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FELICIDADE E

BEM-ESTAR NA
VIDA
PROFISSIONAL
Felicidade e
espiritualidade
Pablo Rodrigo Bes

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Diferenciar espiritualidade de religião.


>> Reconhecer a espiritualidade como uma forma de pensar a vida.
>> Relacionar a espiritualidade à felicidade.

Introdução
Para serem felizes, as pessoas precisam encontrar um sentido mais amplo em suas
vidas, o que pode ser facilitado pelo desenvolvimento de sua espiritualidade. A
espiritualidade envolve uma conexão com algo maior, que transcende a perspec-
tiva da concretude da vida, o que nos leva a agir de acordo com nossas crenças.
Assim, a espiritualidade pode ser relacionada com a felicidade, influenciando-a
positivamente. Indo além do debate celebrado no lastro de descobertas das
ciências naturais (com suas leis e regras gerais), tal reflexão sobre espiritualidade
e felicidade alcança possibilidades importantes para o entendimento dos dife-
rentes elementos que podem influenciar nosso modo de viver e nossas crenças
e fortalecer valores que guiam nosso autoconhecimento, nossa vida relacional e
nosso potencial de enfrentamento de desafios e dificuldades frente às diferentes
experiências da vida nossa de cada dia.
Neste capítulo, você vai aprender sobre a espiritualidade e suas caracterís-
ticas, distinguindo-a da religião e relacionando-a com a busca do ser humano
pela felicidade.
2 Felicidade e espiritualidade

Espiritualidade e religião
A sociedade ocidental é fortemente marcada pelas religiões cristãs, sejam
elas vinculadas à Igreja Católica tradicional ou às mais variadas deno-
minações que surgiram após a Reforma Protestante, promovida a partir
do século XVI na Europa. Isso faz com que grande parte da população no
Ocidente aborde a divindade e questionamentos existenciais pelo viés das
explicações propostas pelas doutrinas de tais religiões. Praticamente todas
as religiões creem que a sua explicação é a verdadeira sobre a vida, sobre
Deus, sobre os motivos da existência e sobre o nosso destino final, o que
confronta o debate pós-moderno, que procura romper, em alguma medida,
com as narrativas positivistas, concretas, estruturais, centralizadoras e de
generalização que foram traçadas na modernidade. Neste caminho, con-
temporaneamente, podemos distinguir religião de espiritualidade; nossa
intenção é apontar as diferenças e as aproximações possíveis entre esses
dois conceitos.
Para que possamos diferenciar religião de espiritualidade, primeiramente
precisamos definir essas concepções. Começamos com Koenig (2012), iden-
tificando aspectos importantes para o entendimento sobre religião:

„„ sistema de crenças;
„„ práticas;
„„ rituais;
„„ comunicação com o divino;
„„ escrituras;
„„ ensinamentos sobre a vida;
„„ ensinamentos sobre o propósito da vida;
„„ responsabilidades;
„„ vida após a morte.

Acompanhando a lista, percebemos que a religião funciona a partir do


estabelecimento de um sistema de crenças que costuma ser ensinado aos
seus membros e que frequentemente fundamenta-se em escrituras sagradas,
como a Bíblia, para ensinar acerca da vida, do papel dos sujeitos neste mundo
e dos compromissos que devem assumir ao longo da vida para usufruírem
de condições melhores no porvir. Além disso, numa religião existem rituais e
práticas específicas (batismo, sacramento, casamento, etc.) ao longo da vida
dos adeptos, que visam prepará-los para esse retorno com o Divino após a
morte. Aqueles que frequentam uma religião passam a viver a partir de seus
Felicidade e espiritualidade 3

preceitos, cumprindo regras e dogmas e pautando sua fé na recompensa que


advirá por tais comportamentos. Nesse caso, a religião passa a fazer parte
importante e determinante de sua cultura, de seu modo de viver, conforme
cita Koenig (2012, p. 11):

Religião pode ser definida como um sistema de crenças e práticas observados por
uma comunidade, apoiado por rituais que reconhecem, idolatram, comunicam-se
com, ou aproximam-se do Sagrado, do Divino, de Deus (em culturas ocidentais),
ou da Verdade Absoluta da Realidade, ou do nirvana (em culturas orientais). A
religião normalmente se baseia em um conjunto de escrituras ou ensinamentos
que descrevem o significado e o propósito do mundo, o lugar do indivíduo nele,
as responsabilidades dos indivíduos uns com os outros e a natureza da vida após
a morte.

