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HONNETH, A. A realidade da liberdade. In: ______. O direito da liberdade.

São Paulo:
Martins Fontes, 2015, pp. 224-642.

A REALIDADE DA LIBERDADE

1. Instituições de liberdade jurídica e moral permitem ao sujeito do Ocidente


rejeitar obrigações sociais e laços contraídos (incompatibilidade com interesses próprios
ou convicções morais);

Estas duas instituições de liberdade representam as perspectivas negativa e reflexiva =


suspensão de questões éticas pelo querer ou por motivos juridicamente justificáveis,
respectivamente;

Relação parasitária das liberdades com a vida social, por sempre agir em precedência;

2. A realidade da liberdade só se dá em relações de reconhecimento recíproco, na


qual a realização das intenções ocorre completamente isenta de coerções;

Hegel = liberdade individual/social/objetiva;

3. Os sistemas de liberdade jurídica e moral também são regidos por normas de


reconhecimento, embora fundamentados em uma perspectiva distanciada, que não serve
à realização dos próprios fins de ação;

4. Esferas éticas (Hegel)/instituições relacionais (Parsons) = “agir que os sujeitos


participantes só podem executar pela via cooperativa ou coletiva” (p. 227);

São sistemas que se complementam reciprocamente pelas ações dos membros


individuais, havendo uma consideração moral com relação ao outro;

“aquelas obrigações de papeis, incluídas na ação cooperativa, aderem a algo a que


secretamente nos referimos como ‘moral’, pois estão orientados a ir de encontro do outro
de modo que ele considere adequada para seus objetivos. ‘A moral’ aqui não é a
concessão reciproca da possibilidade de autodeterminação individual, mas um
componente intrínseco das práticas sociais que, juntas, constituem um sistema de ação
relacional” (p. 228);

5. Sujeição das obrigações de papeis à capacidade de assentimento reflexivo


(conscientemente desejadas pelos indivíduos);
“as limitações morais não devem ser experimentadas diante dos outros como algo
emperrado, que contrarie as inclinações pessoais, mas como extensão e encarnação social
dos objetivos considerados constitutivos para a própria pessoa” (p. 229);

6. Abertura dos complexos institucionais (variações e novos arranjos = novas


possibilidades de interpretações intersubjetiva das obrigações de papeis) em decorrência
do arrefecimento da pressão da tradição e da individualização crescente;

7. Gramática moral dos membros da sociedade + reconstrução normativa = tarefa


de desvelar as esferas de ação das sociedades atuais em toda a sua extensão;

Constituição da realidade da liberdade = “reconstrução das esferas de ação nas quais as


obrigações de papeis reciprocamente complementares cuidariam para que os indivíduos,
nas atividades de liberdade de seus parceiros de cooperação, pudessem reconhecer uma
condição para realizar seus próprios fins” (p. 232);

Instituições relacionais = relações pessoais, ação nas economias de mercado e abertura


política;

As práticas reconstruídas não necessariamente são praticadas pelos sujeitos efetivamente


em seu cotidiano;

“as esferas éticas são autárquicas no sentido – e apenas neste sentido – de que o exercício
racional das regras constituintes não esteja atrelado a elas, vindo a ser aperfeiçoado
somente mediante reconexão na vida real. Nessa medida, as anomalias com que nos
deparamos na transição para as instituições relacionais não representam quaisquer desvios
induzidos pelo sistema, nem são ‘patologias’ no sentido próprio; trata-se, em vez disso,
de anomias, cujas fontes devem ser buscadas em outro lugar, como nas regras
constitutivas dos respectivos sistemas de ação” (p. 233);

III. Liberdade social

1. Diferenciação de papeis contratuais de papeis não-contratuais para conferir os


graus de consolidação jurídica destes papeis;

Relações pessoais = necessidades e propriedades individuais;

Mercado econômico = interesses e qualidades individuais;


Opinião público-política = “intenções individuais de autodeterminação a assumir uma
conformação social com que se chega a uma relação intersubjetiva” (p. 236);

