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UNIVERSIDADE PARANAENSE
MANTENEDORA
Associação Paranaense de Ensino e Cultura – APEC
REITOR
Carlos Eduardo Garcia
Vice-Reitora Executiva
Neiva Pavan Machado Garcia
Vice-Reitor Chanceler
Candido Garcia
ISBN: 978-85-8498-133-5
Assessoria pedagógica
Daniele Silva Marques e Marcia Dias
Diagramação e Capa
Andresa Guilhen Zam, Diego Ricardo Pinaffo, Fernando Truculo Evangelista e Renata Sguissardi
* Material de uso exclusivo da Universidade Paranaense – UNIPAR com todos os direitos da edição a ela reservados.
Sumário
Filosofia da Linguagem
Referências...........................................................................................168
Apresentação
buscando formar profissionais cada vez mais preparados, autônomos, criativos, res-
crática, vem oferecer-lhe o Ensino a Distância, como uma opção dinâmica e acessível
Educação a Distância oferecida por esta universidade, este Guia Didático tem como
objetivo oferecer a você, acadêmico(a), meios para que, através do autoestudo, possa
formação profissional.
atividades propostas pelo professor e pelo tutor mediador, a partir de métodos e práti-
comunicação pessoal entre você e o tutor mediador, que está apto a: esclarecer as
dúvidas que, no decorrer deste estudo, venham a surgir; trocar informações sobre as-
Neste contexto, este Guia Didático foi produzido a partir do esforço coletivo de uma
você se encontra.
O Programa de Educação a Distância adotado pela UNIPAR prioriza a interatividade,
se aproprie do conhecimento.
Recomendo que durante a realização de seu curso, você explore os textos sugeridos
sua aprendizagem.
ao modo como você pode administrar o espaço e o tempo que você tem para seus
estudos. Esta modalidade de ensino lhe permite conciliar suas atividades e compro-
missos diários, sem ter que abrir mão de um ensino de qualidade, seja para obter um
mento teórico e/ou científico, você também estará desenvolvendo ainda mais sua ca-
cançar suas metas. Enfim, estudos sempre envolverão no mínimo estas qualidades
compromisso que você deverá ter nesta nova etapa de sua vida. Para ter sucesso
nestes estudos, é preciso também se dedicar, ter paciência, e saber que seu tutor está
Nesta unidade estaremos refletindo sobre a linguagem como uma questão filosófica.
Será, portanto, uma nova perspectiva de linguagem em relação ao que você costu-
mava estudar. Você poderá, ao mesmo tempo em que desenvolve um olhar crítico e
filosófico acerca da linguagem e seu funcionamento, ter uma visão mais clara do de-
E com certeza, você completará com sucesso, não apenas esta unidade, mas os es-
capaz de:
Para que esses objetivos sejam alcançados, é de extrema importância que você de-
das e os capítulos dos livros didáticos que forem referenciados neste guia.
Bons estudos!
Os estudos Filosóficos da Linguagem
Nesta unidade, os estudos serão direcionados para a Filosofia voltada para as refle-
dos realizados por séculos acerca deste fenômeno tão peculiar e característico do ser
por assim dizer; surgiu em meados do século XIX, início do século XX. Ela surgiu pa-
ralelamente ao surgimento dos estudos lógicos (tanto a lógica quanto disciplina, como
estudos de semântica lógica e/ou formal). A principal motivação que alavancou estes
Percebeu-se então que a relação entre o nome e o objeto não era tal como se cria há
tanto tempo. Para uma boa explanação sobre o conceito do que vem a ser Filosofia da
tivas que envolvem a linguagem, ponderando sobre a razão, o sentido das coisas e
14 Filosofia da Linguagem
Com isso, os estudos que a filosofia da linguagem proporcionou e proporciona são
extremamente relevantes, uma vez que permite ao homem, cada vez mais, se apro-
cerceiam o tão vasto campo da linguagem. São as reflexões realizadas sobre a língua
da razão, e obtendo, desta forma, um conhecimento mais claro e preciso sobre como
suas análises a partir dos formalismos lógicos e suas avaliações acerca dos usos da
considerada como relativamente “nova”, e tida por alguns estudiosos como a parte da
filosofia com maior inconsistência teórica, sendo a mais importante e difícil área da
Assim, cabe ainda esclarecer que, apesar de estes estudos abordarem também ques-
que muitos estudiosos da área da linguagem utilizem tais conceitos para corroborar
seus mais variados estudos, ressalta-se que a filosofia da linguagem envolve, sobre-
Filosofia da Linguagem 15
Origem e problemática da linguagem em sentido filosófico
O questionamento acerca da origem da linguagem é bastante natural. No entanto, o
importante não é saber quando e como se originou a linguagem humana, mas mais
De acordo com Auroux (2009, p.27), “o que se deve compreender não é a história lin-
guística da humanidade, são as condições que fazem com que a humanidade possua
Há um consenso sobre o fato de que foi o filósofo Heráclito quem primeiro recorreu
ve, Platão. No entanto, as reflexões realizadas por Platão e Aristóteles foram as mais
difundidas no ocidente.
Auroux (2009) cita que Platão quem primeiro apresentou os elementos de uma
linguagem humana.
16 Filosofia da Linguagem
O “Teorema de Platão” demonstra que para haver linguagem é necessário que exista
o logos (discurso). O discurso é composto por dois conjuntos de elementos: (i) aquilo
sobre o que se diz (sujeito); e (ii) aquilo que é dito acerca do sujeito (predicado). Essa
definição é feita pensando no Latim, portanto fica caracterizado como sujeito o nome,
por Aristóteles, nos estudos da Lógica (AUROUX, 2009). Pode-se dizer que estes
foram os primeiros estudos que envolviam a sintaxe, considerando o fato de que ob-
Reflita
Tenha sempre em mente que o conceito de logos é essencial para a filosofia da lin-
guagem. De acordo com Auroux (2009), vários filósofos - de Platão a Locke – levaram
conceitos de logos: o logos endiathetos (discurso interior), que uma faculdade huma-
O conceito de sujeito provém da física, em que, de acordo também com estudos onto-
lógicos, torna este ser que ocupa tal posição na proposição, capaz de receber qualida-
era necessário que ele contivesse o valor de verdadeiro ou falso, pois Platão cria que
filósofos gregos, “só existe linguagem ali onde há proposição e asserção, possibilida-
Filosofia da Linguagem 17
As questões do significado e do valor de verdade, são questões que se farão bastan-
tes presentes nesta unidade. “A linguagem e a verdade são concebidas como pos-
suindo uma intimidade profunda, mas não imediata” (SILVA, 2007, p.22).
Segundo Silva (2007, p.21), “a linguagem era uma emanação do mundo que chega-
va ao homem a partir do exterior [...]. Tal concepção, por assim dizer, naturalista, da
linguagem implicava uma co-originalidade das palavras com as coisas que garantia a
Ou seja, uma vez que a fonte do dizer e o dizer eram a mesma coisa, a verdade exis-
tente na linguagem se tornava evidente. Mas não apenas isto, pois Platão também
Platão possuía uma visão naturalista da linguagem e dos significados das palavras,
ou seja, para ele, havia uma ligação direta entre a palavra e a coisa. Assim, para o
filósofo, cada elemento no mundo tem seu nome por natureza, podendo, em alguns
casos, ser convencionada. No entanto, para Platão, o real só pode ser verdadeira-
mente conhecido, obtido, na mente, sem a mediação das palavras, uma vez que a
palavra e a coisa que ela representa possuem uma ligação direta, impedindo-a assim
vras. Aristóteles rompe com esta ligação direta de significado entre a palavra e a
designação do objeto, e que é possível obter a verdade por meio da linguagem. Para
isso implica que seria possível estudar a linguagem para conhecer o real, ainda que
18 Filosofia da Linguagem
Ainda, para Aristóteles, a linguagem não era uma característica exclusivamente hu-
mana, mas pertencente também a outros animais. No entanto, apenas os seres hu-
manos eram capazes de atribuir significado à linguagem, uma vez que a linguagem
E ainda, “Aristóteles diz exatamente isso, ao definir a linguagem como uma ‘phoné
semantike katã syntheexen’: (um som vocal, que possui uma significação conven-
a uma coisa/objeto no mundo, é apenas um som, mesmo emitido por humanos. Por-
conceitos que estivessem na mente do ser humano, sendo estas ideias abstrações
era. A língua era uma característica que envolvia crenças, culturas e modos de ex-
era uma capacidade física de criar uma representação sonora capaz de criar um
da mente do ser humano, e ainda, estabelecer uma comunicação entre dois seres
seu sistema lógico de linguagem, pelo silogismo, como uma tentativa de “arrumar” o
Filosofia da Linguagem 19
pensamento – que, por sua vez, desencadeia o raciocínio1. Silva (2007) explana que
por meio dos silogismos de Aristóteles, a causalidade lógica cria uma representação
mento. Oliveira (1996) apresenta um esquema sucinto que tematiza as quatro ca-
nós conhecidos.
1 Cabe destacar que, para Aristóteles, os raciocínios se dividiam em lógicos e necessários. Um exem-
plo de raciocínio necessário seria um silogismo lógico, como em: “Todo homem é mortal. João é
homem. Logo, João é mortal” – a premissa de que todo homem é mortal é tida como incontestável
por possuir um valor de verdade cientificamente inquestionável, por assim dizer, então, se João for
homem, não há como negar tal premissa. Já o raciocínio preferível se vale do silogismo retórico,
como em: “Todo professor é honesto. Maria é professora. Logo, Maria é honesta” – a premissa de
que todo professor é honesto não se constitui como verdade universal, e sua aceitação depende
dos juízos de valores e crenças do ouvinte (FIORIN, 2015).
2 “Ontologia para Aristóteles, no sentido de ciência primeira, é o estudo das condições de possibilida-
de da comunicação humana” (OLIEIRA, 1996, p.33).
20 Filosofia da Linguagem
Assim, a lógica aristotélica possibilitava abstrair uma estrutura que compreendia ter-
mos e conceitos capazes de representar o mundo, mas a linguagem não era a repro-
dução do real, e sim sua representação, a linguagem era o símbolo3 do real. Esses
quatro itens apresentados esclarecem porque, para Aristóteles, a linguagem não era
Ressaltam-se ainda dois elementos que Aristóteles utilizava para definir a linguagem
tico” – que demonstrava que um mesmo conceito poderia ser representado por dife-
rentes sons entre diferentes povos, assim como estes sons podiam ser representados
por diferentes sinais gráficos. Sobre esses elementos discorrer-se-á mais a frente.
Esta breve explanação realizada até o momento, remonta aos estudos da filosofia
clássica sobre a linguagem. Cabe destacar que com as mudanças dos paradigmas
linguagem enquanto área de estudo mais específica - e que envolve outras áreas
sível apenas por meio da linguagem, e por nenhum outro meio. Como se verá mais
adiante, este conceito será transcendido com uma ruptura que constatará que apenas
3 De modo bastante simples, pode-se dizer que símbolo para Aristóteles compreendia tanto os sons
emitidos pela voz, quanto à escrita que representava os sons (OLIVEIRA, 1996).
Filosofia da Linguagem 21
o sistema lógico de Aristóteles, que não admitia nenhum método empírico como forma
aquisição do saber.
será realizada uma breve explanação sobre alguns dos principais destes conceitos.
(2009) ressalta que a questão entre a representação e o representado é uma das mais
difíceis questões da filosofia. Refletir se os nomes são apropriados aos elementos que
designam é uma das questões fundamentais presentes no Crátilo, de Platão, por exem-
plo. Isso demonstra que a busca pela verdade, ou ao menos pelas possibilidades de
verdade que seriam possíveis obter por meio da linguagem, existem há muito tempo.
Ao romper essa concepção da ligação direta entre a palavra e a coisa, Aristóteles de-
relação entre ser e linguagem. Foi o que ficou conhecido como a teoria da significação
22 Filosofia da Linguagem
do real, no entanto, deixou claro que o símbolo não era o signo. O signo era designa-
tureza das coisas; e que os estudos das ideias nada revelavam sobre a verdadeira
natureza das coisas, uma vez que a realidade das ideias independia das representa-
Contrariamente a isso, Aristóteles defendia que um signo era um som falado signifi-
cante por convenção. Para ele, portanto, os signos eram marcas escritas, eram sím-
bolos de sons falados, e os sons falados eram signos e símbolos de impressões men-
tais; sendo que as impressões mentais eram cópias das coisas; e estas impressões
surgia da convencionalidade.
Ao dizer, dizia-se algo a respeito de alguma coisa. Nesse processo de dizer por meio
Filosofia da Linguagem 23
Assim, a significação, o significado e o próprio significante eram mobilizados por meio
da linguagem para que houvesse uma representação do real. Havia ainda uma unida-
de de reflexão entre coisa, conceito e palavra (símbolo). Dessa forma, podia-se conce-
ber que o significante dizia respeito à coisa no mundo real, o significado dizia respeito
na teoria saussureana, por exemplo; até porque, para Aristóteles, a palavra (símbolo)
não era o mesmo que signo. Para Aristóteles, o símbolo não podia ocupar o lugar da
coisa, mas podia exprimir tanto ligação quanto distância, ou ainda, conforme Oliveira
(1996, p.29) “o símbolo é, ao mesmo tempo, mais e menos do que signo: menos na
Auroux (2009, p.33) diz que “a arbitrariedade, de acordo com Aristóteles, esta-
ser algo universal e comum, caracterizou-se como arbitrário, pois em seu meio
Saiba mais
Aristóteles não se aprofundou muito nas questões de arbitrariedade. Assim, na histó-
ria do arbitrário linguístico há dois momentos que merecem ser citados, contudo não
24 Filosofia da Linguagem
durante o Iluminismo, resultando na oposição entre natureza e cultura, e o segundo,
A questão da significação por convenção se tornou crucial para garantir que uma pa-
Se as palavras são significativas por convenção, o que nos garante que tal palavra con-
serve a unidade de significação? Uma convenção universal? Pode ser, mas como expli-
car esse acordo, pois normalmente o que é convencional só é universal acidentalmente.
Para a comunicação ser possível, é necessário pressupor um fundamento objetivo. Ora,
essa unidade objetiva que fundamenta a unidade de significação das palavras recebe em
Aristóteles o nome de essência (ousia) ou aquilo que é (tó ti est) (OLIVEIRA, 1996, p.31).
da unidade do sentido, ou seja, uma significação una. Por exemplo, o que garantia à
palavra mãe uma significação una era o que fazia uma mãe ser mãe. Resumindo, as
Dessa forma, os estudos sobre a linguagem realizados por Aristóteles recaíam sobre
o fato de que era a unidade do que era a coisa que determinava seu significado, o que
Com isso, tem-se que, para Aristóteles, não era a linguagem que possibilitava aos homens
uma compreensão mútua, mas também o fato de já existir entre eles o conhecimento das
coisas que, por sua vez, possibilitava atribuir sentido à palavra ouvida (OLIVEIRA, 1996).
Cabe destacar uma breve questão levantada por Aristóteles entre a linguagem e a
Filosofia da Linguagem 25
Entre os diferentes modos da palavra – pedir, perguntar, ordenar, desejar, etc. -, Aris-
tóteles dá preferência à proposição, diríamos, à sentença declarativa, modo específico
da linguagem científica. O discurso, em geral, é significante não somente em si mesmo,
mas em cada uma de suas partes, quer se trate de nomes (ónoma) ou de verbos (réma)
(OLIVEIRA, 1996, p.30).
amor, entre outras. Estas categorias seriam assim distribuídas na proposição: a ca-
Desse modo, em uma proposição como “Maria está deitada”, ficava clara esta repre-
do “está deitada”. Todavia, nem todos os exemplos se demonstraram tão claros assim,
Por exemplo, ao utilizar a proposição “Meu mundo está acabado”, haveria a categoria
termo “mundo” for interpretado como um conceito, que não remeteria à coisa “mundo”,
propriamente dita, tem-se uma extensão de sentido que altera o significado da propo-
sição. Em suma, “mundo”, pode adquirir dois sentidos diferentes que alterariam todo
o sentido da proposição.
Pode-se dizer que, de certa forma, o significado surge de acordo com o conhecimento
26 Filosofia da Linguagem
Em outras palavras, significado implicado escolha.
No início desta unidade foi dito que os filósofos gregos que primeiro realizaram os estu-
dos sobre o significado, portanto, a explanação realizada se torna relevante para uma
compreensão melhor dos estudos atuais. Em suma, o que foi apresentado até o mo-
mento trata-se de uma breve síntese do que podemos denominar “teoria clássica do
coisa que representa – por exemplo, a proposição “a mesa é de madeira”, “mesa” cor-
uma perspectiva um pouco diferente, a qual foi iniciada com os estudos de Frege.
ção dos estudos da filosofia da linguagem, considerando que o respaldo dos estudos
alterar seu significante. Por exemplo, ao dizer a palavra “carro”, as diversas imagens
cada indivíduo – pois carro pode ser veículo de quatro rodas, movidos à tração mo-
tora; no entanto, esse conceito apenas não é suficiente para delimitar se quando eu
O significado, portanto, pode ser lexical, como no exemplo do carro; pode se estender
Filosofia da Linguagem 27
ser situacional, pois há casos em que um enunciado pode delinear o significado da
também o significado gramatical, fonético, fonológico, morfológico, dos quais não se-
D’alva”, ou ainda “Planeta Vênus”, está sendo utilizado vários nomes para um
mesmo referente.
side quando não se consegue identificar o referente. Por exemplo, ao dizer “o ator
Antônio de Carvalho Barbosa costuma ter ótimas atuações” – muitos podem ter difi-
Barbosa”. O que não aconteceria se fosse dito “o ator Tony Ramos costuma ter ótimas
performances” – pois, para muitos, o referente “Tony ramos” é conhecido, e com isso
para poder significar, elas precisam ter também um sentido, um significado – que seria
o conteúdo mental que eu associo ao referente. Assim, apesar das diferentes informa-
Frege também excluiu todo “personagem fictício”, como “Papai Noel”, sendo que,
neste caso, esta palavra teria apenas sentido e nenhum referente, e esta foi um dos
pontos falhos em sua teoria – Russel irá discordar de Frege, como veremos adiante.
