acompanhar a produção e
avaliar o valor dessa produção. Esses instrumentos, que são elaborados,
aprimorados e transmitidos de geração para geração, constitui a etnomatemática
dos apicultores. E se os envolvidos forem indígenas, interessado nas
propriedades curativas e místicas do produto das abelhas, os instrumentos
intelectuais e materiais por eles utilizados constituem uma outra
etnomatemática, que provavelmente nada tem a ver com aquela dos apicultores
profissionais e nem dos pesquisadores acadêmicos.
9
Alexandrina Monteiro e Geraldo Pompeu Júnior: A Matemática e os Temas
Transversais, Editora Moderna, São Paulo, 2001.
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os currículos escolares e praticada em todos os países. Quando se diz
História da Matemática estamos nos referindo a essa Matemática. Isto é,
estamos fazendo a História da Etnomatemática da civilização ocidental.
Recentemente tem havido esforços para se estudar a História de outras
etnomatemáticas. Mas não vou me estender sobre isso neste trabalho.10
10
Para esse tema ver o livro de Elaine Selin (editor): Mathematics Across Cultures.
The History of Non-Western Mathematics, Kluwer Academic Publishers, Dordrecht,
2000.
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Trabalhar sobre o modelo matemático depende de se conhecer o
comportamento dos objetos na realidade. O modelo de Ptolomeo, quando
proposto e utilizado, foi útil. O modelo de Copérnico, mesmo tendo sido
precedido pelo heliocentrismo de Aristarco, no século II a.C., não seria útil
para entender o cosmos sem as contribuições de Galileo, de Kepler e outros,
pois não havia instrumental matemática capaz de trabalhar com esses
modelos. São necessários instrumentos intelectuais, que são as leis físicas e
as teorias matemáticas, para entender o comportamento dos sistemas e dar
utilidade aos modelos. No caso do modelo de Copérnico, seu sucesso
resultou dos seguintes fatos científicos:
11
Interessante notar que a tese de doutorado do "Sousinha", Joaquim Gomes de
Sousa (1829-1863) defendida na Escola Militar em 1848 intitulava-se Sobre o Modo
de Indagar Novos Astros sem Auxílio das Observações Diretas.
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modelagem matemática para o estudo do planeta Terra.12 Nesse livro ele
introduz o que chama de trilogia universal:
...realidade→indivíduo→ação→realidade....
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Jacques-Louis Lions: El Planeta Tierra. El Papel de las Matemáticas y de los Super
Ordenadores, Instituto de España/Espasa Calpe, Madrid, 1990.
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A modelagem, além de contribuir para as ciências exatas, físicas e naturais e
para a tecnologia, também abriu novos horizontes para o estudo das ciências
da cognição. Hoje as ciências da cognição, que consideram o ser humano um
processador de informação de um tipo muito especial, deveriam tomar o
lugar de teorias da aprendizagem obsoletas, ainda praticadas nas nossas
licenciaturas.
13
Veja o excelente artigo de F. R. Hickman: Formulation in Mathematical Modelling
by Artificial Intelligence, Mathematical Modelling Methodology, Models and Micros
eds. J.S. Berry et al., Ellis Horwood Limited, Sussex, 1986; pp.261-286.
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através de um modelo, a cada instante será necessário verificar se não nos
perdemos com o modelo, no sentido que as limitações impostas pela seleção
dos parâmetros podem criar, no lugar da árvore real, um modelo abstrato,
fantasioso, de árvore.
14
Arid Stubhaug: The Mathematician Sophus Lie, transl. Richard H. Daly
[orig.norueguês 2000], Springer-Verlag, New York, 2002, p.409.
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A formação de professores.
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Discuto esse tema no meu livro Educação Matemática. Da Teoria à Prática,
Editora Papirus, Campinas, 1996.
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O que esta se passando é que o conhecimento, pelo qual muitos professores são
admirados e sentem-se orgulhosos, pois acham que sabem muito, é cada vez mais
limitado e rapidamente torna-se obsoleto.
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