1. O ‘nós’ das relações sociais

1. Amizade destacada há mais de duzentos anos como forma peculiar de liberdade;

“nas relações pessoais entre duas pessoas devidamente familiarizadas consuma-se uma
forma especial de liberdade, que consiste no aperfeiçoamento reciprocamente
possibilitado do próprio eu” (p. 237);

2. Círculos populacionais mais amplos proporcionam às relações sociais a


liberação das limitações impostas pelas vantagens economias e pela constituição de
alianças sociais = abertura para as experiencias sociais de contemplação da oportunidade
e da condição da autorrealização no outro;

“relações pessoais são, assim o que a sociedade moderna, relações sociais em meio ao
anonimato e ao desenraizamento, nas quais a natureza interior do homem se encontra
mediante a confirmação reciproca de sua liberdade” (p. 238);

3. Diferenciação das relações sociais a partir do século XVIII constitui redes


estáveis de práticas nas quais há segurança em relação às expectativas de comportamentos
previsíveis;

“em termos gerais, as amizades são constituídas pelas regras de ação de autenticidade e
consulta confidenciais, e nas relações íntimas frequentemente vale a regra de um
intercâmbio: satisfação sexual garantida pela mulher em troca de sua segurança
econômico-social; e nas relações familiares, por fim, a norma que prevalece é a do
cuidado e do auxílio recíproco, que se prolongam no tempo e, ao final, se compensa” (p.
239);

4. Propensão a uma pressão contínua para outras unilateralidades nas


relações pessoais;

Mudança do reconhecimento público de relações homossexuais promoveu consideráveis


transformações na estrutura social;

5. Novas formas de intimidade e privacidade = fundação de uma reconstrução


normativa;
“é na amizade, ainda que de maneira fraca e socialmente pouco padronizada, que se
estabelecem de forma duradoura os padrões de relação que então passaram a ser
reencontrados nas relações íntimas e familiares com base no aumento do valor intrínseco
de relações físicas essencialmente diferenciadas” (p. 240);

a) amizade

1. Schleiermacher = distinção entre as modalidades antiga e morderna da amizade;

Forma de relação informal, mas que não prescinde de certo grau de institucionalização
social, mesmo não possuindo uma estrutura de reprodução própria;

“não vinculamos a alguma autoconcepção das pessoas unidas pela amizade, mas a uma
trama de práticas que subjazem como critério fundar nossos juízos” (p. 241);

Regras da amizade também podem ser encontradas fora da relação, no mundo social, em
um saber coletivamente compartilhado sobre tais práticas (desvio das regras = crise;
violações flagrantes = renúncia);

2. Pouco se sabe sobre a amizade na Antiguidade ou na Idade Média;

Só aos homens era possibilitada a manutenção de relações informais entre si, em


decorrência de sua superioridade social, às mulheres era reservado apenas o espaço
privado;

Amizades masculinas entrelaçadas por questões políticas ou de negócios;

“apesar da diferenciação ética que Aristóteles atribuía à amizade desinteressada, com base
em virtudes, até os primórdios dos novos tempos as amizades masculinas eram permeadas
pela pura e simples consideração de vantagens; e, se sobretudo nas classes altas, tais
amizades basicamente criavam redes sociais que satisfaziam aos objetivos de
apadrinhamento e proteção, e não raro se dissimulavam sob formas de rituais de honra”
(p. 244);

3. Amizades deste período não podem ser consideradas liberdade social, pois
estavam sob o jugo dos limites de estamento e coincidência de interesses;

Caráter esporádico da camaradagem masculina estabelecida entre as camadas mais


baixas, o que impossibilitava a assunção da forma de uma instituição;
4. No romantismo, a amizade surge, como o amor, enquanto forma ideal de
vínculo social;