Agora que conhecemos uma noção para a religião e como ela opera na
vida das pessoas, podemos examinar a concepção de espiritualidade, para
entendermos possíveis aproximações e distanciamentos entre tais conceitos.
A espiritualidade pode ser relacionada ao sentido que denotamos ao viver, às
razões contíguas às nossas experiências, ao longo da nossa vida relacional,
de modo ampliado. Um dos principais pontos que distinguem a espirituali-
dade da religião é o modo de vida pautado pela união das crenças, rituais e
práticas que muitas vezes restringem a liberdade de seus praticantes. Fleck
et al. (2003, p. 448), ao comentarem sobre os avanços na área da medicina
oriental, que correlacionam a espiritualidade e a religiosidade ao binômio
saúde/doença, distinguem os termos da seguinte maneira: “a espirituali-
dade coloca questões a respeito do significado da vida e da razão de viver,
não limitando-se a alguns tipos de crenças ou práticas [...], religiosidade
é a extensão na qual um indivíduo acredita, segue e pratica uma religião”.
Veremos, no decorrer deste capítulo, que existem elementos em comum
entre ambos, isto é, as pessoas podem elevar-se espiritualmente a partir
das religiões, sejam elas ocidentais ou orientais, desde que produzam o
sentido que entendem que sua vida possui. Além disso, muitas das atitudes
mentais e emoções positivas costumam se fazer presentes nas atividades
religiosas. Porém, pode ocorrer, conforme manifesta a Organização Mundial
de Saúde (OMS), que “algumas pessoas sentem que a religião tem uma
influência negativa em suas vidas” (WHOQOL, 1998, p. 6, tradução nossa).
Essa negatividade passa a ocorrer quando as crenças limitam o pensamento
e impedem a reflexividade própria de cada um.
Vale a pena retomarmos o próprio conceito de saúde da OMS que hoje
baliza o seu entendimento ao redor do mundo: “um estado dinâmico de
completo bem-estar físico, mental, espiritual e social e não meramente a
4 Felicidade e espiritualidade

ausência de doenças” (WHOQOL, 1998, p. 4, tradução e grifo nossos). Logo, para


que tenhamos qualidade de vida e bem-estar presentes em nossos dias, nos
fazendo avançar rumo à felicidade, precisamos compreender o que envolve
o conceito de espiritualidade. Podemos definir a espiritualidade a partir de
alguns componentes essenciais (ROSS, 1995; SILVA; SILVA, 2014; VAILLANT,
2010; WOQL, 1998):

„„ encontrar significado e razão de viver;


„„ preencher a vida;
„„ ter esperança;
„„ ter vontade de viver;
„„ cultivar fé em si mesmo;
„„ ter fé nos outros;
„„ conectar-se com algo maior;
„„ transcender o visível;
„„ incluir ou não a religião;
„„ ser universal;
„„ promover emoção positiva.

Acompanhando a lista, podemos resumir a espiritualidade como um es-


forço de busca por uma compreensão holística sobre a vida, em que mente,
corpo e alma são considerados para que seja produzido um maior sentido.
Conforme comentam Silva e Silva (2014, p. 209) “A espiritualidade como ciência
é a atividade cerebral inata partilhada por todos os homens; é a emoção
positiva”. Assim, a vida do indivíduo espiritualizado pode preencher-se com
emoções positivas fundamentais para que ele reconheça-se feliz em diferentes
momentos ao longo do seu ciclo vital.

O holismo refere-se à possibilidade de entender algo pelo seu as-


pecto global, pelo inteiro, pelo todo, contrariando o reducionismo
da ciência proposta por Descartes, em que fragmentam-se as partes para o
conhecimento do todo. Assim, no holismo o ser humano não poderia ser visto
de forma dissociada, separado em corpo, mente e alma.