28 Filosofia da Linguagem
Continuando na teoria fregeana, por exemplo, na frase “João ama Maria” ou “João
ama uma mulher”, tem-se que “Maria” e “uma mulher” representam um mesmo refe-
rente no mundo: um ser humano do sexo feminino. Quando se é possível realizar esta
trocássemos “uma mulher” por “Pedro”. Para Frege então, o significado está imbrica-
estudos sobre polissemia, sinonímia, antonímia etc. No entanto, alguns autores con-
sideram esta teoria um pouco limitada pelo fato de excluir palavras que não têm refe-
rência no mundo real, e por não conseguir resolver o problema de não poder atribuir
A partir destes estudos foi possível inserir nos estudos filosóficos da linguagem, por
da predicação e do significado dos nomes (que, por sua vez, resultavam, ou não, em
-, pois na Idade Média não era considerado a suposição, mas a partir deste período,
significado e suposição passam a ser vinculados, dando também um salto nos estu-
dos semânticos (AUROUX, 2009). “Filosoficamente, isso equivale a dizer que para
Filosofia da Linguagem 29
Saiba mais
sar” – que ficou conhecida como a gramática (ou leis) de Port-Royal. Ela surgiu devido
veriam ser regidas, todas, pelas mesmas leis, sendo, dessa forma, possível elaborar
uma gramática comum a todas as línguas. Essa gramática foi considerada “o auge”
da orientação dos estudos lógicos, embora tenha havido estudos similares anteriores,
e suas ideias foram aceitas e difundidas até o início do século XVII. Posteriormente,
seu valor de verdade, suas condições de verdade. E como isso seria possível?
Aristóteles e Platão já discutiam sobre isso. Para a Platão era impossível obter a ver-
dade por meio da linguagem, mas para Aristóteles não. Para Aristóteles, as proposi-
ções já eram suscetíveis de serem verdadeiras ou falsas, sendo que a verdade residia
Na filosofia da linguagem não se muda esta essência de raciocínio, por assim dizer. O
30 Filosofia da Linguagem
palavras e as coisas. Neste caso, em um enunciado completo, em uma oração, o sen-
tido é obtido pelo contexto, pela soma das condições de verdade de cada elemento.
Por exemplo, ao dizer “o cachorro é um ser que late”, o conjunto me dá uma condição
de verdade para o enunciado, o contrário seria em “o cachorro é um ser que voa”. Ora,
Saiba mais
Aqui entra outra importante função dos estudos filosóficos da linguagem. A questão
esperamos que estes critérios tenham ficado claros por meio da explanação da cons-
tão da impossibilidade das línguas universais tenha sido também subentendida pelo
fato da gramática filosófica de Port-Royal não ter obtido sucesso até os dias de hoje.
Há vários estudos não apenas na filosofia, mas também na linguística sobre a questão
Filosofia da Linguagem 31
Espera-se que com esta sucinta explanação você se sinta motivado a se aprofundar
nestes estudos!
notação e conotação.
Gregório (2008) ressalta que estes conceitos esclarecendo que tais conceitos são as
duas principais dimensões das sentenças e dos símbolos linguísticos. Sendo que de-
ou atributos dos objetos a que determinado termo se aplica. O autor explica dizendo
que a palavra “homem”, por exemplo, denota todos os seres que são designados
pelo referido termo. Mas a mesma expressão conota “animal racional”, “bípede sem
As palavras possibilitam mais que a expressão do significado daquilo que o ser huma-
no pensa, elas permitem também que aqueles que delas se utilizam possam também
expressar sua visão de mundo acerca de coisas das quais representa verbalmente.
O posicionamento do indivíduo em relação àquilo que fala, por meio das escolhas de
determinadas palavras, é o que torna isso possível. Por exemplo, ao se referir a um de-
terminado tipo de alimento, a pessoa pode dizer “estava bom” ou “estava ótimo”. Bom
e ótimo pertencem a um mesmo campo semântico que indicam que algo é positivo,
agradável, no entanto, percebe-se que para quem utilizou o termo “ótimo”, provavel-
mente o alimento lhe agradou mais do que para aquele que simplesmente disse “bom”.
Este exemplo serve minimamente, para de uma forma até um tanto quanto simplista,
mântico mais amplo que o simples conceito que a palavra por si só apresenta. Assim,
32 Filosofia da Linguagem
embora a citação de Gregório (2008) seja bastante esclarecedora, cabe ressaltar este
Essa conotação pode ser também relativa a questões de caráter moral, por exem-
plo, utiliza-se uma frase como “pessoa de mão leve”, indicando “ladrão”, ou ainda, a
própria palavra como, aquele “brinquinho”, que pode ter um valor pejorativo etc. Há
conotativamente uma palavra ou um enunciado, sem que o falante tivesse uma in-
tenção conotativa, ou até mesmo, em alguns casos, as palavras podem revelar co-
(METZELTIN; CANDEIAS, 1982). Em suma, a conotação inclui, por assim dizer, uma
Já a denotação possui uma relação mais direta entre a palavra, o conceito, o signifi-
por meio de traços (não mais de campos) semânticos que ao mesmo tempo em que
criam determinados grupos de coisas, os distinguem entre si, dentro do próprio grupo.
dos mamíferos, dos quadrúpedes e não dos bípedes, por meio de traços distintivos.
Cabe aqui, no entanto, apresentar uma ressalva apresentada por Russel na sua Te-
Filosofia da Linguagem 33
referenciação, contrapondo-se à teoria fregeana conhecida como “Puzzle de Frege”.
Silva (2003) apresenta de forma clara e concisa tal teoria, e destaca que:
Pretende-se esclarecer com isso que, para Russel, denotar e referir não consiste na
mesma coisa, ao passo que para Frege pode-se dizer, superficialmente, que denotar
direto com o objeto, estamos ao mesmo tempo denotando. Assim, para Russel é pos-
sível referenciar uma entidade fictícia, como “Papai Noel”, o que não seria possível em
A primeira coisa que cabe destacar é que, como já vimos, a linguagem é universal,
34 Filosofia da Linguagem
sócio-histórico. Para os estudos da Lógica, enunciar quer dizer produzir um discurso
por meio da enunciação. Para isso, toda enunciação pressupõe um destinatário, e por
esse motivo é sempre necessário que se instaure uma pessoa discursiva para que se
um sujeito que ouve (tu), e o conteúdo do que se fala, que se encontra fora do discur-
A enunciação envolve, evidentemente, todo o processo de dizer, e o que é dito não se res-
tringe ao conjunto de palavras utilizadas, mas o que se pretende que estas palavras signi-
fiquem. Isso faz com que a língua se torne algo vivo, dinâmico, que se molda no processo
As palavras ganham novos usos, novos sentidos, e as palavras são partes essenciais
da língua. A língua possui, por assim dizer, um caráter que lhe é próprio. E este cará-
ter é relacionado com o vocabulário que a compõe, e este vocabulário diz respeito às
palavras que formam o léxico disponível de cada língua, e ainda, as palavras são ”um
ram passando por mudanças. Como já apresentado no início desta unidade, Platão
fazia uma associação direta entre as palavras e as coisas. Foi o que ficou conhecido
Nessa concepção, muito bem explicitada na obra do filósofo, intitulada “Crátilo”, ha-
via uma disputa entre o naturalismo – no qual as coisas têm o nome que tem por
Filosofia da Linguagem 35
natureza; e o convencionalismo - em que a significação é fruto da convenção e do uso
mais fortemente na relação natural e direta entre a palavra e a coisa. Platão chegou
a um ponto tão extremo em que cria que era possível conhecer as coisas sem os
nomes, pois os nomes poderiam ser falsos, e dessa forma, obter a verdade por meio
dos nomes seria impossível. Assim, a verdade apenas era possível por intermédio do
pensamento (OLIVEIRA, 1996). Ou seja, nessa relação direta entre a coisa e o nome,
mação fornecida pelo nome, ou, pela linguagem. Daí a crença de que a verdade real
As palavras esvaziam-se tanto mais quanto melhor quiserem cumprir o seu papel; a
presença da coisa é a contrapartida da ausência radical que constitui a natureza da
palavra. Nomear não é simplesmente substituir coisas por palavras: é muito mais fazer
constantemente a coisa substituir-se subtilmente a esse som vazio em que consiste o
nome. Esta irredutibilidade na relação entre palavras e coisas, esta intimidade da coisa
na palavra, acarreta a redução da linguagem (MESQUITA, 1997, p.87).
cos da linguagem. É ali que se inicia a questão de que o nome não pode ser capaz de re-
presentar verdadeiramente as coisas no mundo real. Apesar de haver uma sutil tentativa
de conciliar uma relação direta e natural entre nome e coisa, com certo convencionalismo
em relação à nomeação das coisas, o fato de Platão assumir que pela linguagem é im-
possível atingir a verdade, demonstra que seu posicionamento tende a uma observação
da relação mais direta – naturalista – entre nome e coisa. E esta é a questão fundamental
da obra: qual é a relação entre nome e coisa? – embora o diálogo não chegue a uma
Aristóteles, por meio dos seus estudos sobre a linguagem, assim como da Lógica, e
das diferentes funções da linguagem humana; rompe explicitamente com esta teoria
36 Filosofia da Linguagem
de uma relação direta entre palavra e coisa, por meio da sua teoria da significação. A
pergunta passaria então a ser: qual é a relação entre nome, significado e coisa?
Para Aristóteles, a linguagem era a representação do real, com isso, inclui-se a ques-
Segundo esse critério, um termo ou uma proposição somente será verdadeiro(a) quan-
do fizer referência à realidade, ou seja, o significado de um nome seria simplesmente
aquilo que denota. Portanto, a função de um termo ou proposição seria apenas reme-
morativa, de forma tal que, quando pronunciado(a) ou escrito(a), nos traria necessaria-
mente à mente a imagem (ideia) do objeto referido. Dessa forma, uma proposição ou
termo deveria ser formado a partir da abstração das características essenciais de um
objeto. Tal processo seria mediado pelos sentidos. A rigor, tal concepção se assenta em
um realismo natural, originário do pensamento aristotélico (SOARES, 2013, p.76).
Assim, tem início uma corrente de estudos denominada Realismo. Alguns estudiosos
unidade, nesta seção daremos um espaço maior para uma das correntes que mais se
(isso não implica dizer que não houve outras linhas e correntes de estudos que tam-
linguagem, inclusive o fato de que o saber só era possível por meio da linguagem. No
entanto, com os estudos dos Filósofos Medievais percebeu-se que era possível tam-
bém criar fatos da realidade e imagens mentais a partir de atividades empíricas, com
referência definida. Com isso, determinou-se que os sentidos físicos também eram
Filosofia da Linguagem 37
Em meio a um fervilhar de pensamentos e reflexões no decorrer da Idade Média, de-
senvolve-se então, de forma até mesmo extremista, por assim dizer, duas correntes
O realismo aristotélico passou por alterações durante a Idade Média, e ganhou uma
“versão atualizada” na baixa Idade Média, com os estudos de São Tomás. E nesse
caso, houve certa influência do Cristianismo, uma vez que havia a preocupação de
tos que existiam apenas em forma de conceitos, não possuíam um referente individu-
Ora, para Tomás, então, os homens seriam compostos de forma (alma) e matéria
(corpo), esta última seria o que tornaria o homem algo individual no mundo real, e
ao se unir com a forma (elemento que torna possível uma existência também fora do
mundo real) torna possível a existência do indivíduo. Estes dois elementos (matéria
Em suma, todos os homens eram formados pela mesma composição de forma e ma-
téria. Ora, podemos pensar na matéria enquanto o corpo, sendo que para São Tomás,
a natureza, a essência dos corpos dos homens eram a mesma, e o que os tornavam
forma e a da matéria. Conforme São Tomás, portanto, a única coisa que distinguia a
matéria era sua posição no espaço (a posição física do seu corpo, por assim dizer).
Contrariamente à São Tomás, Duns Scotus acreditava que entre a matéria havia di-
38 Filosofia da Linguagem
concorrentes numa mesma res realizam a distinção formal ou, melhor, a não-identidade
formal, anterior a qualquer consideração por parte da inteligência (por exemplo, entre o
ser e os transcendentais convertíveis: um é verdadeiro e bom4; entre a alma e as suas
potências e estas entre si) (FREITAS, 2004, p.06 – tradução nossa).
Saiba mais
João Duns Scotus - ou Doutor Sutil; pertencia à ordem Franciscana, e fazia parte da
tradição escolástica cristã medieval; entre outros grandes filósofos religiosos como
Santo Agostinho, Alexandre de Hales, entre outros. Saiba mais em: <http://www.luso-
sofia.net/textos/costa_freits_manuel_barbosa_joao_duns_escoto.pdf>.
lidades presentes na tese de São Tomás. Ela faz isso partindo basicamente de
matéria (o corpo), sem racionalidade (sem sua essência, que no caso aqui seria
das essências. Ou como afirma Duns, o problema está em se colocar como algo
Filosofia da Linguagem 39
Assim, ao falar sobre o primeiro princípio, aborda então, entre outras questões, o que
fica conhecido como o princípio da individuação, que pode ser assim resumido:
todo o ser finito é composto de uma natureza comum (natura communis) indiferente,
de si mesma, tanto à universalidade como à singularidade, e de um princípio positivo
de individuação que, obrigando-a a sair da sua indiferença, a constitui esta ou aquela
realidade. Este princípio não é a matéria, mas uma entidade positiva (haecceitas) que
se vem juntar à natureza comum como última determinação (formalidade e realidade5)
(FREITAS, 2004, p.07 – tradução nossa).
Ou seja, todo indivíduo é formado por essência comum a todos, a qual possui uma
individualidade que o faz sair do coletivo. Assim, embora o indivíduo seja “univer-
sal”, ele também é singular. Esta essência, este princípio, não é a matéria, mas as
entre os indivíduos.
teressante então seria a formação do conceito acerca das coisas, fossem elas ge-
néricas ou individuais, abstratas ou não. Uma vez obtido o conceito, ele poderia ser
uma característica geral que é utilizada para designar um grupo de indivíduos, mas o
40 Filosofia da Linguagem
A partir do desenvolvimento da lógica e da filosofia medieval, alguns pensadores, entre
os quais Roscelino (1050-1120), Pedro Abelardo (1079-1142) e Guilherme de Ockham
(1285-1349), alinhados ao realismo crítico, desenvolveram uma corrente denominada
Nominalismo (SOARES, 2013, p.78).
determinar a significação de uma palavra ou uma proposição. Isso porque nem todo
o sentido de uma coisa do mundo real poderia apenas ser abstraído, pelo contrário,
Ou ainda, havia coisas que eram nomeadas de forma genérica, como beleza, nação,
nestes casos, estas palavras se limitam a serem apenas nomes (por isso nominalis-
mo), tendo existência real apenas objetos e seres individuais, que não fossem nomea-
vez que há uma forte negação acerca das entidades abstratas e suas nomeações.
qualidades individuais e; (ii) não é preciso postular entidades reais sem necessidade.
Tem-se, suscintamente que, na Idade Média “coexistiram” por certo tempo os Realis-
tas (para quem os universais existem como forma do real); os Conceitualistas (para
os quais os universais não passam de abstrações da nossa mente e que não perten-
individual e concreto. Já para os nominalistas, não poderia existir nada que não fosse
Filosofia da Linguagem 41
representado por uma referência individual, ou então que permanecesse na mente do
indivíduo – não era possível a existência de uma coisa no mundo real que fosse abs-
trata ou genérica, e, por consequência, não seria possível sua nomeação – os nomes
Apesar da breve explanação, o que precisa ficar claro são os principais conceitos de
2. Ter ciência de que a filosofia já realizava estudos sobre a linguagem, mas que a
qual surgiu na virada do século XIX para o XX, devido a indagações que foram
de Frege não foi unânime, Russel discordou, e até hoje há essa incompatibili-
42 Filosofia da Linguagem
Atividades para compreensão do conteúdo
1) Tendo em mente o conteúdo da seção 01 desta unidade “Os estudos filosóficos da lin-
da linguagem.
do pensamento.
do mundo real.
significado.
Filosofia da Linguagem 43
3) Marque V para verdadeiro, e F para falso:
denotação
( ) A denotação possui uma relação mais direta entre a palavra, seu conceito, seu
corretas:
a) Platão fazia uma associação direta entre as palavras e as coisas. Foi o que
44 Filosofia da Linguagem
c) Para os __________, apenas a referenciação não era o suficiente para de-
todo o sentido de uma coisa do mundo real poderia apenas ser abstraído, pelo
recursos empíricos.
www.fflch.usp.br/df/opessoa/TCFC3-06b-Loux-12.pdf>.
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BRAIDA, C. R. Filosofia e Linguagem. Florianópolis: Rocca Brayde, 2013. Veja uma
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Editores, 1976.
Filosofia da Linguagem 45
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volveu conceitos, e inclusive dúvidas sobre o tema. Não se preocupe, tudo isso era
46 Filosofia da Linguagem
esperado! É sinal de que realmente você se dedicou e se interessou pelo conteúdo.
dúvidas que porventura ainda tenha, ou até mesmo para aprofundar alguma ques-
tão. Compartilhe com seus colegas e Professor Tutor as suas conclusões para en-
Filosofia da Linguagem 47
UNIDADE II: MARXISMO, ESTRUTURALISMO
E FILOSOFIA DA LINGUAGEM
capaz de:
Para alcançar estes objetivos de modo satisfatório é necessário que você dedique
tempo aos seus estudos, realizando-os com seriedade e dedicação. Isso inclui efetuar
todas as leituras e atividades recomendadas, assim como sua participação efetiva nas
discussões on-line.
Bons estudos!
Filosofia da Linguagem 49
ESTRUTURALISMO: SAUSSURE E O MÉTODO ESTRUTURALISTA
Da mesma forma que muitos outros ramos da Ciência moderna, encontra também
a linguística suas origens nas especulações filosóficas dos antigos gregos. Já no
século IV a.C., o filósofo Platão levantou uma das questões básicas da linguagem:
há alguma ligação necessária entre as palavras que usamos e as coisas que elas
designam? Embora tudo indique que Platão acreditasse na existência de tal liga-
ção, seu mais brilhante aluno, Aristóteles, sustentou um ponto de vista diferente: a
ligação entre a forma e o significado de uma palavra é questão de convenção e de
acordo tácito entre os falantes de uma língua. Esse é o ponto de Vista aceito hoje
em dia (MOULTON, 1972, p.16).