“a disseminação social dessa compreensão modificada da amizade tampouco deve ser


superestimada, já que inicialmente as práticas de vida a dois, centradas na comunicação
e com ênfase no sentimento, estavam reservadas apenas a algumas camadas aculturadas”
(p. 246);

A amizade fundada no sentimento é uma forma de vínculo social sem antecedentes


históricos, a partir de sensações e atitudes que antes não poderiam existir em um cenário
público;

“padrões de papeis e práticas que podem ser vivenciadas por ambas as partes como um
aumento da liberdade individual, pois os próprios sentimentos, na atenção e no reflexo
benevolente da contraparte, passam por uma secularização social: daí a associação, que
a partir de então se faz corrente, entre amizade e liberdade, e daí a indicação por
Schleiermacher do ‘livre jogo’ das disposições de ânimo na nova forma de relação a dois”
(p. 247);

5. Associações mantidas exclusivamente por homens com objetivo de organização


de interesses econômicos e políticos > contatos sociais oficiais, relações a dois, nas quais
assuntos particulares surgiam;

Amizade se depara com os limites dos homens de verbalizar aos pares seus próprios
sentimentos e sensações;

6. “o ideal moderno de amizade só pôde se impor plenamente como prática


institucionalizada depois que o limiar da inibição foi vencido em todas as camadas sociais
e para ambos os sexos, em função da articulação de seus próprios objetivos de vida” (p.
248);

Abandono progressivo das preocupações com etiquetas sociais, expansão do vínculo para
sexos opostos sem calúnia e para todas as fases da vida;

A partir da década de 60, a amizade se tornou uma forma de relação social que
transcende os limites das classes sociais;

“o requisito das amizades, que assim obedece regras de ação esboçadas de maneira
imprecisa, sempre exigindo interpretação, constitui, no caso normativo, como já sabia
Aristóteles, uma valorização recíproca que não se aplica, pura e simplesmente, à vida
diária do outro tal como ela pode se mostrar externamente compreensível, mas às
perspectivas e decisões éticas que se lhe ocultam como razão motivacional determinante
– amigos ou amigas consideram-se reciprocamente dignos de valor com base no modo de
conduzir existencialmente a sua própria vida” (p. 250);

7. Piaget = amizades de grupos como “espaço de experimentação ideal para


crianças e jovens aprenderem o sentido social de obrigações e princípios morais” (p. 251),
mas não é apenas isso;

“[as amizades] são normativamente entendidas e exercidas com grande naturalidade,


podendo incentivar a boa realização da vida individual ou da moral numa diversidade de
aspectos, mas não chegam a esclarecer por que o indivíduo deve poder contemplar uma
encanação social de sua própria liberdade” (p. 251);

Obrigações de papeis complementares na amizade = manifestação recíproca de


sentimentos, atitudes e intenções que necessitam do eco do outro;

Autoarticulação desejada e cuidada da amizade permite o espaço da liberdade social =


“nela, o indivíduo pode e deve revelar ao outro experiências a que tem acesso
privilegiado, de modo que desaparecem as fronteiras internas que naturalmente devem
ser mantidas na comunicação cotidiana” (p. 252);

Manifestação sem coerção, sem temor, em toda a sua imperfeição e transitoriedade;

8. Singularidade da amizade no ganho de uma liberdade em poder compartilhar


vivências e sentimentos próprios sem reservas;

Sensações de diluição e libertação;

“na amizade também só se pode realizar o ganho de liberdade se forem assumidas


obrigações de papeis complementares que vierem a assegurar uma perpetuação das
práticas garantidoras da liberdade; assim, a atitude moral de saber-se obrigado para com
o amigo ou obrigada para com a amiga segundo regras exercidas em conjunto é requisito
essencial da liberdade” (p. 254);