A espiritualidade, tal qual a religião, tem uma conotação transcendental,


que se manifesta na fé dos sujeitos em si próprios e nos outros e não em
relação a algum ser salvador ou mediador desse processo. Ainda que se creia
Felicidade e espiritualidade 5

em uma força superior, que pode ser um deus, uma energia ou o próprio
Cosmos, a espiritualidade promove essa conexão com esse algo maior, que
se manifesta de forma invisível e intangível.
Assim, muitas pessoas poderão encontrar na religião a forma de elevar sua
espiritualidade, enquanto outras dispensam a frequência de ritos e práticas
e de uma doutrina específica para que alcancem esse desenvolvimento. A
espiritualidade pode permitir que as pessoas experimentem várias tendências
de pensamento e culturas religiosas, fazendo com que se apropriem de forma
livre e particular dos fragmentos que lhes interessam e que se coadunam com
sua forma de pensar e entender o mundo, sem a obrigatoriedade de exercer
algum culto ou adoração.
Ao analisar o conceito de espiritualidade e sua relação com a vida humana,
Vaillant (2010, p. 5) acrescenta:

[...] a espiritualidade é como o amálgama de emoções positivas que nos une aos
outros seres humanos e à nossa experiência com o divino. Como quer que a con-
cebamos, ela tem uma profunda base psicobiológica, uma realidade arraigada nas
emoções humanas positivas que precisa ser mais bem compreendida.

Assim, nosso corpo funciona com base também naquilo que acreditamos
em termos espirituais, o que nos ajuda a compreender melhor os motivos
de estarmos vivendo neste planeta, neste período específico, bem como
nossa relação com os demais elementos da natureza e do cosmos. Esse
funcionamento psicobiológico (mente e corpo) fica evidente a partir das
emoções positivas que costumam estar presentes em uma pessoa que
considera a espiritualidade importante em sua vida. Dentre as emoções
positivas espiritualmente importantes, estão “amor, esperança, alegria,
perdão, compaixão, fé, reverência e gratidão” (VAILLANT, 2010, p. 6). Tais
emoções positivas podem nos ajudar não apenas a atingir um maior nível de
compreensão da importância que a nossa vida possui, mas também servir
de base fundamental para que possamos ser felizes, conforme veremos
nas próximas seções.
Partindo da premissa de que a espiritualidade possui um caráter univer-
sal, Silva e Silva (2014, p. 209), comentam que ela “está sempre presente no
nosso cotidiano, no trabalho, na saúde, na educação, no lazer, na religião,
na intimidade de cada um, entre agnósticos e ateus, no deitar, no levantar,
enfim, em todos os tempos e momentos da nossa existência”.
6 Felicidade e espiritualidade

Assim, resta-nos compreender como a espiritualidade pode nos ajudar a


elucidar o sentido de nossa vida, aspecto fundamental para que tenhamos
condições de vivenciar a felicidade de forma plena. Na próxima seção, vamos
estudar a relação existente entre a espiritualidade e a forma como podemos
compreender a vida.

Compreendendo a vida pela espiritualidade


A humanidade tem procurado explicações para o sentido da vida desde a
Antiguidade. De fato, essa busca por compreensão está presente na mitologia
grega e romana, na filosofia, na religião e em vários campos das ciências
modernas. Tamanho histórico de diversidade faz com que, em muitos casos,
existam divergências e opiniões radicais quanto a possíveis respostas a três
perguntas básicas: De onde viemos? Por que estamos aqui? E para onde iremos
depois? Embora pareçam simples, tais questionamentos desafiam o enten-
dimento de cientistas, filósofos, líderes religiosos e espirituais, mas podem
vir a ser respondidos pelo desenvolvimento de nossa espiritualidade, pois,
conforme aprendemos anteriormente, a espiritualidade tem uma conotação
íntima, pessoal e particular, que pode nos conectar com o transcendente a
partir de nossas próprias convicções, atuando diretamente na forma como
nossas emoções e atitudes se manifestam. Ormezzano e Gallina (2012, p.
129) acrescentam:

[...] desde a Antiguidade, as relações humanas com a natureza fundamentavam-se


em uma cosmologia que incluía deuses, semideuses e espíritos, ou as forças da
natureza eram dotadas de alma, conferindo sentido de separação, não de união,
ao ser que se sentia a mercê dessas potências superiores.

Mas a partir do entendimento holístico e espiritual do ser humano, abre-


-se a possibilidade de compreendê-lo de forma integrada ao cosmos, sendo
também visto como potência, como elemento a se expandir, a se modificar
e a seguir se transformando, como os elementos básicos da cosmogonia: a
água, o ar, a terra e o fogo.
Uma forma de procurar responder os questionamentos mais existen-
ciais, que fazem com que nos sintamos impotentes e, às vezes, desam-
parados física e mentalmente, é buscar uma visão ampliada da vida pela
perspectiva espiritual. Para nos ajudar a compreender os benefícios do
desenvolvimento espiritual em nossa vida, vamos abordar os aspectos
que compõem a Figura 1.
Felicidade e espiritualidade 7

Figura 1. A espiritualidade contribui decisivamente para que possamos contemplar e com-


preender esses aspectos em nossas vidas.

