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BEM-ESTAR NA
VIDA
PROFISSIONAL
Felicidade e
espiritualidade
Pablo Rodrigo Bes
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
Introdução
Para serem felizes, as pessoas precisam encontrar um sentido mais amplo em suas
vidas, o que pode ser facilitado pelo desenvolvimento de sua espiritualidade. A
espiritualidade envolve uma conexão com algo maior, que transcende a perspec-
tiva da concretude da vida, o que nos leva a agir de acordo com nossas crenças.
Assim, a espiritualidade pode ser relacionada com a felicidade, influenciando-a
positivamente. Indo além do debate celebrado no lastro de descobertas das
ciências naturais (com suas leis e regras gerais), tal reflexão sobre espiritualidade
e felicidade alcança possibilidades importantes para o entendimento dos dife-
rentes elementos que podem influenciar nosso modo de viver e nossas crenças
e fortalecer valores que guiam nosso autoconhecimento, nossa vida relacional e
nosso potencial de enfrentamento de desafios e dificuldades frente às diferentes
experiências da vida nossa de cada dia.
Neste capítulo, você vai aprender sobre a espiritualidade e suas caracterís-
ticas, distinguindo-a da religião e relacionando-a com a busca do ser humano
pela felicidade.
2 Felicidade e espiritualidade
Espiritualidade e religião
A sociedade ocidental é fortemente marcada pelas religiões cristãs, sejam
elas vinculadas à Igreja Católica tradicional ou às mais variadas deno-
minações que surgiram após a Reforma Protestante, promovida a partir
do século XVI na Europa. Isso faz com que grande parte da população no
Ocidente aborde a divindade e questionamentos existenciais pelo viés das
explicações propostas pelas doutrinas de tais religiões. Praticamente todas
as religiões creem que a sua explicação é a verdadeira sobre a vida, sobre
Deus, sobre os motivos da existência e sobre o nosso destino final, o que
confronta o debate pós-moderno, que procura romper, em alguma medida,
com as narrativas positivistas, concretas, estruturais, centralizadoras e de
generalização que foram traçadas na modernidade. Neste caminho, con-
temporaneamente, podemos distinguir religião de espiritualidade; nossa
intenção é apontar as diferenças e as aproximações possíveis entre esses
dois conceitos.
Para que possamos diferenciar religião de espiritualidade, primeiramente
precisamos definir essas concepções. Começamos com Koenig (2012), iden-
tificando aspectos importantes para o entendimento sobre religião:
sistema de crenças;
práticas;
rituais;
comunicação com o divino;
escrituras;
ensinamentos sobre a vida;
ensinamentos sobre o propósito da vida;
responsabilidades;
vida após a morte.
Religião pode ser definida como um sistema de crenças e práticas observados por
uma comunidade, apoiado por rituais que reconhecem, idolatram, comunicam-se
com, ou aproximam-se do Sagrado, do Divino, de Deus (em culturas ocidentais),
ou da Verdade Absoluta da Realidade, ou do nirvana (em culturas orientais). A
religião normalmente se baseia em um conjunto de escrituras ou ensinamentos
que descrevem o significado e o propósito do mundo, o lugar do indivíduo nele,
as responsabilidades dos indivíduos uns com os outros e a natureza da vida após
a morte.
Agora que conhecemos uma noção para a religião e como ela opera na
vida das pessoas, podemos examinar a concepção de espiritualidade, para
entendermos possíveis aproximações e distanciamentos entre tais conceitos.
A espiritualidade pode ser relacionada ao sentido que denotamos ao viver, às
razões contíguas às nossas experiências, ao longo da nossa vida relacional,
de modo ampliado. Um dos principais pontos que distinguem a espirituali-
dade da religião é o modo de vida pautado pela união das crenças, rituais e
práticas que muitas vezes restringem a liberdade de seus praticantes. Fleck
et al. (2003, p. 448), ao comentarem sobre os avanços na área da medicina
oriental, que correlacionam a espiritualidade e a religiosidade ao binômio
saúde/doença, distinguem os termos da seguinte maneira: “a espirituali-
dade coloca questões a respeito do significado da vida e da razão de viver,
não limitando-se a alguns tipos de crenças ou práticas [...], religiosidade
é a extensão na qual um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião”.
Veremos, no decorrer deste capítulo, que existem elementos em comum
entre ambos, isto é, as pessoas podem elevar-se espiritualmente a partir
das religiões, sejam elas ocidentais ou orientais, desde que produzam o
sentido que entendem que sua vida possui. Além disso, muitas das atitudes
mentais e emoções positivas costumam se fazer presentes nas atividades
religiosas. Porém, pode ocorrer, conforme manifesta a Organização Mundial
de Saúde (OMS), que “algumas pessoas sentem que a religião tem uma
influência negativa em suas vidas” (WHOQOL, 1998, p. 6, tradução nossa).
