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Filosofia da Linguagem

Virgínia Maria Nuss

www.unipar.br
UNIVERSIDADE PARANAENSE
MANTENEDORA
Associação Paranaense de Ensino e Cultura – APEC

REITOR
Carlos Eduardo Garcia

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Ana Cristina de Oliveira Cirino Codato

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Diretora Executiva de Gestão da Educação a Distância


Ana Cristina de Oliveira Cirino Codato

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Eixo Tecnológico de Gestão e Negócios (Gestão Financeira,
Gestão Pública, Recursos Humanos e Ciências Contábeis)
Isabel Cristina Gozer

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da UNIPAR

N975f Nuss, Virgínia Maria.


Filosofia da Linguagem / Virgínia Maria Nuss --
Umuarama : Unipar, 2016.
153 f.

ISBN: 978-85-8498-133-5

1. Filosofia. 2. Ensino a distância - EAD. I.


Universidade Paranaense. II. Título.

(21 ed.) CDD: 100

Assessoria pedagógica
Daniele Silva Marques e Marcia Dias

Diagramação e Capa
Andresa Guilhen Zam, Diego Ricardo Pinaffo, Fernando Truculo Evangelista e Renata Sguissardi
* Material de uso exclusivo da Universidade Paranaense – UNIPAR com todos os direitos da edição a ela reservados.
Sumário
Filosofia da Linguagem

Unidade I - INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA LINGUAGEM.........13

Os estudos Filosóficos da Linguagem.............................................................14

Origem e problemática da linguagem em sentido filosófico.................16

A linguagem: produção de sentido e funcionamento...............................22

A linguagem na tradição filosófica...................................................................35

UNIDADE II: MARXISMO, ESTRUTURALISMO E FILOSOFIA


DA LINGUAGEM........................................................................................49

Objetivos a serem alcançados nesta unidade: ............................................49

Estruturalismo: saussure e o método estruturalista................................50

Linguagem e ideologia – uma abordagem marxista.................................61

UNIDADE III: Wittgenstein e os infinitos jogos de


linguagem...............................................................................................83

Wittgenstein e sua filosofia da linguagem no século XX.........................84

Os infinitos jogos da linguagem de Wittgenstein.......................................105


UNIDADE IV: Questões contemporâneas sobre
Filosofia e Linguagem....................................................................121

(Pós) Estruturalismo: Michel Foucault e Jacques Derrida.....................122

A teoria da ação comunicativa............................................................................137

Fala e ação: o agir comunicativo e o agir estratégico...............................139

A racionalidade, argumentação e validação do discurso........................141

A ética discursiva e a democratização do consenso..................................151

Filosofia e contemporaneidade: algumas considerações sobre


linguagem, comunicação e interação..............................................................157

Referências...........................................................................................168
Apresentação

Diante dos novos desafios trazidos pelo mundo contemporâneo e o surgimento de um

novo paradigma educacional frente às Tecnologias de Informação e Comunicação dis-

poníveis que favorecem a construção do conhecimento, a revolução educacional está

entre os mais pungentes, levando as universidades a assumirem a sua missão como

instituição formadora, com competência e comprometimento, optando por uma gestão

mais aberta e flexível, democratizando o conhecimento científico e tecnológico, atra-

vés da Educação a Distância.

Sendo assim, a Universidade Paranaense - UNIPAR - atenta a este novo cenário e

buscando formar profissionais cada vez mais preparados, autônomos, criativos, res-

ponsáveis, críticos e comprometidos com a formação de uma sociedade mais demo-

crática, vem oferecer-lhe o Ensino a Distância, como uma opção dinâmica e acessível

estimulando o processo de autoaprendizagem.

Como parte deste processo e dos recursos didático-pedagógicos do programa da

Educação a Distância oferecida por esta universidade, este Guia Didático tem como

objetivo oferecer a você, acadêmico(a), meios para que, através do autoestudo, possa

construir o conhecimento e, ao mesmo tempo, refletir sobre a importância dele em sua

formação profissional.

Seja bem-vindo(a) ao Programa de Educação a Distância da UNIPAR.

Carlos Eduardo Garcia


Reitor
Seja bem-vindo caro(a) acadêmico(a),

Os cursos e/ou programas da UNIPAR, ofertados na modalidade de educação a dis-

tância, são compostos de atividades de autoestudo, atividades de tutoria e atividades

presenciais obrigatórias, os quais individualmente e no conjunto são planejados e or-

ganizados de forma a garantir a interatividade e o alcance dos objetivos pedagógicos

estabelecidos em seus respectivos projetos.

As atividades de autoestudo, de caráter individual, compreendem o cumprimento das

atividades propostas pelo professor e pelo tutor mediador, a partir de métodos e práti-

cas de ensino-aprendizagem que incorporem a mediação de recursos didáticos orga-

nizados em diferentes suportes de informação e comunicação.

As atividades de tutoria, também de caráter individual, compreendem atividades de

comunicação pessoal entre você e o tutor mediador, que está apto a: esclarecer as

dúvidas que, no decorrer deste estudo, venham a surgir; trocar informações sobre as-

suntos concernentes à disciplina; auxiliá-lo na execução das atividades propostas no

material didático, conforme calendário estabelecido, enfim, acompanhá-lo e orientá-lo

no que for necessário.

As atividades presenciais, de âmbito coletivo para toda a turma, destinam-se obriga-

toriamente à realização das avaliações oficiais e outras atividades, conforme dispuser

o plano de ensino da disciplina.

Neste contexto, este Guia Didático foi produzido a partir do esforço coletivo de uma

equipe de profissionais multidisciplinares totalmente integrados que se preocupa

com a construção do seu conhecimento, independente da distância geográfica que

você se encontra.
O Programa de Educação a Distância adotado pela UNIPAR prioriza a interatividade,

e respeita a sua autonomia, assegurando que o conhecimento ora disponibilizado seja

construído e apropriado de forma que, progressivamente, novos comportamentos, no-

vas atitudes e novos valores sejam desenvolvidos por você.

A interatividade será vivenciada principalmente no ambiente virtual de aprendizagem

– AVA, nele serão disponibilizados os materiais de autoestudo e as atividades de tuto-

ria que possibilitarão o desenvolvimento de competências necessárias para que você

se aproprie do conhecimento.

Recomendo que durante a realização de seu curso, você explore os textos sugeridos

e as indicações de leituras, resolva às atividades propostas e participe dos fóruns de

discussão, considerando que estas atividades são fundamentais para o sucesso da

sua aprendizagem.

Bons estudos! e-@braços.

Ana Cristina de Oliveira Cirino Codato

Diretora Executiva de Gestão da Educação a Distância


Introdução

Um dos benefícios da Educação a Distância é a autonomia que é possível em relação

ao modo como você pode administrar o espaço e o tempo que você tem para seus

estudos. Esta modalidade de ensino lhe permite conciliar suas atividades e compro-

missos diários, sem ter que abrir mão de um ensino de qualidade, seja para obter um

diploma, ou para se qualificar ainda mais.

Ao assumir este desafio, você estará se proporcionando mais do apenas conheci-

mento teórico e/ou científico, você também estará desenvolvendo ainda mais sua ca-

pacidade de organização, disciplina, foco, e descobrindo novas estratégias para al-

cançar suas metas. Enfim, estudos sempre envolverão no mínimo estas qualidades

já citadas, e na modalidade EAD não é diferente. Também não é diferente o nível de

compromisso que você deverá ter nesta nova etapa de sua vida. Para ter sucesso

nestes estudos, é preciso também se dedicar, ter paciência, e saber que seu tutor está

ali para auxiliá-lo(a) no que for preciso.

Nesta unidade estaremos refletindo sobre a linguagem como uma questão filosófica.

Será, portanto, uma nova perspectiva de linguagem em relação ao que você costu-

mava estudar. Você poderá, ao mesmo tempo em que desenvolve um olhar crítico e

filosófico acerca da linguagem e seu funcionamento, ter uma visão mais clara do de-

senvolvimento dos estudos linguísticos ao longo da história.

Por isso, leia! Estude! Dedique-se!

E com certeza, você completará com sucesso, não apenas esta unidade, mas os es-

tudos aos quais se propôs.

Desejamos a você muito sucesso!


Unidade I - INTRODUÇÃO À FILOSOFIA
DA LINGUAGEM

Objetivos a serem alcançados nesta unidade


Prezado(a) Acadêmico(a), ao terminar os estudos dessa unidade, você deverá ser

capaz de:

• Compreender o que é “Filosofia da linguagem” e a importância deste estudo


para a filosofia.

• Explicar a origem e a problemática da linguagem em sentido filosófico.


• Discutir alguns conceitos básicos da Filosofia Linguística, tais como significa-
do e significante, conotação e denotação, sintaxe e semântica.

• Problematizar questões, como: sentido e referência da língua, fala e enunciação.


• Depreender os pensamentos linguísticos filosóficos de acordo com a tradição
filosófica de Platão e Aristóteles.

• Entender as correntes filosóficas do realismo e nominalismo.

Para que esses objetivos sejam alcançados, é de extrema importância que você de-

senvolva seus estudos com seriedade e dedicação, lendo as literaturas recomenda-

das e os capítulos dos livros didáticos que forem referenciados neste guia.

Bons estudos!
Os estudos Filosóficos da Linguagem
Nesta unidade, os estudos serão direcionados para a Filosofia voltada para as refle-

xões sobre a linguagem, visando desobscurecer, mesmo que sucintamente, os estu-

dos realizados por séculos acerca deste fenômeno tão peculiar e característico do ser

humano, qual seja, a linguagem. Sobretudo, a capacidade de se comunicar conscien-

temente e representar um mundo real ou possível por meio da linguagem.

Mas o que é, e quando surgiu a filosofia da linguagem?

A filosofia da linguagem, como disciplina, ou linha específica de estudos filosóficos,

por assim dizer; surgiu em meados do século XIX, início do século XX. Ela surgiu pa-

ralelamente ao surgimento dos estudos lógicos (tanto a lógica quanto disciplina, como

estudos de semântica lógica e/ou formal). A principal motivação que alavancou estes

estudos foram questionamentos sobre os significados provenientes de diferentes de-

nominações para um mesmo objeto/referente por meio de pontos de vista diferentes.

Percebeu-se então que a relação entre o nome e o objeto não era tal como se cria há

tanto tempo. Para uma boa explanação sobre o conceito do que vem a ser Filosofia da

Linguagem, da forma como é compreendida na atualidade, optou-se pela observação

dos dizeres de Auroux (2009):

Entende-se por filosofia da linguagem um conjunto de reflexões de origens distintas:


observações dos filósofos a respeito da linguagem, análises técnicas construídas a
partir dos formalismos lógicos, avaliações do papel da linguagem comum, representa-
ções construídas a partir dos saberes positivos que tomam a linguagem como objeto
(“filosofia da linguística”) (p.7).

Estas reflexões têm, ao longo da história, alavancado diferentes estudos e perspec-

tivas que envolvem a linguagem, ponderando sobre a razão, o sentido das coisas e

dos enunciados, seus valores de verdade, seus significados, e também a origem do

dizer - ou dos diferentes dizeres.

14 Filosofia da Linguagem
Com isso, os estudos que a filosofia da linguagem proporcionou e proporciona são

extremamente relevantes, uma vez que permite ao homem, cada vez mais, se apro-

fundar na busca do conhecimento da essência e das tão variáveis incógnitas que

cerceiam o tão vasto campo da linguagem. São as reflexões realizadas sobre a língua

que possibilita exercer sobre ela um raciocínio lógico, aplicando-lhe a razoabilidade

da razão, e obtendo, desta forma, um conhecimento mais claro e preciso sobre como

se realiza o funcionamento da linguagem, em suas diferentes possibilidades – men-

tais/cognitivas; linguísticas/fisiológicas; sociais/inter-relações.

Assim, pode-se dizer que as considerações dos filósofos a respeito da linguagem,

suas análises a partir dos formalismos lógicos e suas avaliações acerca dos usos da

linguagem comum, entre outros fatores, fazem da linguagem um objeto de estudo,

passível de ser analisado.

Embora os estudos filosóficos sobre a linguagem sejam antigos, a disciplina “filosofia

da linguagem”, como parte dos estudos filosóficos, constitui-se recentemente, sendo

considerada como relativamente “nova”, e tida por alguns estudiosos como a parte da

filosofia com maior inconsistência teórica, sendo a mais importante e difícil área da

filosofia atualmente (AUROUX, 2007).

Assim, cabe ainda esclarecer que, apesar de estes estudos abordarem também ques-

tões linguísticas, pertencem ao campo de estudos da Filosofia. Embora seja sabido

que muitos estudiosos da área da linguagem utilizem tais conceitos para corroborar

seus mais variados estudos, ressalta-se que a filosofia da linguagem envolve, sobre-

tudo, questões que têm a ver com a natureza do pensamento.

Filosofia da Linguagem 15
Origem e problemática da linguagem em sentido filosófico
O questionamento acerca da origem da linguagem é bastante natural. No entanto, o

importante não é saber quando e como se originou a linguagem humana, mas mais

precisamente, o que ela é e os acontecimentos advindos com seu surgimento.

De acordo com Auroux (2009, p.27), “o que se deve compreender não é a história lin-

guística da humanidade, são as condições que fazem com que a humanidade possua

a linguagem, ou, ainda, a própria natureza da linguagem”.

A importância da linguagem é inquestionável, seja sua característica mítica – “pela

palavra se criou o mundo”; seja pela peculiaridade que a linguagem proporciona de

acúmulo e transmissão de conhecimento, entre tantas outras possibilidades de exem-

plos acerca de sua importância.

Do ponto de vista do que representa para a espécie humana, a linguagem designa

a faculdade própria do ser humano de produzir sentido, e é universal. Do ponto de

vista de que se constitui um meio de comunicação decorrente de uma faculdade

humana, a linguagem designaria todas as formas de comunicação, incluindo as

verbais e não verbais.

Há um consenso sobre o fato de que foi o filósofo Heráclito quem primeiro recorreu

para as palavras – “palavras” entendidas, aqui, de modo amplo, como linguagem –

como um meio possível de representar a natureza das coisas, influenciando, inclusi-

ve, Platão. No entanto, as reflexões realizadas por Platão e Aristóteles foram as mais

difundidas no ocidente.

Auroux (2009) cita que Platão quem primeiro apresentou os elementos de uma

proposição, sistematizando então os estudos da linguagem. Esta teoria ficou co-

nhecida como “teorema de Platão”, e é fundamental para que se possa definir a

linguagem humana.

16 Filosofia da Linguagem
O “Teorema de Platão” demonstra que para haver linguagem é necessário que exista

o logos (discurso). O discurso é composto por dois conjuntos de elementos: (i) aquilo

sobre o que se diz (sujeito); e (ii) aquilo que é dito acerca do sujeito (predicado). Essa

definição é feita pensando no Latim, portanto fica caracterizado como sujeito o nome,

e como predicado, o verbo. Posteriormente, essa teoria será reutilizada e adaptada

por Aristóteles, nos estudos da Lógica (AUROUX, 2009). Pode-se dizer que estes

foram os primeiros estudos que envolviam a sintaxe, considerando o fato de que ob-

servava a disposição dos elementos na proposição, e já se diferenciava a função de

verbos e nomes no interior desta.

Reflita
Tenha sempre em mente que o conceito de logos é essencial para a filosofia da lin-

guagem. De acordo com Auroux (2009), vários filósofos - de Platão a Locke – levaram

em conta o pensamento do indivíduo, relacionando-o sempre à linguagem. Há dois

conceitos de logos: o logos endiathetos (discurso interior), que uma faculdade huma-

na apenas, e o logos prophoróricos (discurso proferido).

O conceito de sujeito provém da física, em que, de acordo também com estudos onto-

lógicos, torna este ser que ocupa tal posição na proposição, capaz de receber qualida-

de ou propriedades. E ainda, para que um discurso fosse efetivamente um discurso,

era necessário que ele contivesse o valor de verdadeiro ou falso, pois Platão cria que

poderia haver proposições que compreendessem em si estes valores. Assim, para os

filósofos gregos, “só existe linguagem ali onde há proposição e asserção, possibilida-

de do verdadeiro e do falso” (AUROUX, 2009, p.15).

Filosofia da Linguagem 17
As questões do significado e do valor de verdade, são questões que se farão bastan-

tes presentes nesta unidade. “A linguagem e a verdade são concebidas como pos-

suindo uma intimidade profunda, mas não imediata” (SILVA, 2007, p.22).

Segundo Silva (2007, p.21), “a linguagem era uma emanação do mundo que chega-

va ao homem a partir do exterior [...]. Tal concepção, por assim dizer, naturalista, da

linguagem implicava uma co-originalidade das palavras com as coisas que garantia a

verdade dos discursos”.

Ou seja, uma vez que a fonte do dizer e o dizer eram a mesma coisa, a verdade exis-

tente na linguagem se tornava evidente. Mas não apenas isto, pois Platão também

observava o discurso, e neste sentido, aceitava certa “convencionalidade”.

Platão possuía uma visão naturalista da linguagem e dos significados das palavras,

ou seja, para ele, havia uma ligação direta entre a palavra e a coisa. Assim, para o

filósofo, cada elemento no mundo tem seu nome por natureza, podendo, em alguns

casos, ser convencionada. No entanto, para Platão, o real só pode ser verdadeira-

mente conhecido, obtido, na mente, sem a mediação das palavras, uma vez que a

palavra e a coisa que ela representa possuem uma ligação direta, impedindo-a assim

de “adentrar na mente” do ser e apresentar toda a verdade, por assim dizer.

Já para Aristóteles, a linguagem funcionava enquanto símbolo do real. Ele possuía

uma visão totalmente convencionalista da linguagem e dos significados das pala-

vras. Aristóteles rompe com esta ligação direta de significado entre a palavra e a

coisa na qual acreditava Platão, e esclarece que a linguagem é necessária para a

designação do objeto, e que é possível obter a verdade por meio da linguagem. Para

Aristóteles, “haveria um paralelismo entre linguagem, pensamento e realidade. Ora,

isso implica que seria possível estudar a linguagem para conhecer o real, ainda que

indiretamente” (SILVA, 2007, p.24).

18 Filosofia da Linguagem
Ainda, para Aristóteles, a linguagem não era uma característica exclusivamente hu-

mana, mas pertencente também a outros animais. No entanto, apenas os seres hu-

manos eram capazes de atribuir significado à linguagem, uma vez que a linguagem

funcionava como uma forma de exteriorizar o conteúdo da alma, do pensamento.

E ainda, “Aristóteles diz exatamente isso, ao definir a linguagem como uma ‘phoné

semantike katã syntheexen’: (um som vocal, que possui uma significação conven-

cional)” (OLIVEIRA, 1996, p.29). E um som que não se vinculasse a um significante,

a uma coisa/objeto no mundo, é apenas um som, mesmo emitido por humanos. Por-

tanto, a linguagem, para se concretizar como tal, precisava, necessariamente, além

de incluir elementos sonoros (e também, se necessário, gráficos), expressar ideias/

conceitos que estivessem na mente do ser humano, sendo estas ideias abstrações

do mundo real, dessa forma, a linguagem se tornava uma forma de representar o

mundo e expressar o pensamento.

Cabe também diferenciar, neste momento, a linguagem, língua e fala. A linguagem

era fruto do pensamento; o pensamento era universal; logo, a linguagem também o

era. A língua era uma característica que envolvia crenças, culturas e modos de ex-

pressões verbais característicos de cada povo, comunidade e/ou sociedade. A fala

era uma capacidade física de criar uma representação sonora capaz de criar um

significado em determinada língua, de modo a expressar verbalmente os conteúdos

da mente do ser humano, e ainda, estabelecer uma comunicação entre dois seres

humanos em uma situação determinada.

A linguagem “raciocinada”, portanto, era uma característica humana universal, que

sinalizava o que estava no pensamento de outrem e tinha como função primária

estabelecer a comunicação. E a partir destas observações, Aristóteles inicia então

seu sistema lógico de linguagem, pelo silogismo, como uma tentativa de “arrumar” o

Filosofia da Linguagem 19
pensamento – que, por sua vez, desencadeia o raciocínio1. Silva (2007) explana que

por meio dos silogismos de Aristóteles, a causalidade lógica cria uma representação

da causalidade real, o que reforça o valor de verdade apresentado. Ao mesmo tempo,

Aristóteles completava paralelamente seus estudos sobre a linguagem adentrando no

campo dos significados, como veremos adiante.

Ainda sobre a linguagem, a teoria designativa da Linguagem elaborada por Aristóte-

les – designativa porque designava/representava coisas no mundo real - expôs de

forma articulada a concepção da linguagem ocidental e sua relação com o pensa-

mento. Oliveira (1996) apresenta um esquema sucinto que tematiza as quatro ca-

racterísticas essenciais das relações entre a linguagem e o pensamento de acordo

com a filosofia Aristotélica:

1. Conhecemos cada um por si e independente dos outros, assim como os ele-

mentos do mundo dado;

2. utilizando a lógica como instrumento válido universalmente, é possível abs-

trair e assim captar a estrutura ontológica2 do mundo;

3. designamos os elementos da ordem estrutural do mundo por meio de acordos

e representamos os conteúdos por meio da associação de símbolos;

4. comunicamo-nos por meio de associação de símbolos os conteúdos por

nós conhecidos.

1 Cabe destacar que, para Aristóteles, os raciocínios se dividiam em lógicos e necessários. Um exem-
plo de raciocínio necessário seria um silogismo lógico, como em: “Todo homem é mortal. João é
homem. Logo, João é mortal” – a premissa de que todo homem é mortal é tida como incontestável
por possuir um valor de verdade cientificamente inquestionável, por assim dizer, então, se João for
homem, não há como negar tal premissa. Já o raciocínio preferível se vale do silogismo retórico,
como em: “Todo professor é honesto. Maria é professora. Logo, Maria é honesta” – a premissa de
que todo professor é honesto não se constitui como verdade universal, e sua aceitação depende
dos juízos de valores e crenças do ouvinte (FIORIN, 2015).
2 “Ontologia para Aristóteles, no sentido de ciência primeira, é o estudo das condições de possibilida-
de da comunicação humana” (OLIEIRA, 1996, p.33).

20 Filosofia da Linguagem
Assim, a lógica aristotélica possibilitava abstrair uma estrutura que compreendia ter-

mos e conceitos capazes de representar o mundo, mas a linguagem não era a repro-

dução do real, e sim sua representação, a linguagem era o símbolo3 do real. Esses

quatro itens apresentados esclarecem porque, para Aristóteles, a linguagem não era

um instrumento natural de designação do real, mas era convencional.

Ressaltam-se ainda dois elementos que Aristóteles utilizava para definir a linguagem

humana, e que vão permear de modo constante a filosofia da linguagem. O primeiro

elemento que definia a linguagem seria a significação – que trata de representações

internas ao sujeito falante e que se exteriorizava pela linguagem. O segundo elemento

era o que ficou conhecido tradicionalmente como a “arbitrariedade do signo linguís-

tico” – que demonstrava que um mesmo conceito poderia ser representado por dife-

rentes sons entre diferentes povos, assim como estes sons podiam ser representados

por diferentes sinais gráficos. Sobre esses elementos discorrer-se-á mais a frente.

Esta breve explanação realizada até o momento, remonta aos estudos da filosofia

clássica sobre a linguagem. Cabe destacar que com as mudanças dos paradigmas

filosóficos no fim da Idade Média e, posteriormente, com a formulação da filosofia da

linguagem enquanto área de estudo mais específica - e que envolve outras áreas

como semântica lógica e formal; os conceitos e as problemáticas sobre a linguagem

foram ao longo da história sempre se diversificando. Contudo, as bases, por assim

dizer, destas discussões posteriores, se encontram ancoradas nas discussões reali-

zadas, sobretudo, por Aristóteles e também Platão.

Ressalta-se ainda que, na perspectiva Aristotélica, o conhecimento do real era pos-

sível apenas por meio da linguagem, e por nenhum outro meio. Como se verá mais

adiante, este conceito será transcendido com uma ruptura que constatará que apenas

3 De modo bastante simples, pode-se dizer que símbolo para Aristóteles compreendia tanto os sons
emitidos pela voz, quanto à escrita que representava os sons (OLIVEIRA, 1996).

Filosofia da Linguagem 21
o sistema lógico de Aristóteles, que não admitia nenhum método empírico como forma

de se conhecer o real, não era suficientemente capaz de abranger todas as formas de

aquisição do saber.

Dentro dos diferentes estudos e problematizações sobre a linguagem, questões sobre

a significação, o referente, a sintaxe, entre outras, eram constantes. Na sequência,

será realizada uma breve explanação sobre alguns dos principais destes conceitos.

A linguagem: produção de sentido e funcionamento


A arte é uma forma de conhecimento fundada na mimese do homem, mediante a qual
uma obra (um significante) produzida por um artista comunica uma ideia (um significa-
do) a um contemplador (PULS, 2006, p.132 – em uma de suas explanações sobre as
obras de Aristóteles).

Foram os filósofos gregos que primeiro abordaram questões de significado. Auroux

(2009) ressalta que a questão entre a representação e o representado é uma das mais

difíceis questões da filosofia. Refletir se os nomes são apropriados aos elementos que

designam é uma das questões fundamentais presentes no Crátilo, de Platão, por exem-

plo. Isso demonstra que a busca pela verdade, ou ao menos pelas possibilidades de

verdade que seriam possíveis obter por meio da linguagem, existem há muito tempo.

Entre a discrepância, por assim dizer, entre o naturalismo de Platão e o convencio-

nalismo de Aristóteles; foram os estudos de Aristóteles que mais fortemente influen-

ciaram a Linguística Moderna.

Ao romper essa concepção da ligação direta entre a palavra e a coisa, Aristóteles de-

monstrou a distância entre a linguagem e o ser, ao mesmo tempo em que tematizou a

relação entre ser e linguagem. Foi o que ficou conhecido como a teoria da significação

de Aristóteles (OLIVEIRA, 1996). Aristóteles destacou que a linguagem era o símbolo

22 Filosofia da Linguagem
do real, no entanto, deixou claro que o símbolo não era o signo. O signo era designa-

tivo, o símbolo era relacional.

Platão acreditava que os signos eram representações incompletas da verdadeira na-

tureza das coisas; e que os estudos das ideias nada revelavam sobre a verdadeira

natureza das coisas, uma vez que a realidade das ideias independia das representa-

ções sob a forma de palavras.

Contrariamente a isso, Aristóteles defendia que um signo era um som falado signifi-

cante por convenção. Para ele, portanto, os signos eram marcas escritas, eram sím-

bolos de sons falados, e os sons falados eram signos e símbolos de impressões men-

tais; sendo que as impressões mentais eram cópias das coisas; e estas impressões

seriam universais, distinguindo-se no momento do discurso.

Assim, acompanhando a filosofia Aristotélica, a simples articulação dos sons não

era o suficiente para produção do significado. Era necessária a observação dos

dois elementos da linguagem: a significação e a arbitrariedade linguística, que

surgia da convencionalidade.

Ao dizer, dizia-se algo a respeito de alguma coisa. Nesse processo de dizer por meio

da linguagem, se produzia significados, de tal forma que o discurso proferido se tornava

em um instrumento de revelação do real. Pela linguagem se fazia existir algo ou não.

Na proposição, se manifesta a transcendência da linguagem humana, pois é nesse


nível que ela ultrapassa a simples perspectiva de pura significação para tentar atin-
gir as coisas em si mesmas, isto é, em suas relações recíprocas e em existência.
Ora, é precisamente em virtude desse julgamento que a proposição é o lugar da
verdade e da falsidade, já que ela pode ou não corresponder às coisas. Aqui retor-
namos ao ponto de vista da semelhança: não é enquanto significante, mas enquanto
verdadeira, que a linguagem humana se assemelha ao real. A essência da propo-
sição não está em seus termos (que são apenas símbolos), mas no próprio ato da
composição (OLIVEIRA, 1996, p.30).

Filosofia da Linguagem 23
Assim, a significação, o significado e o próprio significante eram mobilizados por meio

da linguagem para que houvesse uma representação do real. Havia ainda uma unida-

de de reflexão entre coisa, conceito e palavra (símbolo). Dessa forma, podia-se conce-

ber que o significante dizia respeito à coisa no mundo real, o significado dizia respeito

ao conceito, e a palavra era uma forma de representar linguisticamente tudo isso.

A arbitrariedade de Aristóteles não residiria, portanto, internamente ao signo – como

na teoria saussureana, por exemplo; até porque, para Aristóteles, a palavra (símbolo)

não era o mesmo que signo. Para Aristóteles, o símbolo não podia ocupar o lugar da

coisa, mas podia exprimir tanto ligação quanto distância, ou ainda, conforme Oliveira

(1996, p.29) “o símbolo é, ao mesmo tempo, mais e menos do que signo: menos na

medida em que nada naturalmente é símbolo, portanto exige-se convenção; mais:

constituição simbólica se é espírito determinando um sentido”.

Auroux (2009, p.33) diz que “a arbitrariedade, de acordo com Aristóteles, esta-

ria no fato de como a humanidade expressava de diferentes formas linguísticas

(com diferentes usos da linguagem) a mesma realidade que se depreendia uni-

versalmente da mesma forma, pelo pensamento”. Assim, o que a priori deveria

ser algo universal e comum, caracterizou-se como arbitrário, pois em seu meio

de expressão, muitas vezes, poderia escapar ao conceito comum, convencional.

Ou ainda, “o princípio do arbitrário linguístico [...], permite ligar o uno ao múltiplo:

diante da diversidade de línguas do mundo, o pensamento permanece o mesmo”

(AUROUX, 2009, p.33).

Saiba mais
Aristóteles não se aprofundou muito nas questões de arbitrariedade. Assim, na histó-

ria do arbitrário linguístico há dois momentos que merecem ser citados, contudo não

serão aprofundados. O primeiro remonta às pesquisas sobre as origens das línguas

24 Filosofia da Linguagem
durante o Iluminismo, resultando na oposição entre natureza e cultura, e o segundo,

ocorreu no início do século XX, com o Curso de Linguística Geral, de Saussure.

A questão da significação por convenção se tornou crucial para garantir que uma pa-

lavra mantivesse sua unidade de significação.

Se as palavras são significativas por convenção, o que nos garante que tal palavra con-
serve a unidade de significação? Uma convenção universal? Pode ser, mas como expli-
car esse acordo, pois normalmente o que é convencional só é universal acidentalmente.
Para a comunicação ser possível, é necessário pressupor um fundamento objetivo. Ora,
essa unidade objetiva que fundamenta a unidade de significação das palavras recebe em
Aristóteles o nome de essência (ousia) ou aquilo que é (tó ti est) (OLIVEIRA, 1996, p.31).

O que possibilitava a permanência da essência em uma palavra era o fundamento

da unidade do sentido, ou seja, uma significação una. Por exemplo, o que garantia à

palavra mãe uma significação una era o que fazia uma mãe ser mãe. Resumindo, as

palavras possuíam um sentido porque tinham uma essência.

Dessa forma, os estudos sobre a linguagem realizados por Aristóteles recaíam sobre

o fato de que era a unidade do que era a coisa que determinava seu significado, o que

criava um paralelismo entre a exigência linguística de sentido, e o que fundamentava

esta unidade de sentido.

Com isso, tem-se que, para Aristóteles, não era a linguagem que possibilitava aos homens

uma compreensão mútua, mas também o fato de já existir entre eles o conhecimento das

coisas que, por sua vez, possibilitava atribuir sentido à palavra ouvida (OLIVEIRA, 1996).

Cabe destacar uma breve questão levantada por Aristóteles entre a linguagem e a

ontologia. O filósofo grego categorizou os significantes, por assim dizer, vinculando-os

à estrutura proposicional da língua.

Filosofia da Linguagem 25
Entre os diferentes modos da palavra – pedir, perguntar, ordenar, desejar, etc. -, Aris-
tóteles dá preferência à proposição, diríamos, à sentença declarativa, modo específico
da linguagem científica. O discurso, em geral, é significante não somente em si mesmo,
mas em cada uma de suas partes, quer se trate de nomes (ónoma) ou de verbos (réma)
(OLIVEIRA, 1996, p.30).

Por exemplo, haveria as categorias da substância, qualidade, quantidade, ação, do

amor, entre outras. Estas categorias seriam assim distribuídas na proposição: a ca-

tegoria substância corresponderia ao sujeito, e as demais categorias ao predicado

(observando a estrutura proposicional de Aristóteles, que correspondia à determinada

representação estrutural do mundo: Sujeito + predicado).

Desse modo, em uma proposição como “Maria está deitada”, ficava clara esta repre-

sentação estrutural do mundo refletida na proposição, em que a categoria de substân-

cia correspondia ao sujeito “Maria”, e a categoria de posição correspondia ao predica-

do “está deitada”. Todavia, nem todos os exemplos se demonstraram tão claros assim,

pois de um lado há nomes próprios e de outro há apenas conceitos, e os conceitos

não são de natureza tão clara (AUROUX, 2009).

Por exemplo, ao utilizar a proposição “Meu mundo está acabado”, haveria a categoria

substância no lugar de sujeito “meu mundo”; e a categoria de modo que corresponde

ao predicado “está acabado”. Se o termo “mundo” for interpretado como um substanti-

vo designativo da coisa “mundo”, não haveria nenhum contratempo. No entanto, se o

termo “mundo” for interpretado como um conceito, que não remeteria à coisa “mundo”,

propriamente dita, tem-se uma extensão de sentido que altera o significado da propo-

sição. Em suma, “mundo”, pode adquirir dois sentidos diferentes que alterariam todo

o sentido da proposição.

Pode-se dizer que, de certa forma, o significado surge de acordo com o conhecimento

conceitual de mundo de cada indivíduo, e, em alguns casos, ele emerge da possibi-

lidade da escolha entre diferentes formas de enunciar algo em um mesmo contexto.

26 Filosofia da Linguagem
Em outras palavras, significado implicado escolha.

No início desta unidade foi dito que os filósofos gregos que primeiro realizaram os estu-

dos sobre o significado, portanto, a explanação realizada se torna relevante para uma

compreensão melhor dos estudos atuais. Em suma, o que foi apresentado até o mo-

mento trata-se de uma breve síntese do que podemos denominar “teoria clássica do

significado”, em que o significado apresenta uma correspondência una e direta com a

coisa que representa – por exemplo, a proposição “a mesa é de madeira”, “mesa” cor-

responde à coisa construída, “é” corresponde à propriedade da coisa, e “de madeira”

representa o material do qual a coisa é feita/construída. Em resumo, essa teoria é una

– é sempre ligada a um objeto; é referencial – porque sempre possui um referente; e é

mentalista – porque a ligação entre a palavra e a referência é uma ideia, um conceito

que possuo em minha mente, abstraída do mundo real, e representada linguisticamente.

No entanto, nos estudos da filosofia da linguagem, os estudos do significado seguem

uma perspectiva um pouco diferente, a qual foi iniciada com os estudos de Frege.

Desse modo, a partir deste momento, a explanação sobre os conceitos de significado

e significante, assim como de significação e linguagem, passarão a seguir a orienta-

ção dos estudos da filosofia da linguagem, considerando que o respaldo dos estudos

filosóficos que ocorreram anteriores a esta disciplina já possibilita tal aprofundamento.

Tem-se, portanto, que o conceito é algo vinculado ao significado, podendo inclusive

alterar seu significante. Por exemplo, ao dizer a palavra “carro”, as diversas imagens

mentais relacionadas a ela, vão criar diferentes significantes, conforme o conceito de

cada indivíduo – pois carro pode ser veículo de quatro rodas, movidos à tração mo-

tora; no entanto, esse conceito apenas não é suficiente para delimitar se quando eu

penso em carro estou pensando em um fusca ou em uma Ferrari.

O significado, portanto, pode ser lexical, como no exemplo do carro; pode se estender

à proposição, como no exemplo anterior, com “mundo”. O significado pode, inclusive,

Filosofia da Linguagem 27
ser situacional, pois há casos em que um enunciado pode delinear o significado da

proposição proferida, mas não se encerrar nele, antes, se estender ao contexto do

acontecimento – como nos casos em que sem o conhecimento do contexto é impos-

sível compreender de fato determinada situação apenas pela explicação verbal. Há

também o significado gramatical, fonético, fonológico, morfológico, dos quais não se-

ria possível uma abordagem completa.