Embora a capacidade da linguagem pareça algo tão natural e simples para os seres
humanos, foi possível perceber, já nos estudos da primeira unidade, que na verdade,
litar a expressão de ideias e pensamentos – não é, na verdade, algo tão simples. Toda
por exemplo, a questão do sentido e referência, por exemplo. Para além disso, toda
Não seria possível apontar uma perspectiva teórica que abrangesse todo o estrutura-
lismo, mesmo se fosse esclarecido que se trata do estruturalismo nos estudos linguís-
ticos. Isso porque, como em diversas áreas científicas, não existe uma orientação una
Por isso, cabe esclarecer que um pensamento em comum entre o estruturalismo lin-
todo coerente. Por se notar essa estrutura no sistema linguístico, que surgiu o nome
50 Filosofia da Linguagem
linguística moderna, que tem como marco inaugural a publicação da obra “Curso de
no título desta unidade, é que o Estruturalismo que será aqui abordado, trata-se do
Estruturalismo Saussureano.
Ao falarmos sobre o Estruturalismo de Saussure, temos que ter em mente que Saus-
sure era um filósofo e linguista francês que representa um marco nos estudos lin-
2008, p.32). Em suma, pode-se dizer que a análise estruturalista de linguagem era
uma análise da língua pela língua, considerando-se também o fato de que, embora
Saussure não negue a existência do sujeito que fala, ele não se atém a estes estudos.
Câmara (1975) explica que os primeiros estudos de Saussure, e cerne de suas pes-
linguagem era vista como um sistema de signos, e a capacidade humana de lidar com
tal sistema. Dessa forma, a linguística, por ser uma forma extremamente elaborada
de estudo do uso dos signos, não deveria ser vista, como era por muitos na época,
como uma parte da Semiologia, mas deveria ser autônoma, como uma ciência que
devido a sua natureza simbólica, a língua lhe parecia como uma entidade abstrata,
resultante da relação que uma comunidade estabelecia entre os complexos de sons
vocais e os outros conceitos. De acordo com este ponto de vista, a língua nada mais é
que um sistema de relações (CÂMARA, 1975, p.106).
Pensando em sistema de relações, tem-se que a linguagem não seria mais vista como
Filosofia da Linguagem 51
Partindo desta ideia, Saussure atribui ao signo linguístico um caráter arbitrário e dico-
uma forma fonética (que seria o significante) relaciona-se ao significado (que seria
RA, 1975). Chama-se a atenção para uma utilização linguística aqui realizada, que é
quando se diz que “ao signo linguístico um caráter arbitrário e dicotômico que envolve
oposição ao conceito (significado), mas uma concomitância entre eles, sendo estes
Saiba mais
Acerca da dicotomia do signo, cabe um exemplo bastante
Saussure (2002) definiu semiologia como “um sistema de signos totalmente inde-
pendente daquilo que o dispôs e tal como existe no espírito dos falantes” (p.43). Em
seus estudos, ele reúne três domínios semióticos distintos existentes: (i) domínio não
linguístico do pensamento puro, ou sem signo vocal e fora do signo vocal; (ii) domínio
linguístico do signo vocal; e (iii) domínio linguístico do som puro (fora de qualquer
relação com o pensamento). A partir destes conceitos, ele explica que, tal como são
52 Filosofia da Linguagem
apresentados, se tornam ineficazes, devido à inexatidão presente em cada um. Ele
aponta então que a linguística considera signo, portanto, o elemento que engloba to-
rificação dos usos dos signos na sociedade (ou, pelos humanos); criasse uma
nova perspectiva do que constitui o signo, tal como pode ser mais bem compreen-
dido pelo que ficou conhecido como “triângulo da semiótica”, que reúne, no signo,
os domínios semiológicos
Filosofia da Linguagem 53
Saiba mais
Tal triângulo não foi, ao contrário do que muitos pensam, uma criação ou uma exclusi-
râneos a ele – como Ogden e Richards, Eco, Pierce, Ullman etc. - já faziam uso desta
Sobre o caráter arbitrário do signo, citado há pouco, é preciso esclarecer que: ser arbi-
trário, neste caso, significa ser não motivado. Ou seja, não existe nenhuma motivação
ceitos e utilizações do termo “arbitrário”. A noção de valor também é valiosa para a com-
preensão do signo e do conceito de língua. Saussure esclarece que: “qualquer que for a
sua natureza mais particular, a língua, como os outros tipos de signos, é, antes de tudo,
mais, para Saussure, na língua, uma coisa só tem valor em oposição à outra. Lembre-
mo-nos do famoso exemplo do jogo de xadrez, que tão bem esclarece o funcionamento
Saussure, para exemplificar sua teoria, utiliza como exemplo o ato de jogar xadrez. O
mover uma peça no tabuleiro, você realiza o primeiro movimento, de uma sequência
deles, que estarão inseridos em um sistema de regras: as regras do jogo. Você esco-
lhe uma peça em detrimento de outra, e ao realizar uma escolha, você está colocando
em oposição os valores das peças – a sua escolha foi motivada pelo valor que a peça
54 Filosofia da Linguagem
deixou claro que a pesquisa linguística seria sobre “as regras do jogo” (o sistema lin-
regras linguísticas, em que realizamos escolhas que são possíveis devido ao valor
que cada termo possui de acordo com aquilo que pretendo comunicar. Aqui cabe apre-
que seria o signo linguístico como possuidor de uma natureza opositiva. E como bem
ainda, a oposição de unidades menores de elementos. Neste último caso, vale citar
p.62). Por exemplo, faca nos remete ao conceito de objeto cortante devido ao sentido
Filosofia da Linguagem 55
Nos estudos de Saussure há várias dicotomias. O termo dicotomia indica a divisão
lógica de um conceito em dois, criando assim um par opositivo que permite observar
a dualidade dos conceitos que ele apresenta. Um aspecto importante desta teoria, e
que se imbrica, de certa forma, às dicotomias; é o fato de que não há objeto linguístico
objeto. Ou ainda, como bem apresentou Saussure (2004, p.23), “é preciso dizer: pri-
um fato de linguagem”.
nível do item lexical e do sintagma. Saussure não analisava o lado social da linguagem
(no sentido interacional), embora não negasse sua existência (MARCUSCHI, 2008).
lado social – a língua – e um lado individual – a fala. Essa questão da linguagem foi
tinha afirmado com tanta força a separação entre a dimensão individual da linguagem
uma mesma sociedade, não cabendo a um indivíduo modificá-la sozinha, a língua seria,
por assim dizer, coletiva. Já a fala é individual, e o falante a realiza por meio de um ato
ticas, por meio da mobilização da língua. Com isso, a língua se torna critério essencial
para a fala, uma vez que o falante necessita desse “conteúdo mental”, desse “histórico”
nha autonomia para escolher como usar esse “conteúdo linguístico” (COSTA, 2012).
56 Filosofia da Linguagem
Observando as “oposições” saussureanas, seria cabível dizer, portanto, que a língua
se opõe a fala, pois ela é social, ao passo que esta última é individual; a língua é sis-
em determinada língua, pois mesmo havendo diferentes falas, há o uso da mesma lín-
gua. Para Saussure, a língua é um conjunto organizado de elementos que estão uns
função dos demais elementos do conjunto. Essa dicotomia, para Saussure, é bastante
pertinente, pois permite que os fatos da língua sejam estudados separados dos da
Uma vez que os elementos linguísticos se definem em relação aos outros, e assim
definem também sua função, Saussure estabelece dois eixos para “alocar” esses ele-
cada eixo, por meio das setas, os elementos riscados são uma ilustração de possíveis
elementos que não foram escolhidos, e o resultado fora dos eixos seria o material
Filosofia da Linguagem 57
Figura 2: Ilustração do funcionamento dos eixos de relações sintagmáticas e paradigmáticas
Essas relações ocorrem também em outros níveis linguísticos, como o dos sons, o dos
mesmo tempo, ele destaca que “seja qual for a sua natureza mais particular, a língua,
que estabelece seu lugar no fenômeno” (SAUSSURE, 2002, p.250, grifos nossos). Res-
saltando, sempre, que o valor que se forma nos signos deste sistema não provém nem
valor estabelece suas bases no meio e na força social, portanto, naquilo que é coletivo.
guístico, constata que a língua passa, ocasionalmente, por mudanças, sejam de na-
58 Filosofia da Linguagem
sucessividade), e que seria impossível analisar um valor, ou um sistema de valores,
dade (em que é possível desconsiderar o fator tempo); têm-se os estudos sincrônicos
nia e a sincronia. E ainda, o fato de a língua ser social, associada a seus estudos em
Nos estudos Diacrônicos, as análises partem de um ponto de vista que opõem estes estu-
dos aos estudos Sincrônicos, predominando uma análise que prioriza a mudança linguísti-
a língua é um sistema em que um elemento se define por meio dos demais elementos.
Ressalta-se ainda que Saussure não apenas acrescentou o ponto de vista sincrô-
mas ele redefiniu o conceito de diacronia, que passou a ser compreendida não ape-
nas como uma linha de sucessão temporal, mas como uma sucessão de diferentes
Filosofia da Linguagem 59
Saiba mais
signos regido por regras que lhe atribuem uma estrutura. Esse sistema e essas regras
não são regidos por um indivíduo, mas é algo coletivo, como coletiva é a linguagem,
constitui em oposição a outro, mas sobretudo, aponta para o fato de que, é necessário
Exaurir tal tema nesta unidade seria humanamente impossível, mas espera-se que
re, que há diferentes linhas estruturalistas, e que estes estudos são embasados nos
estudos filosóficos que já existiam sobre a linguagem. Outro ponto a esclarecer, caso
não deve ser pensada como algo que é dividido em dois, mas sim um par de conceitos
que devem ser definidos um em relação ao outro, de modo que um só faz sentido em
60 Filosofia da Linguagem
Linguagem e ideologia – uma abordagem marxista
O ser humano se apresenta essencialmente simbólico e político. Toda nossa representação
e atuação no mundo e para o mundo se dá nesses âmbitos. A própria palavra representa-
ção já diz muita coisa. Nós representamos o mundo, é sempre um jogo de interações, de
conflitos. [...] No jogo das representações do homem no mundo e do mundo no homem a
linguagem ocupa a melhor posição de intermediação possível. Mas, e por causa, dessa po-
sição, a linguagem não opera uma intermediação neutra, assim como, não é neutro o mundo
dos homens. A cultura, a simbologia e, principalmente, toda a carga ideológica presente na
sociedade humana se inscrevem na linguagem (FILARDI, 2005, pp.59 e 60, grifos do autor).
dos, isso incorre dizer que, pela linguagem construímos imagens representativas da-
quilo que somos, ou, ao menos, do que nós queremos fazer crer que somos, inserindo
era formada por um conjunto de signos e a capacidade humana de lidar com estes signos,
sendo o valor atribuído a eles, algo advindo do coletivo social. E mais, a linguagem con-
a língua é algo social, e a fala é individual – de onde é possível apreender que a língua,
portanto, era objetiva e compartilhada, ao passo que a fala era subjetiva e individual.
vista como algo polarizado em coletivo e individual, mas trata-se de um conceito dia-
de interação – com o outro ou comigo mesmo; e a língua é uma forma de ação social.
mos a estrutura social da qual fazemos parte; assim, utilizar a língua envolve esco-
lhas, que de alguma forma, nunca poderão ser totalmente neutras, pois de uma forma
ou de outra, pela minha fala, eu irei demonstrar minhas crenças e minha cultura.
Filosofia da Linguagem 61
Os questionamentos e os estudos apresentados até momento têm envolvido apenas
questões que visam observar de que forma, ou até que ponto a linguagem representa
to, ou ainda, como um sistema bem estruturado e regido por regras etc. No entanto,
até que ponto as ideologias influenciam a linguagem, ou será que a linguagem que
questões, criando um novo conceito de linguagem. Para isso, ele questiona, sobretu-
Bakhtin coloca, em primeiro lugar, a questão dos dados reais da linguística, da natureza
real dos fatos da língua. A língua é, como para Saussure, um fato social, cuja existência
se funda nas necessidades de comunicação. Mas, ao contrário da linguística unificante de
Saussure e de seus herdeiros, que faz da língua um objeto abstrato ideal, que se consagra
a ela como sistema sincrônico homogêneo e rejeita suas manifestações (a fala) individu-
ais, Bakhtin, por sua vez, valoriza justamente a fala, a enunciação, e afirma sua natureza
social, não individual: a fala está indissoluvelmente ligada às condições da comunicação,
que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais (YAGUELLO, 2004, p.14).
critérios definidores do discurso que será proferido por meio do uso da língua. Assim,
tor) são questionadas por Bakhtin. Mais do que isso, Bakhtin aponta também que
refletidas na língua.
62 Filosofia da Linguagem
Saiba mais
Aqui se faz necessário apresentar um conceito muito utilizado por Bakhtin em toda
sua teoria: refletir e refratar. Ao longo de sua obra, o filósofo usa essa expressão com
bastante frequência (tanto para falar do ser humano, quanto para se referir ao signo
e à palavra), pois, de acordo com suas reflexões, o ser humano está em constante
(o signo, a palavra, o discurso etc.) retrata uma realidade do mundo – absorve, traz
para seu interior e assimila; ao mesmo tempo em que reflete tal realidade – espelha,
ção verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas das línguas, nem
no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 2004, p.124, grifos do autor). O que
A fala para Bakhtin está sempre em processo de evolução ininterrupto, o qual ocorre
por meio da interação verbal social dos interlocutores; possui leis de evolução linguís-
tica que são essencialmente leis sociológicas, e a estrutura da enunciação é uma es-
pensador russo demonstra em suas obras como a enunciação e o discurso são sem-
pre voltados para o outro e mantém relação com a sociedade na qual estão inseridos.
Aquilo que será dito, sempre observará o contexto social que envolve o dizer, as po-
sições sociais dos envolvidos no discurso, “na realidade, toda palavra comporta duas
Filosofia da Linguagem 63
faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato
de que se dirige para alguém” (BAKHTIN, 2004, p.113, grifos do autor). Daí o fato de
Saiba mais
Em sua obra Marxismo e a filosofia da Linguagem, Bakhtin utiliza bastante os
equivale a discurso.
signos que é formado socialmente, desde o momento de seu nascimento, esse “estoque”
lhe permite o ato fisiológico da fala, que uma vez proferida realiza a enunciação – ou seja,
a partir do momento em que se “extrai o signo” desse “estoque” e o “lança” para o outro;
a enunciação seria este processo que envolve a mobilização dos signos na mente e dos
so (palavra). E, para Bakhtin, todo este conjunto - desde a aquisição dos signos e seus
Ainda, para Bakhtin, uma vez que o discurso se orienta em função do interlocutor,
ele irá variar tal qual como o interlocutor também varia. Desse modo, o locutor usará
interlocutor é do mesmo grupo social ou não, se possui laços sociais mais estreitos
64 Filosofia da Linguagem
(familiares) ou não, se é alguém com posição hierárquica a do locutor (um chefe, por
exemplo) ou não etc. (BAKHTIN, 2004). Por isso a afirmação sempre presente em
Saiba mais
Bakhtin diferencia, basicamente, três tipos de interlocutores, dos quais citaremos dois
por serem relevantes para esta unidade: o interlocutor real (comum) e virtual (quando
cial compartilhado com o grupo ao qual pertenço. Esse horizonte social “determina a
Para Bakhtin, o discurso, além de ser um lugar de interação, no qual a língua se manifes-
classes, de lutas ideológicas. Para ele, “a palavra é o fenômeno ideológico por natureza
[...]. A palavra é o modo mais puro e sensível de relação social” (BAKHTIN, 2004, p.36).
Aqui cabe uma ressalva importante sobre o aspecto dialético que a linguagem adquire
em Bakhtin, que atribui à língua um aspecto quase metalinguístico, por assim dizer.
Até então, a linguagem era utilizada para questões dialéticas em diversas outras áre-
linguagem”. Mais do que isso, ele apresenta como a resolução de algumas questões
Filosofia da Linguagem 65
acerca da (filosofia da) linguagem, em sua época, possibilita uma compreensão mais
Saiba mais
Dialética aqui deve ser compreendida não apenas no sentido estrito do termo, visto
seja, já é uma concepção de dialética em Marx, e não mais como em Hegel, ou seja,
já não é mais uma dialética baseada em termos contraditórios. Ou ainda, melhor seria
demonstrando que, para que a relação destes dois fenômenos sociais não se apre-
como um elo social, sendo isso que tornaria a questão da infraestrutura e superestru-
Assim, para Bakhtin, as relações sociais, se analisadas fora do processo real de co-
ria, portanto, sua ligação com o real, uma vez que é o discurso que reflete as mais
tênues mudanças sociais, é a palavra, enquanto signo ideológico, por possuir uma
66 Filosofia da Linguagem
característica “onipresente” que é capaz de se inserir, e representar, as mais diferen-
Essa dialética observada na linguagem, nos estudos de Bakhtin, pode ser observada
no, como vimos, ou ainda, interna ao signo. Bakhtin entende que “o ser, refletido no
signo, não apenas nele se reflete, mas também se refrata” (BAKHTIN, 2004, p.46).
Assim, esse elo que a linguagem realiza entre a observação das classes sociais (infra-
signo linguístico, o qual se constitui ele mesmo uma “arena de luta de classes”.
esfera social, isso implica dizer que ele possui valor social. Possui um valor social para
aqueles que o utilizam. Embora as classes sociais possam ser diferentes, a língua de
que dispõem é a mesma. Isso faz com que a linguagem (o signo) adquira também um
valor de contradição, que ele seja bivalente. Dizer que um signo é bivalente equivale
a dizer que ele apresenta índices sociais de valor, que serão condizíveis com a classe
que o utiliza. É isso que faz com que o signo ideológico seja vivo e dinâmico, e, con-
sequente, a língua.
