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A GREVE DOS SIGNOS

por Carlos Hollanda

Num dado momento da Eternidade, os signos do Zodíaco se reuniram perante o


Ser Supremo. Sentados em torno de sua távola de estrelas, reclamavam que,
apesar de conferirem ao Homem seus atributos (conforme o Ser assim havia
dito), a espécie, a máxima criação divina, não se harmonizava e não estava
conseguindo chegar ao ponto de relação com a Fonte de Luz. Um signo acusava
o outro de impedir a harmonia e a felicidade humana. Cada um achava ser o
senhor da verdade e que a humanidade deveria agir conforme seu padrão. A
discussão aumentou até que o Ser Supremo, com infinita sabedoria, sugeriu:
"Façam uma greve." Todos ficaram estupefatos. Silêncio total na Eternidade. O
Ser continuou: "Aqueles cuja ausência puder ser equilibrada pelos outros serão
retirados do Zodíaco e passarão a fazer parte das outras constelações. A greve
será para um de cada vez, de forma que todos vejam os efeitos. Para que a vida
no Universo não sofra as conseqüências, vamos fazer isso no plano das idéias.
Se vocês acharem que tudo estará bem, faremos no plano físico logo em
seguida".
Todos se aprumaram, prontos para começar nessa empreitada do "o que
aconteceria se…".

Áries tomou a dianteira e declarou: "Sem mim, nada no Universo poderá ser
iniciado".
E assim começou um período onde crianças permaneciam presas no útero,
nenhuma semente brotava e nem surgia nas plantas, ninguém saía mais de
suas casas, não havia mais nada que interessasse na Terra, pois sem a energia
e a iniciativa de Áries a realidade se tornara estagnada, sem movimento. Além
disso, não era possível decidir coisa alguma, tal era a dificuldade de optar por
um caminho a seguir. Todos esperavam a aprovação de todos, o que levava a
mais e mais estagnação. Ninguém conseguia sacrificar-se o suficiente para
reverter a situação, não havia mais honestidade nem nobreza para enfrentar as
vicissitudes. A falta de energia era tão grande que os planetas pararam de se
movimentar. Na Terra, em um dos hemisférios só havia dia e calor causticante.
No outro só a noite e o frio congelante. A locomotiva do Zodíaco parara.
Com o mundo à beira da destruição devido à inatividade total, os arquétipos se
reuniram e decidiram afagar o ego do Carneiro pedindo-lhe para retornar a seu
posto. Orgulhoso, ele atendeu o pedido.

"Que Touro se apresente", disse o Ser em sua voz de mil trovões.

Touro então inicia sua greve. Logo tudo passa a cheirar mal, a terra seca e as
pessoas empobrecem. Miséria espalhada por todo canto, colapso econômico,
ganância e falta de contenção de impulsos geraram ondas de violência sem
igual. A paz taurina havia sido banida. Todas as coisas mudavam
repentinamente e sem parar. Não se podia mais esperar nada do futuro. As
crianças nasciam e morriam logo em seguida, devido à dificuldade de manter as
coisas por um certo período. Aliás, os organismos perdiam a resistência tão
rapidamente que qualquer alteração (e havia muitas), provocava uma
catástrofe.
Os arquétipos, convencidos do problema, pediram o retorno de Touro, que se
recusou a fazê-lo. Depois de muitas vezes e com muita insistência, os
arquétipos se reuniram e pediram o retorno de Touro, que, relutante, sentou-se
em seu lugar.

Chegou a vez de Gêmeos. Todos sentiram o ar ficar rarefeito, houve silêncio


novamente, mas tal silêncio era involuntário e sepulcral. Ninguém mais
concatenava as idéias, nada podia ser dito e quando era dito se tornava dogma,
sem lógica, sem flexibilidade, sem humor. As coisas se repetiam infinitamente,
pois nunca houve tanta falta de variedade no Universo. Se alguma coisa era
ensinada de um jeito, ninguém mais podia ter outra opção. A falta de
comunicação, com as pessoas não querendo mais ouvir e muito menos ponderar
questões mesmo as simples, estava criando o ambiente perfeito para a guerra,
isso sem falar nos problemas respiratórios e de sistema nervoso que afetaram a
todos.
Após uma série de controvérsias, discussões, mudanças de assunto e muito
falatório, Gêmeos resolveu voltar ao seu lugar.

A primeira medida de Câncer foi extinguir todos os alimentos. Isso por si só já


acabaria com toda a vida existente, mas Câncer, como sempre, nunca deixa as
coisas pela metade. Além da ameaça de morte por inanição, as mães largavam
seus filhos a esmo, mesmo os recém-nascidos. Não havia mais famílias. Todas
as pessoas decidiram ser independentes demais, apesar de a maioria estar
despreparada para enfrentar a vida sem apoio emocional, um lar e gente que
nos quer bem por perto. Todos esqueceram o passado, portanto nem mesmo
sabiam porque estavam fazendo tudo aquilo e porque tudo estava horrível.
Assim, a pedidos imersos em lágrimas e com um pouco de chantagem
emocional, Câncer retornou ao seu lugar.

