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Terei lido poucos ensaios com a paixão com que li o de Heloi­


sa. Em conversa, acho que lhe transmiti tal sentimento, o que, jun­
to com a amizade fraterna de tantos anos, deve ter-me valido o
carinhoso convite para escrever estas palavras. A princípio relutei
(intimamente; não deixei a amiga perceber): sinto dificuldade em
escrever este tipo de texto.
Não me incomodava o sacrifício, embora me preocupasse a
necessidade de escamotear ao leitor o aspecto laborioso que os textos
concebidos com sacrifício geralmente exibem.
O sacrifício foi nenhum.
Detenho-me na frase e procuro a causa. Vou encontrá-la numa
característica deste estudo admirável: o prazer que ele libera; e li­
bera por uma razão simples: porque foi concebido no prazer. Este
livro toma o partido da vida. Heloisa fala, com a inteligência das
coisas bem vividas, do tempo em que viveu e vive. E, nem por isto,
sua percepção é limitadoramente realista.
O relato crítico que nos dá desses anos tão contraditórios é o
produto de virtudes intelectuais que dificilmente se encontram reu­
nidas. De um lado, a extrema sensibilidade da autora para a criação
nova, que lhe permite reconhecê-la, de imediato, compreender e
valorizar; de outro, o bom senso, a justa medida, que lhe conferem,
com igual presteza, a consciência de quando esta criação se torna
voluntarista e se anula, por se "querer" nova, ou se atrela, sem ner­
vo crítico, à intencionalidade ideológica.
São qualidades que fazem confiável a crítica de Helô; e, por
isto mesmo, tornam-na desde já - o que é mais importante -
elemento da criação em nossos dias.
E o estilo? O leitor que me desculpe, faltando-me o próprio,
repetirei novamente o adjetivo admirável. Admiro nele a natureza
simples, veraz, dara, sintética - resultante dos atributos de prazer
e vivência já referidos. Ao considerá-lo, convém lembrar o propó­
sito que a autora revela, ao longo de suas páginas, de recuperar a

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