A partir do entendimento de que todos somos seres intrinsicamente espi-


rituais, que somos mais do que nosso intelecto, que nossa cognição e que os
sistemas biológicos que nos constituem, e que não iniciamos nossa jornada e
nem a finalizaremos neste estado atual e neste local onde nos encontramos,
expandem-se as possibilidades de consciência sobre nós mesmos, propiciando
um autoconhecimento efetivo.
Existe um fator de liberdade envolvido nas escolhas que fazemos e nos
caminhos que poderão nos levar ao entendimento espiritual, o que nos per-
mite mesclar ideias, teorias, crenças e mitos, da forma como considerarmos
mais conveniente, formando nossa própria ética sobre a vida e o bem-viver,
balizando nossos atos e servindo como uma filosofia de vida. Assim, viver
passa a ser conhecer-se e permitir-se mudar, transformando-se para progredir,
8 Felicidade e espiritualidade

para ser melhor e, assim, também influenciar positivamente a vida daqueles


que conosco convivem e o próprio planeta de que fazemos parte.
Para melhor entendermos como a espiritualidade nos ajuda a compre-
ender a vida e seu sentido, podemos nos valer da metáfora produzida por
Barros Filho e Karnal (2017), que compara o universo a um liquidificador, e
nós seríamos uma de suas peças. Assim, tanto o liquidificador precisaria de
nossa presença para funcionar adequadamente, de modo ordenado, quanto
nós deveríamos perceber nossa relação com o contexto maior que compõe
tal aparelho:

Ora, se o liquidificador for o universo, então é claro que a nossa vida só faz senti-
do, e, portanto, só pode ser boa, se estivermos verdadeiramente inseridos nesta
máquina universal. E isso pressupõe, de nossa parte, cumprir certa função, certa
tarefa. É como se tivéssemos nascido porque abriu uma vaga na máquina cósmica,
que precisa ser preenchida por alguém. Nesse momento, a natureza nos brindaria
com algumas aptidões que seriam as mais adequadas para assumirmos aquela
vaga (BARROS FILHO; KARNAL, 2017, p. 14).

Percebemos que, a partir da espiritualidade, podemos compreender melhor


os aspectos cotidianos da vida, preenchendo-a com gratidão, fé e esperança,
pelo simples fato de estarmos vivos e pertencermos a um projeto maior que
a nossa existência. Isso contribui para que tenhamos uma vida boa, isto é,
que se ampliem as possibilidades de sermos felizes a partir dos papéis que
desempenhamos ao longo da vida. Ocorre, porém, que “podemos viver sem
perceber o liquidificador, sem sermos avisados da presença dele” (BARROS
FILHO; KARNAL, 20107, p. 14). Nesse caso, a espiritualidade pode nos levar a
buscar respostas sobre os mais variados aspectos de nossa vida e nossa
relação com a vida planetária, com o universo e com o cosmo, inclusive para
perceber a possível desordem e caos que nele coexistem, fornecendo-nos
um direcionamento, um caminho a seguir.
Quando não existe essa busca espiritual, as pessoas tendem a se sentir
vazias, sem propósito e completamente entregues aos condicionamentos
de suas culturas, sem perceber que os objetivos de nossa existência podem
ser muito maiores. Essa existência sem significados pode, inclusive, afetar
a saúde mental das pessoas, produzindo angústias, ansiedades, estresse e
depressão, que, caso não devidamente percebidos e tratados, podem levar
até mesmo à morte ou à renúncia da própria vida.
A espiritualidade, assim, pode ser associada também à nossa saúde e
felicidade pelo viés da medicina e da psicologia positiva, o que pode nos
Felicidade e espiritualidade 9

levar a compreender aquilo que Portal (2012) chama de inteireza do ser hu-
mano. A autora defende a ideia de que deveria existir uma educação para o
desenvolvimento dessa compreensão espiritual de nossa existência, definida
por ela como:

Dádiva divina que me foi concedida como oportunidade única de autoconheci-


mento, expansão de consciência, autoconstrução, num processo de constante e
ininterrupta aprendizagem na perspectiva de desenvolvimento de uma Educação
que privilegie uma consciência holística, ecológica e integradora, manifestada,
consciente ou inconscientemente, por meio de comportamento individual e social
construtivo, edificante e solidário. Vida para mim é partilha (PORTAL, 2012, p. 110).