Na realidade, todo signo ideológico vivo tem, como Jano, duas faces. Toda crítica pode
tornar-se elogio, toda verdade viva não pode deixar de parecer para alguns a maior das
mentiras. Esta dialética interna do signo não se revela inteiramente a não ser nas épocas
de crise social e de comoção revolucionária. Nas condições habituais da vida social, esta
contradição oculta em todo signo ideológico não se mostra à descoberta porque, na ideo-
logia dominante estabelecida, o signo ideológico é sempre um pouco reacionário e tente,
por assim dizer, estabilizar o estágio anterior da dialética da evolução social e valorizar a
verdade de ontem como sendo válida hoje em dia (BAKHTIN, 2004, p.47, grifos do autor).
Uma observação muito oportuna há de ser feita no que tange a questão de ideologia.
Embora Bakhtin apresente que o signo é ideológico, ele também demonstra que há
Filosofia da Linguagem 67
a possibilidade de expressões verbais, ou seja, por meio de signo, que não são ide-
ológicas. Como pensarmos sobre isto? Há uma questão fundamental para Bakhtin:
orientação social do indivíduo. Bakhtin usa o exemplo da fome, para exemplificar essa
questão – o sujeito pode tomar consciência de que está com fome, exteriorizar isto
verbalmente, e, no entanto, esta manifestação verbal de que está com fome pode não
todos passam fome, mas não se manifestam, haverá uma consciência de resignação
em relação à fome que será compartilhada por todos os membros da sociedade, que
víduos não compactuam com a situação da fome, e partilham do mesmo sistema eco-
nômico, e/ou são materialmente ligados devido à sua classe (e que tenham noção que
fará com que todos compactuem do mesmo pensamento não resignado. Para Bakh-
tin, são nestes casos em que a ideologia se torna mais nítida na atividade mental.
Assim, o discurso interior que advém de toda tomada de consciência, pode gerar
Com isso, chega-se a outro conceito valioso para Bakhtin: não é o pensamento que
faz surgir a ideologia, mas sim a ideologia que origina o pensamento. Entendo o pen-
samento como o discurso interior, uma vez que todo pensamento envolve a tomada
68 Filosofia da Linguagem
Para Bakhtin (2004, p.117), “o pensamento não existe fora de sua expressão po-
plificados anteriormente.
No entanto, para este filósofo, mesmo a atividade mental interior individual, é forma-
da pelo coletivo por meio da interação social. E tanto a consciência coletiva de uma
sociedade que possui uma consciência coletiva individual – pois não compartilham do
mesmo sistema -, quanto à consciência coletiva de uma sociedade, que possui uma
Assim, a personalidade que se exprime, apreendida, por assim dizer, do interior, reve-
la-se um produto total da inter-relação social. A atividade mental do sujeito constitui, da
mesma forma que a expressão exterior, um território social. Em consequência, todo o iti-
nerário que leva da atividade mental (o “conteúdo a exprimir”) à sua objetivação externa
(a “enunciação”) situa-se completamente em território social. [...] Enquanto a consciência
permanece fechada na cabeça do ser consciente, com uma expressão embrionária de
discurso interior, o seu estado é apenas de esboço [...] (BAKHTIN, 2004, pp.117-118).
socialmente. Assim, a atividade mental realiza uma atividade reversível, ela é criada
organizador de toda enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está
Filosofia da Linguagem 69
duas formas: a ideologia que se refere aos sistemas ideológicos constituídos (religião,
moral etc.) e a ideologia do cotidiano (que consiste tanto no discurso interior quanto
A ideologia do cotidiano, para Bakhtin, possui níveis mais baixos (que estariam mais
próximos da infraestrutura) e vão, gradativamente, até níveis mais altos (que man-
fluenciando-a, fazendo com que ela assimile os sistemas ideológicos por meio da
Assim, Bakhtin cria seu “método sociológico” de análise da linguagem, com bases
e, ainda, a língua não pode ser compreendida fora do seu sistema de conteúdos e
do indivíduo ao mesmo tempo em que moldam a enunciação, a qual possui uma es-
70 Filosofia da Linguagem
Saiba mais
era observada estritamente por meio de uma análise linguística abstrata, como visto
Bakhtin considera, para tanto, os fenômenos sociais, a situação social que dá origem
à linguagem. Ora, é o contexto extra verbal, que, como já visto nesta seção; quesito
Por meio do que foi visto até o momento acerca dos estudos bakhtinianos, é possí-
falante imprime ao que diz, produz no ouvinte uma atitude responsiva (uma resposta)
que o falante imprimiu ao que disse, e assim, as crenças e ideologias vão, dialógica e
siva. Assim, por ser o indivíduo um ser possuidor de opiniões de naturezas diversas, o
O enunciado nunca é apenas um reflexo, uma expressão de algo já existente fora dele,
dado e acabado. Ele sempre cria algo que não existia antes dele, absolutamente novo e
singular, e que ainda por cima tem relação com o valor (com a verdade, com a bondade,
com a beleza, etc.). Contudo, alguma coisa criada é sempre criada a partir de algo dado
(a linguagem, o fenômeno observado da realidade, um sentimento vivenciado, o próprio
sujeito falante, o acabado em sua visão de mundo, etc.). Todo o dado se transforma em
criado (BAKHTIN, 2011, p.327).
Filosofia da Linguagem 71
Dessa forma, os enunciados nos transmitem elementos que são dados por meio da
linguagem, os quais “criam” coisas no mundo por meio de relações de sentido. O sen-
presentes, o conhecimento de mundo que cada um possui, tudo isso influencia direta-
entre tema e significação. Tema seria o sistema de signos, que se adapta sincroni-
atribuir ao tema um sentido, e por isso, significação e tema não existem um sem o
Saiba mais
Para compreender melhor a referência feita a Marr (Nicolai Yakovlevitch Marr) na
Bakhtin, por meio de seus estudos filosóficos, foi capaz de trazer para a arena de
estudos linguísticos questões aparentemente óbvias, mas que até então não haviam
72 Filosofia da Linguagem
sido ditas, ou, ao menos, não reconhecidas – como no caso de Saussure; a priori a
relações por meio da linguagem, entre outras questões abordadas por Bakhtin e que
envolvem a linguagem, eram latentes, no entanto, não havia ainda nenhuma reflexão
Essa questão é muito complexa e interessante (por exemplo, em que medida se pode
falar do sujeito da linguagem [...]).
Embora se reconheça que sem os estudos da língua seria impossível avançar nos
estudos da linguagem, Bakhtin toma como objeto de seus estudos aquilo que Saus-
sure excluiu dos seus. Para Bakhtin, só é possível compreender a linguagem em seu
uso social. Sendo que a língua não é neutra, mas contém uma carga ideológica que
pode variar, mas sempre existirá. E com isso, os aspectos sociais forjam o indivíduo
e seu pensamento, ao passo que este indivíduo, fazendo uso da língua, torna-a viva
as duas seções que a compõem, de modo a perceber como estas teorias se rela-
desejável que seja possível uma relação destas teorias com os estudos realizados na
Filosofia da Linguagem 73
linguagem desde os estudos clássicos sobre a língua, até os mais relevantes realiza-
divergentes.
bém as diferenças de classes, tendo, inclusive, como base para sua filosofia da
74 Filosofia da Linguagem
Saussure. Já para Bakhtin a língua e a fala operam de forma conjunta, a fala
às relações sociais.
para o outro.
e) A metáfora de Juno, com suas duas faces, aparece nas duas teorias, no en-
expresso pela linguagem) - dizer que um signo é bivalente, equivale a dizer que
ele apresenta índices sociais de valor que serão condizíveis com a classe que
ma. Ou seja, era uma análise da língua pela língua, e ainda, embora Saussure não
negasse a existência do sujeito que fala, ele não se atém a estes estudos.
( ) Nos estudos Diacrônicos, as análises partem de um ponto de vista que opõem
estes estudos aos estudos Sincrônicos, predominando uma análise que prioriza
Filosofia da Linguagem 75
( ) Para exemplificar o sistema de regras e valores do sistema linguístico, demons-
a outros signos, fato que deve ser observado no próprio sistema linguístico, e
deria sua ligação com o real, uma vez que é o discurso que reflete as mais
76 Filosofia da Linguagem
tênues mudanças sociais. Do mesmo modo, uma análise da linguagem que não
observa suas relações sociais faria com que tal análise se tornasse ineficiente.
samento do indivíduo, o qual irá por meio da linguagem exteriorizar este pen-
a outro, pois Saussure não realiza estudos fora do sistema interno da língua.
funda nesta questão, esclarecendo que o valor do signo não pode ser obtido de
outra forma que não seu uso socialmente instituído e contextualizado, uso que
Filosofia da Linguagem 77
b) A fala para Bakhtin está sempre em processo de evolução ininterrupto, o qual
ocorre por meio da interação verbal social dos interlocutores; possui leis de
evolução linguística que são essencialmente leis. Para Saussure, a fala é indi-
dade, pois ambas demonstram que o sentido possui uma relação direta com o
na. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, n. 34, pp.181-
ileel.ufu.br/anaisdosilel/wp-content/uploads/2014/04/silel2009_gt_lg07_artigo_5.pdf>.
ads/55584-227122-1-SM.pdf>.
Sites
br/2011/04/dialetica-hegeliana.html>.
78 Filosofia da Linguagem
Recanto das Letras. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/
teorialiteraria/850866>.
Vídeos
watch?v=IJMByQS0oQc>.
watch?v=9LA-8nzO9XE>.
Livros recomendados
CARDOSO, D. A dialética nos escritos do círculo de Bakhtin. 2013. 123. Tese -
bitstream/10923/6777/1/000460553-Texto%2bCompleto-0.pdf>.
______. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
lavra própria e palavra outra na sintaxe da enunciação. São Carlos: Pedro e João
Editores, 2011.
Filosofia da Linguagem 79
Filmes recomendados
Janelas da Alma
cegueira total, falam como se veem, como veem os outros e como percebem o mun-
do. O escritor e prêmio Nobel José Saramago, o músico Hermeto Paschoal, o cine-
Oliver Sacks, a atriz Marieta Severo, o vereador cego Arnaldo Godoy, entre outros,
bém a importância das emoções como elemento transformador da realidade se é que
Na Educação a Distância, você pode administrar seu tempo e espaço de estudo para
habilidades para esta modalidade de ensino, temos três sugestões que são impres-
por meio de “conteúdos”, portanto, saiba que sua atuação em termos de interação
80 Filosofia da Linguagem
(Moodle) é o lugar ideal para que você possa compartilhar sua aprendizagem, desen-
volvê-la e aproveitar para sanar quaisquer dúvidas que porventura ainda tenha, ou até
mesmo para aprofundar alguma questão. Compartilhe com seus colegas e Professor
Tutor as suas conclusões para enriquecer ainda mais os conhecimentos até agora
de Saussure?
a filosofia Bakhtiniana?
fenômenos da linguagem?
Filosofia da Linguagem 81
UNIDADE III: Wittgenstein e os
infinitos jogos de linguagem
“virada linguística”.
Esperamos que você tenha mais do que motivação em estudar e que sinta prazer em
adquirir conhecimento!
Bons estudos!
Filosofia da Linguagem 83
Wittgenstein e sua filosofia da linguagem no século XX
Nas unidades anteriores, realizamos um percurso pelos caminhos trilhados pelos
suscintamente sua “passagem” pela (e após) a idade média, até chegar aos estudos
semânticos e lógicos do final do século XIX e início do século XX, momento em que
âmbito. Nesse momento dos estudos, espera-se que você já tenha percebido uma
pergunta central que permeia as unidades anteriores e estará presente também nes-
Nos estudos clássicos, percebe-se uma tentativa de resposta partindo desde a refle-
Pensando, então, na trajetória já a partir dos estudos mais recentes, que envolvem a
Isso não implica dizer que essas etapas ocorreram linearmente no tempo histórico,
clusivamente para os signos, demonstrando que sua significação era, dentre outras
um, vimos como os estudos sobre denotação e conotação, sobretudo com Frege, se
84 Filosofia da Linguagem
a linguagem adquire sentido e deixa de ser vista apenas como “forma de designar o
guagem e sentido sempre estão em foco, mais que isso, questões sobre a linguagem
linguagem uma capacidade exclusiva de atribuir juízos verdadeiros, mas não neces-
Reflita
Fato importante desses estudos foi a questão da polarização das proposições em
positivo e negativo, subvertendo a lógica aristotélica ao que diz respeito sobre a as-
serção. Para Wittgenstein, uma proposição não poderia ser assertiva e verdadeira
em si mesma, pois a asserção (a atribuição de juízos) era considerada por ele algo
Sobre Wittgenstein é importante ainda destacar sua proximidade com alguns filóso-
fos, dos quais, a princípio, destacamos Russel e Frege. Grande parte dos questiona-
Filosofia da Linguagem 85
as últimas descobertas da lógica matemática - que antecederam e influenciaram tais
qual predominava, nas palavras de Gianotti (1961, p. 2), “um ambiente de euforia que
Essa “euforia” diz respeito ao momento histórico pelo qual os estudos filosóficos pas-
sistisse aulas ministradas por Russel e também se comunicasse com frequência com
Frege, absorvendo desses dois grandes filósofos muito do que ele pôde transformar
em conhecimento, uma vez que Russel e Frege não obtinham um consenso em rela-
como uma proposta que solucionaria tais contradições filosóficas. Ele mostra que os
Já no Wittgenstein II, a visão que ele tem da linguagem se transforma, podemos dizer
que a questão da referência e dos valores de verdades deixa de serem questões cen-
trais6. E ali se inicia uma ampliação em relação ao uso da linguagem que incorre no
que fica conhecida como os jogos de linguagem de Wittgenstein.
Se o Wittgenstein I apresentou uma filosofia sob uma abordagem lógica dos estudos
linguísticos e bastante influenciada por outros filósofos (sobretudo Russel e sua teoria
ta, a proximidade dos trabalhos de Wittgenstein e Nietzsche vai muito além da sua
6 Com isso não se exclui outros filósofos contemporâneos, no entanto, a perspectiva desta unidade,
segue os estudos de Wittgenstein.
86 Filosofia da Linguagem
escolha estética em relação à escrita. É impossível ignorar o fato de que Wittgenstein,
como qualquer outro estudioso, não apenas de sua época, mas, inclusive, dos dias
atuais, mantinha sua frequência de estudos, suas preferências teóricas, seus gostos
com o momento histórico no qual estava inserido, faz parecer óbvio o fato de que, em
Certamente, Wittgenstein leu muitos outros filósofos, mas sua afinidade com Nietzs-
che fica bastante visível em sua segunda fase, sobretudo em relação à ideia de que
os conceitos sobre as coisas (ou, por extensão, o significado das palavras) se formam
por meio dos usos e, também, pelas questões acerca da verdade contida na lingua-
tenham vivido em épocas diferentes, o ponto convergente nos estudos de ambos con-
siste basicamente no fato de que a linguagem é insuficiente, ou seja, ela não dá conta
dentro dela mesma, de modo que, não havendo um outro lugar de onde falar que não
seja um lugar de linguagens, sendo, ainda, que essa concepção incorre na crença de
que há coisas que são, portanto, “indizíveis” e/ou que a verdade do mundo seria uma
comum, como algumas questões acerca do significado, que não tem como ser único
(por exemplo, o significado de sal não poderá ser o mesmo para duas pessoas se uma
do signo para a proposição, a partir dos estudos de Wittgenstein (questões que ele
aborda mais profundamente em sua obra Tractatus), propomos algumas reflexões so-
Filosofia da Linguagem 87
nesses estudos e outros assuntos que tais questões envolvem. Nesse momento, nos
1968, p. 113). A Célebre e famosa frase de Wittgenstein nos conduz à reflexão sobre
te do que ocorre, a substância “é forma e conteúdo”, essas formas são compostas por
tempo, espaço que ocupam, cores que possuem etc. Enfim, só pode haver um objeto
se houver uma forma fixa no mundo, com isso, forma e objeto é um só. A composição
(WITTGENSTEIN, 1968).
2.03 No estado de coisas os objetos se ligam uns aos outros como elos de uma cadeia.
2.031 No estado de coisas os objetos estão uns em relação aos outros de um modo de-
terminado. 2.032 O modo pelo qual os objetos se vinculam no estado de coisas constitui
a estrutura do estado de coisas. 2.033 A forma é a possibilidade da estrutura. 2.034 A
estrutura do fato é constituída pelas estruturas dos estados de coisas. 2.04 A totalidade
dos subsistentes estados de coisas é o mundo (WITTGENSTEIN, 1968, p. 58).
Podemos inferir, então, que o mundo é formado por esse conjunto de estado de coisas
que envolve tudo que existe e ocorre (desde que tenham forma e conteúdo), que se
se desses objetos, que, sendo os constituintes simples do mundo, podem ser nomea-
88 Filosofia da Linguagem
Reflita
Observe que Wittgenstein realiza uma figuração de mundo por meio da linguagem
e envolve o pensamento, que nos faz lembrar a constante discussão ao longo das
sureano, a lógica formal de Frege etc. No entanto, sua teoria não é igual a nenhuma
Uma vez que a estrutura dos fatos é constituída pela estrutura dos estados de coisas,
percebe-se que os fatos são formados por meio de relações que se estabelecem
entre as coisas, enquanto estas são formadas de substância. Essa conclusão nos
possibilita ampliar o conceito de mundo, como não sendo apenas formado por coisas,
mas coisas e fatos, sendo que os fatos abrigam em si as coisas. Isso fica claro nas
1 O mundo é tudo o que ocorre. 1.1 O mundo é a totalidade dos fatos, não das coisas.
1.11 O mundo é determinado pelos fatos e por isto consistir em todos os fatos. 1.12 A
totalidade dos fatos determina, pois, o que ocorre e também tudo que não ocorre. 1.13
Os fatos, no espaço lógico, são o mundo. 1.2 O mundo se resolve em fatos. 1.21 Algo
pode ocorrer ou não ocorrer e todo o resto permanecer na mesma. •2 O que ocorre,
o fato, é o subsistir dos estados de coisas. 2.01 O estado de coisas é uma ligação de
objetos (coisas). 2.011 É essencial para a coisa poder ser parte constituinte de estado
de coisas (WITTGENSTEIN, 1968, p. 55).
