DOUTRINA: PEDRO LENZA DOUTRINA: CLEVER VASCONCELOS
1. CONCEPÇÃO SOCIOLÓGICA DE FERDINAND
LASSALE - Segundo Lassale, a constituição real é a soma dos fatores reais de poder (relações de poder que existem na sociedade: poder político, poder religioso, poder econômico, poder militar etc.). Diversa da constituição real está a constituição jurídica emanada do Estado. Os fatores reais de poder que regem cada sociedade são a força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições políticas da sociedade em questão, fazendo com que não possam ser, em substância, mais do que tal e como são. O texto escrito, ainda que considerado solene, “sagrado”, fundante etc., será apenas uma folha de papel, se distante da realidade. Deve haver a “identidade reflexiva”. Segundo Lassale, o desejo, a necessidade de se elaborar uma nova constituição escrita ou constituição jurídica nasce da mudança significativa nos fatores reais de poder. Quando as relações sociais se alteram (quando um ditador assume o poder, quando o povo se revoluciona contra o poder vigente etc.), tem-se a necessidade de registrar num documento esses novos “fatores reais de poder”. A Constituição escrita, jurídica, não pode se divorciar da constituição real (os fatores reais de poder), sob pena de tornar-se ilegítima e ineficaz. Lassale entende que todos os países têm e sempre tiveram uma Constituição, já que sempre existiram esses fatores reais de poder. A Constituição escrita é boa e duradoura quando corresponde à Constituição real. Onde a Constituição escrita não corresponde à real, estoura inevitavelmente um conflito que não há maneira de evitar e no qual, passado algum tempo, mais cedo ou mais tarde, a Constituição escrita, a folha de papel, terá necessariamente de sucumbir perante o empuxo da Constituição real, das verdadeiras forças vigente no país. Os problemas constitucionais não são, primordialmente, problemas de direito, mas de poder.
2. CONCEPÇÃO POLÍTICA DE CARL SCHMITT
Para Schmitt, Constituição e Lei Constitucional são fenômenos distintos. Constituição é uma decisão política fundamental, a qual não se apoia na justiça de suas normas, mas sim no que nela foi politicamente incluído. Toda lei, como regulação normativa, e também a lei constitucional, necessita para sua validez, em último termo, uma decisão política prévia, adotada por um poder ou autoridade politicamente existente. Essa decisão tomada pela autoridade existente (que pode ser o povo ou alguém que diz representar o povo) é a Constituição. O governante deve respeitar a Constituição, mas, em casos excepcionais, pode deixar de cumprir a “Lei Constitucional”. A Constituição é intangível, enquanto que as leis constitucionais podem ser suspensas durante o estado de exceção, e violadas pelas medidas do estado de exceção. Carl Schmitt defendia que o Guardião da Constituição deve ser o líder do Reich, e não um Tribunal, opondo-se, pois, à teoria do judeu Hans Kelsen, que foi o maior defensor da existência de um Tribunal Constitucional. A teoria de Carl Schmitt, que diferencia Constituição e Lei Constitucional, tem um corolário na doutrina constitucional brasileira contemporânea: a diferença entre normas materialmente constitucionais e normas formalmente constitucionais. As normas que dispõem sobre temas essencialmente constitucionais (chamado por Schimitt de “Constituição”) hoje são chamadas de normas materialmente constitucionais, enquanto as normas que se encontram no texto constitucional, mas que não tratam dos temas essenciais do Estado, são chamadas de normas formalmente constitucionais (chamado por Schmitt de “Lei Constitucional”). - Para ser “Constituição” (norma materialmente constitucional) a decisão política fundamental deve contemplar: a) direitos e garantias fundamentais; b) estrutura do Estado; c) organização dos Poderes. - Pode se complementar que para Schmitt, em razão de ser a Constituição produto de certa decisão política, ela seria, nesse sentido, a decisão política do titular do poder constituinte originário.
