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2. Religião.
A religiosidade é analisada na literatura skinneriana como fazendo parte das práticas
culturais. Práticas culturais muitas vezes permanecem consistentes entre indivíduos através
das gerações. São conjuntos intertecidos de contingências em que o comportamento e os
produtos do comportamento de cada participante funcionam como eventos ambientais com
os quais o comportamento de outros indivíduos interage (Glenn, 1988). Em outras palavras,
são práticas de indivíduos que dependem das práticas do grupo (Skinner, 1953).
Skinner (1981) propõe que práticas culturais são selecionadas e moldadas pelas
conseqüências que têm para o grupo. Enquanto o comportamento do indivíduo está muito
sensível a conseqüências imediatas, as práticas de uma sociedade têm uma escala maior
e entram em contato direto com conseqüências mais adiadas que não influenciam diretamente
os atos de um indivíduo isolado. Assim, o paradigma operante permite ver o homem como
produto das suas relações sociais, porém enfatiza que essas relações, por sua vez, são
produzidas a partir do processo histórico de uma sociedade. Enquanto o indivíduo age,
produz história para si mesmo (ele muda através de suas ações e por conseqüência dos
efeitos das suas ações). Mas ao fazer isto, também produz (inova, cria ou reproduz)
contingências que controlarão o comportamento de outros.
De acordo com Malott (1988), práticas religiosas emergem em função de contingências
de sobrevivência de sociedades. Conseqüências de comportamentos que são nocivas ou
benéficas para o grupo podem não influenciar o comportamento do indivíduo, por serem muito
afastadas no tempo dos atos individuais. Precisa-se, então, de um outro mecanismo para
3. Espiritualidade
Enquanto é possível estudar a evolução da religião no nível da seleção cultural, a
espiritualidade é compreendida como o encontro com si mesmo e com o transcendente
que dá sentido a todo o resto da vivência. É a experiência pessoal de significado profundo
e de transcendência. A busca espiritual é a procura do ser humano para dar sentido
profundo a sua existência (Barnes, Hayes e Gregg, 2001). Isto é uma definição ampla que
inclui também a construção de valores por um sujeito ateu (Worthington e Sandage, 2002).
A fé é uma base para operações, um contexto que dá sentido a ações, más é
diferente do conhecimento racional ou da crença intelectual (Amatuzzi, 1999). Trata-se de
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(desejos, paixões e conceitos), está em perfeita concordância com o sentimento que predomina
em certas filosofias Orientais (Hayes, 2002). O caminho espiritual é um processo de abrir mão
(das ilusões de poder controlar sua vida, das lutas e das regras mundanas) que leva a uma
maior liberdade e a uma compreensão do que realmente importa. É coerente com o argumento
de Tagore (1931) que o cativo em todas suas formas está nos conteúdos do eu e não no
mundo exterior, no estreitar do nosso olhar e em nossa avaliação arbitrária das coisas.
Hayes (1984) argumenta que a espiritualidade pode ser fonte de sabedoria profunda
porque seria mais fácil entrar em contato com as contingências reais, a partir de um ponto
de vista espiritual (eu como perspectiva) do que a partir do “eu" como conjunto de crenças
e outros conteúdos. Aponta que o controle verbal produz uma insensibilidade ás
contingências e que o controle por estímulos simbólicos pode ser altamente alienador. Ver
conceitos, símbolos e verdades convencionais a partir de uma perspectiva transcendente
enfraquece este controle verbal e dá espaço para contato mais genuíno com as contingências
e para emergência de comportamento mais criativo. O autor lembra que práticas espirituais
não promovem o pensamento analítico, mas a abertura para o que acontece, e o
distanciamento dos conteúdos, tanto os racionais quanto os emocionais. Argumenta que
o homem moderno pode ter uma necessidade a mais de espiritualidade, que poderia
ajudá-lo a se distanciar das ilusões geradas pelo controle verbal e entrar mais efetivamente
em contato com as contingências naturais.
A experiência espiritual pode ser entendida como a perspectiva a partir da qual
tem-se consciência do sentido da vida, e como se situa no todo. Seria um desenvolvimento
mais avançado que vai além da consciência semântica (a dos conteúdos) e que tem a
vantagem evolutiva de possibilitar a pessoa a se situar no seu universo, dar sentido e rumo
à sua vida. Alternativamente, pode ser considerada um modo de saber mais primário e
mais básico, que antecede o comportamento verbal, este saber irracional, intuitivo, que
situa o organismo nas suas interações diretas com as contingências, sem intermediação
de significados convencionais.
Pode-se indagar se tal análise não nos afasta muito do mundo material do
consultório e dos problemas muitas vezes extremamente concretos do cotidiano dos nossos
clientes. O conceito de fé ficou especialmente relacionado com o saber irracional e com a
crença em coisas sagradas, fora do alcance da ciência. Mas como Amatuzzi (1999) ressalta,
precisa-se desta fé em algo para poder fundamentar qualquer epistemologia, e a
racionalidade também somente traz sentido para quem tem fé na razão.