Uma das questões que iniciaram as reflexões e, consequentemente, esta linha de

estudos, da filosofia da linguagem foi a divergência entre o significado e o refe-

rente. Por exemplo, ao dizer “A estrela da manhã”, “a estrela da tarde”, “a estrela

D’alva”, ou ainda “Planeta Vênus”, está sendo utilizado vários nomes para um

mesmo referente.

Quando todos conseguem reconhecer o referente não há problema. O problema re-

side quando não se consegue identificar o referente. Por exemplo, ao dizer “o ator

Antônio de Carvalho Barbosa costuma ter ótimas atuações” – muitos podem ter difi-

culdade em encontrar quem é o referente para o nome próprio “Antônio de Carvalho

Barbosa”. O que não aconteceria se fosse dito “o ator Tony Ramos costuma ter ótimas

performances” – pois, para muitos, o referente “Tony ramos” é conhecido, e com isso

não haveria dificuldade em atribuir sentido ao enunciado.

Frege demonstra então que, as palavras além de referenciar precisam significar, e

para poder significar, elas precisam ter também um sentido, um significado – que seria

o conteúdo mental que eu associo ao referente. Assim, apesar das diferentes informa-

ções que eu tenho nas duas frases anteriores, o referente é o mesmo.

Frege também excluiu todo “personagem fictício”, como “Papai Noel”, sendo que,

neste caso, esta palavra teria apenas sentido e nenhum referente, e esta foi um dos

pontos falhos em sua teoria – Russel irá discordar de Frege, como veremos adiante.

28 Filosofia da Linguagem
Continuando na teoria fregeana, por exemplo, na frase “João ama Maria” ou “João

ama uma mulher”, tem-se que “Maria” e “uma mulher” representam um mesmo refe-

rente no mundo: um ser humano do sexo feminino. Quando se é possível realizar esta

troca de palavras alterando o significado, mas mantendo o referente, estamos diante

de um contexto extensional. No entanto, quando esta substituição não é possível, ou

sendo realizada, não é verdadeira, temos um contexto intencional, por exemplo, se

trocássemos “uma mulher” por “Pedro”. Para Frege então, o significado está imbrica-

do na noção de sentido e de referência.

Esta possibilidade de substituição de termos e mantença do referente expandiram os

estudos sobre polissemia, sinonímia, antonímia etc. No entanto, alguns autores con-

sideram esta teoria um pouco limitada pelo fato de excluir palavras que não têm refe-

rência no mundo real, e por não conseguir resolver o problema de não poder atribuir

significado para as sentenças de predicados intencionais.

A partir destes estudos foi possível inserir nos estudos filosóficos da linguagem, por

meio dos estudos semânticos e sintáticos realizados - em que se observava a questão

da predicação e do significado dos nomes (que, por sua vez, resultavam, ou não, em

valores de verdade) – juntamente com o significado e o conceito, a suposição. Isso

ocorre no século XVI/XVII – e aqui a gramática de Port-Royal teve grande importância

-, pois na Idade Média não era considerado a suposição, mas a partir deste período,

significado e suposição passam a ser vinculados, dando também um salto nos estu-

dos semânticos (AUROUX, 2009). “Filosoficamente, isso equivale a dizer que para

pensar o mundo basta calcular as ideias, ou seja, permanecer no interior da esfera

intelectual da significação” (AUROUX, 2009, p.59).

Filosofia da Linguagem 29
Saiba mais

Houve a publicação de uma gramática filosófica em 1662, “A Lógica ou a Arte de pen-

sar” – que ficou conhecida como a gramática (ou leis) de Port-Royal. Ela surgiu devido

ao descontentamento dos Estudiosos da época em relação ao ensino da gramática

formal do Renascimento. Esta gramática baseava-se nos conceitos de que a língua é

a expressão do pensamento, e como o pensamento é universal, logo, as línguas de-

veriam ser regidas, todas, pelas mesmas leis, sendo, dessa forma, possível elaborar

uma gramática comum a todas as línguas. Essa gramática foi considerada “o auge”

da orientação dos estudos lógicos, embora tenha havido estudos similares anteriores,

e suas ideias foram aceitas e difundidas até o início do século XVII. Posteriormente,

houve outras gramáticas filosóficas (RANAURO, 2003).

Acrescenta-se aqui ainda a questão do valor de um enunciado, que são basicamente,

as denotações das proposições. Os estudos da lógica – e por extensão, os filosóficos

– se preocupam efetivamente com a preservação de verdade de um enunciado. Saber

o significado de uma proposição implica, ao mesmo tempo, saber, ao menos em parte,

seu valor de verdade, suas condições de verdade. E como isso seria possível?

Aristóteles e Platão já discutiam sobre isso. Para a Platão era impossível obter a ver-

dade por meio da linguagem, mas para Aristóteles não. Para Aristóteles, as proposi-

ções já eram suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas, sendo que a verdade residia

no pensamento ou na própria linguagem; e o que possibilitava obter esta verdade era

a própria coisa que era abstraída pelo pensamento e manifesta verbalmente.

Na filosofia da linguagem não se muda esta essência de raciocínio, por assim dizer. O

enunciado será verdadeiro se indicar um estado de coisas existente no mundo. Essa

é uma concepção de sentido e significado ancorada na correspondência entre as

30 Filosofia da Linguagem
palavras e as coisas. Neste caso, em um enunciado completo, em uma oração, o sen-

tido é obtido pelo contexto, pela soma das condições de verdade de cada elemento.

Por exemplo, ao dizer “o cachorro é um ser que late”, o conjunto me dá uma condição

de verdade para o enunciado, o contrário seria em “o cachorro é um ser que voa”. Ora,

“o cachorro é um ser” possui uma correspondência de verdade, no entanto, ele não

voa, e isso torna todo o enunciado falso.

Saiba mais
Aqui entra outra importante função dos estudos filosóficos da linguagem. A questão

das observações do valor de verdade das proposições/enunciados, e de correspon-

dência entre o sentido, o significado e o referente, possibilitou uma nova perspectiva

nos estudos ontológicos.

Ao longo da história da filosofia e da história das ciências da linguagem, o reconheci-


mento de uma dupla relação entre o constituinte daquilo que as palavras significam é
um fato comprovado. Mas foi impossível estabelecer uma relação fixa entre os dois:
entre a “significação” e a suposição, a compreensão e a extensão, o sentido e referên-
cia. Esse resultado precisa ser relacionado com o que descobrimos anteriormente: o
arbitrário da linguagem, a indecibilidade intrínseca, da pergunta pela origem das línguas
e a impossibilidade de uma língua universal (AUROUX, 2009, p.63).

Ao se referir sobre a indecibilidade da língua, da pergunta pela origem das línguas,

esperamos que estes critérios tenham ficado claros por meio da explanação da cons-

tante discordância e apresentação de teorias sobre a linguagem, assim como a ques-

tão da impossibilidade das línguas universais tenha sido também subentendida pelo

fato da gramática filosófica de Port-Royal não ter obtido sucesso até os dias de hoje.

Há vários estudos não apenas na filosofia, mas também na linguística sobre a questão

do significado e significante, sobre o sentido e a referência, sintaxe e semântica etc.

Filosofia da Linguagem 31
Espera-se que com esta sucinta explanação você se sinta motivado a se aprofundar

nestes estudos!

Pensando ainda sobre a questão de aspectos semânticos e, consequentemente, no

valor de verdade das proposições, é indispensável pensarmos nos conceitos de de-

notação e conotação.

Gregório (2008) ressalta que estes conceitos esclarecendo que tais conceitos são as

duas principais dimensões das sentenças e dos símbolos linguísticos. Sendo que de-

notação refere-se à extensão, ou seja, abrange todos os objetos a que determinado

termo se aplica; e conotação equivale à intensão, isto é, ao conjunto de propriedades

ou atributos dos objetos a que determinado termo se aplica. O autor explica dizendo

que a palavra “homem”, por exemplo, denota todos os seres que são designados

pelo referido termo. Mas a mesma expressão conota “animal racional”, “bípede sem

plumas” etc., incluindo todas as propriedades que distinguem o indivíduo e o tornam

classificável como um ser humano.

As palavras possibilitam mais que a expressão do significado daquilo que o ser huma-

no pensa, elas permitem também que aqueles que delas se utilizam possam também

expressar sua visão de mundo acerca de coisas das quais representa verbalmente.

O posicionamento do indivíduo em relação àquilo que fala, por meio das escolhas de

determinadas palavras, é o que torna isso possível. Por exemplo, ao se referir a um de-

terminado tipo de alimento, a pessoa pode dizer “estava bom” ou “estava ótimo”. Bom

e ótimo pertencem a um mesmo campo semântico que indicam que algo é positivo,

agradável, no entanto, percebe-se que para quem utilizou o termo “ótimo”, provavel-

mente o alimento lhe agradou mais do que para aquele que simplesmente disse “bom”.

Este exemplo serve minimamente, para de uma forma até um tanto quanto simplista,

demonstrar que, a conotação relaciona as palavras que utilizamos a um campo se-

mântico mais amplo que o simples conceito que a palavra por si só apresenta. Assim,

32 Filosofia da Linguagem
embora a citação de Gregório (2008) seja bastante esclarecedora, cabe ressaltar este

outro aspecto da conotação. Pois, ao mesmo tempo em que ao conotar, se delimita um

termo em relação às categorias de atributos ou propriedades dos objetos, é realizada

uma ligação de conceitos em relação ao conhecimento de mundo que existe entre os

envolvidos na comunicação. Em suma, relacionamos outros conceitos que são ancora-

dos em nossas experiências de mundo, ao conceito da palavra ou do discurso proferido.

Essa conotação pode ser também relativa a questões de caráter moral, por exem-

plo, utiliza-se uma frase como “pessoa de mão leve”, indicando “ladrão”, ou ainda, a

própria palavra como, aquele “brinquinho”, que pode ter um valor pejorativo etc. Há

também a conotação relativa ao próprio código – que corresponderia a uma variação

linguística; a conotação proveniente de posições sociais; e até mesmo a conotação

não intencional. A conotação não intencional ocorre quando o destinatário interpreta

conotativamente uma palavra ou um enunciado, sem que o falante tivesse uma in-

tenção conotativa, ou até mesmo, em alguns casos, as palavras podem revelar co-

notações que o emissor atribui de forma inconsciente a certas situações ou coisas

(METZELTIN; CANDEIAS, 1982). Em suma, a conotação inclui, por assim dizer, uma

relação entre campos semânticos/campos de sentidos.

Já a denotação possui uma relação mais direta entre a palavra, o conceito, o signifi-

cado e o referente/significante. Ao denotar, estamos classificando algo no mundo real,

por meio de traços (não mais de campos) semânticos que ao mesmo tempo em que

criam determinados grupos de coisas, os distinguem entre si, dentro do próprio grupo.

Por exemplo, ao dizer a palavra “gato”, automaticamente já a classificamos entre os

seres animados, e não dos inanimados. Posteriormente, já o enquadramos no grupo

dos mamíferos, dos quadrúpedes e não dos bípedes, por meio de traços distintivos.

Cabe aqui, no entanto, apresentar uma ressalva apresentada por Russel na sua Te-

oria das descrições definidas, em que ele problematiza a questão da denotação e da

Filosofia da Linguagem 33
referenciação, contrapondo-se à teoria fregeana conhecida como “Puzzle de Frege”.

Silva (2003) apresenta de forma clara e concisa tal teoria, e destaca que:

O fenômeno semântico por meio do qual é possível referir um objeto no domínio é


diferente do fenômeno semântico pelo meio do qual é possível denotar um objeto no
domínio: a função semântica que se chama referir exige ou implica a existência do
objeto referido para que a expressão a que se refere tenha sentido, a função semân-
tica que se chama denotar não implica essa existência para que a expressão que
denota tenha sentido (p.39).

Pretende-se esclarecer com isso que, para Russel, denotar e referir não consiste na

mesma coisa, ao passo que para Frege pode-se dizer, superficialmente, que denotar

e referir seriam “sinônimos”, e a diferença reside entre o sentido e a referência. Para

Frege, ao referenciar algo, partindo do conceito de que denotar apresenta um sentido

direto com o objeto, estamos ao mesmo tempo denotando. Assim, para Russel é pos-

sível referenciar uma entidade fictícia, como “Papai Noel”, o que não seria possível em

relação a esta entidade, seria denotá-la.

Ao falar em valores de verdades, e uma vez compreendido o que é sentido e refe-

rência, significado e significante, é preciso ainda esclarecer o que seria, portanto, a

língua, a fala e a enunciação, sucintamente, apenas delimitando alguns conceitos em

relação ao que já foi apresentado nesta unidade.

A primeira coisa que cabe destacar é que, como já vimos, a linguagem é universal,

no entanto, a língua é cultural. Ela é característica de cada comunidade, e possui seu

próprio sistema de símbolos/signos para referenciar e produzir sentidos, os quais po-

dem ser expressos verbalmente por meio da fala.

Todo este processo do dizer, de se comunicar e produzir sentidos, e construir discur-

sos por meio de enunciados, envolve um processo que é denominado enunciação.

A enunciação envolve sempre o sujeito responsável pelo dizer, o tempo e o espaço

34 Filosofia da Linguagem
sócio-histórico. Para os estudos da Lógica, enunciar quer dizer produzir um discurso

por meio da enunciação. Para isso, toda enunciação pressupõe um destinatário, e por

esse motivo é sempre necessário que se instaure uma pessoa discursiva para que se

possa enunciar de modo satisfatório, discursando, ou produzindo um logos adequado

à situação em questão. Resumindo, a enunciação incorre em um sujeito que fala (eu),

um sujeito que ouve (tu), e o conteúdo do que se fala, que se encontra fora do discur-

so (ele), os quais estarão sempre situados em um lugar no tempo e no espaço (lugar).

A enunciação envolve, evidentemente, todo o processo de dizer, e o que é dito não se res-

tringe ao conjunto de palavras utilizadas, mas o que se pretende que estas palavras signi-

fiquem. Isso faz com que a língua se torne algo vivo, dinâmico, que se molda no processo

de enunciação. Toda enunciação produz efeito de argumento, produz reflexões, ultrapas-

sando a simples função social da língua, de um falar, muitas vezes, despreocupadamente.

As palavras ganham novos usos, novos sentidos, e as palavras são partes essenciais

da língua. A língua possui, por assim dizer, um caráter que lhe é próprio. E este cará-

ter é relacionado com o vocabulário que a compõe, e este vocabulário diz respeito às

palavras que formam o léxico disponível de cada língua, e ainda, as palavras são ”um

membro vivo no organismo da linguagem” (CÂMARA, 1975).

A linguagem na tradição filosófica


Ao longo da história, as concepções e modos de observações sobre a linguagem fo-

ram passando por mudanças. Como já apresentado no início desta unidade, Platão

fazia uma associação direta entre as palavras e as coisas. Foi o que ficou conhecido

mais comumente como naturalismo.

Nessa concepção, muito bem explicitada na obra do filósofo, intitulada “Crátilo”, ha-

via uma disputa entre o naturalismo – no qual as coisas têm o nome que tem por

Filosofia da Linguagem 35
natureza; e o convencionalismo - em que a significação é fruto da convenção e do uso

da linguagem. Embora Platão não negasse certo convencionalismo, ele acreditava

mais fortemente na relação natural e direta entre a palavra e a coisa. Platão chegou

a um ponto tão extremo em que cria que era possível conhecer as coisas sem os

nomes, pois os nomes poderiam ser falsos, e dessa forma, obter a verdade por meio

dos nomes seria impossível. Assim, a verdade apenas era possível por intermédio do

pensamento (OLIVEIRA, 1996). Ou seja, nessa relação direta entre a coisa e o nome,

havia a possibilidade de falhas na nomeação, o que incorreria na falsidade da infor-

mação fornecida pelo nome, ou, pela linguagem. Daí a crença de que a verdade real

apenas era possível na mente.

As palavras esvaziam-se tanto mais quanto melhor quiserem cumprir o seu papel; a
presença da coisa é a contrapartida da ausência radical que constitui a natureza da
palavra. Nomear não é simplesmente substituir coisas por palavras: é muito mais fazer
constantemente a coisa substituir-se subtilmente a esse som vazio em que consiste o
nome. Esta irredutibilidade na relação entre palavras e coisas, esta intimidade da coisa
na palavra, acarreta a redução da linguagem (MESQUITA, 1997, p.87).

O “Crátilo” de Platão apresenta questionamentos fundamentais para os estudos filosófi-

cos da linguagem. É ali que se inicia a questão de que o nome não pode ser capaz de re-

presentar verdadeiramente as coisas no mundo real. Apesar de haver uma sutil tentativa

de conciliar uma relação direta e natural entre nome e coisa, com certo convencionalismo

em relação à nomeação das coisas, o fato de Platão assumir que pela linguagem é im-

possível atingir a verdade, demonstra que seu posicionamento tende a uma observação

da relação mais direta – naturalista – entre nome e coisa. E esta é a questão fundamental

da obra: qual é a relação entre nome e coisa? – embora o diálogo não chegue a uma

conclusão precisa, estabelece uma questão fundamental entre linguagem e realidade.

Aristóteles, por meio dos seus estudos sobre a linguagem, assim como da Lógica, e

das diferentes funções da linguagem humana; rompe explicitamente com esta teoria

36 Filosofia da Linguagem
de uma relação direta entre palavra e coisa, por meio da sua teoria da significação. A

pergunta passaria então a ser: qual é a relação entre nome, significado e coisa?

Para Aristóteles, a linguagem era a representação do real, com isso, inclui-se a ques-

tão da referência como um critério de significação.

Segundo esse critério, um termo ou uma proposição somente será verdadeiro(a) quan-
do fizer referência à realidade, ou seja, o significado de um nome seria simplesmente
aquilo que denota. Portanto, a função de um termo ou proposição seria apenas reme-
morativa, de forma tal que, quando pronunciado(a) ou escrito(a), nos traria necessaria-
mente à mente a imagem (ideia) do objeto referido. Dessa forma, uma proposição ou
termo deveria ser formado a partir da abstração das características essenciais de um
objeto. Tal processo seria mediado pelos sentidos. A rigor, tal concepção se assenta em
um realismo natural, originário do pensamento aristotélico (SOARES, 2013, p.76).

Assim, tem início uma corrente de estudos denominada Realismo. Alguns estudiosos

atuais classificam o Realismo em natural, ingênuo e crítico; não iremos, no entanto,

adentrar nestas classificações.

Como já explanamos em parte alguns conceitos de Platão e Aristóteles no decorrer da

unidade, nesta seção daremos um espaço maior para uma das correntes que mais se

destacou nos estudos filosóficos sobre a linguagem; antes da filosofia da linguagem

(isso não implica dizer que não houve outras linhas e correntes de estudos que tam-

bém foram relevantes). Trata-se do Nominalismo.

Até o período Medieval, mantinha-se predominantemente a concepção aristotélica de

linguagem, inclusive o fato de que o saber só era possível por meio da linguagem. No

entanto, com os estudos dos Filósofos Medievais percebeu-se que era possível tam-

bém criar fatos da realidade e imagens mentais a partir de atividades empíricas, com

referência definida. Com isso, determinou-se que os sentidos físicos também eram

formas de adquirir conhecimento.

Filosofia da Linguagem 37
Em meio a um fervilhar de pensamentos e reflexões no decorrer da Idade Média, de-

senvolve-se então, de forma até mesmo extremista, por assim dizer, duas correntes

filosóficas que se destacaram: o realismo e o nominalismo.

O realismo aristotélico passou por alterações durante a Idade Média, e ganhou uma

“versão atualizada” na baixa Idade Média, com os estudos de São Tomás. E nesse

caso, houve certa influência do Cristianismo, uma vez que havia a preocupação de

manter a configuração de realidade existente nos ensinamentos bíblicos, ensinamen-

tos que existiam apenas em forma de conceitos, não possuíam um referente individu-

al, como no caso do nominalismo.

Ora, para Tomás, então, os homens seriam compostos de forma (alma) e matéria

(corpo), esta última seria o que tornaria o homem algo individual no mundo real, e

ao se unir com a forma (elemento que torna possível uma existência também fora do

mundo real) torna possível a existência do indivíduo. Estes dois elementos (matéria

e forma) seriam inseparáveis. Esta teoria, no entanto, tornava o conceito da entidade

“indivíduo/homem” um tanto quanto “universal”.

Em suma, todos os homens eram formados pela mesma composição de forma e ma-

téria. Ora, podemos pensar na matéria enquanto o corpo, sendo que para São Tomás,

a natureza, a essência dos corpos dos homens eram a mesma, e o que os tornavam

diferentes era a essência da alma. Assim, o homem possuía duas essências – a da

forma e a da matéria. Conforme São Tomás, portanto, a única coisa que distinguia a

matéria era sua posição no espaço (a posição física do seu corpo, por assim dizer).

Contrariamente à São Tomás, Duns Scotus acreditava que entre a matéria havia di-

ferenças qualitativas, e a essência de cada indivíduo o tornava um ser individual (PI-

MENTA, 2014). Scotus cria então uma distinção formal na qual:

Os seres concretos são integrados de elementos metafísicos os quais, embora idên-


ticos numa mesma res, possuem fisionomia própria. Estas entidades ou realidades

38 Filosofia da Linguagem
concorrentes numa mesma res realizam a distinção formal ou, melhor, a não-identidade
formal, anterior a qualquer consideração por parte da inteligência (por exemplo, entre o
ser e os transcendentais convertíveis: um é verdadeiro e bom4; entre a alma e as suas
potências e estas entre si) (FREITAS, 2004, p.06 – tradução nossa).

Saiba mais
João Duns Scotus - ou Doutor Sutil; pertencia à ordem Franciscana, e fazia parte da

tradição escolástica cristã medieval; entre outros grandes filósofos religiosos como

Santo Agostinho, Alexandre de Hales, entre outros. Saiba mais em: <http://www.luso-

sofia.net/textos/costa_freits_manuel_barbosa_joao_duns_escoto.pdf>.

Scotus realiza então uma argumentação no sentido de demonstrar as impossibi-

lidades presentes na tese de São Tomás. Ela faz isso partindo basicamente de

dois conceitos: (i) se há duas essências: a do ser (alma/forma) e a da natureza

(corpo/matéria); há duas espécies singulares de acordo com o princípio de di-

ferença, observando a compreensão escolástica do processo de individuação;

e (ii) respaldando-se na primeira exposição, Duns alega que nenhuma entidade

genérica é capaz de existir realmente se não existir uma diferença específica

que permita “reconhecer” tal entidade em sua generalidade. E ainda, apenas a

matéria (o corpo), sem racionalidade (sem sua essência, que no caso aqui seria

a alma), não poderia constituir um ser humano. Em outras palavras, ao dividir o

indivíduo em duas essências distintas, torna-se impossível a existência de uma

das essências. Ou como afirma Duns, o problema está em se colocar como algo

diferente da entidade (o indivíduo) aquilo que na verdade é necessário para a

sua existência (GUERIZZOLLI, 1999).

4 Consta no original como: unum, verum et bonum.

Filosofia da Linguagem 39
Assim, ao falar sobre o primeiro princípio, aborda então, entre outras questões, o que

fica conhecido como o princípio da individuação, que pode ser assim resumido:

todo o ser finito é composto de uma natureza comum (natura communis) indiferente,
de si mesma, tanto à universalidade como à singularidade, e de um princípio positivo
de individuação que, obrigando-a a sair da sua indiferença, a constitui esta ou aquela
realidade. Este princípio não é a matéria, mas uma entidade positiva (haecceitas) que
se vem juntar à natureza comum como última determinação (formalidade e realidade5)
(FREITAS, 2004, p.07 – tradução nossa).

Ou seja, todo indivíduo é formado por essência comum a todos, a qual possui uma

individualidade que o faz sair do coletivo. Assim, embora o indivíduo seja “univer-

sal”, ele também é singular. Esta essência, este princípio, não é a matéria, mas as

características e qualidades individuais (o haeccitas) que torna possível a distinção

entre os indivíduos.

Assim, retomando a questão primordial entre os realistas e os nominalistas, fato in-

teressante então seria a formação do conceito acerca das coisas, fossem elas ge-

néricas ou individuais, abstratas ou não. Uma vez obtido o conceito, ele poderia ser

“nomeado”, tivesse este conceito um referente individual ou não, abstrato ou concreto.

Com isso, para os nominalistas, os (conceitos) universais podem ganhar significação.

O mesmo não acontece no nominalismo. Guilherme de Ockham, grande representan-

te do nominalismo, acreditava que só os objetos individuais eram reais, as abstrações

realizadas destes objetos seriam apenas mentais, diferentemente do realismo, que

acredita serem estas abstrações possíveis de representações reais tanto quanto o

próprio objeto. Para os nominalistas, por exemplo, o conceito de “carnívoro” é apenas

uma característica geral que é utilizada para designar um grupo de indivíduos, mas o

carnívoro, em si, não é algo real.

5 Consta no original como: formalitas vel realitas.

40 Filosofia da Linguagem
A partir do desenvolvimento da lógica e da filosofia medieval, alguns pensadores, entre
os quais Roscelino (1050-1120), Pedro Abelardo (1079-1142) e Guilherme de Ockham
(1285-1349), alinhados ao realismo crítico, desenvolveram uma corrente denominada
Nominalismo (SOARES, 2013, p.78).

Em suma, para os Nominalistas, apenas a referenciação não era o suficiente para

determinar a significação de uma palavra ou uma proposição. Isso porque nem todo

o sentido de uma coisa do mundo real poderia apenas ser abstraído, pelo contrário,

algumas propriedades só poderiam ser depreendidas por meio de recursos empíricos.

Ou ainda, havia coisas que eram nomeadas de forma genérica, como beleza, nação,

nestes casos, estas palavras se limitam a serem apenas nomes (por isso nominalis-

mo), tendo existência real apenas objetos e seres individuais, que não fossem nomea-

dos de modo generalizado/universal. Por isso a atenção à questão do empirismo, uma

vez que há uma forte negação acerca das entidades abstratas e suas nomeações.

Soares (2013) destaca no Nominalismo, sobretudo, a partir de Ockham, algumas pre-

missas: (i) no mundo há somente coisas individuais, particularmente substâncias e

qualidades individuais e; (ii) não é preciso postular entidades reais sem necessidade.

Tem-se, suscintamente que, na Idade Média “coexistiram” por certo tempo os Realis-

tas (para quem os universais existem como forma do real); os Conceitualistas (para

os quais os universais não passam de abstrações da nossa mente e que não perten-

cem ao mundo real), e os Nominalistas, que não se enquadram em nenhuma destas

perspectivas, pois acreditavam que só os indivíduos existem, assim como só existe

aquilo que é verdadeiro devido à representação individual no mundo, representações

pontuais, e não representações genéricas e abstratas.

Em suma, para os filósofos realistas do final da Idade Média, havia a existência de

objetos reais independentemente se pensasse sobre eles, e se havia um referente

individual e concreto. Já para os nominalistas, não poderia existir nada que não fosse

Filosofia da Linguagem 41
representado por uma referência individual, ou então que permanecesse na mente do

indivíduo – não era possível a existência de uma coisa no mundo real que fosse abs-

trata ou genérica, e, por consequência, não seria possível sua nomeação – os nomes

destas coisas eram “nomes vazios”.

Apesar da breve explanação, o que precisa ficar claro são os principais conceitos de

cada perspectiva – considerando o Naturalismo, o Realismo (e sua evolução de

Aristóteles à Idade Média – com São Tomás) e o Nominalismo, assim como as

principais diferenças entre elas.

Pré-requisitos para a compreensão da unidade


Prezado(a) aluno(a), para que a compreensão desta unidade ocorra de forma efi-

ciente e efetiva, é necessário dedicação e compromisso. Realize uma leitura atenta

do conteúdo, faça pesquisas nos materiais complementares e, em seguida, faça as

atividades com atenção. Você precisa ainda, ao final desta unidade:

1. Compreender que as questões sobre: conceito, ideia, significante, significa-

do, proposição e pensamento ainda permanecem, implícita ou explicitamente,

nos estudos da filosofia da linguagem.

2. Ter ciência de que a filosofia já realizava estudos sobre a linguagem, mas que a

filosofia da linguagem é uma linha de estudos relativamente nova na filosofia, a

qual surgiu na virada do século XIX para o XX, devido a indagações que foram

levantadas sobre a questão do sentido, sobretudo, por Frege, e que a teoria

de Frege não foi unânime, Russel discordou, e até hoje há essa incompatibili-

dade. Inclusive as discrepâncias nos estudos sobre a linguagem no campo da

filosofia sempre existiram, como prova disso temos o exemplo do Naturalismo,

do Convencionalismo, do Realismo, do Materialismo e Nominalismo.

42 Filosofia da Linguagem
Atividades para compreensão do conteúdo

1) Tendo em mente o conteúdo da seção 01 desta unidade “Os estudos filosóficos da lin-

guagem”, marque V para as alternativas verdadeiras, e F para as alternativas falsas:

( ) As reflexões filosóficas acerca da linguagem existem há séculos, tendo início

na antiguidade clássica, momento em que também surgiu a chamada filosofia

da linguagem.

( ) A filosofia da linguagem, embora tenha seus estudos voltados para muitas

questões linguísticas, pertence à área do conhecimento da Filosofia, sendo uma

disciplina relativamente recente.


( ) A filosofia da linguagem comporta um conjunto de reflexões de origens distin-

tas: observações dos filósofos a respeito da linguagem.

( ) Muitos estudiosos da área da linguagem utilizam os estudos desta filosofia,

pois ela prioriza questões linguísticas e não questões relacionadas à natureza

do pensamento.

2) Acerca dos estudos sobre significante/significado e sentido/referência, marque

a(s) alternativa(s) correta(s):

a) A significação, o significado e o próprio significante são mobilizados por meio

da linguagem para que haja uma representação do real.


b) A “teoria clássica do significado” fundamenta até hoje os estudos da filosofia

da linguagem, embora alguns conceitos tenham sido redefinidos, sem estes

estudos anteriores, os atuais com certeza não estariam tão desenvolvidos.

c) O aspecto que mais se destaca entre a teoria de Aristóteles e os estudos atuais

é a questão da monovalência do significado da palavra em relação ao objeto

do mundo real.

d) A principal observação de Frege foi em relação à diferenciação entre sentido e

significado.

Filosofia da Linguagem 43
3) Marque V para verdadeiro, e F para falso:

( ) A conotação relaciona as palavras que utilizamos a um campo semântico mais

amplo que o simples conceito que a palavra por si só apresenta. Conotação e

denotação

( ) A denotação possui uma relação mais direta entre a palavra, seu conceito, seu

significado e seu referente/significante. Valor de verdade

( ) Para Russel, denotar e referir não consiste na mesma coisa.

4) Pensando sobre as reflexões da fala e da enunciação, marque as alternativas

corretas:

a) Platão fazia uma associação direta entre as palavras e as coisas. Foi o que

ficou conhecido mais comumente como Naturalismo.

b) Ainda sobre a linguagem, a “teoria” designativa da Linguagem elaborada por

Aristóteles não expôs de forma articulada a concepção da linguagem ocidental

e sua relação com o pensamento.

c) Assim, a lógica possibilita abstrair uma estrutura que compreende termos e

conceitos capazes de representar o mundo, mas a linguagem não é a reprodu-

ção do real, e sim sua representação.

5) Complete os espaços nas orações, completando-lhes o sentido de forma correta:

a) Para os estudos do __________ a linguagem era a representação do real.

b) A crença na referência direta entre a palavra e a coisa, acreditando que isso

“desvirtuava” a possibilidade de obtenção da verdade das coisas por meio da

linguagem, uma vez que as palavras, quando convencionadas, poderiam não

corresponder à verdade, é advinda dos estudos filosóficos plantonistas conhe-

cido como ___________________.

44 Filosofia da Linguagem
c) Para os __________, apenas a referenciação não era o suficiente para de-

terminar a significação de uma palavra ou uma proposição. Isso porque nem

todo o sentido de uma coisa do mundo real poderia apenas ser abstraído, pelo

contrário, algumas propriedades só poderiam ser depreendidas por meio de

recursos empíricos.

Artigos, sites e links


Artigos introdutórios

PEREIRA, A. Da Filosofia da Linguagem no Crátilo de Platão: Breve reflexão. Dis-

ponível em: <http://www.lusosofia.net/textos/americo_pereira_cratilo_linguagem.pdf>.

LOUX, M. J. Metafísica – Uma Introdução Contemporânea. Disponível em: <http://

www.fflch.usp.br/df/opessoa/TCFC3-06b-Loux-12.pdf>.

Sites

Crítica na rede – Filosofia da linguagem: <http://criticanarede.com/linguagem.html>.

Estudante de Filosofia: <http://www.estudantedefilosofia.com.br/filosofias.php>.

Vídeos

A linguagem e o pensamento: <https://www.youtube.com/watch?v=su8lqIRtfb4>.

Livros recomendados
BRAIDA, C. R. Filosofia e Linguagem. Florianópolis: Rocca Brayde, 2013. Veja uma

prévia do Livro em: <https://books.google.com.br/books?id=EgpKBQAAQBAJ&print-

sec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false>.

OGDEN, C. K.; RICHARDS, I. A. O significado de significado. Rio de Janeiro: Zahar

Editores, 1976.

Filosofia da Linguagem 45
Filmes recomendados

O enigma de Kaspar House

Alemanha de 1974. Direção de Werner Herzog. Homem que

aparenta não ter tido contato coma civilização surge na cidade

de Nuremberg e aos poucos toma consciência da estranheza

que causa à sociedade, ao mesmo tempo em que é repelido por

ela. Devido ao aparente isolamento, começa a adquirir lingua-

gem a partir do momento em que começa a conviver na socie-

dade, enfrentando diversos conflitos, tanto internos, quanto externos.

Você encontra o filme em: <https://www.youtube.com/watch?v=geug75xNoAo>.

Sócrates – filme completo

Com direção do mestre italiano Roberto Rossellini, esta super-

produção europeia é a cinebiografia de Sócrates, um dos maio-

res filósofos da humanidade.

Você encontra o filme em: <https://www.youtube.com/

watch?v=SlJSF-V6yBA&index=19&list=PLneOXzLA-

sVRMy2FHgFYtj6T1pOSuxPXU>.

Proposta para discussão on-line


Caro(a) Acadêmico(a),

Após a leitura e as reflexões sobre o conteúdo da Unidade I, incluindo a realização

de ao menos algumas das leituras complementares, você provavelmente desen-

volveu conceitos, e inclusive dúvidas sobre o tema. Não se preocupe, tudo isso era

46 Filosofia da Linguagem
esperado! É sinal de que realmente você se dedicou e se interessou pelo conteúdo.

A plataforma de ensino-aprendizagem (Moodle) é o lugar ideal para que você possa

compartilhar sua aprendizagem, desenvolvê-la e aproveitar para sanar quaisquer

dúvidas que porventura ainda tenha, ou até mesmo para aprofundar alguma ques-

tão. Compartilhe com seus colegas e Professor Tutor as suas conclusões para en-

riquecer ainda mais os conhecimentos até agora adquiridos. Há a seguir algumas

questões para fomentar as suas discussões.

1) Qual a importância da filosofia da linguagem?

2) A “teoria clássica do sentido” foi de fundamental importância, e até os dias de hoje

se faz presente de uma ou de outra forma na filosofia da linguagem. Baseados em

quais conceitos podemos reforçar esta afirmação?

3) A linguagem é de uma importância fundamental para humanidade. Compreender

as questões de sentido seria, portanto, algo relevante?

4) Como se deu a evolução dos estudos da linguagem na filosofia, e quais foram os

principais marcos e mudanças teóricas? Explique.

Filosofia da Linguagem 47
UNIDADE II: MARXISMO, ESTRUTURALISMO
E FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Objetivos a serem alcançados nesta unidade:


Prezado(a) Acadêmico(a), ao terminar os estudos desta unidade, você deverá ser

capaz de:

• Conhecer o método estruturalista de análises e reflexões linguísticas.


• Perceber como os comportamentos sociais interagem na construção dos pa-
drões sociais.
• Compreender de que forma ocorrem a interação verbal e a significação na
língua.

• Ter noções básicas sobre a Dialética.


• Entender as formas de construções ideológicas pela linguagem.
• Conhecer o método estruturalista de análises e reflexões linguísticas.

Para alcançar estes objetivos de modo satisfatório é necessário que você dedique

tempo aos seus estudos, realizando-os com seriedade e dedicação. Isso inclui efetuar

todas as leituras e atividades recomendadas, assim como sua participação efetiva nas

discussões on-line.

