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Para Stocking, Boas não apenas teve um papel determinante para esta virada conceitual,
mas sua obra se situa exatamente neste momento de transição, algo que é palpável,
segundo o autor, pela sempre incisiva critica boasiana ao modelo evolucionista,
argumento que Stocking sustenta citando Boas ao afirmar que “o grande modelo de
evolução da cultura, válido para toda a humanidade, está perdendo muito de sua
plausibilidade. No lugar de uma única linha evolutiva, apareceram múltiplas linhas
convergentes e divergentes difíceis de englobar em um só sistema” (BOAS, 1904 apud
STOCKING, 1982). Assim, de forma bastante sucinta – mas com a mobilização de
diversos conceitos boasianos ao longo do ensaio - a análise de Stocking permite a
compreensão da obra de boas como determinante para a compreensão de cultura não
apenas de um novo ponto de vista conceitual, mas como ferramenta para o próprio fazer
antropológico.
Neste sentido, a leitura de algumas das obras de Boas para a presente sessão
permite a compreensão de algumas das premissas para que Stocking aponta e para a
possibilidade de contextualizá-las na atualidade. Uma delas diz respeito ao que Boas
afirma, em “As limitações do método comparativo” (1896), como “o problema mais
difícil da etnologia”, que para ele seria o de descobrir que causas estão por trás de ideias
universais, ou seja, aquelas que se desenvolvem onde quer que o homem esteja no planeta.
Ao contrário do que propunham os evolucionistas, Boas aponta que não só os fenômenos
etnológicos se desenvolvem por incontáveis caminhos diferentes em culturas diferentes,
mas também que, de certa forma, que tais fenômenos, embora similares em sua
expressão, podem possuir significados e apropriações culturais muito distintas para as
culturas comparadas.
Os dois pontos destacados nestas duas obras de Boas permitem aproximações com
um campo do conhecimento de que as Ciências Sociais vêm se aproximando na
atualidade, o de gênero e de sexualidades. A concepção de Boas de que fenômenos
etnológicos diferentes ocorrem por “caminhos” diferentes em cada cultura corresponde à
noção de Judith Butler de gênero como ato performativo. Em “Problemas de gênero:
feminismo e subversão da identidade”(2003), Butler postula que a noção de gênero só
pode ser compreendida como um ato, uma performance repetida, que engloba, ao mesmo
tempo, a reencenação e a experiência de um conjunto de significados preestabelecidos
socialmente, e também no contexto social que tal performance é legitimada, logo esta é
uma construção social. A autora propõe, ainda, que estes atos são públicos e possuem
dimensões temporais e coletivas (p.200). Assim, se tomarmos as noções de masculinidade
e feminilidade como fenômenos etnológicos e dado que, como propõe Butler, são
construções sociais e temporais, temos que cada indivíduo – mais ainda de que para grupo
social- performa gênero(s) de maneiras muito distintas e determinadas de acordo com o
espaço e tempo. Em outras palavras, tal concepção se aproxima do que Boas pontua ao
afirmar que “caminhos diferentes” levam ao mesmo resultado, pois a percepção de
feminino e masculino (ou mesmo a negação destes conceitos), pode ocorrer de caminhos
– isto é, atos performativos, retomando Butler - extremamente distintos.
Referências bibliográficas:
Boas, Franz 2004 [1896]. The limitations of comparative method in anthropology. [trad.
Boas, F. Antropologia Cultural, Rio de Janeiro: Zahar, pp. 25-39]
Boas, Franz 1966 [1932]. The Aims of Anthropological Research. In Race, Language and
Culture: 243-259. New York: The Free Press, [trad. Boas, F. Antropologia Cultural, Rio
de Janeiro: Zahar, 2004, pp. 87-109)
Stocking, G. Franz Boas and the Culture Concept in Historical Perspective. IN: Race,
culture and evolution. Chicago, University of Chicago, 1982. (Pp.195-232).
Trevisan, João Silvério. Devassos no Paraíso. 4.ed. Rio de Janeiro: Moderna. 2018.