Filosofia da Linguagem 89
Para Wittgenstein, a proposição deve, então, reproduzir essa estrutura do mundo,
que seria a estrutura dos fatos, a qual se relaciona com a estrutura das coisas, consi-
derando que “uma proposição pode apenas dizer como uma coisa é, mas não o que
relação ao que descreve do/no mundo. A proposição terá quantos signos (nomes)
signos que permitem uma descrição completa do mundo, ou seja, de sua substância,
Quando se pensa nos signos que compõem a proposição e a forma como esses sig-
nos se relacionam como forma de afigurar o mundo em sua essência, ou seja, pela
coisas que podem ser figurados em um espaço lógico, está se pensando em proposi-
Há toda uma simbologia para figurar logicamente um fato. O mundo é pensável porque
pressupõe um espaço lógico, a figuração representa uma situação possível no espaço
lógico, formado pela totalidade dos objetos, limite do mundo e da linguagem, determi-
nando reciprocamente o que pode existir e o que se pode pensar. O mundo consta de
objetos simples que requerem descrições em termos de proposições atômicas, cuja
combinação é regrada por cálculos inferenciais. Por exemplo, se p se segue de q, o
significado de p está contido no de q (ARAÚJO, 2004A, p. 77).
90 Filosofia da Linguagem
Figurar logicamente um fato implica em poder figurá-lo em um espaço lógico. Há fa-
tos incertos e outros não no mundo. Por exemplo, a proposição “na próxima semana
pode nevar ou chover no sul do Brasil” não é capaz de projetar um fato em um espaço
lógico e, portanto, não pode ser tida como verdadeira. Já em “no dia tal neva em Flo-
rianópolis, cidade do sul do Brasil”, é possível projetar um estado de coisa que pode
Podemos observar, nesse último exemplo, que é possível a representação lógica da es-
trutura do mundo por meio da estrutura da sentença, desde que tenham ambos (a sen-
reciprocamente. Isso não implica, todavia, no valor de verdade ou falsidade das propo-
sições. Essa questão fica para o campo do sentido e significação (ARAÚJO, 2004).
O sentido da sentença independe de ela ser verdadeira ou falsa, quer dizer, a própria
figuração figurando um sentido ainda não diz nada sobre a verdade ou falsidade, sobre
a discordância ou não com o estado de coisa, pois se pode primeiro pensar um estado
de coisa, figurá-lo, e só depois verificá-lo (ARAÚJO, 2004A, p. 78).
eventual, pode ou não existir, dependendo da sua adequação aos fatos que afigura.
Com isso, a linguagem verdadeira é aquela que apresenta um isomorfismo entre mun-
também, por esse motivo, a língua é capaz de projetar essa realidade. Essa é a fun-
Quando a proposição projeta uma realidade que não pode ser figurada em um es-
paço lógico, poderá ser falsa; mesmo que verdadeira, terá um sentido, mesmo que
não projete nada na realidade do mundo, pelo simples fato de possuir sentido, essa
Filosofia da Linguagem 91
enunciado é ele poder representar a realidade, e seu valor de verdade depende de o
nome que compõe a preposição estar numa posição que signifique a posição do nome
Ou seja, a proposição figura aquilo que ela representa por meio da sua estrutura e
dos nomes que contém, essa figuração pode ser correta ou incorreta em relação à
realidade do mundo. Assim, a linguagem deve funcionar como um espelho que reflete
posição (da linguagem) não depende da verdade ou da falsidade dela, uma vez que
projetivamente o que é essencial ao mundo para que se possa falar dele com sentido”
Como exemplo, ao afirmar que o atual rei de Portugal é calvo, está sendo proferida
uma proposição falsa, mas que, no entanto é “pensável”, possui sentido. Importa, por-
tanto, que a proposição tenha sentido, se ela é verdadeira ou falsa, para Wittgenstein,
linguagem de Russel, sobretudo em seu texto sobre denotação (1905) e nos Prin-
cipia Mathemática e Atomismo Lógico, em que ele vai estudar mais profundamen-
(tornando-as verdadeiras ou falsas); iii) é preciso ter conhecimento direto dos fatos,
para que seja possível captar o significado dos símbolos; iiii) o conhecimento direto
é distinto de indivíduo para indivíduo. Uma linguagem lógica se basearia nos três
92 Filosofia da Linguagem
primeiros quesitos e cada palavra corresponderia a um objeto simples, resultando em
uma linguagem analítica que mostraria uma estrutura lógica dos fatos – resumindo
de modo bastante simplista isso (RIBEIRO, 2005). Observando essas questões, fica
mais clara a compreensão de algumas das influências dos estudos de Russel nos
estudos de Wittgenstein.
qual é possível figurar pela proposição, uma vez que as “proposições da lógica são
responde aos nomes que integram a proposição, nomes esses que denotam um obje-
demais partes que a compõem, variáveis, assim como a fixação de valores. Com isso,
Filosofia da Linguagem 93
a fixação dos valores das variáveis proposicionais consiste na indicação das proposi-
ções, as quais têm como marca característica comum a variável. A fixação é uma des-
crição dessas proposições. A fixação se ocupará, pois, finitamente dos símbolos, não se
ocupando de sua denotação. E para a fixação é essencial ser apenas uma descrição de
símbolos, nada assertando sobre o designado (WITTGENSTEIN, 1968, p. 65).
Tendo em mente que fixação é a descrição de uma proposição e se ocupa com o sím-
bolo, e não com a denotação, fica clara a compreensão de como é possível que uma
proposição tenha sentido, mesmo que não tenha um referente equivalente no mundo
real em um espaço lógico. A relação entre o nome e a coisa, para Wittgenstein, ocorre
não de forma isolada, mas é no conjunto da proposição que adquirem e criam sentido.
A proposição possui traços essenciais e acidentais. Acidentais são os traços que deri-
vam da maneira particular de produzir o signo proposicional; essenciais, aqueles que
sozinhos tornam a proposição capaz de exprimir seu sentido. 3.341 É, pois essencial
na proposição o que é comum a todas as proposições que podem exprimir o mesmo
sentido (WITTGENSTEIN, 1968, p. 68).
Assim, a proposição pode conter um signo, ou símbolo (ou, ainda, um sistema sim-
bólico), conforme o sentido que irá produzir e se irá ou não projetar uma realidade
linguagens nas quais cada sentido se deixa exprimir, sem, contudo pressentir como e
A proposição nos comunica uma situação, de sorte que deve estar essencialmente vin-
culada a ela. E a vinculação consiste precisamente em que ela é sua figuração lógica.
A proposição só asserta algo enquanto é figuração. 4.031 Uma situação é justaposta à
proposição, por assim dizer, por tentativas. É possível dizer diretamente: esta proposi-
ção representa esta ou aquela situação, em vez de esta proposição tem este ou aquele
94 Filosofia da Linguagem
sentido. 4.0311 Um nome presenta uma coisa, outro, outra coisa, e estão ligados entre
si de tal modo que o todo (...) representa o estado de coisas. 4.0312 A possibilidade da
proposição se estriba no princípio da substituição dos objetos por meio de signos. Meu
pensamento basilar é que as “constantes lógicas” nada ‘substituem; que a lógica dos fa-
tos não se deixa substituir. 4.032 A proposição é uma figuração da situação unicamente
enquanto for logicamente articulada (WITTGENSTEIN, 1968, p.73-74).
Araújo (2004A) diz que a proposição apenas figura logicamente o mundo por meio do
pensamento, uma vez que a linguagem não tem em si a capacidade de abstrair o fato
fismo entre o mundo e a linguagem e suas estruturas. Ou, ainda, as proposições são
figurações da realidade a partir da forma como imaginamos que seja essa realidade.
Pensamento é a figuração lógica dos fatos. 3.001 “Um estado de coisas é pensável”
significa: podemos construir-nos uma figuração dele. 3.01 A totalidade dos pensamen-
tos verdadeiros ‘’’11 figuração do mundo. 3.02 O pensamento contém a possibilidade
da situação que ele pensa. O que é pensável também é possível. 3.03 Não podemos
pensar nada ilógico, porquanto, do contrário, deveríamos pensar ilogicamente (WITT-
GENSTEIN, 1968, p. 61).
Filosofia da Linguagem 95
Observando essa citação, percebe-se que a linguagem espelha o mundo por meio de
um paralelismo entre linguagem e mundo. Para que um fato possa ser pensável, é
necessário que seja possível formulá-lo logicamente, se não for assim, tais fatos não
Chauviré (1991) explica que, para Wittgenstein, o pensamento é uma espécie de lingua-
sua organização interna a significação desse fato. A autora demonstra que no Tractatus
Wittgenstein deixa clara sua “adesão” ao “atomismo lógico” de Russel, uma vez que ele
apenas como uma forma articulada de signos, mas também como um “quadro vivo” –
pois é capaz de criar a imagem do fato descrito (CHAUVIRÉ, 1991). Desse modo,
Aí se cria uma distinção no interior da proposição, ao mesmo tempo em que diz algo, ela
do Tractatus de Wittgenstein e a teoria dos tipos de Russel. O que importa, todavia, é ter
a ciência da concepção do filósofo, em que ele realiza uma distinção entre a proposição
mento. Em outras palavras, uma coisa é o pensar (que pode ser expresso ou não pela
gurativa de “dizer” os fatos, desse modo, só coisas que acontecem podem ser ditas.
96 Filosofia da Linguagem
Portanto, pensamento e linguagem são uma e a mesma coisa, “não podemos pensar
o que não podemos pensar, por isso também não podemos dizer o que não podemos
E assim, retornamos à célebre frase: “Os limites de minha linguagem denotam os limi-
tes de meu mundo. 5.61 A lógica preenche o mundo, os limites do mundo são também
gem) e mundo são formados por estruturas lógicas e, por esse motivo, são “dizíveis”.
Isso faz que a linguagem seja incapaz de descrever por meio de proposições os “mis-
térios” da vida. Resumindo, o sentido do que seja o mundo, e não do que o mundo
é – o que constitui o mundo – deve ser buscado de outra forma. “Existe com certeza o
O que constitui o mundo pode ser figurado pela linguagem, mas o sentido do que seja
o mundo – com seus valores éticos, religiosos, estéticos, o “ser ou não ser”, etc –, por
não pertencer a um mundo figurável, não pode ser descrito pela linguagem (ARAÚJO,
não há proposições para falar da vida, do mistério de o mundo existir. Como não se
etc são todas questões que ele considera como “em outro mundo”, pois não perten-
cem ao mundo “dizível”. O filósofo defende que a morte não é um acontecimento que
possa ser vivido. Não se vive a morte. Para Wittgenstein (1968, p. 128), “a dúvida,
pois, só existe onde existe uma questão, uma questão apenas onde existe uma res-
posta, e esta somente onde algo pode ser dito”. Assim, como não é possível “dizer”
Filosofia da Linguagem 97
sobre essas coisas, ele as relega ao mundo do “indizível” – “O que não se pode falar,
Fica claro, até o momento, que, para Wittgenstein, na obra Tractatus, as coisas no mun-
do só têm sentido em relação com as outras coisas - “No estado de coisas os objetos
se ligam uns aos outros como elos de uma cadeia” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 58). Os
estados de coisas se relacionam, se vinculam e formam a estrutura dos fatos, que, por
sua vez, formam a estrutura do mundo – “A estrutura do fato é constituída pelas estrutu-
ras dos estados de coisas” (p. 58). E ainda – “O mundo é a totalidade dos fatos” (p. 55).
Assim como as coisas no mundo só têm sentido em relação umas com as outras, a
articulada e contém tantos elementos quantos apresente o fato que tal proposição
afigura – “Nas proposições os pensamentos podem ser expressos de tal modo que
O signo proposicional para Wittgenstein é o mesmo que uma proposição que “diz” um
fato, o qual apresenta elementos e palavras relacionados uns com os outros. Dessa
proposição para que ela possa ser considerada significativa, ou signo proposicional
– ver p. 62-63 Tractatus). Observando, ainda, quando Wittgenstein (1968, p. 62) diz
Aqui se junta outro elemento, o pensamento. Para Wittgenstein (1968, p. 61), “o pen-
samento é a figuração lógica dos fatos”, o pensamento contém o germe das ideias que
forma e, se é possível pensar, é possível dizer – “Não podemos pensar o que não pode-
mos pensar, por isso também não podemos dizer o que não podemos pensar” (p.111).
98 Filosofia da Linguagem
Esse breve resumo em relação a alguns dos pontos mais relevantes da teoria apre-
cionavam logicamente, e o que assim não fosse, como vimos, permanecia fora dos
impossível falar sobre a estrutura do mundo (como “seja”, e não como “é”), pois, para
4.12 A proposição pode representar a realidade inteira, não pode, porém, representar o
que ela deve ter em comum com a realidade para poder representá-la — a forma lógica.
Para podermos representar a forma lógica seria preciso nos colocar, com a proposição,
fora da lógica; a saber, fora do mundo.
4.121 A proposição não pode representar a forma lógica, esta espelha-se naquela. Não
é possível representar o que se espelha na linguagem (WITTGENSTEIN, 1968, p.77).
filosofia e do que seria filosofar. Para ele, a filosofia é uma atividade que deveria ter
como objetivo o esclarecimento lógico do pensamento, e isso seria possível por meio
do lógico do pensamento.
xão com o fim de elucidar as proposições, ou seja, o mundo como é, é possível per-
ceber por meio dos estados de coisas que o compõem; trata-se de fatos relacionados
Filosofia da Linguagem 99
por estruturas lógicas entre mundo, linguagem e pensamento. Esses fatos podem ter
das proposições que, embora não figurassem uma realidade verdadeira no mundo,
(WITTGENSTEIN, 1968, p. 76), uma vez que, para ele, tudo o que se deixa exprimir pela
linguagem o faz com clareza, pois a correspondência das estruturas lógicas entre pensa-
em geral o que pode ser pensado, o pode claramente” (WITTGENSTEIN, 1968, p. 76).
6.522 Existe com certeza o indizível. Isto se mostra, é o que é místico. 6.53 O método
correto em filosofia seria propriamente: nada dizer a não ser o que pode ser dito,
isto é, proposições das ciências naturais — algo, portanto, que nada tem a ver com a
filosofia; e sempre que alguém quisesse dizer algo a respeito da metafísica, demons-
trar-lhe que não conferiu denotação a certos signos de suas proposições. Para outrem
esse método não seria satisfatório — ele não teria o sentimento de que lhe estaríamos
ensinando filosofia — mas seria o único método estritamente correto (WITTGENS-
TEIN, 1968, p. 129 – grifo nosso).
Percebe-se que, para Wittgenstein, a proposição sempre terá um sentido, seja falsa
pois a linguagem tem limites. Há coisas que, por não serem possíveis de ser ditas,
devem ser caladas – é o caso daquilo que é “místico” (os mistérios da vida, religião,
morte, ética etc.). Falar, portanto, de coisas metafísicas seria, para Wittgenstein, im-
caso de realmente algo ser considerado como tal, uma vez que o metafísico não po-
deria ser estruturado logicamente, o correto então seria calar – não falar sobre. Esse
Em suma, “a filosofia deve tomar os pensamentos que, por assim dizer, são vagos e
que opõe, em alguns pontos das filosofias de Frege e Russel, dentre outros, e lem-
brando que Russel também se opunha a alguns pontos da filosofia de Frege. Isso é
interessante à medida que é possível realizar uma comparação, por assim dizer, entre
as teorias de Wittgenstein, Russel e Frege (citamos estes, pois são os filósofos mais
“ligados à logica”, por assim dizer, que aparecem em destaque em nossos estudos,
Note que os conceitos de proposição, valor de verdade e de linguagem lógica não são
novos. Essas questões já eram estudadas desde a filosofia clássica, com Platão e
e da semântica no final do século XIX e início do século XX, justamente com destaque
para os filósofos Frege e Russel. Os pontos mais importantes que nos interessam en-
que se formulava a partir da primeira, no entanto, de forma mais evoluída e, com isso,
Saiba mais
Essa teoria de Russel não foi abordada nestes estudos, mas você pode verificá-la e
Após sua primeira fase, dando sequência em seus estudos, podemos dizer que Wit-
tgenstein começou uma nova perspectiva filosófica em relação aos seus estudos,
amplamente diferenciada de sua primeira fase. Em sua segunda fase, uma das obras
que mais se destacou foi Investigações Filosóficas. Aqui, as influências recebidas por
segunda fase foram total e completamente diferentes das da primeira, mas, antes,
que foram mais amplas, assim como seus estudos. A segunda fase de Wittgenstein
resultou no que ficou mais conhecido em seus estudos como Os jogos de linguagem,
as influências que ele recebeu, fica evidente como os estudos filosóficos acerca da
Wittgenstein, que em sua obra Tractatus apresenta uma visão mais lógica, ao passo
que em sua segunda maior obra (mais reconhecida), Investigações Filosóficas, ele
que ela ocorreu no final do século XIX e início do século XX e, ainda, que o século XX
foi um grande marco nos estudos da linguagem. Isso porque, de acordo com a pers-
principal precursor” desse acontecimento. Claro que muitos tiveram destaque notório
e devem ser reconhecidos, no entanto, não entraremos nesse mérito nesta unidade,
Com isso, pretende-se dizer que, na filosofia, dentre os estudiosos que mais se desta-
caram, encontram-se Frege, Russel, Wittgenstein, Richard Rorty, Humbolt, Austin, Se-
arle; assim como estudiosos de áreas afins, como Peirce, Saussure – que ficaram re-
conhecidos mais por seus estudos linguísticos que filosóficos, dentre outros estudiosos.