Leão não se manifestou. Por causa disso, todos estavam se perdendo na


animalidade, sem contato consigo mesmo. Ninguém queria mais saber o
impacto que tinha sobre as outras pessoas, daí que nem valia a pena viver.
Suicídios. Não havia mais nenhuma procriação, nenhum auto-respeito e muito
menos personalidades integradas. Esquizofrenia geral, frieza nas relações. Todos
os seres vivos pereciam devido à isenção de contato e à inexistência de vontade
de se sentir vivo. Tudo estava se perdendo numa horrenda rotina, com sistemas
para tudo, sem participação do indivíduo naquilo que deveria trazer satisfação. A
incidência de enfartes aumentou 1000% a cada dia. O Sol começava a perder
seu calor, e o sistema solar entrava na era da escuridão e do frio eternos.
Para evitar isso, Leão, exprimindo seu desejo de ser apreciado e de demonstrar
sua importância, por vontade própria, voltou a ocupar seu lugar.

Virgem não gostou muito da idéia de interromper suas atividades, mas seguiu
as ordens. Sem ele, todas as ações terminavam em obras extremamente mal
feitas, perigosíssimas para a saúde e integridade física de todos no Universo.
Ninguém mais se importava se havia necessidade de trabalhar, todos só
queriam as coisas boas sem nenhum sacrifício. Isso gerou sérios problemas,
pois novamente não havia comida. As pessoas ficaram doentes e não havia
médicos. As crendices sem sentido imperavam. O caos tomou conta de tudo e
nenhum ser existente conseguia mais digerir o que restou dos alimentos, que
por sinal estava muito sujo e estragado. Nenhum conhecimento era
aprofundado, tudo era fútil e sem sentido. Não se estabeleciam rotinas nem
mesmo no corpo dos seres viventes, pois a química do organismo estava
suspensa. Houve mortalidade sem igual pela falta de higiene.
Terrivelmente arrependido pelo engano, resmungando muito e se criticando (e
também ao Supremo, por fazer as coisas de um jeito que ele não achava certo),
Virgem voltou correndo a seu lugar.

Libra não sabia se entrava na greve ou se permanecia no lugar onde estava.


Com muito custo e chateado por ser desagradável, retirou-se. Num instante
tudo perdeu o brilho, as pessoas ficaram horripilantes, os animais, tudo. Nem
mesmo a vegetação era verde, mas de uma cor desbotada, indefinível. Guerra
por todos os lados, ninguém mais tinha vontade de unir e reunir, somente os
egos eram importantes e a vontade de cada ente tinha de prevalecer. Ninguém
tinha mais medo de nada, mas também não tinha bom senso, que é um tipo de
medo. Não se podia mais usar roupas, porque elas feriam a pele, o chão feria os
pés, o sol queimava sem trégua e até os planetas perderam o rumo de suas
órbitas, chocando-se uns com os outros, tal era a falta de equilíbrio. Divórcios
eram tão comuns que as pessoas nem mesmo se casavam mais - até porque
todos estavam horríveis.
Após um diálogo com contrato assinado dividindo as responsabilidades de tudo,
Libra concordou em retornar.

Escorpião saiu e com ele saíram todas as possibilidades de reciclagem do


Universo. As coisas apodreciam, mas não se desintegravam. Nada morria.
Cadáveres andavam pelas ruas putrefatos, sem alma, mas com os corpos
funcionando tal como máquinas ligadas indefinidamente. As emoções mais
primitivas desapareceram também, mas com elas se foi tudo o que a vida tem
de importante. Não havia mais intensidade de propósitos e tudo se tornou rotina
pura, sem sentido. Todos os seres agiam como autômatos e os dias, horas,
minutos, etc., tudo era o mesmo. O Universo não mais se destruiria, devido à
falta de Escorpião, mas também não mais seria reconstruído e melhorado. Tudo
passou a ser superficial e falso, apenas cascas sem vida com movimento. Nos
seres humanos todo o processo orgânico de excreção foi interrompido, gerando
grande sofrimento.
Satisfeito com a lição que dera, mas já entrando em depressão, Escorpião
voltou a seu lugar.