9. Pretensão de instrumentalização da amizade x preocupação pelo bem-estar

“não há muitas razões para se duvidar da estabilidade da instituição moderna da amizade;


em nossos dias, ela justamente deve ser a relação pessoal de maior inércia em meio aos
acelerados processos de individualização e flexibilização. Além disso, hoje, mais do que
antes, amizades deste tipo estendem-se com mais força sobre as fronteiras de classes
sociais, pouco se detêm diante de diferenças étnicas e, até mesmo, cada vez mais perdem
a ligação com um lugar comum, de modo que talvez se possa reconhecer nelas o fermento
mais elementar de toda eticidade democrática” (p. 256);

b) relações íntimas

1. Resultado de diferenciação de vínculos pessoais concluído há pouco tempo e


de maneira transitória;

Aceitação gradual do princípio de escolha dos parceiros sexuais;

Demora de duzentos anos para que este padrão passasse a se democratizar e abrangesse
não só casais heterossexuais, mas também homossexuais como forma de relação legítima
e sancionada pelo Estado;

2. Embora este tipo de relação houvesse anteriormente, como na Antiguidade e na


Idade Média, não estava amparado em um padrão institucional;

Arranjos de casamento anteriores = harmonia emocional ou felicidade individual >


cálculos sobre vantagens a longo prazo;

Imprecisão e problemática da utilização do termo “relações íntimas” para este período,


pois pressupunha um “espaço de manobra para a exploração recíproca de estados
emocionais individuais” (p. 257);

3.Romeu e Julieta como primeiros testemunhos literários da virada das


instituições do casamento;

Espanha, França e Inglaterra (sec. XVII) = nichos de experimentação de ligações


baseadas em afeição e paixão rechaçadas pelo espaço público;

“A nova concepção de sexualidade e de relação entre os sexos passa a ser associada a


uma transformação também na arquitetura da liberdade individual: o indivíduo será mais
livre do que antes, podendo decidir sobre a relação que levará ao longo da vida
independentemente da indicação dos pais e somente de acordo com suas impressões
pessoais: além disso, a relação de livre escolha entre homem e mulher é, ela própria,
tomada de um arranjo social, no qual se consuma uma forma especial de liberdade” (p.
259);
Livre “interação”;

Filosofia da unificação (Holderlin) = realização plena da liberdade humana somente no


amor = oportunidade de uma autorrealização sem impedimentos;

4. Persistência de atitudes antigas e manutenção de um concubinato semioficial


para os homens;

“O século XXI como um todo é um típico período de transição, no qual o novo modelo
de relação já estava socialmente institucionalizado, porém a sua conversão na prática do
dia a dia ainda não está instalada, o que na verdade exigia seu princípio normativo: a
relação sexual está liberta das amarras dos cálculos de utilidade dos pais e aos parceiros
ficam apenas as considerações de ordem sentimental dos noivos – contudo, oficialmente,
no contexto jurídico do casamento estavam previstas e a ele se associavam apenas práticas
heterossexuais” (p. 260);

Vigência de imagens de papeis tradicionais e de poder masculino mantém as mulheres


restritas às atividades domésticas nesse período = destaque para a luta por igualdade de
direitos e luta por emancipação feminina;

5. Institucionalização do “amor romântico”;

Adiamento do processo de liberação em decorrência das duas grandes guerras;

Revolução sexual = revoluções jurídicas e culturais que possibilitaram um processo de


individualização acelerado;

Desinstitucionalização da família burguesa pelo afastamento da consumação do que


ocorre na revolução sexual;

“a ligação intersubjetiva com base em motivos sexuais e emocionais está de tal modo
dissociada do complexo institucional da vida comum em família e da educação dos filhos
que ela se mantém como um sistema de práticas sociais totalmente independentes,
acessíveis, a princípio a qualquer membro adulto da sociedade” (p. 263);

6. Expansão da possibilidade autônoma de vínculos sociais por meio das relações


íntimas de duração limitada;

“A aceitação de relações desse tipo exige que, a partir desse momento, saibamos estar
sujeitos às regras normativas que garante a identidade para além do momento concreto;
sob a forma de práticas que se conhece apenas intuitivamente, essas regras estabelecem
obrigações de papeis complementares, e sua realização possibilita, por sua vez, uma
forma especial de liberdade social” (p. 264);