Há, também, sobre esse tema aqueles que dividem os estudos linguístico-filosóficos
do século XX, como marcados pelas “virada linguística” e “virada pragmática”, outros
que apenas abordam a virada linguística. Na primeira, seria a ruptura com os estudos
lógicos clássicos, em que há uma separação entre realidade e sua representação pela
língua ou, ainda, uma extensão/representação do pensamento. Por ser a visão mais
difundida a existência das duas viradas, é a ela que preferimos nos ater, com foco, no
deixa de ser vista apenas como um objeto do mundo e uma forma de representação
e começa a ser vista como parte do mundo. A linguagem passa a ser constitutiva do
Até meados do século XIX predominava na filosofia a noção de que a Teoria do Conhe-
cimento era central, à Filosofia cabia a missão de desvendar a natureza do conheci-
mento [...]. O conhecimento era uma questão de representações privilegiadas. Estudar
a natureza do conhecimento, como mostrou Rorty, envolvia um modo de descrever os
seres humanos como aqueles que possuem a crença absolutamente certa na existên-
cia de entes, com uma essência determinada, de que se possui um recurso ontológico
que capacita a conhecer e certificar-se de que esse ente é conhecido em si mesmo.
A fim de obter verdades apodíticas, há as idéias claras e distintas de Descartes e as
idéias abstraídas da experiência de Locke com sua abordagem causal dos processos
mentais. Pode-se dizer que o século XVII realizou a virada epistemológica, virada essa
que Kant prosseguiu no século seguinte com seu projeto fundacionalista de busca das
fontes transcendentais, universais e necessárias do conhecimento, dos princípios puros
da razão e dos juízos do entendimento (ARAÚJO, 2004B, p.104-105).
Assim, em meados do século XIX, início do século XX, deu-se a virada linguística, a
e “o mundo é visto como síntese de possíveis fatos, para uma comunidade linguística,
se entre si, acerca de algo no mundo” (ARAÚJO, 2004B, p. 109). Nessa perspectiva,
mundo; pela linguagem podemos expressar e, também, ter conhecimento dos pensa-
mentos, podemos nos relacionar entre os membros de uma comunidade e, ainda, ter
da virada linguística. Nesta seção, a abordagem será sobre o Wittgenstein das Inves-
pragmática – com isso, não se pretende dizer que Wittgenstein foi um precursor desse
movimento, mas que essa “virada” veio logo após, pensando cronologicamente.
ções práticas da linguagem, e não nos significados das palavras – pois os significados
incluem mais que a associação aos objetos, aprender o significado de alguma palavra
Assim, uma proposição não traz em si “o todo da linguagem”, a linguagem precisa ser
completada por aqueles que as usam. Desse modo, não há uma definição específica
para o termo “jogos de linguagem” dada pelo filósofo, mas é possível dizer que se tem
essa ideia de jogo pela possibilidade de se “jogar” com os sentidos, com os tipos de
cimento, o que faz com que a linguagem se torne um jogo é seu uso, ou melhor, o uso
considerava também a linguagem por meio de gestos e mímicas. Ou, ainda, “chama-
rei de “jogo de linguagem” também a totalidade formada pela linguagem e pelas ativi-
Os jogos são guiados por regras que nunca dirão exatamente o que é o jogo, pois
seus contornos são imprecisos e as regras não os exaurem, nem os determinam,
apenas indicam direções, não elucidam todos os casos a que se aplicam, podendo
dar margens a dúvidas, o que não impede de se mostrarem eficientes ao preenche-
rem dada finalidade.
[...]
Para saber o que é um jogo, dispensa-se uma definição exata e joga-se de as regras
aprendidas (ARAÚJO, 2004A, p. 113).
Assim, sabemos que os jogos possuem regras, e não definições exatas. É isso que
guagem, para suas diferentes “regras”. Ele utilizou o modelo do “jogo”, por ser mais
e governados por regras. Saber jogar um jogo é uma capacidade que supõe domínio
referência, significado etc. A questão dos jogos de linguagem não consiste na ideia
simplista da comparação com diferentes tipos de jogos. Mas com diferentes funciona-
A expressão “jogo de linguagem” deve salientar aqui que falar uma língua é parte de
uma atividade ou de uma forma de vida. Tenha presente a variedade de jogos de lingua-
gem nos seguintes exemplos, e em outros: Ordenar, e agir segundo as ordens - Des-
crever um objeto pela aparência ou pelas suas medidas – Produzir um objeto de acordo
com uma descrição (desenho) - Relatar um acontecimento – Fazer suposições sobre o
acontecimento - Levantar uma hipótese e examiná-la – Apresentar os resultados de um
experimento por meio de tabelas e diagramas – Inventar uma história; e ler – Represen-
tar teatro - Cantar cantiga de roda – Adivinhar enigmas – Fazer uma anedota; contar
– Resolver uma tarefa de cálculo aplicado - Traduzir de uma língua para outra - Pedir,
agradecer, praguejar, cumprimentar, rezar (WITTGENSTEIN, 2009, p.27).
Aprender uma linguagem consiste em aprender suas palavras, para que seja possí-
falar sobre elas e, assim, referenciá-las. No entanto, apenas aprender os nomes não
é o suficiente, até mesmo pelo fato de que, para aprender uma palavra/nome, preciso
saber outras para que eu compreenda a explicação que estou recebendo. É preciso
saber articular essas palavras, é preciso saber usá-las. Como exemplo, o filósofo uti-
Assim, não basta saber qual é a peça do jogo (não basta saber uma palavra e seu
entre nome e objeto, sendo que Wittgenstein afirma que a palavra “significado” é
corresponde. Ou seja, o significado de um nome não está preso àquilo que esse nome
portador do nome. Se morre o Sr. N.N., costuma-se dizer, morre o portador o nome
assim, pois, se o nome deixasse de ter significado, não teria sentido dizer “o Sr. N.N.
Qual é a relação entre o nome e o denominado? [...] Esta relação pode, entre outras
coisas, consistir também no fato de que a audição do nome nos traz à mente a imagem
do denominado, e consiste, entre outras coisas também, no fato de que o nome está
escrito sobre o denominado ou é proferido ao se apontar para o denominado (WITT-
GENSTEIN, 2009, p.35).
Assim, um pronome dêitico, como o “isto”, apesar de não ser um nome próprio, pode
sões filosóficas - pela discussão filosófica anterior sobre a significação dos objetos
TEIN, 2009, p.38); e o uso está atrelado a vários fatores, tanto internos (desejos,
essa não é uma representação da estrutura da realidade, mas constitui parte da lin-
guagem. Assim, ele reconhece que a proposição possui usos e, com isso, não há
mais sentido em continuar uma busca pela sua “essência”, pois esta, na verdade, se
encontra imbricada no próprio uso, nos jogos da linguagem (ARAÚJO, 2004A, p. 119).
A função do nomear não constitui a única função das palavras, e nem mesmo é possível
senão a partir de uma prática de usos da linguagem. A pura referência em nada contribui
para o significado senão no contexto dos nossos jogos de linguagem. A própria prática
da linguagem é o solo do qual emerge o significado de nossas palavras. Desse modo,
compreender uma palavra não supõe o conhecimento do seu referente, a reprodução
de uma imagem na mente ou qualquer processo oculto, mas apenas uma habilidade
cujo fundamento está no exercício da linguagem (DIAS, 2000, p. 49).
Dessa forma, Wittgenstein em sua segunda fase defende que a crença em uma lin-
uma mesma palavra, por exemplo, é uma utopia, “uma ilusão a ser dissipada”. Isso
que ele está sendo utilizando, ao uso que é feito da linguagem (DIAS, 2000).
pode tornar determinado termo sem sentido, ou ainda, caracterizar um “erro” de uti-
lização linguística, fato que incorre em uma não compreensão das regras do jogo.
Saber agir de acordo com as regras do jogo é o que define se o participante conhece
o jogo e sabe jogar. A compreensão de uma palavra torna-se então uma capacidade
relacionada à compreensão que o indivíduo possui das regras do jogo (DIAS, 2000).
br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-82422013000200009>.
Wittgenstein em sua “segunda fase” nos demonstra que, mais do que nomear ou refe-
renciar, a linguagem está inserida em um sistema de regras tal como um jogo. Essas
regras não servem para uniformizar o uso, mas para demonstrar que o uso inclui sa-
Os sentidos e os significados estão ligados, portanto, à forma como são observadas essas
regras e como o indivíduo é capaz de se fazer entender, ou, ainda, de qual é a capacidade
nada mais é que esse poder elucidar. Todo saber deve poder ser explicitado [...], todo su-
cesso de uma elucidação irá depender do próprio contexto” (DIAS, 2000, p. 51).
que estará bastante presente nas reflexões da virada pragmática. Wittgenstein chama
a atenção para o fato de que a gramática apenas descreve o emprego das palavras,
mas não o esclarece a ponto de ensinar a utilizá-las de modo a cumprir sua finalida-
de – agir sobre as pessoas. Ou, ainda, nas palavras do filósofo: “A gramática não diz
como a linguagem tem que ser construída para cumprir sua finalidade, para agir dessa
ou daquela maneira sobre as pessoas. Ela apenas descreve o emprego dos signos,
ria, é necessário que você tenha conseguido compreender alguns conceitos básicos
que foi a virada linguística. Você precisa ter em mente que a virada linguística foi um
marco nos estudos filosóficos, criando uma ruptura, em diversos aspectos, com os
Precisa reconhecer, também, que Wittgenstein foi de grande importância nos estu-
dos filosóficos do século XX. Das reflexões do “1º Wittgenstein” procure ter claras as
ideias das relações entre pensamento, mundo e linguagem, assim como os limites da
linguagem, e qual o papel da filosofia. Esteja atento para o paralelismo presente entre
mundo e linguagem – uma vez que a linguagem funciona como um “espelho do mun-
ve, também, que os Jogos de Linguagem não dão uma definição para o que seja
a linguagem ou seu uso, mas procuram apresentar seu funcionamento, suas re-
gras. E, ainda, aprender uma linguagem não é apenas aprender a nomear coisas,
de diferentes maneiras.
durante o século XX. Um dos filósofos que viveu e participou desses dois mo-
mentos foi Ludwig Wittgenstein. Isso porque em sua obra Tractatus ele apresen-
em atos de interação.
( ) A filosofia para Wittgenstein deveria ser uma doutrina baseada em fatos da lógica.
dade estrutural.
b) No Tractatus, o significado de uma palavra era dado pela proposição, por assim
uso na linguagem.
vertido.
d) Para Wittgenstein, o sentido da proposição era possível independente de seu
valor de verdade.
a) Falar do mundo como ele é e dizê-lo – projetar a realidade do mundo e sua es-
trutura lógica por meio da estrutura lógica da proposição. Falar do mundo como
objetos no mundo.
e) O que permite que a linguagem possa espelhar ao mundo é que ambos saem
da representação do pensamento.
dizer “pedra” seria algo sem sentido, uma vez que apresenta uma substância
no mundo que não se relaciona com nada e, do mesmo modo, não se relaciona
para se tornar uma unidade significativa. Por exemplo, quando eu digo “Há uma
impossibilidade da afiguração.
c) Pode-se dizer que filosofia - que já havia se destituído de sua visão clássica da
ca) –, com a virada linguística, passa a conceber a linguagem como fonte de co-
nhecimento, uma vez que por ela os pensamentos poderiam ser esclarecidos.
d) Sabemos que os jogos possuem definições, e não regras. É isso que Wittgens-
puc-rio.br/Pibic/relatorio_resumo2009/relatorio/ctch/fil/maria.pdf>.
delli.files.wordpress.com/2008/07/rorty_virada.pdf>.
ismardiasdematos.com.br/filosofia.htm>.
wittgenstein/>.
Vídeos
ch?v=G6OJ2XnBmns&list=PLetnuNL6LG_i7g1258d_rf7Xrq3AdT2IC>.
ch?v=RxOmf_jg3Uo>.
Leitura complementar
wittgenstein-investigacoes-filosoficas-os-pensadores
______. O livro Azul. Tradução de Jorge Mendes. Revisão de tradução Dr. Carlos
Monrjão. Rio de Janeiro: Edições 70, 1958. Título original: The Blue and Brown Books.
genstein_-_O_Livro_Azul
dução Dr. Carlos Monrjão. Rio de Janeiro: Edições 70, 1958. Título origi-
di%C3%A7%C3%B5es-70,-1992.pdf
Giannotti. Biblioteca Universitária, série 1 — Filosofia Volume 10. São Paulo: Com-
panhia Editora Nacional Editora Da Universidade De São Paulo, 1968. Título original:
wordpress.com/2011/08/tractatus-logico-philosophicus.pdf
Filmes recomendados
O terminal
O terminal é um filme que tem seu roteiro inspirado em um fato real ocorrido com um
Iraniano que morou durante 15 anos no aeroporto Charles de Gaule, em Paris. Esse dra-
ma ocorre quando um cidadão comum (Viktor Narvoski), vindo de um país europeu com
destino à Nova York, tendo como objetivo realizar um sonho de seu pai, fica impossibili-
tado de sair do aeroporto, pois o seu país de origem sofre um golpe político e seu visto
À medida que o tempo passava, Viktor foi descobrindo que existem outras formas
O filme é uma análise de que existem diversas formas de comunicação, mesmo para
aqueles que não dominam o código local, e de que somos capazes de interagir em
tch?v=S_VRhYMEpA8>.
autonomia em relação aos seus estudos. Cabe a você a administração do tempo di-
ário que dedicará a eles e do local em que os realizará. Acreditamos que, ao fazer a
escolha pelo Ensino a Distância, você a fez por ser uma pessoa disciplinada e com
Como é sabido, o processo de educação a distância não se faz apenas por meio dos
conteúdos teórico das unidades. Sua interação com os outros alunos e com o profes-
mos para que você compartilhe sua aprendizagem e aproveite para sanar quaisquer
eventuais dúvidas que, porventura, ainda tenha ou, até mesmo, para aprofundar al-
guma questão. Compartilhe com seus colegas e Professor Tutor as suas conclusões
do e linguagem em Tractatus?
capaz de:
uma sociedade.
Para alcançar esses objetivos de modo satisfatório, é necessário que você dedique
tempo aos seus estudos, realizando-os com seriedade e dedicação. Isso inclui efetuar
todas as leituras e atividades recomendadas, assim como sua participação efetiva nas
discussões on-line.
Bons estudos!
Pela definição de Hábrak (1964), fica fácil perceber como e por que o termo estrutura-
do século, sendo o “objeto central” de interesse nos estudos filosóficos por assim di-
sociologia e em diversas outras ciências, como uma “filosofia geral de vida” que pode-
Ainda conforme Lemert (2000, p. 98), essa “onda estruturalista” começou a se “dividir”
ação social”. Com isso, não apenas na sociologia, mas também na filosofia, começou
a surgir uma nova linha de pensamento a partir daqueles que criam que “os terrores
sição e livre pensamento”. A partir das reflexões dos estudiosos adeptos dessa pers-
ralismo e que ambos possuem pontos em comum, além de atribuírem lugar de destaque
busca da emancipação” (SOUZA, 2012, p. 275). Essa crítica à emancipação diz respeito
à autonomia do indivíduo social, que era vista de forma diferente em cada perspectiva.
elencar vários, mas limitar-nos-emos aos nomes de maior destaque, como Foucault,
Derrida, Deleuze, Guattari etc. (pós-estruturalistas) ou, ainda, Althusser, Lacan, Lé-
sociais, observando um aspecto geral que suas visões teóricas têm comum: o reco-
Saiba mais
Salienta-se que Foucault, posteriormente, negou sua “filiação” estruturalista, sinali-
zando mais para uma concepção formal, e não estruturalista (ver FOUCAULT, 2008,
pleta dessa obra nas referências desta unidade; mas também é possível encontrar
dpress.com/2015/07/foucault-m-estruturalismo-e-pc3b3s-estruturalismo.pdf>.
Saiba mais
Derrida ficou conhecido como o filósofo “desconstrucionista”, devido ao seu méto-
fato de que, segundo Derrida, para chegar ao conhecimento das coisas, é necessá-
rio desconstruí-las para refazer o caminho da construção, para que fosse possível
Saiba mais
Para saber mais sobre o construtivismo, seus principais representantes e seu relacio-
textoterritorio.pro.br/alexandrefaria/recortes/cult_fortunacritica_5.pdf>.
Saiba mais
Havia uma grande dedicação de Derrida em reconstruir, por assim dizer, o processo
existentes nos estudos da linguagem, assim como certa banalização em relação a isso.
Alertando, ainda, para o fato da não observação da linguagem escrita em sua essência.
