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São Paulo:
Martins Fontes, 2015, pp. 224-642.
A REALIDADE DA LIBERDADE
Relação parasitária das liberdades com a vida social, por sempre agir em precedência;
“as esferas éticas são autárquicas no sentido – e apenas neste sentido – de que o exercício
racional das regras constituintes não esteja atrelado a elas, vindo a ser aperfeiçoado
somente mediante reconexão na vida real. Nessa medida, as anomalias com que nos
deparamos na transição para as instituições relacionais não representam quaisquer desvios
induzidos pelo sistema, nem são ‘patologias’ no sentido próprio; trata-se, em vez disso,
de anomias, cujas fontes devem ser buscadas em outro lugar, como nas regras
constitutivas dos respectivos sistemas de ação” (p. 233);
“nas relações pessoais entre duas pessoas devidamente familiarizadas consuma-se uma
forma especial de liberdade, que consiste no aperfeiçoamento reciprocamente
possibilitado do próprio eu” (p. 237);
“relações pessoais são, assim o que a sociedade moderna, relações sociais em meio ao
anonimato e ao desenraizamento, nas quais a natureza interior do homem se encontra
mediante a confirmação reciproca de sua liberdade” (p. 238);
“em termos gerais, as amizades são constituídas pelas regras de ação de autenticidade e
consulta confidenciais, e nas relações íntimas frequentemente vale a regra de um
intercâmbio: satisfação sexual garantida pela mulher em troca de sua segurança
econômico-social; e nas relações familiares, por fim, a norma que prevalece é a do
cuidado e do auxílio recíproco, que se prolongam no tempo e, ao final, se compensa” (p.
239);
a) amizade
Forma de relação informal, mas que não prescinde de certo grau de institucionalização
social, mesmo não possuindo uma estrutura de reprodução própria;
“não vinculamos a alguma autoconcepção das pessoas unidas pela amizade, mas a uma
trama de práticas que subjazem como critério fundar nossos juízos” (p. 241);
Regras da amizade também podem ser encontradas fora da relação, no mundo social, em
um saber coletivamente compartilhado sobre tais práticas (desvio das regras = crise;
violações flagrantes = renúncia);
“apesar da diferenciação ética que Aristóteles atribuía à amizade desinteressada, com base
em virtudes, até os primórdios dos novos tempos as amizades masculinas eram permeadas
pela pura e simples consideração de vantagens; e, se sobretudo nas classes altas, tais
amizades basicamente criavam redes sociais que satisfaziam aos objetivos de
apadrinhamento e proteção, e não raro se dissimulavam sob formas de rituais de honra”
(p. 244);
3. Amizades deste período não podem ser consideradas liberdade social, pois
estavam sob o jugo dos limites de estamento e coincidência de interesses;
“padrões de papeis e práticas que podem ser vivenciadas por ambas as partes como um
aumento da liberdade individual, pois os próprios sentimentos, na atenção e no reflexo
benevolente da contraparte, passam por uma secularização social: daí a associação, que
a partir de então se faz corrente, entre amizade e liberdade, e daí a indicação por
Schleiermacher do ‘livre jogo’ das disposições de ânimo na nova forma de relação a dois”
(p. 247);
Amizade se depara com os limites dos homens de verbalizar aos pares seus próprios
sentimentos e sensações;
Abandono progressivo das preocupações com etiquetas sociais, expansão do vínculo para
sexos opostos sem calúnia e para todas as fases da vida;
A partir da década de 60, a amizade se tornou uma forma de relação social que
transcende os limites das classes sociais;
“o requisito das amizades, que assim obedece regras de ação esboçadas de maneira
imprecisa, sempre exigindo interpretação, constitui, no caso normativo, como já sabia
Aristóteles, uma valorização recíproca que não se aplica, pura e simplesmente, à vida
diária do outro tal como ela pode se mostrar externamente compreensível, mas às
perspectivas e decisões éticas que se lhe ocultam como razão motivacional determinante
– amigos ou amigas consideram-se reciprocamente dignos de valor com base no modo de
conduzir existencialmente a sua própria vida” (p. 250);
b) relações íntimas
Demora de duzentos anos para que este padrão passasse a se democratizar e abrangesse
não só casais heterossexuais, mas também homossexuais como forma de relação legítima
e sancionada pelo Estado;
“O século XXI como um todo é um típico período de transição, no qual o novo modelo
de relação já estava socialmente institucionalizado, porém a sua conversão na prática do
dia a dia ainda não está instalada, o que na verdade exigia seu princípio normativo: a
relação sexual está liberta das amarras dos cálculos de utilidade dos pais e aos parceiros
ficam apenas as considerações de ordem sentimental dos noivos – contudo, oficialmente,
no contexto jurídico do casamento estavam previstas e a ele se associavam apenas práticas
heterossexuais” (p. 260);
“a ligação intersubjetiva com base em motivos sexuais e emocionais está de tal modo
dissociada do complexo institucional da vida comum em família e da educação dos filhos
que ela se mantém como um sistema de práticas sociais totalmente independentes,
acessíveis, a princípio a qualquer membro adulto da sociedade” (p. 263);
“A aceitação de relações desse tipo exige que, a partir desse momento, saibamos estar
