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CDD: 362.1
23-83609 CDU: 614
GABOR MATÉ
Vancouver, Colúmbia Britânica
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS
NOTAS
INTRODUÇÃO
Na sociedade mais obcecada por saúde que já existiu, as coisas não vão nada
bem.
A saúde e o bem-estar se tornaram uma xação moderna. Indústrias
multibilionárias contam com o investimento contínuo – mental e
emocional, sem esquecer o nanceiro – das pessoas, em sua busca
interminável para comer melhor, parecer mais jovem, viver mais, ter mais
energia ou simplesmente ter menos sintomas do que quer que seja. Vemos
notícias “revolucionárias” nas capas de revistas, matérias de televisão,
anúncios onipresentes e uma enxurrada diária de conteúdo viralizado na
internet, tudo nos empurrando essa ou aquela forma de melhorar a nós
mesmos. Fazemos o possível para nos manter atualizados: tomamos
suplementos, nos matriculamos em aulas de ioga, experimentamos todas as
novas dietas, pagamos por testes genéticos, traçamos estratégias para evitar
o câncer ou a demência, e buscamos conselhos médicos ou terapias
alternativas para doenças do corpo, da mente e da alma.
Apesar disso tudo, nossa saúde está piorando.
O que está acontecendo? Como devemos interpretar o fato de, neste
mundo tão moderno, no auge do conhecimento e da so sticação da
medicina, vermos cada vez mais doenças físicas crônicas e transtornos
mentais? E como não estamos alarmados com isso? Por m, como devemos
agir para prevenir e curar os muitos males que nos assolam, mesmo sem
considerar as catástrofes terríveis como a pandemia de covid-19?
Com mais de três décadas de exercício da medicina, num trabalho que
inclui desde partos até a administração do setor de cuidados paliativos num
hospital, sempre me interessei pelos vínculos entre os indivíduos e os
contextos sociais e emocionais nos quais nossa vida se desenrola, e nos quais
a saúde ou a doença subsequentemente ocorrem. Com o tempo, essa
curiosidade, ou, melhor dizendo, esse fascínio, me levou a examinar a fundo
a inovadora ciência que estabeleceu esses vínculos. Meus livros anteriores
exploraram algumas dessas conexões manifestadas em males especí cos,
como o transtorno do dé cit de atenção com hiperatividade (TDAH), a
dependência, o câncer e todos os tipos de doenças autoimunes. Escrevi
também sobre desenvolvimento infantil durante o período mais
decisivamente formador de nossa vida.1
O escopo deste livro, O mito do normal, é bem mais abrangente. Passei a
acreditar que, por trás da verdadeira epidemia de mazelas crônicas, tanto
mentais quanto físicas, que assolam nossa época, existe algo de errado em
nossa própria cultura, que gera ao mesmo tempo a profusão de males dos
quais sofremos e os pontos cegos ideológicos que nos impedem de ver a
situação com clareza e tomar alguma providência mais e caz. Esses pontos
cegos, prevalentes na cultura de modo geral – porém endêmicos em trágica
escala na minha pro ssão –, nos mantêm ignorantes em relação às conexões
entre nossa saúde e nossa vida socioemocional.
Outra forma de dizer a mesma coisa: uma doença crônica, seja ela
mental ou física, é em grande medida uma função ou um aspecto do modo
como as coisas são, e não uma disfunção; ela não é uma aberração
misteriosa, mas uma consequência do nosso modo de viver.
A expressão “cultura tóxica”, que muitas vezes usamos para descrever a
nossa sociedade, pode sugerir coisas como poluentes ambientais, tão
prevalentes desde os primórdios da era industrial e tão nocivos para a saúde
humana. De partículas de amianto até a propagação desenfreada de dióxido
de carbono, de fato não faltam entre nós toxinas reais, concretas. Também
poderíamos entender o adjetivo “tóxico” em sua acepção mais
contemporânea, mais pop-psicológica, como a propagação de negatividade,
descon ança, hostilidade e polarização que, de modo irrefutável, caracteriza
o momento sociopolítico atual.
Com certeza podemos incluir ambos os signi cados em nossa discussão,
mas neste livro uso a expressão “cultura tóxica” para caracterizar algo ainda
mais amplo e mais profundamente arraigado: todo o contexto de estruturas
sociais, sistemas de crença, pressuposições e valores que nos cerca, e que
necessariamente permeia todos os aspectos da nossa vida.
O fato de a vida social in uenciar a saúde não é uma descoberta nova,
porém o reconhecimento desse fato nunca foi tão urgente. Vejo isso como a
questão de saúde mais crucial e com mais consequências da nossa época,
movida pelos efeitos do aumento do estresse, da desigualdade econômica e
da catástrofe climática, para citar apenas alguns fatores. Nosso conceito de
bem-estar precisa passar do individual para o global em todos os sentidos da
palavra. Isso vale em especial para essa era do capitalismo globalizado que,
nas palavras do historiador cultural Morris Berman, se tornou “o ambiente
comercial total que circunscreve todo um mundo mental”.2 Dada a unidade
entre corpo e mente que será destacada neste livro, eu acrescentaria que isso
constitui também um ambiente siológico total.
A meu ver, pela sua própria natureza, nossa cultura social e econômica
gera fatores de estresse crônicos que prejudicam nosso bem-estar de forma
grave, como vem fazendo com cada vez mais força ao longo das últimas
décadas.
Eis uma analogia que pode ser útil: num laboratório, uma “cultura” é um
caldo bioquímico criado sob medida para o desenvolvimento de uma forma
de vida especí ca. Pressupondo que os microrganismos em questão
comecem o experimento com uma saúde e uma adequação genética
perfeitas, uma cultura adequada e uma boa manutenção deveria permitir o
desenvolvimento e a proliferação saudável deles. Se esses microrganismos
começam a apresentar patologias em taxas incomuns ou não conseguem se
desenvolver direito, das duas uma: ou a cultura se contaminou, ou desde o
início não constituía a mistura certa. Fosse como fosse, poderíamos
denominar isso corretamente de cultura tóxica, ou seja, inadequada para as
criaturas que deveria sustentar. Ou pior: perigosa para sua existência. O
mesmo vale para as sociedades humanas. Como a rma o apresentador,
ativista e escritor omas Hartmann, “a cultura pode ser saudável ou tóxica,
promover o bem-estar ou então matar”.3
Da perspectiva do bem-estar, nossa cultura atual, vista como um
experimento de laboratório, é uma demonstração cada vez mais globalizada
do que pode dar errado. Apesar de recursos econômicos, tecnológicos e
médicos espetaculares, ela leva um número incalculável de seres humanos a
padecerem de doenças geradas por estresse, desigualdade, degradação
ambiental, mudança climática, pobreza e isolamento social. Ela permite que
milhões de pessoas morram prematuramente de doenças que sabemos
evitar ou de privações de recursos de que dispomos em quantidades
su cientes para eliminar.
Nos Estados Unidos, o epicentro do sistema econômico globalizado,
60% dos adultos têm algum distúrbio crônico como hipertensão arterial ou
diabetes, e mais de 40% apresentam dois ou mais distúrbios desse
tipo.4Quase 70% dos americanos tomam um ou mais remédios vendidos
com receita; mais da metade toma dois diariamente.5 No Canadá, meu país,
metade de todos os baby boomers terão hipertensão em poucos anos caso a
tendência atual se mantenha.6 Entre as mulheres, vê-se um aumento
desproporcional dos diagnósticos de doenças autoimunes potencialmente
debilitantes, como a esclerose múltipla (EM).7 Entre os jovens, os cânceres
não relacionados ao tabagismo parecem estar aumentando. As taxas de
obesidade, juntamente com os vários riscos para a saúde que a
acompanham, estão subindo em muitos países, entre eles Canadá, Austrália
e, em especial, os Estados Unidos, onde mais de 30% da população adulta
atende aos critérios que a de nem. Recentemente, o México ultrapassou seu
vizinho mais ao norte nessa nada invejável categoria, resultando em 38
mexicanos diagnosticados com diabetes a cada hora. Graças à globalização,
a Ásia está recuperando o atraso. “A China adentrou a era da obesidade”,
relata o pesquisador de saúde infantil Ji Chengye, em Pequim. “A velocidade
de crescimento é chocante.”8
Em todo o mundo ocidental, os diagnósticos de distúrbios mentais
aumentam exponencialmente entre os jovens, adultos e idosos. No Canadá,
depressão e ansiedade são os diagnósticos que mais crescem; e em 2019,
mais de 50 milhões de americanos – o que corresponde a mais de 20% da
população adulta dos Estados Unidos – teve algum episódio de doença
mental.9 Na Europa, segundo os autores de uma pesquisa internacional
recente, os transtornos mentais se tornaram “o maior desa o do século
XXI”.10 Milhões de crianças e jovens americanos vêm sendo medicados com
estimulantes, antidepressivos e até mesmo drogas antipsicóticas, cujos
efeitos a longo prazo no cérebro em desenvolvimento ainda não foram
estabelecidos. Uma manchete arrepiante no site de notícias ScienceAlert fala
por si: “Tentativas de suicídio por crianças explodem nos Estados Unidos, e
ninguém sabe por quê.”11 O panorama é igualmente grave no Reino Unido,
onde o jornal e Guardian recentemente noticiou: “Universidades
britânicas veem aumento de ansiedade, colapso nervoso e depressão em
alunos.”12 À medida que a globalização toma conta do mundo, distúrbios até
então encontrados em países “desenvolvidos” estão começando a adentrar
novos territórios. Por exemplo, o TDAH em crianças tornou-se “uma
questão de saúde pública cada vez mais grave” na China.13
A catástrofe climática que já nos afeta introduziu um risco inteiramente
novo, uma versão ampli cada – se é que isso é possível – da ameaça que a
guerra nuclear representa desde Hiroshima. “A preocupação com a mudança
climática está associada à percepção dos jovens de que eles não têm futuro,
de que a humanidade está condenada”, constataram os autores de uma
pesquisa de 2021 sobre as atitudes de mais de 10 mil indivíduos em 42
países. Além da sensação de terem sido traídos e abandonados pelos
governos e pelos adultos, o desânimo e a falta de esperança demonstrados
pelos participantes da pesquisa “são fatores de estresse crônicos que terão
implicações negativas signi cativas, duradouras e progressivas na saúde
mental de crianças e jovens”.14
Voltando à analogia do laboratório, podemos concluir,
inquestionavelmente, que nossa cultura é tóxica. E mais: nós nos
acostumamos – ou, talvez seja mais adequado dizer, nos aculturamos – a
grande parte do que nos a ige. Essas coisas se tornaram, na falta de um
adjetivo melhor, normais.
Na prática clínica, a palavra normal designa, entre outras coisas, o estado
que é nosso objetivo como médicos, e que serve de fronteira para distinguir
a saúde da doença. “Níveis normais” e “funcionamento normal” são as
nossas metas ao indicar procedimentos ou medicações. Também avaliamos
o sucesso ou o fracasso de um tratamento em comparação com “normas
estatísticas”: tranquilizamos pacientes a itos de que tal sintoma ou efeito
colateral é totalmente normal, no sentido de “esperado”. Todos esses são usos
especí cos e legítimos da palavra, que nos permitem avaliar situações de
modo realista para podermos mirar adequadamente nossos esforços.
Não é nesses sentidos que a palavra “normal” é usada no título deste
livro, mas sim em uma acepção mais insidiosa que, em vez de nos ajudar a
progredir em direção a um futuro mais saudável, nos impede de tentar fazer
isso já de saída.
Para o bem ou para o mal, nós humanos temos um grande talento para
nos acostumar às coisas, em especial quando as mudanças são progressivas.
A palavra “normalizar” refere-se ao mecanismo por meio do qual uma coisa
antes aberrante se torna comum o su ciente para não ser captada pelo nosso
radar. Num nível social, portanto, “normal” muitas vezes signi ca “não há
nada diferente a ser visto por aqui”: todos os sistemas estão funcionando
como deveriam, não é preciso mais nenhuma investigação.
A verdade, do meu ponto de vista, é muito diferente.
O saudoso David Foster Wallace, artí ce da palavra, escritor e ensaísta,
certa vez abriu um discurso com uma parábola bem-humorada que ilustra
bem o problema do conceito de normalidade. A história fala sobre dois
peixes jovens que cruzam com um peixe ancião, que os cumprimenta
alegremente: “Bom dia, rapazes. Como está a água?” E depois de os dois
jovens peixes passarem um tempo nadando, um deles olha para o outro e
pergunta: “O que é água?” A questão que Wallace queria levantar era que “as
realidades mais evidentes, mais onipresentes e mais importantes muitas
vezes são as mais difíceis de ver e de abordar”. Na superfície, reconheceu ele,
isso poderia soar como um “clichê banal”, mas “nas trincheiras do dia a dia
da existência adulta, os clichês banais podem ter uma importância de vida ou
morte”.
Ele poderia muito bem estar se referindo à tese deste livro. De fato, a
vida – e também a morte – das pessoas, sua qualidade e em muitos casos sua
duração, estão intimamente ligadas aos aspectos da sociedade moderna
“mais difíceis de ver e de abordar”: fenômenos que, como a água para os
peixes, são ao mesmo tempo demasiado vastos e demasiado próximos para
serem devidamente valorizados. Em outras palavras, aqueles aspectos da
vida cotidiana que hoje nos parecem normais são os que mais alto gritam
para serem examinados. Esse é o meu argumento central. Minha intenção
de fundo, consequentemente, é propor um novo modo de ver e de falar
sobre esses fenômenos, trazendo-os do fundo para a frente da cena, para que
talvez possamos encontrar mais rapidamente seus tão necessários remédios.
Acredito que muito daquilo que se considera normal hoje não é nem
saudável nem natural, e que corresponder aos critérios de normalidade da
sociedade moderna signi ca, sob muitos aspectos, conformar-se a
exigências profundamente anormais no que tange às necessidades que a
natureza nos deu, ou seja: pouco saudáveis e prejudiciais nos níveis
siológico, mental e até espiritual.
Se pudéssemos começar a ver muitas doenças não como uma reviravolta
cruel do destino ou um mistério insondável, mas como algo esperado, e,
portanto, uma consequência normal de circunstâncias anormais e
antinaturais, isso teria implicações revolucionárias para o modo como
abordamos tudo que tem a ver com saúde. Os corpos e as mentes doentes
não seriam mais considerados expressões de patologias individuais, mas sim
alarmes vivos que direcionam nossa atenção para aquilo que não está
funcionando bem em nossa sociedade e para questionamentos do tipo: até
que ponto nossas certezas e pressuposições dominantes a respeito da saúde
na verdade são cções? Vistas com clareza, elas também talvez nos forneçam
pistas do que seria preciso para reverter o curso e construir um mundo mais
saudável.
Bem mais do que uma falta de perspicácia tecnológica, verba ou novas
descobertas, a noção equivocada que nossa cultura tem da normalidade é o
maior impeditivo para criar um mundo mais saudável, e chega a nos
impedir de usar os conhecimentos de que já dispomos. Seus efeitos
oclusivos são particularmente dominantes na área em que uma visão
desimpedida é mais necessária: a medicina.
Devido a um viés ostensivamente cientí co que, sob alguns aspectos,
mais se assemelha a uma ideologia do que a um conhecimento empírico, o
paradigma médico atual comete um erro duplo: reduz eventos complexos à
sua biologia e separa a mente do corpo, preocupando-se quase
exclusivamente com um sem levar em conta a unidade essencial entre os
dois. Essa falha não invalida as conquistas inquestionavelmente milagrosas
da medicina, tampouco macula a boa intenção de tantos que a praticam,
mas restringe o bem que a ciência médica poderia estar fazendo.
Um dos fracassos mais persistentes e calamitosos que prejudicam nossos
sistemas de saúde é a ignorância – no sentido de não saber ou de ignorar
aquilo que já foi estabelecido pela ciência. Por exemplo: os indícios
abundantes e crescentes de que as pessoas vivas não podem ser separadas
em órgãos e sistemas distintos, nem mesmo em “mentes” e “corpos”. De
modo geral, o mundo da medicina não quis ou não conseguiu metabolizar
esses indícios e ajustar suas práticas de forma adequada. A nova ciência, boa
parte da qual não é conceitualmente tão nova assim, ainda não tem impacto
signi cativo na formação em medicina, o que obriga pro ssionais de saúde
bem-intencionados a trabalharem no escuro. Muitos acabam tendo que ligar
os pontos sozinhos.
Para mim, o processo de juntar as peças começou muitas décadas atrás,
quando um palpite me fez ir além do repertório padrão de perguntas
médicas áridas e pro ssionais sobre apresentação de sintomas e históricos
médicos, e passei a perguntar aos meus pacientes sobre o contexto mais
geral de suas doenças: a vida deles. Sou grato pelo que esses homens e
mulheres me ensinaram com sua forma de viver e de morrer, de sofrer e de
se recuperar, e com as histórias que compartilharam comigo. O centro da
questão, que está de acordo com o que a ciência mostra, é o seguinte: saúde
e doença não são estados aleatórios num corpo especí co ou numa parte
especí ca do corpo. Elas são, isso sim, expressão de uma vida inteira vivida,
vida esta que, por sua vez, não pode ser compreendida isoladamente: ela é
in uenciada por, ou melhor, decorre de toda uma teia de circunstâncias,
relacionamentos, acontecimentos e experiências.
É claro que temos motivo para comemorar os avanços espantosos da
medicina nos dois últimos séculos e a incansável coragem e genialidade
daqueles cujo trabalho possibilitou passos gigantescos em muitas áreas
distintas da saúde humana. Para citar um exemplo apenas, a incidência de
poliomielite, doença terrível que matava ou deixava sequelas em muitas
crianças apenas duas ou três gerações atrás, caiu mais de 99% desde 1988
nos Estados Unidos; a maioria das crianças hoje em dia provavelmente
nunca ouviu falar nessa doença.15 Até a mais recente epidemia de HIV foi
atenuada num período relativamente curto e passou de uma sentença de
morte a uma doença crônica administrável, pelo menos para quem tem
acesso ao tipo certo de tratamento. E, por mais destruidora que tenha sido a
pandemia de covid-19, o rápido desenvolvimento de vacinas pode ser
listado entre as vitórias da ciência e da medicina modernas.
O problema de notícias boas como essas – e são mesmo notícias muito
boas – é que elas instigam a tranquilizadora convicção de que estamos, de
modo geral, avançando em direção a uma vida mais saudável, o que nos
coloca num estado de falsa passividade. O verdadeiro cenário é bem
diferente. Longe de estarmos prestes a vencer os desa os de saúde
contemporâneos que nos confrontam, nós mal estamos conseguindo
acompanhar a velocidade da maioria deles. Muitas vezes o melhor que
podemos fazer é mitigar sintomas, seja por via cirúrgica, farmacológica ou
ambas. Por mais bem-vindos que sejam os avanços da medicina e por mais
frutíferas que possam ser as pesquisas, o xis da questão não é uma falta de
fatos nem uma falta de tecnologia ou de técnicas, mas sim uma perspectiva
empobrecida e ultrapassada que não é capaz de explicar o que estamos
vendo. Meu objetivo aqui é propor uma perspectiva nova que, acredito, traz
enormes possibilidades para um paradigma mais saudável: uma nova visão
do normal que alimente o melhor que existe em nós.
O arco narrativo deste livro segue os círculos concêntricos de causa,
conexão e consequência que in uenciam quão saudáveis ou quão pouco
saudáveis nós somos. Começando por dentro, no nível da biologia humana,
e examinando em seguida os relacionamentos estreitos nos quais nosso
corpo, nosso cérebro e nossa personalidade se desenvolvem, avançaremos
de dentro para fora em direção às dimensões mais macro de nossa existência
coletiva, ou seja, as dimensões socioeconômica e política. Pelo caminho,
mostrarei como nossa saúde física e mental está intrincadamente vinculada
a como nos sentimos, a nossas percepções e crenças em relação a nós
mesmos e ao mundo, e às maneiras como a vida satisfaz ou não nossas
necessidades humanas inegociáveis. Como o trauma é uma camada que
constitui um dos alicerces da experiência da vida moderna, mas é em grande
parte ignorado ou erroneamente interpretado, começarei com uma
de nição de trabalho que servirá de base para tudo que virá a seguir.
Em cada etapa, minha tarefa é erguer o véu do senso comum e do
conhecimento transmitido e considerar o que a ciência e a observação
atenta nos dizem, com o objetivo de desfazer os mitos que mantêm o status
quo cristalizado. Como em meus livros anteriores, a ciência e suas
implicações de saúde serão explicadas por meio de histórias reais e estudos
de caso de pessoas que tiveram a generosidade de compartilhar comigo um
pouco de sua jornada na doença e na saúde. São histórias que oscilam entre
levemente surpreendentes e verdadeiramente inacreditáveis, entre
comoventes e inspiradoras.
Inspiradoras, sim. Pois há uma consequência animadora para todas essas
notícias ruins. Quando conseguimos olhar de frente para o que nós, como
cultura, normalizamos em relação à doença e à saúde, e entender que esse
na verdade não é o modo como as coisas devem ser, surge a possibilidade de
voltar ao que sempre foi a intenção da natureza para nós. Daí o sentido de
“cura” no subtítulo deste livro: quando tomamos a decisão de olhar para
como as coisas são, o processo de cura – palavra cuja raiz signi ca “voltar à
inteireza” – pode começar. Essa a rmação não contém nenhuma promessa
de curas milagrosas, apenas o reconhecimento de que cada um de nós
contém possibilidades ainda não imaginadas de bem-estar, possibilidades
que só se revelam quando enfrentamos e desmisti camos os mitos16
equivocados a respeito da normalidade aos quais nos acostumamos
passivamente. Se isso é verdade para nós como indivíduos, também deve ser
verdade para nós como espécie.
A cura não está garantida, mas está disponível. Não é um exagero dizer,
a essa altura da história da Terra, que ela é também necessária. Tudo que vi e
tudo que aprendi ao longo dos anos me dá a certeza de que nós a temos
dentro de nós.
PARTE UM
NOSSA NATUREZA
INTERCONECTADA
A maioria de nós já ouviu alguém, talvez nós mesmos, dizer algo como: “Ah,
meu Deus, que lme perturbador aquele de ontem à noite, saí do cinema
traumatizado.” Ou então vemos pessoas argumentando que deveria haver
nos livros um alerta de conteúdo sensível para evitar serem “traumatizados”
pelo que leem. Em todos esses casos, o uso da palavra traumatizado é
compreensível, mas equivocado; nesses casos, aquilo a que as pessoas estão
se referindo é estresse, seja ele físico e/ou emocional. Como assinala muito
adequadamente Peter Levine: “Todos os acontecimentos traumáticos são
estressantes, mas nem todo acontecimento estressante é traumático.”12
Um acontecimento é traumatizante, ou retraumatizante, apenas quando
torna a pessoa diminuída, quer dizer, psiquicamente (ou sicamente) mais
limitada do que antes de maneira persistente. Muito do que aconteceu na
vida, inclusive nas artes e/ou nas relações sociais e políticas, pode ser
perturbador, desestabilizante ou mesmo muito doloroso, sem que isso
constitua um trauma novo. Isso não quer dizer que reações traumáticas
antigas, que nada têm a ver com o que quer que esteja ocorrendo, não
possam ser provocadas por estresses do presente; vejam o exemplo de um
determinado autor voltando para casa depois de uma palestra. Isso não é a
mesma coisa que ser retraumatizado, a menos que, com o tempo, nos deixe
ainda mais limitados do que antes.