7. Permanência das regras normativas das relações íntimas a despeito da passagem


do tempo = “o amor recíproco não deve se fundar em quaisquer qualidades arbitrárias do
outro, mas precisamente nos desejos ou interesses que este considera significativos em
sua interpretação de si mesmo” (p. 265);

Constituição do “nós” de uma relação íntima não somente na constituição presente, mas
também nas inclinações e interesses que possam ser realizados no futuro, isso é o que o
distingue de uma relação efêmera;

8. Papéis de obrigações complementares do amor presentes essencialmente na


dimensão futura, possíveis decepções com essas mudanças representam uma violação da
regra estabelecida;

“Somente quando essas duas pessoas reciprocamente se permitirem acompanhar o


desenvolvimento da personalidade de contraparte com um bem querer de todo apoio e se
for tomada uma direção que não possa ser antecipada no momento presente, podemos
falar numa relação intersubjetiva que mereça a caracterização de ‘amor’; e se essa afeição
prevista para o futuro desconhecido for realmente suficiente para de bom grado seguirem
juntos, mesmo em face de transformações de identidade profundas, eis um problema
empírico, cujo resultado em nada muda na importância da promessa feita inicialmente
que, de modo geral, se mantém implícita” (p. 266);

Relação amorosa = “pacto para fundação de uma comunidade de lembranças cuja


retrospecção futura, de tão motivadora e alentadora pata a história compartilhada em
comum, deverá sobreviver às transformações de personalidade de ambas as partes” (p.
266);

9. Forma social do amor como uma amizade intensificada, com a centralidade da


expectativa de amparo em situação de crise;

Distinção entre o amor e a amizade na exigência recíproca de intimidade sexual e alegria


na corporeidade da outra parte (intensidade da presença de toda autonomia e fragilidade
incontroláveis destes corpos);
10. Ampliação do escopo das relações de intimidade sexual e quebra de
determinados tabus;

11. Centralidade da questão física na unificação do “nós”;

12. Ampla consideração, apesar da insuficiência, dos progressos em relação ao


matrimônio;

Definição jurídica do matrimonio como comunidade de sustento e de ganho = maior


estabilidade a partes não economicamente ativas;

13. Ausência de igualdade jurídica em relação a casais homossexuais no que diz


respeito à estabilidade econômica;

14. A liberdade social das relações íntimas não diz respeito às obrigações
reguladas contratual e estatalmente;

“É a experiência da intimidade sexual e vinculação física que prepara o terreno entre os


amantes para o tipo de reciprocidade sem coerções, que constitui a forma de consumação
da liberdade social” (p. 274);

15. Na forma social do amor um sujeito é fonte para liberdade do outro por ser
fonte de uma autoexperiência corporal, “em que a própria naturalidade se desfaz dos
grilhões impostos pela sociedade, recuperando no outro parte de sua incoercibilidade
original […] estar consigo mesmo no outro significa, na intimidade do amor, apropriar-
se de novo da necessidade natural do próprio eu na comunicação corporal, sem o medo
de se expor ou de se magoar” (p. 275);

16. Considerando-se a literatura e o cinema como sondagem diagnóstica do


tempo, é possível perceber certo deslocamento na direção de uma crescente desorientação
ou incapacidade de vinculação;

17.Difícil avaliação empírica do novo cenário que se apresenta;

18. “A autonomização institucional da relação íntima, que se despiu de quaisquer


suportes externos nas tarefas sociais nas expectativas familiares, acabou fazendo que
apenas os sentimentos ainda individuais de afeição e atração decidissem quanto à duração
do vínculo um com o outro” (p. 277);
Arlie Horschild = diluição da fronteira entre trabalho e tempo livre dificulta separação
entre vínculos pessoais e planos de carreira;

Percepção de uma erosão das capacidades individuais de vinculação em vez de uma


reincorporação do amor no contexto da reprodução social;