sujeitos às regras normativas que garante a identidade para além do momento concreto;
sob a forma de práticas que se conhece apenas intuitivamente, essas regras estabelecem
obrigações de papeis complementares, e sua realização possibilita, por sua vez, uma
forma especial de liberdade social” (p. 264);
Constituição do “nós” de uma relação íntima não somente na constituição presente, mas
também nas inclinações e interesses que possam ser realizados no futuro, isso é o que o
distingue de uma relação efêmera;
14. A liberdade social das relações íntimas não diz respeito às obrigações
reguladas contratual e estatalmente;
15. Na forma social do amor um sujeito é fonte para liberdade do outro por ser
fonte de uma autoexperiência corporal, “em que a própria naturalidade se desfaz dos
grilhões impostos pela sociedade, recuperando no outro parte de sua incoercibilidade
original […] estar consigo mesmo no outro significa, na intimidade do amor, apropriar-
se de novo da necessidade natural do próprio eu na comunicação corporal, sem o medo
de se expor ou de se magoar” (p. 275);
c) famílias
3. Não importa a sexualidade dos pares ou a biologicidade dos filhos, mas que “a
relação de dois adultos esteja mediada pela relação adicional com um terceiro, isto é, o(s)
filho(s)” (p. 282);
[falta de sincronicidade com a concepção de que famílias existem mesmo sem filhos]
4. “A família, como viemos a saber por meio de toda uma série de investigações,
não é nenhuma constante biológica da história humana, sua forma institucional encontra-
se sujeita a transformações contínuas, de modo que sua função nuclear, a da
socialização dos filhos, chega a se realizar de diferentes formas” (p. 283);
Edward Shorter = Aquecimento do clima interno familiar com a sucessiva ampliação da
intimidade entre os pares ao longo da história;
“Tão longo ambos os cônjuges começavam a se preocupar tanto com o apoio emocional
quanto com a criação instrumental, as imposições relativas a papeis na família cada vez
mais perdiam seu conteúdo fixo e se tornavam mais difusas, de modo que todos os
participantes aprendiam a se ver reciprocamente como pessoas em sentido pleno, que
podem esperar umas das outras amor e zelo, segundo as características de cada um” (p.
296);
“Para maioria dos pais, os próprios filhos e os destes, com o devido intervalo de tempo,
constituem-se novos parceiros de interação mais importantes após o término da vida
profissional: em suma, o que o convívio familiar pode ter perdido em intensidade
emocional pela penetração dos meios de comunicação de massa, pelas exigências
escolares e acadêmicas e pelas demandas profissionais do início da fase de socialização
é amplamente recompensado pela dilatação temporal dos vínculos emocionais e pelo
crescimento de uma ‘intimidade a distância’ (Leopold Rosenmayer)” (p. 299);
Surgimento de uma comunidade local para superação dos desafios existenciais da vida;
19. Conceituação dos tipos de obrigação moral na família seguindo o padrão dos
deveres de amizade = “tal como nas relações de amizade, regidas por normas morais
fundadas em afeto recíproco, também entre famílias as obrigações constitutivas resultam
unicamente de vínculos e apegos vivenciados desde sempre” (p. 305);
23. Rompimento com a ideia de que a liberdade familiar tem um reflexo essencial,
como uma “objetificação” ou “simbolização”;
24. Família democrática como espaço ideal para parênteses lúdicos e supressão
das fronteira de idade (tipos de liberdade intersubjetiva) = “dado que os membros de uma
família democratizada aprendem a lidar de maneira lúdica com seus limites naturais num
espelhamento recíproco desse tipo, cada qual realiza uma forma singular de liberdade no
um-com-o-outro institucionalizado” (p. 315);
25. Inversão dos papeis de cuidado entre os pais e os filhos em jogos de regressão
e progressão recíprocas, que pode gerar um aumento do consolo em relação à morte. Este
fato não poderia ser percebido por Hegel e seus contemporâneos em decorrência da
expectativa de vida reduzida;
Crítica a não atualização do sistema de seguridade social em relação a estas novas
demandas familiares insurgentes;
“Com a abstração aos laços afetivos, são criadas as precondições psíquicas no seio de
famílias pautadas pela confiança e igualdade em todas as ocupações com que o indivíduo
terá de contribuir para se inserir em determinadas comunidades por força de suas
capacidades e competências individuais, tendo em vista interesses além da esfera pública”
(p. 320);
“Os membros das famílias hoje se reconhecem reciprocamente como sujeitos humanos,
que por essa razão compõem juntos uma comunidade única, delimitada por nascimento e
morte, pois é de maneira coletiva, em consciente responsabilidade, que desejam
possibilitar a passagem à vida pública – auxiliam-se reciprocamente para poder ser aquele
que, com base em sua própria individualidade, gostariam de poder realizar na sociedade”
(p. 322);
“Toda esfera pública democrática deveria ter um interesse vital em criar relações
econômicas sob as quais todas as famílias poderiam se apropriar das práticas já
institucionalmente disponíveis; afinal, essas esferas comuns só são capazes de se
conservar de maneira estável se também na geração seguinte vingarem protótipos das
virtudes democráticas” (p. 323);