Eis uma lista razoavelmente con ável que serve como processo
eliminatório. Uma coisa não é trauma se alguma das seguintes a rmações
permanecer verdadeira a longo prazo:
Se não limitar você, não restringir você, nem diminuir sua capacidade
de pensar, con ar ou se a rmar, de suportar sofrimento sem sucumbir
ao desespero ou de observá-lo com um olhar compassivo.
Se não impedir você de reconhecer sua dor, tristeza e medo sem se
sentir sobrepujado, e sem precisar recorrer às escapatórias do trabalho
ou de um comportamento compulsivo de autotranquilização ou
autoestimulação de qualquer tipo.
Se você não se sentir impelido nem a se supervalorizar, nem a se apagar
com o intuito de conseguir ser aceito ou para justi car a própria
existência.
Se não comprometer sua capacidade de sentir gratidão pela beleza e
pelo assombro que é estar vivo.
“Depois que alguém invade e entra em você, seu corpo não lhe pertence
mais”, contou para mim a escritora V, anteriormente conhecida como Eve
Ensler, rememorando o abuso sexual que sofreu do pai quando menina.13
Um ashback para a trágica cena inicial de nosso capítulo, só que dessa vez
situado num universo paralelo, no qual as impressões do meu trauma não
me dominam: o avião pousa, e leio a mensagem de texto de Rae no celular.
“Humm, não era o que eu esperava”, penso. “Mas eu entendo: ela deve estar
entretida pintando. Não há nada de novo aqui, nem nada de pessoal. Na
verdade eu me solidarizo com ela: quantas vezes eu mesmo já não quei tão
absorto no trabalho que nem vi o tempo passar? Tá, o jeito é pegar um táxi.”
Eu poderia muito bem notar alguns sentimentos de decepção, e nesse caso
me permitiria senti-los até eles irem embora; efetivamente, estaria
escolhendo a vulnerabilidade em vez da vitimização. Ao chegar em casa não
haveria clima ruim, nem distanciamento emocional ou cara feia; talvez uma
provocação gentil, mas tudo dentro dos limites do humor amoroso e com
nossa a nidade intacta.
Eu teria exibido assim o que se denomina exibilidade reativa: a
capacidade de escolher como vamos reagir aos altos e baixos inevitáveis da
vida, às suas decepções, triunfos e desa os. “A liberdade humana envolve
nossa capacidade de fazer uma pausa entre o estímulo e a reação, e nessa
pausa escolher a reação em direção à qual desejamos ir”, escreveu o
psicólogo Rollo May.15 O trauma nos rouba essa liberdade.
A exibilidade reativa é uma função da parte medial frontal do nosso
córtex cerebral. Nenhum bebê nasce com essa capacidade: o
comportamento dos bebês é dominado pelo instinto e pelo re exo, não pela
seleção consciente. A liberdade de escolha se desenvolve à medida que o
cérebro se desenvolve. Quanto mais grave e mais precoce for o trauma,
menos oportunidade a exibilidade reativa tem de se codi car nos circuitos
cerebrais adequados, e mais depressa ela ca prejudicada. A pessoa ca
presa a reações defensivas previsíveis, automáticas, em especial aos
estímulos de estresse. Emocional e cognitivamente, nossa amplitude de
movimento ca quase petri cada, e quanto maior o trauma, mais rígidas as
restrições. O passado sequestra e coopta repetidamente o presente.
Uma das cartas mais tristes que já recebi foi de um morador de Seattle que
tinha lido meu livro sobre dependência, In the Realm of Hungry Ghosts (No
reino dos fantasmas famintos), no qual mostro que a dependência é um
desfecho do trauma de infância, não o único possível, mas um prevalente.
Depois de nove anos sóbrio, ele continuava com di culdades na vida, não
trabalhava havia uma década, e vinha recebendo tratamento para um
transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Embora tivesse achado o livro
fascinante, escreveu: “Eu resisto à vontade de culpar minha mãe. Sou um
merda por minha causa mesmo.” Tudo que pude fazer foi dar um suspiro: a
vergonha e a autoagressão muitas vezes se disfarçam de responsabilidade
pessoal. Além do mais, ele não tinha entendido: nada no meu livro culpava
os pais ou recomendava fazê-lo; na verdade, passo várias páginas explicando
por que culpar os pais é inadequado, inexato e pouco cientí co. O impulso
daquele homem de proteger a mãe não era uma defesa contra nada que eu
tivesse dito ou dado a entender, mas contra sua própria e não reconhecida
raiva. Guardada no congelador e sem qualquer vazão sadia possível, a
emoção tinha se voltado contra ele na forma de ódio por si mesmo.
“Contida na experiência da vergonha”, escreve o psicólogo Gershen
Kaufman, “está uma consciência aguda de nós mesmos como seres humanos
fundamentalmente de cientes em algum aspecto vital.”16 Pessoas que
carregam as cicatrizes do trauma desenvolvem, de modo quase uniforme,
uma visão central de si mesmas baseada na vergonha, uma autopercepção
negativa da qual a maioria tem plena consciência. Entre as consequências
mais venenosas da vergonha está a perda de compaixão por si. Quanto mais
severo o trauma, mais total essa perda é.
A visão negativa de si mesmo pode nem sempre penetrar a consciência,
e pode até se disfarçar como seu oposto: a supervalorização de si. Para não
sentir essa vergonha irritante, algumas pessoas se cercam de uma armadura
de grandiosidade e negação de qualquer falha. Essa soberba, embora muito
mais normalizada, é uma manifestação tão certeira de ódio por si mesmo
quanto a mais abjeta autodepreciação. O fato de alguns indivíduos que
escapam da vergonha adentrando um narcisismo desavergonhado poderem
até conquistar grande status e sucesso social, econômico e político é uma
das marcas da insanidade da nossa cultura. Nossa cultura joga na lama
muitos dos traumatizados, mas pode também, dependendo da origem de
classe, da condição econômica, da raça e de outras variáveis, alçar alguns
deles às mais altas posições de poder.
A forma mais comum que a vergonha assume em nossa cultura é a
crença de que “eu não sou su ciente”. A escritora Elizabeth Wurtzel, morta
de câncer de mama aos 52 anos em 2020, sofreu de depressão desde muito
nova. Ela teve uma infância traumática, a começar por um segredo que lhe
foi propositalmente escondido, acerca de quem tinha sido seu verdadeiro
pai. “Eu era intensamente retraída”, relatou ela num texto autobiográ co
para a New York Magazine,
e tinha uma depressão crônica que começou por volta dos 10 anos, mas
em vez de matar minha força de vontade a depressão me motivou:
pensei que, se conseguisse ser boa o bastante em qualquer tarefa que
tivesse pela frente, fosse ela grande ou pequena, talvez conseguisse ter
alguns minutos de felicidade.17
Certa vez, fui comer num restaurante de Oslo com o psicólogo alemão
Franz Ruppert. O barulho era ensurdecedor: uma música pop saindo aos
berros de vários alto-falantes, e vários canais de TV em volume altíssimo
nas telas brilhantes a xadas bem alto nas paredes. Preciso pensar que
quando o grande dramaturgo norueguês Henrik Ibsen costumava
frequentar aquele mesmo estabelecimento, pouco mais de um século antes,
o ambiente era muito mais sereno. “Por que isso tudo?”, gritei para meu
companheiro em meio à cacofonia, balançando a cabeça de tanta irritação.
“É o trauma”, respondeu ele, dando de ombros. Ruppert queria dizer apenas
que as pessoas estavam buscando desesperadamente um jeito de fugir delas
mesmas.
Se o trauma acarreta uma desconexão de si, faz sentido dizer que
estamos sendo coletivamente inundados por in uências que ao mesmo
tempo exploram e reforçam o trauma. Pressões pro ssionais, multitarefas,
redes sociais, notícias, múltiplas fontes de entretenimento: tudo isso nos leva
a nos perder em pensamentos, atividades frenéticas, aparelhos ou conversas
sem signi cado. Ficamos entretidos em atividades de todo tipo, que nos
atraem não por serem necessárias, inspiradoras ou revigorantes, ou por
enriquecerem ou darem signi cado à nossa vida, mas pelo simples fato de
obliterarem o presente. Numa distorção absurda, economizamos para
comprar os mais modernos aparelhos para “poupar tempo” de modo a
poder “matar” melhor o tempo. A consciência do momento presente
tornou-se algo a ser temido. A especialidade do capitalismo avançado é
fomentar esse sentimento de medo em relação ao momento presente; na
verdade, muito do seu sucesso depende de aumentar o abismo entre nós e
nossa maior dádiva, o presente, e a cultura do consumo é destinada a
preencher essa lacuna.
O que se perde é descrito muito bem pela escritora de origem polonesa19
Eva Hoffman como
Eu disse: “Que se fodam as suas estatísticas!” Ele saiu da sala. Não gostou
nadinha do meu palavreado. Me achou uma mulher maluca, vulgar. Já
quis muitas vezes procurar esse médico, que de lá para cá se mudou para
a Califórnia, e dizer a ele que os meus meninos hoje têm 24 e 25 anos.
Um está fazendo pós-graduação em Princeton. O outro passou por um
período complicado, conseguiu se reerguer, e vai se formar com três
diplomas e menção honrosa.
A MÁQUINA DO ESTRESSE
Foi este o caso de Glenda, uma moradora de Montreal hoje com 58 anos
que, três décadas atrás, teve partes do intestino removidas devido à doença
de Crohn grave, uma doença in amatória ulcerativa do intestino que causa
muita dor. Em 2010, Glenda recebeu más notícias ao ser diagnosticada com
um câncer de mama agressivo em estágio dois. Foi durante a jornada de
cura desse câncer que ela recuperou lembranças reprimidas de ter sido
estuprada quando menina. “Por meio da escrita de um diário e dos sonhos
que tive”, contou ela, “lembranças inconscientes da minha infância
começaram a vir à tona, acompanhadas por sensações de puro pânico e
terror.” Com medo de saber a verdade, ela tentou manter as lembranças
afastadas, mas elas não a deixaram em paz. “Toda vez que vinham à tona”,
prosseguiu ela, “as lembranças do trauma eram acompanhadas por
sensações emotivas muito viscerais e por sintomas físicos digestivos que
incluíam indigestão, enjoo e dores na barriga.”
Essas lembranças revirariam o estômago até mesmo de um observador
externo que as escutasse. Aos 8 anos, Glenda e uma amiguinha menor
sofreram um estupro coletivo praticado por quatro adolescentes do bairro.
Quem as socorreu foi a mãe de Glenda, que levou a lha correndo para
dentro de casa, segundo ela, “e me pôs direto na banheira. Ela me disse que
nunca contaríamos a ninguém tudo aquilo nem tocaríamos mais no
assunto. Disse que aquele sempre seria ‘o nosso segredinho’ e me botou na
cama”.
Ao retornarem quando Glenda estava com 53 anos, essas lembranças
surgiram como “uma imagem intensa e nítida” dela menina dentro da
banheira, com a mãe agachada no chão ao seu lado “tentando lavar o
estupro”. Perguntei a Glenda se ela tinha algum indício independente dessas
memórias resgatadas. Ela fez que sim com a cabeça.
Quando olhar para uma folha ou uma gota de chuva, medite sobre as
condições, próximas e distantes, que contribuíram para a presença dessa
folha ou gota de chuva. Saiba que o mundo é uma trama de os
interconectados. Isto é porque aquilo é. Isto não é porque aquilo não é.
Isto nasce porque aquilo nasce. Isto morre porque aquilo morre.
Essa médica, que pediu anonimato por medo da oposição dos colegas
(!), pôde observar em primeira mão o que quali ca de “resultados notáveis”
entre seus pacientes, tanto em termos de recuperação quanto até, em alguns
casos, de não precisar mais tomar qualquer medicação. “Estou cercada por
estimados colegas da universidade pesquisadores, sabe, e ninguém está
olhando para essas coisas.” Ao ouvir isso, lembrei do médico de Harvard que
me disse que os médicos seguem esse tipo de o “por sua própria conta e
risco”, ainda que ele achasse que isso está mudando.
Se até mesmo os pro ssionais de medicina que se aventuram além da
ortodoxia médica podem se sentir intimidados e incompreendidos, qual
será a experiência dos pacientes? Outro aspecto lamentável da prática
médica ocidental – não universal, mas vista com demasiada frequência – é
uma hierarquia de poder que coloca os médicos como especialistas
incensados e os pacientes como receptores passivos de tratamento. Por
maior que seja a dedicação e a boa intenção dos médicos, esse desequilíbrio
compromete a capacidade de ação dos pacientes sobre a própria saúde e o
próprio processo de cura. Perguntas essenciais sobre sua vida nunca são
feitas, enquanto eles, por sua vez, não têm autocon ança su ciente para
insistir que suas intuições e percepções em relação a si mesmos possam
contribuir para o processo, quanto mais conduzi-lo.
Se os médicos de Mee Ok tivessem feito perguntas nessa linha quando
ela começou a apresentar aqueles inquietantes sintomas, teriam sabido que
ela sofrera dois abandonos importantes antes de completar 1 ano: nascida na
Coreia, foi posta num orfanato pela mãe solteira aos 6 meses. Com 1 ano, foi
adotada e levada para os Estados Unidos por um casal evangélico que a
criou segundo os mais rígidos princípios fundamentalistas. Antes de ela
completar 10 anos, a mãe adotiva teve um colapso nervoso. Em algum
momento da sua adolescência, num acesso de remorso religioso, o pai
adotivo lhe confessou ter abusado dela sexualmente durante boa parte da
primeira infância, dos 2 anos em diante. Ela havia reprimido por completo
essas lembranças, escondendo-as bem fundo abaixo da superfície da sua
consciência junto com todos os sentimentos a elas associados: dor, pânico,
raiva. Como veremos adiante ao discutir a cura, a improvável recuperação
de Mee Ok, verdadeiramente uma ressurreição do leito de morte, deve-se ao
fato de ela ter confrontado esse baú de sofrimento havia muito enterrado.
No cemitério emocional do que não podia se dar ao luxo de sentir, Mee
Ok construiu um edifício impressionante: uma personalidade positiva,
sempre disposta a tudo, que não só a impedia de sentir o próprio desespero
e a levava a ignorar as próprias necessidades, mas também a ajudou a
alcançar um sucesso muito além daquele ao que ela de fato acreditava fazer
jus. Em seu trabalho como assistente do mundialmente famoso professor, a
Mee Ok adulta achava o emprego estressante, e com frequência suportava as
tensões e pressões de todos à sua volta. “Eu na verdade não era eu mesma
quando estava lá”, disse ela. “Vivia tendo que me mostrar uma pessoa que
funcionava num nível muito mais elevado do que eu realmente funcionava.”
Esse hiperfuncionamento por cima de um abalo interno oculto é um tema
recorrente entre os muitos pacientes autoimunes com quem já deparei em
todos os meus anos de clínica e de ensino.
Imediatamente antes de a excruciante in amação nas articulações se
manifestar, Mee Ok estava num relacionamento amoroso complicado, cujos
muitos altos e baixos lhe cobraram um alto preço psíquico e que culminou
numa separação devastadora. Toda a mágoa que ela não se permitiu
externar a vida inteira, todo o seu pânico de ser abandonada, tudo isso veio
à tona quando o relacionamento terminou. Foi uma reação de luto do corpo
todo. Mais uma vez, nada em sua história, desde a infância até o presente,
foi considerado um indício pelos especialistas altamente treinados que
trataram sua esclerodermia. “Meu corpo na verdade parecia um campo de
batalha, e eu estava perdendo”, disse Mee Ok. Eu entendia a língua que ela
estava falando: há muito tempo imagino a doença autoimune como algo
semelhante a um poderoso exército invadindo a própria pátria, num
violento motim contra o corpo. De fato, sem disporem de um escoamento
consciente e na falta de uma resolução, as emoções in amadas de Mee Ok se
rebelaram, manifestando-se na in amação de seus tecidos.
Hoje em dia, os especialistas em microbiologia falam em “in amação
neurogênica”, uma in amação induzida pelo estresse disparada por
descargas do sistema nervoso, sistema que hoje entendemos ser
poderosamente in uenciado pelas emoções.13 E há pesquisas que
relacionam adversidades precoces, tais como os traumas suportados por
Mee Ok na infância, com in amação na vida adulta. Um estudo americano
recente constatou que o abuso emocional e físico na infância mais do que
dobra o risco de lúpus eritematoso sistêmico, sendo a in amação um dos
caminhos prováveis.14 Conexões entre o estresse e um comprometimento
autoimune foram encontradas em outros estudos.15 Em 2007, cientistas
britânicos constataram que adultos que tinham sofrido maus-tratos na
infância apresentavam taxas sanguíneas mais elevadas de determinadas
substâncias indicadoras de in amação produzidas no fígado,16
independentemente de comportamentos pessoais e considerações a respeito
do estilo de vida. “Os maus-tratos na infância são um fator de risco
previamente não descrito, independente e evitável para in amação na idade
adulta”, escreveram os pesquisadores.17 “A in amação talvez seja um
mediador de desenvolvimento importante para relacionar experiências
adversas no início da vida a má saúde na idade adulta”, acrescentaram com
cautela. Muitos estudos desde então atestam não se tratar de “talvez”.
Alguns médicos já notaram uma relação entre a artrite reumatoide e
alguns tipos ou aspectos da personalidade. Ainda teremos muito mais a
dizer sobre personalidade no capítulo 7, mas, para evitar mal-entendidos, é
bom fazer um rápido esclarecimento aqui. O que denominamos traços de
personalidade, além de re etirem um temperamento e qualidades genuínas
natas, expressam também os modos como as pessoas, na infância, tiveram
de se adaptar ao seu ambiente emocional. Eles re etem muitas coisas que
não são nem inerentes nem imutáveis em relação a alguém, por mais estreita
que seja a identi cação da pessoa com elas. Tampouco se trata de falhas de
caráter: embora possam nos causar di culdades, esses traços surgiram como
modos de sobrevivência.
Já em 1892, o grande médico de origem canadense William Osler, da
Universidade Johns Hopkins – posteriormente condecorado como cavaleiro
pela rainha Vitória por suas contribuições para a medicina britânica – havia
notado “a associação da doença com choque, preocupação e tristeza”. Muitos
anos mais tarde, uma pesquisa de 1965 revelou a prevalência, em pessoas
com tendência a artrite reumatoide, de uma série de traços de abnegação:
um “comportamento compulsivo de autossacrifício em relação aos outros,
de supressão da raiva e de preocupação excessiva com aceitação social”.18
Um especialista canadense em doenças autoimunes mais perceptivo do que
o habitual, C. E. G. Robinson, escreveu em 1957 que seus pacientes com AR
“em geral se esforçavam muito para agradar, tanto nos contatos pro ssionais
quanto pessoais, e das duas uma: ou ocultavam a hostilidade, ou a
expressavam de modo indireto. Muitos eram perfeccionistas”. A ocorrência
da doença era muitas vezes antecedida por estresse. Sabiamente, ele
acrescentou:
Com frequência é necessário tanto tempo para lidar com os problemas
emocionais do paciente acometido por artrite reumatoide crônica
quanto com os transtornos articulares ou sistêmicos […] Penso que o
aspecto emocional e psicológico de muitos pacientes reumatoides seja de
suma importância.19
Miray é uma médica turca de 51 anos que hoje trabalha como coordenadora
de estudos clínicos num hospital canadense. A primeira vez que foi
acometida por diplopia, ou visão dupla, ela estava com 18 anos, mas sem as
técnicas de imagem avançadas disponíveis hoje no começo não foi
diagnosticada. “Consultei um oalmologista, e ele disse: ‘ah, isso é só
temporário’”, lembrou ela.
Então tomei corticoides por seis semanas e passou. Aos 22 anos, tive
várias crises. Toda vez que encontrava minha mãe, eu começava a ver
dobrado. Fui estudar em outra cidade e cou tudo bem, mas sempre que
voltava para Istambul tinha outro ataque toda vez que via minha mãe.
Aos 24 anos, Miray fez uma ressonância magnética que con rmou o
diagnóstico de esclerose múltipla. Depois de emigrar para o Canadá, passou
anos livre de qualquer sintoma. Durante a gravidez, porém, seu marido
passou por alguns problemas pro ssionais e tornou-se abusivo. “Ele sentia
uma raiva, um ódio das mulheres”, disse ela, “e projetava tudo em mim.” Um
estresse levava a outro.
Ao longo dos anos, entrevistei dezenas de pessoas com EM, muitas delas
tempos antes de ter conhecimento desses estudos. Ainda não encontrei uma
só exceção a esses achados gerais. A “tristeza e irritação prolongadas” a que
Jean-Martin Charcot se referiu um século e meio atrás têm uma in uência
brutal na presença e na gravidade da doença. Assim como em outros
distúrbios autoimunes, em praticamente todos os casos os padrões da
infância que tinham levado essas pessoas a se tornarem excessivamente
exigentes, hiper-responsáveis e emocionalmente estoicas em relação às
próprias necessidades eram evidentes, assim como o eram os estresses
anteriores à doença, como por exemplo con itos interpessoais, crises
familiares, perda de um relacionamento ou obrigações suplementares no
trabalho.
Bianca, médica assim como Miray, também teve visão dupla (diplopia)
como primeiro sintoma da EM. Hoje com 37 anos, ela apresentou o sintoma
pela primeira vez aos 20 e poucos, num período de estresse com as provas
da faculdade. “Ao longo dos anos”, disse-me ela quando falamos pela
internet, ela de sua casa em Bucareste e eu de Vancouver,
V, antes conhecida como Eve Ensler,1 ganhou fama nos anos 1990 como
autora de Os monólogos da vagina, peça teatral quali cada pelo e New
York Times como “provavelmente a mais importante peça política da última
década”. Seu estrondoso sucesso nos palcos deu origem a uma vida de
ativismo. Destemida advogada e defensora dos direitos das mulheres, V
percorreu o mundo para testemunhar as sangrentas consequências do
estupro em massa e da brutalidade misógina na Bósnia e na República
Democrática do Congo, dilacerada pela guerra.
O político, para V, é pessoal. Em seu dilacerante mas triunfal livro de
memórias, em que conta sobre ter sobrevivido a um câncer de útero em
estágio 4, In the Body of the World (No corpo do mundo), ela faz uma
pergunta de franqueza e sensibilidade espantosas: “Será que eu tenho câncer
de estupro?” Desde uma idade muito tenra e ao longo de muitos anos, seu
pai a violentou sexualmente, agressão crônica à qual se sobrepuseram vários
abusos emocionais, e posteriormente uma violência física aterrorizante.