Avaliação das relações pessoais pelo ponto de vista do progresso profissional;

19. Indícios de dificuldades de aprendizado normais e generalização social de um


princípio institucional;

20. Alcance da formação subjetiva do capitalismo na moderna relação íntima;

“Com esse desaparecimento, o arcabouço da eticidade democrática, que depende de um


jogo de formas da liberdade social, já não se mantém o mesmo; sua coluna de sustentação
lhe seria tirada, cujo significado para os membros da sociedade consiste em, por um lado,
saberem-se institucionalmente guardados em sua necessidade natural e, por outro obterem
uma confiança elementar em si mesmos com base nessa experiência específica de ser
reconhecidos reciprocamente” (p. 281);

c) famílias

1. Família como relação triádica e não bifásica;

2. Definição historicamente condicionada considerando-se os formatos anteriores


de família, como a família extensa e o aumento das famílias monoparentais atual;

3. Não importa a sexualidade dos pares ou a biologicidade dos filhos, mas que “a
relação de dois adultos esteja mediada pela relação adicional com um terceiro, isto é, o(s)
filho(s)” (p. 282);

[falta de sincronicidade com a concepção de que famílias existem mesmo sem filhos]

Centralidade da triangularidade constitutiva;

4. “A família, como viemos a saber por meio de toda uma série de investigações,
não é nenhuma constante biológica da história humana, sua forma institucional encontra-
se sujeita a transformações contínuas, de modo que sua função nuclear, a da
socialização dos filhos, chega a se realizar de diferentes formas” (p. 283);
Edward Shorter = Aquecimento do clima interno familiar com a sucessiva ampliação da
intimidade entre os pares ao longo da história;

5. Demais formas de aproximação histórica para intimidade familiar =


desligamento da vida familiar das demais estruturas, divisão estrita de tarefas na família
e fortalecimento de uma atmosfera de “domesticidade” com rituais cotidianos;

Realização da liberdade de um membro na liberdade dos demais;

6. Ausência de fronteira clara entre as relações íntimas diádicas e as constelações


familiares triádicas;

Composição de desvantagens operacionais dentro do seio familiar, gerando conflitos e


protestos (resistência feminina);

Talcott Parsons = atribuições de papeis complementares e desiguais no núcleo familiar e


previsão de uma transformação dessa estrutura;

7. Importância da transformação da relação de reconhecimento entre pais e filhos,


com uma maior consideração no papel deste terceiro membro e superando uma relação
de mando e obediência;

8. Assimetria de autoridade calcada num “símbolo paterno” e “amor materno” aos


poucos sendo substituída pela imagem de um pai engajado e de uma mãe que trabalha
fora de casa;

9. Transformação dos padrões simbólicos de interpretação na família;

10. Institucionalização da igualdade familiar e emancipação também de tabus


sexuais;

“A transição do ‘patriarcado para a cooperação’, que se deu na sequência da modificação


do papel da mulher na família, repercutiu primeiramente numa série de tensões e rejeições
intrafamiliares, nas quais em forma de conflitos, sob a velha crosta, aparecia o
historicamente novo” (p. 294);

11. Crescimento da taxa de divórcio e inclusão do pai do processo de inclusão


afetivo-assistencial como consequências da transformação;

“Tão longo ambos os cônjuges começavam a se preocupar tanto com o apoio emocional
quanto com a criação instrumental, as imposições relativas a papeis na família cada vez
mais perdiam seu conteúdo fixo e se tornavam mais difusas, de modo que todos os
participantes aprendiam a se ver reciprocamente como pessoas em sentido pleno, que
podem esperar umas das outras amor e zelo, segundo as características de cada um” (p.
296);