Segundo o pensamento saussuriano, cada signo é aquilo que o outro signo não pode
ser e, baseado nesta diferença, Derrida fundamenta sua desconstrução: um significado
torna-se sempre um outro, o novo, a cada nova escritura e assim o caráter estável dado
ao signo é posto de lado. Ao problematizar a relação entre fala e escrita onde, na visão
saussuriana, o falar antecede a escrita, restando a esta última o papel secundário de
um mero instrumento de reprodução da fala, Derrida desconstrói essa hierarquia suge-
rindo que tanto uma como a outra se constroem no momento e no espaço de uma nova
escritura; enfatiza que não é possível se falar da língua fora dela (SILVA, 2004, p. 2).
bastante sintético, seria isso. Podemos, ainda, pensar que, enquanto Foucault se ate-
ve à análise dos discursos, Derrida tinha uma preocupação clara em relação à lingua-
gem escrita, não ignorando, claro, questões acerca de outras modalidades da língua.
tivistas, por exemplo, o papel central da linguagem e a grande preocupação com a lin-
era algo mais amplo. De acordo com o autor, a desconstrução pode ser vista como
Foucault chamou a atenção por sua metodologia que, aparentemente, “não observava
método algum”. Embora pareça paradoxal, pretende-se dizer com isso que Foucault
cault é algo muito mais profundo e, por isso, muitas vezes, não percebido por muitos.
prática não é algo que esse pensador utiliza para a construção de conceitos e assenta-
mento de conhecimento. Para ele, o saber ocorre por meio de um processo discursivo,
do qual não é possível precisar suas “partes”, mas intencionar seu ponto de chegada,
por assim dizer. Antes da realização de qualquer forma de saber, “antes de querer re-
cault utilizava seu “método arqueológico” enquanto Derrida se valia das opções “me-
mento ou, ainda, à aquisição dos saberes por meio da reflexão do próprio indivíduo.
mação conceitual (FOUCAULT, 2009). São nesses conceitos que Foucault se baseia
para criar seu próprio método de produção de conhecimento por vias discursivas, com
Do mesmo modo que os “métodos” arqueológicos de Foucault são diferentes entre si,
como são diferentes os temas que abordam, não há uma regra a seguir. Há conceitos a
construir. Machado (1988) explica que, para Foucault, o saber não se dá apenas pelas
demonstrações científicas, ele também ocorre por outros meios – ficções, reflexões,
narrativas etc.; cada saber desses constitui uma formação discursiva, que é o objeto
Saiba mais
Para se aprofundar sobre as questões da arqueologia e do método em Foucault, você
pode acessar o capítulo “Arqueologia”, da obra Ciência e saber, de Machado (1988), que
br/imagedb/mestrado_doutorado/publicacoes/PUA_ARQ_ARQUI20121011175312.
pdf> e <http://www.scielo.org.co/pdf/unph/v30n60/v30n60a09.pdf>.
não consiste no fato de Foucault não ter um método, mas utilizar-se de um processo
discursivas. Pode-se dizer que o mesmo ocorreu em Derrida, seu “método” consistia
em um “não-método”, pois, para ele, o desconstrutivismo era algo que abordava vá-
Derrida e Foucault destacaram-se, ainda, por sua forma inovadora de pensar a filo-
sofia, desvinculando-se de preceitos que eram básicos para essa ciência até então;
podemos, então, resumir e realizar um recorte direcionado para a parte teórica que
objetivamos nesta unidade. Assim, mesmo que de modo bastante simples, podemos
sem dúvida, a razão é histórica – isto é, muda temporalmente – mas essa história não é
cumulativa, evolutiva, progressiva e contínua. Pelo contrário, é descontínua, se realiza
por saltos e cada estrutura nova da razão possui um sentido próprio, válido apenas para
ela. Dizem eles que uma teoria (filosófica ou científica) ou uma prática (ética, política,
artística) são novas justamente quando rompem as concepções anteriores e as substi-
tuem por outras completamente diferentes, não sendo possível falar numa continuidade
progressiva entre elas, pois são tão diferentes que não há como nem por que compará
-las e julgar uma delas mais atrasada e a outra mais adiantada (CHAUÍ, 2000, p. 104).
Outro ponto que nos é importante entre esses dois filósofos é a concepção de que a
Entretanto, revela Derrida, é preciso ter em mente que nossa consciência tem uma in-
tuição do mundo que está além da lógica e a lógica só pode atuar depois que intuímos
serve para “dizer a realidade”. Como já dito, saímos do signo e evoluímos na lingua-
gem, até esse momento em que chegamos ao discurso, em sua concepção contem-
duz uma dimensão em que falar é CRIAR UMA SITUAÇÃO, é INVESTIR a fala como
PRÁTICA, entre outras práticas”. Para ele, “não nos encontramos no verdadeiro, se-
não obedecendo às regras de uma “política” discursiva que devemos reativar em cada
Há três coisas básicas a esclarecer nesse ponto. A verdade discursiva para Foucault
cional”. O termo “cada um de nossos discursos” incorre no fato de que, para cada área
de conhecimento do ser humano e para cada “esfera da sociedade7” que engloba essas
melhor ilustrar o que acabamos de dizer, observe a imagem a seguir, sabendo que cada
um dos diversos pontos dentro de cada esfera maior corresponde à diversidade que
há no interior de cada uma delas, como nos exemplos dados anteriormente (esfera da
sociedade= esfera escolar (escolas), esfera religiosa (igrejas) etc.; esferas discursivas=
discurso político, discurso feminino etc.). Lembrando que essas esferas se intercruzam
cursivas”. Pois, para ele, é preciso não apenas saber quem é a pessoa que fala,
7 A utilização do termo esferas da sociedade, embora seja um termo presente mais propriamente na
teoria Bakthiniana, corresponde neste trabalho ao mesmo conceito de instâncias discursivas (ter-
mo utilizado por Foucault). A escolha léxica preferencial por esfera visa tão somente tornar mais
clara a explicação do conceito.
Não pretendemos exaurir essa questão, mas apenas esclarecer alguns pontos es-
senciais. Para Foucault, discurso, formação discursiva e enunciado não são a mesma
coisa. Para ele, o enunciado é a materialidade, o conjunto de signos que pode ser
as frases e proposições, pois está mais relacionada com os signos, poderíamos pen-
conceito, é necessário ter em mente que, para Foucault, os enunciados deveriam ser
analisados sem serem associados com sua origem – no caso da literatura, não ob-
servar autor, gênero, época; no caso de documentos históricos, não observar origem,
desses elementos que fazem que o conteúdo do enunciado se dilua com outros e,
assim, analisar apenas o que foi efetivamente enunciado. Não realizando, em relação
de diferenças” (como faziam os linguistas). A essas ações realizadas por esses dois
ciados e isso implica em, conforme bem explica Araújo (2004), conseguir analisar o
como “arquivos” (descritos nos enunciados), sendo esses arquivos compostos por dis-
cursos, discursos estes que trazem em si saberes (científicos, históricos etc.) que de-
vem ser encontrados e compreendidos no e pelo próprio enunciado. Nesse sentido, po-
Não se está afirmando que as formações discursivas são atemporais, mas, como
diz Foucault (2009, p. 188) elas possuem uma “aparente sincronia” e “por mais
quentemente, após seu discurso ser introduzido e aceito socialmente como verda-
Assim, por meio da análise do discurso, o estudioso é capaz de perceber como se cons-
troem as verdades histórias de determinadas épocas, sendo que cada época possui “a
sua”. As verdades são construídas pelos discursos. Foucault explica que, mesmo que a
princípio o enunciado não seja considerado verdadeiro, quando ele se torna aceito pela
sociedade, naquele momento histórico, ao menos ali, ele será verdadeiro. Essa verda-
discursos verdadeiros. Dessa forma, podemos pensar que – de acordo com Foucault –
Foucault propõe um estudo “histórico” que não seja a partir da observação de docu-
trar um aspecto sincrônico, ele não considera as formações discursivas como aconte-
Foucault demonstra que as formações discursivas, por meio de seus estudos “arque-
temas por análises que fazem aparecer, ao mesmo tempo, as diversas formas de su-
cessão que se superpõem nos discursos” (FOUCAULT, 2009, p. 190). Ele demonstra,
com isso, mais do que apenas a sucessão cronológica de acontecimentos, ele pro-
cura mostrar como é possível ocorrer essa sucessão e em que níveis elas ocorrem.
mas dessas igrejas, o discurso de que certas atitudes são pecados e os que as reali-
zam perdem a benção da herança dos céus. Como amostra, utilizemos o uso de calças
pelas mulheres, nas igrejas mais rígidas. Esse é um discurso que é tido como verdade
naquele meio social, que se mantém como verdadeiro por meio das relações de poder
ali existentes e que, em outros lugares, nos quais essas relações de poder não exer-
cem influência por serem suprimidas por outras relações de poder, esse discurso não
Outro exemplo interessante que podemos observar é o caso de Sigmund Freud. Como
é sabido, para a realidade de sua época, o discurso que veio a ser chamado, poste-
mente criticado e não aceito em seu tempo. No entanto, por intermédio da mudança
seu discurso, ao mesmo tempo em que começaram a atribuir “poder” a esse discurso.
Isso porque, de acordo com Foucault, é pelo sujeito que se inicia e se efetiva o discur-
so, assim como suas relações de poder, ou seja, o poder e, por extensão, o discurso
dão a esse discurso poder. Portanto, outro fator importante a se destacar é que o
poder, para Foucault, não vem do Estado, mas emerge dos indivíduos da sociedade.
Tem-se, portanto, que esses discursos acabam por moldar o pensamento e o com-
o poder não tenha sua origem no Estado, e sim nas esferas sociais, são as esferas
sociais com maior representatividade que são capazes de exercer relações de poder
É possível pensar, a fim de exemplificar o que dissemos, nos discursos das esferas
“poder” menor, é praticamente reconhecido apenas por aqueles que aceitam esse tipo
Brasil, sendo, portanto, o discurso dominante. Discursos ateus, umbandistas etc. não
são reconhecidos/aceitos por aqueles que são dominados pelas relações de poder
uma forma que ele utiliza para demonstrar que seu método arqueológico é mais efi-
ciente que a “história das ideias”. Tem o anseio de comprovar que não basta apenas
recorrer a documentos que descrevem as coisas, mas que se deve recorrer à própria
coisa, ou, ainda, “não se deve observar a descrição do monumento, mas observar o
Saiba mais
Você também pode conhecer um pouco mais sobre como o discurso em Foucault é
capaz de apresentar modelos que explicam a realidade, estudando o que ele denomi-
na de “jogos da verdade”. Você pode ler mais sobre isso em: <http://www.scielo.br/pdf/
physis/v12n2/a07v12n2.pdf>.
Saiba mais
Para Derrida, a realidade, as formas inconscientes e subjacentes que moldam o pen-
linguagem deveria ser vista de fora para dentro e de dentro para fora, sendo a des-
tória das sociedades por meio da averiguação da escritura, que manteve tais registros
Em sua obra, Gramatologia, Derrida expõe, dentre outras coisas, que a sociedade, o
contrato social se constrói e constrói sua história por meio da linguagem e de acordos
(escritura) confere ainda poder aos que a detém – “[...] a exploração do homem pelo
motivos hierárquicos de saberes, mas também por motivos históricos – relações so-
ciais que implicam “condições sociais de poder”. “Todo arquivo [...] é ao mesmo tempo
sentido: guarda, põe em reserva, economiza, mas de modo não natural, isto é, fazen-
sucintamente observamos nas unidades anteriores, vale destacar que essas mudan-
estudos linguísticos.
A virada pragmática, que veio após a virada linguística, implicou em questões que
Saiba mais
Habermas pertenceu à segunda geração da escola de Frankfurt. Para saber mais
sobre sua filiação teórica, sobre o instituto de pesquisa de Frankfurt (local que origi-
nou o termo “Escola de Frankfurt”, que era composto, na verdade, não de um espaço
rico da época, o qual influenciou fortemente essa teoria, acesse o blog “Sociologia
com.br/2009/06/filosofia-resumo-9-o-problema-politico.html>.
Saiba mais
Os pensamentos que envolvem a teoria do agir comunicativo são fortemente emba-
sados nas questões relativas à teoria dos atos de fala – de Austin – e no racionalismo
Saiba mais
Para compreender esse agir que se dá pela linguagem é necessário compreender o
conceito de atos de fala. Pela perspectiva de um dos precursores dessa teoria, John
Austin, quando pensamos na teoria dos atos de fala, remetemo-nos à célebre frase,
também título de um de seus livros: “Quando dizer é fazer”. A ação de dizer envolve
três atos simultâneos: (i) ato locutório (situado no nível fonético, sintático e de referên-
cia – usado para dizer algo), (ii) ato ilocutório (esse é o ato central, que possui a força
performativa – corresponde ao modo como se diz algo e como esse algo dito é recebi-
do pelo outro de acordo com a força que foi proferido) e (iii) ato perlocutório (equivale
aos resultados obtido sobre o outro por meio da linguagem, objetivando coisas como
a força ilocutória (ou ilocucional) – é essa força que faz uma ordem ser uma ordem e
não um pedido (WILSON, 2012). Você também pode ler mais em: <http://vandersonfi-
losofo.blogspot.com.br/2013/03/austin-e-teoria-dos-atos-da-fala.html>.
(1990) declara que há formas mais claras e exemplos mais simples para se demons-
trar as diferentes relações existentes entre o agir e o falar, entre a ação e a linguagem.
Dessa forma, ele exemplifica o “agir” por meio de atividades rotineiras, como andar,
correr, falar, comer etc., e o “falar” utilizando, então, os atos de fala, tais como ordens,
confissões, constatações etc. “Em ambos os casos, estamos lidando com “ações” em
Esses dois modelos de descrição podem ser, portanto, na perspectiva do agente (1ª
modelo, você é a fonte da ação, por assim dizer, no segundo modelo, você é o espec-
tador, que observa o ator obter seu objetivo por meio de uma atividade orientada ou
ações de fala [...] no caso de atividades orientadas para um fim [...] quando intro-
ção que Habermas faz entre ação linguística e ação estratégica. Sendo a ação linguística
ações voltada para o entendimento e as ações estratégicas as ações voltadas para um fim.
O agir comunicativo distingue-se, pois, do estratégico, uma vez que a ordenação bem
sucedida da ação não está apoiada na racionalidade teleológica dos planos individuais
de ação, mas na força racionalmente motivadora de atos de entendimento, portanto,
numa racionalidade que se manifesta nas condições requeridas para um acordo obtido
comunicativamente (HABERMAS, 1990, p. 72).
Habermas está atribuindo à linguagem uma força social, política e ética, que ele chama
de emancipatória. Em outros termos, sempre que falantes estabelecem diálogos, argu-
mentam, “agem linguisticamente”, suas falas fazem mais do que significar [...]; (referir e
significar, como queria Frege), mais do que seguir uma regra através de um comporta-
mento (ao modo de Wittgenstein II) [...] (ARAÚJO, 2004a, p. 245-246).
Dentro das ações sociais, a linguagem pode ser utilizada de duas formas, conforme
tgenstein, por exemplo. Sua preocupação não é mais a preposição apenas, ou sua
Com isso, não se objetiva dizer que Habermas não considere a aspecto proposicional
que observe as situações correntes no mundo. Pelo contrário, o que Habermas faz é
possui uma ação interventora, não serve apenas para a comunicação, mas para mo-
qual, por sua vez, é uma teoria do agir comunicativo. “Para Habermas, apenas uma
mas do agir que não recorra a dogmas metafísicos ou religiosos” (DIAS, 2004, p. 51).
A linguagem ocupa, portanto, um papel central, tanto no que tange a coordenar ações
quanto a orientar avaliações éticas. Pela linguagem, é possível legitimar valores pres-
Todavia, essa legitimidade, para ser alcançada, necessita de uma argumentação que
propõe, então, uma forma de ação (uma situação) comunicativa ideal, em que “as
buscando o consenso de uma forma livre de toda a coação externa e interna” (GON-
Para que o discurso possa ter validade, ele precisa conter argumentos que fundamen-
tem, que validem o conteúdo comunicado de tal modo que ele seja aceito por aquele
tico para o pragmático, ele assevera que tal validez não deve mais ser observada
mento intersubjetivo entre, no mínimo, dois indivíduos (pois, para haver interação na
Essa validação objetivada pela razão só será obtida se houver a compreensão e o en-
tendimento necessários entre os falantes, de tal modo que gere o consenso. Pense-
de-se pensar aqui de modo paralelo com o racionalismo kantiano, o qual influenciou
Habermas, que “reinventa” esse conceito ao aplicá-lo ao discurso). Essa razão a que
Habermas retoma o princípio moral apresentado por Kant, mas se dedica a explicitar como
esse princípio deve ser compreendido, a fim de efetivar sua validade por meio do discurso,
uma vez que esse princípio possibilitaria a universalização das formas de agir. E, ainda,
É, portanto, neste contexto que Habermas introduz a análise das interpretações do prin-
cípio de universalização [...] como o princípio de imparcialidade constitutivo de nossos
juízos normativos. A peculiaridade da perspectiva habermasiana consiste em fornecer
uma formulação dialógica do princípio kantiano e em fundamentá-lo como um pressu-
posto das regras que definem a racionalidade da argumentação (DIAS, 2012, p. 22).
ela é a base da argumentação. Ela pressupõe uma condição de fala “ideal”, ao menos
Para entender a ação comunicativa, é preciso sempre lembrar que Habermas reformu-
lou o conceito de racionalidade, no sentido de fundamentar as bases de um agir comu-
nicativo. [...] uma ação é racional se estiver intimamente ligada a uma argumentação. O
agir é racional quando se propõe a resolver conflitos potenciais por meio de argumen-
tações destinadas a outras pessoas na expectativa da busca de algum consenso pos-
sível. Portanto, a ação racional, base de um agir comunicativo, exige pelo menos duas
pessoas se comunicando. Em consequência, os indivíduos envolvidos em uma ação
comunicativa têm de estar dispostos a persuadir ou a se deixar persuadir. Isso exige
algumas comunicações básicas, a primeira das quais é que um acordo seja alcançado
apenas pela força do melhor argumento (PINENT, 2004, p. 04).
Desse modo, para que haja uma racionalização devida na argumentação discursiva,
são necessárias que sejam observadas algumas regras do discurso, as quais funda-
que tais regras, além de normatizar o uso, dariam validez ao conteúdo proferido. Para
Com isso, Habermas atribui ao discurso normas e valores que possibilitarão a validez
Essas regras garantem uma simetria no discurso, uma condição de igualdade, tor-
nando o discurso “justo” e “racional”, preparando, assim, bases para uma posterior
fundamentação de uma ética discursiva. O sentido de “ético” pode ser pensado aqui
não apenas como regras de conduta, mas também como fundamentos morais, basta
Uma questão interessante a ser observada é a que diz respeito à pretensão de va-
proferimento válido e um proferimento tido como válido, ou seja, uma distinção entre
expressão pode ser tida como válida. No entanto, ele também acredita não ser possí-
vel separar questões de significado das questões de validez. Ele chega, portanto, ao
seguinte raciocínio:
Nós não saberíamos o que significa entender o significado de uma expressão linguís-
tica, caso não soubéssemos como nos servir dela, para nos entendermos com alguém
sobre algo. É possível depreender das próprias condições para o entendimento de
entre os falantes por meio das expressões linguísticas, tem-se que os atos de fala
Vimos, anteriormente, a distinção entre ação linguística e ação não linguística, ou,
ainda, ações voltadas para o entendimento e ações voltadas para um fim. Tendo isso
em mente, cabe explicitar que Habermas (1990, p. 67) demonstra que, ao realizar tal
linguístico, aqui, diz respeito ao “jogo teleológico da linguagem” ou, ainda, à finalidade
da ação, pois, “num nível geral, todas as ações, linguísticas e não linguísticas, podem
Desse modo, por meio dos atos de fala, o telos almejado pelos “atores” da ação co-
o filósofo, a interação apenas é possível por meio de atos de fala ilocucionários (que
O telos que habita nas estruturas linguísticas força aquele que age comunicativamente
a uma mudança de perspectiva; esta se manifesta na necessidade de passar o enfoque
objetivador daquele que age orientado pelo sucesso, isto é, daquele que quer conseguir
algo no mundo, para o enfoque performativo de um falante que deseja entender-se com
alguém sobre algo (HABERMAS, 1990, p. 130).