Durante todo esse tempo, sua mãe, estropiada pela herança do próprio
sofrimento infantil, permaneceu alheia e/ou calada. A Eve criança sentia
estar “traindo” a mãe por ter um caso com o próprio pai. “Quando se é
criança e seu próprio pai comete incesto, você se sente a traidora”, disse-me
ela numa entrevista pela internet. “E minha mãe me odiava por isso. Me
odiava pelo quanto ele me adorava.” A autoculpabilidade tóxica é um dos
tormentos impostos à criança traumatizada. V passou grande parte da vida
se odiando, como acabam fazendo muitas vítimas de abuso precoce.
“Como peguei isso?”, escreve ela sobre o início do câncer que teve.
Quando lhe perguntei o que ela pensa hoje, V fez um prefácio à sua
resposta com uma risada talvez sardônica. “Eu acho que é uma combinação
de tudo isso”, falou. “Mas acho que, se havia algum único motivo subjacente
para eu ter cado doente, ele não foi reconhecido… eu não tinha ido fundo
o su ciente no processamento do meu trauma.” Ela então fez uma profunda
observação sobre a natureza da doença em si:
Uma doença não é igual a uma coisa. Ela é um uxo de energia, uma
corrente; é uma evolução ou involução que ocorre quando não se está
desperto e conectado, e o trauma essencialmente governa sua vida. Acho
que é um baita erro identi car a doença como uma coisa, porque isso a
transforma em matéria dura quando ela na verdade é uma condição bem
mais psicológica, espiritual, emocional.
quando você adoecesse não estivesse num estágio [de uma doença], mas
sim num processo? E se o câncer fosse um professor, assim como a
desilusão amorosa, ou conseguir um emprego novo, ou ir à escola? E se,
em vez de ser isolado e de nido por alguma categoria terminal, você
fosse identi cado como alguém no meio de uma transformação capaz de
aprofundar a própria alma e de abrir o próprio coração?
Se você pega uma doença, toda uma série de coisas precisa ter dado
errado. Parte disso pode ter a ver com seus genes; parte pode ter a ver
com a exposição a algum patógeno. Parte ainda tem a ver com uma vida
dura, passível de causar desgaste e danos ao corpo e ao que sem isso
seriam tecidos resilientes. É melhor pensar nesse processo como uma
causalidade em várias etapas… Uma das coisas que muitas doenças têm
em comum é a in amação, que age como uma espécie de fertilizante
para o seu desenvolvimento. Descobrimos que quando nos sentimos
ameaçados ou inseguros, especialmente ao longo de um período
prolongado, nosso corpo está programado para ativar os genes
in amatórios.
Do jeito que Anita Moorjani conta, ca parecendo que a doença que quase a
matou não foi um infortúnio aleatório. “A pessoa que eu era antes de ter
câncer”, me disse essa autora de sucesso,
A DISTORÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO HUMANO
Qual é nossa natureza? Trata-se de uma pergunta ancestral, em parte por ser
de abordagem tão difícil. Se considerarmos o vasto horizonte de feitos e
conquistas, das que representam uma a rmação de vida às francamente
assassinas, com certeza “ser humano” parece ser algo bastante plástico e
maleável.
Embora possa não ser óbvio por que um livro sobre saúde no século
XXI deveria se preocupar com um tema tão amplo e tão esquivo, acredito
que essa questão seja central e tenha implicações muito abrangentes. A
relativa saúde de qualquer forma de vida depende de suas necessidades
essenciais serem ou não atendidas. Assim, saber que tipo de seres somos é
saber do que precisamos para sermos esses seres do modo mais pleno. Quem
pensamos ser dita o modo como organizamos nossa vida, tanto do ponto de
vista individual quanto coletivo, e determina até que ponto uma cultura
preenche ou não os requisitos de uma saúde e de um funcionamento ideais.
Toda sociedade pressupõe coisas a respeito da natureza humana, e a
nossa não é nenhuma exceção. “É da natureza humana”, dizemos, dando de
ombros diante do comportamento manipulador e autocentrado de alguém,
alguém esse que muitas vezes somos nós mesmos. “De modo interessante”,
observa o educador Al e Kohn, “as características que explicamos assim são
quase sempre negativas; um ato de generosidade raramente é descartado
com a justi cativa de ser ‘apenas a natureza humana’.”1 Há uma tendência
nessa cultura de considerar as pessoas inerentemente agressivas,
materialistas e individualistas, seja com aprovação ou consternação.
Podemos valorizar a gentileza, a caridade e o senso comunitário, a “melhor
parte da nossa natureza”, por assim dizer, mas essas qualidades muitas vezes
são mencionadas num tom enlevado, como se fossem exceções a uma regra
rígida.
Nem toda cultura aceita isso como a quintessência da humanidade. O
antropólogo Marshall Sahlins, que estudou diversas sociedades na bacia do
Pací co, escreveu: “Para a maior parte da humanidade, o interesse próprio
tal como o conhecemos é algo antinatural […] considerado loucura […] Em
vez de expressar a natureza humana, tal avareza é considerada uma perda de
humanidade.”2 Alguns povos chegam a nomear essa loucura. A palavra cri
wétiko (com variantes em outros idiomas nativos como ojibwa e powhatan)
denota uma criatura, espírito ou mentalidade de cobiça e dominação, que
canibaliza povos e os leva a explorar e aterrorizar outros povos. (De modo
notável, na língua quíchua dos Andes peruanos, uma entidade semelhante,
associada aos colonizadores espanhóis implacáveis e ávidos por ouro, se
chama pishtako.) Longe de representar nossa natureza, tal busca incansável
de um interesse próprio de estreita de nição é vista como seu contrário:
“uma doença muito contagiosa e que se espalha depressa”, segundo o
estudioso indígena americano Jack Forbes.3
A meu ver, debates sobre uma natureza humana xa têm pouca
serventia, e acho até que podem levar a uma compreensão equivocada. Basta
um exame super cial de nossa história para con rmar que não somos de
um jeito só: Jesus era humano, Hitler também. Podemos ser nobres e
narcisistas, generosos e genocidas, engenhosos e estúpidos. Pelo visto somos
tudo isso. Sendo assim, por onde começar?
Em vez de tentar legislar sobre as muitas visões con itantes do que um
ser humano é, poderíamos, isso sim, ver nossa natureza como um leque de
desfechos possíveis. Gosto muito desta formulação de Robert Sapolsky,
professor de neurologia e biologia na Universidade Stanford:4 “A natureza de
nossa natureza é não se ater particularmente aos limites de nossa natureza.”
Se nos atemos a alguma coisa, talvez seja justamente a essa falta de limites;
por mais estranho que possa soar, nosso milagroso talento de adaptação
também poderia ser uma fragilidade. Como a nossa natureza é muito
in uenciável, condições diferentes evocam versões diferentes de nós, que
vão de benignas a desastrosas. Quando endeusamos – quando gravamos em
pedra, de um ponto de vista mental – o modo especí co como o
comportamento humano se apresenta em determinado lugar e momento,
cometemos o erro de confundir como estamos nos comportando com como
somos. Esse erro pode nos impedir de considerar outras possibilidades,
mesmo que nossa maneira de funcionar atual não nos faça bem. Então
replicamos condições inadequadas ao nosso bem-estar, e a triste saga
continua. Por isso, na busca pela visão de um mundo mais saudável, melhor
seria nos desfazermos de qualquer crença xa ou limitadora acerca do que
nos constitui, e em vez disso perguntar: que circunstâncias produzem que
tipo de desfecho?
Algumas necessidades e potenciais básicos estão codi cados em nossa
biologia. O modo como nossa natureza se desdobra depende de quão bem
essas necessidades são supridas, de como esses potenciais são incentivados
ou frustrados. Isso é válido ao longo da vida, mas em nenhum momento
gera mais consequências do que durante o processo de desenvolvimento.
Cronologicamente, podemos delinear o arco do desenvolvimento partindo
da concepção até a adolescência, embora, é claro, sob muitos aspectos,
nunca paremos de crescer, mudar, nos adaptar e nos desenvolver e, se
tivermos sorte, de fazer isso em direção a mais saúde e mais sabedoria.
Mais do que qualquer outro fator, o que determina que potenciais vão
ou não se manifestar é o entorno: as condições sob as quais o
desenvolvimento ocorre, que suprem ou não nossas múltiplas necessidades.
Isso vale tanto para nós quanto para qualquer outra forma de vida.
Considere uma bolota de carvalho. Poderíamos dizer que é da natureza de
uma bolota de carvalho virar um carvalho, mas só se o clima e o solo forem
adequados, e contanto que nenhum esquilo empreendedor a surrupie para
seu sustento invernal. Mesmo que a bolota consiga criar raízes e brotar, o
tamanho da árvore que vai nascer dessa bolota e o desenvolvimento de
galhos saudáveis dependerão dos nutrientes que o solo consegue prover, das
condições climáticas, da luz e da irrigação, de seu distanciamento ou
proximidade de outras árvores da mesma espécie, e assim por diante.
Nós também temos necessidades que o entorno precisa suprir se
quisermos prosperar. Antes de explorar essa dinâmica, precisamos mais
uma vez descartar o mito prevalente de que os traços genéticos explicam o
comportamento humano. Isso não é verdade. Embora tenhamos uma
determinada carga biológica, não somos geneticamente programados para
sentir, acreditar ou agir de nenhuma forma especí ca. Como disse Robert
Sapolsky quando conversamos: “Somos mais livres em relação à genética do
que qualquer outra espécie na face da Terra.” Graças à nossa adaptabilidade
e capacidade de invenção, por exemplo, podemos habitar uma gama de
biomas mais ampla do que qualquer outro mamífero de grande porte. Além
disso, como vimos em nosso debate sobre epigenética, a expressão dos
genes, que em si são inertes, depende do entorno. Assim, a experiência é a
in uência decisiva em como nossa biologia se manifesta em nossa vida. “Em
última instância, o indivíduo [está] geneticamente determinado a não estar
geneticamente determinado”, foi o que disseram dois cientistas franceses,
rea rmando em termos biológicos a espirituosa observação de Sapolsky
sobre “a natureza de nossa natureza”.5
Embora seja da nossa natureza nos ajustar e sobreviver numa gama
quase in nita de ambientes, certamente mais do que os carvalhos, nem
todos eles promovem necessariamente nosso máximo bem-estar ou nossa
máxima saúde. Alguns entornos, sejam eles físicos, emocionais ou sociais,
tornarão o bem-estar uma luta inglória ou um luxo para os que tiverem
sorte, em vez de uma norma disponível para todos.
As necessidades que lançam as premissas da saúde humana não são nem
de longe arbitrárias. Elas foram surgindo ao longo de milhões de anos com
os progenitores hominídeos e hominínios6 que precederam o advento
relativamente tardio de nossa espécie, no máximo 200 mil anos atrás. Até
onde é possível falar de modo coerente sobre necessidades humanas,
precisamos levar em conta como elas se desenvolveram ao longo de muitas
eras antes da história oral ou escrita. Aquilo que denominamos civilização
abarca pouco mais de 5% da nossa existência como espécie; na totalidade do
período de existência do gênero humano, ela representa menos de 1%. A
encruzilhada evolutiva que forjou quem somos e o que necessitamos estava
submetida a condições muito distintas das nossas. Assim, embora expresse
aspectos do nosso potencial, a civilização não pode em si ser usada como
uma baliza válida.
Em e Continuum Concept: In Search of Happiness Lost (O conceito de
continuum: em busca da felicidade perdida), Jean Liedloff sugeriu que toda
vida se desenvolve como “uma expectativa em relação a seu entorno”.
Podemos considerar que nossos pulmões têm uma expectativa em relação
ao oxigênio, nossas células em relação à água e nutrientes, nossos ouvidos
em relação à vibração de ondas sonoras. É esta a essência da evolução: a
programação de longo prazo das criaturas e de todas as partes que as
constituem para que cheguem na vida prontas para um determinado tipo de
entorno. O mesmo vale para toda forma de vida, desde órgãos até
organismos e espécies. “Se alguém quiser saber o que é correto para qualquer
espécie, é preciso conhecer as expectativas inerentes dessa espécie”, acrescentou
Liedloff.7 Uma expectativa inerente é uma necessidade intrínseca, algo que,
se negado, interfere em nosso equilíbrio físico e psicológico, levando a
desfechos de saúde piores do ponto de vista físico, mental e social.
Eis uma expectativa inerente em ação: você entra numa mercearia e
escolhe um chocolate. Sorri ao cumprimentar a pessoa atrás do guichê com
um olá. A pessoa no caixa está tendo um dia ruim; talvez esteja com dor de
cabeça, passando por uma crise familiar, ou o time dela esteja enfrentando
uma derrota acachapante no último minuto de jogo. Ela encara você com a
cara fechada (se é que chega a encarar), pega seu dinheiro com um
grunhido monossilábico e lhe dá o troco com um gesto brusco. Sua
siologia se altera: você sente uma tensão quando seu corpo se retesa, seu
ritmo cardíaco se acelera e sua respiração se encurta. Você se irrita.
Dependendo do seu estado de humor no dia, pode sentir raiva, ou mesmo
imaginar coisas ruins acontecendo com a pessoa da loja.
Por quê? Segundo o neurocientista e in uente pesquisador Stephen
Porges, uma de nossas necessidades inerentes é a reciprocidade, estar em
sincronia; o “bom encontro” como diz o cumprimento antigo em inglês well
met. Ele chama isso de expectativa neural. Nosso cérebro pode interpretar a
falta de reação de boas-vindas como uma agressão, uma ameaça à
segurança.
A expectativa inerente de reciprocidade e conexão de nosso sistema
nervoso faz sentido se considerarmos como nossa espécie se desenvolveu.
Durante a maior parte de nosso passado evolutivo, até 10 ou 15 mil anos
atrás, os seres humanos viviam em pequenos grupos de caçadores-
coletores.8 De fato, se a existência humana fosse medida na duração de uma
hora num relógio, nós só estaríamos habitando novos ambientes nos
últimos seis minutos ou algo assim. Liedloff descreveu esses nossos
ancestrais como “pessoas cujas boas relações são mais importantes do que
suas negociações”. Sua observação direta dos povos aborígines em seu
habitat na oresta está de acordo com o grande volume de pesquisa
acumulado, por exemplo, pela psicóloga Darcia Narvaez, professora emérita
da Universidade de Notre Dame. Descobrimos que esses grupos defendiam
valores que enfatizavam a hospitalidade, o compartilhamento, a
generosidade e a troca recíproca, não com o objetivo de enriquecimento
pessoal, mas sim de conexão. Esses valores eram diretrizes inteligentes e
testadas ao longo do tempo para a sobrevivência mútua. E as tradições que
eles produziram, passadas de pai para lho, de geração em geração,
caracterizaram a vida humana durante a maior parte da nossa existência.
Sim, a violência, o mau comportamento e tudo o mais existiam; nunca
fomos “perfeitos”. Mas sabíamos algo sobre criar o contexto adequado para
nossa humanidade poder orescer e dar frutos; pode-se dizer que era a
única coisa que sabíamos.
Essas diretrizes, e as tradições que as inscreviam no comportamento
cultural, sobreviveram por muito tempo mesmo depois de as sociedades se
assentarem (ou seja, deixarem de ser nômades), como povos ocidentais em
contato com povos indígenas constaram por muitas centenas de anos. “A
comunidade existe para eles, e eles existem para a comunidade”, escreveu
Frans de Waal sobre o povo do Kalahari, também conhecido como san,
grupo que muitos pensam representar um modo de vida que remonta à pré-
história. “O povo san dedica muito tempo e atenção à troca de pequenos
presentes que abarca muitos quilômetros e múltiplas gerações.”9
Nenhuma espécie de hominínio poderia ter sobrevivido por tempo
su ciente para evoluir se os seus membros tivessem se considerado
indivíduos atomizados, programados pela natureza para combater seus
semelhantes. Ao contrário de nosso modo de operação atual, uma visão
tradicional de interesse próprio seria aumentar a própria conexão e
pertencimento à comunidade, para o bem de todos. O autêntico interesse
próprio não precisa ser confundido com uma postura descon ada e
competitiva em relação aos outros.
Decorre daí minha pressuposição de que a nossa natureza, caso tudo o
mais permaneça constante, espere ou mesmo pre ra como estado basal uma
condição de cuidado, de relativa harmonia e equilíbrio, do tipo que se
consegue quando a prioridade é a interconexão. Não que nossa natureza seja
ser assim, mas ela quer que essas coisas estejam presentes. Quando elas
estão, nós vicejamos; quando não, sofremos.
O que pensar, portanto, do postulado moderno segundo o qual somos
fundamentalmente agressivos e egoístas? De onde vem tal ideia?
Num sistema capitalista, os conceitos e expressões da natureza humana
ao mesmo tempo espelharão o ideal individualizado e competitivo e o
justi carão como sendo o status quo inevitável. Faz sentido: caso se suponha
que o que é normal é natural, a norma vai perdurar; por outro lado, quando
começam a surgir suspeitas de que o modo como as coisas são talvez não
seja como devessem ser… bem, nesse caso talvez o quo não dure muito
tempo como status. É assim que as culturas materialistas criam conceitos, na
realidade mitos, sobre a busca e o predomínio do egoísmo e da agressividade
como bases do comportamento, incentivando características que atribuem
um valor menor à conexão com os outros e com a própria natureza. Em
nossa sociedade capitalista atual, sugeriu Darcia Narvaez, nós nos tornamos
“atípicos da espécie”, uma ideia perturbadora de se conceber: nenhuma
outra espécie jamais teve a capacidade de ser in el a si mesma, de ignorar as
próprias necessidades, quanto mais de se convencer de que é assim que as
coisas devem ser.
Como os próximos capítulos vão explorar, a cultura de hoje em dia
apressa o desenvolvimento humano em linhas pouco saudáveis, a começar
pela concepção, levando a um “normal” que, do ponto de vista das
necessidades e da história evolutiva de nossa espécie, é uma pura e simples
aberração. E isso, para a rmar o óbvio, é um risco de saúde em tamanho
real.
9
Agora você está mesmo me dando trabalho. Para variar, berrou da meia-
noite e meia até as duas da manhã, quando a enfermeira apareceu e
sugeriu que eu o amamentasse pelo menos um pouquinho, então
nalmente dormiu. Meu lho comilão, eu com certeza preciso lhe avisar
que não podemos transformar isso num hábito. Na verdade, em breve
vamos ter de eliminar a mamada das sete da manhã. Acredite, meu
precioso lhinho, meu coração se parte ao meio quando o escuto
choramingar suas amargas queixas, mas você agora já está bem
grandinho para entender que, me perdoe, a noite é feita para dormir,
não para comer.
Uma criança com raiva deve car sentada sozinha até se acalmar. Só
então se deve autorizar que ela retorne à vida normal. Isso signi ca que
quem vence é a criança, não a sua raiva. A regra é: “Venha car conosco
assim que for capaz de se comportar como deve.” Esse é um arranjo
muito bom para a criança, para o pai, a mãe e para a sociedade.16
Problemas no limiar:
antes de virmos ao mundo
Querido lho, querida lha: posso sentir você chutar minha barriga por
dentro. Estou me sentindo no momento extremamente triste,
desanimada e assustada, mas eu te amo e vou proteger e alimentar você
com todo o amor do mundo. Essa adrenalina que você está sentindo não
é para você nem por sua causa. Um dia vou te contar sobre a sua
gestação, e espero que, se você carregar lembranças ambivalentes ou
dolorosas, quando eu lhe disser a verdade possa se curar. Meu lhinho,
minha lhinha querida: seu papai também vai te amar quando te
conhecer. Ele não consegue sentir você se mexer dentro de mim como
eu.
E isso irá perdurar, acrescentou ela, “na forma como ela cria seu lho ou
sua lha de modo a se conformar às demandas da cultura”.
Embora o sexismo sistêmico desnivele o debate especi camente contra
as mulheres, existe também uma causa mais especí ca de intervenção
médica desnecessária, que faz parte dos fundamentos da visão médica
ocidental: uma descon ança em relação aos processos naturais e um medo
do que pode dar, tem chance de dar ou com certeza vai dar errado.10
Michael Klein, ex-diretor do departamento de medicina de família do
Hospital Feminino da Colúmbia Britânica, conduziu extensas pesquisas
sobre o parto medicalizado. “Os médicos aprendem num ambiente muito
parcial, que considera o parto algo assustador e perigoso”, disse ele. O
paradigma que domina a formação de medicina “considera o parto nada
mais do que um acidente em potencial, uma oportunidade para o seu
assoalho pélvico se deformar. As mulheres são bombas prestes a explodir
que precisam ser desativadas.” Ao longo da minha formação e residência em
medicina, me ensinaram a prever os problemas, complicações e riscos do
parto. Até aí, tudo bem. O problema é que nada na minha formação me
incentivava a me alinhar com a natureza. Coube às minhas pacientes e
colegas parteiras me ensinar que o parto vai além do procedimento
mecânico de extrair um bebê do corpo da mãe, é algo que tem um propósito
atávico e advindo da evolução, tanto do ponto de vista siológico quanto
emocional.
Sherri Dolman, uma conhecida minha que mora na Califórnia, teve que
travar um combate intenso e prolongado para ter autonomia em relação a
suas gestações. Apesar do nal triunfante, o que ela relata é uma história de
terror para a medicina. “Passei três anos tentando engravidar daquele bebê”,
contou ela. “E quando consegui passei a não poder mais tomar decisões nem
por minha lha, nem por mim mesma. Não vou conseguir esquecer isso
nunca mais.” Dolman foi coagida a fazer uma cesárea que não queria e,
conforme se provou depois, de que não precisava. “Meu médico não
respeitou minhas decisões, e não acho que tenha me respeitado como um
ser humano autônomo”, disse ela. “Creio que ele achava que sabia mais do
que eu. Não consigo pensar num só exemplo de quando dizem para um
homem o que ele pode ou não pode fazer com o próprio corpo, mas para as
mulheres isso é dito diariamente.”
Aos 34 anos, Dolman já tinha um lho de 17, nascido quando ela
própria ainda era uma adolescente assustada. Como seu parto tinha se
prolongado, provavelmente devido ao estresse, ela havia passado por uma
cesariana. Dessa vez fazia questão de ter um parto vaginal. Após três anos de
tentativas, ela e o companheiro engravidaram de uma menina. “Desde o
primeiro instante jurei que dessa vez não faria cesárea. Iria parir minha lha
do jeito que a natureza previra. Iria con ar no meu corpo, e conseguir o
apoio de que necessitava para fazer isso.” Ela fez seu dever de casa e
entrevistou o máximo de médicos que conseguiu. “Todos eles disseram:
‘quem já fez cesárea só pode parir por cesárea.’ Nem sequer se dispuseram a
conversar comigo sobre o assunto. ‘Eu aceito a senhora como paciente, mas
vamos marcar uma cesárea’, diziam.”
