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Entrevista de Elvira Vigna

• Perspectiva marginalizada: "Nunca escrevi do ponto de vista


masculino. Do de mulheres e gays, sim. Não sei se não tenho
interesse ou não consigo me imaginar homem. [...] Acho que
homens héteros brancos de classe média têm muito pouco a dizer".
-> Por isso os homens tendem a criar histórias em que algo único,
especial acontece com eles, para que possam se tornar heróis e
escapar desse “nada” existencial cotidiano. Penso que o motivo
dela não escrever na perspectiva de homens héteros não seja nem
por essa “falta de assunto”, mas porque é difícil se colocar em uma
posição diferente – mais “privilegiada” – do que a sua... ainda mais
quando a gente vê, no tópico a frente, que ela gosta de trabalhar
com elementos mais verdadeiros. E, normalmente, quando uma
mulher escreve um personagem masculino no papel de
protagonista ou interesse romântico, colocamos um peso diferente
nele, porque ele não é a visão masculina em si, ele tem o “female
gaze” – o que não é ruim, obviamente, mas como eu disse: escapa
do estilo de escrita da Elvira. Ainda sobre essa afirmação dela, eu
não discordo totalmente: de fato, a gente tem livros escritos
principalmente por escritores homens que são aclamados, mas na
verdade são bem medianos. Mas acho um pouco limitador essa
ideia, afinal também existem livros ótimos escritos por essa mesma
classe. Acho que o que ela quis dizer se refere novamente a uma
questão de como se colocar no lugar de outro. Assim como é
complicado a gente se colocar em um lugar de privilégio em que
nunca estivemos, é complicado – até mais complicado – se colocar
em um lugar marginalizado ou que não corresponde
necessariamente à realidade experenciada do autor.... Talvez a
questão da popularidade dessas obras “medianas” esteja mais no
público em si.

• Literatura como ambiente de lazer, mas também de atrito -> a
autora trabalha com o real por conta disso: "As pessoas de quem
eu falo são todas reais, existiram, existem. O que eu vou escrever,
eu sei. São coisas muito traumáticas, que me aconteceram
pessoalmente ou com pessoas muito próximas. Então, o assunto,
por assim dizer, não que eu saiba exatamente o que é aquilo, mas
eu sei que é sobre aquilo que aconteceu comigo. Então, o assunto
eu tenho, o ambiente eu tenho, porque é tudo real, a época eu
também tenho, porque eu não minto nenhuma vírgula. O que eu não
tenho é o narrador.". Tudo o que ela escreve advém de experiencias
que ela ou pessoas próximas passaram e por isso acaba sendo
praticamente uma forma de enfrentamento. É bem interessante
essa ideia da literatura como enfrentamento e combina bem com o
conselho de escrita que ela deu em uma oficina: escrever em
situações de desestabilização, em situações desconfortáveis, e aí
você as enfrenta por meio do texto. Acho uma visão interessante. E
até mesmo verdadeira. Falando por experiência própria, apesar de
não ter sido uma situação que ocorreu comigo diretamente, eu
recentemente li um livro que me trouxe essa sensação de
desconforto – que é um tipo de leitura que não leio muito – e, por
incrível que pareça, me deu muita inspiração. Eu dormi pensando
em escrever, sonhei que estava escrevendo, acordei e fui escrever.
Também acho interessante a relação que ela passa entre o real e a
ficção nas suas obras: é comum que autores coloquem experiências
próprias nos textos, mas vi poucos assumirem de modo tão
imperativo. E acho que fica mais instigante quando a gente pensa
“qual parte será a verdadeira?” e, como ela fala, tenta descobrir a
resposta por nós mesmos, sem ter uma resposta definitiva. Como a
autora mesmo diz: um autor é praticamente um autor, porque
mesmo que ele não tenha vivido a experiência que retrata por si
mesmo, ele está ali vivendo uma outra vida como se fosse a dele e,
por isso, é real.

• Utiliza da narrativa e da metanarrativa nas obras, principalmente
em Nada a dizer: "Em todos os livros que faço, há uma narrativa (a
história que está sendo contada) e uma metanarrativa em que
penso a respeito da primeira". Ela comenta que são narrativas que
vão se destruindo, pois abrem questionamentos sobre a identidade
das personagens. Por exemplo: Em Nada a dizer, a esposa conta a
história do marido na sua própria voz e visão e, por isso, acaba por
destruir ele. Aí ela também se destrói, porque também já não é mais
a mesma pessoa que era quando ouviu a história pela primeira vez.
Há uma tentativa de retomar a narrativa própria. E tudo isso
enquanto o que seria o enredo principal (a morte de outro
personagem) fica de plano de fundo.