Entender a vida de forma ampliada a partir da espiritualidade nos permite,


acompanhando a citação da autora, buscar o autoconhecimento e a expan-
são de nossa potencialidade, ao continuar aprendendo e interagindo com
as dimensões físicas, emocionais e transcendentais que nos formam. Além
disso, nos permite perceber que fazemos parte de algo maior e que nossos
atos implicam em efeitos no universo.
Por sua vez, Teixeira (2007, p. 90) afirma que, “vive-se para evoluir, progredir
sempre e aperfeiçoar-se rumo à Plenitude do Ser Cósmico”. Nesse caso, a
espiritualidade contribui para que nos mantenhamos motivados em busca
de nos tornarmos nossa melhor versão, aprimorando aptidões e capacida-
des, aprendendo constantemente e praticando atos repletos de emoções
positivas, como amor, esperança, solidariedade, altruísmo, confiança e fé
em si e nos outros.
Ao considerar a espiritualidade também urgente no contexto organiza-
cional contemporâneo, como forma de melhor serem conduzidas as relações
interpessoais entre os seres humanos, Bettega (2013) aponta o elemento ético
que deve existir nesse debate:

[...] a dinâmica da experiência de espiritualidade contempla um alinhamento com


a formação da conduta ética, pois ambas possuem critérios semelhantes, visto
que tanto a postura ética quanto a espiritual estão alicerçadas em virtudes como
a justiça e os valores fundados na verdade (BETTEGA, 2013, p. 43).

Desse modo, a espiritualidade tanto é capaz de transformar a vida do


indivíduo que a desenvolve quanto daqueles com quem ele compartilha suas
relações de trabalho, ajudando a construir um ambiente mais justo, íntegro e
igualitário, devendo ser, portanto, considerada como um acréscimo importante
ao capital humano organizacional, conforme percebemos no exemplo a seguir.
10 Felicidade e espiritualidade

João é o gerente de produção de uma grande empresa metalúrgica e


uma pessoa altamente espiritualizada, que entende que suas ações
repercutem em amplitude maior do que a racionalidade pode alcançar e que
o sentido de sua vida está em ajudar os outros a encontrarem a realização e a
felicidade no que fazem. Assim, adota uma postura profissional muito correta,
atenta aos aspectos da cultura organizacional e a um conjunto de valores que
considera essencial no trabalho, como confiança, lealdade, honestidade e ex-
celência. A partir desse entendimento, suas ações e momentos de comunicação
e colaboração com aqueles que lidera costumam ser agradáveis, reconhecidos
pela educação, gentileza e generosidade, o que produz efeitos diretos no clima
de trabalho, no desempenho e na vida de todos os colaboradores.

Percebemos, desse modo, que a espiritualidade contribui de forma decisiva


para que se ampliem as possibilidades de pensamento sobre a vida, elucidando
aspectos que extrapolam as dimensões físicas e cognitivas e sendo capaz
de levar os sujeitos a uma melhor noção de sua participação e integração
com o universo. A espiritualização abre o caminho para a manifestação de
emoções positivas, essenciais para o bem-viver, que podem elevar tanto
aspectos individuais quanto sociais. Na próxima seção, analisaremos como
a espiritualidade se relaciona com a felicidade em nossas vidas.

A conexão entre a espiritualidade


e a felicidade
A felicidade tem sido almejada pelo ser humano contemporâneo com muita
intensidade, produzindo mitos e efeitos distorcidos sobre o conceito, que cos-
tumam associá-lo com fatores externos que atendem ao hedonismo. Assim,
para que se obtenha o prazer imediato, para que se possa usufruir do melhor da
vida, grande parte da população entende que precisa ter poder aquisitivo, pois o
consumo é a própria felicidade, ou que a felicidade pode estar no outro, naquele
parceiro que é escolhido para nos relacionarmos amorosamente, ou ainda que
trabalhando compulsiva e permanentemente em algo que se gosta a felicidade irá
advir. É importante reconhecermos, especialmente numa sociedade organizada
em torno do modo de produção capitalista, que ter renda é importante, pois
satisfaz necessidades essenciais à vida, e ter um relacionamento amoroso e
realizar boas escolhas profissionais também são aspectos importantes de nossa
vida. No entanto, são fatores externos ao ser humano, enquanto o constructo
da felicidade também abrange possibilidades de realização de forma intrínseca.
Caso você não esteja bem consigo mesmo, não se conheça, não sinta que sua
Felicidade e espiritualidade 11