3. CONCEPÇÃO JURÍDICA DE HANS KELSEN
Kelsen pretendeu isolar o Direito das demais ciências, como a Política, Filosofia, Sociologia etc., criando pressupostos específicos das ciências jurídicas. O Direito é um sistema hierárquico de normas jurídicas emanadas do Estado. Essa hierarquia se dá na medida em que a norma jurídica inferior obtém sua validade na norma jurídica superior. A Constituição é o conjunto de normas superior a todas as outras, sendo a lei mais importante do ordenamento jurídico de um país. Assim, se para Lassale a Constituição real é formada pelos fatores reais de poder, e se para Schmitt Constituição é uma decisão política fundamental, para Kelsen Constituição é uma lei: a lei mais importante do ordenamento jurídico e o pressuposto de validade de todas as leis. Portanto, Kelsen dá dois sentidos à palavra Constituição: a) jurídico-positivo: direito positivo é norma escrita/posta pelo homem, logo, a Constituição seria norma escrita. Constituição é a lei mais importante do ordenamento jurídico de um país, sendo o pressuposto de validade de todas as leis. b) lógico-jurídico: a norma inferior encontra seu fundamento de validade na norma que lhe for superior. A Constituição encontra o seu fundamento de validade não no direito posto, mas no plano pressuposto lógico (norma fundamental hipotética). Uma norma supraconstitucional, pré-constituída, não escrita e cujo único mandamento é “obedeça à Constituição”. Kelsen não separou o Direito da moral, ele separou a Ciência do Direito da moral. A moral foi determinada no Poder Constituinte Originário, após isso há a separação. 3.1. NORMA FUNDAMENTAL HIPOTÉTICA DE KELSEN (GRUNDNORM) Segundo Kelsen, acima da Constituição há uma outra norma, uma norma fundamental (grundnorm), chamada norma fundamental hipotética, cujo único mandamento é “obedeça à Constituição”. A essa percepção dá-se o nome de sentido lógico-jurídico. “A norma que representa o fundamento de validade de uma outra é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de validade de uma norma não pode perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe como a última e a mais elevada. Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma mais elevada”.
4. CONCEPÇÃO NORMATIVA DE KONRAD HESSE
Esta concepção foi desenvolvida em contraposição à concepção sociológica. Como toda ciência jurídica, o Direito Constitucional é ciência normativa. Se a Constituição adota a tese apresentada por Lassale, tem-se a sua descaracterização como ciência normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência do ser. As normas constitucionais são dotadas de supremacia (superioridade hierárquica) uma vez que possui grau máximo de eficácia ou de positividade, fato que as diferencia das demais normas que compõem o ordenamento jurídico. A Constituição opera força normativa, vinculando, sempre, positiva ou negativamente, os Poderes Públicos. Embora não se resuma à realidade social, aos fatores reais de poder, a Constituição não está desvinculada por completo dessa realidade. Segundo ele, “o significado da ordenação jurídica na realidade em face dela somente pode ser apreciada se ambas (ordenação e realidade) forem consideradas em sua relação, em seu inseparável contexto, e no seu condicionamento recíproco”. A eficácia plena de uma Constituição jurídica depende de sua relação estreita com a realidade social. Se uma Constituição é elaborada à margem da realidade, totalmente divorciada dos fatores sociais existentes e dos valores da sociedade, certamente não produzirá os efeitos desejados. “Constitui requisito essencial da força normativa da Constituição que ela leve em conta não só os elementos sociais, políticos e econômicos dominantes, mas também que, principalmente, incorpore o estado espiritual de seu tempo. Isso lhe há de assegurar, enquanto ordem adequada e justa, o apoio da consciência geral”. A relação entre a Constituição jurídica e a realidade não é apenas unilateral, mas bilateral: “Em síntese, pode-se afirmar: a Constituição jurídica está condicionada pela realidade histórica. Ela não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição somente poder ser realizada se se levar em conta essa realidade. A Constituição jurídica não configura apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a realidade política e social”. Em suma: para Hesse embora em muitos casos a Constituição se submete aos fatores reais de poder, a rigor, há um condicionamento recíproco entre Constituição escrita e realidade social: a Constituição também é capaz de conformar a realidade em muitas situações. Para isto, é necessário que haja não somente uma vontade de poder, mas sim uma vontade de Constituição: embora a Constituição não possa, por si só, conformar a realidade, ela pode impor tarefas que levem a isto. Caráter (ou papel) pedagógico. O mérito dessa concepção é aliar os aspectos das concepções anteriores (sociológica, política e jurídica), que pecam pela unilateralidade, segundo José Afonso da Silva.