Bons estudos!

Filosofia da Linguagem 49
ESTRUTURALISMO: SAUSSURE E O MÉTODO ESTRUTURALISTA
Da mesma forma que muitos outros ramos da Ciência moderna, encontra também
a linguística suas origens nas especulações filosóficas dos antigos gregos. Já no
século IV a.C., o filósofo Platão levantou uma das questões básicas da linguagem:
há alguma ligação necessária entre as palavras que usamos e as coisas que elas
designam? Embora tudo indique que Platão acreditasse na existência de tal liga-
ção, seu mais brilhante aluno, Aristóteles, sustentou um ponto de vista diferente: a
ligação entre a forma e o significado de uma palavra é questão de convenção e de
acordo tácito entre os falantes de uma língua. Esse é o ponto de Vista aceito hoje
em dia (MOULTON, 1972, p.16).

Embora a capacidade da linguagem pareça algo tão natural e simples para os seres

humanos, foi possível perceber, já nos estudos da primeira unidade, que na verdade,

a linguagem – observada em sua função de estabelecer uma comunicação e possibi-

litar a expressão de ideias e pensamentos – não é, na verdade, algo tão simples. Toda

linguagem humana é formada por símbolos e signos (sejam escritos ou sonoros), e

possui um conteúdo subjacente fornecido contextualmente – há de se recordar aqui,

por exemplo, a questão do sentido e referência, por exemplo. Para além disso, toda

língua possui uma forma de representação, possui uma estrutura.

Não seria possível apontar uma perspectiva teórica que abrangesse todo o estrutura-

lismo, mesmo se fosse esclarecido que se trata do estruturalismo nos estudos linguís-

ticos. Isso porque, como em diversas áreas científicas, não existe uma orientação una

– houve diferentes escolas, em diferentes países, com diferentes percepções.

Por isso, cabe esclarecer que um pensamento em comum entre o estruturalismo lin-

guístico (qualquer que seja a escola) é o de que há um conjunto de elementos que

seguem aos mesmos princípios de organização e funcionamento, constituindo um

todo coerente. Por se notar essa estrutura no sistema linguístico, que surgiu o nome

“Estruturalismo” – termo que nomeou os estudos linguísticos a partir dos estudos da

50 Filosofia da Linguagem
linguística moderna, que tem como marco inaugural a publicação da obra “Curso de

Linguística Geral” de Ferdinand Saussure. Outro esclarecimento, que já se apresenta

no título desta unidade, é que o Estruturalismo que será aqui abordado, trata-se do

Estruturalismo Saussureano.

Ao falarmos sobre o Estruturalismo de Saussure, temos que ter em mente que Saus-

sure era um filósofo e linguista francês que representa um marco nos estudos lin-

guísticos, criando um recorte nos estudos da linguagem. E ainda, “o estruturalismo

saussureano volta-se para a análise do sistema da língua como um conjunto de re-

gularidades que subjazem à língua enquanto interioridade e forma” (MARCUSCHI,

2008, p.32). Em suma, pode-se dizer que a análise estruturalista de linguagem era

uma análise da língua pela língua, considerando-se também o fato de que, embora

Saussure não negue a existência do sujeito que fala, ele não se atém a estes estudos.

Câmara (1975) explica que os primeiros estudos de Saussure, e cerne de suas pes-

quisas consistiam nas questões relativas à natureza da linguagem. Para Saussure, a

linguagem era vista como um sistema de signos, e a capacidade humana de lidar com

tal sistema. Dessa forma, a linguística, por ser uma forma extremamente elaborada

de estudo do uso dos signos, não deveria ser vista, como era por muitos na época,

como uma parte da Semiologia, mas deveria ser autônoma, como uma ciência que

estudaria o uso dos signos pelos homens. Para Saussure, portanto,

devido a sua natureza simbólica, a língua lhe parecia como uma entidade abstrata,
resultante da relação que uma comunidade estabelecia entre os complexos de sons
vocais e os outros conceitos. De acordo com este ponto de vista, a língua nada mais é
que um sistema de relações (CÂMARA, 1975, p.106).

Pensando em sistema de relações, tem-se que a linguagem não seria mais vista como

o era por Aristóteles, em que de um lado havia a convenção da linguagem, e de outro

o conteúdo. Para Saussure, convenção e conteúdo relacionam-se.

Filosofia da Linguagem 51
Partindo desta ideia, Saussure atribui ao signo linguístico um caráter arbitrário e dico-

tômico que envolve, no interior do signo, significado e significante. Nesta perspectiva,

uma forma fonética (que seria o significante) relaciona-se ao significado (que seria

um conceito ou um feixe de ideias), resultando em uma forma linguística (CÂMA-

RA, 1975). Chama-se a atenção para uma utilização linguística aqui realizada, que é

quando se diz que “ao signo linguístico um caráter arbitrário e dicotômico que envolve

significado e significante”. E não uma relação entre significado e significante. Pois o

que acontece não é o fenômeno da representação sonora ou gráfica (significante) em

oposição ao conceito (significado), mas uma concomitância entre eles, sendo estes

elementos considerados por Saussure como indissolúveis entre si.

Saiba mais
Acerca da dicotomia do signo, cabe um exemplo bastante

oportuno, que seria o do deus romano Jano, que como é

sabido, possuía um corpo e duas faces. Uma analogia do

signo saussureano com a imagem de Jano possibilita uma

compreensão singular de tal conceito – um único signo,

com dois elementos distintos, de mesmo valor, que se rela-

cionam, quais sejam: o significante e o significado.

Saussure (2002) definiu semiologia como “um sistema de signos totalmente inde-

pendente daquilo que o dispôs e tal como existe no espírito dos falantes” (p.43). Em

seus estudos, ele reúne três domínios semióticos distintos existentes: (i) domínio não

linguístico do pensamento puro, ou sem signo vocal e fora do signo vocal; (ii) domínio

linguístico do signo vocal; e (iii) domínio linguístico do som puro (fora de qualquer

relação com o pensamento). A partir destes conceitos, ele explica que, tal como são

52 Filosofia da Linguagem
apresentados, se tornam ineficazes, devido à inexatidão presente em cada um. Ele

aponta então que a linguística considera signo, portanto, o elemento que engloba to-

dos estes domínios semiológicos (SAUSSURE, 2002).

Dessa forma, a língua se constitui por meio de um sistema semiológico constituído

coletivamente. Ou ainda “é apenas o sistema de signos tornado coisa da coleti-

vidade que merece o nome de sistema de signos e que é um sistema de signos”

(SAUSSURE, 2002, p.249).

Os estudos semiológicos, portanto, possibilitaram que Saussure, por meio da ve-

rificação dos usos dos signos na sociedade (ou, pelos humanos); criasse uma

nova perspectiva do que constitui o signo, tal como pode ser mais bem compreen-

dido pelo que ficou conhecido como “triângulo da semiótica”, que reúne, no signo,

os domínios semiológicos

Figura 1: Triângulo semiótico

Fonte: Adaptado de Blikstein (2003, p.29)

Filosofia da Linguagem 53
Saiba mais

Tal triângulo não foi, ao contrário do que muitos pensam, uma criação ou uma exclusi-

vidade de Saussure. Estudiosos dos semas (signos/símbolos) anteriores e contempo-

râneos a ele – como Ogden e Richards, Eco, Pierce, Ullman etc. - já faziam uso desta

ilustração, embora alguns triângulos apresentem pequenas distinções entre si.

Sobre o caráter arbitrário do signo, citado há pouco, é preciso esclarecer que: ser arbi-

trário, neste caso, significa ser não motivado. Ou seja, não existe nenhuma motivação

ou relação natural, ou mesmo de causa entre o conceito e a palavra, ou melhor, entre

significado e significante. Na teoria de Saussure, veremos que há dois diferentes con-

ceitos e utilizações do termo “arbitrário”. A noção de valor também é valiosa para a com-

preensão do signo e do conceito de língua. Saussure esclarece que: “qualquer que for a

sua natureza mais particular, a língua, como os outros tipos de signos, é, antes de tudo,

um sistema de valores, e é isso que estabelece seu lugar no fenômeno” (SAUSSURE,

2002, p.250). Esse sistema de valores, como veremos, é construído socialmente, e

mais, para Saussure, na língua, uma coisa só tem valor em oposição à outra. Lembre-

mo-nos do famoso exemplo do jogo de xadrez, que tão bem esclarece o funcionamento

linguístico estruturado, e consequentemente, o estruturalismo saussureano.

Saussure, para exemplificar sua teoria, utiliza como exemplo o ato de jogar xadrez. O

linguista problematiza a seguinte questão: ao escolher qual peça será movida, e ao

mover uma peça no tabuleiro, você realiza o primeiro movimento, de uma sequência

deles, que estarão inseridos em um sistema de regras: as regras do jogo. Você esco-

lhe uma peça em detrimento de outra, e ao realizar uma escolha, você está colocando

em oposição os valores das peças – a sua escolha foi motivada pelo valor que a peça

escolhida possuía. Assim também seria na língua. Em termos de estudos, Saussure

54 Filosofia da Linguagem
deixou claro que a pesquisa linguística seria sobre “as regras do jogo” (o sistema lin-

guístico) e não as mensagens transmitidas (o “discurso”).

Ao colocarmos a língua em funcionamento, estamos nos inserindo em um sistema de

regras linguísticas, em que realizamos escolhas que são possíveis devido ao valor

que cada termo possui de acordo com aquilo que pretendo comunicar. Aqui cabe apre-

sentar um segundo conceito de arbitrariedade que há no estruturalismo saussureano,

que seria o signo linguístico como possuidor de uma natureza opositiva. E como bem

demonstra Faraco (2011), essa segunda concepção de arbitrariedade possui grande

importância para o conceito de valor linguístico. Isso porque:

Falar em valor linguístico a propósito de Saussure é, antes de mais nada, ressaltar a


natureza opositiva do signo. O que fundamenta a especificidade de cada signo linguís-
tico não é (como na história de Adão) o fato de que ele se aplica a certos objetos no
mundo, e não a outros; é a maneira como a língua coloca esse signo em contraste com
os demais (FARACO, 2011, p.63).

Ainda, ao falar em valor linguístico e em oposição, é necessário especificar que Saus-

sure ressaltou o fato de que a relação significante/significado deve ser observada no

sistema linguístico em que os signos se inserem, e não nas realidades extralinguís-

ticas. E ainda, a questão de oposição, pode ser vista em termos de equivalência de

nomes, se tenta caracterizar a mesma realidade objetiva em línguas diferentes; ou

ainda, a oposição de unidades menores de elementos. Neste último caso, vale citar

alguns exemplos, pois: “é, em suma, o significante, na medida em que se distingue de

outros significados, que dá legitimidade linguística ao significante” (FARACO, 2011,

p.62). Por exemplo, faca nos remete ao conceito de objeto cortante devido ao sentido

que relacionamos com esta palavra/som; ao passo que, se trocássemos o f pelo v,

teríamos vaca, um significante que se relacionaria com um significado totalmente di-

ferente – e aqui fica visível o quão interligado são o significante e o significado.

Filosofia da Linguagem 55
Nos estudos de Saussure há várias dicotomias. O termo dicotomia indica a divisão

lógica de um conceito em dois, criando assim um par opositivo que permite observar

a dualidade dos conceitos que ele apresenta. Um aspecto importante desta teoria, e

que se imbrica, de certa forma, às dicotomias; é o fato de que não há objeto linguístico

antes do estabelecimento de um ponto de vista, em resumo, o ponto de vista cria o

objeto. Ou ainda, como bem apresentou Saussure (2004, p.23), “é preciso dizer: pri-

mordialmente, existem pontos de vista; senão, é simplesmente impossível perceber

um fato de linguagem”.

Para Saussure a linguagem é uma convenção social, e o objeto de estudo e análise se

restringe ao sistema linguístico, à forma, à abstração e ao universal; permanecendo no

nível do item lexical e do sintagma. Saussure não analisava o lado social da linguagem

(no sentido interacional), embora não negasse sua existência (MARCUSCHI, 2008).

A dicotomia que se pode considerar “fundacional” nos estudos de Saussure é entre

langue (língua) e parole (fala). Para Saussure a linguagem é bipartida, possuindo um

lado social – a língua – e um lado individual – a fala. Essa questão da linguagem foi

bastante reforçada. “Provavelmente, nenhuma outra escola linguística, até Saussure,

tinha afirmado com tanta força a separação entre a dimensão individual da linguagem

e a dimensão social do funcionamento da linguagem” (FARACO, 2011, p.58).

Para o linguista, a língua é construída socialmente e compartilhada pelos membros de

uma mesma sociedade, não cabendo a um indivíduo modificá-la sozinha, a língua seria,

por assim dizer, coletiva. Já a fala é individual, e o falante a realiza por meio de um ato

individual de vontade e inteligência, realizando combinações entre as unidades linguís-

ticas, por meio da mobilização da língua. Com isso, a língua se torna critério essencial

para a fala, uma vez que o falante necessita desse “conteúdo mental”, desse “histórico”

linguístico socialmente construído para se expressar socialmente, embora o sujeito te-

nha autonomia para escolher como usar esse “conteúdo linguístico” (COSTA, 2012).

56 Filosofia da Linguagem
Observando as “oposições” saussureanas, seria cabível dizer, portanto, que a língua

se opõe a fala, pois ela é social, ao passo que esta última é individual; a língua é sis-

temática, a fala é assistemática, uma vez que é possível estabelecer a comunicação

em determinada língua, pois mesmo havendo diferentes falas, há o uso da mesma lín-

gua. Para Saussure, a língua é um conjunto organizado de elementos que estão uns

em função dos outros, e a função de cada elemento se define também em relação à

função dos demais elementos do conjunto. Essa dicotomia, para Saussure, é bastante

pertinente, pois permite que os fatos da língua sejam estudados separados dos da

fala – e Saussure se preocupava com os estudos da língua (PIETROFORTE, 2011).

Uma vez que os elementos linguísticos se definem em relação aos outros, e assim

definem também sua função, Saussure estabelece dois eixos para “alocar” esses ele-

mentos. O eixo de seleção, que é paradigmático; e o eixo da combinação, que é

linear, e diz respeito à ordem de distribuição dos elementos linguísticos, formando os

sintagmas. A seleção ocorre no eixo vertical, das relações paradigmáticas; e a combi-

nação acontece no eixo horizontal, das relações sintagmáticas.

Assim, nas relações paradigmáticas ocorrem pela ausência de elementos selecionados


(ao escolher um elemento, deixo de escolher outro), ao passo que nas relações sin-
tagmáticas, as relações ocorrem pela presença dos elementos relacionados (PIETRO-
FORTE, 2011, p.89).

A Figura, a seguir, visa apresentar como os elementos linguísticos se apresentam em

cada eixo, por meio das setas, os elementos riscados são uma ilustração de possíveis

elementos que não foram escolhidos, e o resultado fora dos eixos seria o material

linguístico resultante das relações estabelecidas.

Filosofia da Linguagem 57
Figura 2: Ilustração do funcionamento dos eixos de relações sintagmáticas e paradigmáticas

Fonte: Autoria própria

Essas relações ocorrem também em outros níveis linguísticos, como o dos sons, o dos

morfemas, e o das palavras, manifestando-se na língua, por meio da fala ou da escrita.

Saussure reitera várias vezes a definição de língua como um sistema de signos. Ao

mesmo tempo, ele destaca que “seja qual for a sua natureza mais particular, a língua,

como os outros sistemas de signos, é, antes de tudo, um sistema de valores, e é isso

que estabelece seu lugar no fenômeno” (SAUSSURE, 2002, p.250, grifos nossos). Res-

saltando, sempre, que o valor que se forma nos signos deste sistema não provém nem

do elemento relativo à referência do signo, nem da individualidade do ser; mas que o

valor estabelece suas bases no meio e na força social, portanto, naquilo que é coletivo.

Considerando a coletividade que possibilita esse sistema de valores, e por extensão,

o caráter social da linguagem, os estudos estruturalistas, observando o sistema lin-

guístico, constata que a língua passa, ocasionalmente, por mudanças, sejam de na-

tureza semântica, lexicais ou fonéticas (são as mudanças que, aparentemente, eram

mais observadas por Saussure).

Em determinado momento de seus estudos, Saussure constata que as coisas no

mundo, os fatos acontecem em dois eixos (o eixo da contemporaneidade e o da

58 Filosofia da Linguagem
sucessividade), e que seria impossível analisar um valor, ou um sistema de valores,

submetidos a esses dois eixos concomitantemente. Assim, no eixo da contemporanei-

dade (em que é possível desconsiderar o fator tempo); têm-se os estudos sincrônicos

de mudança ou variações no sistema de valores – ou, na língua. Do mesmo modo,

na observação deste sistema no eixo das sucessividades (a observação das coisas

associadas à passagem do tempo); têm-se os estudos diacrônicos da linguagem.

Essa possibilidade de mudança no sistema de valores, associada aos eixos em que

as coisas acontecem no mundo; dá origem à outra dicotomia saussureana: a diacro-

nia e a sincronia. E ainda, o fato de a língua ser social, associada a seus estudos em

eixos que verificam suas alterações ou deslocamento de valores, atribuem à lingua-

gem um caráter dinâmico.

Nos estudos Diacrônicos, as análises partem de um ponto de vista que opõem estes estu-

dos aos estudos Sincrônicos, predominando uma análise que prioriza a mudança linguísti-

ca considerando a influência temporal. Já nos estudos sincrônicos, o ponto de vista é que

a língua é um sistema em que um elemento se define por meio dos demais elementos.

No estudo sincrônico, um determinado estado de uma língua é isolado de suas mudanças


através do tempo e passa a ser estudado como um sistema de elementos linguísticos. Es-
ses elementos são estudados não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações
que eles contraem, ao mesmo tempo, uns com os outros (PIETROFORTE, 2011, p.79).

Ressalta-se ainda que Saussure não apenas acrescentou o ponto de vista sincrô-

nico aos estudos linguísticos (visto que já havia os estudos históricos/diacrônicos),

mas ele redefiniu o conceito de diacronia, que passou a ser compreendida não ape-

nas como uma linha de sucessão temporal, mas como uma sucessão de diferentes

sistemas ao longo do tempo, ou seja, em cada momento diacrônico, é possível rea-

lizar um recorte sincrônico. “A diacronia é, então, uma sucessão dessas sincronias”

(PIETROFORTE, 2011, p.81).

Filosofia da Linguagem 59
Saiba mais

Para exemplificar, basta dizer que, em um estudo diacrônico, o interesse reside em


verificar como uma palavra evolui historicamente, se alterando em sua forma escrita
e/ou em sua pronúncia; assim como passando por deslocamentos de sentidos – por
exemplo, o verbo comer que vem do latim edere, e que por meio de um processo que
aconteceu temporalmente/diacronicamente, houve a aglutinação de cum+edere que
resultou na forma gráfica e sonora, e no significado que possui hoje. Na perspectiva
diacrônica, portanto, o com trata-se de um prefixo que foi adicionado ao radical de ede-
re - ed. Em uma análise sincrônica, essas questões de mudanças históricas devem ser
isoladas/separadas, e o ponto de vista recai dentro do mesmo recorte temporal. Assim,
partindo do exemplo anterior, não importa a origem do verbo comer, sincronicamente
com é um radical, e não um prefixo, e se define em relação a outros elementos da língua
portuguesa que se compõem a partir do mesmo radical, como “com-ida”, “com-ilança”
etc. (PIETROFORTE, 2011, p.80).

Resumindo, o Estruturalismo de Saussure considera a língua como um sistema de

signos regido por regras que lhe atribuem uma estrutura. Esse sistema e essas regras

não são regidos por um indivíduo, mas é algo coletivo, como coletiva é a linguagem,

social a língua e individual a fala. A dualidade e as oposições dicotômicas são marcas

presentes nos raciocínios saussureanos, e denotam que um elemento da língua se

constitui em oposição a outro, mas sobretudo, aponta para o fato de que, é necessário

haver diferentes pontos de vista sobre o objeto de análise.

Exaurir tal tema nesta unidade seria humanamente impossível, mas espera-se que

tenha sido possível a compreensão do que constitui a teoria estruturalista de Saussu-

re, que há diferentes linhas estruturalistas, e que estes estudos são embasados nos

estudos filosóficos que já existiam sobre a linguagem. Outro ponto a esclarecer, caso

tenha ficado alguma impressão um pouco imprecisa, é que em Saussure, “a dicotomia

não deve ser pensada como algo que é dividido em dois, mas sim um par de conceitos

que devem ser definidos um em relação ao outro, de modo que um só faz sentido em

relação ao outro” (PIETROFORTE, 2011, p.78).

60 Filosofia da Linguagem
Linguagem e ideologia – uma abordagem marxista
O ser humano se apresenta essencialmente simbólico e político. Toda nossa representação
e atuação no mundo e para o mundo se dá nesses âmbitos. A própria palavra representa-
ção já diz muita coisa. Nós representamos o mundo, é sempre um jogo de interações, de
conflitos. [...] No jogo das representações do homem no mundo e do mundo no homem a
linguagem ocupa a melhor posição de intermediação possível. Mas, e por causa, dessa po-
sição, a linguagem não opera uma intermediação neutra, assim como, não é neutro o mundo
dos homens. A cultura, a simbologia e, principalmente, toda a carga ideológica presente na
sociedade humana se inscrevem na linguagem (FILARDI, 2005, pp.59 e 60, grifos do autor).

Se pela língua/linguagem nos representamos, e ao mesmo tempo somos representa-

dos, isso incorre dizer que, pela linguagem construímos imagens representativas da-

quilo que somos, ou, ao menos, do que nós queremos fazer crer que somos, inserindo

nesta representação valores culturais, sociais e, inclusive, ideológicos.

Na seção anterior desta unidade, vimos, no Estruturalismo Saussuriano, que a linguagem

era formada por um conjunto de signos e a capacidade humana de lidar com estes signos,

sendo o valor atribuído a eles, algo advindo do coletivo social. E mais, a linguagem con-

tinha em si algumas dualidades/dicotomias, dentre elas a dicotomia língua e fala em que

a língua é algo social, e a fala é individual – de onde é possível apreender que a língua,

portanto, era objetiva e compartilhada, ao passo que a fala era subjetiva e individual.

Nesta seção há de se introduzir um novo conceito de linguagem, na qual ela não é

vista como algo polarizado em coletivo e individual, mas trata-se de um conceito dia-

lógico de linguagem. Nesta concepção dialógica, a linguagem é sempre uma forma

de interação – com o outro ou comigo mesmo; e a língua é uma forma de ação social.

Quando interagimos com alguém por meio da linguagem expressamos e reproduzi-

mos a estrutura social da qual fazemos parte; assim, utilizar a língua envolve esco-

lhas, que de alguma forma, nunca poderão ser totalmente neutras, pois de uma forma

ou de outra, pela minha fala, eu irei demonstrar minhas crenças e minha cultura.

Filosofia da Linguagem 61
Os questionamentos e os estudos apresentados até momento têm envolvido apenas

questões que visam observar de que forma, ou até que ponto a linguagem representa

o real, como é possível que se ocorra a referenciação, como emanam os sentidos, a

linguagem como representação do pensamento, como forma de adquirir conhecimen-

to, ou ainda, como um sistema bem estruturado e regido por regras etc. No entanto,

até que ponto as ideologias influenciam a linguagem, ou será que a linguagem que

possibilita a existência e propagação de ideologias? Se a língua é social, até que pon-

to a sociedade influencia na linguagem?

Mikhail Bakhtin, filósofo e pensador russo, coloca em questionamentos estas e outras

questões, criando um novo conceito de linguagem. Para isso, ele questiona, sobretu-

do, dois princípios estruturalistas de Saussure: língua/fala; sincronia/diacronia.

Bakhtin coloca, em primeiro lugar, a questão dos dados reais da linguística, da natureza
real dos fatos da língua. A língua é, como para Saussure, um fato social, cuja existência
se funda nas necessidades de comunicação. Mas, ao contrário da linguística unificante de
Saussure e de seus herdeiros, que faz da língua um objeto abstrato ideal, que se consagra
a ela como sistema sincrônico homogêneo e rejeita suas manifestações (a fala) individu-
ais, Bakhtin, por sua vez, valoriza justamente a fala, a enunciação, e afirma sua natureza
social, não individual: a fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação,
que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais (YAGUELLO, 2004, p.14).

Com isso, Bakhtin, ao contrário de Saussure, considera essencial para questão de

significação e mudanças na língua, fatores como o contexto e o interlocutor como

critérios definidores do discurso que será proferido por meio do uso da língua. Assim,

a sincronia (“recorte e descontextualização do signo” dentro de um espaço temporal,

sem observar o contexto) e a individualidade da fala (não observância do interlocu-

tor) são questionadas por Bakhtin. Mais do que isso, Bakhtin aponta também que

as relações de dominação e de resistência, e toda ideologia que as perpassam, são

refletidas na língua.

62 Filosofia da Linguagem
Saiba mais

Aqui se faz necessário apresentar um conceito muito utilizado por Bakhtin em toda

sua teoria: refletir e refratar. Ao longo de sua obra, o filósofo usa essa expressão com

bastante frequência (tanto para falar do ser humano, quanto para se referir ao signo

e à palavra), pois, de acordo com suas reflexões, o ser humano está em constante

processo de interiorização e exteriorização de conceitos. Dessa forma, o indivíduo

(o signo, a palavra, o discurso etc.) retrata uma realidade do mundo – absorve, traz

para seu interior e assimila; ao mesmo tempo em que reflete tal realidade – espelha,

demonstra, devolve esta realidade para o mundo.

Bakhtin demonstra, portanto, uma visão bastante diferente de Saussure em relação,

sobretudo, à fala/língua. Para ele, “a língua vive e evolui historicamente na comunica-

ção verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas das línguas, nem

no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 2004, p.124, grifos do autor). O que

atribui à língua essa característica de “vida” e de “evolução”, portanto, são as relações

sociais, as situações concretas de fala, ou seja, a interação verbal em uma situação

real, verdadeira de uso.

A fala para Bakhtin está sempre em processo de evolução ininterrupto, o qual ocorre

por meio da interação verbal social dos interlocutores; possui leis de evolução linguís-

tica que são essencialmente leis sociológicas, e a estrutura da enunciação é uma es-

trutura puramente social (BAKHTIN, 2004). Ancorado nestas premissas sociológicas o

pensador russo demonstra em suas obras como a enunciação e o discurso são sem-

pre voltados para o outro e mantém relação com a sociedade na qual estão inseridos.

Aquilo que será dito, sempre observará o contexto social que envolve o dizer, as po-

sições sociais dos envolvidos no discurso, “na realidade, toda palavra comporta duas

Filosofia da Linguagem 63
faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato

de que se dirige para alguém” (BAKHTIN, 2004, p.113, grifos do autor). Daí o fato de

o discurso ser considerado como um produto que resulta da interação. “Através da

palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coleti-

vidade” (BAKHTIN, 2004, p.113).

Saiba mais
Em sua obra Marxismo e a filosofia da Linguagem, Bakhtin utiliza bastante os

termos enunciação – como produto resultante da fala; e o termo palavra – que

equivale a discurso.

Bakhtin considera a língua, portanto um conjunto no qual o indivíduo possui “estoque” de

signos que é formado socialmente, desde o momento de seu nascimento, esse “estoque”

lhe permite o ato fisiológico da fala, que uma vez proferida realiza a enunciação – ou seja,

a partir do momento em que se “extrai o signo” desse “estoque” e o “lança” para o outro;

a enunciação seria este processo que envolve a mobilização dos signos na mente e dos

mecanismos fisiológicos da fala -, de onde se tem, portanto, a materialização do discur-

so (palavra). E, para Bakhtin, todo este conjunto - desde a aquisição dos signos e seus

significados, até o produto final (o discurso) – relaciona-se diretamente com a sociedade,

orienta-se em função dela, dirige-se para ela, ou um representante; acontece situado

nela, enfim, a sociedade não se desassocia da língua em nenhum momento.

Ainda, para Bakhtin, uma vez que o discurso se orienta em função do interlocutor,

ele irá variar tal qual como o interlocutor também varia. Desse modo, o locutor usará

diferentes discursos, conforme as diferentes necessidades e contextos de uso, se o

interlocutor é do mesmo grupo social ou não, se possui laços sociais mais estreitos

64 Filosofia da Linguagem
(familiares) ou não, se é alguém com posição hierárquica a do locutor (um chefe, por

exemplo) ou não etc. (BAKHTIN, 2004). Por isso a afirmação sempre presente em

suas reflexões de que, o contexto social imediato orienta a enunciação.

Saiba mais
Bakhtin diferencia, basicamente, três tipos de interlocutores, dos quais citaremos dois

por serem relevantes para esta unidade: o interlocutor real (comum) e virtual (quando

eu escrevo para alguém, por exemplo).

Pensando na questão do contexto social imediato, chama-se a atenção para o que

Bakhtin denomina de horizonte social, que seria, basicamente, um conhecimento so-

cial compartilhado com o grupo ao qual pertenço. Esse horizonte social “determina a

criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte con-

temporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito”

(BAKHTIN, 2004, p.112).

Para Bakhtin, o discurso, além de ser um lugar de interação, no qual a língua se manifes-

ta em meio a suas relações com a sociedade, o discurso é também um lugar de luta de

classes, de lutas ideológicas. Para ele, “a palavra é o fenômeno ideológico por natureza

[...]. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social” (BAKHTIN, 2004, p.36).

Aqui cabe uma ressalva importante sobre o aspecto dialético que a linguagem adquire

em Bakhtin, que atribui à língua um aspecto quase metalinguístico, por assim dizer.

Até então, a linguagem era utilizada para questões dialéticas em diversas outras áre-

as e ciências, Bakhtin, no entanto, cria o que se pode denominar de uma “dialética da

linguagem”. Mais do que isso, ele apresenta como a resolução de algumas questões

Filosofia da Linguagem 65
acerca da (filosofia da) linguagem, em sua época, possibilita uma compreensão mais

satisfatória de outros estudos, dos quais, claramente, ele destaca o marxismo.

Saiba mais
Dialética aqui deve ser compreendida não apenas no sentido estrito do termo, visto

como “arte de raciocinar” e/ou “argumentar”. É necessária uma compreensão do ter-

mo em seu contexto filosófico conforme os estudos contemporâneos à Bakhtin, ou

seja, já é uma concepção de dialética em Marx, e não mais como em Hegel, ou seja,

já não é mais uma dialética baseada em termos contraditórios. Ou ainda, melhor seria

o conhecimento do materialismo dialético de Marx.

Bakhtin parte do exemplo da relação entre a superestrutura e infraestrutura de Marx,

demonstrando que, para que a relação destes dois fenômenos sociais não se apre-

sente de modo superficial, é necessário que se observe a presença da linguagem

como um elo social, sendo isso que tornaria a questão da infraestrutura e superestru-

tura realmente dialética.

O problema da relação recíproca entre infra-estrutura e as superestruturas, problema


dos mais complexos e que exige, para sua resolução fecunda, um enorme volume de
materiais preliminares, pode justamente ser esclarecido, em larga escala, pelo estudo do
material verbal. De fato, a essência deste problema, naquilo que nos interessa, liga-se
à questão de saber como a realidade (a infraestrutura) determina o signo, como o signo
reflete e refrata a realidade em transformação (BAKHTIN, 2004, p.41, grifo do autor).

Assim, para Bakhtin, as relações sociais, se analisadas fora do processo real de co-

municação e interação, se torna em uma análise/reflexão mecanicista, mítico. Perde-

ria, portanto, sua ligação com o real, uma vez que é o discurso que reflete as mais

tênues mudanças sociais, é a palavra, enquanto signo ideológico, por possuir uma

66 Filosofia da Linguagem
característica “onipresente” que é capaz de se inserir, e representar, as mais diferen-

tes relações entre indivíduos, e as relações sociais (BAKHTIN, 2004).

Essa dialética observada na linguagem, nos estudos de Bakhtin, pode ser observada

tanto na concretização discursiva das relações sociais de interação, externas ao sig-

no, como vimos, ou ainda, interna ao signo. Bakhtin entende que “o ser, refletido no

signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” (BAKHTIN, 2004, p.46).

Assim, esse elo que a linguagem realiza entre a observação das classes sociais (infra-

estrutura e superestrutura) e suas ideologias é observado dentro do interior do próprio

signo linguístico, o qual se constitui ele mesmo uma “arena de luta de classes”.

Todo signo é ideológico, inclusive o signo linguístico, e retrata o horizonte social e a

esfera social, isso implica dizer que ele possui valor social. Possui um valor social para

aqueles que o utilizam. Embora as classes sociais possam ser diferentes, a língua de

que dispõem é a mesma. Isso faz com que a linguagem (o signo) adquira também um

valor de contradição, que ele seja bivalente. Dizer que um signo é bivalente equivale

a dizer que ele apresenta índices sociais de valor, que serão condizíveis com a classe

que o utiliza. É isso que faz com que o signo ideológico seja vivo e dinâmico, e, con-

sequente, a língua.

Na realidade, todo signo ideológico vivo tem, como Jano, duas faces. Toda crítica pode
tornar-se elogio, toda verdade viva não pode deixar de parecer para alguns a maior das
mentiras. Esta dialética interna do signo não se revela inteiramente a não ser nas épocas
de crise social e de comoção revolucionária. Nas condições habituais da vida social, esta
contradição oculta em todo signo ideológico não se mostra à descoberta porque, na ideo-
logia dominante estabelecida, o signo ideológico é sempre um pouco reacionário e tente,
por assim dizer, estabilizar o estágio anterior da dialética da evolução social e valorizar a
verdade de ontem como sendo válida hoje em dia (BAKHTIN, 2004, p.47, grifos do autor).

Uma observação muito oportuna há de ser feita no que tange a questão de ideologia.

Embora Bakhtin apresente que o signo é ideológico, ele também demonstra que há

Filosofia da Linguagem 67
a possibilidade de expressões verbais, ou seja, por meio de signo, que não são ide-

ológicas. Como pensarmos sobre isto? Há uma questão fundamental para Bakhtin:

a tomada de consciência do indivíduo. O grau de consciência demonstra o grau de

orientação social do indivíduo. Bakhtin usa o exemplo da fome, para exemplificar essa

questão – o sujeito pode tomar consciência de que está com fome, exteriorizar isto

verbalmente, e, no entanto, esta manifestação verbal de que está com fome pode não

possuir nenhuma carga ideológica.

Todavia, a tomada de consciência pode ser em âmbito individual ou coletivo – embora

veremos que o individual não é, na verdade, tão individual assim. Continuando no

exemplo da fome, se a tomada da consciência for em um ambiente coletivo, em que

todos passam fome, mas não se manifestam, haverá uma consciência de resignação

em relação à fome que será compartilhada por todos os membros da sociedade, que

se encontram materialmente isolados, não possuem uma economia em comum, por

exemplo. Diferentemente, se a fome ocorrer em um ambiente coletivo no qual os indi-

víduos não compactuam com a situação da fome, e partilham do mesmo sistema eco-

nômico, e/ou são materialmente ligados devido à sua classe (e que tenham noção que

pertencem a uma classe, por exemplo, produtores agrícolas), a consciência coletiva

fará com que todos compactuem do mesmo pensamento não resignado. Para Bakh-

tin, são nestes casos em que a ideologia se torna mais nítida na atividade mental.

Assim, o discurso interior que advém de toda tomada de consciência, pode gerar

um discurso exterior que não exatamente “ideológico”. No entanto, sem a tomada de

consciência, não há a geração de discursos e, consequentemente, não há ideologia.

Com isso, chega-se a outro conceito valioso para Bakhtin: não é o pensamento que

faz surgir a ideologia, mas sim a ideologia que origina o pensamento. Entendo o pen-

samento como o discurso interior, uma vez que todo pensamento envolve a tomada

de consciência sobre algo, a capacidade de refletir sobre.

68 Filosofia da Linguagem
Para Bakhtin (2004, p.117), “o pensamento não existe fora de sua expressão po-

tencial e consequentemente fora da orientação social dessa expressão e o próprio

pensamento”. Por expressão potencial, neste caso, podem-se entender as formas de

exteriorização verbal cabíveis para o pensamento, resignados ou não, como os exem-

plificados anteriormente.