Medicamente falando, os pro ssionais que ela consultou estavam
totalmente equivocados. Na época em que Sherri engravidou da lha, a
segurança do parto vaginal após cesariana (PVAC) estava documentada
havia tempos, e demonstrou-se que o suposto risco de ruptura uterina
devido à pressão das contrações do trabalho de parto é mínimo, e não
representa nenhum impedimento para um parto não medicado. De fato, um
especialista em medicina perinatal que avaliou o útero de Dolman com um
exame de imagem detalhado a rmou que a chance de isso acontecer não era
maior do que se ela nunca tivesse engravidado. Num sinal de quão
profundamente arraigado é o doutrinamento, o obstetra continuou relutante
quanto à alternativa vaginal. O único médico que nalmente concordou em
apoiar a preferência de Dolman por um parto natural desistiu no último
instante.
Depois de uma sessão de monitoramento fetal que não mostrou
qualquer anormalidade, Dolman foi sicamente impedida de sair do
hospital, ameaçada de prisão e pressionada a aceitar o parto cirúrgico da
lha. Depois dessa experiência traumática, ela passou a sofrer do que chama
de “uma versão do TEPT”.
Com 38 semanas, ela começou a dizer: “Isso não está com uma cara
nada boa para um parto vaginal, não mesmo. Eu não sei o que lhe dizer.”
E eu continuava a insistir: “Eu realmente não quero uma cesárea.” E foi
essa a nossa dinâmica. Nos últimos dias de gravidez, eu estava num
estado mental horrível: chorava a toda hora, quase em colapso
nervoso… Na data combinada, fomos para o Sinai, e lá foi uma cena
horrível. Passamos três horas numa sala de espera, com um milhão de
coisas diferentes acontecendo, e eu não parava de dizer para o meu
companheiro: “Que porra estou fazendo aqui? A gente tem todo o
direito de voltar para casa e entrar em trabalho de parto naturalmente.”
“Para mim, a situação de parto ideal é uma mulher sozinha num quarto
silencioso, com a iluminação baixa e uma parteira sentada ao seu lado
tricotando”, disse-me Michel Odent num comentário sarcástico, porém
astuto, sobre o efeito prejudicial para o trabalho de parto de luzes fortes,
máquinas barulhentas e pro ssionais de medicina andando para lá e para cá
dando ordens.
Isso nos leva de volta ao debate sobre “expectativa inerente” do capítulo
que trata da natureza humana. Como todo organismo, nós entramos em
cena já antecipando que a vida irá transcorrer dentro de determinados
parâmetros. Por sermos as criaturas adaptáveis que somos, podemos
suportar algo que não seja o melhor, mas isso tem um custo. “As
experiências do bebê num parto sem trauma precisam ser aquelas, e apenas
aquelas, que correspondem às expectativas ancestrais dele e da mãe”, escreve
Jean Liedloff em seu estudo sobre a sociedade aborígine da oresta.
Enquanto outros mamíferos buscam locais escuros, tranquilos e isolados
para parir, assinala ela, nós propiciamos o trauma do parto com “o uso de
instrumentos de aço, luzes fortes, luvas de borracha, o cheiro de antisséptico
e anestésico, vozes falando alto ou máquinas ruidosas”.15
Mesmo que ninguém mais perceba nada fora do normal, as mães
sentem. Ainda me lembro de minha mulher sussurrar para mim durante o
parto do nosso primeiro lho, referindo-se à enfermeira que não parava de
insistir com ela dizendo “força, moça, força” “por favor, mande aquela
mulher calar a boca”.16 Na ausência de segurança e conexão emocional, o
corpo da pessoa se tensiona, sobretudo sob o efeito de hormônios
sensibilizantes. Alheios à necessidade da mulher de silêncio, segurança e
sintonia, os hospitais criam um ciclo que se autoperpetua, instigando muitas
das complicações de parto que então precisam intervir para contornar.
Ilana Stanger-Ross resumiu o conhecimento tradicional e a ciência
moderna em palavras que, num sistema mais são, nem sequer precisariam
ser ditas: “Precisamos tratar uma pessoa em trabalho de parto como alguém
pleno, que está vivenciando uma travessia sagrada na vida”, disse-me ela.
“Essas mulheres não são pacientes doentes. Elas são pessoas em trabalho de
parto, que é um estado muito normal de se estar.”
12
Certa vez vi um pai jovem perder a paciência com o lho de 1 ano. Ele
gritou e fez um gesto violento enquanto eu observava; pode ser até que
tenha batido na criança. O bebê gritou com um terror ensurdecedor e
inconfundível. O pai cou paralisado com aquele som terrível que havia
causado; cou claro que tinha cometido uma ofensa em relação à
natureza. Eu via essa família sempre, pois minha casa era vizinha à dela,
mas nunca vi o homem perder outra vez o respeito pela dignidade do
lho.12
Pela primeira vez, as crianças dos Estados Unidos têm 50% de chance de
serem menos prósperas do que seus genitores. Para pais e mães, dar às
crianças o melhor começo na vida passou a signi car fazer tudo que
pudessem para garantir que seus lhos alcancem uma classe mais alta,
ou pelo menos não desçam daquela em que nasceram.22
Mas eu não seria feliz cando em casa com eles. Não que goste mais do
meu trabalho… se eu tivesse de escolher, as crianças ganhariam todas as
vezes. Mas o “valor marginal” do tempo que passo com eles se deteriora
depressa… A primeira hora com meus lhos é ótima, mas na quarta já
estou pronta para passar um tempo com a minha pesquisa. Meu
trabalho não tem essa queda livre de valor marginal: os altos não são tão
altos, mas a satisfação de hora em hora declina bem mais devagar.23
Joni Mitchell tinha razão: nós realmente não sabemos o que temos até
não termos mais.
Uma cultura onde a natureza se tornou a exceção é uma cultura em
apuros. Para realizar o trabalho que a evolução nos con ou, e para acessar e
con ar em nossos instintos naturais previstos para esse trabalho, precisamos
uns dos outros e de apoio comunitário e social, exatamente como nossos
lhos precisam de nós. Criar os lhos em situação de isolamento é criar os
lhos em situação de estresse, assim como tentar acompanhar os últimos
conselhos contrainstintivos de “especialistas” do complexo industroparental
(com minhas desculpas a Dwight Einsenhower).31 Uma criação dos lhos
atormentada, por sua vez, é um criadouro de mal-estar pessoal e societal.
13
Ela entende o apelo das mídias digitais para pais e mães bem-
intencionados, a saber sua função como “mediador do estresse e do
cansaço”. Relacionar-se com elas exige pouco ou nenhum planejamento: elas
estão “disponíveis instantaneamente, e proporcionam a pais e mães,
cuidadores e até mesmo educadores momentos muito necessários de trégua
e alívio”. Temos aqui um caso da solução de um dilema alimentando outro.
Essas formas de alívio, por mais compreensíveis que sejam em nossa época
extremamente estressada, têm um custo, e quem paga a maior parte dele são
nossas crianças.
Como no caso do marketing, as pessoas que inventam e propagam essas
tecnologias têm consciência da natureza problemática de seus produtos, e
inclusive se importam com isso… pelo menos no que diz respeito aos
próprios lhos. Em uma matéria publicada em 2019, a Business Insider
mostra em detalhes como importantes executivos do Vale do Silício, entre
eles fundadores e CEOs da Apple, Google ou mesmo Snapchat, aplicativo
explicitamente destinado às crianças (!), se esforçam extensivamente para
limitar o tempo de tela dos lhos em casa.19, 20 Numa atitude reveladora, o
CEO da Apple Steve Jobs proibiu os lhos pequenos de brincarem com o
então recém-lançado iPad.
As notícias são todas ruins? É claro que não; nada é assim tão simples.
Ellen Friedrichs, educadora de saúde baseada no Brooklyn que trabalha com
os mais diversos tipos de jovens, observa que, para alguns de seus alunos,
a internet tem sido uma boia salva-vidas. Para a criança queer que mora
numa cidade pequena, ou faz parte de uma comunidade religiosa em
que todos os domingos precisa se sentar e escutar um sermão
homofóbico… é possível entrar na internet e encontrar “a sua galera” de
um jeito que nunca antes foi possível.
Lembra do comentário seco de Bessel van der Kolk de que “nossa cultura
nos ensina a focar em nossa singularidade pessoal, mas num nível mais
profundo nós mal existimos como organismos individuais”? Não sei se a
comparação vai trazer frustração ou reconforto (talvez ambos?), mas nós
humanos, com nossa falta de um eu autodeterminado e independente, não
somos tão diferentes assim de nossa criatura sociável irmã, a formiga.
Num formigueiro, todas as larvas nascem com praticamente o mesmo
conjunto de genes: rainha, operárias e guerreiras nascem todas iguais. Qual
criatura vai se tornar o quê, inclusive que traços biológicos vai manifestar,
depende inteiramente das necessidades do clã. O oncologista e escritor
Siddhartha Mukherjee descreveu esse fenômeno num texto fascinante
publicado na revista e New Yorker. “As formigas têm um sistema de castas
poderoso. Uma colônia típica contém formigas que desempenham papéis
radicalmente distintos, e apresentam estruturas físicas e comportamentos
marcadamente distintos.” Irmãos geneticamente idênticos vão se diferenciar
e se tornar adultos biologicamente diferentes com base apenas nos sinais do
entorno físico e social. Quando uma rainha é retirada de uma colônia de
formigas da espécie Myrmecia pilosula, por exemplo, as operárias “iniciam
uma campanha cruel de combate mortal umas contra as outras, picando,
mordendo, lutando, arrancando patas e cabeças”, até algumas vencerem e se
tornarem… bem, se tornarem rainhas. Sem qualquer alteração na estrutura
do DNA, a siologia de uma nova rainha se modi ca: “ela” então se torna
fértil e dominante, e vive mais do que teria vivido em sua encarnação
anterior de operária.1 O psiquiatra Michael Kerr, antes da Universidade de
Georgetown, observou a mesma dinâmica em seu livro sobre os sistemas
familiares humanos. “Aquilo em que cada larva vai se transformar é
determinado por um processo no nível da colônia. Nesse sentido, uma
jovem larva nasce numa posição funcional dentro da colônia, e seu
desenvolvimento é determinado por essa posição.”2
Apesar de todo o nosso apego ao nosso conceito individual de nós
mesmos, somos nesse quesito bem semelhantes às formigas. “Há muito
menos autonomia para um ser humano do que gostaríamos de pensar”,
disse-me Kerr numa entrevista. “Nosso funcionamento como indivíduos
não pode ser entendido separadamente da nossa relação com o grupo
maior.” Em outras palavras, nosso temperamento e nossa personalidade
re etem as necessidades do meio em que nos desenvolvemos. Os papéis que
nos vemos atribuídos ou negados, como nos encaixamos na sociedade ou
somos dela excluídos, e aquilo em que a cultura nos induz a acreditar em
relação a nós mesmos determina grande parte da saúde de que gozamos ou
das doenças que nos a igem. Assim, como de muitas outras maneiras, a
doença e a saúde são manifestações do macrocosmo social.
Se a família nuclear moderna é o principal receptáculo para o
desenvolvimento infantil, esse receptáculo está por sua vez contido num
contexto maior, formado por entidades como a comunidade, o bairro, a
cidade, a economia, o país e assim por diante. Na nossa época, o maior de
todos os contextos é o capitalismo de consumo hipermaterialista e sua
expressão globalizada. Suas pressuposições fundamentais – e na realidade
bastante distorcidas – a respeito de quem e do que somos aparecem no
corpo e na mente daqueles que as vivenciam. Considerando os inúmeros
vínculos entre biogra a e biologia, as normas culturais também podem
transparecer na nossa siologia.
Podemos ver nisso, ampliado por uma lente de aumento, o cabo de
guerra entre apego e autenticidade. Da mesma forma que somos
condicionados a nos encaixar na família, mesmo que isso signi que nos
afastar de nosso verdadeiro eu, somos também condicionados – poder-se-ia
dizer preparados – a preencher os papéis sociais que esperam de nós e
assumir as características necessárias para fazê-lo, seja qual for o custo
cumulativo disso para o nosso bem-estar.
Conheci Ulf Caap uns 14 anos atrás. Então vice-presidente de recursos
humanos na IKEA América do Norte, Ulf parecia ter tudo a seu favor. No
entanto, esse líder corporativo mundialmente respeitado tinha me
procurado como parte de uma jornada pessoal advinda de uma profunda
insatisfação existencial. Ele havia se dado conta de algo muito
desconfortável: sua vida – um sucesso retumbante pelos parâmetros
“normais” da nossa sociedade – e a rotina que esta lhe exigia acabavam
sendo, nas suas palavras, “uma farsa, uma ilusão, uma fraude…
Praticamente não existia nada de mim ali”. Outra pessoa muito bem-
sucedida segundo os padrões sociais, a escritora e atriz Lena Dunham,
famosa pelo seriado 3 disse algo parecido na entrevista que z com ela. Num
programa de recuperação para a dependência química, lhe propuseram o
exercício de listar os próprios valores. “Eu percebi”, disse ela, “que era
incapaz de pensar num valor sequer que não pertencesse a outra pessoa.”
Ulf desde então se tornou um amigo e colaborador ocasional; juntos,
criamos e conduzimos workshops para altos executivos que compartilham
essa mesma sensação de que o eu autêntico deles e sua persona pro ssional
são diametralmente opostos. Não digo apenas que eles deixam na porta do
escritório seus verdadeiros pensamentos, sentimentos, desejos e
necessidades, para no nal do expediente recuperá-los como se recupera um
carro estacionado. Para que a “farsa” se sustente, essas partes autênticas do
eu precisam ser guardadas em algum lugar de longo prazo, e a chave jogada
fora. “Eu negava meus valores pessoais para ter sucesso”, reconheceu Ulf.
Hoje septuagenário e um retrato da saúde, está convencido de que essa
supressão de si e essa desconexão estavam sugando sua energia vital:
“Reconheci que meus passos no caminho até o trabalho não eram mais tão
leves quanto antes. Eu estava sendo atraído para a doença.”
Ulf teve o bom-senso – e o privilégio, como ele iria concordar – de
explorar e transcender a própria alienação. “Passei 40 anos levando uma
vida insana”, disse ele, em retrospecto. “Meu foco era 99% aquilo que a
sociedade e a corporação para que eu trabalhava consideravam sucesso. Não
tinha foco nenhum naquilo de que precisava. Se eu zesse o que a
corporação exigia, seria bem-sucedido.” Ele não poderia ter desenhado uma
imagem mais precisa dessa percepção do que a que o jovem monge trapista
omas Merton, escritor católico americano mais in uente do século XX,
articulou em sua autobiogra a, A montanha dos sete patamares:
Viver constantemente nesse “mais alto grau de tensão arti cial” deixa
muitas pessoas insatisfeitas, nervosas, ansiosas: totalmente imersas num
processo viciante que as aliena das necessidades reais, das emoções reais, das
preocupações reais, da vida real.
Se não conseguimos alcançar aquilo que desejamos, vivenciamos isso
como um fracasso pessoal, mesmo as condições sociais estando mobilizadas
contra nós para tornar esse desejo inalcançável. “Lembro que, quando
criança, eu adorava assistir aos comerciais do sabão em pó Tide”, me contou
o ator, diretor de cinema e ativista político americano Danny Glover.
Quando penso nisso agora, vejo que não é por eu ter tido qualquer
a nidade com alguma coisa relacionada ao Tide. Eu via os comerciais do
ponto de vista que me fazia desejar que minha cozinha fosse daquele
jeito, que minha máquina de lavar tivesse aquele aspecto, eu desejava
aquilo tudo… Somos postos numa situação em que estamos cercados
por uma porção de coisas que 99% do tempo não vamos ter, e isso cria
uma sensação de desvalorização, porque você não consegue ter essas
coisas.
REPENSAR O ANORMAL:
AS DOENÇAS COMO
ADAPTAÇÕES
a sensação que se tem quando você está com frio e entra numa banheira
não quente, mas morninha, um banho cálido em que a sensação de
tranquilidade vai subindo conforme você afunda no calor. Essa era uma
sensação que eu conhecia bem e adorava. Passei dez anos perseguindo
essa sensação, saindo e tornando a entrar em esquemas os mais variados,
de roubar opioides a manipular médicos para consegui-los.
Doutor, eu não sei como dizer isso exatamente para o senhor. É como
quando você tem 3 anos e está doente, se tremendo todo de febre, e sua
mãe pega você no colo, enrola você num cobertor quentinho e faz você
tomar uma canja de galinha morna: é essa a sensação que a heroína traz.
Talvez seja uma surpresa para muita gente saber que nenhuma droga em si é
viciante, nem mesmo as mais notórias drogas “de alto risco”, como o crack
ou a metanfetamina. A maioria das pessoas que experimentam drogas,
qualquer droga, mesmo repetidas vezes, nunca se torna dependente. Os
motivos disso lançam um pouco mais de luz sobre a natureza da
dependência.
Muitas vezes pergunto às pessoas na plateia: “O álcool gera dependência,
sim ou não? A comida gera dependência, sim ou não? E o trabalho, sim ou
não? E o sexo, sim ou não? E a pornogra a ou as compras, sim ou não?” A
resposta correta, contida na própria pergunta, é “sim ou não”, a depender do
grau em que esteja a dor que precisa ser aliviada.
O especialista em medicina interna de San Diego Vincent Felitti foi um
dos principais pesquisadores do hoje célebre (embora não o su ciente)
Estudo sobre Experiências Adversas na Infância (EAI). Esse estudo surgiu
depois que Felitti decidiu escutar as histórias de vida de pacientes numa
clínica para obesidade, todos os quais relataram traumas de infância.
Realizada na década de 1990 na rede de atendimento de saúde californiana
Kaiser Permanente, a pesquisa mostrou que, num grupo de 1.700 pessoas
em sua maioria brancas e de classe média, quanto maior a adversidade à
qual uma criança tivesse sido exposta, maior era o risco de ela desenvolver
dependências, questões de saúde mental e outros problemas médicos na
idade adulta.4 A adversidade era classi cada em três rubricas gerais: abuso
(psicológico, físico, sexual); negligência (física, emocional); disfunção
doméstica (alcoolismo ou uso de drogas em casa, divórcio ou perda de
genitor ou genitora biológico(a), depressão ou doença mental em casa, mãe
tratada com violência, membro da família na prisão). Os impactos dessas
experiências não apenas se somavam: eles multiplicavam um ao outro. Um
adulto que relatasse uma pontuação EAI de 6 tinha um risco de usar drogas
por via intravenosa 46 vezes maior do que uma criança sem nenhuma das
adversidades citadas.
“Acredita-se com frequência”, disse Felitti ao discutir sua pesquisa,
Não consigo descrever o que foi entrar num consultório sentindo muita
dor, e o médico olhar para mim e dizer: “Você não deveria estar se
sentindo assim.” Na época ninguém dizia: “Ei, você deve ter sido vítima
de abuso infantil.” Na época, se você se sentisse mal sem motivo
aparente, diziam que você era bipolar. Era a única coisa que eles sabiam.
“Ele tem altos e baixos inexplicáveis”, sabe como é? Eles me deram [o
estabilizador de humor] lítio e depois Depakote. Nenhum dos dois
funcionou. Na verdade nada funcionou antes de a verdade sobre a
minha vida ser reconhecida.
A verdade sobre a vida de Hammond incluía uma série de abusos
sofridos por sua mãe.2
Embora os distúrbios mentais certamente apresentem alguns aspectos de
uma doença – já que o cérebro parece funcionar como um órgão doente –, a
psiquiatria convencional põe ênfase demais na biologia, reduzindo tudo em
grande parte a um desequilíbrio de substâncias químicas cerebrais ditadas
pelo DNA. A psiquiatra Kay Red eld Jamison, hoje uma das autoras mais
eloquentes em relação ao clássico transtorno maníaco-depressivo,
atualmente conhecido como transtorno bipolar, escreveu o livro de
memórias Uma mente inquieta. Trata-se de uma leitura fundamental para
qualquer um que queira entender a experiência de uma consciência
exacerbada que alterna episódios de hiperanimação e de um desespero
paralisante. No entanto, entremeadas às lembranças lindamente narradas de
Jamison estão pressuposições equivocadas que são um exemplo da narrativa
genética simplista à qual a psiquiatria ainda se agarra. Aqui, ela recorda um
episódio de mania: “Minha mente nesse dia estava a mil, graças à seja qual
for a poção de neurotransmissores que Deus tinha programado nos meus
genes.” Na verdade, nem os genes nem Deus têm grande coisa a ver com a
história.
Em Touched With Fire (Tocada pelo fogo), livro igualmente comovente,
Jamison explicita mais ainda a questão, a rmando que “a base genética do
transtorno maníaco-depressivo é especialmente convincente, na verdade
quase incontroversa”.3 Vinte e cinco anos mais tarde, sabemos que as provas
sólidas e cientí cas não apenas não são convincentes como são quase
inexistentes. As provas “quase incontroversas” em que Jamison se apoiou são
as publicações sobre história familiar, adoção e estudos com gêmeos, todas
repletas de falsas pressuposições.4 As provas das causas genéticas às quais ela
alude só são “convincentes” para quem já compactua da mesma opinião; no
que diz respeito às provas em si, elas não passam de cção cientí ca.5 Além
disso, elas são também deselegantes: em meus trabalhos sobre transtornos
mentais e dependência, inclusive os meus próprios, sempre encontrei
material mais do que su ciente nas histórias pessoais dos indivíduos para
explicar seu sofrimento psíquico sem ter que lhes sobrepor uma narrativa
dominada pelo predeterminismo genético.
A expressão “doença mental”, ao mesmo tempo que descreve um
fenômeno real, concentra nossa atenção sobretudo na siologia do cérebro,
de modo análogo ao que, digamos, uma angina denota uma restrição no
fornecimento de oxigênio ao músculo cardíaco devido ao estreitamento das
artérias cardíacas. Ela também sugere que o problema recai necessariamente
no âmbito da medicina. Apesar de quaisquer verdades parciais que possam
conter, essas pressuposições são altamente questionáveis e limitam nossa
compreensão. Pior: elas causam danos, tanto no sentido de submeterem
muita gente a tratamentos inadequados quanto de substituir pontos de vista
que poderiam ser bem mais completos, humanos e úteis. O determinismo
biológico que guiou os médicos de Darrell Hammond também colocou seu
transtorno além do alcance da sua própria ação para se curar, reforçando
assim o fato por ele mencionado de “você ser o único a não ter nenhum
poder”. Esse ponto de vista ameaça manter quem sofre, em grande parte, no
papel de receptor(a) passivo(a) do tratamento, cujos sintomas são aliviados
por remédios que em muitos casos devem ser tomados até o m da vida.