Repentinamente as coisas diminuíram de tamanho e a desesperança tomou


conta de todos os seres. Era Sagitário entrando em greve. As mentalidades se
tornaram tacanhas, regionalistas, sem o mínimo senso de amplitude. Nada no
Universo se expandia ou crescia mais. A humanidade definhava, emagrecia,
como que acometida por mil e uma doenças e isso acontecia mesmo com
aqueles que ainda podiam conseguir alimentos. O ceticismo imperava a tal
ponto que não se acreditava mais nem mesmo que a pessoa ao lado respirava
também. Tudo tinha de ser comprovado cientificamente, o que gerava muita
confusão, pois não havia tempo para ter certeza de tudo nos mínimos detalhes.
Não havia mais significado em nada, tudo era aleatório. Quanto mais banal o
conhecimento e quanto menos ele levasse a alguma coisa melhor. Estava
instaurada a era da futilidade total, enquanto que o mundo se destruía pelo
descaso e pela falta de pessoas dedicadas a ensinar.
Sagitário rapidamente voltou ao convívio daqueles que considerava o que de
melhor o Universo poderia oferecer, pois não agüentava mais estar perdendo as
novidades do high society celestial.

Chegando a vez de Capricórnio, toda a ordem cronológica das coisas perdeu o


sentido. Coisas que deveriam acontecer em seqüência, tinham sua lógica
alterada. Morria-se antes de nascer, os jovens se tornavam velhos aos 20 anos
e quem chegava aos 50 anos estava à beira da morte ou já estava
reencarnando, não importava se houvesse problemas de saúde ou não. Não
havia mais sistema e ordem. Não bastasse isso, em todos os outros pontos do
Universo a irresponsabilidade tomava conta. Tudo era feito de forma passional,
sem ponderação. Depois de tudo isso a destruição final seria fazer tudo o que
era sólido se tornar líquido, até mesmo as rochas e os esqueletos.
Os arquétipos precisaram intervir, "depondo" Capricórnio de seu "status" de
grevista. Só assim ele retornou a seu lugar.

Aquário em greve resultou em perda total da liberdade. Todo o fluxo e refluxo


universal cessaram e todas as pessoas passaram a pensar, agir, sentir e viver
do mesmo jeito. A preocupação maior de cada um era consigo mesmo, nada era
feito em prol da comunidade. Alguns conseguiram viver durante um tempo em
castelos feitos de ouro, mas em volta desses castelos havia um oceano de
excrementos, lixo humano e devastação. A conseqüência foi a destruição
gradativa desses monumentos ao egoísmo pela própria ignorância de seus
donos a respeito da necessidade de disseminar recursos para que pudessem tê-
los de volta. Todos esqueceram do ciclo da vida, da Lei do Retorno. A palavra
amizade foi banida de todos os dicionários. Não chovia mais em lugar nenhum,
pois a chuva distribui água para todos sem exceção, portanto as nuvens
desapareceram. A humanidade quase se extinguiu, pois Aquário é o signo da
Humanidade. Até mesmo as estrelas pararam de emitir luz, uma vez que ela
banha a todos e isso faz farte da tarefa de Aquário.
Cansado da rotina de nada fazer, Aquário voltou repentinamente ao seu lugar,
pois estava bolando uma revolução para modificar tudo o que se julgava bom
até aquele momento.

Peixes, retirado como de costume, simplesmente deixa de se importar com o


sofrimento humano. As crueldades infligidas são incontáveis. Não há mais
compaixão no Universo, apenas regras rígidas. Qualquer desvio, por mínimo que
seja, é punido com severidade sem igual. A Graça Divina deixa de descer sobre
a Criação, pois se preza sobremaneira a execução exata das tarefas e rotinas
(orgânicas, sociais ou cósmicas), não havendo lugar para o incognoscível ou
para a possibilidade de adequar qualquer anomalia à vida cotidiana. Por causa
disso, as formas viventes são violentamente forçadas a desenvolver-se dentro
dos padrões de perfeição absoluta. O resultado foi a extinção da maioria dos
seres , inclusive os humanos, pois nenhum ser vivente é uma cópia fiel do
protótipo do Criador, daí que fez-se necessária a interrupção desta última greve
o quanto antes.
Após o retorno lacrimejante de Peixes, que, por sinal, sentia muita piedade e
autopiedade daquilo que só aconteceu na imaginação, ouviu-se a pergunta do
Ser Supremo: "Então? Já decidiram quais são os signos que podem ser
retirados? Há algum que não tenha feito falta?"

Os doze entreolharam-se cabisbaixos e, agora mais sábios, responderam em


uníssono: "Senhor, percebemos que somos partes de um imenso mecanismo
cósmico que jamais sobreviveria desfalcado, mesmo de apenas um de nós.
Pedimos perdão por nossa ignorância. Decidimos, portanto, dar como missão ao
Homem a mesma tarefa que deste a nós, fazendo com que ele, a cada geração,
harmonize nossos aspectos dentro de si mesmo. Dessa maneira, concedemos a
ele, Senhor, aquilo que recebemos de Ti: o Livre-Arbítrio e a capacidade de
superar até mesmo o que nós, como símbolos, representamos. O Homem jamais
será uma marionete das estrelas se não quiser sê-lo."
Satisfeito, o Ser deu por concluída sua obra e irradiou sua energia divina à
espera daqueles que por ela procuram.

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