A espiritualidade aponta, então, para a perspectiva a partir da qual nós percebemos,
entendemos e acreditamos em coisas. É um contexto profundamente íntimo e próprio do indivíduo,
que fundamenta suas escolhas, seus atos ooncretos. É possível que uma análise comportamental
da espiritualidade possa contribuir para uma visão behaviorista do processo psicoterápico.
4. Encontros
Quando a religiosidade e a espiritualidade encontram a terapia comportamental?
De acordo com Eysenck (1994), o efeito terapêutico não-especlfico compartilhado por
quase todas as formas de psicoterapia, pode ser parcialmente explicado pelo lugar de
sacerdote profano, que na sociedade moderna ó o do terapeuta. Compara o papel
sociocultural do psicoterapeuta com o do padre, o guru ou do xamâ.
A observação de Eysenck está correta porque os terapeutas assumiram algumas
funções que tradicionalmente caracterizam estes personagens, o que abre espaço para um
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ACT procura-se desenvolver clareza acerca dos valores fundamentais do cliente (Hayes, 2004)
podem tomar o sentimento religioso do cliente como ponto de partida.
A experiência espiritual, A busca espiritual e a terapia podem se encontrar na
tentativa do cliente de construir um sentido mais profundo. A experiência de transcendência
pode ser uma aliada nesta construção de sentido. O conhecimento racional é frio e rígido
e a experiência espiritual possibilita à pessoa superar as limites do seu próprio paradigma
intelectual, sua visão do mundo. Esta quebra de paradigma pessoal, permite aumentar a
resolução criativa de problemas, inclusive de impasses bem concretos na vida do cliente.
A vivência espiritual pode promover flexibilidade intelectual e tolerância de
incongruências e possibilita à pessoa aprender a lidar com a incerteza e o não definido.
Possibilita, ainda, observar a se mesmo de ângulos que diferem das concepções
convencionais. Isto pode ter vantagens, como a melhora do manejo dos limites pessoais;
a identificação de contingências que não correspondem com as suas regras, a intensificação
da vida. O cliente pode se tornar um pouco menos rígido em relação a si mesmo e um
pouco mais tolerante de sua incompletude.
A afiliação religiosa. Na sua revisão da literatura empírica sobre a relação entre
compromisso religioso e saúde, Gartner (1996) destaca estudos que mostraram que a
freqüência à igreja está relacionada com melhor saúde física, satisfação conjugal e bem-
estar e especula sobre variáveis que poderiam mediar esta relação como beber ou fumar
menos. Pessoas que se comprometem mais com uma religião, vivem mais, cometem
menos suicídio e têm menor índice de delinqüência. Um ponto interessante que é destacado
nesta revisão ó que estudos não encontraram relação entre delinqüência e convicções
religiosas, mas sim uma relação negativa entre freqüência à igreja e delinqüência. Os
dados não são tão claros quando se trata da saúde mental. Há resultados contraditórios
entre estudos quanto à relação entre religiosidade e ansiedade, enquanto principalmente
entre pessoas convertidas o grau de religiosidade é relacionado com intolerância de
ambigüidade, uma atitude rígida que caracteriza uma falta de abertura para experiência.
O apoio social oferecido pela comunidade religiosa, ao membro que participa
regularmente nos encontros, pode ser uma variável na prevenção de delinqüência, suicídio,
e evitação de vários comportamentos de risco para a saúde. O terapeuta pode recorrer a
este recurso quando percebe, por exemplo, que um grupo de oração do qual um paciente se
afastou por medo de ter um ataque de pânico no caminho poderia trazer motivação para sair
de casa e se engajar em contatos sociais renovados, ou que um paciente depressivo poderia
retomar as idas a sua comunidade, onde poderia assumir tarefas e atividades sociais.
Pertencer à uma comunidade religiosa significa também que o cliente tem à sua
disposição mais um ambiente onde pode experimentar. Novas estratégias podem ser
exploradas, como aprender a desliteralizar normas; questionar, aceitar por inteiro ou em
parte, tolerar o outro, colaborar, contribuir, se engajar em projetos, defender seus limites
pessoais contra tentativas de invasão por outros participantes ou líderes da comunidade.
O terapeuta pode combinar com o cliente tornar este setor da vida real, como também a
relação de casal, o trabalho e outros ambientes em situações em que o cliente pode
mudar as maneiras em que se relaciona com seu mundo.
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assim como práticas meditativas (Hayes, 2004; Linehan, 1993), Metáforas e parábolas
Budistas ou Hindus podem ajudar introduzir estratégias centrais da ACT, como difusão, a
tomada de perspectiva, o distanciamento dos conteúdos ou das ilusões e regras sociais
que nos impedem de viver. Este entusiasmo para o Oriente não deve ofuscar o fato de que
lições bíblicas podem ser aproveitadas da mesma forma. Além de passar recados ricos para
o cliente, falar em parábolas evita que o terapeuta reforce o contexto de literalidade. O
cliente pode experimentar entender o que o terapeuta fala em sentidos metafóricos e literais,
para depois poder distanciar-se das regras e dos conceitos rígidos com os quais lutou sua
vida inteira. A consideração de metáforas ó um exercício que enfraquece o controle verbal.