Com sua abordagem predominantemente biológica, a psiquiatria comete
o mesmo erro de outras especialidades médicas: pega processos complexos
intrinsecamente relacionados à experiência de vida e ao desenvolvimento
emocional, cola neles a etiqueta “doença” e encerra o assunto.
Pouca coisa na formação dos médicos os prepara para se perguntar
sobre a experiência de seus pacientes, muito menos para buscarem ali as
origens dos seus mal-estares. É fácil recorrer a explicações simples, que
exijam pouco tempo ou energia emocional. Muitos médicos se sentem bem
pouco à vontade para encarar as próprias tristezas e feridas ocultas – o que
Carl Jung chamou de nosso lado da sombra. E não só os médicos; como me
disse um conhecido colega: “Os pacientes também têm in uência nisso. Eles
tampouco querem examinar a própria vida. Isso demandaria entrar num
processo de recuperação, mudar alguma coisa. Recuperar-se da própria
infância é um trabalho imenso. Vale a pena, mas exige muito esforço.” O
evangelho da causação genética nos protege de ter que confrontar nossas
mágoas, deixando-nos mais ainda à mercê delas.
Pode-se dizer que essa limitação é especialmente calamitosa na área do
sofrimento mental, e ainda menos justi cada. A nal, ao contrário do câncer
ou da artrite reumatoide, nenhum achado físico, exame de sangue, biópsia,
radiogra a ou exame de imagem é capaz de corroborar ou descartar
diagnósticos psiquiátricos. Como esta a rmação talvez surpreenda muitos
leitores, vale a pena repeti-la. Não existe nenhum marcador físico mensurável
de doença mental a não ser os subjetivos (a descrição que a própria pessoa
faz de como está se sentindo, digamos) e os comportamentais (padrões de
sono, apetite, etc.).
Assim como qualquer conceito, a doença mental é um construto: um
arcabouço especí co que nós desenvolvemos para compreender um
fenômeno e explicar aquilo que observamos. Ele pode ser válido sob alguns
aspectos e equivocado em outros; com certeza não é objetivo. Se não for
contido, ele se torna uma lente generalizada através da qual percebemos e
interpretamos as coisas. Esse modo de ver pode dizer tanto sobre os vieses e
valores da cultura que o origina quanto sobre o fenômeno que está sendo
visto, seja um conceito religioso como “pecado” ou um biomédico como
“doente mental”.6 Em determinadas culturas, por exemplo, pessoas que têm
visões podem se tornar profetas ou xamãs. Na nossa, o mais provável é
serem consideradas loucas. É de perguntar como Joana d’Arc ou a santa e
compositora de música sacra medieval Hildegard de Bingen se sairiam nas
mãos do sistema de saúde mental contemporâneo. Certa vez especulei em
voz alta, diante de uma plateia de centenas de pessoas, o que aconteceria se
eu chegasse para o primeiro-ministro do Canadá e proclamasse, à la Joana
d’Arc, ter visto um futuro no qual ele lidera o combate global à mudança
climática, começando por abrir mão do nanciamento de campanha
advindo da indústria dos combustíveis fósseis.
Além da tendência materialista típica do lado esquerdo do cérebro na
cultura moderna, como chegamos a essa visão da doença mental como um
fenômeno essencialmente biológico? Isso parece ser em parte resquício de
uma outrora sedutora aspiração da ciência médica, uma missão não
cumprida. “A psiquiatria hoje está no limiar de se tornar uma ciência exata,
tão precisa e quanti cável quanto a genética molecular”, escreveu o
jornalista Jon Franklin numa série de reportagens vencedora do prêmio
Pulitzer em 1984.7 Como no caso da promessa em última instância não
cumprida da revolução genômica de explicar a saúde e a doença, o
entusiasmo inicial pela perspectiva de uma psiquiatria baseada na ciência foi
virtualmente sem freios. Quase 40 anos depois, não estamos mais perto de
cruzar esse limiar imaginário; na verdade, estamos mais distantes. Quando a
quinta edição do DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais) foi lançada pela Associação Americana de Psiquiatria, em 2013,
David Kupfer, chefe da força-tarefa responsável pela publicação, reconheceu
esse fato. “No futuro”, a rmou ele no release para a imprensa,
Eu perguntava às pessoas: “Me digam só uma coisa: onde foi que vocês
encontraram que a depressão se deve à serotonina, ou onde de fato
encontraram que a esquizofrenia se deve a um excesso de dopamina?”
Pedi para ler as fontes e, juro por Deus, a resposta foi: “Bom, nós na
verdade não encontramos isso. É uma metáfora.” O mais incrível é que,
quando você examina a questão na própria pesquisa, constata que eles
não encontraram mesmo! A divergência entre o que estão dizendo e o
que está nas suas próprias publicações cientí cas, é essa a chave… Isso
me deixou estupefato.
bem depressa cou claro que os diagnósticos não tinham relação com a
siologia, que eram apenas descritivos, e que havia centenas de
caminhos siológicos para uma pessoa ter um problema de atenção, por
exemplo. Só que os pro ssionais agiam como se esses rótulos descritivos
fossem de fato alguma coisa… Eu sabia que, se estivéssemos fazendo
“pesquisa”, se estivéssemos usando essas descrições vazias que
denominamos “diagnósticos” e depois estudando intervenções e
desfechos, tudo que iríamos conseguir era lixo. E foi isso que zemos.
Hoje em dia, Perry é enfático ao declarar que “até jogar o jogo do DSM
está totalmente errado”. Quando convidado a contribuir numa das edições
do manual, ele disse não. “Falei: ‘Escutem, daqui a 25 anos nós vamos olhar
para trás e não vamos acreditar que pensávamos nas pessoas assim.’ Esse
não é um jeito válido de pensar sobre as complexidades do ser humano.” Na
clínica que ajuda a administrar, ele pratica o que prega. “Nós não fazemos
diagnósticos há uns 15, 20 anos”, disse ele, “e isso realmente não interferiu
na nossa capacidade de fazer um bom trabalho clínico. Na verdade
conseguimos fazer um trabalho clínico melhor sem usar esses rótulos.”
Com base nas minhas observações como médico de família e na minha
compreensão do desenvolvimento humano, eu segui a mesma linha.
Quando trabalho com qualquer distúrbio de saúde mental, como depressão,
ansiedade, TDAH ou dependência, não me interessa tanto o diagnóstico
formal em si. Meu foco para o “diagnóstico” são as di culdades especí cas
que a pessoa está enfrentando na vida e os traumas que movem essas
di culdades. Quanto às “receitas”, meu principal interesse é no que vai
promover a cura das feridas psíquicas que os padrões traumáticos atuais
representam.
Assim, farei uma a rmação que talvez surpreenda: não tenho nada
contra a farmacologia. Ninguém que tenha sentido ou testemunhado os
efeitos bené cos de remédios psiquiátricos pode negar que a neurobiologia
deve, de fato, ter um papel na dinâmica e na potencial diminuição do mal-
estar mental, assim como tem em todas as nossas experiências. Às vezes, a
cura a que acabo de me referir pode ser auxiliada – certamente não
garantida, mas assistida – pelo uso inteligente desses remédios. Essa não é
apenas minha opinião pro ssional, mas também minha experiência pessoal.
Quando eu tinha 40 e poucos anos, decidi começar a tomar Prozac,
remédio que aumenta a serotonina. (Um dos principais neurotransmissores
ou mensageiros químicos do cérebro, considera-se que a serotonina
in uencia funções como a regulação do humor e a diminuição da
agressividade.) Meu ceticismo em relação à tendência crescente de medicar
milhões de pessoas foi eclipsado pela minha ânsia por um alívio da
gravidade diária do meu estado mental, conforme resumi com desânimo
num registro de diário da época: “Estou sem energia para viver. Passei todos
os ns de semana dos dois últimos meses – todos os meus ns de semana livres
– irritado, passivo, desmotivado, deprimido e deprimente como companhia.”
Logo me tornei outra pessoa. Em poucos dias, minha mulher observou
aliviada que meus traços faciais relaxaram. Eu então acordava de manhã
com energia em vez de amargura, parei de me irritar tanto com meus
familiares, sorria e gargalhava bem mais, e era capaz de sentir e expressar
ternura quando antes só conseguia ser frio e cortante. Era como se alguém
tivesse posto um curativo no meu coração machucado, fazendo-o parar de
doer ou de se ferir a cada mínimo toque. Eu me peguei dizendo
maravilhado à minha cunhada: “Quer dizer que as pessoas podem se sentir
assim normalmente? Eu não fazia ideia!” Tive uma experiência semelhante à
que, alguns anos depois, em 1994, a escritora Elizabeth Wurtzel descreveria
em seu relato pessoal intitulado Nação Prozac. “Um dia de manhã, acordei
realmente querendo viver”, escreveu ela. “Era como se a névoa da depressão
tivesse se dissipado de cima de mim, do mesmo jeito que o fog de São
Francisco vai subindo conforme o dia avança. Seria o Prozac? Sem dúvida.”
Como acontece com muitos novos convertidos, minha reticência inicial
logo deu lugar a um período de entusiasmo exagerado. No consultório, me
tornei uma espécie de promotor do Prozac, sucumbindo ao erro de procurar
patologias onde havia apenas infelicidade cotidiana. “Você tem um
desequilíbrio químico no cérebro: está com falta de serotonina”, explicava
animadamente para pacientes em quem detectasse sintomas de depressão, já
com o receituário a postos. Mal sabia eu que estava a rmando fatos não
cientí cos. Sim, o remédio estava me ajudando, pelo menos a curto prazo. E
sim, já vi outros casos em que os remédios psiquiátricos zeram melhorar,
ou até mesmo salvaram vidas. Mas precisamos evitar a falácia de deduzir
dos benefícios (em alguns casos) observáveis das medicações o fato de a
origem demonstrada da doença mental estar na bioquímica do cérebro,
muito menos de esses desequilíbrios siológicos terem causa genética.
O fato de um remédio ter determinados efeitos positivos nada revela
sobre a gênese de um sintoma. Se uma aspirina alivia a dor de cabeça, a dor
de cabeça pode ser explicada por uma de ciência herdada de ácido
acetilsalicílico no cérebro, o ingrediente ativo da aspirina? Se uma dose de
bourbon faz você relaxar, o seu sistema nervoso tenso está sofrendo de uma
carência de uísque determinada pelo DNA? Existem 50 ou mais
neurotransmissores cerebrais cujas interações complexas nós só agora
estamos começando a explorar, sem falar nas quase in nitas possibilidades
inerentes à interseção da experiência com a biologia do corpo e do cérebro
ao longo de toda a vida. Mais uma vez, a siologia do cérebro é uma
manifestação e produto da vida, com seu movimento e seu contexto.
Além disso, como escreve Bruce Perry: “O cérebro é um órgão histórico.
Ele armazena nossa narrativa pessoal.” Como ele faz isso na forma de
elementos químicos e redes neurais, não é de espantar que experiências
difíceis possam resultar numa neurobiologia perturbada. Mesmo quando
exames de imagem do cérebro mostram determinadas anomalias – como
acontece no caso de muitas pessoas traumatizadas –, essas anomalias não
provam que o “transtorno” tenha uma origem neuroquímica. Um recém-
publicado estudo de três décadas acompanhou pessoas do início da vida até
os 29 anos. A má qualidade do cuidado na infância estava associada, 30 anos
depois, a um volume maior da estrutura cerebral fundamental para as
emoções, o hipocampo, bem como a um risco elevado de traços de
“personalidade borderline” e de suicídio. Em outras palavras, a genética
cerebral não “causava” nem a “doença” nem as diferenças neuro siológicas:
elas eram todas resultado da experiência de vida.13
O autor britânico Johann Hari explorou os vícios e a depressão tanto do
ponto de vista pessoal quanto jornalístico. Em sua obra de sucesso, Lost
Connections (Conexões perdidas), ele narra a própria experiência de
desânimo devastador, seguida pela exultação com o diagnóstico de
depressão que nalmente “explicava” seus perturbadores estados mentais.
“Isso vai soar esquisito”, escreve ele, “mas o que senti nessa hora foi um
choque de felicidade, como quem encontra inesperadamente um monte de
dinheiro en ado no encosto do sofá. Existe um termo para descrever o que
estou sentindo! É um distúrbio médico, como diabetes ou síndrome do
cólon irritável.”
Como no meu caso, a primeira experiência de Hari com medicamentos
foi positiva. “Foi só anos mais tarde”, relata ele em Lost Connections, “que
alguém me assinalou todas as perguntas que o médico não me fez naquele
dia. Tipo: existe algum motivo que pode estar fazendo você se sentir mal? O
que tem acontecido na sua vida? Algo o está machucando que talvez você
queira mudar?” As respostas teriam sido todas sim: Hari estava carregando
tanto traumas do passado quanto estresses do presente que ele considerava
fazerem parte do seu “normal”. Com o tempo, começou a ver que o modelo
médico estreito que o ajudara a manejar seus sintomas também o estava
deixando muito distante da cura. Ele não desacredita inteiramente a
abordagem biológica, segundo me contou, mas também observou com
tristeza que “ela acabou abafando as percepções muito mais sensatas que as
pessoas têm a respeito de por que cam mal e como solucionar seu mal-
estar. Na verdade, como dizer… ela nos proporcionou um mapa impreciso
da nossa dor”.
Não há qualquer controvérsia em relação ao fato de que quanto maior o
grau de adversidade na infância, maior o risco de perturbações mentais,
inclusive psicose. Um estudo constatou que pessoas que haviam passado por
cinco tipos de maus-tratos na infância eram muito mais propensas a
receberem um diagnóstico de psicose do que as que não tivessem vivenciado
esses acontecimentos traumáticos.14 Um artigo importante de 2018
publicado no Schizophrenia Bulletin concluiu que a gravidade dos traumas
de infância estava correlacionada à intensidade das ilusões e alucinações.15
Richard Bentall, psicólogo, acadêmico e membro da Academia Britânica,
resumiu esse fato cientí co alguns anos atrás: “As evidências de uma relação
entre o infortúnio na infância e um futuro transtorno psiquiátrico são
aproximadamente tão fortes do ponto de vista estatístico quanto a relação
entre tabagismo e câncer de pulmão”, escreveu ele. “Hoje existem também
fortes indícios de que esse tipo de experiência afeta a estrutura cerebral, o
que explica muitos dos achados anormais em exames de imagem
neurológicos relatados no caso de pacientes psiquiátricos.”16 Isso ia no
mesmo sentido de um estudo de Harvard, cuja conclusão era: “Essas
mudanças no cérebro podem ser mais bem compreendidas como reações
adaptativas destinadas a facilitar a sobrevivência e a reprodução diante da
adversidade. Sua relação com a psicopatologia é complexa.”17
Existe uma coisa que os cientistas que avaliam trabalhos de pesquisa não
dizem, embora seja óbvio e cristalino para muitos clínicos que trabalham
com o sofrimento mental: não são necessários maus-tratos explícitos para
exercer impactos negativos na neurobiologia do cérebro ou no
funcionamento da mente. A neurobiologia é um contínuo, assim como a
“doença mental” e a saúde. Feridas emocionais durante o desenvolvimento
podem ter consequências siológicas mesmo sem abuso ou negligência.
Como explica Bruce Perry, experiências adversas na infância – do tipo
grave, que merece a designação o cial de EAI – têm consequência, mas “não
são tão determinantes quanto nosso histórico de relacionamentos… O mais
forte fator para prever como você funciona no presente é a sua
conectividade relacional atual, e o segundo componente mais forte na nossa
visão é o seu histórico de conectividade”.
“Deixe de ser tão sensível”, é algo que as pessoas ouvem com frequência. Em
outras palavras, “deixe de ser tão você”. As vulnerabilidades genéticas não
determinam doenças, mas podem gerar uma sensibilidade que torna a
pessoa mais vulnerável às vicissitudes da vida do que outra com uma
predisposição mais robusta, efeito que está longe de ser trivial. Pessoas
sensíveis sentem mais e são mais facilmente subjugadas pelo estresse, não
apenas de um ponto de vista subjetivo, mas também siológico. Tanto
macacos quanto seres humanos, por exemplo, podem herdar genes que
in uenciam a produção de determinadas substâncias químicas cerebrais
como a serotonina, capazes de torná-los mais suscetíveis a experiências
negativas; ou então, por outro lado, mais suscetíveis ao efeito das positivas.
(E, naturalmente, essa sensibilidade também é um contínuo.)
“Os genes afetam quão sensível se é em relação ao entorno, e o entorno
afeta quão relevantes podem ser as diferenças genéticas de cada um”,
a rmou o renomado geneticista R. C. Lewontin. “Quando um ambiente
muda, tudo pode acontecer.”18 Algumas pessoas sentirão mais dor, e
portanto terão mais necessidade de fugir em direção às adaptações
representadas pelas doenças mentais ou pela dependência. Elas terão mais
necessidade de se desconectar, de se dissociar, de se dividir em partes, de
criar fantasias para explicar realidades que não conseguem suportar. Mas
isso é bem diferente de dizer que elas têm uma doença neurobiológica
hereditária. Essas são as crianças que Tom Boyce, professor de pediatria e
psiquiatria na Universidade da Califórnia em São Francisco, descreve como
crianças orquídeas, “ultrassensíveis ao ambiente em que se encontram, o que
as torna especialmente vulneráveis em condições de adversidade, mas com
uma vitalidade, uma criatividade e um sucesso fora do normal em
ambientes onde existe apoio e cuidado”.19 Os mesmos genes da
“sensibilidade” que num ambiente de estresse podem ajudar a potencializar
o sofrimento mental podem, em circunstâncias positivas, ajudar a promover
mais resiliência mental, e portanto mais felicidade.20 Pessoas sensíveis têm
potencial para serem mais atentas, perceptivas, inventivas, artísticas e
empáticas, contanto que sua sensibilidade não seja esmagada por maus-
tratos ou desprezo. Os mais sensíveis dentre nós foram os que deram as
contribuições culturais mais duradouras; muitos também suportaram as
dores mais intensas ao longo da vida. A sensibilidade pode ser o típico
combo: dádiva e maldição, dois em um.
Muitas das pessoas com doenças mentais que conheci apresentam essa
qualidade, às vezes em graus espantosos. Nunca esquecerei uma conversa
que tive ainda na faculdade de medicina com um rapaz psicótico mais ou
menos da mesma idade que eu. Alto e desalinhado, ele cou me encarando
com um olhar penetrante enquanto eu lhe lançava algumas perguntas
relacionadas a um projeto de pesquisa insigni cante pelo qual estava sendo
pago. Fiquei assombrado com suas sacadas sobre a vida, a sociedade, os
segredos da existência e os seres humanos. Enquanto escutava, desejei ter
acesso a tamanha consciência. “Não é verdade o que você está pensando”,
interrompeu ele. “Não é verdade que sou mais inteligente do que você.”
uma crise mais administrável do que o terror dentro de você, aquele que
está acontecendo no seu cérebro… É só olhar para os braços de alguém
que se corta: não são cortes de suicídio. Não são cortes de morte. Ou são
cortes de “quero que alguém saiba que estou sofrendo”, ou de “quando eu
começar a cuidar deste braço, correr para achar um bandeide e me
limpar, estarei tendo uma crise, mas uma crise administrável, enquanto
a que está acontecendo dentro da minha cabeça não é”.
Podemos tirar essa mesma lição da vida trágica do grande ator cômico
Robin Williams. Em 10 de agosto de 2014, na véspera de se matar, Williams
foi a uma festa no bairro chique em que morava na Bay Area de São
Francisco. As outras pessoas da festa devem ter visto a persona efervescente
e sociável pela qual ele era tão conhecido. Mas por baixo daquela máscara
ele estava desesperado.
Williams estava acometido pela demência por corpos de Lewy,
transtorno cerebral neurodegenerativo caracterizado por sintomas
semelhantes aos do Parkinson e por uma demência crescente. Ao contrário
da depressão ou da ansiedade, essa doença tem marcadores siológicos
especí cos, mesmo que eles só possam ser identi cados na autópsia. “Robin
estava cando louco e sabia disso”, revelou sua esposa depois da morte dele.
“Vivia dizendo: ‘Eu só quero reprogramar meu cérebro.’” Mas a ideia de tirar
a própria vida não era novidade para ele: numa entrevista de 2010, ele se
recriminou por “não ter tido peito para ir até o m”.
Além da irreverência e sagacidade evidentes em seu trabalho de
comediante, ele tinha uma doçura e uma vulnerabilidade que tocou muitos
corações, um amor que se derramava para o mundo, mas que nunca
conseguia estender a si mesmo.
A origem da angústia do ator pode ser remontada à sua infância. A
escritora Anne Lamott foi criada perto de Williams em Illinois. Numa muito
compartilhada postagem de Facebook, ela escreveu que, quando criança,
“éramos dois no mesmo barco: assustados, tímidos, com uma autoestima
péssima e uma grandiosidade horrível”. O dilema do ator ao longo de toda a
vida, disse ela, sempre seria “como se manter a um passo do abismo”.
Na mesma postagem, Lamott aludia à hereditariedade como causa
provável dos sofrimentos do amigo. No entanto, posso escutar nas palavras
do próprio Williams informação mais do que su ciente para explicar suas
di culdades mentais sem recorrer a superstições genéticas. “Meus únicos
companheiros, meus únicos amigos quando criança eram minha
imaginação”, disse ele certa vez, em uma admissão de profunda solidão.7 No
início, ele cultivou essa extraordinária capacidade de criar personagens
imaginários estranhos e hilariantes como uma forma de romper seu
isolamento numa família com uma mãe emocionalmente distante e um pai,
como recordava ele, “assustador”. Como muitas crianças sensíveis na cultura
dos pares, ele sofreu bullying na escola. Encontrou alguma liberdade na
fantasia, uma vez que seus personagens “podiam dizer e fazer coisas que eu
próprio tinha medo de fazer”. Seu talento cômico teve a função original de
lhe valer alguma proximidade com a mãe. “Você ca com um desejo
esquisito de se conectar com ela por meio da comédia e do entretenimento”,
disse ele ao apresentador de podcast Marc Maron em 2010. Os termos
escolhidos não foram gentis com ele mesmo: não há nada de esquisito no
fato de uma criança buscar apego em relação ao pai ou à mãe. O anormal,
isso sim, é uma criança ter que fazer isso. Os mesmos mecanismos de
adaptação que potencializaram seus maiores dons acabaram portanto se
tornando as grades da sua prisão: mais uma vez, a dupla sina da criança
sensível demais. Por baixo da sua persona de comediante brilhante e
turbulenta, ele aprendeu a suprimir seus verdadeiros sentimentos. Até o dia
da sua morte, foi um mestre nessa arte.