No entanto, para este filósofo, mesmo a atividade mental interior individual, é forma-

da pelo coletivo por meio da interação social. E tanto a consciência coletiva de uma

sociedade que possui uma consciência coletiva individual – pois não compartilham do

mesmo sistema -, quanto à consciência coletiva de uma sociedade, que possui uma

consciência coletiva compartilhada, apresentam suas bases de pensamento estrutu-

radas por meio das relações sociais.

Assim, a personalidade que se exprime, apreendida, por assim dizer, do interior, reve-
la-se um produto total da inter-relação social. A atividade mental do sujeito constitui, da
mesma forma que a expressão exterior, um território social. Em consequência, todo o iti-
nerário que leva da atividade mental (o “conteúdo a exprimir”) à sua objetivação externa
(a “enunciação”) situa-se completamente em território social. [...] Enquanto a consciência
permanece fechada na cabeça do ser consciente, com uma expressão embrionária de
discurso interior, o seu estado é apenas de esboço [...] (BAKHTIN, 2004, pp.117-118).

A atividade mental ganhará força ideológica a partir do momento que se concretiza

socialmente. Assim, a atividade mental realiza uma atividade reversível, ela é criada

no pensamento, e quando exteriorizada, ela torna a estruturar novamente o interior.

Desse modo, sem o exterior/social – e, consequentemente, a ideologia que os per-

meiam; não há a efetiva formação do pensamento. Considerando ainda que “o centro

organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está

situado no meio social em que vive o indivíduo” (BAKHTIN, 2004, p.121).

A ideologia, portanto, apresenta um papel fundamental ao que diz respeito à forma-

ção do pensamento do ser. A ideologia é apresentada por Bakhtin, basicamente, em

Filosofia da Linguagem 69
duas formas: a ideologia que se refere aos sistemas ideológicos constituídos (religião,

moral etc.) e a ideologia do cotidiano (que consiste tanto no discurso interior quanto

no exterior acompanhando a tomada de consciência realizada em cada ato ou gesto

diário). “Essas ideologias convivem paralelas e imbricadas, no entanto, pode-se dizer

que é a ideologia do cotidiano” que “alimenta” todo o sistema ideológico.

A ideologia do cotidiano, para Bakhtin, possui níveis mais baixos (que estariam mais

próximos da infraestrutura) e vão, gradativamente, até níveis mais altos (que man-

tém contato direto com as ideologias dominantes (sistemas ideológicos), estando

sempre interligadas. E, embora a ideologia do cotidiano que “alimenta” os sistemas

ideológicos dominantes – em outras palavras, que os mantêm “vivos”; as ideologias

dominantes que costumam exercer influência direta na ideologia do cotidiano, in-

fluenciando-a, fazendo com que ela assimile os sistemas ideológicos por meio da

infiltração de instituições ideológicas (imprensa, literatura etc.). Assim, nessa rever-

sibilidade, nessa “dialética” ou neste “dialogismo ideológico”; o pensamento do ser

vai se constituindo e se estruturando.

Assim, Bakhtin cria seu “método sociológico” de análise da linguagem, com bases

marxistas, esclarecendo que a linguagem é um produto da interação social, em que

a língua constitui um processo ininterrupto de evolução decorrente desta interação,

e, ainda, a língua não pode ser compreendida fora do seu sistema de conteúdos e

valores ideológicos, sendo estes conteúdos os responsáveis pela organização mental

do indivíduo ao mesmo tempo em que moldam a enunciação, a qual possui uma es-

trutura puramente social (BAKHTIN, 2004).

70 Filosofia da Linguagem
Saiba mais

Método sociológico porque, ao contrário do método formal – em que a linguagem

era observada estritamente por meio de uma análise linguística abstrata, como visto

no estruturalismo saussureano -, o método de análise da linguagem realizado por

Bakhtin considera, para tanto, os fenômenos sociais, a situação social que dá origem

à linguagem. Ora, é o contexto extra verbal, que, como já visto nesta seção; quesito

essencial para compreensão dos fenômenos relativos à linguagem.

Por meio do que foi visto até o momento acerca dos estudos bakhtinianos, é possí-

vel perceber a grandeza das relações dialógicas da linguagem, sua representação

simbólica e ideológica criada e reforçada por meio da interação. A valoração que o

falante imprime ao que diz, produz no ouvinte uma atitude responsiva (uma resposta)

que pode ser manifesta verbal ou silenciosamente, mas se manifestará de alguma

forma. Essa resposta traz em si um julgamento de valor acerca do valor/valoração

que o falante imprimiu ao que disse, e assim, as crenças e ideologias vão, dialógica e

dialeticamente, sendo compartilhadas interativamente por meio da enunciação discur-

siva. Assim, por ser o indivíduo um ser possuidor de opiniões de naturezas diversas, o

discurso se torna um “palco de encontro de opiniões”. Nesse jogo discursivo de inte-

ração, os falantes criam cenários, situações, apresentam sentimentos etc.

O enunciado nunca é apenas um reflexo, uma expressão de algo já existente fora dele,
dado e acabado. Ele sempre cria algo que não existia antes dele, absolutamente novo e
singular, e que ainda por cima tem relação com o valor (com a verdade, com a bondade,
com a beleza, etc.). Contudo, alguma coisa criada é sempre criada a partir de algo dado
(a linguagem, o fenômeno observado da realidade, um sentimento vivenciado, o próprio
sujeito falante, o acabado em sua visão de mundo, etc.). Todo o dado se transforma em
criado (BAKHTIN, 2011, p.327).

Filosofia da Linguagem 71
Dessa forma, os enunciados nos transmitem elementos que são dados por meio da

linguagem, os quais “criam” coisas no mundo por meio de relações de sentido. O sen-

tido e a significação na língua são vinculados à situação concreta de fala. O contexto

da interação, a posição social que ocupam os participantes da interação, as ideologias

presentes, o conhecimento de mundo que cada um possui, tudo isso influencia direta-

mente na significação. Ou, nas palavras do filósofo:

A multiplicidade de significações é o índice que faz de uma palavra uma palavra. Em


relação à palavra onisignificante de que falava Marr podemos dizer o seguinte: tal pa-
lavra, de fato, não tem praticamente significado: é um tema puro. Sua significação é
inseparável da situação concreta em que se realiza. Sua significação é diferente a cada
vez, de acordo com a situação de uso (BAKHTIN, 2004, p.130).

Ao falar de significação, Bakhtin esclarece que há uma distinção bastante evidente

entre tema e significação. Tema seria o sistema de signos, que se adapta sincroni-

camente, e é dinâmico e complexo. Já a significação seria um “aparato técnico para

a realização do tema”. A significação funciona como um elemento que torna possível

atribuir ao tema um sentido, e por isso, significação e tema não existem um sem o

outro (BAKHTIN, 2004).

Saiba mais
Para compreender melhor a referência feita a Marr (Nicolai Yakovlevitch Marr) na

citação de Bakhtin (2004, p.130), feita anteriormente, em deslocamento no corpo do

texto, indicamos a leitura do artigo “O papel das leituras engajadas em marxismo e

filosofia da linguagem” indicada ao final desta unidade.

Bakhtin, por meio de seus estudos filosóficos, foi capaz de trazer para a arena de

estudos linguísticos questões aparentemente óbvias, mas que até então não haviam

72 Filosofia da Linguagem
sido ditas, ou, ao menos, não reconhecidas – como no caso de Saussure; a priori a

questão discursiva da língua. A existência de diferentes classes sociais, diferentes

relações por meio da linguagem, entre outras questões abordadas por Bakhtin e que

envolvem a linguagem, eram latentes, no entanto, não havia ainda nenhuma reflexão

aprofundada sobre isso.

Essa questão é muito complexa e interessante (por exemplo, em que medida se pode
falar do sujeito da linguagem [...]).

É original a natureza das relações dialógicas. A questão do dialogismo interior. O limiar


das fronteiras entre os enunciados. Aqui chegamos ao extremo da filosofia da lingua-
gem e do pensamento das ciências humanas em geral [...] (BAKHTIN, 2011, p.325).

Embora se reconheça que sem os estudos da língua seria impossível avançar nos

estudos da linguagem, Bakhtin toma como objeto de seus estudos aquilo que Saus-

sure excluiu dos seus. Para Bakhtin, só é possível compreender a linguagem em seu

uso social. Sendo que a língua não é neutra, mas contém uma carga ideológica que

pode variar, mas sempre existirá. E com isso, os aspectos sociais forjam o indivíduo

e seu pensamento, ao passo que este indivíduo, fazendo uso da língua, torna-a viva

e dinâmica, criando e recriando-a por meio de novos usos, significações e sentidos.

Pré-requisitos para a compreensão da unidade


Caro(a) aluno(a), ao final desta unidade, espera-se que tenha sido possível relacionar

as duas seções que a compõem, de modo a perceber como estas teorias se rela-

cionam, como contribuíram para os estudos linguísticos do século XX (contribuição

que permanece até os dias de hoje), e as peculiaridades de cada uma. Também é

desejável que seja possível uma relação destas teorias com os estudos realizados na

unidade I, de modo a se perceber o delineamento das reflexões realizadas sobre a

Filosofia da Linguagem 73
linguagem desde os estudos clássicos sobre a língua, até os mais relevantes realiza-

dos no século XX. Para isso, tencionamos que você tenha:

1. Compreendido o que é o Estruturalismo Saussureano.

2. Entendido como Saussure realizou seus estudos linguísticos, estabeleceu a lin-

guística como ciência autônoma e qual era sua visão de linguagem/língua/fala.

3. Percebido quais são e como funcionam as principais dicotomias saussureanas.

4. Assimilado como os estudos de Bakhtin sobre a dialogicidade da linguagem

foram capazes de reformular os conceitos que se tinham até então sobre os

fenômenos referentes à linguagem.

5. Apreendido que linguagem e ideologia caminham juntas, formam o indivíduo

socialmente constituído, e que a língua só pode existir e ser considerada/ana-

lisada em situações reais de uso.


6. Que as teorias de Bakhtin e Saussure possuem pontos convergentes e

divergentes.

Atividades para compreensão do conteúdo


1) Sobre os estudos estruturalistas de Saussure e os estudos filosóficos de Bakhtin,

marque as alternativas corretas:

a) O método de Saussure é considerado “formal”, pois analisa a língua de modo

abstrato, sendo “a língua pela língua”. Já o método de Bakhtin é considerado

“sociológico”, pois analisa a língua em seu contexto social, considerando tam-

bém as diferenças de classes, tendo, inclusive, como base para sua filosofia da

linguagem, a filosofia marxista.


b) Para Saussure, a língua é social e consiste em um sistema de signos, ao passo

que a fala é individual e consiste em um ato fisiológico, sendo ambas conside-

radas de modo isolado, e recaindo sobre a língua o interesse de estudos de

74 Filosofia da Linguagem
Saussure. Já para Bakhtin a língua e a fala operam de forma conjunta, a fala

para ele está ligada às condições de comunicação, e, por conseguinte, ligada

às relações sociais.

c) Entre os estudos de Bakhtin e Saussure, há pontos divergentes – como o fato

de a língua ser social; e pontos convergentes, como o fato de o caráter dinâ-

mico e evolutivo da língua ser decorrente da evolução histórica do sistema

linguístico, sem interferências de contexto extra verbais.

d) Tanto para Saussure, quanto para Bakhtin, o discurso é sempre voltado

para o outro.

e) A metáfora de Juno, com suas duas faces, aparece nas duas teorias, no en-

tanto com conotações diferentes. No Estruturalismo de Saussure, ela serve

para exemplificar o conceito dicotômico do signo – significante/significado; já

na filosofia marxista da linguagem de Bakhtin (ou em seu “método sociológico”)

essa metáfora serve para exemplificar o conceito bivalente do signo (quando

expresso pela linguagem) - dizer que um signo é bivalente, equivale a dizer que

ele apresenta índices sociais de valor que serão condizíveis com a classe que

o utiliza, as quais poderão lhe atribuir valores diferentes e/ou contraditórios.

2) Marque V para verdadeiro, e F para falso:

( ) O Estruturalismo Saussureano volta-se para a análise do sistema da língua como

um conjunto de regularidades que subjazem à língua enquanto interioridade e for-

ma. Ou seja, era uma análise da língua pela língua, e ainda, embora Saussure não

negasse a existência do sujeito que fala, ele não se atém a estes estudos.
( ) Nos estudos Diacrônicos, as análises partem de um ponto de vista que opõem

estes estudos aos estudos Sincrônicos, predominando uma análise que prioriza

a mudança linguística considerando a influência temporal. Já nos estudos sin-

crônicos, o ponto de vista é que a língua é um sistema em que um elemento se

define por meio dos demais elementos.

Filosofia da Linguagem 75
( ) Para exemplificar o sistema de regras e valores do sistema linguístico, demons-

trando que tal sistema é estruturado, Saussure utiliza o exemplo, em forma de

metáfora, do jogo de xadrez. Com esse exemplo, ele é capaz de esclarecer os

principais conceitos dos eixos de relações sintagmáticas e paradigmáticas.

( ) A dicotomia que se pode considerar “fundacional” nos estudos de Saussure

é entre langue (língua) e parole (fala). Para Saussure a linguagem é bipartida,

possuindo um lado social – a língua – e um lado individual – a fala.

( ) Saussure atribui ao signo linguístico um caráter arbitrário e dicotômico que en-

volve, no interior do signo, significado e significante. Nesta perspectiva, uma

forma fonética (que seria o significante) relaciona-se ao significado (que seria um

conceito ou um feixe de ideias), resultando em uma forma linguística.

3) Complete as lacunas com o nome do teórico responsável pelo conceito apresen-

tado (Saussure ou Bakhtin).

a) Para _________, um signo adquire valor a partir de uma relação de oposição

a outros signos, fato que deve ser observado no próprio sistema linguístico, e

não na realidade extralinguística.

b) Para _________, um signo adquire valor dentro do contexto extra verbal de

relações sociais em que está inserido.

c) __________, considera essencial para questão de significação e mudanças

na língua, fatores como o contexto e o interlocutor como critérios definidores do

discurso que será proferido por meio do uso da língua.


d) Para __________, a linguagem é uma convenção social, e o objeto de estudo

e análise se restringe ao sistema linguístico.

e) Para __________, as relações sociais, se analisadas fora do processo real de

comunicação e interação, se tornam em uma análise/reflexão mecanicista. Per-

deria sua ligação com o real, uma vez que é o discurso que reflete as mais

76 Filosofia da Linguagem
tênues mudanças sociais. Do mesmo modo, uma análise da linguagem que não

observa suas relações sociais faria com que tal análise se tornasse ineficiente.

4) Marque V para verdadeiro, e F para falso:

( ) A Dialética observada nos estudos de Bakhtin reside apenas no fato de ele

desenvolver argumentos e raciocínios sobre a linguagem.

( ) As dicotomias estruturalistas de Saussure estudadas nesta unidade foram: lín-

gua/fala; diacronia/sincronia; eixo sintagmático/eixo paradigmático; significado/

significante; coletivo/individual; dualidade/unicidade.

( ) Nas relações paradigmáticas, a seleção de elementos ocorre pela ausência de

elementos selecionados (eixo vertical), ao passo que nas relações sintagmáticas

as relações ocorrem pela presença e distribuição dos elementos relacionados

(no eixo horizontal).


( ) De acordo com Bakhtin, é a ideologia que estrutura, origina e organiza o pen-

samento do indivíduo, o qual irá por meio da linguagem exteriorizar este pen-

samento, construindo verdades sociais por meio das representações possíveis

pela linguagem e pela interação verbal.

5) Marque as alternativas corretas:

a) Para Saussure e para Bakhtin o valor do signo é construído no social/coletivo, no

entanto, no estruturalismo, considera-se isso apenas como uma base de estabe-

lecimento do valor, sendo o valor realmente firmado quando um signo se opõe

a outro, pois Saussure não realiza estudos fora do sistema interno da língua.

Embora possa se considerar esse “consenso” entre as teorias, Bakhtin se apro-

funda nesta questão, esclarecendo que o valor do signo não pode ser obtido de

outra forma que não seu uso socialmente instituído e contextualizado, uso que

acarreta na interação com o outro e na carga ideológica inerente a todo signo.

Filosofia da Linguagem 77
b) A fala para Bakhtin está sempre em processo de evolução ininterrupto, o qual

ocorre por meio da interação verbal social dos interlocutores; possui leis de

evolução linguística que são essencialmente leis. Para Saussure, a fala é indi-

vidual e subjetiva, e serve como forma de expressão social do indivíduo.

c) A relação entre significado e significante, apresentada por Saussure; e entre

tema e significação, explicitada por Bakhtin; estabelecem relações de similari-

dade, pois ambas demonstram que o sentido possui uma relação direta com o

objeto que representam/referem.

Artigos, sites e links


Artigos introdutórios

PY ELICHIRIGOITY, M. T. A formação do sentido e da identidade na visão Bakhtinia-

na. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, n. 34, pp.181-

206, 2008. Disponível em: <http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/34/artigo12.pdf>.

COSTA, H. R. Saussure e os estudos linguísticos no século XX: linguística aplicada.

Anais do SILEL. Volume 1. Uberlândia: EDUFU, 2009. Disponível em: <http://www.

ileel.ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/04/silel2009_gt_lg07_artigo_5.pdf>.

ZANDWAIS, A. O papel das leituras engajadas em marxismo e filosofia da linguagem.

Conexão Letras, vol. 4, n. 4. 2009. Disponível em: <file:///C:/Users/Eliseu/Downlo-

ads/55584-227122-1-SM.pdf>.

Sites

Blog: Fragmentos de Filosofia. Disponível em:<http://giulianofilosofo.blogspot.com.

br/2011/04/dialetica-hegeliana.html>.

78 Filosofia da Linguagem
Recanto das Letras. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/

teorialiteraria/850866>.

Vídeos

Bakhtin e sua Filosofia da Linguagem. Disponível em:<https://www.youtube.com/

watch?v=IJMByQS0oQc>.

Princípios gerais da Linguística. Disponível em: <https://www.youtube.com/

watch?v=9LA-8nzO9XE>.

Livros recomendados
CARDOSO, D. A dialética nos escritos do círculo de Bakhtin. 2013. 123. Tese -

Programa de Pós-Graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio

Grande do Sul. Publicação on-line. Disponível em: <http://repositorio.pucrs.br/dspace/

bitstream/10923/6777/1/000460553-Texto%2bCompleto-0.pdf>.

BAKHTIN, M. M. Marxismo e a filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahu e

Yara F. Vieira. 11. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.

______. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.

______. A palavra na vida e na poesia. In: BAKHTIN, M. M.; VOLOSHINOV, V. N. Pa-

lavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação. São Carlos: Pedro e João

Editores, 2011.

Filosofia da Linguagem 79
Filmes recomendados

Janelas da Alma

Dezenove pessoas com diferentes graus de deficiência visual, da miopia discreta à

cegueira total, falam como se veem, como veem os outros e como percebem o mun-

do. O escritor e prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cine-

asta Wim Wenders, o fotógrafo cego franco-esloveno Evgen Bavcar, o neurologista

Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros,

fazem revelações pessoais e inesperadas sobre vários aspectos relativos à visão: o

funcionamento fisiológico do olho, o uso de óculos e suas implicações sobre a perso-

nalidade, o significado de ver ou não ver em um mundo saturado de imagens e tam-

bém a importância das emoções como elemento transformador da realidade ­se é que

ela é a mesma para todos.

Fonte: <http://caixabelasartes.com.br/filme/janela-da-alma/>. Acesso em: 20 jun. 2016.

Proposta para discussão on-line


Caro(a) Acadêmico(a),

Na Educação a Distância, você pode administrar seu tempo e espaço de estudo para

as disciplinas/atividades, portanto, é bom contar com muita autodisciplina. Reserve

um tempo “seu” (e tente mantê-lo) para se dedicar às atividades solicitadas. Como

habilidades para esta modalidade de ensino, temos três sugestões que são impres-

cindíveis: paciência, comunicação, e leitura, muita leitura.

O desenvolvimento de um processo de educação a distância, não se faz apenas,

por meio de “conteúdos”, portanto, saiba que sua atuação em termos de interação

com os colegas e com o professor é essencial! A plataforma de ensino-aprendizagem

80 Filosofia da Linguagem
(Moodle) é o lugar ideal para que você possa compartilhar sua aprendizagem, desen-

volvê-la e aproveitar para sanar quaisquer dúvidas que porventura ainda tenha, ou até

mesmo para aprofundar alguma questão. Compartilhe com seus colegas e Professor

Tutor as suas conclusões para enriquecer ainda mais os conhecimentos até agora

adquiridos. Há a seguir algumas questões para fomentar as suas discussões.

1) Quais estudos podemos considerar como “a base” para os estudos estruturalistas

de Saussure?

2) Quais os pontos principais da teoria saussureana (dicotomias e conceitos)?

3) Podemos dizer que os estudos de Bakhtin se baseiam, de algum modo, no Estru-

turalismo de Saussure ou do marxismo?

4) É possível perceber semelhanças e críticas entre o estruturalismo saussureano e

a filosofia Bakhtiniana?

5) Qual, ou quais, os conceitos-chaves na filosofia marxista da linguagem?

6) Como podemos entender as questões da dialética, da interação verbal, do dialo-

gismo, da ideologia e das relações e classes sociais e seu envolvimento com os

fenômenos da linguagem?

Filosofia da Linguagem 81
UNIDADE III: Wittgenstein e os
infinitos jogos de linguagem

Objetivos a serem alcançados nesta unidade:


Prezado(a) acadêmico(a), ao final dos estudos desta unidade você deverá ter desen-

volvido as capacidades de:

• Compreender quais as concepções de Wittgenstein sobre a correspondência


entre linguagem e realidade.

• Refletir sobre os “jogos de linguagem” de Wittgenstein.


• Observar, sob uma perspectiva lógico-filosófica, as relações entre mundo, lin-
guagem e pensamento.

• Refletir sobre os limites da linguagem.


• Obter conhecimento sobre o momento histórico-filosófico denominado

“virada linguística”.

Esperamos que você tenha mais do que motivação em estudar e que sinta prazer em

adquirir conhecimento!

Bons estudos!

Filosofia da Linguagem 83
Wittgenstein e sua filosofia da linguagem no século XX
Nas unidades anteriores, realizamos um percurso pelos caminhos trilhados pelos

estudos sobre a linguagem. Desde os estudos clássicos da linguagem, percorrendo

suscintamente sua “passagem” pela (e após) a idade média, até chegar aos estudos

semânticos e lógicos do final do século XIX e início do século XX, momento em que

se delinearam, de forma mais concreta, não apenas os estudos linguísticos enquanto

ciência, mas também a filosofia da linguagem. A linguagem ganhou, nesse momento

da história, um lugar privilegiado nos estudos filosóficos.

Diante desse contexto de estudos, é importante ressaltar a evolução ocorrida nesse

âmbito. Nesse momento dos estudos, espera-se que você já tenha percebido uma

pergunta central que permeia as unidades anteriores e estará presente também nes-

ta: como os signos/palavras se relacionam com o mundo, com as coisas?

Nos estudos clássicos, percebe-se uma tentativa de resposta partindo desde a refle-

xão acerca dos signos e proposição até o logos. Posteriormente, os questionamentos

se voltam às questões de sentido e referência e retornam às dimensões do signo.

Pensando, então, na trajetória já a partir dos estudos mais recentes, que envolvem a

filosofia da linguagem, os estudos sobre a linguagem passou por diferentes etapas.

Isso não implica dizer que essas etapas ocorreram linearmente no tempo histórico,

mas foram concomitantes, criando um movimento no século XX que ficou conhecido

como “virada linguística”.

Na unidade dois, vimos como os estudos estruturalistas de Saussure se voltaram ex-

clusivamente para os signos, demonstrando que sua significação era, dentre outras

coisas, dicotômica e desconsiderava completamente o extralinguístico. Na unidade

um, vimos como os estudos sobre denotação e conotação, sobretudo com Frege, se

restringiam também ao signo, mas sob uma perspectiva de sentido e referenciação

diferenciada do estruturalismo Saussuriano. Também na unidade dois, vimos como

84 Filosofia da Linguagem
a linguagem adquire sentido e deixa de ser vista apenas como “forma de designar o

mundo” e se torna um instrumento formador de consciência, dentre outras coisas. Lin-

guagem e sentido sempre estão em foco, mais que isso, questões sobre a linguagem

e sua representação de e do mundo sempre estão presentes.

Wittgenstein atribuirá um novo nível de estudos à linguagem, passando da obser-

vação das questões de sentido e referenciação - assim como valor de verdade – do

signo e expandindo para o nível da proposição.

É interessante destacar que os estudiosos da Filosofia Contemporânea costumam

se referir a Ludwig Wittgenstein como Wittgenstein I e Wittgenstein II. Wittgenstein I

seria o do Tractatus, no qual ele fundamenta seus estudos abordando conceitos de

lógica e aplicando-os à proposição. Seria uma proposição que retratava ou repre-

sentava um estado de coisas, e a referenciação possuía lugar central, imputando à

linguagem uma capacidade exclusiva de atribuir juízos verdadeiros, mas não neces-

sários às coisas (ARAÚJO, 2004A).

Reflita
Fato importante desses estudos foi a questão da polarização das proposições em

positivo e negativo, subvertendo a lógica aristotélica ao que diz respeito sobre a as-

serção. Para Wittgenstein, uma proposição não poderia ser assertiva e verdadeira

em si mesma, pois a asserção (a atribuição de juízos) era considerada por ele algo

psicológico. Assim, a lógica deveria analisar proposições “inassertivas”.

Sobre Wittgenstein é importante ainda destacar sua proximidade com alguns filóso-

fos, dos quais, a princípio, destacamos Russel e Frege. Grande parte dos questiona-

mentos colocados pelo Tractatus depende de uma situação histórico-filosófica que

Filosofia da Linguagem 85
as últimas descobertas da lógica matemática - que antecederam e influenciaram tais

questionamentos - alteram sobremaneira. Wittgenstein atuou em um momento no

qual predominava, nas palavras de Gianotti (1961, p. 2), “um ambiente de euforia que

se seguiu à publicação dos Principia de Russell, e Whitehead”.

Essa “euforia” diz respeito ao momento histórico pelo qual os estudos filosóficos pas-

savam, que salientava a lógica (positivista e matemática). Embora Wittgenstein as-

sistisse aulas ministradas por Russel e também se comunicasse com frequência com

Frege, absorvendo desses dois grandes filósofos muito do que ele pôde transformar

em conhecimento, uma vez que Russel e Frege não obtinham um consenso em rela-

ção aos estudos da proposição, os estudos de Wittgenstein surgem, de certa forma,

como uma proposta que solucionaria tais contradições filosóficas. Ele mostra que os

dois estão “equivocados” em suas teorias e apresenta sua teoria lógico-proposicional.

Já no Wittgenstein II, a visão que ele tem da linguagem se transforma, podemos dizer

que a questão da referência e dos valores de verdades deixa de serem questões cen-

trais6. E ali se inicia uma ampliação em relação ao uso da linguagem que incorre no
que fica conhecida como os jogos de linguagem de Wittgenstein.

Se o Wittgenstein I apresentou uma filosofia sob uma abordagem lógica dos estudos

linguísticos e bastante influenciada por outros filósofos (sobretudo Russel e sua teoria

analítica da linguagem), o Wittgenstein II apresentou uma filosofia que considerava

a linguagem algo mais flexível, totalmente diferente do primeiro Wittgenstein. Nessa

fase, também houve influências de outros filósofos e chamamos a atenção em espe-

cial para o efeito que Nietzsche exerceu sobre ele.

Contrariamente ao que alguns estudiosos apresentam de forma até mesmo simplis-

ta, a proximidade dos trabalhos de Wittgenstein e Nietzsche vai muito além da sua

6 Com isso não se exclui outros filósofos contemporâneos, no entanto, a perspectiva desta unidade,
segue os estudos de Wittgenstein.

86 Filosofia da Linguagem
escolha estética em relação à escrita. É impossível ignorar o fato de que Wittgenstein,

como qualquer outro estudioso, não apenas de sua época, mas, inclusive, dos dias

atuais, mantinha sua frequência de estudos, suas preferências teóricas, seus gostos

e formações particulares (fora da vida acadêmica). Todos esses fatores, juntamente

com o momento histórico no qual estava inserido, faz parecer óbvio o fato de que, em

seus estudos e teorias, há influências diversas.

Certamente, Wittgenstein leu muitos outros filósofos, mas sua afinidade com Nietzs-

che fica bastante visível em sua segunda fase, sobretudo em relação à ideia de que

os conceitos sobre as coisas (ou, por extensão, o significado das palavras) se formam

por meio dos usos e, também, pelas questões acerca da verdade contida na lingua-

gem. Embora Nietzsche e Wittgenstein sejam de tradições filosóficas diferenciadas e

tenham vivido em épocas diferentes, o ponto convergente nos estudos de ambos con-

siste basicamente no fato de que a linguagem é insuficiente, ou seja, ela não dá conta

dela mesma. Ambos compreendem que só é possível utilizar a linguagem a partir de

dentro dela mesma, de modo que, não havendo um outro lugar de onde falar que não

seja um lugar de linguagens, sendo, ainda, que essa concepção incorre na crença de

que há coisas que são, portanto, “indizíveis” e/ou que a verdade do mundo seria uma

verdade criada pela linguagem (VEIGA-NETO, 2009).

Ainda, entre Russel, Niezstche e Wittgenstein é possível encontrar outras coisas em

comum, como algumas questões acerca do significado, que não tem como ser único

(por exemplo, o significado de sal não poderá ser o mesmo para duas pessoas se uma

nunca provou o sal, apenas o viu) e da verdade.

Observando, primeiramente, as questões filosóficas que transpõem o nível reflexivo

do signo para a proposição, a partir dos estudos de Wittgenstein (questões que ele

aborda mais profundamente em sua obra Tractatus), propomos algumas reflexões so-

bre a correspondência entre linguagem e mundo, o papel e a importância da filosofia

Filosofia da Linguagem 87
nesses estudos e outros assuntos que tais questões envolvem. Nesse momento, nos

referimos à primeira fase dos estudos do filósofo.

“Os limites de minha linguagem denotam os limites de meu mundo” (WITTGENSTEIN,

1968, p. 113). A Célebre e famosa frase de Wittgenstein nos conduz à reflexão sobre

as relações entre o mundo, a linguagem e o pensamento e seus conceitos.

Wittgenstein apresenta, no Tractatus, que a substância das coisas existe independen-

te do que ocorre, a substância “é forma e conteúdo”, essas formas são compostas por

tempo, espaço que ocupam, cores que possuem etc. Enfim, só pode haver um objeto

se houver uma forma fixa no mundo, com isso, forma e objeto é um só. A composição

e a disposição desses objetos no mundo é que são, então, os “estados de coisas”

(WITTGENSTEIN, 1968).

2.03 No estado de coisas os objetos se ligam uns aos outros como elos de uma cadeia.
2.031 No estado de coisas os objetos estão uns em relação aos outros de um modo de-
terminado. 2.032 O modo pelo qual os objetos se vinculam no estado de coisas constitui
a estrutura do estado de coisas. 2.033 A forma é a possibilidade da estrutura. 2.034 A
estrutura do fato é constituída pelas estruturas dos estados de coisas. 2.04 A totalidade
dos subsistentes estados de coisas é o mundo (WITTGENSTEIN, 1968, p. 58).

Podemos inferir, então, que o mundo é formado por esse conjunto de estado de coisas

que envolve tudo que existe e ocorre (desde que tenham forma e conteúdo), que se

relaciona e se estrutura, formando um mundo inteligível. Ou seja, “o mundo compõe-

se desses objetos, que, sendo os constituintes simples do mundo, podem ser nomea-

dos” (ARAÚJO, 2004A, p. 74).

88 Filosofia da Linguagem
Reflita

Observe que Wittgenstein realiza uma figuração de mundo por meio da linguagem

e envolve o pensamento, que nos faz lembrar a constante discussão ao longo das

décadas sobre a relação entre as palavras e as coisas – o naturalismo em Platão, o

convencionalismo em Aristóteles, o Realismo, o Nominalismo, o Estruturalismo saus-

sureano, a lógica formal de Frege etc. No entanto, sua teoria não é igual a nenhuma

delas, pois, como já apresentado, mundo, linguagem e pensamento apresentam uma

correspondência de estrutura lógica e, por isso, podem se representar, sendo a lin-

guagem como um espelho do mundo e o pensamento uma fonte de sentidos, por

assim dizer. Em resumo, linguagem e pensamento são uma e a mesma coisa.

Uma vez que a estrutura dos fatos é constituída pela estrutura dos estados de coisas,

percebe-se que os fatos são formados por meio de relações que se estabelecem

entre as coisas, enquanto estas são formadas de substância. Essa conclusão nos

possibilita ampliar o conceito de mundo, como não sendo apenas formado por coisas,

mas coisas e fatos, sendo que os fatos abrigam em si as coisas. Isso fica claro nas

seguintes palavras do próprio filósofo

1 O mundo é tudo o que ocorre. 1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.
1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto consistir em todos os fatos. 1.12 A
totalidade dos fatos determina, pois, o que ocorre e também tudo que não ocorre. 1.13
Os fatos, no espaço lógico, são o mundo. 1.2 O mundo se resolve em fatos. 1.21 Algo
pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto permanecer na mesma. •2 O que ocorre,
o fato, é o subsistir dos estados de coisas. 2.01 O estado de coisas é uma ligação de
objetos (coisas). 2.011 É essencial para a coisa poder ser parte constituinte de estado
de coisas (WITTGENSTEIN, 1968, p. 55).

Filosofia da Linguagem 89
Para Wittgenstein, a proposição deve, então, reproduzir essa estrutura do mundo,

que seria a estrutura dos fatos, a qual se relaciona com a estrutura das coisas, consi-

derando que “uma proposição pode apenas dizer como uma coisa é, mas não o que

é” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 55). Para que a proposição alcance esse objetivo na

linguagem, o filósofo utiliza a noção de figuração – que corresponderia ao fato; e afi-

gurado – que corresponderia ao elemento da realidade.

A princípio, figuração e afigurado podem parecer a mesma coisa, no entanto, o que

irá diferenciar esses conceitos é o fato de a proposição ser falsa ou verdadeira em

relação ao que descreve do/no mundo. A proposição terá quantos signos (nomes)

quantos forem os elementos/fatos que ela descreve (afigura). Se o que a proposição

descreve está respaldado pela representação de um estado de coisas por meio de

signos que permitem uma descrição completa do mundo, ou seja, de sua substância,

de seu fato, essa proposição é considerada verdadeira. Mas, se a proposição não

determina nenhuma realidade, não se encontra conectada com um estado de coisas,

ela proposição é falsa.

Quando se pensa nos signos que compõem a proposição e a forma como esses sig-

nos se relacionam como forma de afigurar o mundo em sua essência, ou seja, pela

estrutura da proposição se representa a estrutura do mundo, projetando estados de

coisas que podem ser figurados em um espaço lógico, está se pensando em proposi-

ções lógicas, que envolvem referência e significado.

Há toda uma simbologia para figurar logicamente um fato. O mundo é pensável porque
pressupõe um espaço lógico, a figuração representa uma situação possível no espaço
lógico, formado pela totalidade dos objetos, limite do mundo e da linguagem, determi-
nando reciprocamente o que pode existir e o que se pode pensar. O mundo consta de
objetos simples que requerem descrições em termos de proposições atômicas, cuja
combinação é regrada por cálculos inferenciais. Por exemplo, se p se segue de q, o
significado de p está contido no de q (ARAÚJO, 2004A, p. 77).

90 Filosofia da Linguagem
Figurar logicamente um fato implica em poder figurá-lo em um espaço lógico. Há fa-

tos incertos e outros não no mundo. Por exemplo, a proposição “na próxima semana

pode nevar ou chover no sul do Brasil” não é capaz de projetar um fato em um espaço

lógico e, portanto, não pode ser tida como verdadeira. Já em “no dia tal neva em Flo-

rianópolis, cidade do sul do Brasil”, é possível projetar um estado de coisa que pode

ser projetado em um espaço lógico.

Podemos observar, nesse último exemplo, que é possível a representação lógica da es-

trutura do mundo por meio da estrutura da sentença, desde que tenham ambos (a sen-

tença e o estado de coisas/fato) o mesmo número de elementos para se representarem

reciprocamente. Isso não implica, todavia, no valor de verdade ou falsidade das propo-

sições. Essa questão fica para o campo do sentido e significação (ARAÚJO, 2004).