• Livro infantil/infanto-juvenil e livro adulto: a literatura de
qualidade deve permanecer em ambos os públicos; o público infantil
não deve ter uma história necessariamente floreada e longe de
assuntos importantes. A literatura infantil deve ir além de uma
perspectiva “educativa” – não sei bem a palavra --, mas deve ir além
de mostrar “olha, criança tem que escovar os dentes, tem que comer
toda a comida...”, coisas assim, e tratar de assuntos importantes
para a construção humana da criança em si. Trazer assuntos que
causem certa reflexão, entendimento sobre si mesmo e os outros,
como são os livros adultos. Assim, a gente dá voz a esses leitores.

• Mercado literário brasileiro: marketing de repercussão de livros
internacionais, seja o sucesso verdadeiro ou não e a problemática
dos livros nacionais serem pouco reconhecidos. A Elvira comenta
um pouco, até de maneira raivosa, sobre o FHC ter expandido o
setor da chegada de livros internacionais com preços baixos,
também pelo marketing de repercussão desses livros, que atestam
eles como uma obra incrível, super popular lá fora, com aquelas
frases estilo “top 5 em best-seller na new york times”. Apesar de,
atualmente, eu não notar o custo menor que ela comentou e achar
boa essa expansão de livros internacionais – quando não centrada
nos Estados Unidos, obviamente – , eu tenho que concordar com a
enganação dessas etiquetas de marketing. Quantos livros
duvidosos a gente não encontrou que possua esses “títulos”
incríveis, que era marcado como um sucesso no mercado editorial
internacional, principalmente o estadunidense? A autora também
comenta sobre a incapacidade do livreiro brasileiro em geral em
“vender o próprio peixe”, porque muitas vezes há uma prateleira
pequena, escondida, em que diz “literatura nacional”, o que sou
obrigada a concordar – e como a gente já até discutiu em sala de
aula. Vou dizer que o problema maior não está, necessariamente,
nos livros que vem de outros países, mas na falta de consolidação
do nosso próprio mercado literário – e não por culpa dos autores e
livros, porque a gente tem obras incríveis. Como o livro que a Ana
comentou, O filho eterno, que foi traduzido para várias línguas.

• Texto vs imagem: qual é mais capaz de compreender a
complexidade do ser humano? Para a autora, o texto é mais capaz,
visto que a imagem repassa noções identitárias fragmentadas.

• "[...] O processo de significação por narrativas se torna lento. Mas


inclui o eixo histórico, diacrônico. As imagens, ao contrário, terão
sempre referências sincrônicas. Textos falam de tempo. Imagens
falam de espaço. Você precisa dos dois. Mas o que vimos é que por
muito tempo houve um privilégio da imagem sobre o texto. E o
resultado é que ninguém mais sabe de si." -> O texto acaba por ser
mais capaz por ser ter uma obtenção maior de significados, porque
tem narrativas recorrentes, embora não fixas, que fornecem uma
temporalidade não existente nas imagens, pois elas agem em
pequenos “impactos”. Basicamente, o texto seria diacrônico e a
imagem terão referências sincrônicas. Particularmente, eu concordo
com a fala dela sobre a imagem ter tomado uma posição de
destaque sobre o texto, mas acho interessante ter em mente o que
ocasiona esse movimento: por que as preferem assistir a filmes ou
séries do que ler um livro, por exemplo? O que influencia nessa
escolha?


• Processo criativo: "Não nascem [os livros]. Já estão lá desde
sempre. Meu trabalho é descobri-los. [...] Tenho que saber o que
eles são, e eles só me dizem isso muito devagarinho." -> A autora
comenta sobre o seu processo de criação, que é, na verdade, mais
um processo de descobrimento, de entender do que é feita a história
que quer contar. Antes de tudo, é necessário compreendê-la, e isso
é um processo demorado – o que explica o tempo em que ela leva
para terminar suas obras. É uma visão distinta sobre o processo de
escrita, mais poética e psicológica do que prática.

• Por fim, dois pontos que não achei interessante na entrevista,
no caso, dois questionamentos que achei meio fora da curva. O
primeiro perguntava se a autora achava que a liberdade sexual
reforça uma banalização do sexo por conta de um trecho do seu
livro. Não entendi muito bem no que essa pergunta influenciaria em
uma discussão literária, no sentido em que foi utilizada. A segunda,
em que tive o mesmo sentimento, fazia o questionamento se amor
e infidelidade poderiam habitar o mesmo casal. Novamente: tem
relação com a obra dela, pois é um dos temas tratados, mas não
vejo no que ela acrescentaria para a discussão.

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