A cocaína, como deu a entender certa vez, lhe proporcionava uma
trégua da própria energia exacerbada, da mesma forma que damos Ritalina
a uma criança hiperativa para acalmá-la. Ele tinha uma vida inteira de
desconforto com ele mesmo, típica do dependente químico, a necessidade
de fugir da consciência de si mesmo: “sonambulismo em atividade”, era
como chamava isso. Num episódio da série televisiva de sucesso dos anos
1970 Mork & Mindy, ele fazia tanto o alienígena recém-chegado Mork
quanto seu verdadeiro eu. “Se você aprendesse a dizer não, provavelmente
teria muito mais tempo livre”, diz Mindy ao ator. “Talvez essa seja a última
coisa que eu quero”, responde Robin com uma expressão indescritivelmente
triste no rosto.
Não foi por falta de autoconsciência que o abismo no m acabou
levando a melhor sobre Williams. Muito antes de desenvolver um
transtorno degenerativo, ele sofria do que denominava “síndrome do me
ame por favor”, autodiagnóstico bem mais preciso do que qualquer coisa que
algum psiquiatra adepto do DSM pudesse inventar. Eu me pego desejando
que alguém o tivesse guiado para ligar os pontos, para ver essa “síndrome”
como o endosqueleto emocional de suas oscilações maníaco-depressivas,
dependências e tendências suicidas, e muito provavelmente também do seu
transtorno cerebral terminal.8, 9 A partir daí, ele poderia ter remontado
ainda mais os elos até o menino assustado e isolado que um dia fora. E
encontrado o signi cado que poderia tê-lo salvado.
As primeiras poucas vezes em que ele me pegou não foram tão ruins
porque eu não estava presente. Quando abria os olhos ele estava ali, em
pé na minha frente se limpando. Eu sabia que alguma coisa tinha
acontecido, mas não tinha certeza do quê. A mente é capaz de algumas
coisas incríveis. Mesmo anos depois, na terapia, quando eu falava sobre
isso com a terapeuta, eu saía… deixava meu corpo. Ela precisava
literalmente me sacudir para me trazer de volta.13
Cães que têm muitos contatos sociais com outros cães e muitas
interações com humanos parecem apresentar menos sintomas [típicos]
de TDAH. Quanto mais você se conectar sicamente e brincar com o
cão, menos problemas haverá. Cães deixados sozinhos por períodos
prolongados também têm mais propensão a apresentar sintomas
hiperativos quando você volta. Outra associação interessante que os
pesquisadores descobriram é que cães que dormem sozinhos (isolados
do dono ou de outros cães) têm mais problemas.22
(Hoje com 26 anos, ela estuda artes plásticas em Toronto.) Num quadro
típico de mania, Caterina se sentiu hiperenergizada e passou uma semana
sem dormir, até ser internada. Os remédios que lhe foram receitados
aliviaram seus sintomas, mas ela não foi guiada a re etir sobre a origem de
suas ilusões de poder malévolo ou de bondade maravilhosa. “O senhor acha
que isso é algo que devemos investigar?”, perguntou-me ela. “Meus
psiquiatras acham que as ilusões são só uma espécie de febre.” Respondi
fazendo outra pergunta. “E se as suas ilusões forem de uma precisão
perfeita? Não precisão no sentido concreto, mas em relação à sua realidade
emocional?” Assinalei que ambas as fantasias – “eu tinha destruído minha
família” e “eu poderia salvar o mundo” – tinham algo em comum. Caterina
logo captou a semelhança. “Nas duas eu tenho uma sensação de controle!
Sou muito poderosa.”
A origem dessa sensação de poder avassaladora logo começou a surgir.
“Meus pais passaram por uma fase muito difícil quando eu tinha 11 anos”,
recordou Caterina. “À noite eles tinham brigas horríveis… cavam gritando
um com o outro. Meu pai chorava comigo… o que era compreensível, porque
ele estava passando por muita coisa e nós dois éramos muito chegados.” Essa
“proximidade”, na verdade uma falta de limites nada saudável que os
psicólogos denominam “fusão”, havia perdurado durante os anos de
formação de Caterina. Por mais prejudicial que fosse essa dinâmica,
Caterina achava que proteger os pais era o seu dever moral: ela via sua
incapacidade de manter a família unida como um símbolo de vergonha,
uma prova da sua falta de valor. Absorver as tristezas de um pai ou de uma
mãe não é uma responsabilidade que a natureza atribuiu a uma criança. “A
inversão de papéis entre criança ou adolescente e pai ou mãe, a não ser que
seja muito temporária, é quase sempre não só sinal de patologia no pai ou
na mãe, mas uma causa de patologia na criança”, escreveu o psiquiatra
britânico John Bowlby,23 grande pioneiro das pesquisas sobre apego e
desenvolvimento da personalidade.
A fase psicótica de Caterina pode ser vista como uma espécie de
assombração interior, em que todas as intensas emoções que ela teve que
reprimir quando criança para poder desempenhar seu papel
“compreensível” ressurgiram para tomar de assalto sua mente adulta. Seus
pais, eles próprios traumatizados em suas famílias de origem e por tragédias
políticas em seus países natais, eram incapazes de lidar com as próprias
emoções, que dirá com as da jovem lha. Em última instância, suas
autoacusações de extrema maldade e ilusões de potência quase divina eram
dois polos de um “poder” com que ela nunca deveria ter sido
sobrecarregada.
Um estudo de 2013 examinou quase 6 mil pessoas diagnosticadas com
bipolaridade na França e na Noruega. “Nossos resultados demonstram
associações consistentes entre traumas de infância e características clínicas
mais severas no transtorno bipolar”, relataram os pesquisadores. “Além
disso, eles mostram a importância de incluir o abuso emocional, além do
mais frequentemente investigado abuso sexual, na abordagem das
características clínicas do transtorno bipolar.”24 Notemos, mais uma vez, que
as formas mais sutis de ferida emocional como as que Caterina suportou
quando criança, embora mais difíceis de estudar, não são menos prejudiciais
para uma jovem sensível.
“O senhor acha então que as pessoas deveriam focar no conteúdo
emocional das ilusões e tentar entendê-las?”, perguntou Caterina quando
estávamos encerrando a entrevista. “Acha que essa é uma forma de curá-las,
em vez de medicá-las?” “Não é necessariamente uma questão de em vez de”,
sugeri. “Se você não estivesse tomando remédios, não seria capaz de ter essa
conversa. Meu problema com a abordagem habitual não é o fato de os
médicos receitarem remédios; só que com demasiada frequência isso é a
única coisa que eles fazem.”
Aconselhei a família a seguir fazendo terapia para destrinchar seus
traumas individuais e seu enredamento mútuo.
Um dos papéis mais amados de Robin Williams, e que lhe valeu um Oscar,
foi em Gênio indomável, em que ele interpreta um bondoso psicólogo
encarregado de ajudar um zelador de Boston que agrediu um policial.
Interpretado por Matt Damon, esse talentoso rapaz – que se revela um
diamante bruto intelectual – enterrou sua vulnerabilidade sob uma camada
ossi cada de raiva e confronto. A cena mais emblemática do lme mostra
Williams encarando Damon bem de perto e repetindo uma a rmação
simples, mas potente: “Não é culpa sua”, até o rapaz por m desabar e
abraçá-lo, aos prantos. Essa mensagem, “não é culpa sua”, transmite não só
uma compaixão irrestrita, algo por que o personagem de Damon ansiava
internamente, mas também sabedoria. Desde os problemas de
comportamento até as doenças mentais declaradas, a culpa não é de
ninguém, tampouco, como vimos, do cérebro ou dos genes da própria
pessoa. Essas coisas são expressões de feridas não intencionais, e têm
signi cado.
O signi cado vai além da vida individual da pessoa, sua família de
origem, sua infância. Se quisermos tratar os inúmeros distúrbios aos quais
este livro até agora dedicou sua atenção, precisamos examinar a história
mais ampla através de uma lente maior. Se eu pudesse destilar minha
mensagem e imortalizá-la num lindo momento cinematográ co, faria Robin
Williams encarar todos nós bem nos olhos – inclusive eu mesmo – e dizer,
num tom convicto: “Não é culpa sua… e não é nada pessoal.” Isso tem a ver
com nosso mundo em sofrimento; é a manifestação das ilusões e mitos de
uma cultura alienada da nossa essência.
Examinemos agora esse contexto mais amplo.
PARTE QUATRO
AS TOXICIDADES DA
NOSSA CULTURA
Sabemos que o estresse crônico, venha de onde vier, põe o sistema nervoso
em alerta, distorce o aparato hormonal, prejudica a imunidade, favorece a
in amação e mina o bem-estar físico e mental. Vejo isso todos os dias, e
concordo com János Selye, pai das pesquisas sobre estresse, que “sem
hesitação” a rmou que “para o ser humano os fatores de estresse mais
importantes são emocionais”.1 Neste estágio de nossa exploração do trauma,
da doença e da cura, eu acrescentaria apenas que os principais fatores
determinantes do estresse emocional humano se estendem do pessoal para o
cultural. Somos na realidade seres biopsicossociais.
Relembrando o que já vimos sobre o estresse: em primeiro lugar, sua
siologia e suas consequências incluem a ativação aguda ou crônica, a
potencial superativação, e até mesmo a exaustão do eixo hipotálamo-
pituitária-adrenal (HPA) que conecta os centros emocionais do nosso
cérebro e todo o aparato siológico do corpo.2 Além disso, há o que Bruce
McEwen chamou de “carga alostática”: o desgaste ocasionado no corpo por
precisar manter o equilíbrio interno diante de circunstâncias instáveis e
desa adoras, entre as quais se destaca o trauma. Nessa cultura, muitas
pessoas estão fadadas a suportar fortes cargas alostáticas, prejudicando sua
saúde mental e física, conforme demonstrado – se é que mais provas se
fazem necessárias – por um estudo recente de Yale que revela o impacto
cumulativo do estresse no envelhecimento biológico acelerado. “Nossa
sociedade está vivenciando mais estresse do que nunca, o que conduz a
desfechos negativos tanto psiquiátricos quanto físicos”, observaram os
pesquisadores.3
É claro que não existem “oportunidades iguais” em relação ao estresse,
da mesma forma que elas não existem na vida econômica. A estrutura de
uma sociedade baseada em poder e riqueza, com disparidades estruturais de
raça e gênero, deixa algumas pessoas com uma carga siológica bem maior
do que outras. É verdade que, numa cultura que incita indivíduos e grupos a
competirem selvagemente entre si, os gatilhos psicológicos para o estresse
não poupam nenhuma categoria social, mas mesmo assim seus efeitos têm
uma distribuição desigual. E embora os estresses pessoais causados pela
desconexão de si e pela perda de autenticidade possam cruzar fronteiras de
classe, a pressão alostática imposta por desequilíbrios de poder tem um peso
maior nos politicamente desempoderados e economicamente
desfavorecidos.
Quais são, na nossa sociedade, os gatilhos emocionais mais
disseminados do estresse? Minha observação de mim mesmo e dos outros
me levou a concordar inteiramente com a conclusão de um artigo sobre a
literatura relacionada ao estresse, a saber que “fatores psicológicos como
incerteza, con ito, falta de controle e falta de informação são considerados os
estímulos mais estressantes e ativam intensamente o eixo HPA”.4 Uma
sociedade que favorece essas condições, como o capitalismo inevitavelmente
faz, é um gerador superpotente de fatores de estresse que afetam a saúde
humana.
O capitalismo é “bem mais do que uma simples doutrina econômica”,
observa Yuval Noah Harari em seu in uente sucesso de vendas Sapiens.
Nada disso lhe ensina nada que você já não saiba ou intua. Pode
examinar sua própria experiência: o que acontece quando cada uma das
necessidades mencionadas é suprida? O que acontece na sua mente e no seu
corpo quando elas faltam, são negadas ou removidas?
Lembre que o líder trabalhista escocês Jimmy Reid de nia “alienação” como
o afastamento das pessoas de uma sociedade que as impede de moldar ou
determinar o próprio destino. A palavra tem outros signi cados também,
entre os quais o afastamento da nossa essência, de nós mesmos e dos outros.
Já no século XIX, Karl Marx reconheceu todos eles e acrescentou mais um: a
desconexão de nosso trabalho enquanto atividade signi cativa sobre a qual
temos in uência e controle. Nisso Marx foi visionário. O trabalho perpassa
várias das necessidades básicas anteriormente listadas, entre elas
competência, domínio e noção de propósito. Segundo um relatório de 2013
do Instituto Gallup, só 30% das pessoas empregadas nos Estados Unidos se
sentem comprometidas com o próprio trabalho; em 142 países, a proporção
de pessoas empregadas que se sente comprometida com o trabalho é de
somente 13%. “Para a maioria de nós”, escreveram dois importantes
consultores de economia no e New York Times, “o trabalho é uma
experiência exaustiva e desanimadora, e sob alguns aspectos evidentes isso
está piorando”.6
A alienação é inevitável quando nossa noção interna de valor passa a
depender do status, e está sujeita a padrões impostos pelo meio externo de
sucesso e aquisições competitivos, bem como de uma aceitação – eu deveria
dizer “aceitabilidade” – altamente condicional por parte de terceiros. Com a
erosão da classe média nas últimas décadas, pessoas que se avaliavam em
termos de sucesso material sofreram o que percebem como uma
desvalorização. Para angústia e raiva profunda de muita gente, a promessa
do sonho de ascender à classe média em grande medida desapareceu. Mas
mesmo aqueles empoleirados no topo da pirâmide econômica podem
vivenciar uma desvalorização de si, pelo simples motivo de que os valores
materialistas vão na contramão da necessidade de signi cado, de um
propósito outro que não empreendimentos em benefício próprio.
Não há qualquer juízo moral aqui. Objetivamente, a concentração em
desejos individuais evanescentes em detrimento das necessidades
comunitárias resulta numa diminuição da conexão com nosso eu mais
profundo, ou seja, com as partes de nós que geram e sustentam o verdadeiro
bem-estar. Sejam quais forem os “ganhos” que nossa personalidade consiga
angariar, seja qual for a sensação momentânea de segurança que
obtenhamos por meio de nossas diversas identidades, por mais que
envernizemos nossa imagem ou autoimagem com ganhos materiais, tudo
isso são substitutos frágeis para as recompensas (e desa os) de se estar
desperto para a própria humanidade. Um investidor que diariamente lidava
com milhões de dólares disse ao jornalista vencedor do Pulitzer Charles
Duhigg: “Minha sensação é de estar jogando a vida fora. Quando eu morrer,
por acaso alguém vai ligar se eu ganhei um ponto percentual a mais na
revenda? Meu trabalho parece totalmente sem signi cado.” Essa perda de
signi cado, segundo Duhigg, afeta “até mesmo pro ssionais que têm
habitualmente uma boa autoimagem, como os de medicina e direito”. Por
que isso?, perguntou-se o autor. A resposta:
É fácil deixar passar que aquilo que Murthy denomina “nosso mundo do
século XXI” não é nenhuma entidade abstrata, mas a manifestação concreta
de um sistema econômico especí co, de uma visão de mundo distinta e de
um modo de viver.
Elas não são teorias, mas sim práticas: práticas expressadas por meio da
lei, de políticas e sistemas de governo, da tecnologia, do sistema
nanceiro… Nós camos insensíveis a elas. Isso nos torna incapazes de
relacionar a banalidade dos métodos da sua conspiração à ganância de
suas ambições.5
Friedman também a rmou como sendo uma regra rígida o fato de “os
negócios terem uma única responsabilidade social: usar seus recursos e
desenvolver atividades no sentido de aumentar seus lucros”.24 Repare no uso
da expressão “responsabilidade social”: Friedman acreditava piamente que
um capitalismo corporativo com interesses autocentrados e minimamente
regulamentado era o melhor para todo mundo. Quem disse isso não foi um
vilão de cinema consciente da própria perfídia enquanto enrolava o bigode
com os dedos, fadado a responder por seus atos até o nal do lme, mas um
teórico cuja eminência nos círculos político-econômicos normais até hoje
diz muito sobre o tipo de sociedade que somos.
Bakan me disse que no começo imaginava as corporações como formas
de vida pouco saudáveis que afetavam “uma sociedade democrática e
basicamente sadia”. Ele não pensa mais assim. “A patologia entrou em
metástase: o patógeno infectou o hospedeiro”, disse ele.
Quando minha avó entra numa mercearia, até onde minha memória
alcança, de repente… seus ombros se encolhem, o rosto se vira para o
chão. Ela não faz contato visual com ninguém; apenas avança com o
passo arrastado. Isso acontece em qualquer tipo de espaço público de
maior porte. Sua postura inteira muda. Tirando isso, ela tem sido a
nossa matriarca, aquela que ocupa o espaço. É ela quem conta as
histórias, chama as pessoas e lhes diz para fazerem isso ou aquilo. Agora
que está mais velha, com 79, nos últimos anos isso mudou um pouco.
Ela tomou um pouco mais de liberdade porque pensa: “Não ligo mais
para isso.”
Quando perguntado por que “vive falando o tempo todo sobre raça”,
Hardy dá uma resposta ao mesmo tempo correta do ponto de vista médico e
muito sincera: “Se eu não falar, surgem uma porção de coisas siológicas
dentro de mim.” A supressão emocional e seus danos biológicos são de fato
uma das muitas feridas in igidas pelo racismo. No capítulo 3, mencionamos
que o racismo encurta vidas. Um estudo que examinou os telômeros
protetores de cromossomos de homens afro-americanos constatou que
experiências explícitas de racismo e a noção de si agredida, inclusive pela
internalização do viés racial, “atuam juntas para acelerar o envelhecimento
biológico”.8
O preconceito socialmente arraigado, seja em sua forma sutil ou
explícita, cobra da saúde um preço enorme e até muito recentemente em
grande parte silenciado. Esse silêncio, não na ciência ou nos dados, mas no
discurso público, foi en m quebrado após o assassinato de George Floyd em
maio de 2020 e a chegada do novo coronavírus. O primeiro, que veio se
somar a uma incontável sequência de mortes parecidas de pessoas negras,
fez milhões de pessoas no mundo inteiro verem as injustiças raciais
venenosas entranhadas nas sociedades ocidentais, mais agrantemente nos
Estados Unidos; o segundo fato demonstrou claramente que a brutalidade
policial é apenas um dos vetores de um racismo letal. Americanos latinos e
pretos tiveram três vezes mais probabilidade de contrair covid-19 e duas
vezes mais probabilidade de morrer da doença. Na Grã-Bretanha, as
comunidades não brancas também foram desproporcionalmente afetadas
devido a péssimas condições de moradia, desvantagens econômicas e
problemas de saúde preexistentes enraizados na discriminação e na
desigualdade.
Por trás dos estudos e estatísticas desanimadores está a vida
atormentada de seres humanos reais, retratada com amarga eloquência por
muitos grandes autores. Nenhum artigo de pesquisa, por exemplo, teria a
menor chance de transmitir com mais força a estressante experiência do
con namento, da privação, do medo e da indignação reprimida do que as
palavras de Ta-Nehisi Coates ao relembrar a própria juventude no centro
pobre de Baltimore: “Nós não podíamos sair. O chão que pisávamos estava
cheio de armadilhas. O ar que respirávamos era tóxico. A água prejudicava
nosso crescimento. Nós não podíamos sair… Não ser violento o su ciente
podia me custar meu corpo. Nós não podíamos sair.”9
“Nos Estados Unidos, destruir o corpo preto é uma tradição… uma
herança”, a rma Coates. Embora essa destruição tenha cado mais explícita
nos linchamentos perpetrados por turbas de outros tempos e na violência
o cialmente sancionada que perdura até hoje, ela causa efeitos mais
insidiosos e ainda mais generalizados por meio da impressão direta do
racismo no corpo. De forma importante, esses efeitos aparecem na siologia
das pessoas como se estivessem ali desde o começo. “Doenças cardíacas,
diabetes, obesidade, depressão, abuso de substâncias, taxa de
aproveitamento escolar, mortalidade prematura, incapacidade ao se
aposentar, envelhecimento acelerado e perda de memória, tudo isso tem
determinantes sociais no início da vida”, assinalou Clyde Hertzman.10 De
modo nada surpreendente, as pessoas pretas nos Estados Unidos têm mais
diabetes, obesidade e hipertensão, além de complicações que podem ser
fatais, como o AVC, para os quais seu risco é dobrado. Por exemplo, um
afro-americano de 45 anos morador do Sudeste dos Estados Unidos tem a
mesma propensão ao AVC de um homem branco de 55 anos da mesma
região e de um homem branco de 65 anos que mora do Meio-Oeste. Ao
examinar a literatura, achei muito espantoso as diferenças raciais nas taxas
de pressão arterial já serem mensuráveis em crianças e adolescentes.11 Por
quê? “Hiper” signi ca “demasiado”, “tensão” signi ca “tensão”, e a
discriminação racial induz tensão. Por motivos semelhantes, crianças
americanas pretas têm seis vezes mais probabilidade de morrer de asma do
que crianças não pretas.12
Isso tudo está alinhado com o que vimos ao longo deste livro. Para
crianças pequenas, estar subordinadas em seu meio social – seja na família
ou em sala de aula – conduz a respostas cardiovasculares, do sistema
nervoso e hormonais, exacerbadas ao estresse e a riscos mais altos de
problemas médicos crônicos. Isso permanece verdadeiro também para os
adultos. A supressão da autenticidade individual bagunça a biologia e gera
doenças; um caos ainda maior irá acontecer em corpos pertencentes a
grupos cuja autossupressão foi sistematicamente imposta, muitas vezes com
grande violência.
James Baldwin certa vez a rmou que “ser preto e relativamente
consciente neste país é sentir raiva quase o tempo inteiro”. Baldwin disse
essas palavras em 1961. Décadas de direitos civis e um presidente preto
depois, elas ainda soam verdadeiras. Baldwin também compreendia que a
raiva por si só, mesmo que justi cada, não podia ser o m da história. Logo
na frase seguinte, ele chamou de “o primeiro problema” “como controlar
essa raiva para que ela não destrua você”.13 Estou convencido de que uma
raiva assim, e ainda por cima sua supressão obrigatória numa sociedade que
teme e pune a raiva preta, contribui para o risco aumentado que os homens
afro-americanos enfrentam de morrer de câncer de próstata e as mulheres
afro-americanas de sucumbir ao câncer de mama.
Independentemente da genética, as diferenças raciais desa am as
categorias econômicas: por exemplo, o mencionado risco de câncer de
mama para mulheres pretas perpassa as fronteiras de classe. Próximo ao
momento do parto, mães pretas morrem três ou quatro vezes mais que mães
brancas não hispânicas. E seus bebês têm pelo menos duas vezes mais
chances de morrerem do que bebês brancos, outra tendência que se mantém
em todos os níveis educacionais e status socioeconômicos. “Em termos
simples”, alertou um artigo recente na revista da Escola de Saúde Pública T.