Essa negatividade passa a ocorrer quando as crenças limitam o pensamento
e impedem a reflexividade própria de cada um.
Vale a pena retomarmos o próprio conceito de saúde da OMS que hoje
baliza o seu entendimento ao redor do mundo: “um estado dinâmico de
completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não meramente a
4 Felicidade e espiritualidade
em uma força superior, que pode ser um deus, uma energia ou o próprio
Cosmos, a espiritualidade promove essa conexão com esse algo maior, que
se manifesta de forma invisível e intangível.
Assim, muitas pessoas poderão encontrar na religião a forma de elevar sua
espiritualidade, enquanto outras dispensam a frequência de ritos e práticas
e de uma doutrina específica para que alcancem esse desenvolvimento. A
espiritualidade pode permitir que as pessoas experimentem várias tendências
de pensamento e culturas religiosas, fazendo com que se apropriem de forma
livre e particular dos fragmentos que lhes interessam e que se coadunam com
sua forma de pensar e entender o mundo, sem a obrigatoriedade de exercer
algum culto ou adoração.
Ao analisar o conceito de espiritualidade e sua relação com a vida humana,
Vaillant (2010, p. 5) acrescenta:
[...] a espiritualidade é como o amálgama de emoções positivas que nos une aos
outros seres humanos e à nossa experiência com o divino. Como quer que a con-
cebamos, ela tem uma profunda base psicobiológica, uma realidade arraigada nas
emoções humanas positivas que precisa ser mais bem compreendida.
Assim, nosso corpo funciona com base também naquilo que acreditamos
em termos espirituais, o que nos ajuda a compreender melhor os motivos
de estarmos vivendo neste planeta, neste período específico, bem como
nossa relação com os demais elementos da natureza e do cosmos. Esse
funcionamento psicobiológico (mente e corpo) fica evidente a partir das
emoções positivas que costumam estar presentes em uma pessoa que
considera a espiritualidade importante em sua vida. Dentre as emoções
positivas espiritualmente importantes, estão “amor, esperança, alegria,
perdão, compaixão, fé, reverência e gratidão” (VAILLANT, 2010, p. 6). Tais
emoções positivas podem nos ajudar não apenas a atingir um maior nível de
compreensão da importância que a nossa vida possui, mas também servir
de base fundamental para que possamos ser felizes, conforme veremos
nas próximas seções.
Partindo da premissa de que a espiritualidade possui um caráter univer-
sal, Silva e Silva (2014, p. 209), comentam que ela “está sempre presente no
nosso cotidiano, no trabalho, na saúde, na educação, no lazer, na religião,
na intimidade de cada um, entre agnósticos e ateus, no deitar, no levantar,
enfim, em todos os tempos e momentos da nossa existência”.
6 Felicidade e espiritualidade
Ora, se o liquidificador for o universo, então é claro que a nossa vida só faz senti-
do, e, portanto, só pode ser boa, se estivermos verdadeiramente inseridos nesta
máquina universal. E isso pressupõe, de nossa parte, cumprir certa função, certa
tarefa. É como se tivéssemos nascido porque abriu uma vaga na máquina cósmica,
que precisa ser preenchida por alguém. Nesse momento, a natureza nos brindaria
com algumas aptidões que seriam as mais adequadas para assumirmos aquela
vaga (BARROS FILHO; KARNAL, 2017, p. 14).
levar a compreender aquilo que Portal (2012) chama de inteireza do ser hu-
mano. A autora defende a ideia de que deveria existir uma educação para o
desenvolvimento dessa compreensão espiritual de nossa existência, definida
por ela como:
vida têm um propósito ou que existe um papel maior que você representa no
universo, dificilmente gozará de felicidade autêntica.
Isso posto, no estabelecimento de relações entre a espiritualidade e a
felicidade, podemos realçar que a espiritualidade pode contribuir para que
alcancemos o estado de felicidade nesta vida, principalmente a partir de sua
relação com os seguintes aspectos essenciais:
vida boa;
vida significativa;
bem-estar;
relacionamentos;
realização;
inteligência emocional;
saúde física;
saúde mental.
A vida boa consiste em obter felicidade usando diariamente, nos principais setores
da vida, as suas forças pessoais. A vida significativa acrescenta outro componente:
a utilização dessas mesmas forças para promover o conhecimento, o poder ou a
bondade. A vida que faz isso carrega dentro dela o significado, e se Deus estiver
no final, será uma vida sagrada.
Que busquemos conhecer aquilo que é bom, que edifica e faz bem à alma
em outras origens, o que pode ampliar nossa espiritualidade e nos ajudar a
construir o sentido de nossas vidas, o nosso ikigai, o que também envolve
obrigatoriamente o nível de troca e parceria que estabelecemos com aqueles
com quem vivemos em comunidade.
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Referências
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Leitura recomendada
GOLEMAN, D. Trabalhando com a inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
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