O sentido da sentença independe de ela ser verdadeira ou falsa, quer dizer, a própria
figuração figurando um sentido ainda não diz nada sobre a verdade ou falsidade, sobre
a discordância ou não com o estado de coisa, pois se pode primeiro pensar um estado
de coisa, figurá-lo, e só depois verificá-lo (ARAÚJO, 2004A, p. 78).

Antes de pensar, portanto, se a proposição é verdadeira ou falsa, o que deve ser

observado é se ela possui sentido. A falsidade ou veracidade de uma proposição é

eventual, pode ou não existir, dependendo da sua adequação aos fatos que afigura.

Com isso, a linguagem verdadeira é aquela que apresenta um isomorfismo entre mun-

do e linguagem. Do mesmo modo que a linguagem possui uma estrutura, o mundo

também, por esse motivo, a língua é capaz de projetar essa realidade. Essa é a fun-

ção da linguagem. Essa é a proposição verdadeira.

Quando a proposição projeta uma realidade que não pode ser figurada em um es-

paço lógico, poderá ser falsa; mesmo que verdadeira, terá um sentido, mesmo que

não projete nada na realidade do mundo, pelo simples fato de possuir sentido, essa

proposição estabelece uma relação linguagem/mundo. Assim, “o que dá sentido ao

Filosofia da Linguagem 91
enunciado é ele poder representar a realidade, e seu valor de verdade depende de o

nome que compõe a preposição estar numa posição que signifique a posição do nome

no fato possível afigurado” (ARAÚJO, 2004A, p. 78).

Ou seja, a proposição figura aquilo que ela representa por meio da sua estrutura e

dos nomes que contém, essa figuração pode ser correta ou incorreta em relação à

realidade do mundo. Assim, a linguagem deve funcionar como um espelho que reflete

a estrutura do mundo real por meio da estrutura da proposição. E o sentido da pro-

posição (da linguagem) não depende da verdade ou da falsidade dela, uma vez que

reconhece o sentido dela sem conhecer suas condições de verdade. Em resumo, “o

sentido de uma proposição não é adequação às coisas, mas a possibilidade de traçar

projetivamente o que é essencial ao mundo para que se possa falar dele com sentido”

(ARAÚJO, 2004A, p. 78).

Como exemplo, ao afirmar que o atual rei de Portugal é calvo, está sendo proferida

uma proposição falsa, mas que, no entanto é “pensável”, possui sentido. Importa, por-

tanto, que a proposição tenha sentido, se ela é verdadeira ou falsa, para Wittgenstein,

é eventual (GIANNOTTI, 1968).

Ressaltamos, aqui, uma questão interessante, na qual é possível observar claramen-

te a influência dos estudos de Russel nos estudos de Wittgenstein. Nos estudos da

linguagem de Russel, sobretudo em seu texto sobre denotação (1905) e nos Prin-

cipia Mathemática e Atomismo Lógico, em que ele vai estudar mais profundamen-

te questões de verdade e significado, que podem ser elencados em, basicamente,

quatro questões centrais: i) linguagem é constituída por proposições; ii) os símbolos

constitutivos das proposições significam os constituintes dos fatos que correspondem

(tornando-as verdadeiras ou falsas); iii) é preciso ter conhecimento direto dos fatos,

para que seja possível captar o significado dos símbolos; iiii) o conhecimento direto

é distinto de indivíduo para indivíduo. Uma linguagem lógica se basearia nos três

92 Filosofia da Linguagem
primeiros quesitos e cada palavra corresponderia a um objeto simples, resultando em

uma linguagem analítica que mostraria uma estrutura lógica dos fatos – resumindo

de modo bastante simplista isso (RIBEIRO, 2005). Observando essas questões, fica

mais clara a compreensão de algumas das influências dos estudos de Russel nos

estudos de Wittgenstein.

Para Wittgenstein, a linguagem e o mundo possuem uma mesma estrutura lógica, a

qual é possível figurar pela proposição, uma vez que as “proposições da lógica são

tautologias; isto mostra as propriedades (lógicas) formais da linguagem, do mundo”

(WITTGENSTEIN, 1968, p. 114).

Essa correspondência entre as estruturas do mundo e da linguagem só é possível por

meio da conexão entre as palavras e os objetos e a relações desses com o mundo,

por assim dizer.

Wittgenstein distinguia os signos em “simples” e “proposicional”. O signo simples cor-

responde aos nomes que integram a proposição, nomes esses que denotam um obje-

to – é possível aqui associar o conceito de signo ao conceito atribuído por Saussure.

O signo proposicional corresponde à proposição, por assim dizer. No signo simples,

tem-se o equivalente ao nome, é possível nomear objetos; não é possível nomear

fatos, no entanto, mas apenas descrevê-los.

Para Wittgenstein, o nome (signo simples) só possui sentido dentro da proposição. “A

cada parte da proposição que caracteriza um sentido chamo de expressão (símbolo)”

(WITTGENSTEIN, 1968, p. 65). Para ele, a proposição é também uma expressão,

sendo que “a expressão pressupõe as formas de todas as proposições nas quais

pode aparecer. Constitui a marca característica comum a uma classe de proposições”

(WITTGENSTEIN, 1968, p. 65). Nesse caso, a expressão será sempre constante e as

demais partes que a compõem, variáveis, assim como a fixação de valores. Com isso,

Filosofia da Linguagem 93
a fixação dos valores das variáveis proposicionais consiste na indicação das proposi-
ções, as quais têm como marca característica comum a variável. A fixação é uma des-
crição dessas proposições. A fixação se ocupará, pois, finitamente dos símbolos, não se
ocupando de sua denotação. E para a fixação é essencial ser apenas uma descrição de
símbolos, nada assertando sobre o designado (WITTGENSTEIN, 1968, p. 65).

Tendo em mente que fixação é a descrição de uma proposição e se ocupa com o sím-

bolo, e não com a denotação, fica clara a compreensão de como é possível que uma

proposição tenha sentido, mesmo que não tenha um referente equivalente no mundo

real em um espaço lógico. A relação entre o nome e a coisa, para Wittgenstein, ocorre

não de forma isolada, mas é no conjunto da proposição que adquirem e criam sentido.

A proposição possui traços essenciais e acidentais. Acidentais são os traços que deri-
vam da maneira particular de produzir o signo proposicional; essenciais, aqueles que
sozinhos tornam a proposição capaz de exprimir seu sentido. 3.341 É, pois essencial
na proposição o que é comum a todas as proposições que podem exprimir o mesmo
sentido (WITTGENSTEIN, 1968, p. 68).

Assim, a proposição pode conter um signo, ou símbolo (ou, ainda, um sistema sim-

bólico), conforme o sentido que irá produzir e se irá ou não projetar uma realidade

no mundo, ou uma probalidade. E mais: “O homem possui a capacidade de construir

linguagens nas quais cada sentido se deixa exprimir, sem, contudo pressentir como e

o que cada palavra denota” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 70).

Assim, a correspondência entre nome e objeto não é uma correspondência direta,

mas é arbitrária, em que a situação ou a coisa projetada/figurada na proposição são

vinculadas por meio de uma conexão relacional.

A proposição nos comunica uma situação, de sorte que deve estar essencialmente vin-
culada a ela. E a vinculação consiste precisamente em que ela é sua figuração lógica.
A proposição só asserta algo enquanto é figuração. 4.031 Uma situação é justaposta à
proposição, por assim dizer, por tentativas. É possível dizer diretamente: esta proposi-
ção representa esta ou aquela situação, em vez de esta proposição tem este ou aquele

94 Filosofia da Linguagem
sentido. 4.0311 Um nome presenta uma coisa, outro, outra coisa, e estão ligados entre
si de tal modo que o todo (...) representa o estado de coisas. 4.0312 A possibilidade da
proposição se estriba no princípio da substituição dos objetos por meio de signos. Meu
pensamento basilar é que as “constantes lógicas” nada ‘substituem; que a lógica dos fa-
tos não se deixa substituir. 4.032 A proposição é uma figuração da situação unicamente
enquanto for logicamente articulada (WITTGENSTEIN, 1968, p.73-74).

Araújo (2004A) diz que a proposição apenas figura logicamente o mundo por meio do

pensamento, uma vez que a linguagem não tem em si a capacidade de abstrair o fato

para projetá-lo. É pelo pensamento que é possível reconhecer o paralelismo, o isomor-

fismo entre o mundo e a linguagem e suas estruturas. Ou, ainda, as proposições são

figurações da realidade a partir da forma como imaginamos que seja essa realidade.

3.10 Na proposição o pensamento se exprime sensível e perceptivelmente. 3.11 Utiliza-


mos o signo sensível e perceptível (signo sonoro ou escrito, etc.) da proposição como
projeção da situação possível. O método de projeção é o pensar do sentido da proposi-
ção. 3.12 Chamo signo proposicional o signo pelo qual exprimimos o pensamento. E a
proposição é o signo proposicional em sua relação projetiva com o mundo. 3.13 A propo-
sição pertence tudo que pertence à projeção, não, porém, o que é projetado. Portanto,
a possibilidade do que é projetado, não, porém, este último. A proposição, portanto, não
contém seu sentido, mas a possibilidade de exprimi-lo (WITTGENSTEIN, 1968, p.62).

Ou seja, a proposição é mais que a figuração isomórfica entre a linguagem e realidade

do mundo, é também a expressão do pensamento acerca do fato projetado/figurado

na proposição. Assim, a proposição é a expressão de uma projeção com sentido, mas

não é o sentido em si, o sentido tem origem no pensamento.

Pensamento é a figuração lógica dos fatos. 3.001 “Um estado de coisas é pensável”
significa: podemos construir-nos uma figuração dele. 3.01 A totalidade dos pensamen-
tos verdadeiros ‘’’11 figuração do mundo. 3.02 O pensamento contém a possibilidade
da situação que ele pensa. O que é pensável também é possível. 3.03 Não podemos
pensar nada ilógico, porquanto, do contrário, deveríamos pensar ilogicamente (WITT-
GENSTEIN, 1968, p. 61).

Filosofia da Linguagem 95
Observando essa citação, percebe-se que a linguagem espelha o mundo por meio de

um paralelismo entre linguagem e mundo. Para que um fato possa ser pensável, é

necessário que seja possível formulá-lo logicamente, se não for assim, tais fatos não

são pensáveis, pois não podemos pensar “ilogicamente”.

Chauviré (1991) explica que, para Wittgenstein, o pensamento é uma espécie de lingua-

gem, apontando que a proposição trata-se da estruturação de um fato que possui na

sua organização interna a significação desse fato. A autora demonstra que no Tractatus

Wittgenstein deixa clara sua “adesão” ao “atomismo lógico” de Russel, uma vez que ele

propõe que a proposição é capaz de expressar um pensamento, o qual aparece não

apenas como uma forma articulada de signos, mas também como um “quadro vivo” –

pois é capaz de criar a imagem do fato descrito (CHAUVIRÉ, 1991). Desse modo,

A proposição é num certo sentido um fato como os outros, um agenciamento de ele-


mentos, mas tem algo a mais: diz alguma coisa. “Dizer”(Sagen) no sentido técnico em
que o Tractatus emprega o termo: dizer um fato – pois não se pode “dizer” senão os
fatos e os estados de coisas – por meio dos objetos, é representá-lo à maneira de uma
imagem (Bild) que tem a mesma forma lógica que o fato ou o estado de coisas repre-
sentado. [...] ao dizer um fato, a proposição mostra outro, o que ela produz pelo fato de
dizer (CHAUVIRÉ, 1991, p. 57).

Aí se cria uma distinção no interior da proposição, ao mesmo tempo em que diz algo, ela

mostra, e essa distinção dizer-mostrar se mostra, então, um ponto convergente na tese

do Tractatus de Wittgenstein e a teoria dos tipos de Russel. O que importa, todavia, é ter

a ciência da concepção do filósofo, em que ele realiza uma distinção entre a proposição

e o signo proposicional, mas mantém uma equivalência entre a proposição e o pensa-

mento. Em outras palavras, uma coisa é o pensar (que pode ser expresso ou não pela

proposição) e outra é o pensamento (proposição), por assim dizer (CHAUVIRÉ, 1991).

A linguagem se limita, portanto, a dizer e mostrar. A proposição tem a capacidade fi-

gurativa de “dizer” os fatos, desse modo, só coisas que acontecem podem ser ditas.

96 Filosofia da Linguagem
Portanto, pensamento e linguagem são uma e a mesma coisa, “não podemos pensar

o que não podemos pensar, por isso também não podemos dizer o que não podemos

pensar” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 111).

E assim, retornamos à célebre frase: “Os limites de minha linguagem denotam os limi-

tes de meu mundo. 5.61 A lógica preenche o mundo, os limites do mundo são também

seus limites” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 111). Nessa perspectiva de Wittgenstein, a

linguagem é limitada à figuração da realidade do mundo real, por meio da expressão

do sentido do pensamento que a proposição contém em sua estrutura, estrutura que

corresponde à estrutura do mundo. Para o filósofo, pensamento, proposição (lingua-

gem) e mundo são formados por estruturas lógicas e, por esse motivo, são “dizíveis”.

Isso faz que a linguagem seja incapaz de descrever por meio de proposições os “mis-

térios” da vida. Resumindo, o sentido do que seja o mundo, e não do que o mundo

é – o que constitui o mundo – deve ser buscado de outra forma. “Existe com certeza o

indizível. Isto se mostra, é o que é místico” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 129).

O que constitui o mundo pode ser figurado pela linguagem, mas o sentido do que seja

o mundo – com seus valores éticos, religiosos, estéticos, o “ser ou não ser”, etc –, por

não pertencer a um mundo figurável, não pode ser descrito pela linguagem (ARAÚJO,

2004A). “Wittgenstein põe os valores éticos, religiosos, estéticos um mundo à parte,

não há proposições para falar da vida, do mistério de o mundo existir. Como não se

pode figurá-los projetivamente, é melhor calar” (ARAÚJO, 2004A, p.82).

Questões como, por exemplo, a morte, a eternidade; a imortalidade temporal da alma;

etc são todas questões que ele considera como “em outro mundo”, pois não perten-

cem ao mundo “dizível”. O filósofo defende que a morte não é um acontecimento que

possa ser vivido. Não se vive a morte. Para Wittgenstein (1968, p. 128), “a dúvida,

pois, só existe onde existe uma questão, uma questão apenas onde existe uma res-

posta, e esta somente onde algo pode ser dito”. Assim, como não é possível “dizer”

Filosofia da Linguagem 97
sobre essas coisas, ele as relega ao mundo do “indizível” – “O que não se pode falar,

deve-se calar” (WITTGENSTEIN, 1968, p.129).

Fica claro, até o momento, que, para Wittgenstein, na obra Tractatus, as coisas no mun-

do só têm sentido em relação com as outras coisas - “No estado de coisas os objetos

se ligam uns aos outros como elos de uma cadeia” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 58). Os

estados de coisas se relacionam, se vinculam e formam a estrutura dos fatos, que, por

sua vez, formam a estrutura do mundo – “A estrutura do fato é constituída pelas estrutu-

ras dos estados de coisas” (p. 58). E ainda – “O mundo é a totalidade dos fatos” (p. 55).

Assim como as coisas no mundo só têm sentido em relação umas com as outras, a

proposição também está em relação com o mundo e sua estrutura. A proposição é

articulada e contém tantos elementos quantos apresente o fato que tal proposição

afigura – “Nas proposições os pensamentos podem ser expressos de tal modo que

aos objetos dos pensamentos correspondam elementos do signo proposicional” (WIT-

TGENSTEIN, 1968, p.63).

O signo proposicional para Wittgenstein é o mesmo que uma proposição que “diz” um

fato, o qual apresenta elementos e palavras relacionados uns com os outros. Dessa

forma, signo proposicional corresponde também às proposições significativas (com

sentido – Wittgenstein não fala, nesse momento, sobre a verdade ou a falsidade da

proposição para que ela possa ser considerada significativa, ou signo proposicional

– ver p. 62-63 Tractatus). Observando, ainda, quando Wittgenstein (1968, p. 62) diz

– “Chamo signo proposicional o signo pelo qual exprimimos o pensamento. E a propo-

sição é o signo proposicional em sua relação projetiva com o mundo”.

Aqui se junta outro elemento, o pensamento. Para Wittgenstein (1968, p. 61), “o pen-

samento é a figuração lógica dos fatos”, o pensamento contém o germe das ideias que

forma e, se é possível pensar, é possível dizer – “Não podemos pensar o que não pode-

mos pensar, por isso também não podemos dizer o que não podemos pensar” (p.111).

98 Filosofia da Linguagem
Esse breve resumo em relação a alguns dos pontos mais relevantes da teoria apre-

sentada pretende esclarecer que, para Wittgenstein, as coisas no mundo se rela-

cionavam logicamente, e o que assim não fosse, como vimos, permanecia fora dos

limites da linguagem, por assim dizer.

Todavia, Wittgenstein não conseguiu finalizar suas reflexões de modo a comprovar

essa correspondência lógica entre a estrutura do mundo, a estrutura da linguagem

(proposição) e a estrutura do pensamento. Uma vez que só é possível falar sobre

algo logicamente, observando determinada coisa em sua totalidade, seria, portanto,

impossível falar sobre a estrutura do mundo (como “seja”, e não como “é”), pois, para

isso, seria necessário observá-lo de fora.

4.12 A proposição pode representar a realidade inteira, não pode, porém, representar o
que ela deve ter em comum com a realidade para poder representá-la — a forma lógica.

Para podermos representar a forma lógica seria preciso nos colocar, com a proposição,
fora da lógica; a saber, fora do mundo.

4.121 A proposição não pode representar a forma lógica, esta espelha-se naquela. Não
é possível representar o que se espelha na linguagem (WITTGENSTEIN, 1968, p.77).

Esse olhar lógico-filosófico de Wittgenstein também se aplica à sua concepção de

filosofia e do que seria filosofar. Para ele, a filosofia é uma atividade que deveria ter

como objetivo o esclarecimento lógico do pensamento, e isso seria possível por meio

da análise da linguagem, considerando que essa contém em si a expressão do senti-

do lógico do pensamento.

Considerando as proposições verdadeiras e com sentido, caberia ao filósofo a refle-

xão com o fim de elucidar as proposições, ou seja, o mundo como é, é possível per-

ceber por meio dos estados de coisas que o compõem; trata-se de fatos relacionados

Filosofia da Linguagem 99
por estruturas lógicas entre mundo, linguagem e pensamento. Esses fatos podem ter

uma figuração real (comprovação empírica) ou não. Os filósofos deveriam se ocupar

das proposições que, embora não figurassem uma realidade verdadeira no mundo,

apresentassem em si um sentido, mesmo sendo uma proposição falsa. A filosofia de-

veria então explicar esses sentidos, clareá-los.

A finalidade da filosofia é o esclarecimento lógico dos pensamentos. A filosofia não é


teoria mas atividade. Uma obra filosófica consiste essencialmente em comentários. A
filosofia não resulta em “proposições filosóficas” mas em tornar claras as proposições
(WITTGENSTEIN, 1968, p. 76).

Tornar claras as proposições consistiria em “denotar o indizível, por meio do dizível”

(WITTGENSTEIN, 1968, p. 76), uma vez que, para ele, tudo o que se deixa exprimir pela

linguagem o faz com clareza, pois a correspondência das estruturas lógicas entre pensa-

mento-linguagem-mundo torna possível a obtenção de uma representação lógica. “Tudo

em geral o que pode ser pensado, o pode claramente” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 76).

A filosofia teria a função de esclarecer pensamentos e, por extensão, a linguagem,

possibilitando, assim, o conhecimento de sentidos no mundo.

6.522 Existe com certeza o indizível. Isto se mostra, é o que é místico. 6.53 O método
correto em filosofia seria propriamente: nada dizer a não ser o que pode ser dito,
isto é, proposições das ciências naturais — algo, portanto, que nada tem a ver com a
filosofia; e sempre que alguém quisesse dizer algo a respeito da metafísica, demons-
trar-lhe que não conferiu denotação a certos signos de suas proposições. Para outrem
esse método não seria satisfatório — ele não teria o sentimento de que lhe estaríamos
ensinando filosofia — mas seria o único método estritamente correto (WITTGENS-
TEIN, 1968, p. 129 – grifo nosso).

Percebe-se que, para Wittgenstein, a proposição sempre terá um sentido, seja falsa

ou verdadeira. A lógica se ocupa das proposições verdadeiras, as quais figuram uma

realidade correspondente no mundo, já no caso das proposições falsas, poderíamos

100 Filosofia da Linguagem


pensar, como exemplo, nas proposições que apresentam hipóteses – estas, embora

não figurem um correspondente real, inclusive em um espaço lógico, são dotadas de

sentido. As proposições que ultrapassam os limites da linguagem não podem existir,

pois a linguagem tem limites. Há coisas que, por não serem possíveis de ser ditas,

devem ser caladas – é o caso daquilo que é “místico” (os mistérios da vida, religião,

morte, ética etc.). Falar, portanto, de coisas metafísicas seria, para Wittgenstein, im-

possível. Aí reside o papel fundamental da filosofia: demonstrar que o metafísico, na

verdade, incorre em uma falta de denotação adequada na proposição. Se fosse o

caso de realmente algo ser considerado como tal, uma vez que o metafísico não po-

deria ser estruturado logicamente, o correto então seria calar – não falar sobre. Esse

seria o papel verdadeiro da filosofia e dos filósofos.

Em suma, “a filosofia deve tomar os pensamentos que, por assim dizer, são vagos e

obscuros e torná-los claros e bem delimitados” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 76).

Tem-se ainda que lembrar o fato de Wittgenstein se ancorar, ao mesmo tempo em

que opõe, em alguns pontos das filosofias de Frege e Russel, dentre outros, e lem-

brando que Russel também se opunha a alguns pontos da filosofia de Frege. Isso é

interessante à medida que é possível realizar uma comparação, por assim dizer, entre

as teorias de Wittgenstein, Russel e Frege (citamos estes, pois são os filósofos mais

“ligados à logica”, por assim dizer, que aparecem em destaque em nossos estudos,

não que não houvesse outros, como Kripe, Carnap etc.).

Note que os conceitos de proposição, valor de verdade e de linguagem lógica não são

novos. Essas questões já eram estudadas desde a filosofia clássica, com Platão e

Aristóteles. Foram “reinventadas”, reformuladas a partir dos estudos da lógica formal

e da semântica no final do século XIX e início do século XX, justamente com destaque

para os filósofos Frege e Russel. Os pontos mais importantes que nos interessam en-

tre essas teorias é o valor de verdade em Frege, a questão de referenciação e sentido

Filosofia da Linguagem 101


em Frege e Russel, e a distinção realizada por Russel entre uma linguagem comum

– a qual se mostrava imprecisa e, por vezes, incorreta – e uma linguagem científica –

que se formulava a partir da primeira, no entanto, de forma mais evoluída e, com isso,

se mostrava precisa e correta.

Saiba mais
Essa teoria de Russel não foi abordada nestes estudos, mas você pode verificá-la e

saber um pouco mais em <http://pt.slideshare.net/jbarbo00/a-filosofia-analtica-da-lin-

guagem-de-bertrand-russell>. O atomismo lógico foi uma teoria estudada tanto por

Russel quanto por Wittgenstein. No entanto, o entendimento de Russel sobre o que

Wittgenstein apresentou na obra Tractatus acabou se desvirtuando e se afastando

das pretensões de Wittgenstein, o que resultou também em certo “afastamento” de

Wittgenstein em relação à Russel.

Após sua primeira fase, dando sequência em seus estudos, podemos dizer que Wit-

tgenstein começou uma nova perspectiva filosófica em relação aos seus estudos,

amplamente diferenciada de sua primeira fase. Em sua segunda fase, uma das obras

que mais se destacou foi Investigações Filosóficas. Aqui, as influências recebidas por

Wittgenstein também foram outras, não diríamos, no entanto, que as influências da

segunda fase foram total e completamente diferentes das da primeira, mas, antes,

que foram mais amplas, assim como seus estudos. A segunda fase de Wittgenstein

resultou no que ficou mais conhecido em seus estudos como Os jogos de linguagem,

tema da próxima seção.

Observando a filosofia de Wittgenstein, se atentarmos às questões que apontam para

as influências que ele recebeu, fica evidente como os estudos filosóficos acerca da

102 Filosofia da Linguagem


linguagem fervilhavam, sobretudo no início século XX. Prova da grande gama de reali-

zações de estudos filosóficos sobre a linguagem, temos, a título de exemplo, o próprio

Wittgenstein, que em sua obra Tractatus apresenta uma visão mais lógica, ao passo

que em sua segunda maior obra (mais reconhecida), Investigações Filosóficas, ele

apresenta uma visão mais pragmática. Na primeira, a linguagem projeta a estrutura do

real, na segunda, a linguagem expressa seu funcionamento na prática real.

Sobre a virada linguística, ou guinada linguística, o maior consenso é sobre o fato de

que ela ocorreu no final do século XIX e início do século XX e, ainda, que o século XX

foi um grande marco nos estudos da linguagem. Isso porque, de acordo com a pers-

pectiva teórica adotada e, também, a com área de conhecimento (filosofia, linguística,

etc), atribui-se a diferentes estudiosos o benefício histórico e intelectual de ter sido “o

principal precursor” desse acontecimento. Claro que muitos tiveram destaque notório

e devem ser reconhecidos, no entanto, não entraremos nesse mérito nesta unidade,

ao menos não de forma situada, mas de modo amplo.

Com isso, pretende-se dizer que, na filosofia, dentre os estudiosos que mais se desta-

caram, encontram-se Frege, Russel, Wittgenstein, Richard Rorty, Humbolt, Austin, Se-

arle; assim como estudiosos de áreas afins, como Peirce, Saussure – que ficaram re-

conhecidos mais por seus estudos linguísticos que filosóficos, dentre outros estudiosos.

Há, também, sobre esse tema aqueles que dividem os estudos linguístico-filosóficos

do século XX, como marcados pelas “virada linguística” e “virada pragmática”, outros

que apenas abordam a virada linguística. Na primeira, seria a ruptura com os estudos

lógicos clássicos, em que há uma separação entre realidade e sua representação pela

língua ou, ainda, uma extensão/representação do pensamento. Por ser a visão mais

difundida a existência das duas viradas, é a ela que preferimos nos ater, com foco, no

entanto, no primeiro momento, que seria a virada linguística.

Filosofia da Linguagem 103


Após a virada linguística, a compreensão platônica e aristotélica de linguagem muda;

deixa de ser vista apenas como um objeto do mundo e uma forma de representação

e começa a ser vista como parte do mundo. A linguagem passa a ser constitutiva do

mundo e do sujeito, não sendo vista mais apenas como subjetiva.

Até meados do século XIX predominava na filosofia a noção de que a Teoria do Conhe-
cimento era central, à Filosofia cabia a missão de desvendar a natureza do conheci-
mento [...]. O conhecimento era uma questão de representações privilegiadas. Estudar
a natureza do conhecimento, como mostrou Rorty, envolvia um modo de descrever os
seres humanos como aqueles que possuem a crença absolutamente certa na existên-
cia de entes, com uma essência determinada, de que se possui um recurso ontológico
que capacita a conhecer e certificar-se de que esse ente é conhecido em si mesmo.
A fim de obter verdades apodíticas, há as idéias claras e distintas de Descartes e as
idéias abstraídas da experiência de Locke com sua abordagem causal dos processos
mentais. Pode-se dizer que o século XVII realizou a virada epistemológica, virada essa
que Kant prosseguiu no século seguinte com seu projeto fundacionalista de busca das
fontes transcendentais, universais e necessárias do conhecimento, dos princípios puros
da razão e dos juízos do entendimento (ARAÚJO, 2004B, p.104-105).

Assim, em meados do século XIX, início do século XX, deu-se a virada linguística, a

semântica entra em foco e os estudos filosóficos da linguagem se tornam capazes de

demonstrar que há sentido no pensamento e que esse se expressa por proposições;

que há diferença entre pensamento e representação, que é possível descrever um

mesmo objeto de diferentes formas, que a linguagem permite conhecer o pensamen-

to, e não apenas exprimi-lo etc.

Ainda no século XX, complementando a virada linguística, ocorreu a virada pragmáti-

ca, em que há um transcender da semântica para a pragmática (sem excluí-la, claro)

e “o mundo é visto como síntese de possíveis fatos, para uma comunidade linguística,

para uma comunidade de interpretação, cujos membros têm condições de entender-

se entre si, acerca de algo no mundo” (ARAÚJO, 2004B, p. 109). Nessa perspectiva,

surgem a visão dialógica da linguagem e, também, o conceito de que, pela linguagem,

é possível mais que falar sobre e no mundo, é possível agir nele.

104 Filosofia da Linguagem


Assim, resumidamente, tem-se que, após as viradas linguística e pragmática, cria-

ram-se os conceitos de que a linguagem não é um objeto no mundo, mas é parte do

mundo; pela linguagem podemos expressar e, também, ter conhecimento dos pensa-

mentos, podemos nos relacionar entre os membros de uma comunidade e, ainda, ter

o conceito de que: “dizer é fazer”.

Os infinitos jogos da linguagem de Wittgenstein


Ao falar dos infinitos jogos de linguagem de Wittgenstein, é preciso ter em mente que

há uma nova perspectiva linguística filosófica. Na seção anterior, observamos a filo-

sofia do Wittgenstein do Tractatus, sob uma perspectiva lógica, durante o processo

da virada linguística. Nesta seção, a abordagem será sobre o Wittgenstein das Inves-

tigações Filosóficas, já podemos pensar aqui no início dos pensamentos da virada

pragmática – com isso, não se pretende dizer que Wittgenstein foi um precursor desse

movimento, mas que essa “virada” veio logo após, pensando cronologicamente.

Os infinitos jogos da linguagem de Wittgenstein consideram a prática e o uso da lin-

guagem em primeira instância, portanto, os questionamentos precisam estar nas fun-

ções práticas da linguagem, e não nos significados das palavras – pois os significados

incluem mais que a associação aos objetos, aprender o significado de alguma palavra

envolve certo conhecimento de mundo, o qual se adequará ainda à função na qual

está sendo aplicada determinada palavra.

Assim, uma proposição não traz em si “o todo da linguagem”, a linguagem precisa ser

completada por aqueles que as usam. Desse modo, não há uma definição específica

para o termo “jogos de linguagem” dada pelo filósofo, mas é possível dizer que se tem

essa ideia de jogo pela possibilidade de se “jogar” com os sentidos, com os tipos de

formulações linguísticas etc.

Filosofia da Linguagem 105


Pensem nas palavras como instrumentos caracterizados pelo seu uso, e em seguida
pensem no uso de um martelo, no uso de um escopro, no uso de um esquadro, de um
frasco de cola, e no uso da cola. (Igualmente tudo o que aqui dizemos apenas pode
ser compreendido se se compreender que uma enorme variedade de jogos é jogada
com as frases da nossa linguagem: dar ordens e obedecer a ordens; colocar questões
e responder-lhes; descrever um acontecimento; contar uma história fictícia; contar uma
anedota; descrever uma experiência imediata; fazer conjecturas sobre acontecimen-
tos no mundo físico; formular hipóteses e teorias científicas; cumprimentar alguém, etc
(WITTGENSTEIN, 1958, p. 117).

Os jogos de linguagem envolvem desde o processo que as crianças realizam para

aquisição da língua até o uso linguístico cotidiano ou em áreas específicas de conhe-

cimento, o que faz com que a linguagem se torne um jogo é seu uso, ou melhor, o uso

de suas “peças” (as palavras e estruturas linguísticas). Lembrando que Wittgenstein

considerava também a linguagem por meio de gestos e mímicas. Ou, ainda, “chama-

rei de “jogo de linguagem” também a totalidade formada pela linguagem e pelas ativi-

dades com as quais ela vem entrelaçada” (WITTGENSTEIN, 2009, p. 19).

Bastante oportuno ainda o exemplo a seguir acerca do conceito de jogo, o qual se

aplica aos jogos da linguagem de Wittgenstein, em que

Os jogos são guiados por regras que nunca dirão exatamente o que é o jogo, pois
seus contornos são imprecisos e as regras não os exaurem, nem os determinam,
apenas indicam direções, não elucidam todos os casos a que se aplicam, podendo
dar margens a dúvidas, o que não impede de se mostrarem eficientes ao preenche-
rem dada finalidade.
[...]
Para saber o que é um jogo, dispensa-se uma definição exata e joga-se de as regras
aprendidas (ARAÚJO, 2004A, p. 113).

Assim, sabemos que os jogos possuem regras, e não definições exatas. É isso que

Wittgenstein faz. Ele chama a atenção para os diferentes funcionamentos da lin-

guagem, para suas diferentes “regras”. Ele utilizou o modelo do “jogo”, por ser mais

106 Filosofia da Linguagem


flexível, uma vez que “os jogos são livres criações do espírito e da vontade, autônomos

e governados por regras. Saber jogar um jogo é uma capacidade que supõe domínio

de uma técnica, consecutiva a uma aprendizagem” (CHAUVIRÉ, 1991, p. 91). Essa

semelhança entre a execução dos jogos e a execução da linguagem, tendo em vista

toda flexibilidade e uso da língua permitido a um falante nativo, motivou Wittgenstein

na escolha desse modelo de exemplo (CHAUVIRÉ, 1991).

Nessa forma de observar a linguagem, ele também retoma questões de significação,

referência, significado etc. A questão dos jogos de linguagem não consiste na ideia

simplista da comparação com diferentes tipos de jogos. Mas com diferentes funciona-

mentos dos variados elementos da linguagem, inclusive o diferente funcionamento de

um mesmo elemento da linguagem.

A expressão “jogo de linguagem” deve salientar aqui que falar uma língua é parte de
uma atividade ou de uma forma de vida. Tenha presente a variedade de jogos de lingua-
gem nos seguintes exemplos, e em outros: Ordenar, e agir segundo as ordens - Des-
crever um objeto pela aparência ou pelas suas medidas – Produzir um objeto de acordo
com uma descrição (desenho) - Relatar um acontecimento – Fazer suposições sobre o
acontecimento - Levantar uma hipótese e examiná-la – Apresentar os resultados de um
experimento por meio de tabelas e diagramas – Inventar uma história; e ler – Represen-
tar teatro - Cantar cantiga de roda – Adivinhar enigmas – Fazer uma anedota; contar
– Resolver uma tarefa de cálculo aplicado - Traduzir de uma língua para outra - Pedir,
agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar (WITTGENSTEIN, 2009, p.27).

Aprender uma linguagem consiste em aprender suas palavras, para que seja possí-

vel, então, nomear coisas em determinada língua. Ao conseguir nomeá-las, é possível

falar sobre elas e, assim, referenciá-las. No entanto, apenas aprender os nomes não

é o suficiente, até mesmo pelo fato de que, para aprender uma palavra/nome, preciso

saber outras para que eu compreenda a explicação que estou recebendo. É preciso

saber articular essas palavras, é preciso saber usá-las. Como exemplo, o filósofo uti-

liza o seguinte, dentre outros:

Filosofia da Linguagem 107


Se mostramos a alguém a figura do rei no jogo de xadrez e dizemos “Este é o rei no
xadrez”, não lhe explicamos com isso o uso desta figura a não ser que ele já conheça as
regras do jogo até este último ponto: a forma da figura do rei. A forma da figura de jogo
corresponde aqui ao som ou à forma de uma palavra. (WITTGENSTEIN, 2009, p. 31)

Assim, não basta saber qual é a peça do jogo (não basta saber uma palavra e seu

significado e referente); é preciso saber usá-la. Saber usar as palavras dentro do

processo linguístico, ou de um jogo de linguagem, envolve reconhecer a conexão

entre nome e objeto, sendo que Wittgenstein afirma que a palavra “significado” é

compreendida incorretamente quando pensada como sendo designativa à coisa que

corresponde. Ou seja, o significado de um nome não está preso àquilo que esse nome

equivale. Para Wittgenstein “isto significa: confundir o significado de um nome com o

portador do nome. Se morre o Sr. N.N., costuma-se dizer, morre o portador o nome

e não o significado do nome” (WITTGENSTEIN, 2009, p.37). E seria absurdo falar

assim, pois, se o nome deixasse de ter significado, não teria sentido dizer “o Sr. N.N.

morreu” . Desse modo,

Qual é a relação entre o nome e o denominado? [...] Esta relação pode, entre outras
coisas, consistir também no fato de que a audição do nome nos traz à mente a imagem
do denominado, e consiste, entre outras coisas também, no fato de que o nome está
escrito sobre o denominado ou é proferido ao se apontar para o denominado (WITT-
GENSTEIN, 2009, p.35).