H. Chan, de Harvard, “para as mulheres pretas mais do que para as brancas,
dar à luz pode equivaler a uma sentença de morte”.14 E como não se espantar
com o achado de que ter um médico não preto dobra o risco de um bebê
preto morrer, sua “penalidade”, por assim dizer, pelo crime de ter nascido
preto.15 Para bebês brancos, a raça do pro ssional de saúde não faz
diferença. Em suma, é “o racismo, não a raça em si, que ameaça a vida de
mulheres e bebês afro-americanos”, concluiu um exame recente de vários
estudos.16
Já vimos como os fatores de estresse emocionais, entre os quais o
racismo ocupa a linha de frente, “se entranham na pele”: acionamento de
genes que favorecem a in amação, envelhecimento precoce de
cromossomos e células, danos a tecidos, aumento da glicose no sangue,
estreitamento de vias aéreas. Mesmo sem desvantagem econômica, os
estresses do preconceito racial se acumulam ao longo do tempo, intoxicando
o corpo e minando sua capacidade de se manter. Essa carga alostática, o
desgaste, simplesmente se torna excessiva. Quando os chamados
biomarcadores – como pressão arterial, hormônios do estresse, indicadores
de taxa de glicose no sangue, proteínas in amatórias e lipídios – foram
aferidos, eles eram signi cativamente mais altos em pretos do que em
brancos, com as mulheres pretas apresentando taxas consistentemente mais
altas do que os homens pretos. Em ambas as raças, pessoas pobres tiveram
taxas mais altas do que seus pares economicamente mais favorecidos, mas
pretos não pobres tinham maior probabilidade de apresentar taxas altas do
que brancos pobres. As diferenças eram especialmente pronunciadas em
mulheres pretas não pobres, se comparadas a mulheres brancas não pobres,
ilustrando uma vez mais a interseção de raça e gênero como determinantes
da saúde numa sociedade racialmente estrati cada.17
“Quando se tem o racismo como mecanismo, tem-se um trauma
geracional”, a rmou a psicoterapeuta Eboni Webb, do Tennessee. Sua voz
mansa durante nossa chamada de Zoom não conseguiu disfarçar a dura
realidade de sua história familiar. “Todas as mulheres da minha família têm
a pele muito clara”, disse Webb.
Mas os brancos não entraram na nossa história por nossa vontade, e sim
à força. As mulheres da minha família foram brutalizadas através das
gerações. Essa agressão em si é um trauma, mas a maneira como
tivemos que construir uma armadura para nós mesmas também é um
trauma. Lembro dos meus pais me dizendo que, se alguma coisa
acontecesse na escola, era para eu chorar em casa. Nada de chorar lá. É
claro que as emoções são traumatizantes: o que acontece com um povo
que não pode mostrar a gama completa das próprias emoções? Para
pessoas não brancas que estão criando lhos, não é só “o racismo existe”,
mas “o racismo pode ser uma ameaça à vida”. Nossa experiência de
infância é aprender a viver usando nossas defesas de sobrevivência, e
isso simplesmente não mudou. Nós não temos o luxo de criar nossos
lhos de nenhuma maneira ideal.
quase 50% das mulheres das Primeiras Nações e mais de 40% dos
homens das Primeiras Nações com 60 anos ou mais tinham diabetes,
comparados a menos de 25% dos homens não Primeiras Nações e
menos de 20% das mulheres não Primeiras Nações de 80 ou mais […]
Os adultos das Primeiras Nações estão apresentando uma epidemia de
diabetes que afeta desproporcionalmente as mulheres em idade
produtiva.21
Os amortecedores da
sociedade: por que as
mulheres sofrem mais
Sentia pânico de coisas das quais não tinha motivo para sentir medo.
Desenvolvi uma descon ança de mim mesma, e passei a não saber como
iria reagir em várias situações. Chorava com muita facilidade, por
motivos que não conseguia explicar… quando estava em público, ou
então no meio de alguma atividade. Tinha pensamentos suicidas. E
bebia muito para dar conta desses sintomas; passei a beber todos os dias.
A essa altura, já não será surpresa nenhuma para o leitor saber que a
história de Liz contém um trauma de infância. Ela fora abusada sexualmente
aos 7 anos, abuso que perdurou pelo resto da infância e da adolescência.
Sabemos que o trauma sexual é um fator de risco para toda sorte de
distúrbios da mente e do corpo, e que as meninas têm uma probabilidade
maior do que os meninos de serem submetidas a esse tipo de abuso. Não é
mais segredo que, bem depois da infância, as mulheres da nossa cultura
enfrentam uma ameaça constante de assédio sexual, tanto no âmbito
privado quanto no pro ssional. Embora o movimento #MeToo tenha
lançado uma necessária luz sobre esse agelo, há muito tempo tem sido
assim. Quando minha mulher tinha 16 anos e trabalhava numa sorveteria,
ouviu o patrão, com idade su ciente para ser seu avô, comentar com uma
risadinha com o lho enquanto os dois passavam atrás dela: “Essa daí eu
pegaria fácil.” “Fiquei chocada e enjoada, achei aquilo muito esquisito”,
recorda ela. “Nunca tinha ouvido esse verbo ser usado assim, mas aquilo me
soou nojento. Era uma objeti cação total. Naturalmente, eu não disse nada.”
Ou antinaturalmente, no caso – de toda forma essa experiência é tão
frequente para mulheres e meninas a ponto de ser inteiramente “normal”. E
é assim no mundo inteiro.6
Estamos ouvindo cada vez mais sobre os riscos que as mulheres
enfrentam em pro ssões tradicionalmente masculinas, como as forças de
segurança pública ou de combate aos incêndios. Além do risco de trauma
secundário que todos os socorristas são obrigados a enfrentar, um clima de
masculinidade tóxica no trabalho também cobrou seu preço de Liz,
ajudando a provocar a in amação intestinal e os distúrbios mentais que a
acometeram. Caso ela demonstrasse qualquer vulnerabilidade, ou se
deixasse afetar pelas tragédias que com frequência testemunhava, era tratada
com sarcasmo e desprezo. “Era um lugar bem machista”, lembrou ela.
Veja bem, a época à qual Morrissette está se referindo veio décadas antes
do surgimento de plataformas como o OnlyFans, onde jovens mulheres
fornecem “conteúdo” explícito de todo tipo para assinantes (em sua imensa
maioria homens). Uma matéria do e New York Times – no caderno de
Economia, ainda por cima – disse tudo: “Desempregada, vendendo nudes
na internet, e nem assim consegue pagar as contas.”15
Os jovens estão cada vez mais obtendo sua primeira rodada de educação
sexual da pornogra a na internet, hoje em dia muito facilmente acessível.
Não é de imagens eróticas vitorianas que estamos falando, nem da coleção
de revistas de mulher pelada do seu padrasto. Segundo a socióloga e autora
de Pornland (Pornolândia) Gail Dines, o tipo de pornogra a mais popular
(leia-se: mais rentável) da internet hoje é conhecido na indústria como
“gonzo”, gênero caracterizado por “sexo hardcore, sicamente punitivo, em
que mulheres são humilhadas e degradadas”.16 Essas imagens sexuais
sicamente violentas e emocionalmente hostis estão sendo acessadas por
crianças cada vez mais novas: a maioria das fontes situa a idade média da
primeira exposição a esse conteúdo por volta dos 11 anos.
As meninas precisam lidar com uma fusão tóxica de sexualidade e
subserviência. Dines observa que as revistas voltadas para mulheres e
adolescentes do sexo feminino estão publicando cada vez mais conteúdo
voltado para ajudar as mulheres a tirar o máximo proveito da mudança
cultural diversi cando seus talentos para agradar outra pessoa, em geral do
sexo masculino. Meninas são incentivadas a exercer sua sexualidade não
como uma forma natural ou emergente de autoexpressão, mas como uma
forma de atrair e manter um parceiro, ou uma forma de “se empoderar”
dentro de uma estrutura de poder opressiva. Quando a normalização do
sexo abusivo converge com a busca por atenção das redes sociais, os
resultados podem ser medonhos: no verão de 2020, veio à tona um “desa o
do TikTok” que viralizou em que adolescentes mostravam “vídeos pós-sexo
dos hematomas e cortes em seus membros numa tentativa de imitar o
recente lme da Net ix que mistura rapto e pornogra a, 365 dias”.17
Enquanto isso, a pornogra a ensina muitos meninos a associarem prazer e
dominação, e a suprimirem qualquer sentimento de ternura. A supressão
das emoções vulneráveis, claro, é uma das manifestações do trauma
masculino, e conduz inexoravelmente a uma diminuição da compaixão por
outras pessoas, especialmente quando essas pessoas têm algo que queremos,
como em todos os casos de estupro ou agressão sexual não consentida.
Elas veem a própria mãe, sabe? Eu com certeza via minha mãe fazendo
isso pelo meu pai: preparando o jantar, lavando a louça, a roupa. Ele
depois do jantar cava lendo o jornal… Você assume a dor do outro.
Quando comecei a sair com meu companheiro Jeremy, lembro de lhe
dizer coisas como: “Se você estiver se sentindo triste ou com medo,
quero levá-lo na direção da luz.”
Ao ouvir Real falar, lembrei dos bombeiros que jogavam OBs na cama
de Liz e da vulnerabilidade da qual estavam tentando fazê-la sentir
vergonha, da mesma forma que eles sentiam vergonha da sua.
“Os caras que eu atendo são todos chefes de empresas que se saíram
lindamente no mundo, mas na vida pessoal são histórias de terror”,
con denciou Real. A dominação masculina cobra um preço alto nos dois
sentidos, e a julgar por todos os indicadores ela custa mais do que rende.
24
De modo geral, o sistema funciona com uma elegância cíclica: uma cultura
fundamentada em crenças equivocadas sobre quem e o que somos cria
condições que frustram nossas necessidades básicas, gerando uma
população que sente dor e vive desconectada de si mesma, dos outros e de
qualquer signi cado. Uns poucos escolhidos, em especial aqueles com
mecanismos precoces de adaptação que os preparam para negar a realidade,
bloquear a empatia, temer a vulnerabilidade, abafar a própria noção de certo
e errado e evitar com todas as forças examinar-se demasiado de perto, serão
alçados a posições de poder. De lá vão liderar uma maioria que anseia tanto
por conforto e estabilidade, tão esmagada pelo cinismo e pela alienação que
trocará instintos autênticos e autoa rmação coletiva pelo pseudoapego de
falsas promessas e de um carisma tranquilizador. Para completar o círculo,
nossos líderes feridos, com suas prioridades falseadas, implementam
políticas sociais que mantêm as condições iguais ou então as pioram.
Ao fazer campanha para Bernie Sanders em 2020, a ex-senadora pelo
estado americano de Ohio Nina Turner gostava de parafrasear Mateus 7,16:
“E conhecerás a árvore pelos frutos que ela gerar.” A julgar pela safra atual, a
árvore da nossa vida social e da nossa política está permeada de trauma
desde as raízes até os frutos. Se quisermos ter alguma esperança de mudar
esse jogo, esperança de que certamente depende o futuro do planeta, muitos
de nós – ou pelo menos tantos quantos conseguirem – terão de fazer aquilo
de que muitos de nossos líderes são constitutivamente (mas não
constitucionalmente) incapazes: olhar com coragem para dentro, para então
poder olhar melhor e mais honestamente ao redor e para fora.
PARTE CINCO
OS CAMINHOS
DA INTEIREZA
A mente no comando:
a possibilidade de cura
Há exceções, mas eu mesmo nunca conheci ninguém que não tenha sido
impulsionado em seu caminho de crescimento e mudança por um revés ou
uma perda, uma doença, angústia ou alienação. Felizmente – ou não,
dependendo de como escolhermos ver esse fato – a vida costuma entregar o
sofrimento necessário bem na nossa porta.
Verdade é uma pequena grande palavra, facilmente mal interpretada.
Não estou falando de nenhuma verdade espiritual suprema; tampouco estou
me referindo a uma veracidade puramente intelectual ou a fatos passíveis de
veri cação, no sentido de “verdadeiro ou falso”. Se fosse só isso, poderíamos
“estudar, estudar rumo à verdade”, e os funcionários das instituições
acadêmicas seriam todos Budas modernos. Apesar de todos os seus méritos,
aonde nossa capacidade intelectual espantosa nos fez chegar? Exatamente
onde estamos: um mundo injusto, em risco de autoextinção, com dor e
privação inimagináveis e desnecessárias num universo de abundância, onde
aumenta a alienação e o desespero. Na verdade, nosso talento intelectual é
recrutado com demasiada facilidade pela parte de nós que deseja negar
como as coisas são; existe um motivo para “racionalidade” e “racionalizar”
serem termos linguísticos irmãos.
A verdade à qual me re ro é muito mais modesta e simples: o ato de
olhar com clareza para aquilo que é, para como de fato as coisas estão neste
exato momento. É esse o tipo de verdade que traz a cura. Para acessá-la,
precisaremos acessar algo mais versátil do que nossa inteligência.
O intelecto se torna uma ferramenta bem mais inteligente quando
permite ao coração falar; quando se abre para como a verdade reverbera
dentro de nós, em vez de tentar racionalizá-la. “E agora vou lhe contar meu
segredo, um segredo bem simples”, aconselha a raposa ao Pequeno Príncipe
na adorada história de Antoine de Saint-Exupéry: “Só se vê bem com o
coração; o essencial é invisível para os olhos.” O intelecto pode ver fatos
veri cáveis, contanto que a negação não os oculte nem os distorça, como
com frequência faz para proteger nossas partes feridas ou avessas à dor. É
possível declamar, declarar e reiterar fatos sem a mais ín ma parcela do que
estou chamando de verdade. O tipo de verdade que cura se dá a conhecer
pela sensação que ela provoca, não só pelo “sentido” que faz.
Se alguma parte disso lhe parecer vago ou pouco cientí co, lembre-se de
que o coração, antes de ser um conceito abstrato, é um órgão vivo que bate.
Stephen Porges mostrou, de maneira brilhante, que os circuitos neurais de
interação social e de amor estão intrincadamente ligados ao coração e às
suas funções. Mais do que isso, o coração tem também um sistema nervoso
próprio.4 O cérebro verbal e pensante se atribuiu a honra de ser o único, mas
não. Na verdade, ele divide essa distinção com o trato digestivo e o coração.
Em outras palavras, o coração sabe coisas, da mesma forma que uma
intuição sentida “nas entranhas” também é um tipo de saber. Na verdade, o
plexo neural do trato digestivo já foi adequadamente chamado de “segundo
cérebro”, assim como o coração. Dessa forma, podemos falar em três
cérebros, projetados para funcionar de maneira harmoniosa, todos
conectados pelo sistema nervoso autônomo. Sem esse saber do coração e do
trato digestivo, nós muitas vezes funcionamos como “répteis geniais”, na
expressão bem adequada de Joseph Chilton Pearce.5
No entanto, não podemos tampouco ignorar a mente, já que é lá que
grande parte da ação acontece. Se o coração é nossa melhor bússola no
caminho da cura, a mente – consciente e inconsciente – é o território a ser
navegado. A cura traz alinhamento e cooperação entre os dois, com
frequência depois de uma vida inteira de um se escondendo do outro e de
um sendo desconsiderado pelo outro.
“Tudo tem a mente no comando, a mente em primeiro plano, tudo é
criado pela mente”, disse Buda 2.500 anos atrás. Volto a essa frase do grande
mestre Gautama porque ela é fundamental para compreendermos nossa
relação com aquilo que consideramos real. Ela é também a base da
abordagem terapêutica que uso em meu trabalho e, quando estou
consciente, no meu caminho pessoal. Construímos com nossa mente o
mundo em que vivemos: é esse o ensinamento principal. A contribuição da
psicologia e da neurociência modernas foi mostrar como, antes de nossa
mente poder criar o mundo, o mundo cria nossa mente. Então geramos
nosso mundo a partir da mente que o mundo instilou em nós antes de
podermos ter qualquer poder de escolha em relação a isso. O mundo em
que nascemos, é claro, era em parte produto da mente de outras pessoas,
numa cadeia causal que remonta à origem dos tempos.
Pode ser que isso soe pessimista. Mas as palavras de Buda propõem uma
saída, já que continuamos a ser aqueles que criam o mundo que vemos, o
mundo que pensamos ser real, a cada instante. E é aí que entra a cura. Não
podemos fazer nada em relação ao mundo que criou nossa mente, que talvez
tenha nos instilado crenças limitantes, prejudiciais e falsas sobre nós
mesmos e os outros. No entanto, e é essa a boa notícia que mencionei,
podemos aprender a ser responsáveis pela mente com que criamos nosso
mundo daqui para a frente. A capacidade de cura nasce da disposição para
fazer justamente isso, assumir essa responsabilidade. Essa disposição não é
uma declaração que se faz uma vez e pronto, mas sim um compromisso de
cada instante, que pode ser refeito quando perdemos contato com ele. Eu,
por exemplo, preciso me lembrar de fazer isso o tempo todo. Ela também
não é um convite a uma ingenuidade autoimposta nem a um alegre
pensamento supostamente positivo. Tem a ver com a disposição de
reconsiderar toda a nossa visão.
Se a mente ferida pode ser tirânica, ela é uma tirana cujo anseio secreto
é ser deposta. Já vi isso várias vezes na minha própria vida, ao vivenciar a
liberdade que vem quando se abre mão de alguma crença ou percepção
infeliz à qual, poucos segundos antes, a mente ainda se agarrava. Também
tive a grande sorte, por meio do meu trabalho, de encontrar casos e mais
casos de reviravoltas espantosas. Em todos eles, a mudança essencial
ocorreu não nas circunstâncias ou na história das pessoas, mas no seu modo
de se relacionar com elas. Isso ca evidente nas histórias a seguir de duas
pessoas que, no sentido mais literal e de modos que a maioria de nós sentirá
sorte de nunca ter precisado vivenciar, sofreram rumo à verdade. Se elas
podem fazer isso, qualquer um de nós também pode.
Numa manhã de 2019, entrevistei Sue Hanisch em sua aconchegante
casinha de Sedgwick, vilarejo situado no verdejante Lake District da
Inglaterra, uns 120 quilômetros ao norte de Liverpool. Enquanto
tomávamos chá, essa terapeuta ocupacional e especialista em trauma de 62
anos e fala mansa me contou a história de sua subida ao monte Kilimanjaro:
um feito notável para qualquer um, e ainda mais para ela, 13 anos depois de
uma bomba do Exército Republicano Irlandês (IRA, na sigla em inglês) na
estação de trem de Victoria, em Londres, lhe arrancar a parte inferior da
perna direita e lesionar gravemente o pé esquerdo. “Lembro de uma
enfermeira chorando e de outra sentindo ânsia de vômito ao ver minhas
pernas”, recordou ela. A explosão do artefato de cinco quilos largado dentro
de uma lata de lixo ocorreu exatamente 50 anos depois de o avô de Sue
perder a vida no bombardeio de Coventry pela Luwaffe, em 1940.
Seguiram-se várias cirurgias e anos de pessimismo. Quarenta pessoas
tinham se ferido naquele dia; o homem que estava ao lado de Sue morrera
na hora. Sua mente carregava uma culpa imensa por ter sobrevivido, e em
igual medida pela própria depressão. “Aquele homem estava entre mim e a
bomba. É quase assim: como eu me atrevi a sobreviver, e como me atrevo a
não aproveitar plenamente a vida no planeta Terra quando ele não teve essa
opção?”
Quando Sue se propôs subir o Kilimanjaro com sua prótese abaixo do
joelho na perna direita e seu pé esquerdo cirurgicamente reconstruído e
quase insensível, suas feridas psíquicas já tinham se curado de modo
signi cativo. Essa liberação viera com a integração de suas experiências na
trama da própria vida, à medida que ela foi desviando energia das histórias
limitantes que antes contava a si mesma sobre o que tudo aquilo signi cava.
“Estar no planeta Terra é uma bênção contraditória”, disse ela suavemente.
“É uma experiência difícil. Mas também recebi a oportunidade de encontrar
o ouro na ferida. Tive experiências incríveis por causa do que me
aconteceu.” Para ela, essas experiências invariavelmente envolvem outras
pessoas.
Reparei como as conexões que estabeleço com as pessoas são aquilo por
que realmente vale a pena viver, na verdade a única coisa. São as
conexões que me fazem sentir que estou aqui, e que também me fazem
querer estar aqui. Como posso estender a mão para os outros e ajudá-los
a se sentir conectados? Essa é a única coisa que me parece ter uma
importância verdadeira.
1. AUTENTICIDADE
2. AÇÃO
3. RAIVA
As pessoas muitas vezes me pedem para de nir a “raiva” saudável. Eis o que
ela não é: raiva cega, bravata, ressentimento, desprezo, maldade ou
amargura. Tudo isso vem de um acúmulo pouco saudável de emoções não
expressadas ou não integradas, que precisam ser vivenciadas e
compreendidas em vez de extravasadas. Tanto a raiva suprimida quanto a
raiva desproporcional são tóxicas.
Em sua forma natural, saudável, a raiva é um limite que serve de defesa,
uma dinâmica ativada ao percebermos uma ameaça à nossa vida ou à nossa
integridade física ou emocional. Como nosso cérebro é programado para
senti-la, não temos muito como evitá-la: é o sistema autoprotetor da RAIVA
identi cado por Jaak Panksepp. Seu funcionamento pleno é um dos traços
padrão de nossa inteireza, essencial para a sobrevivência: pense num animal
protegendo seu território ou seus lhotes. O movimento em direção à
inteireza com frequência envolve uma reintegração dessa emoção muitas
vezes banida ao nosso repertório de sentimentos disponíveis. Isso não
equivale a atiçar o ressentimento ou cultivar a rabugice, muito pelo
contrário. A raiva saudável é uma reação de momento, não um animal que
guardamos no porão, alimentando-o com vergonha ou histórias que
justi quem nossa forma de agir. Ela tem a ver com a situação e tem uma
duração limitada: ao surgir quando é necessária, cumpre sua tarefa de
afastar a ameaça e depois arrefece. Não se torna nem uma experiência a ser
temida ou odiada, nem um fator crônico de irritação.
O fato – e algumas pessoas podem precisar fazer força para se lembrar
disso – é que estamos falando de um sentimento válido e natural, que por si
só não pretende causar nenhum dano. Em sua forma pura, a raiva não tem
conteúdo moral, certo ou errado: ela simplesmente é, e seu único desejo é
um desejo nobre, manter a integridade e o equilíbrio. Se e quando ela se
transforma numa versão tóxica de si mesma, podemos tratar as histórias e
interpretações que não ajudam, os padrões de pensamento donos da
verdade ou de auto agelação que continuam a atiçá-la, sem invalidar a
emoção em si. Podemos também observar como nossa incapacidade de
dizer não serve de combustível para um ressentimento crônico que nos
deixa propensos a rompantes prejudiciais.
Muitos de nós aprendemos a reprimir nossa raiva a ponto de nem
sequer sabermos a cara que ela tem. Nesse caso, o melhor é nem idealizar
nem exagerar: imaginar uma explosão bombástica de ira ou um monólogo
moralista cheio de palavrões não vai nos ajudar. Assim como a
autenticidade, a raiva genuína não é um espetáculo. A mensagem central da
raiva é um não conciso e potente, dito com a maior ênfase que o momento
exige. Sempre que nos pegamos tolerando ou tentando encontrar
explicações para situações que repetidamente nos causam estresse,
insistindo que “não é tão ruim assim”, “eu dou conta” ou “não quero criar
caso por causa disso”, provavelmente existe uma oportunidade para treinar
dar à raiva algum espaço para se manifestar. Mesmo a admissão claramente
enunciada “eu não gosto disso” ou “não quero isso” pode ser um passo à
frente.