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8. Aproveitar os problemas na terapia
A ocorrência de dificuldades do cliente na sessão constitui uma oportunidade
inédita para a atuação terapêutica (Kohlenberg e Tsai, 2001/1991; Kohlenberg, Hayes e
Tsai, 1993). Na terapia, o excessivo controle verbal religioso ó atacado por intervenções
que promovem pensar a partir dos dados; avaliar evidência; promover flexibilidade; tolerar
ambivalências sem precisar se esconder atrás de uma regra que assegura e garante;
valorizar a própria experiência, promover desliteralização e procurar ver o que pode ter de
válido ou pragmático numa dada regra religiosa, além da aparência literal. Assim, o encontro
com tais regras pode se tornar uma oportunidade para aprender a questionar palavras e a
filtrar significados. Que o excessivo controle verbal se refere a conteúdos religiosos não é
tão relevante, mas a ocorrência do comportamento de seguir regras de modo inflexível
possibilita ao terapeuta atuar diretamente sobre este comportamento do cliente, tornando
assim o dogmatismo e a rigidez religiosa oportunidades para trabalhar atitudes disfuncionais
que vão muito além da sua vida religiosa.
O mesmo pode ser dito quando a religião é responsável por desencontros pessoais
entre cliente e terapeuta. Os problemas na relação terapêutica muitas vezes são
oportunidades de explorar a vivência do cliente. Diferenças e conflitos fazem parte do
processo contínuo de negociação do relacionamento entre terapeuta e cliente. Uma ruptura
é uma possibilidade de tornar este processo explícito. Assim, o terapeuta preparado e
atento pode aproveitar de crises na relação para aprofundar a terapia.
Explorar e resolver conflitos e dificuldades de comunicação sobre valores religiosos
ou espiritualidade pode ser uma oportunidade para identificar comportamentos que dificultam
relacionamentos no cotidiano do cliente e de trabalhar com estes ao vivo. Na exploração
dos conflitos, pode-se evidenciar, por exemplo, que um certo cliente não é capaz de levar
em conta que o outro (no caso o terapeuta) veja as coisas de sua própria maneira e do seu
próprio ponto de vista, e não da maneira e do ponto de vista do cliente. Este déficit é
clinicamente relevante quando o mesmo acontece com outras pessoas no seu cotidiano,
em relação aos problemas para os quais o cliente procura a terapia.
Neste caso, um conflito de valores entre terapeuta e cliente, é uma oportunidade
para aprender a negociar a partir de visões diferentes da realidade. O cliente pode descobrir
que vive num mundo onde realidades são negociáveis e aprender a lidar com isto sem abrir
mão do que é importante para si mesmo e sem agredir o outro. Até em casos extremos,
quando a vivência do cliente é irreconciliável com a do terapeuta, as incompatibilidades
continuam sendo oportunidades de aprendizagem. O cliente vai ter a oportunidade de
lidar, numa relação bastante íntima, com alguém que não pensa igual e não concorda com
ele. A identificação de opostos aparentes pode propiciar a oportunidade de reconhecer
elementos comuns que se situam além das aparências (Vandenberghe, 2002).
A impossibilidade de aceitar a visão do outro, pode oferecer acesso a um
autoconhecimento aprimorado. Quando uma diferença aguda entre ambos está em
evidência, o cliente tem a oportunidade de aprender a lidar com sua decepção com o
outro, e com o sentimento que o outro não o entende inteiramente (mas que pode entende-
lo muito bem em outros aspectos). O cliente que se vê assim confrontado com o fato que
relacionamentos não são perfeitos tem a oportunidade de aprender a aproveitar, a apreciar
e a curtir trocas dentre de uma relação que inclui diferenças. A imperfeição do encontro
constitui em parte sua riqueza em oportunidades. Da mesma forma, amizades, namoros,
relações de trabalho e outros relacionamentos com os quais o cliente não consegue lidar
no seu cotidiano não são invalidados pelos seus inevitáveis defeitos.
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dos papeis que desempenham naturalmente na relação terapêutica. Estes temas permitem
variações ilimitadas. É um momento para sair de rotinas e experimentar sua disposição
para tentar formas de relacionamento imprevisíveis.
Referências
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SBP, 7, 183-190.
Banaco, R. A. (2001). Roligiâo e psicoterapia. Fragmentos de Cultura Goiana, 11(1), 55-64.
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Hayes, D. Barnes, & B. Roche (Orgs.). Relational Frame Theory; A Post-Skinnerian
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Batoson, G., & Bateson, M. (1988). Angels foar: Towards an opistomology of the sacred. New
York: Bantam.
Ellis, A. (1983). Tho case against reiigiosity. Now York: Institute for Rational-Emotive Thorapy.