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20/05/2019 Pedagogia da destruição - 15/05/2019 - Opinião - Folha

OPINIÃO JOSÉ BENTO FERREIRA E FABIO CESAR ALVES

Pedagogia da destruição
O professor torna-se suspeito, o mal a ser vigiado

Cartaz na Unifesp de Osasco (Grande SP) contra cortes na educação - Marcelo Justo -
10.mai.19/UOL

15.mai.2019 às 2h00

EDIÇÃO IMPRESSA (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2019/05/15/)

José Bento Ferreira

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20/05/2019 Pedagogia da destruição - 15/05/2019 - Opinião - Folha

Fabio Cesar Alves

Nesta quarta-feira (15) (https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/usp-unesp-e-unicamp-convocam-


professores de diferentes segmentos
comunidade-a-debater-cortes-na-educacao-no-dia-15.shtml)

vão aderir a uma greve geral da educação. É, possivelmente, a mais ampla


mobilização da categoria nos últimos anos
(https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/em-dia-de-ato-pela-educacao-na-quarta-transporte-de-sp-funcionara-

normalmente.shtml),
reunindo docentes que atuam desde a educação infantil ao
ensino superior. A breve discussão que apresentamos aqui pretende alertar a
sociedade civil para as condições de trabalho dos professores na atual
conjuntura brasileira.

Nas universidades, nas escolas, em qualquer sala de aula, não existe


formação possível sem uma relação empática entre pessoas. Essa
experiência, concretizada naquilo que chamamos de “aula”, pressupõe
diálogo e interlocução permanente, pois a aprendizagem requer reflexão e
aprofundamento de saberes.

Na prática docente, conhecimento é resultado de pesquisa, delimitação de


problemas, debates entre diversos pontos de vista e lugares sociais. Assim,
educar não é transmitir informação: é formar cidadãos dotados de espírito
crítico e autorreflexivo, é produzir e problematizar o saber, é despertar a
curiosidade e o questionamento.

Essas atividades, tanto no nível básico quanto no superior, exigem condições


de trabalho que muitas vezes parecem invisíveis para a sociedade. Há
décadas professores enfrentam uma série de dificuldades para realizar seu
trabalho com excelência.

A falta de tempo ou de apoio para a formação continuada, para a reflexão


sobre o planejamento e replanejamento de seus cursos, a escassez de
recursos materiais para o desenvolvimento do trabalho e, especialmente, a
precarização dos salários são empecilhos graves —infelizmente, já muito
familiares ao nosso cotidiano.

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Nos últimos anos, medidas governamentais têm contribuído para que o


trabalho do professor se torne ainda mais insalubre. Professores de escolas
particulares (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/05/escolas-particulares-de-sao-paulo-vao-parar-em-dia-
de-protestos.shtml) estão desde o dia 28 de fevereiro sem a convenção que regula

seus direitos trabalhistas porque os patrões se recusam a renová-la! Em


tempos de “uberização” do ensino, seria o caso de se questionar que tipo de
sujeito se pretende formar, oferecendo aos professores tais condições de
trabalho. 

A necropolítica capitaneada por Jair Bolsonaro, no entanto, pretende ir além


da precarização: visa ao extermínio mesmo dos espaços de construção do
conhecimento e de reflexão autônoma. A fraudulenta desmoralização de
instituições reconhecidas por sua excelência em âmbito nacional e
internacional combina-se com o recente estrangulamento financeiro
imposto arbitrariamente a universidades, institutos e colégios públicos, com
base em sofismas que, de forma perversa, comparam custos de creches com
os de ensino superior. 

E se combina também com a tentativa de desconstruir a figura do professor


como profissional, tornado inimigo número um do governo (e de seus
adeptos reais e virtuais), em uma lógica de perseguição ultraviolenta pautada
por ódio e ressentimento. Uma política destrutiva e letal põe em xeque a
formação de professores, sua atuação e o próprio ambiente escolar ao
utilizar o espaço institucional para estimular uma “caça às bruxas”
potencializada pelas redes sociais.

O ataque frontal às humanidades, nesse sentido, não é casual: além de


desenvolver pesquisas voltadas para os problemas concretos da nossa
sociedade, tais cursos, de custo mais baixo que os de outras áreas, têm a
função de formar, justamente... professores. 

Atam-se, então, as pontas de uma verdadeira e pouco sutil “pedagogia da


destruição”: do ensino fundamental ao superior, o professor torna-se
indesejado, suspeito, subversivo —o mal a ser vigiado e punido. 

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Por isso, a já antológica cena do ministro e seus chocolates


(https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/em-live-com-bolsonaro-weintraub-explica-cortes-da-educacao-com-

chocolatinhos.shtml) não espanta apenas pela inadequação, falta de decoro ou erro


de matemática (aberrações já naturalizadas nesse e nos outros ministérios).
Assombra por ser, ironicamente, a metáfora viva daquilo que os atuais
dirigentes do país entendem por educação: supérfluas guloseimas-
mercadorias a serem ofertadas caso nos comportemos “bem”.

O grau de regressão histórico-psicanalítica dessa imagem choca todas as


pessoas que levam a educação minimamente a sério. E deve, neste momento
de urgência e de implosão, nos levantar a todos na luta pelo ensino de
qualidade em todos os níveis, o que implica reconhecimento efetivo do
trabalho docente.

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