12. Novos arranjos familiares;

13. Expansão temporal da relação familiar;

“Para maioria dos pais, os próprios filhos e os destes, com o devido intervalo de tempo,
constituem-se novos parceiros de interação mais importantes após o término da vida
profissional: em suma, o que o convívio familiar pode ter perdido em intensidade
emocional pela penetração dos meios de comunicação de massa, pelas exigências
escolares e acadêmicas e pelas demandas profissionais do início da fase de socialização
é amplamente recompensado pela dilatação temporal dos vínculos emocionais e pelo
crescimento de uma ‘intimidade a distância’ (Leopold Rosenmayer)” (p. 299);

14. “No retrospecto justifica-se que hoje as relações a dois e as famílias se


diferencem com muito mais intensidade do que era necessário no passado das sociedades
democráticas liberais” (p. 299);

15. Redução da remissão de revogabilidade na instituição familiar = jurídica e


normativamente irrevogáveis + “consolidação estrutural”;

Aumento da triangularidade das relações familiares modernas pela vinculação temporal


mais longa do que as demais relações e pela prioridade emocional quase natural que têm;

16. “Hoje, no lugar desse ideal de família patriarcal, começa a aparecer


gradativamente um ideal de igualdade na parceria, que não significa apenas que os pais
dividem todas as atividades referentes à criação dos filhos e aos afazeres domésticos, mas
também implica que o filho seja inserido da melhor maneira possível como um terceiro
parceiro na comunidade familiar” (p. 301);

Ausência de alternativa ao novo ideal;

“o que gradualmente começa a assumir a forma institucional é a realização de uma


exigência normativa que, feito uma sombra, tem acompanhado a família moderna como
no amor romântico: cada um dos seus três membros – pai, mãe e filho – insere-se na
família com os mesmos direitos, cada qual na peculiaridade de sua subjetividade, e, sendo
assim, é de modo correspondente que deve receber um zelo e uma empatia que venham a
corresponder às suas necessidades” (p. 301);

Rompimento com o ideal de realização doméstica da mulher como remoção do


primeiro obstáculo ao princípio do reconhecimento; o segundo obstáculo é removido
com a transformação das práticas educacionais associadas ao movimento
antiautoritário;

17. “Destradicionalização” da família = “as obrigações normativas entre os


membros da família, até então atreladas a imposições de papeis institucionalmente fixos,
acabaram por perder seu caráter rígido e imutável, e em seu lugar veio assumir uma forma
em maior medida relacionada com a situação” (p. 302);

Tendência à família multilocal e multigeracional em decorrência do aumento da


expectativa de vida e da ampliação da reciprocidade temporal entre pais e filhos;

Surgimento de uma comunidade local para superação dos desafios existenciais da vida;

18. Necessidade de comunicação compreensiva em decorrência das mudanças


indicadas;

Negociação do princípio de solidariedade;

“Com a fluidificação comunicativa de direitos e deveres, no seio das famílias cresce


também a tendência a fazer com que a disposição para o cumprimento de normas seja
independente dos sentimentos já existentes de afeição ou antipatia: só assim o membro
individual da família, então bem mais forte que antes, está pronto para assumir as
responsabilidades negociadas na divisão de tarefas, quando ele se verá aceito e agregados
emocionalmente no círculo dos demais membros” (p. 304);

19. Conceituação dos tipos de obrigação moral na família seguindo o padrão dos
deveres de amizade = “tal como nas relações de amizade, regidas por normas morais
fundadas em afeto recíproco, também entre famílias as obrigações constitutivas resultam
unicamente de vínculos e apegos vivenciados desde sempre” (p. 305);

Sentimentos direcionados aos pais se relacionam com as expectativas normativas


depositadas desde a infância, determinando o alcance das obrigações;

20. Ampliação da margem de manobra da admissão dos sentimentos,


proporcionando um grau de articulação mais livre e um grau de compromisso maior;
“Nos últimos cinquenta anos, a família moderna, organizada em forma de papeis
atribuídos, passou de uma associação patriarcal, organizada em papeis, a uma relação
social entre pares, no qual a demanda normativa de manifestar amor uns pelos outros,
como pessoas em sentido pleno, está institucionalizada em todas as necessidades
concretas; se tal amor não for vivenciado, perde-se o sentimento de ser aceito e
normativamente autorizado a negligenciar as obrigações que dele se esperam” (p. 307);