Assim, um pronome dêitico, como o “isto”, apesar de não ser um nome próprio, pode

designar um correspondente no mundo, sem que isso implique em maiores discus-

sões filosóficas - pela discussão filosófica anterior sobre a significação dos objetos

surgir por meio da designação deles por nomes.

Dessa forma, “o significado de uma palavra é seu uso na linguagem” (WITTGENS-

TEIN, 2009, p.38); e o uso está atrelado a vários fatores, tanto internos (desejos,

emoções etc.) quanto externos (meio, situação etc.).

108 Filosofia da Linguagem


Wittgenstein, aqui, não ignora a importância da proposição, no entanto, enfatiza que

essa não é uma representação da estrutura da realidade, mas constitui parte da lin-

guagem. Assim, ele reconhece que a proposição possui usos e, com isso, não há

mais sentido em continuar uma busca pela sua “essência”, pois esta, na verdade, se

encontra imbricada no próprio uso, nos jogos da linguagem (ARAÚJO, 2004A, p. 119).

Wittgenstein reconhece que a linguagem não se restringe a nomear, que a proposição

não é apenas um meio de denominar/representar e que esse processo de nomeação,

denominação, representação e referenciação que se faz pela proposição não é algo

implícito, subjacente, antes, é algo que se mostra no uso da linguagem.

A função do nomear não constitui a única função das palavras, e nem mesmo é possível
senão a partir de uma prática de usos da linguagem. A pura referência em nada contribui
para o significado senão no contexto dos nossos jogos de linguagem. A própria prática
da linguagem é o solo do qual emerge o significado de nossas palavras. Desse modo,
compreender uma palavra não supõe o conhecimento do seu referente, a reprodução
de uma imagem na mente ou qualquer processo oculto, mas apenas uma habilidade
cujo fundamento está no exercício da linguagem (DIAS, 2000, p. 49).

Dessa forma, Wittgenstein em sua segunda fase defende que a crença em uma lin-

guagem única e inequívoca, sem confusão de significados possíveis de se aplicar a

uma mesma palavra, por exemplo, é uma utopia, “uma ilusão a ser dissipada”. Isso

porque a aplicação correta de um termo está condicionada às regras do contexto em

que ele está sendo utilizando, ao uso que é feito da linguagem (DIAS, 2000).

O fato de não observar as regras apropriadas do contexto de uso específico é que

pode tornar determinado termo sem sentido, ou ainda, caracterizar um “erro” de uti-

lização linguística, fato que incorre em uma não compreensão das regras do jogo.

Saber agir de acordo com as regras do jogo é o que define se o participante conhece

o jogo e sabe jogar. A compreensão de uma palavra torna-se então uma capacidade

relacionada à compreensão que o indivíduo possui das regras do jogo (DIAS, 2000).

Filosofia da Linguagem 109


Saiba mais

Em Wittgenstein II a influência de Nietzsche também é facilmente percebida. Obser-

ve-se a seguinte citação de Carvalho (2013) em relação aos estudos de Nietzsche e

o direcionamento dos estudos de Wittgenstein

[...] esta concepção da relação entre a construção conceitual e os interesses e rela-


ções humanas parecem permanecer em seus trabalhos posteriores e se apresentar, por
exemplo, como um pressuposto à investigação da Genealogia da moral, contrapartida
de sua recusa da questão platônica pelo significado e pela essência.

[...] assim, à explicitação de que a constituição dos conceitos e da linguagem em geral


não responde à necessidade, não responde a um critério de adequação ao mundo, às
essências, às próprias coisas. Em sua base se encontra, então, o arbítrio. E se coloca
como questão identificar os elementos que, nesse novo contexto, conduzem a arbitra-
riedade dessa escolha: a quê a linguagem responde, e, então, a quê a verdade, que
se apresentará no contexto dessa linguagem, refere. É para este mesmo contexto de
debates que caminha a construção da obra de Wittgenstein.

Você pode ler o artigo na íntegra no seguinte endereço eletrônico: <http://www.scielo.

br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-82422013000200009>.

Wittgenstein em sua “segunda fase” nos demonstra que, mais do que nomear ou refe-

renciar, a linguagem está inserida em um sistema de regras tal como um jogo. Essas

regras não servem para uniformizar o uso, mas para demonstrar que o uso inclui sa-

beres que se inserem em um sistema que possui um funcionamento específico, mas

não modelos únicos.

Os sentidos e os significados estão ligados, portanto, à forma como são observadas essas

regras e como o indivíduo é capaz de se fazer entender, ou, ainda, de qual é a capacidade

do indivíduo em jogar, para se fazer compreender. “Saber ou compreender o significado

nada mais é que esse poder elucidar. Todo saber deve poder ser explicitado [...], todo su-

cesso de uma elucidação irá depender do próprio contexto” (DIAS, 2000, p. 51).

110 Filosofia da Linguagem


Para finalizar, cabe destacar um aspecto interessante presente no uso da linguagem,

que estará bastante presente nas reflexões da virada pragmática. Wittgenstein chama

a atenção para o fato de que a gramática apenas descreve o emprego das palavras,

mas não o esclarece a ponto de ensinar a utilizá-las de modo a cumprir sua finalida-

de – agir sobre as pessoas. Ou, ainda, nas palavras do filósofo: “A gramática não diz

como a linguagem tem que ser construída para cumprir sua finalidade, para agir dessa

ou daquela maneira sobre as pessoas. Ela apenas descreve o emprego dos signos,

mas de maneira alguma os elucida” (WITTGENSTEIN, 2009, p. 186).

Pré-requisitos para a compreensão da unidade


Prezado(a) aluno(a), Para que sua compreensão desta unidade tenha sido satisfató-

ria, é necessário que você tenha conseguido compreender alguns conceitos básicos

da teoria de Wittgenstein e de seus “jogos da linguagem” e, também, ter noções do

que foi a virada linguística. Você precisa ter em mente que a virada linguística foi um

marco nos estudos filosóficos, criando uma ruptura, em diversos aspectos, com os

fundamentos filosóficos anteriores, sobretudo com o conceito de linguagem e seu

modo de se relacionar e representar o mundo e o pensamento.

Precisa reconhecer, também, que Wittgenstein foi de grande importância nos estu-

dos filosóficos do século XX. Das reflexões do “1º Wittgenstein” procure ter claras as

ideias das relações entre pensamento, mundo e linguagem, assim como os limites da

linguagem, e qual o papel da filosofia. Esteja atento para o paralelismo presente entre

mundo e linguagem – uma vez que a linguagem funciona como um “espelho do mun-

do” – e também par a função da linguagem (que descreve a realidade).

Sobre os Jogos de Linguagem de Wittgenstein, atente para a importância do uso

para a atribuição do significado e a forma como significado e referência se mis-

turam quando a linguagem é posta em uso. Lembrando que o significado não se

Filosofia da Linguagem 111


restringe ao seu correspondente no mundo e que surge no uso linguístico. Obser-

ve, também, que os Jogos de Linguagem não dão uma definição para o que seja

a linguagem ou seu uso, mas procuram apresentar seu funcionamento, suas re-

gras. E, ainda, aprender uma linguagem não é apenas aprender a nomear coisas,

mas aprender a usar esses nomes de forma articulada em diferentes situações e

de diferentes maneiras.

Atividades para compreensão do conteúdo


1) Marque V para verdadeiro e F para falso:

( ) A filosofia da linguagem passou por duas grandes e significativas mudanças

durante o século XX. Um dos filósofos que viveu e participou desses dois mo-

mentos foi Ludwig Wittgenstein. Isso porque em sua obra Tractatus ele apresen-

ta uma reflexão lógica da linguagem, demonstrando um isomorfismo entre lin-

guagem e mundo; posteriormente, em Investigações Filosóficas, ele apresenta

uma visão pragmática da linguagem, demonstrando seu funcionamento prático

em atos de interação.

( ) A filosofia para Wittgenstein deveria ser uma doutrina baseada em fatos da lógica.

( ) As proposições lógicas revelam a estrutura da linguagem que, por sua vez,

revela a estrutura do mundo.


( ) Uma proposição probabilística era considerada verdadeira, pois, embora não

figurasse uma realidade do mundo, ela possuía um sentido.

( ) Considerando o teor das duas obras consideradas como as principais produ-

ções de Wittgenstein, é possível falar que houve um primeiro e um segundo

Wittgenstein em uma só pessoa.

112 Filosofia da Linguagem


2) Marque as alternativas corretas e procure justificar em suas anotações o motivo

que tornou falsa as alternativas que assim estiverem.

a) No Tractatus, a linguagem apresenta uma estrutura lógica comum que pode

ser revelada pela análise; em Investigações Filosóficas, a linguagem não tem

uma estrutura comum, antes apresenta a diversidade linguística e a complexi-

dade estrutural.

b) No Tractatus, o significado de uma palavra era dado pela proposição, por assim

dizer. Em Investigações Filosóficas, o significado de uma palavra é dado pelo

uso na linguagem.

c) Os “jogos de linguagem” ressaltam que o uso da língua é algo dinâmico e di-

vertido.
d) Para Wittgenstein, o sentido da proposição era possível independente de seu

valor de verdade.

e) Para Wittgenstein, na obra Tractatus, a linguagem era uma forma de expressão

do pensamento e construção da realidade.

3) Marque as alternativas corretas:

a) Falar do mundo como ele é e dizê-lo – projetar a realidade do mundo e sua es-

trutura lógica por meio da estrutura lógica da proposição. Falar do mundo como

ele “seja” não é algo possível na teoria de Wittgenstein.


b) As coisas no mundo estão em relação uma com as outras, assim como as pa-

lavras se relacionam umas com as outras na proposição. Por isso, as coisas do

mundo e as palavras da proposição possuem uma relação direta de denotação.

c) O que determina a verdade ou a falsidade é se a conexão entre as palavras

na proposição é igual à conexão entre os objetos no mundo, isto é, deve haver

uma identidade entre a estrutura das coisas e a estrutura do pensamento.

Filosofia da Linguagem 113


d) O que determina a verdade ou a falsidade de uma proposição é o fato de

a conexão entre as palavras na proposição ser igual à conexão entre os

objetos no mundo.

e) O que permite que a linguagem possa espelhar ao mundo é que ambos saem

da representação do pensamento.

4) Marque V para os enunciados verdadeiros e F para os falsos.

( ) As palavras ganham sentido quando estão articuladas na proposição. Apenas

dizer “pedra” seria algo sem sentido, uma vez que apresenta uma substância

no mundo que não se relaciona com nada e, do mesmo modo, não se relaciona

com nada em uma estrutura proposicional. “Pedra” precisa de um complemento

para se tornar uma unidade significativa. Por exemplo, quando eu digo “Há uma

enorme pedra no caminho para a cidade”.


( ) O que permite que a linguagem possa corresponder ao mundo é que ambos

partilham da mesma forma lógica. A forma lógica é, portanto, uma condição de

impossibilidade da afiguração.

( ) “Jogos de linguagem” envolvem as ações formadas pela linguagem e pelas

atividades com as quais ela vem entrelaçada.

( ) Os jogos de linguagem envolvem desde o processo que as crianças realizam

para aquisição da língua até o uso linguístico cotidiano ou em áreas específicas

de conhecimento; o que faz que a linguagem se torne um jogo é seu uso, ou

melhor, o uso de suas “peças”. Wittgenstein considerava também, aqui, a lingua-

gem por gestos e mímicas.

114 Filosofia da Linguagem


5) Marque os enunciados incorretos e corrija-os.

a) Após a virada linguística, a compreensão de linguagem muda, ela deixa de

ser vista apenas como um objeto do mundo e uma forma de representação e

começa a ser vista como parte do mundo.

b) Na virada linguística, entram em foco os estudos semânticos e, na virada prag-

mática, entram em foco os estudos lógico-retóricos.

c) Pode-se dizer que filosofia - que já havia se destituído de sua visão clássica da

noção da Teoria do conhecimento como algo central, do “desvendar da nature-

za do conhecimento” e, também, passado pelas questões epistemológicas (e

transcendentais com Kant) como fonte de conhecimento (virada epistemológi-

ca) –, com a virada linguística, passa a conceber a linguagem como fonte de co-

nhecimento, uma vez que por ela os pensamentos poderiam ser esclarecidos.
d) Sabemos que os jogos possuem definições, e não regras. É isso que Wittgens-

tein faz. Ele observa o acontecimento da linguagem em uso em diferentes âm-

bitos, contextos e níveis – crianças, adultos, estudiosos, especialistas, todos

fazendo uso da linguagem – e os compara com jogos de diferentes tipos, como

jogos de tabuleiro, jogos infantis, de cartas.

Artigos, sites e links


Artigos introdutórios

COELHO, M. P.; PEREIRA, L. C. Linguagem e os limites da filosofia: uma leitura

de Wittgenstein. Departamento de Filosofia – PUC/RJ. Disponível em: <http://www.

puc-rio.br/Pibic/relatorio_resumo2009/relatorio/ctch/fil/maria.pdf>.

RORTY, R. WITTGENSTEIN e a virada linguística. Disponível em: <https://ghiral-

delli.files.wordpress.com/2008/07/rorty_virada.pdf>.

Filosofia da Linguagem 115


Sites

Escritos de Filosofia (ver item Filosofia da linguagem). Disponível em: <http://www.

ismardiasdematos.com.br/filosofia.htm>.

Esboços filosóficos. Disponível em: <https://esbocosfilosoficos.com/2013/04/20/

wittgenstein/>.

Vídeos

Café Pensamento – WITTGENSTEIN. Disponível em: <https://www.youtube.com/wat-

ch?v=G6OJ2XnBmns&list=PLetnuNL6LG_i7g1258d_rf7Xrq3AdT2IC>.

Wittgenstein - Jogos de linguagem. Disponível em: <https://www.youtube.com/wat-

ch?v=RxOmf_jg3Uo>.

Leitura complementar

WITTGENSTEIN, W. Investigações filosóficas. Tradução de Marcos G. Montagno-

li. Revisão da tradução e apresentação Emmanuel Carneiro Leão. 6. ed. Petrópolis:

Vozes, 2009. 350 p. (Coleção Pensamento Humano). Título original: Philosophische

Untersuchungen. Disponível em: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAezNAAC/

wittgenstein-investigacoes-filosoficas-os-pensadores

______. O livro Azul. Tradução de Jorge Mendes. Revisão de tradução Dr. Carlos

Monrjão. Rio de Janeiro: Edições 70, 1958. Título original: The Blue and Brown Books.

Disponível em: http://www.academia.edu/4158599/Tradu%C3%A7%C3%A3o_Witt-

genstein_-_O_Livro_Azul

______. O livro castanho. Tradução de Jorge Mendes. Revisão de tra-

dução Dr. Carlos Monrjão. Rio de Janeiro: Edições 70, 1958. Título origi-

nal: The Blue and Brown Books. Disponível em: http://docs10.minhateca.com.

116 Filosofia da Linguagem


br/287088083,BR,0,0,WITTGENSTEIN,-Ludwig---O-livro-castanho%3B-Lisboa,-E-

di%C3%A7%C3%B5es-70,-1992.pdf

______. Tractatus Logico-Philosophieus. Tradução e apresentação de José Arthur

Giannotti. Biblioteca Universitária, série 1 — Filosofia Volume 10. São Paulo: Com-

panhia Editora Nacional Editora Da Universidade De São Paulo, 1968. Título original:

Logisch-Philosophische Abhandlung. Disponível em: https://marcosfabionuva.files.

wordpress.com/2011/08/tractatus-logico-philosophicus.pdf

ARAÚJO, I. L. Do signo ao discurso: introdução à filosofia da linguagem. São Paulo:

Parábola Editorial, 2004.

Filmes recomendados
O terminal

“Linguagem: é a representação do pensamento por meio de sinais que permitem a

comunicação e a interação entre as pessoas”.

O terminal é um filme que tem seu roteiro inspirado em um fato real ocorrido com um

Iraniano que morou durante 15 anos no aeroporto Charles de Gaule, em Paris. Esse dra-

ma ocorre quando um cidadão comum (Viktor Narvoski), vindo de um país europeu com

destino à Nova York, tendo como objetivo realizar um sonho de seu pai, fica impossibili-

tado de sair do aeroporto, pois o seu país de origem sofre um golpe político e seu visto

de entrada é cancelado, portanto Viktor é obrigado a ficar esperando dentro do aeroporto

durante horas, dias e meses, nesse momento, percebe-se a vulnerabilidade no sistema

de comunicação do aeroporto mais importante do país e mais evoluído do mundo.

À medida que o tempo passava, Viktor foi descobrindo que existem outras formas

de linguagem que poderiam facilitar a sua convivência e percebe, também, que o

Filosofia da Linguagem 117


aeroporto, apesar de não possuir um tradutor, dispunha de linguagens não verbais,

como cores, faixas e imagens (códigos) que possibilitavam o entendimento.

O filme é uma análise de que existem diversas formas de comunicação, mesmo para

aqueles que não dominam o código local, e de que somos capazes de interagir em

qualquer outro ambiente.

Filme completo, dublado em português, disponível em: <https://www.youtube.com/wa-

tch?v=S_VRhYMEpA8>.

Proposta para discussão on-line


Prezado (a) acadêmico (a),

Nesta modalidade de educação (EAD), você possui a vantagem de dispor de total

autonomia em relação aos seus estudos. Cabe a você a administração do tempo di-

ário que dedicará a eles e do local em que os realizará. Acreditamos que, ao fazer a

escolha pelo Ensino a Distância, você a fez por ser uma pessoa disciplinada e com

determinação para alcançar o que deseja.

Como é sabido, o processo de educação a distância não se faz apenas por meio dos

conteúdos teórico das unidades. Sua interação com os outros alunos e com o profes-

sor é essencial! A plataforma de ensino-aprendizagem (Moodle) é o lugar que reserva-

mos para que você compartilhe sua aprendizagem e aproveite para sanar quaisquer

eventuais dúvidas que, porventura, ainda tenha ou, até mesmo, para aprofundar al-

guma questão. Compartilhe com seus colegas e Professor Tutor as suas conclusões

para enriquecer ainda mais os conhecimentos até agora adquiridos.

A seguir, algumas questões para impulsionar/orientar as suas discussões.

118 Filosofia da Linguagem


1. Qual a importância do século XX para os estudos filosóficos – quais movimen-

tos significativos ocorreram e quais as características de cada um?

2. Observando a relação lógica das estruturas do pensamento, linguagem e

mundo, qual o papel/função da proposição?

3. Como é possível ter proposições falsas, mas com sentido? Exemplifique.

4. Como é possível criar o espelhamento, o paralelismo/isomorfismo entre mun-

do e linguagem em Tractatus?

5. O que são os infinitos jogos de linguagem?

6. Apesar das obras Tractatus e Investigações Filosóficas se apresentarem bas-

tantes distintas, ambas têm em comum a questão da linguagem. Qual a visão

que uma e outra obra apresentam sobre a linguagem?

Filosofia da Linguagem 119


UNIDADE IV: Questões contemporâneas
sobre Filosofia e Linguagem

Objetivos a serem alcançados nesta unidade:


Prezado(a) acadêmico(a), ao terminar os estudos desta unidade, você deverá ser

capaz de:

• Compreender a evolução dos estudos linguísticos filosóficos de modo global,


desde os primeiros estudos (clássicos) até a visão da linguagem como discurso.

• Saber o que foi o estruturalismo e a “onda estruturalista” com Foucault e Derrida.


• Entender a teoria de Foucault sobre os modelos explicativos da realidade e
as formas inconscientes da formação do pensamento e do comportamento de

uma sociedade.

• Aprender a teoria da ação comunicativa de Habermas e sua teoria discursiva.


• Ser capaz de problematizar as questões sobre a ética do discurso, seu agir,
e suas regras.

• Ter a habilidade de discutir temas pertinentes à comunicação, interação e lin-


guagem na contemporaneidade sob um viés linguístico-filosófico.

Para alcançar esses objetivos de modo satisfatório, é necessário que você dedique

tempo aos seus estudos, realizando-os com seriedade e dedicação. Isso inclui efetuar

todas as leituras e atividades recomendadas, assim como sua participação efetiva nas

discussões on-line.

Bons estudos!

Filosofia da Linguagem 121


(Pós) Estruturalismo: Michel Foucault e Jacques Derrida
O estruturalismo não é uma teoria nem um método; é um ponto de vista epistemoló-
gico. Parte da observação de que todo conceito num dado sistema é determinado por
todos os outros conceitos do mesmo sistema, e nada significa por si próprio. Só se
torna inequívoco, quando integrado no sistema, na estrutura de que faz parte e onde
tem um lugar definido. A obra científica do estruturalismo é, portanto, uma síntese da
visão romântica — cuja base cognitiva é a dedução a partir de um sistema filosófico
que classifica e avalia os fatos a posterior, e a posição empírica do positivismo — que,
ao contrário, constrói a sua filosofia a partir dos fatos que comprovou pela experiência.
Para o estruturalista, há uma interrelação entre os dados, ou fatos, e os pressupostos
filosóficos, em vez de uma dependência unilateral. Daí se segue que não se trata de
buscar um método exclusivo, que seja o único correto, mas que, ao contrário, ‘o material
novo importa em regra numa mudança de procedimento científico’. Da mesma sorte
que nenhum conceito é inequívoco antes de integrado na sua estrutura particular, os
fatos não são inequívocos em si mesmos. Por isso o estruturalista procura integrar os
fatos num feixe de relações que ponham em evidência a sua inequivocidade dentro de
uma superordenação e de uma subordinação. Numa palavra, a estrutura global é mais
do que uma súmula mecânica das propriedades dos seus componentes, pois determina
propriedades novas (HÁBRAK, 1964 apud CÂMARA, 1967, p. 43).

Pela definição de Hábrak (1964), fica fácil perceber como e por que o termo estrutura-

lismo se aplica a diversas áreas do conhecimento humano. Na filosofia, especificamen-

te, mostrou-se como uma opção em relação às vertentes marxistas, da fenomenologia

e do existencialismo, em uma tentativa de “unir” essas reflexões, associando-as por

meio dos estudos da linguagem. Ou seja, a linguagem continuaria, como já no início

do século, sendo o “objeto central” de interesse nos estudos filosóficos por assim di-

zer. Destaca-se, no entanto, a importância dos estudos sociológicos também para a

filosofia, associados à linguagem.

Desde a fundação da sociologia como disciplina (que coincide com o surgimento da

filosofia da linguagem), os primeiros grandes pensadores sociológicos – Marx, We-

ber, Durkheim – se preocuparam em explicar e estudar as estruturas da sociedade

moderna urbanizada, burocratizada e industrializada. Fato que podemos observar

122 Filosofia da Linguagem


paralelamente no campo da filosofia em relação à linguagem, a partir dos estudos de

Saussure. No período pós-guerra, o estruturalismo despontou com grande força na

sociologia e em diversas outras ciências, como uma “filosofia geral de vida” que pode-

ria explicar a dinâmica da sociedade moderna (LEMERT, 2000).

Ainda conforme Lemert (2000, p. 98), essa “onda estruturalista” começou a se “dividir”

após o posicionamento pontual de líderes socialistas ligados ao estruturalismo, em

que se negava a “argumentação sociológica do indivíduo autônomo como fonte da

ação social”. Com isso, não apenas na sociologia, mas também na filosofia, começou

a surgir uma nova linha de pensamento a partir daqueles que criam que “os terrores

da guerra, do fracasso econômico e do holocausto, tornaram o indivíduo de livre po-

sição e livre pensamento”. A partir das reflexões dos estudiosos adeptos dessa pers-

pectiva, surgiu o que ficou conhecido como pós-estruturalismo.

O pós-estruturalismo é uma resposta filosófica à pretensão científica do estruturalismo


em se tornar um mega paradigma para todas as ciências sociais. O pós-estruturalismo
intenta descentrar as “estruturas” e toda a sistematicidade do estruturalismo, questio-
nando a metafísica presente no estruturalismo, mas mantendo os elementos principais
relacionados à crítica que o estruturalismo faz ao sujeito humanista [...]. Vale ressaltar
dois pontos comuns entre pós-estruturalismo e estruturalismo: (1) ambos manifestam
uma reação filosófica à forma moderna de se fazer ciência e à noção de sujeito Ilumi-
nista, (2) o pós-estruturalismo também é fundamentado na tradição estruturalista da lin-
guística. Assim, tanto estruturalismo e pós-estruturalismo são manifestações filosóficas
relacionadas ao conhecimento (SOUZA, 2012, p. 275).

Tem-se que o pós-estruturalismo é um movimento que surge dentro do próprio estrutu-

ralismo e que ambos possuem pontos em comum, além de atribuírem lugar de destaque

para a linguística. No entanto, “o que os afasta é a crítica pós-estruturalista ao fundacio-

nismo, a busca de estruturas universalizantes, a metafísica, a crença no progresso e a

busca da emancipação” (SOUZA, 2012, p. 275). Essa crítica à emancipação diz respeito

à autonomia do indivíduo social, que era vista de forma diferente em cada perspectiva.

Filosofia da Linguagem 123


Dentre os estudiosos desses movimentos, ligados à área da filosofia, poderíamos

elencar vários, mas limitar-nos-emos aos nomes de maior destaque, como Foucault,

Derrida, Deleuze, Guattari etc. (pós-estruturalistas) ou, ainda, Althusser, Lacan, Lé-

vi-Strauss, Bourdieu etc. (estruturalistas). Dentre esses, abordaremos mais detalha-

damente Foucault e Derrida e seus métodos e concepções acerca das formações

sociais, observando um aspecto geral que suas visões teóricas têm comum: o reco-

nhecimento de que a linguagem/discurso é fundamental para toda ciência humana.

Observando, desse modo, seus métodos utilizados para a compreensão e o entendi-

mento da linguagem/discurso e de suas relações com o pensamento, com o conheci-

mento, com o mundo, com a sociedade, dentre outros.

Saiba mais
Salienta-se que Foucault, posteriormente, negou sua “filiação” estruturalista, sinali-

zando mais para uma concepção formal, e não estruturalista (ver FOUCAULT, 2008,

p. 307-334 – estruturalismo e pós-estruturalismo). Você encontra a bibliografia com-

pleta dessa obra nas referências desta unidade; mas também é possível encontrar

esse capítulo, em específico, on-line, no link a seguir: <https://ayrtonbecalle.files.wor-

dpress.com/2015/07/foucault-m-estruturalismo-e-pc3b3s-estruturalismo.pdf>.

Saiba mais
Derrida ficou conhecido como o filósofo “desconstrucionista”, devido ao seu méto-

do baseado no “descontruir”, seus estudos ficaram conhecidos como “teoria da des-

construção” ou “método da desconstrução”. Ao contrário do que possamos pensar

conduzidos pelo significado do termo “descontruir”, essa nomenclatura se deve ao

fato de que, segundo Derrida, para chegar ao conhecimento das coisas, é necessá-

rio desconstruí-las para refazer o caminho da construção, para que fosse possível

124 Filosofia da Linguagem


compreender seu processo. Consiste, basicamente, em tornar o que é composto em

simples, para, depois, torná-lo composto novamente.

Pela perspectiva de Derrida, não só representaria um estágio agudo do exercício crítico


no discurso das ciências humanas, como também e principalmente revelaria a natureza
da consciência humana, que se confunde com a noção de linguagem. Essa perspec-
tiva não admite um centro exterior responsável pela geração dos significados a serem
captados pelo espírito humano e depois veiculados pela linguagem. Ao contrário, os
significados e o respectivo sistema de signos, o homem estaria forjando a própria cons-
ciência, também constituída por elementos contrastivos (TEIXEIRA, 1998, p. 36).

Saiba mais
Para saber mais sobre o construtivismo, seus principais representantes e seu relacio-

namento com outras ciências, dentre elas, destacamos a literatura, recomendamos

a leitura na íntegra do artigo “Desconstrutivismo”, de Teixeira, disponível em: <http://

textoterritorio.pro.br/alexandrefaria/recortes/cult_fortunacritica_5.pdf>.

Saiba mais
Havia uma grande dedicação de Derrida em reconstruir, por assim dizer, o processo

de compreensão da linguagem e sua fundamental importância. Para ele, a linguagem

adquiria significados em seu funcionamento.

Em sua obra “Gramatologia”, Derrida demonstra, dentre outras coisas, os equívocos

existentes nos estudos da linguagem, assim como certa banalização em relação a isso.

Alertando, ainda, para o fato da não observação da linguagem escrita em sua essência.

ao denunciar a inadequação do “conceito” de linguagem, apresentando, em contra-


partida, um quase conceito de escritura, Derrida não pretende adequá-lo àquilo que a
linguagem não dá mais conta, ao contrário, pretende que a escritura, para fazer justiça

Filosofia da Linguagem 125


àquilo que excede à linguagem, anuncie certa emancipação da necessidade de ade-
quação. E é nesse sentido, portanto, que podemos entender a idéia de escritura derri-
diana ultrapassando e compreendendo o conceito de linguagem tradicional, bem como
entendê-la como o próprio transbordamento. Dessa forma, essa idéia de transborda-
mento traz consigo o próprio pensamento da desconstrução (DARDEAU, 2011, p. 59).

Sobretudo, ao se tratar de linguagem, ele coloca em evidência a questão da escrita. O

filósofo cria uma espécie de “geografia linguística”, ou “arquitetônica linguística”, que

pode ser relacionada analogamente com o método da arqueologia de Foucault.

Derrida realiza uma “releitura” da teoria saussuriana e de suas dicotomias, sobretudo

significante e significado, desconstruindo-a e reconstruindo-a sob uma nova perspectiva.

Segundo o pensamento saussuriano, cada signo é aquilo que o outro signo não pode
ser e, baseado nesta diferença, Derrida fundamenta sua desconstrução: um significado
torna-se sempre um outro, o novo, a cada nova escritura e assim o caráter estável dado
ao signo é posto de lado. Ao problematizar a relação entre fala e escrita onde, na visão
saussuriana, o falar antecede a escrita, restando a esta última o papel secundário de
um mero instrumento de reprodução da fala, Derrida desconstrói essa hierarquia suge-
rindo que tanto uma como a outra se constroem no momento e no espaço de uma nova
escritura; enfatiza que não é possível se falar da língua fora dela (SILVA, 2004, p. 2).

Derrida abordou as questões saussureanas mais profundamente, observando inclusi-

ve aspectos linguísticos fonéticos e fonológicos, no entanto, não nos aprofundaremos

nesses conceitos. Importa saber que o método de Derrida consistiu em um reestru-

turamento do conceito de linguagem e das formas de aquisição de conhecimento e

formação de pensamento, por meio de uma perspectiva desconstrutivista, de modo

bastante sintético, seria isso. Podemos, ainda, pensar que, enquanto Foucault se ate-

ve à análise dos discursos, Derrida tinha uma preocupação clara em relação à lingua-

gem escrita, não ignorando, claro, questões acerca de outras modalidades da língua.

O desconstrutivismo, na verdade, fez parte de um dos vários movimentos que havia

no pós-estruturalismo – como o construtivismo, relativismo etc. – e teve em Derrida

126 Filosofia da Linguagem


um grande representante. Foucault também compartilhava dos princípios desconstru-

tivistas, por exemplo, o papel central da linguagem e a grande preocupação com a lin-

guagem em sua modalidade escrita. No entanto, para Derrida, o desconstrucionismo

era algo mais amplo. De acordo com o autor, a desconstrução pode ser vista como

uma “política da desconstrução” (DERRIDA, 1993).

Foucault chamou a atenção por sua metodologia que, aparentemente, “não observava

método algum”. Embora pareça paradoxal, pretende-se dizer com isso que Foucault

não acreditava nos “métodos convencionais” de aprendizagem. O método em Fou-

cault é algo muito mais profundo e, por isso, muitas vezes, não percebido por muitos.

Foucault se interessa fundamentalmente em explicitar as condições de possibilidade


intrínsecas do nascimento e da transformação de determinados saberes, o que o leva a
procurar desclassificar todo tipo de história que queira explicá-lo a partir do exterior, do
não discursivo (MACHADO, 1988, p. 162).

Não encontraremos um método “dado” previamente em Foucault. A dualidade teoria/

prática não é algo que esse pensador utiliza para a construção de conceitos e assenta-

mento de conhecimento. Para ele, o saber ocorre por meio de um processo discursivo,

do qual não é possível precisar suas “partes”, mas intencionar seu ponto de chegada,

por assim dizer. Antes da realização de qualquer forma de saber, “antes de querer re-

por os conceitos em um edifício virtual, seria necessário descrever a organização do

campo de enunciados em que aparecem e circulam” (FOUCAULT, 2009, p. 62).

Pensando, portanto, em termos de metodologias, é possível a concepção de que Fou-

cault utilizava seu “método arqueológico” enquanto Derrida se valia das opções “me-

todológicas” do desconstrucionismo. Ambos, porém, visavam ao ensino, ao conheci-

mento ou, ainda, à aquisição dos saberes por meio da reflexão do próprio indivíduo.

Compreender a arqueologia de Foucault e o desconstrucionismo de Derrida im-

plica compreender suas inferências, raciocínios demonstrativos, correlação

Filosofia da Linguagem 127


hipótese-verificação, descrições, definições, dentre outras características pertencen-

tes à enunciação, de acordo com cada modalidade da língua.

Há uma vasta quantidade de conceitos sobre o enunciado que pertence a determi-

nadas formações discursivas, as quais possibilitam delimitar grupos de conceitos. A

forma como esses grupos de conceitos se relacionam, intermediados pela capacidade

crítica e interpretativa de enunciados já formulados, constituem um sistema de for-

mação conceitual (FOUCAULT, 2009). São nesses conceitos que Foucault se baseia

para criar seu próprio método de produção de conhecimento por vias discursivas, com

base na experiência e na pesquisa, não no sentido empírico do termo. “Para a forma-

ção de conceitos, não é preciso relacioná-los nem ao horizonte da idealidade, nem ao

curso empírico das ideias” (FOUCAULT, 2009, p. 70).

Do mesmo modo que os “métodos” arqueológicos de Foucault são diferentes entre si,

como são diferentes os temas que abordam, não há uma regra a seguir. Há conceitos a

construir. Machado (1988) explica que, para Foucault, o saber não se dá apenas pelas

demonstrações científicas, ele também ocorre por outros meios – ficções, reflexões,

narrativas etc.; cada saber desses constitui uma formação discursiva, que é o objeto

de estudo das arqueologias. Assim, a cientificidade ou não de um discurso é irrelevante

para a aprendizagem, no entanto, enquanto método, é capaz de construir conceitos.

Saiba mais
Para se aprofundar sobre as questões da arqueologia e do método em Foucault, você

pode acessar o capítulo “Arqueologia”, da obra Ciência e saber, de Machado (1988), que

está disponível em: <https://blogpsicologiablog.files.wordpress.com/2012/01/machado

-roberto-foucault-a-ciencia-e-o-saber-rj-zahar-2009.pdf>. Para saber mais sobre o des-

construcionismo de Derrida, você pode acessar o seguinte link: <http://www.pucminas.

br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_ARQUI20121011175312.

pdf> e <http://www.scielo.org.co/pdf/unph/v30n60/v30n60a09.pdf>.

128 Filosofia da Linguagem


Saiba mais

Percebe-se, então, que a questão colocada a princípio, sobre o método de Foucault,

não consiste no fato de Foucault não ter um método, mas utilizar-se de um processo

diferente do tradicional, o “método foucaultiano” consiste no processo, no percurso,

na construção de conceitos e saberes (e nas possíveis substituições desses) por vias

discursivas. Pode-se dizer que o mesmo ocorreu em Derrida, seu “método” consistia

em um “não-método”, pois, para ele, o desconstrutivismo era algo que abordava vá-

rios conceitos e era mais uma estratégia que um método.