vida têm um propósito ou que existe um papel maior que você representa no
universo, dificilmente gozará de felicidade autêntica.
Isso posto, no estabelecimento de relações entre a espiritualidade e a
felicidade, podemos realçar que a espiritualidade pode contribuir para que
alcancemos o estado de felicidade nesta vida, principalmente a partir de sua
relação com os seguintes aspectos essenciais:

„„ vida boa;
„„ vida significativa;
„„ bem-estar;
„„ relacionamentos;
„„ realização;
„„ inteligência emocional;
„„ saúde física;
„„ saúde mental.

Assim, precisamos reconhecer que o aspecto espiritual se reveste de


importância para que caminhemos rumo à felicidade, pois contribui em vários
dos pontos que precisamos investir para nos tornarmos felizes ao longo da
vida. Entre eles, podemos citar os próprios conceitos que balizam os estudos
da psicologia positiva (SELIGMAN, 2009):

„„ Emoções positivas — são aquelas que produzem a sensação de bem-


-estar, como otimismo, prazer, excitação, êxtase, conforto, gratidão,
confiança, esperança e fé.
„„ Características/qualidades positivas — relacionam-se com os aspec-
tos componentes do ser humano, seus pontos fortes e virtudes, suas
habilidades específicas, como a inteligência e demais capacidades que
o permitam viver plenamente em sociedade.
„„ Instituições positivas — termo criado para abranger tanto os espaços
culturais quanto os paradigmas que dão suporte à nossa vida con-
temporânea, com destaque para a democracia, a liberdade e a família,
em que as virtudes podem vir a se manifestarem e gerar as emoções
positivas de que precisamos.

Assim, no âmbito da psicologia positiva, conforme definida por seu fundador,


Martin Seligman (2009), precisa haver o encontro de três pontos fundamentais
para que exista a felicidade plena: emoções positivas, engajamento e significado.
Esses três pontos podem ser alcançados e fortalecidos a partir da espirituali-
12 Felicidade e espiritualidade

dade, levando a emoções positivas como gratidão, esperança, perdão, bondade


e solidariedade e contribuindo para a identificação de nossas virtudes e para
o entendimento dos paradigmas que norteiam nossa vida em sociedade. Além
disso, a espiritualidade produz engajamento e distanciamento do olhar egocên-
trico e narcisista em prol de outra causa maior, em prol de ajudar alguém, de
fazer bem ao mundo em que vivemos. Acima de tudo, a espiritualidade é capaz
de nos preencher com o significado de nossa existência, fator fundamental
para que sejamos felizes. Ao buscar analisar pelo âmbito espiritual o sentido
da vida e sua relação com a psicologia positiva, Seligman (2009, p. 380) conclui:

A vida boa consiste em obter felicidade usando diariamente, nos principais setores
da vida, as suas forças pessoais. A vida significativa acrescenta outro componente:
a utilização dessas mesmas forças para promover o conhecimento, o poder ou a
bondade. A vida que faz isso carrega dentro dela o significado, e se Deus estiver
no final, será uma vida sagrada.