21. Purificação da família moderna em relação a imposição exterior de papeis;

“Ao se manifestarem impressões de amores extintos ou falta de vínculos, já não há


possibilidades argumentativas para recusar as obrigações formais de papeis com base
apenas em fatos e com o intuito de induzir os dissidentes a se manterem no seio da
família” (p. 308);

22. Aprovação real e não coercitiva entre os membros da família;

Real desenvolvimento social associado à forma de vinculação que passou a existir na


família = possibilidade de coesão > convenções sociais ou clichês de papeis internalizados
> sentimentos de afeto recíproco;

Liberdade associada à instituição familiar vinculada a hipóteses naturalistas (Hegel e


Schleiermacher, por exemplo). Por outro lado, também se vê a família como fim da
liberdade associada à intimidade do casal (em Parsons);

23. Rompimento com a ideia de que a liberdade familiar tem um reflexo essencial,
como uma “objetificação” ou “simbolização”;

24. Família democrática como espaço ideal para parênteses lúdicos e supressão
das fronteira de idade (tipos de liberdade intersubjetiva) = “dado que os membros de uma
família democratizada aprendem a lidar de maneira lúdica com seus limites naturais num
espelhamento recíproco desse tipo, cada qual realiza uma forma singular de liberdade no
um-com-o-outro institucionalizado” (p. 315);

25. Inversão dos papeis de cuidado entre os pais e os filhos em jogos de regressão
e progressão recíprocas, que pode gerar um aumento do consolo em relação à morte. Este
fato não poderia ser percebido por Hegel e seus contemporâneos em decorrência da
expectativa de vida reduzida;
Crítica a não atualização do sistema de seguridade social em relação a estas novas
demandas familiares insurgentes;

26. “A transformação estrutural progressiva das biografias, nas quais as fases


atuais de aprendizagem, de exercício da profissão e do convívio familiar podem se
mesclar com muito mais intensidade, deveria ser levada mais a sério no padrão de família
oficial das políticas sociais; assim o que descrevemos aqui como uma tomada de
consciência da triangularidade da família e como realização da família como comunidade
solidária assumiria a forma de medidas político-econômicas, que permitiria a todos os
seus membros fazer e desfazer conversões entre os diferentes âmbitos de função sem
onerosas desvantagens econômicas” (p. 319);

Dependência da comunidade democrática da capacidade de individualismo cooperativo


dos seus membros;

“Com a abstração aos laços afetivos, são criadas as precondições psíquicas no seio de
famílias pautadas pela confiança e igualdade em todas as ocupações com que o indivíduo
terá de contribuir para se inserir em determinadas comunidades por força de suas
capacidades e competências individuais, tendo em vista interesses além da esfera pública”
(p. 320);

Durkheim = regras de comportamento moral e ética que garantem a conservação de uma


democracia cooperativa > família como órgão secundário do Estado;

27. Desenvolvimento normativo da família para formas de interação consentidas,


democráticas e cooperativas;

“Os membros das famílias hoje se reconhecem reciprocamente como sujeitos humanos,
que por essa razão compõem juntos uma comunidade única, delimitada por nascimento e
morte, pois é de maneira coletiva, em consciente responsabilidade, que desejam
possibilitar a passagem à vida pública – auxiliam-se reciprocamente para poder ser aquele
que, com base em sua própria individualidade, gostariam de poder realizar na sociedade”
(p. 322);

28. Negociação deliberativa das responsabilidades familiares;

“Toda esfera pública democrática deveria ter um interesse vital em criar relações
econômicas sob as quais todas as famílias poderiam se apropriar das práticas já
institucionalmente disponíveis; afinal, essas esferas comuns só são capazes de se
conservar de maneira estável se também na geração seguinte vingarem protótipos das
virtudes democráticas” (p. 323);

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