Derrida e Foucault destacaram-se, ainda, por sua forma inovadora de pensar a filo-

sofia, desvinculando-se de preceitos que eram básicos para essa ciência até então;

podemos, então, resumir e realizar um recorte direcionado para a parte teórica que

objetivamos nesta unidade. Assim, mesmo que de modo bastante simples, podemos

dizer que esses filósofos consideravam a razão algo histórico.

sem dúvida, a razão é histórica – isto é, muda temporalmente – mas essa história não é
cumulativa, evolutiva, progressiva e contínua. Pelo contrário, é descontínua, se realiza
por saltos e cada estrutura nova da razão possui um sentido próprio, válido apenas para
ela. Dizem eles que uma teoria (filosófica ou científica) ou uma prática (ética, política,
artística) são novas justamente quando rompem as concepções anteriores e as substi-
tuem por outras completamente diferentes, não sendo possível falar numa continuidade
progressiva entre elas, pois são tão diferentes que não há como nem por que compará
-las e julgar uma delas mais atrasada e a outra mais adiantada (CHAUÍ, 2000, p. 104).

Outro ponto que nos é importante entre esses dois filósofos é a concepção de que a

verdade é, por assim dizer, um conceito construído subjetivamente e coletivamente,

mas essa construção apenas é possível por meio da linguagem.

Entretanto, revela Derrida, é preciso ter em mente que nossa consciência tem uma in-
tuição do mundo que está além da lógica e a lógica só pode atuar depois que intuímos

Filosofia da Linguagem 129


aquilo que nossa consciência captou. E Derrida afirma que é a consciência e a lingua-
gem que nos possibilitam conhecer. Nesse passo, vemos como tal noção se aproxima
de Nietzsche, na medida em que se lembra de que este filósofo afirmou que o conhe-
cimento é resultado de uma invenção humana, portanto, de um trabalho de linguagem,
daí a falsidade que se pode perceber nas colocações da filosofia ocidental ao advogar
que o conhecimento humano está baseado na identidade, na lógica e na verdade daí
resultante. Tais considerações já são suficientes para mostrar a posição de Derrida, se-
gundo a qual dever-se-ia pensar no quanto as palavras podem significar e não no que
elas significam. [...] Outras aproximações de peso também poderiam ser feitas. Lembre-
se, por exemplo, Michel Foucault que sempre considerou a palavra como o elemento
predominante sobre todas as relações (GOULART, 2003, p. 06).

Pensando na linguagem e na razão como dois elementos essenciais para construir,

representar e explicar a verdade, ressaltamos os conceitos teóricos de Foucault que

ampliam os estudos dessa unidade, no sentido de demonstrar que a linguagem não

serve para “dizer a realidade”. Como já dito, saímos do signo e evoluímos na lingua-

gem, até esse momento em que chegamos ao discurso, em sua concepção contem-

porânea e como portador de ideologias.

Assim, para Derrida

A desconstrução é uma releitura do mundo, enquanto realidade. Implica uma transfor-


mação do conceito de realidade, ocupando-se de uma realidade, mais real do que a
própria realidade, sendo um movimento em hiper (para cima de…). A desconstrução
tem tanto de hiper-leitura, quanto de hiper-linguagem (MENESES, 2013, p. 182).

Importante lembrar, também, que, para Foucault, as “situações práticas do cotidiano”

se constroem discursivamente. Araújo (2004, p. 217) apresenta que “Foucault intro-

duz uma dimensão em que falar é CRIAR UMA SITUAÇÃO, é INVESTIR a fala como

PRÁTICA, entre outras práticas”. Para ele, “não nos encontramos no verdadeiro, se-

não obedecendo às regras de uma “política” discursiva que devemos reativar em cada

um de nossos discursos” (FOUCAULT, 1996, p. 35).

Há três coisas básicas a esclarecer nesse ponto. A verdade discursiva para Foucault

não é a verdade proposicional dos estudos filosóficos anteriores, é uma verdade

130 Filosofia da Linguagem


“contextual”, que se dá no momento histórico de uso, não uma verdade “lógica-proposi-

cional”. O termo “cada um de nossos discursos” incorre no fato de que, para cada área

de conhecimento do ser humano e para cada “esfera da sociedade7” que engloba essas

áreas de conhecimento – esfera política, esfera religiosa, esfera acadêmica etc. – há

um tipo de discurso – discurso político, discurso religioso, discurso científico, discurso

jurídico, discurso médico etc. –; as regras “políticas” destes discursos se referem às

regras que utilizamos, consciente ou inconscientemente, dentro de cada discurso. Para

melhor ilustrar o que acabamos de dizer, observe a imagem a seguir, sabendo que cada

um dos diversos pontos dentro de cada esfera maior corresponde à diversidade que

há no interior de cada uma delas, como nos exemplos dados anteriormente (esfera da

sociedade= esfera escolar (escolas), esfera religiosa (igrejas) etc.; esferas discursivas=

discurso político, discurso feminino etc.). Lembrando que essas esferas se intercruzam

em algum momento, uma vez que nada na sociedade permanece isolado.

Essa imagem “resume” o conceito de Foucault de “Formação das modalidades dis-

cursivas”. Pois, para ele, é preciso não apenas saber quem é a pessoa que fala,

mas reconhecer os lugares institucionais de onde provêm esses discursos, assim

7 A utilização do termo esferas da sociedade, embora seja um termo presente mais propriamente na
teoria Bakthiniana, corresponde neste trabalho ao mesmo conceito de instâncias discursivas (ter-
mo utilizado por Foucault). A escolha léxica preferencial por esfera visa tão somente tornar mais
clara a explicação do conceito.

Filosofia da Linguagem 131


como para quem se fala (as posições do sujeito). Mas o que exatamente vem a ser

o discurso para Foucault?

Não pretendemos exaurir essa questão, mas apenas esclarecer alguns pontos es-

senciais. Para Foucault, discurso, formação discursiva e enunciado não são a mesma

coisa. Para ele, o enunciado é a materialidade, o conjunto de signos que pode ser

repetível em sua “materialidade”, ao mesmo tempo em que pode se relacionar com

as frases e proposições, pois está mais relacionada com os signos, poderíamos pen-

sar nos encadeamentos linguísticos repetíveis enquanto sequência de palavras, mas

não de sentidos, e se dá no “nível do sujeito”. O discurso, por sua vez, é irrepetível,

socialmente constituído e formado por um conjunto de enunciados. Já o conceito de

práticas discursivas é tido como

um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que


definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica
ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa (FOUCAULT, 2009, p. 132).

Esses processos que observamos há pouco, em sua condição corrente de uso, ao

longo do tempo, criam as chamadas “formações discursivas”. Para compreender esse

conceito, é necessário ter em mente que, para Foucault, os enunciados deveriam ser

analisados sem serem associados com sua origem – no caso da literatura, não ob-

servar autor, gênero, época; no caso de documentos históricos, não observar origem,

evolução das ideias, época etc.

O enunciado, para ser analisado completamente em si mesmo, deveria se afastar

desses elementos que fazem que o conteúdo do enunciado se dilua com outros e,

assim, analisar apenas o que foi efetivamente enunciado. Não realizando, em relação

ao enunciado, inferências (como faziam os filósofos) e nem estabelecendo “quadros

de diferenças” (como faziam os linguistas). A essas ações realizadas por esses dois

grupos, Foucault denominou “sistemas de dispersão”.

132 Filosofia da Linguagem


No caso em que se puder descrever, entre certo número de enunciados, semelhante
sistema de dispersão, e no em que entre objetos, os tipos de enunciação, os conceitos,
as escolhas temáticas, se puder definir uma regularidade [...] diremos, por convenção,
que se trata de uma formação discursiva (FOUCAULT, 2009, p. 43).

Tal análise possibilita encontrar o campo discursivo de determinado conjunto de enun-

ciados e isso implica em, conforme bem explica Araújo (2004), conseguir analisar o

enunciado “exteriormente” e ver quais objetos se formou e em quais épocas, sendo

que os objetos mudam de acordo com as formações discursivas.

Com isso, podemos pensar da seguinte forma: as formações discursivas funcionam

como “arquivos” (descritos nos enunciados), sendo esses arquivos compostos por dis-

cursos, discursos estes que trazem em si saberes (científicos, históricos etc.) que de-

vem ser encontrados e compreendidos no e pelo próprio enunciado. Nesse sentido, po-

dem ser também saberes históricos, nos revelando as “verdades/realidades” históricas.

Não se está afirmando que as formações discursivas são atemporais, mas, como

diz Foucault (2009, p. 188) elas possuem uma “aparente sincronia” e “por mais

que, por conseguinte, sejam reutilizadas [...] podemos reencontrá-las em ativida-

de em enunciados bem dispersos no tempo”. Ou seja, podemos encontrar essas

formações discursivas em atividade por tempos e tempos – por exemplo, a teoria

da abiogênese perdurou por séculos, até o descobrimento da biogênese e, conse-

quentemente, após seu discurso ser introduzido e aceito socialmente como verda-

de, incorreu em formações discursivas.

Assim, por meio da análise do discurso, o estudioso é capaz de perceber como se cons-

troem as verdades histórias de determinadas épocas, sendo que cada época possui “a

sua”. As verdades são construídas pelos discursos. Foucault explica que, mesmo que a

princípio o enunciado não seja considerado verdadeiro, quando ele se torna aceito pela

sociedade, naquele momento histórico, ao menos ali, ele será verdadeiro. Essa verda-

de construída historicamente deixa transparecer, implícita ou explicitamente, relações

Filosofia da Linguagem 133


de poder que existem na sociedade, relações essas que são essenciais para tornar os

discursos verdadeiros. Dessa forma, podemos pensar que – de acordo com Foucault –

há várias verdades que surgem conforme surgem novos discursos.

Foucault propõe um estudo “histórico” que não seja a partir da observação de docu-

mentos, mas da produção discursiva de determinados momentos. Apesar de demons-

trar um aspecto sincrônico, ele não considera as formações discursivas como aconte-

cimentos simultâneos. O que ele demonstra é a possibilidade de outro olhar científico,

rompendo a ideia de que, no discurso, só existe um nível de sucessão (o temporal).

Foucault demonstra que as formações discursivas, por meio de seus estudos “arque-

ológicos” (o que ele denomina constantemente de “a arqueologia”), “substitui esses

temas por análises que fazem aparecer, ao mesmo tempo, as diversas formas de su-

cessão que se superpõem nos discursos” (FOUCAULT, 2009, p. 190). Ele demonstra,

com isso, mais do que apenas a sucessão cronológica de acontecimentos, ele pro-

cura mostrar como é possível ocorrer essa sucessão e em que níveis elas ocorrem.

Por exemplo, pensemos em um discurso religioso de origem protestante. Há, em algu-

mas dessas igrejas, o discurso de que certas atitudes são pecados e os que as reali-

zam perdem a benção da herança dos céus. Como amostra, utilizemos o uso de calças

pelas mulheres, nas igrejas mais rígidas. Esse é um discurso que é tido como verdade

naquele meio social, que se mantém como verdadeiro por meio das relações de poder

ali existentes e que, em outros lugares, nos quais essas relações de poder não exer-

cem influência por serem suprimidas por outras relações de poder, esse discurso não

é observado. Poderíamos aqui citar exemplos de diversas outras crenças e religiões.

Outro exemplo interessante que podemos observar é o caso de Sigmund Freud. Como

é sabido, para a realidade de sua época, o discurso que veio a ser chamado, poste-

riormente, “complexo de Édipo” e amplamente utilizado em diversos estudos foi alta-

mente criticado e não aceito em seu tempo. No entanto, por intermédio da mudança

134 Filosofia da Linguagem


de comportamento, pensamento e convicção de outros indivíduos, passaram a aceitar

seu discurso, ao mesmo tempo em que começaram a atribuir “poder” a esse discurso.

Isso porque, de acordo com Foucault, é pelo sujeito que se inicia e se efetiva o discur-

so, assim como suas relações de poder, ou seja, o poder e, por extensão, o discurso

só funcionam no coletivo. As junções de vários indivíduos com um mesmo discurso

dão a esse discurso poder. Portanto, outro fator importante a se destacar é que o

poder, para Foucault, não vem do Estado, mas emerge dos indivíduos da sociedade.

Tem-se, portanto, que esses discursos acabam por moldar o pensamento e o com-

portamento de um povo, sejam de forma consciente ou inconsciente, pois, embora

o poder não tenha sua origem no Estado, e sim nas esferas sociais, são as esferas

sociais com maior representatividade que são capazes de exercer relações de poder

mais efetivas sobre determinadas camadas da sociedade.

É possível pensar, a fim de exemplificar o que dissemos, nos discursos das esferas

políticas, religiosas, educacionais etc. Politicamente, aqui no Brasil, há dois discursos

predominantes – de direita e de esquerda. O discurso do centrismo, por possuir um

“poder” menor, é praticamente reconhecido apenas por aqueles que aceitam esse tipo

de posicionamento. No discurso religioso, há a predominância do cristianismo aqui no

Brasil, sendo, portanto, o discurso dominante. Discursos ateus, umbandistas etc. não

são reconhecidos/aceitos por aqueles que são dominados pelas relações de poder

que os discursos religiosos de instituições socialmente mais reconhecidas proferem –

no caso, atualmente, os discursos católicos e protestantes.

Foucault contrasta repetidamente a “história das ideias” com a “arqueologia”. Essa é

uma forma que ele utiliza para demonstrar que seu método arqueológico é mais efi-

ciente que a “história das ideias”. Tem o anseio de comprovar que não basta apenas

recorrer a documentos que descrevem as coisas, mas que se deve recorrer à própria

coisa, ou, ainda, “não se deve observar a descrição do monumento, mas observar o

Filosofia da Linguagem 135


próprio monumento”. Finalizando, cabe ainda destacar que o analista do discurso,

portanto, é, ao mesmo tempo, “arqueólogo” e “genealogista”, sendo que

A tarefa do analista do discurso é dupla: o arqueólogo do saber localiza e descreve os


discursos como práticas que dispõem as coisas para o saber [...]; e o genealogista do
poder mostra a proveniência, a formação da vontade de verdade que tem produzido dis-
cursos. Entre alguns de seus mais poderosos efeitos, está o de urdir o sujeito como in-
divíduo, alvo e produto de relações de poder e saber. Quer dizer, o genealogista analisa
e critica o modo como a prática relaciona-se com outras práticas, econômicas, sociais,
institucionais, que resultam na produção do sujeito assujeitado ao saber/poder, através
da norma, do exame, enfim, do controle do saber/poder (ARAÚJO, 2004, p. 236).

Saiba mais
Você também pode conhecer um pouco mais sobre como o discurso em Foucault é

capaz de apresentar modelos que explicam a realidade, estudando o que ele denomi-

na de “jogos da verdade”. Você pode ler mais sobre isso em: <http://www.scielo.br/pdf/

physis/v12n2/a07v12n2.pdf>.

Saiba mais
Para Derrida, a realidade, as formas inconscientes e subjacentes que moldam o pen-

samento e o comportamento de um povo se encontram na linguagem. Para ele, a

linguagem deveria ser vista de fora para dentro e de dentro para fora, sendo a des-

construção uma estratégia que auxiliasse na interpretação e no conhecimento da his-

tória das sociedades por meio da averiguação da escritura, que manteve tais registros

(DERRIDA, 1973). Ainda, destacamos que, segundo o autor, “a escritura é política, e

não teórica, sociológica mais do que intelectual” (DERRIDA, 1973, p. 156).

Em sua obra, Gramatologia, Derrida expõe, dentre outras coisas, que a sociedade, o

contrato social se constrói e constrói sua história por meio da linguagem e de acordos

136 Filosofia da Linguagem


linguísticos, por assim dizer. Sendo que o saber que é possível por meio da linguagem

(escritura) confere ainda poder aos que a detém – “[...] a exploração do homem pelo

homem é feito das culturas escreventes [...]” (DERRIDA, 1973, p. 149).

As escrituras proporcionam um “arquivamento social” que traz em si – não apenas por

motivos hierárquicos de saberes, mas também por motivos históricos – relações so-

ciais que implicam “condições sociais de poder”. “Todo arquivo [...] é ao mesmo tempo

instituidor e conservador. Revolucionário e tradicional. Arquivo econômico neste duplo

sentido: guarda, põe em reserva, economiza, mas de modo não natural, isto é, fazen-

do leis ou fazendo respeitar as leis (DERRIDA,1930, p. 17).

A teoria da ação comunicativa


Falar sobre a Teoria da ação comunicativa requer uma breve contextualização. Dentre

tantos avanços e mudanças nos estudos linguístico-filosóficos do século XX, como

sucintamente observamos nas unidades anteriores, vale destacar que essas mudan-

ças não ocorreram isoladas de outros acontecimentos do mundo. Histórica, política e

cientificamente, a humanidade deu grandes saltos, e isso repercutiu fortemente nos

estudos linguísticos.

A virada pragmática, que veio após a virada linguística, implicou em questões que

não mais podiam desconsiderar o uso da linguagem tendo em conta a influência do

contexto e a relação entre os interlocutores.

Saiba mais
Habermas pertenceu à segunda geração da escola de Frankfurt. Para saber mais

sobre sua filiação teórica, sobre o instituto de pesquisa de Frankfurt (local que origi-

nou o termo “Escola de Frankfurt”, que era composto, na verdade, não de um espaço

Filosofia da Linguagem 137


físico, mas de grupo de pensadores do instituto) e, também, sobre o contexto histó-

rico da época, o qual influenciou fortemente essa teoria, acesse o blog “Sociologia

de plantão”, disponível no endereço eletrônico: <http://sociologiadeplantao.blogspot.

com.br/2009/06/filosofia-resumo-9-o-problema-politico.html>.

Saiba mais
Os pensamentos que envolvem a teoria do agir comunicativo são fortemente emba-

sados nas questões relativas à teoria dos atos de fala – de Austin – e no racionalismo

kantiano (como veremos adiante), dentre outras teorias que os perpassa.

Saiba mais
Para compreender esse agir que se dá pela linguagem é necessário compreender o

conceito de atos de fala. Pela perspectiva de um dos precursores dessa teoria, John

Austin, quando pensamos na teoria dos atos de fala, remetemo-nos à célebre frase,

também título de um de seus livros: “Quando dizer é fazer”. A ação de dizer envolve

três atos simultâneos: (i) ato locutório (situado no nível fonético, sintático e de referên-

cia – usado para dizer algo), (ii) ato ilocutório (esse é o ato central, que possui a força

performativa – corresponde ao modo como se diz algo e como esse algo dito é recebi-

do pelo outro de acordo com a força que foi proferido) e (iii) ato perlocutório (equivale

aos resultados obtido sobre o outro por meio da linguagem, objetivando coisas como

influenciar pessoas, persuadir, constranger etc.). O que diferencia um ato do outro é

a força ilocutória (ou ilocucional) – é essa força que faz uma ordem ser uma ordem e

não um pedido (WILSON, 2012). Você também pode ler mais em: <http://vandersonfi-

losofo.blogspot.com.br/2013/03/austin-e-teoria-dos-atos-da-fala.html>.

138 Filosofia da Linguagem


Fala e ação: o agir comunicativo e o agir estratégico
Pensando na questão do agir pela linguagem exposto pelos atos de fala, Habermas

(1990) declara que há formas mais claras e exemplos mais simples para se demons-

trar as diferentes relações existentes entre o agir e o falar, entre a ação e a linguagem.

Dessa forma, ele exemplifica o “agir” por meio de atividades rotineiras, como andar,

correr, falar, comer etc., e o “falar” utilizando, então, os atos de fala, tais como ordens,

confissões, constatações etc. “Em ambos os casos, estamos lidando com “ações” em

sentido amplo” (HABERMAS, 1990, p. 65).

Entretanto, a fim de não misturar as diferenças a serem realçadas a seguir, escolho


de antemão dois modelos diferentes de descrição. Ações em sentido estrito, ou seja,
atividades não-linguísticas do tipo citado como exemplo, são descritos por mim como
atividades orientadas para um fim (Swecktätigkeiten), através das quais um ator (Aktor)
intervém no mundo, a fim de realizar fins propostos, empregando meios adequados.
Eu descrevo os proferimentos linguísticos como através dos quais um falante gostaria
de chegar a um entendimento com outro falante no mundo (HABERMAS, 1990, p. 95).

Esses dois modelos de descrição podem ser, portanto, na perspectiva do agente (1ª

pessoa) ou na perspectiva do observador (3ª pessoa). Quando se está no primeiro

modelo, você é a fonte da ação, por assim dizer, no segundo modelo, você é o espec-

tador, que observa o ator obter seu objetivo por meio de uma atividade orientada ou

como esse ator chega a um consenso sobre algo com alguém.

As descrições de 2ª pessoa também são descrições possíveis por meio de ações

de fala, quando inseridas em situações de cooperação, em situações orientadas

para um fim – “Descrições na 2ª pessoa são sempre possíveis quando se trata de

ações de fala [...] no caso de atividades orientadas para um fim [...] quando intro-

duzidas em contextos cooperativos (“você me entrega (ele entrega) a arma”) (HA-

BERMAS, 1990, p. 65-66).

Filosofia da Linguagem 139


A utilização das pessoas para diferentes perspectivas de descrição referem-se à distin-

ção que Habermas faz entre ação linguística e ação estratégica. Sendo a ação linguística

ações voltada para o entendimento e as ações estratégicas as ações voltadas para um fim.

O agir comunicativo distingue-se, pois, do estratégico, uma vez que a ordenação bem
sucedida da ação não está apoiada na racionalidade teleológica dos planos individuais
de ação, mas na força racionalmente motivadora de atos de entendimento, portanto,
numa racionalidade que se manifesta nas condições requeridas para um acordo obtido
comunicativamente (HABERMAS, 1990, p. 72).

A ação comunicativa possui uma finalidade mais voltada para a socialização/intera-

ção e depende mais da influência de um falante sobre o outro e da situação do que

propriamente de questões linguísticas; enquanto a ação estratégica apresenta um

objetivo mais voltado para a manipulação de informações, a fim de adaptar situações

de modo a obter ações bem-sucedidas, por meio do entendimento linguístico, da força

inscrita na própria linguagem.

Habermas está atribuindo à linguagem uma força social, política e ética, que ele chama
de emancipatória. Em outros termos, sempre que falantes estabelecem diálogos, argu-
mentam, “agem linguisticamente”, suas falas fazem mais do que significar [...]; (referir e
significar, como queria Frege), mais do que seguir uma regra através de um comporta-
mento (ao modo de Wittgenstein II) [...] (ARAÚJO, 2004a, p. 245-246).

Dentro das ações sociais, a linguagem pode ser utilizada de duas formas, conforme

a finalidade pretendida: há o uso instrumental e o uso comunicativo, como veremos

adiante. A Teoria da ação comunicativa de Habermas, além de atribuir à linguagem

ações sociais (a ação comunicativa e a ação estratégica), confere-lhe, também, uma

força social, política e ética.

Habermas não se preocupa com as questões semânticas que preocupavam o I Wit-

tgenstein, por exemplo. Sua preocupação não é mais a preposição apenas, ou sua

140 Filosofia da Linguagem


referenciação, seu valor de verdade, de acordo com representação de coisas no mun-

do real. Habermas se dedica a estudar a linguagem baseado em um conceito de ra-

cionalidade e ética que ele atribui ao discurso.

Com Habermas, o aspecto proposicional da linguagem, quer dizer, a relação linguagem/


estado de coisa, passa a ser integrado no componente mais amplo dos atos de fala, na
linha do pragmatismo [...]. Para Habermas, não há discurso sem fatos objetivadores. Os
atos de fala validados por sua capacidade de objetivar uma situação para um interlocu-
tor fazem parte essencial da ação comunicativa (ARAÚJO, 2004a, p. 245).

Com isso, não se objetiva dizer que Habermas não considere a aspecto proposicional

que observe as situações correntes no mundo. Pelo contrário, o que Habermas faz é

demonstrar que essa relação é objetiva e que a relação linguagem/estado de coisas

possui uma ação interventora, não serve apenas para a comunicação, mas para mo-

tivar fatos/ações no mundo (ARAÚJO, 2004a).

A racionalidade, argumentação e validação do discurso


A teoria da ação comunicativa de Habermas faz parte da sua teoria do discurso, a

qual, por sua vez, é uma teoria do agir comunicativo. “Para Habermas, apenas uma

reflexão acerca do agir comunicativo é capaz de fornecer um esclarecimento das nor-

mas do agir que não recorra a dogmas metafísicos ou religiosos” (DIAS, 2004, p. 51).

A linguagem ocupa, portanto, um papel central, tanto no que tange a coordenar ações

quanto a orientar avaliações éticas. Pela linguagem, é possível legitimar valores pres-

supostos em uma ação comunicativa – verdade, correção normativa e veracidade.

Todavia, essa legitimidade, para ser alcançada, necessita de uma argumentação que

esteja em acordo com os princípios reconhecidos e validados pelo grupo. Habermas

propõe, então, uma forma de ação (uma situação) comunicativa ideal, em que “as

Filosofia da Linguagem 141


pessoas interagem e, através da utilização da linguagem, organizam-se socialmente,

buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna” (GON-

ÇALVES, 1999, p. 133).

Vinculado ao modelo da ação comunicativa, Habermas apresenta a situação linguística


ideal: o discurso. Para Habermas, discurso (Diskurs) refere-se a uma das formas da
comunicação ou da “fala” (Rede), que tem por objetivo fundamentar as pretensões de
validade das opiniões e normas em que se baseia implicitamente a outra forma de co-
municação ou “fala”, que chama de “agir comunicativo” ou “interação”. O discurso – te-
órico ou prático, conforme se refira a pretensões de validade de opiniões ou de normas
sociais (GONÇALVES, 1999, p. 133).

Para que o discurso possa ter validade, ele precisa conter argumentos que fundamen-

tem, que validem o conteúdo comunicado de tal modo que ele seja aceito por aquele

que participa da comunicação, não de forma coercitiva, mas pelo convencimento,

objetivando obter o consenso das opiniões entre os envolvidos no discurso. Essa

argumentação contida no discurso é pensada em duas formas: uma “racional” (aqui

denominada “princípio U”) e outra normativa (“princípio D”).

Podemos, então, observar, em Habermas, dois níveis de argumentação: no primeiro


nível [...], ou seja, o princípio U como um princípio do discurso racional em geral, ou
seja, como expressão das regras da argumentação racional. Garantida a imparcialida-
de moral/argumentativa, o princípio D forneceria o critério para o reconhecimento, ou
ainda, para a fundamentação do valor normativo de um enunciado (DIAS, 2012, p. 23).

Cabe ressaltar, de antemão, que Habermas realiza um deslocamento do conceito

de validez da proposição ou, ainda, de um enunciado. Após passar do nível semân-

tico para o pragmático, ele assevera que tal validez não deve mais ser observada

desligada do processo de comunicação, sendo apenas uma relação objetiva entre

linguagem/mundo. A validade de uma proposição depende, portanto, do reconheci-

mento intersubjetivo entre, no mínimo, dois indivíduos (pois, para haver interação na

142 Filosofia da Linguagem


comunicação, é necessário aquele que fala e aquele que ouve), sendo que os partici-

pantes do discurso reagirão ao conteúdo proposicional, validando-o ou não de acordo

com motivações geradas pela razão (HABERMAS, 1990).

Essa validação objetivada pela razão só será obtida se houver a compreensão e o en-

tendimento necessários entre os falantes, de tal modo que gere o consenso. Pense-

mos em dois falantes assim representados: indivíduo F tenta convencer indivíduo O.

A tomada de posição sim/não, a qual vai decidir se O compreende e aceita a oferta


contida no ato de fala de F. O entendimento visa a formação do consenso. A tentativa
de F, de se entender com O sobre algo no mundo, culmina no consenso que se instaura
entre eles; e este é selado pela aceitação de um ato de fala compreensível. É por isso
que a própria compreensão de uma ação de fala aponta para as condições de consenso
sobre o que foi dito (HABERMAS, 1999, p. 124).

Habermas, portanto, introduz um novo conceito de razão aplicado à comunicação (po-

de-se pensar aqui de modo paralelo com o racionalismo kantiano, o qual influenciou

Habermas, que “reinventa” esse conceito ao aplicá-lo ao discurso). Essa razão a que

Habermas se refere e da qual viemos falando se baseia em argumentos racionais de

valores morais, que, por sua vez, surgem de aspectos/princípios universais.

Habermas retoma o princípio moral apresentado por Kant, mas se dedica a explicitar como

esse princípio deve ser compreendido, a fim de efetivar sua validade por meio do discurso,

uma vez que esse princípio possibilitaria a universalização das formas de agir. E, ainda,

É, portanto, neste contexto que Habermas introduz a análise das interpretações do prin-
cípio de universalização [...] como o princípio de imparcialidade constitutivo de nossos
juízos normativos. A peculiaridade da perspectiva habermasiana consiste em fornecer
uma formulação dialógica do princípio kantiano e em fundamentá-lo como um pressu-
posto das regras que definem a racionalidade da argumentação (DIAS, 2012, p. 22).

Filosofia da Linguagem 143


Tem-se que a racionalidade irá permear o discurso de uma ou de outra forma, pois

ela é a base da argumentação. Ela pressupõe uma condição de fala “ideal”, ao menos

dois interlocutores, e a cooperação acerca do dito - o consenso entre os falantes.

Para entender a ação comunicativa, é preciso sempre lembrar que Habermas reformu-
lou o conceito de racionalidade, no sentido de fundamentar as bases de um agir comu-
nicativo. [...] uma ação é racional se estiver intimamente ligada a uma argumentação. O
agir é racional quando se propõe a resolver conflitos potenciais por meio de argumen-
tações destinadas a outras pessoas na expectativa da busca de algum consenso pos-
sível. Portanto, a ação racional, base de um agir comunicativo, exige pelo menos duas
pessoas se comunicando. Em consequência, os indivíduos envolvidos em uma ação
comunicativa têm de estar dispostos a persuadir ou a se deixar persuadir. Isso exige
algumas comunicações básicas, a primeira das quais é que um acordo seja alcançado
apenas pela força do melhor argumento (PINENT, 2004, p. 04).

Desse modo, para que haja uma racionalização devida na argumentação discursiva,

são necessárias que sejam observadas algumas regras do discurso, as quais funda-

mentam as bases do agir comunicativo e estão ligadas à argumentação.

Tais regras representam os princípios transcendentais-pragmáticos da ética do discurso.


“Transcendentais” no sentido em que sua validade é uma condição de possibilidade
da comunicação. “Pragmáticos” porque não se deixam elucidar meramente a partir das
características sintáticas e semânticas da linguagem. Elas são as regras de uma prática
comunicacional, sem as quais não pode haver a garantia de um discurso racional, capaz
de fundamentar asserções, normas ou direitos. Por exprimirem pressupostos de todo e
qualquer discurso racional serão também chamadas regras da razão comunicativa. Os
princípios da situação de fala ideal fornecem a garantia de que apenas o reconhecimento
do poder coercitivo de “bons argumentos” seja responsável pelo alcance de um acordo
entre opiniões dissonantes. Tais princípios deverão, portanto, impedir que elementos
externos ao discurso possam interferir no curso da argumentação (DIAS, 2012, p. 24).

Essas regras correspondem ao que Habermas (1990) denomina de pretensões de

validade. Elas normatizam o uso linguístico e o discursivo. Interessante citar, ainda,

que tais regras, além de normatizar o uso, dariam validez ao conteúdo proferido. Para

144 Filosofia da Linguagem


Habermas, a filosofia teria essa função de demonstrar não apenas o funcionamento

linguístico, mas também apresentar, de modo conjunto, ideais de justiça e de razão.

Com isso, Habermas atribui ao discurso normas e valores que possibilitarão a validez

do discurso. Essas normas e valores, como já apresentados, são as pretensões de

validade e constituem-se de quatro regras básicas que possibilitariam uma situação

ideal de fala, quais sejam:

1. Pretensão inteligível (deve ser fácil de ser compreendido e ouvido).

2. Pretensão de verdade (o conteúdo proposicional deve ser verdadeiro).

3. Pretensão de sinceridade (as intenções do falante devem ser sinceras).

4. Pretensão da correção normativa (o discurso tem que ser correto de acordo

com os preceitos de normas e valores existentes).

Essas regras garantem uma simetria no discurso, uma condição de igualdade, tor-

nando o discurso “justo” e “racional”, preparando, assim, bases para uma posterior

fundamentação de uma ética discursiva. O sentido de “ético” pode ser pensado aqui

não apenas como regras de conduta, mas também como fundamentos morais, basta

observar o item três.

Uma questão interessante a ser observada é a que diz respeito à pretensão de va-

lidez do enunciado e a validez atribuída a ele. Habermas (1990) distingue entre um

proferimento válido e um proferimento tido como válido, ou seja, uma distinção entre

entender o significado de uma expressão linguística e verificar em que contexto essa

expressão pode ser tida como válida. No entanto, ele também acredita não ser possí-

vel separar questões de significado das questões de validez. Ele chega, portanto, ao

seguinte raciocínio:

Nós não saberíamos o que significa entender o significado de uma expressão linguís-
tica, caso não soubéssemos como nos servir dela, para nos entendermos com alguém
sobre algo. É possível depreender das próprias condições para o entendimento de

Filosofia da Linguagem 145


expressões linguísticas que os atos de fala realizáveis com seu auxílio dependem do
consenso racionalmente motivado sobre o que é dito. Neste sentido, a orientação atra-
vés da possível validade de proferimentos não pertence apenas às condições prag-
máticas do entendimento, mas ao próprio processo de compreensão da linguagem.
Na linguagem, as dimensões do significado e da validez estão ligadas intimamente
(HABERMAS, 1990, p. 146-147).

Tendo em vista, portanto, as condições para o entendimento que visa ao consenso

entre os falantes por meio das expressões linguísticas, tem-se que os atos de fala

realizáveis por meio da linguagem dependem de o conteúdo proferido ser racional de

modo a resultar nesse consenso.

Os atos de fala (constativos, regulativos, e expressivos) são constitutivos para os proces-


sos de entendimento por levantarem pretensões de validades universais e simultâneas,
as quais devem ser satisfeitas e justificadas por meio de razões que possibilitem tomadas
de posições [...]. Quando for bem sucedido, isto é, quando o ouvinte entender o significa-
do do proferimento e aceitar a relação proposta pelo falante, pode-se falar no sucesso do
ato de fala, que mostra sua força ilocucionária ao possibilitar uma relação interpessoal por
meio das pretensões universais de validade (CAVALCANTI, 2001, p. 238-239).

Vimos, anteriormente, a distinção entre ação linguística e ação não linguística, ou,

ainda, ações voltadas para o entendimento e ações voltadas para um fim. Tendo isso

em mente, cabe explicitar que Habermas (1990, p. 67) demonstra que, ao realizar tal

distinção, é necessário observar que o que diferencia o conceito linguístico do não

linguístico, aqui, diz respeito ao “jogo teleológico da linguagem” ou, ainda, à finalidade

da ação, pois, “num nível geral, todas as ações, linguísticas e não linguísticas, podem

ser apreendidas como uma atividade orientada para um fim”.

Desse modo, por meio dos atos de fala, o telos almejado pelos “atores” da ação co-

municativa será sempre perseguir um objetivo; obter sucesso ou produzir resultados

da ação; que resultará em atos locucionários, ilocucionários ou perlocucionários. Para

o filósofo, a interação apenas é possível por meio de atos de fala ilocucionários (que

146 Filosofia da Linguagem


são performativos), os atos de fala locucionários não visam interação, de modo que

Habermas se detém mais fortemente aos atos de fala ilocucionários.

O telos que habita nas estruturas linguísticas força aquele que age comunicativamente
a uma mudança de perspectiva; esta se manifesta na necessidade de passar o enfoque
objetivador daquele que age orientado pelo sucesso, isto é, daquele que quer conseguir
algo no mundo, para o enfoque performativo de um falante que deseja entender-se com
alguém sobre algo (HABERMAS, 1990, p. 130).

Assim, um ato de fala ilocucionário se realiza por meio de proposições performativas.

Essa proposição requer formas gramaticais específicas: para a expressão sujeito, a pri-

meira pessoa; para a expressão objeto, a segunda pessoa. Nessa composição, cria-se,

então, o enfoque de um falante que fala com alguém sobre algo (HABERMAS, 1990).

Esse enfoque performativo do agente que se orienta pelo entendimento pode ser di-
ferenciado conceitualmente pelo enfoque conceituador do agente que se orienta pelo
sucesso, se lançarmos mão dos modos de nos referimos aos mundos, os quais também
admitem dois enfoques: através de nossas ações de fala nós nos referimos, simulta-
neamente, através de tematizações alternantes, a algo no mundo objetivo, subjetivo
e social; teleologicamente nós só podemos intervir no mundo objetivo (HABERMAS,
1990, p. 131 – grifo nosso).