Essa proposição requer formas gramaticais específicas: para a expressão sujeito, a pri-
meira pessoa; para a expressão objeto, a segunda pessoa. Nessa composição, cria-se,
então, o enfoque de um falante que fala com alguém sobre algo (HABERMAS, 1990).
Esse enfoque performativo do agente que se orienta pelo entendimento pode ser di-
ferenciado conceitualmente pelo enfoque conceituador do agente que se orienta pelo
sucesso, se lançarmos mão dos modos de nos referimos aos mundos, os quais também
admitem dois enfoques: através de nossas ações de fala nós nos referimos, simulta-
neamente, através de tematizações alternantes, a algo no mundo objetivo, subjetivo
e social; teleologicamente nós só podemos intervir no mundo objetivo (HABERMAS,
1990, p. 131 – grifo nosso).
em tipos de interações distintos, que acabariam por se excluir. Contra isso, ele alega
ter objeções, quais sejam: qualquer tipo de ação de fala pode ser mobilizado estra-
pretensões de validade e sim de poder – fatos esses tidos por ele como paradoxais.
No entanto, o filósofo destaca que há casos que não se demonstram como estra-
convencionalmente, mas que, na verdade, o são, inclusive de modo que o falante leva
até as últimas consequências os fins ilocucionários para atingir sua finalidade. A isso
Esses efeitos só podem surgir quando o falante não declara ao ouvinte seus fins no
âmbito da comunicação. Assim procede, por exemplo, um orador na ânsia de persuadir
seu público, talvez porque lhe faltem na situação argumentos convincentes. Esses efei-
tos perlocucionários não públicos só podem ser obtidos de modo parasitário, a saber,
sob a condição de que o falante simule a intenção de perseguir sem reservas seus fins
ilocucionários, quando na realidade está ferindo os pressupostos do agir orientado ao
entendimento e ocultando este fato ao ouvinte (HABERMAS, 1990, p. 132).
guagem para alcançar uma finalidade. É como se alguém proferisse “amanhã sua mo-
bília estará pronta”, tendo consciência de que isso não irá acontecer, no entanto faz
com que seu interlocutor acredite no que foi dito, para que possa ganhar mais tempo
do agir comunicativo. Para que esse tipo de uso (parasitário) funcione, é necessário que
o ouvinte compreenda que a linguagem está sendo utilizada para fins de entendimento.
Há, também, outro tipo de uso parasitário apresentado por Habermas, esse um pouco
está desprovida de sua pretensão de validez normativa, não sendo também mais per-
ceptível gramaticalmente, por assim dizer – não há na proposição uma função sujeito
A expressão “mãos ao alto!” proferida por um assaltante de banco, que aponta o revol-
ver para o caixa, exigindo a entrega do dinheiro, mostra de modo dramático que as con-
dições de validade normativa foram substituídas por condição de sanção. A dissolução
do fundo normativo mostra-se sintomaticamente na estrutura se-então da ameaça, que
Cabe, ainda, nesta seção, como vimos a respeito do enfoque e das formas de nos
referirmos aos mundos, apresentar quais são esses mundos. Para Habermas, há um
mundo objetivo (no qual se efetivam as ações teleológicas), um mundo social (em que
ais (um mundo subjetivo), os quais apenas podem se inter-relacionar mediados pela
modo, dizer algo acerca de alguma coisa. Assim, há um mundo do qual é possível afir-
mações assertivas, um mundo ontológico, mas, da mesma forma que são possíveis
com outras finalidades, tais como solicitar coisas a outras pessoas ou falar de experi-
ências pessoais, assim, haveria, além do mundo objetivo, o mundo social e o mundo
(2004): uma ação imperativa (na qual ocorrem atos perlocucionários - em que o fa-
e uma ação regulativa (prevalecem atos ilocucionários, em que o falante realiza uma
Em resumo, os atos de fala podem ser vistos segundo pressupostos diferentes: a retidão
ou correção normativa, relacionada ao mundo das ordenações legítimas, através de atos
de fala regulativos (mundo social); pretensão de verdade de enunciados verdadeiros,
cujos pressupostos de existência (estados de coisas ou acontecimentos) estão ajusta-
dos à realidade, de modo que o ouvinte possa assumir e compartilhar o saber do falante,
através de atos de fala constativos (mundo cultural); pretensão de sinceridade, de modo
a expressar sentimentos, opiniões, desejos, de modo que o ouvinte possa confiar na ver-
dade do falante, através de atos de fala expressivos (mundo subjetivo da personalidade).
Em todos eles há uma orientação para o entendimento (ARAÚJO, 2004, p. 258).
Os atos perlocucionários, por sua vez, são orientados para o sucesso, tratando-se de
consensual de ações. São esses atos que, quando realizados por meio de ações es-
dos, por assim dizer, uma vez que um ato de fala comunicativo se ajusta ao mundo
“mundo da vida”.
“As ações comunicativas, que têm suas raízes nos atos de fala, são o interesse e o
Para Habermas (1990), essa ética incorre em dois fatores essenciais: a possibilidade
de uma mesma oportunidade de atos de fala entre os interlocutores, uma vez que
nas quais apenas a motivação racional pode motivar a conclusão do discurso e não
e de acordo com seus princípios éticos. Isso quer dizer que os itens anteriormente
fato de que “a ética do Discurso privilegia características de juízos morais válidos que
8 Habermas fala em diferentes Discursos conforme o tipo de argumentação, não será possível, no
entanto, aprofundar esse conceito nesta unidade e, embora ele enfatize mais claramente o dis-
curso prático, isso não implica na não existência dos outros. Utilizaremos, portanto, a princípio,
apenas o termo “Discurso” para uma referência generalizada.
De início (1) quero destacar que a validez deôntica das normas e as pretensões de
validez que erguemos com os atos de fala ligados as normas constituindo aquilo que
uma ética filosófica tem que poder explicar. Ficará claro então (2) que as posições
filosóficas conhecidas, a saber, as teorias definitórias [...], e as teorias não-cogni-
tivistas [...] já deixam escapar os fenômenos que precisam de explicação [...]. Os
fenômenos morais descobrem-se [...] a uma investigação formal pragmática do agir
comunicativo [...]. Deve ficar claro porque a ética filosófica [...] pode assumir sem
mais a figura de uma teoria especial da argumentação. [...] colocarei a questão fun-
damental da teoria moral, a saber, como o princípio da universalização, que é o único
a possibilitar nas questões práticas um acordo comunicativo pode ser, ele mesmo,
fundamentado (HABERMAS, 1989, p. 62-63).
centrais de sua discussão sobre a ética discursiva. Assim, podemos perceber alguns
pontos importantes nessa discussão: o caráter deontológico de sua teoria ética; o as-
pecto favorável a alguns conceitos cognitivistas (uma vez que se apresenta contrário
Importante, portanto, apresentar que a ética do Discurso, para Habermas, possui qua-
mecanismo de justificação das normas, e não com o conteúdo concreto das normas);
e é universalista (já que as normas fundamentadas no discurso ético têm que ser
ções cognitivo-instrumentais, com uma visão de meio e fim por meio da racionalidade
não de fim, utilizando ele uma citação de Horkheimer, da qual reproduzimos apenas
uma parte: “A razão é calculadora. [...] No âmbito da prática, só pode falar de meios,
e não de fins. Sobre os fins, ela tem que se calar” (HORKHEIMER apud HABERMAS,
de um indivíduo, mediante a ação de outro sobre ele, de modo a gerar no outro algum
sentimento, Habermas esclarece essa teoria apontando para o fato de como Strawson
Neste complexo de atitudes afetivas, passível de ser esclarecido pela análise da lingua-
gem, o que interessa a Strawson inicialmente é o fato de que todas as emoções estão
insertas numa prática quotidiana à qual só temos acesso numa atitude performativa. É
só assim que a rede de sentimentos morais adquire uma certa inevitabilidade: o enga-
jamento que assumimos na medida em que pertencemos ao mundo da vida não é algo
que possamos revogar ao nosso bel-prazer (HABERMAS, 1989, p. 66).
Este seria o primeiro fator essencial para a ética discursiva de Habermas: o caráter
interesse, a uma vontade ou a uma norma a dignidade de uma autoridade moral” (HA-
BERMAS, 1989, p. 68). Esse primeiro fator, o deôntico, já nos conduz para o segundo:
Habermas realiza um paralelo entre a teoria de Strawson e Toulmin. Isso porque Toul-
min utiliza “a explicação teórica dos fatos e a justificação moral das maneiras de agir,
entre as bases empíricas da percepção, por um lado, e dos sentimentos, por outro”
(HABERMAS, 1989, p. 71). Para Habermas, (1989, p.71-72), “se “dever fazer algo”
implica em “ter boas razões para fazer algo”, então as questões que se referem à de-
cisão por ações são guiadas por normas ou à escolha das próprias normas de ação,
devem ser passíveis de verdade”. A partir dessas reflexões de que a justificação moral
Esses dois fatores essenciais para os princípios éticos – o caráter deontológico e o as-
pecto cognitivo – nos conduzem para o terceiro fator: a questão formal do discurso. A
de uma “forma lógica de argumentação moral” (HABERMAS, 1989, p. 78). Com isso,
pretende-se dizer que alegar que a ética do discurso possui um fundamento, um fator
mentação racional, à questão de validez da proposição, aos atos de fala e aos mun-
dos de Habermas, uma vez que estão todos inter-relacionados com a argumentação.
O princípio moral é compreendido de tal maneira que exclui como inválidas as nor-
mas que não possam encontrar assentimento qualificado de todos os concernidos
cerca de sua ética discursiva, tem-se que, de um lado, a ação no mundo moderno
é coordenada por sistemas que funcionam de acordo com a racionalidade que gera
emoções “desiquilibradas”. De outro lado, as ações sociais são guiadas por normas e
sos e pelos fins e sentidos socialmente dirigidos. O discurso seria um meio possível
Se analisarmos atentamente, veremos que, dos quatros itens necessários para a fun-
Acerca do terceiro item – as regras do discurso –, vale destacar que as regras que
tornam possível o discurso racional, em geral, podem ser caracterizadas com pres-
1.2. Todo falante que aplicar um predicado F a um objeto “a” tem que estar disposto
a aplicar F a qualquer outro objeto que se assemelhe a “a” sob todos os aspectos
relevantes.
2.1. A todo falante só é lícito afirmar aquilo em que ele próprio acredita.
2.2. Quem atacar um enunciado ou norma que não for objeto da discussão tem que
3.3. Não é lícito impedir falante algum, por uma coerção exercida dentro ou fora do
Essas regras são pragmáticas, uma vez que se validam na interação e, com isso, ao
mentar normas e direitos, conforme o tipo de discurso. O que irá diferenciar cada um
Todavia, os direitos positivos vão para além da função de institucionalizar normas mo-
forma, direitos morais de direitos positivos, tanto pela validade quanto pelos seus fins,
estabelecendo a relação entre um e outro, sendo os direitos básicos que tornam pos-
está sempre em busca do consenso entre indivíduos acerca de algo; também, o fato
de esse discurso dever sempre ser democrático, pois deve sempre oferecer a todos
sível perceber o papel fundamental da filosofia nesses estudos, até mesmo conside-
rando o fato de a linguística, tal qual a conhecemos hoje, em forma de ciência, ser
bastante recente. Esse fato direciona, de modo quase causal, os estudos da linguagem
para outros estudiosos que não linguistas, pois esses ainda estavam “em formação”,
A sociedade humana cresceu e se desenvolveu por meio de artifícios que, direta ou in-
grande salto na área dos saberes. Mais do que isso, a linguagem possibilitou ao ser
mento de informações é a “troca linguística entre quem fala e quem ouve”, a qual
Na interação que é possível apenas por meio da linguagem que se realiza por meio
da comunicação, a presença do outro deve ser sempre considerada (mesmo que esse
outro seja você mesmo – seu “eu interior”). Nessa perspectiva, o contexto comunica-
Podemos dizer que é por meio desse tripé – linguagem, comunicação e interação –,
e tudo mais o que isso envolve (fatores sociais, discursivos etc.), utilizado constante-
atividades com atenção. Você precisa, ainda, ao final desta unidade, ser capaz de:
so em Habermas.
construção do saber.
7. Entender como, por meio da sua teoria discursiva, Foucault demonstra que a
nativa(s) correta(s).
mente embasados nas questões relativas à teoria dos atos de fala (de
Austin e de Searle).
fundamentem, que validem o conteúdo comunicado, de tal modo que ele seja
aceito por aquele que participa da comunicação. Não de forma coercitiva, mas
volvidos no discurso.
sões de validez discursivas que, por sua vez, equivalem aos três mundos.
normas e não com o conteúdo concreto das normas); e é universalista (já que
jetivador daquele que age orientado pelo sucesso, isto é, daquele que quer
enfoque objetivador daquele que age orientado pelo sucesso, isto é, daquele
e em diversas outras ciências, com uma “filosofia geral de vida” que poderia ex-
próprio estruturalismo, a partir do qual se acreditava que o mundo não era ape-
nas estruturas.
objetos para poder observar sua estrutura, sem qualquer outro tipo de preocupa-
cípios desconstrutivistas.
b) Uma vez que o discurso provém da linguagem, está sempre em busca do con-
senso entre indivíduos acerca de algo e, também, o fato de esse discurso de-
ver sempre ser democrático, pois deve sempre oferecer a todos condições de
mente – para ele, falar é mais que criar uma situação, é criar mundos e possi-
bilidades de mundos.
afastar desses elementos que fazem que o conteúdo do enunciado se dilua com
Artigos introdutórios
php/veritas/article/view/8691/9031>.
br/rev_edu_online.php?strSecao=input0>.
CRH-2006-326%20(1).pdf
Sites
<http://www.portalconscienciapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-contempor%-
C3%A2nea/escola-de-frankfurt/habermas/>.
Vídeos
Escola de Frankfurt – teoria crítica (esse vídeo realiza uma breve síntese do contex-
t=PLEM0V3CphjnJKG5wXUdSblIQk9YHorqlr&index=1>.
watch?v=89Geqn2fM_w>.
Livros recomendados
HABERMAS, J. Consciência moral e agir comunicativo. Trad. Guido de Almeida.
nuva.files.wordpress.com/2011/08/consciencia-moral-e-agir-comunicativo.pdf>.
______. Pensamento pós metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. Dis-
gues.pdf>.
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 7 ed. Rio de
Filmes recomendados
O doador de memórias
2014 sob a direção de Phillip Joyce. Retrata a forma como uma pequena comunidade
as memórias de quando o mundo ainda não era “ideal”, de forma a poupar os demais
que não se mostra como tal. Obviamente, o filme tem proporções modestas e nunca
seus personagens com um curioso respeito: não existem vilões tradicionais aqui, ape-
nas pessoas que tomam decisões questionáveis por acreditarem ser o melhor para a
jovem lutando contra o sistema vigente. Além da simples aventura e fantasia, há uma
Aldous Huxley em 1931, é uma ‘fábula’ futurista, relatando uma sociedade comple-
tamente organizada, sob um sistema científico de castas. Não haveria vontade livre,
sono. Com uma estrutura social estabelecida em todo o planeta e dividida, politica-
mente, em dez regiões. A história conta que, após um terrível período - A Guerra dos
a guerra foi eliminada, e o principal objetivo dos que a conduzem é impedir, a todo o
Em uma escola da Alemanha, alunos têm de escolher entre duas disciplinas eletivas,
uma sobre anarquia e a outra sobre autocracia. O professor Rainer Wenger é colocado
para dar aulas sobre autocracia, mesmo sendo contra sua vontade. Após alguns minu-
tos da primeira aula, ele decide, para exemplificar melhor aos alunos, formar um gover-
no fascista dentro da sala de aula. Eles dão o nome de “A Onda” ao movimento e esco-
lhem um uniforme e até mesmo uma saudação. Só que o professor acaba perdendo o
fanáticas demais, Wenger tenta acabar com “A Onda”, mas aí já é tarde demais.
autonomia em relação aos seus estudos. Cabe a você a administração do tempo di-
ário que dedicará a eles e do local em que os realizará. Acreditamos que, ao fazer a
escolha pelo Ensino a Distância, você a fez por ser uma pessoa disciplinada e com
Como é sabido, o processo de educação a distância não se faz apenas por meio dos
conteúdos teórico das unidades. Sua interação com os outros alunos e com o profes-
vamos para que você compartilhe sua aprendizagem e aproveite para sanar quais-
quer eventuais dúvidas que, porventura, ainda tenha ou, até mesmo, para aprofundar
nos históricos e sociológicos, que “abriram caminho” para sua teoria da ação
pós-estruturalismo.
______. Estética da criação verbal. 6. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes,
2011.
______. Os direitos sociais básicos: uma investigação filosófica dos direitos huma-
nos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. 112 p.
______. A arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2009.
FREITAS, M. B. C. João Duns Scoto. Lisboa: Editorial Verbo, 2004. Disponível em:
<http://www.lusosofia.net/textos/costa_freits_manuel_barbosa_joao_duns_escoto.pdf
> Acesso em maio de 2016..
______. Pensamento pós metafísico. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. Dis-
ponível em: <http://www.olimon.org/uan/habermas-pensamento-postmetafisico-portu-
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______. O livro Azul. Tradução de Jorge Mendes. Revisão de tradução Dr. Carlos
Monrjão. Rio de Janeiro: Edições 70, 1958. Disponível em: https://j62gig-dm2305.
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fiHBBgFxr_ynGtnOu_zkNzmRfL9ueg/Ludwig%20Wittgenstein%20-%20O%20
livro%20azul.pdf?psid=1 > Acesso em maio de 2016.