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Cefart | História da Arte Moderna | Análise da obra

Isabela Cordeiro Lopes

Henri Matisse, Jazz, 1947


[páginas do portfólio completo, composto por 20 stencils impressos em cores, a partir de
colagens e recorte de papel sobre papel, cada folha de 42 x 65 cm]
Fruto da última fase produtiva do trabalho do grande Henri Matisse, Jazz consiste em
um vivo e inovador livro de artista, realizado a partir da técnica dos papiers découpés, colagens
a partir de papéis pintados a guache e apelidadas pelo artista de “desenhos com tesoura”.
Reproduzido posteriormente em serigrafia, os livros revolucionaram a forma com que o meio
artístico via o trabalho da colagem, até então uma categoria menor. A obra, realizada ao longo
de anos a partir de uma série de composições à guisa de maquetes, sobreposições e montagens,
foi definida pelo crítico de arte Paulo Herkenhoff como “o mais belo livro de arte do século
XX”. Seu estilo, ou mesmo seu ritmo, aproxima-se da noção do jazz pelo improviso,
maleabilidade a partir do próprio tempo, colagem e sobreposição de elementos, bem como pelo
visual arrojado e sincopado. Daí vem seu título, apontando para sua combinação de cores vivas,
temas espontâneos retirados da vida circense e uma evocação indubitável de uma certa alegria
de viver.
Revolucionário, Matisse trazia pela primeira vez, nessa obra, a colagem como o meio
da arte, com um fim em si própria: aqui começaria o status da colagem como criação artística
ao lado da pintura. Ainda nesse sentido, o próprio livro traz em si uma reflexão sobre os
processos artísticos de sua construção, adentrando por caminhos metalinguísticos, por vezes
biográficos, por outras descritivos ou metafóricos. O álbum, por essas razões, é quase a síntese
da proposta artística do modernismo nas artes visuais: polifônico, procurando nadar contra a
corrente da concepção de arte acadêmica, criado a partir da quebra e da tentativa de recriar o
próprio processo de fazer artístico, Jazz constrói uma narrativa vívida, chamativa, ousada e,
sem dúvida, híbrida, sobre as possibilidades do processo artístico e sobre todo o dinamismo e
vivacidade encontrados no mundo moderno.
Henri Matisse explora a vibração e a ousadia das cores vivas por meio de uma paleta
colorida reduzida em blocos compactos, ora curvilíneos, ora geométricos, evocando uma
sensação de multiplicidade e barulho. A ênfase na cor não passa despercebida pela História da
Arte, área para a qual o uso das colagens ressignifica e radicaliza ainda mais o trabalho já
principiado pelas correntes artísticas da época, e extremado pelo fauvismo, do qual Matisse fez
parte. Segundo a curadora Anna Paola Baptista, “com suas colagens, Matisse superou uma
tensão anterior que existia entre cor e linha. A cor passou a ser o próprio contorno”.
O “mais belo livro de arte do século XX” é uma narrativa de um tempo vivo, múltiplo,
em constante mudança e ressignificação. Uma narrativa em cores e fragmentação, tal qual o
próprio século: o século do jazz e do modernismo, renovadamente revolucionário.

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