Habermas apresenta essa possibilidade de enfoques diferenciados como resultantes

em tipos de interações distintos, que acabariam por se excluir. Contra isso, ele alega

ter objeções, quais sejam: qualquer tipo de ação de fala pode ser mobilizado estra-

tegicamente, e imperativos simples fora de contextos normativos não expressariam

pretensões de validade e sim de poder – fatos esses tidos por ele como paradoxais.

No entanto, o filósofo destaca que há casos que não se demonstram como estra-

tégicos, os casos “latentemente estratégicos”, que possuem um telos não regulado

convencionalmente, mas que, na verdade, o são, inclusive de modo que o falante leva

até as últimas consequências os fins ilocucionários para atingir sua finalidade. A isso

Filosofia da Linguagem 147


Habermas denomina o uso parasitário da linguagem, que seria um uso não regulado

convencionalmente e com efeitos perlocucionários não público.

Esses efeitos só podem surgir quando o falante não declara ao ouvinte seus fins no
âmbito da comunicação. Assim procede, por exemplo, um orador na ânsia de persuadir
seu público, talvez porque lhe faltem na situação argumentos convincentes. Esses efei-
tos perlocucionários não públicos só podem ser obtidos de modo parasitário, a saber,
sob a condição de que o falante simule a intenção de perseguir sem reservas seus fins
ilocucionários, quando na realidade está ferindo os pressupostos do agir orientado ao
entendimento e ocultando este fato ao ouvinte (HABERMAS, 1990, p. 132).

O uso parasitário da linguagem consiste, portanto, em uma utilização dolosa da lin-

guagem para alcançar uma finalidade. É como se alguém proferisse “amanhã sua mo-

bília estará pronta”, tendo consciência de que isso não irá acontecer, no entanto faz

com que seu interlocutor acredite no que foi dito, para que possa ganhar mais tempo

para a elaboração da mobília.

Quem faz um uso parasitário da linguagem precisa ferir o pressuposto da sinceridade

do agir comunicativo. Para que esse tipo de uso (parasitário) funcione, é necessário que

o ouvinte compreenda que a linguagem está sendo utilizada para fins de entendimento.

Há, também, outro tipo de uso parasitário apresentado por Habermas, esse um pouco

mais diluído. Consiste no “empréstimo” de elementos que possam tornar possível um

ato ilocucionário, orientando para o entendimento uma proposição que, a princípio,

está desprovida de sua pretensão de validez normativa, não sendo também mais per-

ceptível gramaticalmente, por assim dizer – não há na proposição uma função sujeito

e uma função objeto.

A expressão “mãos ao alto!” proferida por um assaltante de banco, que aponta o revol-
ver para o caixa, exigindo a entrega do dinheiro, mostra de modo dramático que as con-
dições de validade normativa foram substituídas por condição de sanção. A dissolução
do fundo normativo mostra-se sintomaticamente na estrutura se-então da ameaça, que

148 Filosofia da Linguagem


no agir estratégico assume o lugar da seriedade e da sinceridade do falante, pressu-
postos no agir comunicativo. Imperativos ou ameaças [...] destituídos de sua validez
normativa não constituem atos ilocucionários, voltados ao entendimento. Eles são para-
sitários na medida em que sua compreensibilidade precisa ser tomada de empréstimo
às condições que tornam possíveis atos ilocucionários (HABERMAS, 1990, p. 134).

Cabe, ainda, nesta seção, como vimos a respeito do enfoque e das formas de nos

referirmos aos mundos, apresentar quais são esses mundos. Para Habermas, há um

mundo objetivo (no qual se efetivam as ações teleológicas), um mundo social (em que

se devem cumprir expectativas de comportamento) e um mundo de vivências pesso-

ais (um mundo subjetivo), os quais apenas podem se inter-relacionar mediados pela

linguagem (ARAÚJO, 2004).

A linguagem é tematizada e os atos de fala auxiliam na produção de sentidos, na

orientação do discurso e na interação, na qual os falantes irão sempre, de algum

modo, dizer algo acerca de alguma coisa. Assim, há um mundo do qual é possível afir-

mações assertivas, um mundo ontológico, mas, da mesma forma que são possíveis

afirmações ontológicas correspondentes a um mundo objetivo, há, ainda, proposições

com outras finalidades, tais como solicitar coisas a outras pessoas ou falar de experi-

ências pessoais, assim, haveria, além do mundo objetivo, o mundo social e o mundo

subjetivo. Nesses outros dois mundos, as proposições seriam assertórias (represen-

tativas) (PINENT, 2004).

Porém, se o mundo para Habermas é, como vimos, a totalidade de entidades passíveis


de afirmações com pretensões de verdade, então se torna necessário estabelecer pre-
tensões de validade e de relações com esses três mundos. Assim, para as assertóricas
são pretensões de verdade sobre um estado das coisas, na crença de um mundo obje-
tivo; para as apelativas, podem ser, ou de validade normativa, numa função regulativa,
na concepção de um mundo social comum, ou de poder, numa função imperativa, numa
relação com o mundo objetivo, no desejo do falante de que um estado das coisas se
realize; e para as expressivas, são de tornar conhecidas as experiências pessoais do
falante, referidas a um mundo subjetivo (PINENT, 2004, p. 02).

Filosofia da Linguagem 149


Observe que, junto à divisão dos três mundos, há, também, uma divisão entre as

ações/intenções do falante, que podem ser assim esquematizadas, conforme Pinent

(2004): uma ação imperativa (na qual ocorrem atos perlocucionários - em que o fa-

lante causa, de alguma forma estratégica um efeito – teleológico – sobre o ouvinte),

e uma ação regulativa (prevalecem atos ilocucionários, em que o falante realiza uma

função – comunicativa – enquanto diz algo).

Em resumo, os atos de fala podem ser vistos segundo pressupostos diferentes: a retidão
ou correção normativa, relacionada ao mundo das ordenações legítimas, através de atos
de fala regulativos (mundo social); pretensão de verdade de enunciados verdadeiros,
cujos pressupostos de existência (estados de coisas ou acontecimentos) estão ajusta-
dos à realidade, de modo que o ouvinte possa assumir e compartilhar o saber do falante,
através de atos de fala constativos (mundo cultural); pretensão de sinceridade, de modo
a expressar sentimentos, opiniões, desejos, de modo que o ouvinte possa confiar na ver-
dade do falante, através de atos de fala expressivos (mundo subjetivo da personalidade).
Em todos eles há uma orientação para o entendimento (ARAÚJO, 2004, p. 258).

Os atos perlocucionários, por sua vez, são orientados para o sucesso, tratando-se de

ações estratégicas e não de ações comunicativas, que visam à coordenação efetiva e

consensual de ações. São esses atos que, quando realizados por meio de ações es-

tratégicas “encobertas”, promovem a manipulação ou o engano proposital do ouvinte

(o uso parasitário da linguagem).

O “mundo da vida” é o mundo no qual se coordenam as interações entre três mun-

dos, por assim dizer, uma vez que um ato de fala comunicativo se ajusta ao mundo

objetivo, social e subjetivo, criando uma cadeia de inter-relações e interações entre

indivíduos e entre os mundos (e suas respectivas representações), criando, assim, o

“mundo da vida”.

“As ações comunicativas, que têm suas raízes nos atos de fala, são o interesse e o

telos do trabalho habermasiano” (PINENT, 2004).

150 Filosofia da Linguagem


A ética discursiva8 e a democratização do consenso
Como vimos na seção anterior, as pretensões de validade do discurso, além de norma-

tizarem e validarem o discurso, proporcionam o surgimento de uma ética discursiva.

Para Habermas (1990), essa ética incorre em dois fatores essenciais: a possibilidade

de uma mesma oportunidade de atos de fala entre os interlocutores, uma vez que

proporciona a ausência de constrangimentos externos, e a obtenção de condições

nas quais apenas a motivação racional pode motivar a conclusão do discurso e não

nenhum fator fora dele (contexto, assimetria entre os falantes etc.).

A existência dessa racionalidade na linguagem possibilita a existência de uma ética

discursiva e permite, também, que sejam examinados todos os pressupostos normati-

vos – as regras apresentadas na seção anterior – do discurso, caso se deseje alcan-

çar um consenso racional.

(1) a fundamentação da ética do Discurso exige [...]:


a indicação de um princípio de universalização que funcione como regra de argumentação;
(2) a identificação de pressupostos pragmáticos da argumentação que sejam inevitá-
veis e tenham conteúdo normativo;
(3) a exposição explícita desse conteúdo normativo, por exemplo, sob a forma de regras
do Discurso; e
(4) a comprovação de que há uma relação de implicação material entre (3) e (1) em
conexão com a ideia de justificação de normas (HABERMAS, 1989, p. 119)

Diante das pretensões de um Discurso, este deve estar devidamente fundamentado

e de acordo com seus princípios éticos. Isso quer dizer que os itens anteriormente

apresentados devem estar subjacentes ao conteúdo discursivo, observando, ainda, o

fato de que “a ética do Discurso privilegia características de juízos morais válidos que

8 Habermas fala em diferentes Discursos conforme o tipo de argumentação, não será possível, no
entanto, aprofundar esse conceito nesta unidade e, embora ele enfatize mais claramente o dis-
curso prático, isso não implica na não existência dos outros. Utilizaremos, portanto, a princípio,
apenas o termo “Discurso” para uma referência generalizada.

Filosofia da Linguagem 151


possam servir como ponto de referência normativos da via de desenvolvimento da

capacidade de juízo moral” (HABERMAS, 1989, p. 1494).

De início (1) quero destacar que a validez deôntica das normas e as pretensões de
validez que erguemos com os atos de fala ligados as normas constituindo aquilo que
uma ética filosófica tem que poder explicar. Ficará claro então (2) que as posições
filosóficas conhecidas, a saber, as teorias definitórias [...], e as teorias não-cogni-
tivistas [...] já deixam escapar os fenômenos que precisam de explicação [...]. Os
fenômenos morais descobrem-se [...] a uma investigação formal pragmática do agir
comunicativo [...]. Deve ficar claro porque a ética filosófica [...] pode assumir sem
mais a figura de uma teoria especial da argumentação. [...] colocarei a questão fun-
damental da teoria moral, a saber, como o princípio da universalização, que é o único
a possibilitar nas questões práticas um acordo comunicativo pode ser, ele mesmo,
fundamentado (HABERMAS, 1989, p. 62-63).

No início da sua apresentação de seu capítulo sobre as “Notas pragmáticas para a

fundamentação de uma ética do discurso”, Habermas apresenta alguns dos pontos

centrais de sua discussão sobre a ética discursiva. Assim, podemos perceber alguns

pontos importantes nessa discussão: o caráter deontológico de sua teoria ética; o as-

pecto favorável a alguns conceitos cognitivistas (uma vez que se apresenta contrário

aos não cognitivistas); a questão formal do discurso; o princípio da universalização,

considerado por ele como o ponto central da teoria moral.

Importante, portanto, apresentar que a ética do Discurso, para Habermas, possui qua-

tro características essenciais: é deontológica (é uma ética do dever e não do prazer);

é cognitivista (pois, como veremos, as normas podem ser racionalmente fundamen-

tadas); é formalista (pois se preocupa apenas com a racionalidade pragmática do

mecanismo de justificação das normas, e não com o conteúdo concreto das normas);

e é universalista (já que as normas fundamentadas no discurso ético têm que ser

universalizáveis, no sentido de serem imparciais e justas, devido aos valores morais).

152 Filosofia da Linguagem


Reflita

Habermas critica incisivamente algumas concepções modernas unilaterais de mundo,

ancoradas em conceitos de razão que reduzem questões morais práticas a resolu-

ções cognitivo-instrumentais, com uma visão de meio e fim por meio da racionalidade

moderna, conduzindo a sociedade a ações emocionais cegas, pela desvalorização

da moral. Para Habermas, a racionalidade apenas pode abordar questões de meio, e

não de fim, utilizando ele uma citação de Horkheimer, da qual reproduzimos apenas

uma parte: “A razão é calculadora. [...] No âmbito da prática, só pode falar de meios,

e não de fins. Sobre os fins, ela tem que se calar” (HORKHEIMER apud HABERMAS,

1989, p. 62). Por isso, as questões morais em Habermas aparecem constantemente.

Retomando a discussão de Strawson sobre sentimentos e reações/atitudes subjetivas

de um indivíduo, mediante a ação de outro sobre ele, de modo a gerar no outro algum

sentimento, Habermas esclarece essa teoria apontando para o fato de como Strawson

consegue demonstrar que os sentimentos e os valores morais estão intimamente liga-

dos. Habermas vai denominar isso, posteriormente, de “intuições morais do cotidiano”.

Neste complexo de atitudes afetivas, passível de ser esclarecido pela análise da lingua-
gem, o que interessa a Strawson inicialmente é o fato de que todas as emoções estão
insertas numa prática quotidiana à qual só temos acesso numa atitude performativa. É
só assim que a rede de sentimentos morais adquire uma certa inevitabilidade: o enga-
jamento que assumimos na medida em que pertencemos ao mundo da vida não é algo
que possamos revogar ao nosso bel-prazer (HABERMAS, 1989, p. 66).

Este seria o primeiro fator essencial para a ética discursiva de Habermas: o caráter

deôntico do discurso. E é universal, uma vez que, conforme Habermas (1990), se as

reações afetivas motivadas pelas atitudes e interações em determinadas situações

não estivessem violando regras de comportamentos generalizados ou normas, elas

Filosofia da Linguagem 153


não teriam valor moral – “É só a pretensão de validez universal que vem conferir a um

interesse, a uma vontade ou a uma norma a dignidade de uma autoridade moral” (HA-

BERMAS, 1989, p. 68). Esse primeiro fator, o deôntico, já nos conduz para o segundo:

o aspecto cognitivista presente no discurso.

Habermas realiza um paralelo entre a teoria de Strawson e Toulmin. Isso porque Toul-

min utiliza “a explicação teórica dos fatos e a justificação moral das maneiras de agir,

entre as bases empíricas da percepção, por um lado, e dos sentimentos, por outro”

(HABERMAS, 1989, p. 71). Para Habermas, (1989, p.71-72), “se “dever fazer algo”

implica em “ter boas razões para fazer algo”, então as questões que se referem à de-

cisão por ações são guiadas por normas ou à escolha das próprias normas de ação,

devem ser passíveis de verdade”. A partir dessas reflexões de que a justificação moral

das ações se relaciona com “bases empíricas de percepção”, Habermas realiza um

direcionamento para o aspecto cognitivista da ética do discurso.

Esses dois fatores essenciais para os princípios éticos – o caráter deontológico e o as-

pecto cognitivo – nos conduzem para o terceiro fator: a questão formal do discurso. A

questão formal do discurso é bastante ampla e, na verdade, corresponde ao conceito

de uma “forma lógica de argumentação moral” (HABERMAS, 1989, p. 78). Com isso,

pretende-se dizer que alegar que a ética do discurso possui um fundamento, um fator

formal, corresponde a dizer que devemos retomar todo o conceito de argumentação

da seção anterior. O fator formal da ética discursiva, portanto, corresponde à argu-

mentação racional, à questão de validez da proposição, aos atos de fala e aos mun-

dos de Habermas, uma vez que estão todos inter-relacionados com a argumentação.

Por fim, o princípio da universalização, que é fundamental para a ética do discurso.

Esse deve observado da seguinte forma:

O princípio moral é compreendido de tal maneira que exclui como inválidas as nor-
mas que não possam encontrar assentimento qualificado de todos os concernidos

154 Filosofia da Linguagem


possíveis. O princípio ponte estabelecedor do consenso, deve, portanto, assegurar,
que somente sejam aceitas como válidas as normas que exprimem uma vontade uni-
versal (HABERMAS, 1989, p. 84).

Observando a crítica de Habermas, apontada no início desta seção, e as questões

cerca de sua ética discursiva, tem-se que, de um lado, a ação no mundo moderno

é coordenada por sistemas que funcionam de acordo com a racionalidade que gera

emoções “desiquilibradas”. De outro lado, as ações sociais são guiadas por normas e

valores comunicativamente estabelecidos e mediados pela linguagem e seus proces-

sos e pelos fins e sentidos socialmente dirigidos. O discurso seria um meio possível

de garantir os direitos básicos, ou seja, a efetuação da justiça, por assim dizer.

Se analisarmos atentamente, veremos que, dos quatros itens necessários para a fun-

damentação do discurso apontados no início da seção, já apresentamos os dois pri-

meiros - a indicação de um princípio de universalização que funcione como regra de

argumentação e a identificação de pressupostos pragmáticos da argumentação que

sejam inevitáveis e tenham conteúdo normativo, considerando o conteúdo e os fato-

res da ética discursivos apresentados até o momento.

Acerca do terceiro item – as regras do discurso –, vale destacar que as regras que

tornam possível o discurso racional, em geral, podem ser caracterizadas com pres-

supostos de três planos do discurso. No primeiro plano, estariam as regras lógico-se-

mânticas; no segundo, os pressupostos pragmáticos; no terceiro, os fatores externos

que evitam coerções. As regras seriam, portanto, as seguintes (enumeradas conforme

o plano ao qual pertencem):

1.1. A nenhum falante é lícito contradizer-se.

1.2. Todo falante que aplicar um predicado F a um objeto “a” tem que estar disposto

a aplicar F a qualquer outro objeto que se assemelhe a “a” sob todos os aspectos

relevantes.

Filosofia da Linguagem 155


1.3. Não é lícito aos diferentes falantes usar a mesma expressão em sentidos diferentes.

2.1. A todo falante só é lícito afirmar aquilo em que ele próprio acredita.

2.2. Quem atacar um enunciado ou norma que não for objeto da discussão tem que

indicar uma razão para isso.

3.1. É lícito a todo sujeito capaz de falar e agir participar de Discursos.

3.2. (a) É lícito a qualquer um problematizar qualquer asserção.

3.2. (b) É lícito a qualquer um introduzir qualquer asserção no Discurso.

3.2. (c) É lícito a qualquer um manifestar suas atitudes, desejos e necessidades.

3.3. Não é lícito impedir falante algum, por uma coerção exercida dentro ou fora do

Discurso, de se valer de seus direitos estabelecidos em 3.1 e 3.2.

Essas regras são pragmáticas, uma vez que se validam na interação e, com isso, ao

mesmo tempo, validam a possibilidade de comunicação. Elas são capazes de funda-

mentar normas e direitos, conforme o tipo de discurso. O que irá diferenciar cada um

é o tipo de argumento e lógica de questionamento de cada discurso (DIAS, 2004). “No

discurso de fundamentação moral, este princípio assume a forma do princípio de uni-

versalização. No discurso de legitimação de direitos, ele assume a forma de princípios

de democracia” (DIAS, 2004, p. 56).

O princípio da democracia da qual resultam os direitos positivos, representa a apli-


cação do princípio do discurso às normas do agir, que tomam parte do sistema legal.
Tais normas erguem pretensão de estarem em consonância com as normas morais.
Porém, enquanto o princípio moral se estende somente às normas do agir, que com
recurso a argumentos morais podem ser justificadas, a validade das normas legais está
baseada não apenas em argumentos morais, mas também pragmáticos e ético-políti-
cos. [...] O princípio de democracia elucida como as demandas racionais podem vir a

156 Filosofia da Linguagem


ser institucionalizadas. Através do processo de implementação dos direitos positivos, é
possível fornecer às exigências morais uma expressão legal (DIAS, 2004, p.56).

Todavia, os direitos positivos vão para além da função de institucionalizar normas mo-

rais; os direitos positivos também possuem finalidade política. Diferenciam-se, dessa

forma, direitos morais de direitos positivos, tanto pela validade quanto pelos seus fins,

estabelecendo a relação entre um e outro, sendo os direitos básicos que tornam pos-

sível a existência de cidadãos “livres e iguais”.

Daí a democratização do consenso, uma vez que o discurso provém da linguagem e

está sempre em busca do consenso entre indivíduos acerca de algo; também, o fato

de esse discurso dever sempre ser democrático, pois deve sempre oferecer a todos

as condições de igualdade, instaurando um universo de sociabilidade e cooperação

mútua por meio da interação linguística.

Filosofia e contemporaneidade: algumas considerações


sobre linguagem, comunicação e interação
Ao longo desta unidade, abordamos questões filosóficas acerca da linguagem. É pos-

sível perceber o papel fundamental da filosofia nesses estudos, até mesmo conside-

rando o fato de a linguística, tal qual a conhecemos hoje, em forma de ciência, ser

bastante recente. Esse fato direciona, de modo quase causal, os estudos da linguagem

para outros estudiosos que não linguistas, pois esses ainda estavam “em formação”,

ao passo que os filósofos já se encontravam mais consolidados no campo dos estudos.

A sociedade humana cresceu e se desenvolveu por meio de artifícios que, direta ou in-

diretamente se utilizaram da linguagem. A linguagem tornou possível a exteriorização

de pensamentos, de ideias, a representação de conceitos e, juntamente com isso, um

grande salto na área dos saberes. Mais do que isso, a linguagem possibilitou ao ser

humano a realização da comunicação.

Filosofia da Linguagem 157


A comunicação pode ser resumida no modo das relações que podem incorrer e/ou

ocasionarem a transmissão de ideias e pensamento entre pessoas, o compartilha-

mento de informações é a “troca linguística entre quem fala e quem ouve”, a qual

podemos considerar que resulta na interação social de indivíduos.

Na interação que é possível apenas por meio da linguagem que se realiza por meio

da comunicação, a presença do outro deve ser sempre considerada (mesmo que esse

outro seja você mesmo – seu “eu interior”). Nessa perspectiva, o contexto comunica-

tivo possui grande influência na interação comunicativa.

A sociedade demonstra papel efetivo nas relações de linguagem, comunicação e inte-

ração que se estabelecem pelo discurso; e o discurso é sempre orientado em função

do outro, objetivando atingir determinado propósito comunicativo, assim como uma

contrapalavra, uma resposta por parte do ouvinte. Ou seja, uma interação.

Podemos dizer que é por meio desse tripé – linguagem, comunicação e interação –,

e tudo mais o que isso envolve (fatores sociais, discursivos etc.), utilizado constante-

mente em diferentes instâncias sociais, que se “(pro) movem o mundo”.

Pré-requisitos para a compreensão da unidade


Prezado(a) aluno(a), para que a compreensão desta unidade ocorra de forma efi-

ciente e efetiva, é necessário dedicação e compromisso. Realize uma leitura atenta

do conteúdo, faça pesquisas nos materiais complementares e, em seguida, faça as

atividades com atenção. Você precisa, ainda, ao final desta unidade, ser capaz de:

1. Definir o que é a teoria da ação comunicativa de Habermas.

2. Apresentar o que significa a linguagem voltada para a ação e a linguagem

voltada para o entendimento.

158 Filosofia da Linguagem


3. Reconhecer as regras do discurso, os fatores do discurso e a ética do discur-

so em Habermas.

4. Distinguir o estruturalismo e o pós-estruturalismo.

5. Perceber a importância de Derrida, na “retomada” das observações da língua

escrita, e de Foucault, para o discurso.

6. Saber como os conceitos de desconstrução funcionam como métodos de

construção do saber.

7. Entender como, por meio da sua teoria discursiva, Foucault demonstra que a

realidade é um construto discursivo social realizado por meio de esferas re-

presentativas da sociedade e disseminado pela própria sociedade. Ainda, que

apenas as relações de poder que se instauram nesses discursos é que são

capazes de validá-los para tanto.

Atividades para compreensão do conteúdo


1) Acerca dos estudos sobre a teoria da ação comunicativa, marque a(s) alter-

nativa(s) correta(s).

a) Os pensamentos que envolvem a teoria do agir comunicativo são forte-

mente embasados nas questões relativas à teoria dos atos de fala (de

Austin e de Searle).

b) Habermas faz distinção entre ação linguística e ação estratégica. Sendo as

ações linguísticas ações voltadas para o entendimento e as ações estratégicas

as ações voltadas para um fim efetivo no mundo real.


c) Diante das pretensões de um Discurso, este não precisa estar necessariamen-

te fundamentado de acordo com princípios éticos. Isso observando o fato de

que a ética do Discurso privilegia características de juízos morais válidos que

possam servir como ponto de referência normativo da via de desenvolvimento

da capacidade de juízo moral, visando uma situação de fala ideal.

Filosofia da Linguagem 159


d) Para que o discurso possa ter validade, ele precisa conter argumentos que

fundamentem, que validem o conteúdo comunicado, de tal modo que ele seja

aceito por aquele que participa da comunicação. Não de forma coercitiva, mas

pelo convencimento, objetivando obter o consenso das opiniões entre os en-

volvidos no discurso.

e) O uso parasitário da linguagem consiste, à priori, em uma utilização dolosa da

linguagem para alcançar uma finalidade.

2) Marque V para as alternativas verdadeiras e F para as alternativas falsas.

( ) A racionalização do discurso é o fator que possibilita que se tenham as preten-

sões de validez discursivas que, por sua vez, equivalem aos três mundos.

( ) A ética do Discurso, para Habermas, possui quatro características essenciais:

é deontológica (é uma ética do dever e não do prazer); é cognitivista (pois as

normas podem ser racionalmente fundamentadas); é formalista (pois se preo-

cupa apenas com a racionalidade pragmática do mecanismo de justificação das

normas e não com o conteúdo concreto das normas); e é universalista (já que

as normas fundamentadas no discurso ético têm que ser universalizáveis, no

sentido de serem imparciais e justas, devido aos valores morais).

( ) O telos discursivo para Habermas está intimamente ligado à ação comuni-

cativa e não à ação estratégica, considerando qual é a ação que possibilita

o telos, ou seja, que se manifesta na necessidade de passar o enfoque ob-

jetivador daquele que age orientado pelo sucesso, isto é, daquele que quer

conseguir algo no mundo.


( ) Para Habermas (1990), a ética incorre em dois fatores essenciais: a possibili-

dade de uma mesma oportunidade de atos de fala entre os interlocutores, uma

160 Filosofia da Linguagem


vez que proporciona a ausência de constrangimentos externos; e a obtenção de

condições nas quais apenas a motivação racional pode motivar a conclusão do

discurso e não nenhum fator fora dele.

( ) O “mundo da vida” é o mundo que se manifesta na necessidade de passar o

enfoque objetivador daquele que age orientado pelo sucesso, isto é, daquele

que quer conseguir algo no mundo.

3) Marque V para verdadeiro e F para falso.

( ) Desde a fundação da sociologia como disciplina, que coincide com o surgi-

mento da filosofia da linguagem, há a preocupação de explicar e estudar as es-

truturas da sociedade moderna urbanizada, burocratizada e industrializada. No

período pós-guerra, o estruturalismo despontou com grande força na sociologia

e em diversas outras ciências, com uma “filosofia geral de vida” que poderia ex-

plicar a dinâmica da sociedade moderna Alternativa do enunciado.


( ) O pós-estruturalismo surgiu a partir de uma diferença de conceitos dentro do

próprio estruturalismo, a partir do qual se acreditava que o mundo não era ape-

nas estruturas.

( ) Sobre o “descontrucionismo”, podemos dizemos que consiste em descontruir

objetos para poder observar sua estrutura, sem qualquer outro tipo de preocupa-

ção em relação a quaisquer processos.


( ) O desconstrutivismo, na verdade, fez parte de um dos vários movimentos que

havia no pós-estruturalismo – como o construtivismo, relativismo etc. – e teve

em Derrida um grande representante. Foucault também compartilhava dos prin-

cípios desconstrutivistas.

Filosofia da Linguagem 161


4) Pensando sobre as reflexões realizadas por Habermas e Foucault acerca do dis-

curso, marque as alternativas corretas:

a) As regras do discurso são pragmáticas, uma vez que se validam na interação

e, com isso, ao mesmo tempo, validam a possibilidade de comunicação. Elas

são capazes de fundamentar normas e direitos, conforme o tipo de discurso do

enunciado, fazendo valer a justiça universal por meio do discurso autoritário.

b) Uma vez que o discurso provém da linguagem, está sempre em busca do con-

senso entre indivíduos acerca de algo e, também, o fato de esse discurso de-

ver sempre ser democrático, pois deve sempre oferecer a todos condições de

igualdade, instaurando um universo de sociabilidade e cooperação mútua por

meio da interação linguística.


c) Para Foucault, as “situações práticas do cotidiano” se constroem discursiva-

mente – para ele, falar é mais que criar uma situação, é criar mundos e possi-

bilidades de mundos.

5) Marque V para verdadeiro e F para falso.

( ) A verdade discursiva para Foucault não é a verdade proposicional dos estudos

filosóficos anteriores, é uma verdade “contextual”, que se dá no momento histó-

rico de uso, assim como nos estudos de Wittgenstein I.


( ) Para Foucault, em cada área de conhecimento do ser humano e para cada

“esfera da sociedade” que engloba essas áreas de conhecimento – esfera polí-

tica, esfera religiosa, esfera acadêmica etc. – há um tipo de discurso – discurso

político, discurso religioso, discurso científico, discurso jurídico, discurso médico.

( ) O enunciado, para ser analisado completamente em si mesmo, deveria se

afastar desses elementos que fazem que o conteúdo do enunciado se dilua com

outros e, assim, analisar apenas o que foi afetivamente enunciado.

162 Filosofia da Linguagem


Artigos, sites e links

Artigos introdutórios

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trutura, fundamentos e implicações do modelo. Veritas, Porto Alegre, v. 58, n. 1, jan./

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ARAÚJO, A. S. A questão do método em Foucault. Revista Educação On-line, PUC

-Rio, n. 12, p. 113-127, 2013. Disponível em: <http://www.maxwell.lambda.ele.pucrio.

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FREITAG, B. Habermas e a teoria da modernidade. Cad. CRH, Salvador, n. 22,

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CRH-2006-326%20(1).pdf

Sites

Consciência Política: Site dedicado à informação e estudos políticos. Disponível em:

<http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-contempor%-

C3%A2nea/escola-de-frankfurt/habermas/>.

FOUCAULT et alii: <http://www.michelfoucault.com.br/>.

Vídeos

Escola de Frankfurt – teoria crítica (esse vídeo realiza uma breve síntese do contex-

to histórico que influenciou os estudos de Habermas na segunda geração da escola

de Frankfurt). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zyIK1T0sYf0&lis-

t=PLEM0V3CphjnJKG5wXUdSblIQk9YHorqlr&index=1>.

Filosofia da Linguagem 163


Jurgen Habermas - Ação comunicativa. Disponível em: <https://www.youtube.com/

watch?v=89Geqn2fM_w>.

Café Filosófico: Pensamentos rebeldes e heranças cruzadas - Elisabeth Roudinesco –

o vídeo aborda questões sobre o estruturalismo e os estudos realizados por Foucault,

Derrida e Deleuze. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Ol5G93G0EVc>.

Livros recomendados
HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Trad. Guido de Almeida.

Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989. Disponível também em: <https://marcosfabio-

nuva.files.wordpress.com/2011/08/consciencia-moral-e-agir-comunicativo.pdf>.

______. Pensamento pós metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. Dis-

ponível em: <http://www.olimon.org/uan/habermas-pensamento-postmetafisico-portu-

gues.pdf>.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7 ed. Rio de

Janeiro: Forense Universitária, 2009.

Filmes recomendados
O doador de memórias

É um filme que mistura um pouco de ficção científica e drama; lançado no final de

2014 sob a direção de Phillip Joyce. Retrata a forma como uma pequena comunidade

vive em um mundo aparentemente ideal. Uma pessoa é encarregada de armazenar

as memórias de quando o mundo ainda não era “ideal”, de forma a poupar os demais

habitantes do sofrimento e guiá-los na vida cotidiana.

164 Filosofia da Linguagem


Praticamente não há ação ou romance em O Doador de Memórias. Esse é um drama

de aspirações filosóficas complexas, levantando a questão do papel do Estado na

sociedade como suposta forma de proteção do indivíduo contra si mesmo – em outras

palavras, um debate sobre as origens do pensamento de um “governo controlador”,

que não se mostra como tal. Obviamente, o filme tem proporções modestas e nunca

se torna um complexo debate de ideias, mas possui o mérito de observar todos os

seus personagens com um curioso respeito: não existem vilões tradicionais aqui, ape-

nas pessoas que tomam decisões questionáveis por acreditarem ser o melhor para a

sociedade. Não é um simples filme adolescente sobre uma sociedade futurística e um

jovem lutando contra o sistema vigente. Além da simples aventura e fantasia, há uma

enorme reflexão sobre a vida, sobre a humanidade e sobre as emoções.

Filme disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=t4NRvomXLDc>.

Admirável Mundo Novo (1998) Legendado

O cientificamente possível é eticamente viável? “Admirável Mundo Novo”, escrito por

Aldous Huxley em 1931, é uma ‘fábula’ futurista, relatando uma sociedade comple-

tamente organizada, sob um sistema científico de castas. Não haveria vontade livre,

abolida pelo condicionamento; a servidão seria aceitável devido a doses regulares de

felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos durante o

sono. Com uma estrutura social estabelecida em todo o planeta e dividida, politica-

mente, em dez regiões. A história conta que, após um terrível período - A Guerra dos

Nove Anos - e de um Grande Colapso Econômico, os homens tiveram que escolher

entre uma Direção Mundial fundamentada em determinados princípios de controle, ou

a destruição da humanidade. A Sociedade descrita é, assim, um Estado Mundial, onde

a guerra foi eliminada, e o principal objetivo dos que a conduzem é impedir, a todo o

custo, que os seus membros causem qualquer perturbação.

Filme disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=4_xVCpFVexE>.

Filosofia da Linguagem 165


A onda

Em uma escola da Alemanha, alunos têm de escolher entre duas disciplinas eletivas,

uma sobre anarquia e a outra sobre autocracia. O professor Rainer Wenger é colocado

para dar aulas sobre autocracia, mesmo sendo contra sua vontade. Após alguns minu-

tos da primeira aula, ele decide, para exemplificar melhor aos alunos, formar um gover-

no fascista dentro da sala de aula. Eles dão o nome de “A Onda” ao movimento e esco-

lhem um uniforme e até mesmo uma saudação. Só que o professor acaba perdendo o

controle da situação e os alunos começam a propagar “A Onda” pela cidade, tornando

o projeto da escola um movimento real. Quando as coisas começam a ficar sérias e

fanáticas demais, Wenger tenta acabar com “A Onda”, mas aí já é tarde demais.

Filme disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=UhdRkIwGW6I>.

Proposta para discussão on-line


Prezado (a) acadêmico (a),

Nesta modalidade de educação (EAD), você possui a vantagem de dispor de total

autonomia em relação aos seus estudos. Cabe a você a administração do tempo di-

ário que dedicará a eles e do local em que os realizará. Acreditamos que, ao fazer a

escolha pelo Ensino a Distância, você a fez por ser uma pessoa disciplinada e com

determinação para alcançar o que deseja.

Como é sabido, o processo de educação a distância não se faz apenas por meio dos

conteúdos teórico das unidades. Sua interação com os outros alunos e com o profes-

sor é essencial! A plataforma de ensino-aprendizagem (Moodle) é o lugar que reser-

vamos para que você compartilhe sua aprendizagem e aproveite para sanar quais-

quer eventuais dúvidas que, porventura, ainda tenha ou, até mesmo, para aprofundar

166 Filosofia da Linguagem


alguma questão. Compartilhe com seus colegas e Professor Tutor as suas conclusões

para enriquecer ainda mais os conhecimentos até agora adquiridos.

A seguir, algumas questões para impulsionar/orientar as suas discussões.

1. Procure articular os movimentos linguísticos do século XX (virada linguística e

virada pragmática), assim como os anteriores à Habermas, procurando com-

preender os movimentos conceituais nos estudos linguísticos e, se possível,

nos históricos e sociológicos, que “abriram caminho” para sua teoria da ação

comunicativa, tornando-a possível.

2. Tente explanar sobre o estruturalismo e por que a denominação de “onda es-

truturalista”, assim como por que surgiu o pós-estruturalismo.


3. Destaque o “lugar” do desconstrucionismo em relação ao estruturalismo e ao

pós-estruturalismo.

4. Debata o conceito de “método” em Derrida e em Foucault, assim como o es-

copo de estudo de cada um desses estudiosos.

5. Discuta sobre os conceitos de discurso em Foucault e como tais conceitos são

capazes de explicar a formação do pensamento coletivo de uma sociedade,

observando as relações de poder, assim como as formas que o discurso dis-

ponibiliza para “explicar/criar” a realidade.

Filosofia da Linguagem 167


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