Percebemos nas palavras do autor a expressão de sua crença espiritual


com viés ocidental cristão, mas o mesmo se aplica a qualquer outra religião
ocidental ou oriental (budismo, xintoísmo, taoísmo, islamismo) ou a quaisquer
perspectivas espirituais e holísticas hoje existentes (que se dissociam da
religião), em que a vida sagrada é aquela vivida considerando os aspectos
espirituais a partir da conjunção de todas as nossas forças, para nos promover
a felicidade autêntica e plena. Assim, a vida plena de significado pode se
valer da espiritualidade para atingir o fato que a distingue: voltar-se para
algo muito maior do que simplesmente viver.
Em seus estudos posteriores, visando tornar a psicologia positiva mais
facilmente aplicável a partir da criação de um constructo que permitisse ao ser
humano florescer, Seligman (2012) adere ao conceito de bem-estar e soma outros
dois princípios àqueles anteriormente criados (emoções positivas, engajamento
e sentido/significado): realização e relacionamentos positivos. A realização,
para o autor, remete às “coisas que os seres humanos decidem fazer apenas
por fazer, quando isentos de coerção” (SELIGMAN, 2012, p. 17). Ao referir-se aos
relacionamentos positivos, Seligman (2012, p. 17) comenta que “as outras pessoas
são o melhor antídoto para os momentos ruins da vida e a fórmula mais confi-
ável para os bons momentos”. Se considerarmos que pessoas espiritualizadas
são mais suscetíveis a desenvolverem emoções positivas como otimismo, fé e
empatia, esses relacionamentos tendem a ser ainda melhores e a impactar as
vidas daqueles com quem convivem de forma ainda mais gratificante.
Outro ponto importante a ser considerado é o fato da própria medicina
estar admitindo em suas pesquisas recentes uma ligação entre o aspecto
Felicidade e espiritualidade 13

espiritual e os processos de cura do corpo humano, o que expande o signifi-


cado holístico de nossa existência. Ao considerarmos a saúde e sua relação
com a espiritualidade, entendemos que tanto os aspectos da saúde física
quanto os da saúde mental são beneficiados. A Comissão de Qualidade de
Vida da Organização Mundial de Saúde deixa isso claro ao declarar:

Os pacientes e médicos começaram a perceber o valor de elementos como fé, es-


perança e compaixão no processo de cura. O valor de tais elementos “espirituais”
na saúde e qualidade de vida levaram a pesquisas neste campo em uma tentativa
de avançar em direção a uma visão mais holística da saúde, que inclui uma dimen-
são não material, enfatizando a conectividade da mente e do corpo. Pesquisas
em áreas como a psiconeuroimunologia, por exemplo, mostraram a ligação entre
como nos sentimos e como nossa saúde física, neste caso o sistema imunológico,
pode ser afetada. Exemplos de relações mente–corpo são a essência da medicina
psicossomática (WHOQL, 1998, p. 7, tradução nossa).

Como podemos verificar, a espiritualidade afeta todos os âmbitos de nossa


existência, sendo capaz de interferir diretamente em nosso corpo e mente.
Se considerarmos que grande parte dos atributos que podem nos levar à
felicidade são internos e subjetivos, percebemos que o autoconhecimento é
essencial para que possamos encontrar o equilíbrio emocional nas várias áreas
que compõem a nossa vida, sendo a espiritualidade uma excelente escolha
nesse processo. Considerando ainda que a qualidade dos relacionamentos que
cultivamos é igualmente importante para o bem-viver e para o significado da
vida, o desenvolvimento espiritual também amplia e qualifica esse convívio.
Ao concluirmos este capítulo, devemos destacar o quanto a espirituali-
dade se associa com aquilo que a filosofia de vida japonesa chama de ikigai,
conforme García e Miralles (2018, 10-11):

Segundo os japoneses, todo mundo possui um ikigai, o que um filósofo francês


traduziria como raison d’être, razão de ser. Alguns encontraram seu ikigai e têm
consciência dele, outros o carregam dentro de si, mas ainda o procuram. O ikigai
está escondido em nós, e é necessária uma investigação paciente para chegar até
o mais profundo de nosso ser e encontrá-lo. [...] o ikigai é a razão pela qual nos
levantamos pela manhã. [...] Ter um ikigai claro e definido, uma grande paixão, dá
satisfação, felicidade e significado à vida.

Que busquemos conhecer aquilo que é bom, que edifica e faz bem à alma
em outras origens, o que pode ampliar nossa espiritualidade e nos ajudar a
construir o sentido de nossas vidas, o nosso ikigai, o que também envolve
obrigatoriamente o nível de troca e parceria que estabelecemos com aqueles
com quem vivemos em comunidade.
14 Felicidade e espiritualidade

Referências
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TEIXEIRA, C. M. O ser humano, espiritualidade, tanatologia, bioética à luz do Espiritismo.
In: GOLDIM, J. R. (org.). Bioética e Espiritualidade. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007. p. 84-117.
VAILLANT, G. E. Fé: evidências científicas. Barueri, SP: Manole, 2010.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. WHOQOL and spirituality, religiousness and personal
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Leitura recomendada
GOLEMAN, D. Trabalhando com a inteligência emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.
Felicidade e espiritualidade 15

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