Pesquisas sugerem que expressar a raiva pode fazer bem para a saúde
física, por exemplo em pessoas com esclerose lateral amiotró ca (ELA) ou
bromialgia, dois distúrbios que intrigam a mentalidade médica
convencional. Já relatamos (no capítulo 2) que pacientes com ELA são
percebidos por seus médicos como extraordinariamente gentis. De modo
revelador, em outro estudo sobre a ELA, os mais “agradáveis” desses
pacientes – ou seja, aqueles menos propensos a ter contato com a raiva –
também apresentaram uma evolução mais rápida da doença e uma maior
deterioração da qualidade de vida.3 O mesmo se aplica à bromialgia, que
muitos estudos relacionaram ao trauma de infância. Um estudo de 2010
publicado no periódico European Journal of Pain concluiu que “a raiva e
uma tendência geral a inibir a raiva prognosticam mais dor na vida
cotidiana de pacientes mulheres com bromialgia. Uma intervenção
psicológica poderia focar numa expressão saudável da raiva para tentar
mitigar os sintomas de bromialgia”.4
A questão, para a maioria de nós, não é car ou não com raiva, mas
como se relacionar de maneira sadia com os sentimentos que vão e vêm
naturalmente com a maré da vida, entre os quais a raiva.
4. ACEITAÇÃO
AS CINCO COMPAIXÕES
A segunda compaixão adota como seu primeiro princípio o fato de que tudo
existe por um motivo, e de que esse motivo faz diferença. Nós perguntamos,
sem julgar, por que uma pessoa ou um grupo – qualquer pessoa, qualquer
grupo – acabou cando do jeito que é e agindo do jeito que age, mesmo ou
em especial quando seu comportamento for irritante ou incompreensível.
Também poderíamos chamar isso de compaixão de contexto. Por mais
sincero que seja nosso desejo de nos ajudar ou de ajudar os outros, não
podemos fazê-lo sem considerar o sofrimento que está sendo vivenciado,
inclusive conhecendo o melhor possível sua origem. Não basta, por
exemplo, sentir-se mal pelas pessoas mergulhadas na dependência sem
tentar entender de que dor na vida delas elas foram levadas a tentar fugir, e
como essa ferida continuou aberta. Na falta de uma visão clara de contexto,
o que se fará, no melhor dos casos, é nutrir bons sentimentos inertes e
realizar intervenções bem-intencionadas, mas em última instância
ine cazes. Podemos ver essa limitação nas abordagens lamentavelmente
inadequadas dos tratamentos para dependência atualmente em voga.
A disposição para buscar o porquê antes de pular para o como é a
compaixão da curiosidade e da compreensão em ação. Embora seja
necessária em todos os casos de sofrimento crônico, seja no âmbito pessoal
ou social, ela na prática pode ser um desa o. Na sociedade atual, muitas
vezes nos contentamos com explicações fáceis, julgamentos rápidos e
soluções automáticas. Investigar com uma visão clara até encontrar as
razões sistêmicas de por que as coisas são como são exige paciência,
curiosidade e força de caráter.
O acadêmico métis Jesse istle, mencionado no capítulo 15, escreveu
um envolvente livro de memórias sobre sua infância, sua juventude, seu
mergulho no vício e no crime e, por m, sua recuperação, permeado
justamente por esse tipo de compaixão integral. “Escrevi From the Ashes
(Das cinzas) principalmente para as pessoas poderem ser testemunhas do
que aconteceu comigo e com meus irmãos na minha família”, disse Jesse.
3. A compaixão do reconhecimento
4. A compaixão da verdade
Tem horas em que penso: “Eu quero a aprovação dessa pessoa.” Não
posso dizer que cheguei lá, mas o processo é como uma cebola: já tirei
várias camadas, e sou cada vez mais livre na minha autenticidade. Tive
que encontrar meus próprios bolsões comunitários onde sou vista e
compreendida. Tem sido um processo doloroso, mas sei que é a coisa
certa.
5. A compaixão da possibilidade
“Hoje tenho lindas conversas com minha artrite reumatoide… elas me dão
vontade de chorar”, ouvimos Julia, 42 anos, dizer no capítulo 5. Trata-se à
primeira vista de uma a rmação esquisita e improvável. Não seria mais
natural ver uma doença potencialmente debilitante como uma ameaça
perigosa a ser evitada, suprimida ou combatida, em vez de uma
companheira íntima e uma a rmação de vida? No entanto, nas histórias que
irei relatar neste capítulo, e em tantas outras com as quais me deparei no
meu trabalho, Julia descobriu valor e signi cado em seu encontro com a
doença. Algumas pessoas, e não poucas, vão mais além, e chamam sua
doença de presente valioso. Blessed With a Brain Tumor (Abençoado com
um tumor no cérebro) é o título do livro de Will Pye, um rapaz que
entrevistei. “Isso foi um presente do espírito, para minha alma poder ajudar
na transformação curativa e no despertar”, disse ele. O que Julia e Will
descobriram é profundamente diferente do pensamento convencional: ver a
doença em si como agente de cura, ou pelo menos uma oportunidade de
aprendizado e crescimento. Em vez de apenas se curar da doença, eles de
alguma forma aprenderam a se curar por ela.
Para que que claro: a doença não é um “presente” que eu desejaria para
ninguém. Ela não é um caminho de transformação para o qual eu orientaria
alguém se houvesse alguma forma de evitá-la. Para as mulheres e homens de
coragem cujas histórias são contadas a seguir, esse foi apenas o rumo que a
vida deles tomou. Tampouco parto do princípio de que, no lugar deles, eu
conseguisse encontrar força interior, coragem, con ança e sagacidade para
lidar com meus males como eles lidaram. Mesmo assim, se nos dispusermos
a aprender com o seu exemplo, suas provações têm muito a nos ensinar
sobre cura.
Tenhamos em mente a distinção que zemos no capítulo 25 entre sarar e
curar. Embora eu tenha testemunhado pessoas revertendo e sobrevivendo
aos mais duros prognósticos, e tenha visto isso documentado em outros
lugares também, não estamos explorando o fato de melhorar a saúde, mas
sim de alcançar a inteireza. A bênção que a doença concedeu a essas pessoas
foi a cura, não o restabelecimento. O restabelecimento nunca está garantido.
Já a cura está disponível até o momento em que damos nosso último
suspiro. Ela é o movimento em direção a uma experiência de si como algo
inteiro e vital, seja lá o que estiver acontecendo no seu corpo. A cura não é
um ponto de chegada: da mesma forma que a doença, ela é um processo.
Nas histórias a seguir, a doença por acaso foi a professora que fez as pessoas
darem início à sua jornada rumo à cura.
Nenhum de nós, esteja doente ou não, precisa esperar as coisas carem
tão duras para embarcar na própria jornada.
Foi o jeito de o meu corpo dizer: “Acorde, acorde. Você não está se
ajudando retendo tanta raiva e tanta fúria assim lá no fundo.” Raiva e
fúria não são sentimentos aos quais eu quero me agarrar, mas os vejo
sim como guias que me avisam de que algo em minha vida está em
desequilíbrio. Eu hoje tenho crises [de artrite reumatoide] uma vez por
ano, talvez. Quando uma delas vem, simplesmente aceito que ela chegou
e que eu posso fazer algo a respeito, que tenho algo a aprender com ela.
Falei para ele: “Eu acho que não tenho mais câncer; na verdade acho que
gostaria de ter outro lho…” E ele olhou para o meu companheiro e
disse: “Não só ela nunca vai ter um lho, como tampouco vai sobreviver
a ter um lho ou sequer viver tempo su ciente para ter um. Como
companheiro dela, você precisa convencê-la a fazer essa cirurgia agora
mesmo, porque a situação não está nada boa.” Ele então se virou de volta
para mim. “Você precisa pensar nas pessoas à sua volta. Pense nos seus
lhos. Você precisa pensar no seu companheiro.”
Ela fez tudo isso, e de repente não tinha mais câncer. O que realmente
acho esquisito é: por que esses oncologistas não querem saber como
essas pessoas se curam? Ela conseguiu. E depois disso ainda teve outro
lho, o quinto, por parto vaginal, mesmo com uma contraindicação
enorme por causa da biópsia em cone. O colo do útero dela
provavelmente nem suportaria a gestação, mas suportou, e ninguém diz:
“Uau, como foi que isso aconteceu com ela?”
Apesar de tudo de que teve de abrir mão em termos de saúde física, ela
não abriu mão de nada em matéria de exuberância e alegria de viver. Na
verdade, essas qualidades ganharam corpo e se tornaram mais fortes, além
de muito menos condicionais.
Quiropraxista esportiva talentosa e muito requisitada, antes um retrato
da saúde, Erica nunca se poupava quando o assunto era trabalho. “Eu era
apaixonada por meus clientes atletas”, me disse ela. “Adorava ajudar os
outros. Digamos que eles tivessem treinado um tempão, aí se lesionassem
poucos meses antes de uma prova. Minha recompensa interna era ver a
alegria deles ao cruzar a linha de chegada. Eu era meio viciada em trabalho,
por assim dizer…”
“Você provavelmente poderia tirar o ‘meio’”, interrompi.
“É”, concordou ela.
Sua personalidade podia amar o excesso de trabalho, mas seu corpo não.
Aos 35 anos, num passeio com os dois lhos, Erica recebeu o chocante
diagnóstico. “Ali estava eu”, recorda ela,
Encorajada pela alta taxa de bons resultados, ela fez duas rodadas de
quimioterapia. Nenhuma das duas surtiu efeito.
Em 2012, Erica foi aconselhada a dar entrada numa unidade de cuidados
paliativos, onde soube que transfusões diárias poderiam mantê-la viva por
não mais de dois meses. Não querendo aceitar esse diagnóstico sombrio, ela
lutou para car em casa com os lhos pequenos, e ia ao hospital todos os
dias receber as transfusões. Continuou também a buscar cura emocional e a
seguir seu caminho espiritual até que, pouco antes do m daqueles dois
meses, uma remissão improvável surpreendeu tanto ela mesma quanto seus
médicos. “Foi bem difícil”, disse ela. “Não sei muito bem por que estou aqui
hoje, mas realmente acredito que foi por ter me transformado de dentro
para fora, me permitindo ser verdadeira em relação a tudo que estava
acontecendo no presente, mas também no passado. E me permitindo
expressar tudo isso.”
Assim como Donna Zmenak, Erica praticou ioga, meditação e seguiu
uma alimentação nutritiva. Mas a maior mudança foi que, pela primeira vez
na vida, ela se permitiu sentir toda a gama das próprias emoções,
libertando-se de um padrão de repressão de toda uma vida. Ela se entregou
por inteiro ao seu luto e derramou lágrimas de desespero. “Uma vez, na
minha primeira internação, vi meus lhos voltarem para casa com a babá”,
recordou ela. “Queria ser eu voltando para casa com aqueles bebês. Queria
ser eu preparando o jantar. Queria ser eu colocando-os para dormir. Dei as
costas para aquela janela e desabei no chão com as costas apoiadas na
parede. Abracei os joelhos e chorei. Chorei, chorei. Passei dias chorando.”
Num sinal revelador da cultura médica reinante, a psiquiatra do setor foi
enviada para avaliá-la. “Ela entrou”, disse Erica, sorrindo ao contar isso,
Porque a pessoa que eles são agora é muito mais completa. Eles se
sentem inteiros, mais felizes, mais gratos, tanto que não quereriam voltar
a ser quem eram antes dessa di culdade. Muitos – quase todos, eu
ousaria dizer – me dizem ser agora pessoas totalmente diferentes do que
eram no início da sua jornada.
Precisei entrar bem fundo em mim mesma naquela época e re etir sobre
todas as camadas, de um jeito que nunca tinha feito na vida. Finalmente
entendi como meu corpo tinha passado meu tempo inteiro como
quiropraxista esportiva gritando não, e como eu o tinha ignorado. A
doença foi minha maior professora.
Intrigado por seu conselho a Donna Zmenak, entrei em contato com Cheryl
Can eld, para quem agora o câncer de útero que tinham lhe garantido ser
terminal cou muitas décadas para trás. Fiquei surpreso ao saber que ela
havia aceitado a possibilidade de sucumbir à doença. “Quando comecei a
escrever Profound Healing (Cura profunda)”, contou ela,
o título era para ser Dying Well (Como morrer bem), porque parti do
princípio de que o que os médicos estavam me dizendo podia não ser
necessariamente verdade, mas era provável que fosse. A probabilidade,
ainda que não a certeza, era de que eu fosse morrer daquele câncer.
Comecei o livro porque, aos 41 anos, não tinha a menor ideia de como
encarar essa jornada totalmente inesperada, que signi cava abandonar
antes da hora meu corpo, minha família e todos que eu amava. Queria
criar um último projeto, e escrever algo que me ajudasse a entender
como seguir aquele caminho e, quem sabe, ajudasse também outras
pessoas que viessem depois de mim. O título acabou tendo que ser
alterado. Aquilo de que precisamos para morrer bem é a mesma coisa de
que precisamos para viver bem. Foi isso que a doença me ensinou.
eu quis dizer viver mais tempo. Agora não penso mais assim. Continuo
querendo viver, mas agora sei que “viver” signi ca não a cronologia, mas
sim a qualidade. Quero de fato estar na minha vida a cada instante,
vivenciar plenamente o que tiver pela frente, de um jeito que nunca z
antes.
Ele morreu um ano e meio depois, desfecho alinhado com seu
prognóstico. Nos meses subsequentes ao retiro, Sam – e, após a morte dele,
sua família – me mandou mensagens de gratidão e celebração da vitalidade,
do amor e da alegria que conseguira manifestar em si mesmo e nas pessoas
mais próximas em sua última fase da vida.
A forma de morrer de Sam, medida não em números num calendário
mas nos aspectos de si que ele conseguiu resgatar, foi a mais próxima que já
vi do que se denomina “boa morte”. Ele não cou livre da doença, mas
conseguiu se curar. Conseguiu harmonizar partes da própria essência que,
sem o convite não solicitado que a doença lhe apresentou, talvez tivessem
continuado fragmentadas e discordantes. Encontrou também um jeito de
extrair um signi cado positivo daquilo que poderia com a mesma facilidade
ter considerado cruel, destruidor ou sem sentido, como muitos consideram
a morte em decorrência de uma doença “prematura”. Como a
correspondência posterior com sua família deixou claro, o signi cado que
ele havia criado perdurou até bem depois da sua existência física,
irradiando-se para a vida dos seus familiares.
“A jornada”, disse Will Pye, “consiste em encontrar a dádiva no desa o.
Isso me levou a praticar e cultivar a capacidade de escolher conscientemente
o signi cado de tudo que está acontecendo.”
Esse desa o, e as dádivas que podem advir de enfrentá-lo, estão
pacientemente à espera de cada um de nós no “que está acontecendo” de
nossa vida aqui e agora. A escolha que temos é aceitá-lo ou esperar uma
ocasião em que esse aprendizado se mostre mais urgente.
28
Eis aqui um exercício, a ser feito uma vez por dia ou uma vez por semana,
ou com qualquer frequência que lhe pareça correta. Ele exige um
compromisso temporal, algo que, se eu puder servir de exemplo, talvez seja
difícil de conseguir. Se o comprometimento em fazer uma autoinvestigação
desse tipo por uns poucos minutos diários parecer impossível, vale a pena
observar isso também, sem julgamento, e perguntar de onde vem essa
relutância.
Sem julgamento não signi ca sem vigilância. Nossa personalidade é
especialista em lançar mão da racionalização quando sente que está
tentando soltar ou mesmo questionar alguma crença. Um compromisso com
a cura signi ca estar atento a esses truques, por assim dizer. A desculpa
padrão é também a mais esfarrapada: “Não tenho tempo.” A maioria de nós,
até os atarefados, tem tempo de sobra; o que nos falta é um conceito forte de
intenção em relação ao seu uso. Atividades automáticas, sejam elas nobres
ou frívolas, preenchem rapidamente o espaço, e de repente o tempo “acaba”.
Não ajudamos ao protestar: “Ah, eu quero muito fazer esse trabalho pessoal,
mas é que…”, para depois insistir em todos os motivos que tornam isso
impossível. Se isso lhe soa familiar, pergunte-se, empoderado pela
curiosidade compassiva, que desconforto pode haver aqui e agora no ato de
se dedicar a um trabalho pessoal. Talvez seja porque estabelecer uma forte
intenção deixe você vulnerável à possibilidade de se decepcionar, ou ter que
confrontar ou ser empurrado para fora das zonas de conforto conhecidas.
Esses riscos são reais. Seja como for, não ajuda tentar se forçar pela coação,
pelo convencimento ou pela vergonha a realizar qualquer prática, nem
mesmo aquelas cujo objetivo é ajudá-lo.
O melhor é fazer esse exercício por escrito, num lugar tranquilo em que
você possa car sozinho com você mesmo e com a sua experiência, sem
distrações. O melhor é escrever por extenso as respostas, porque ao fazer
isso você estará mobilizando a mente de modo mais ativo e profundo do que
se apenas observasse mentalmente as próprias ideias ou percepções; além do
mais, você talvez queira registrar a própria evolução. Escrever à mão em vez
de digitar ajuda a criar uma sensação de conexão com você mesmo, ao
mesmo tempo que mantém afastadas as distrações digitais.
As pessoas já me disseram muitas vezes que esse exercício ajudou a
mudar a vida delas. O segredo é fazê-lo com regularidade na frequência que
você escolher, mas no mínimo uma vez por semana.
Você verá que essa incapacidade atinge três esferas principais: a física, a
emocional e a interpessoal.
No nível físico, estamos falando de sinais de alerta do corpo como
insônia, dor nas costas, espasmos musculares, boca seca, resfriados
frequentes, dores abdominais, problemas digestivos, cansaço, dores de
cabeça, erupções na pele, perda de apetite ou compulsão alimentar.
No plano emocional, essa investigação traz consequências como tristeza,
alienação, ansiedade ou tédio. O impacto pode também se manifestar como
dé cits emocionais: por exemplo, perda de prazer com coisas que antes
causavam alegria, diminuição do senso de humor, etc.
Na esfera interpessoal, o impacto mais frequente é um ressentimento em
relação às pessoas ou situações em que a reação de autenticidade tenha sido
sufocada. Se examinado de perto, esse é um desfecho irônico. Digamos que
você tenha suprimido o “não” para poder se manter próximo de alguém
importante. Na prática, o ressentimento distancia você mais ainda, porque
vai contaminar o amor que sente pela pessoa. Ela também vai sentir o recuo
emocional alimentado pelo ressentimento: isso vai transparecer nas suas
expressões faciais, no seu tom de voz, na sua linguagem corporal. Você terá
conseguido o contrário do que almejava. E, se prestar atenção, saberá que o
ressentimento é mais do que uma qualidade emocional abstrata: ele
literalmente causa uma sensação corrosiva na barriga ou no peito, ou uma
contração nos músculos da mandíbula, do pescoço ou da testa. O
ressentimento pode ser visto como o resíduo de coisas não ditas, de
sentimentos não honrados. A palavra ressentir, a nal, vem do homônimo
francês ressentir, que signi ca “sentir de novo”. E de novo, e de novo, e mais
uma vez ainda, na nossa mente e no nosso corpo, até entendermos o recado.
Para uma investigação mais profunda, outro lugar para se procurar
impacto está localizado um pouco mais para fora, no mundo material e
cotidiano. A pergunta seria: “O que eu perco na vida como resultado da
minha incapacidade de me impor?” Respostas possíveis podem incluir
diversão, alegria, espontaneidade, respeito próprio, libido, oportunidades de
crescimento e aventura, e assim por diante.
Aquilo que alimenta nosso padrão habitual de negar nosso “não” é o que
chamo de a história. Com isso me re ro à narrativa, explicação, justi cativa,
racionalização que faz esses hábitos parecerem normais ou até necessários.
Na verdade, eles vêm de crenças centrais limitantes sobre nós mesmos. O
mais comum é nem sequer termos consciência de que essas coisas sejam
histórias. Pensamos e agimos como se elas fossem verdades.
Quando faço essa pergunta nos workshops, as pessoas podem levar
algum tempo para identi car a narrativa subjacente, a história por baixo da
história. Quando vamos além das minúcias da situação especí ca (exemplo:
“Bom, você sabe como a minha mãe é… é mais fácil dizer sim e pronto do
que ter trabalho”), encontramos a história mais profunda, cuja lógica interna
determina nossas interpretações e reações. A camada de subtexto tem
sempre a ver com nosso eu, não com as circunstâncias atuais.
Se você tiver di culdade para identi car a história subjacente ao seu
comportamento, tente perguntar: “Em que ideia sobre mim mesmo preciso
acreditar para negar dessa forma minhas próprias necessidades?” A
resposta, ainda que especulativa, chegará bem perto do alvo. Embora não
sejam nem objetivas nem exatas, nossas histórias são sempre internamente
consistentes com nosso comportamento e nossa experiência.
Alguns exemplos de histórias comuns:
Dizer não signi ca que eu não dou conta de alguma coisa. É um sinal
de fraqueza. E preciso ser forte.
Preciso ser “bom” para merecer amor. Se disser não, não sou digno de
ser amado.
Sou responsável pela forma como os outros se sentem e pelo que
vivenciam. Não devo decepcionar ninguém.
Só sou merecedor se estiver fazendo alguma coisa útil.
Se as pessoas soubessem como eu realmente me sinto, não iriam gostar
de mim.
Se eu decepcionar meus amigos/cônjuge/colegas/pais/vizinhos, iria me
sentir merecidamente culpado.6
Dizer não é egoísta da minha parte.
Não é amoroso sentir raiva.
Por muitos anos depois de virar médico, quei envolvido demais com
meu próprio vício em trabalho para prestar atenção em mim mesmo ou
nos meus anseios mais profundos. Nos raros momentos em que me
permitia car parado, podia notar um pequeno tremor na barriga, uma
perturbação praticamente imperceptível. O débil sussurro de uma
palavra ecoava na minha cabeça: escrever. No início eu não soube dizer
se aquilo era azia ou inspiração. Quanto mais escutava, mais alto cava o
recado: eu precisava escrever, me expressar por meio da linguagem
escrita; nem tanto para os outros talvez me escutarem, mas para poder
escutar a mim mesmo.
Você identi cou o “não” ou “sim” não dito, começou a identi car seus vários
impactos, examinou as histórias que sustentam essas autonegações
padronizadas e investigou suas origens. E agora? Embora haja um valor
intrínseco em reconhecer nossas histórias como histórias, nosso objetivo
nal é diminuir o poder que elas têm sobre nós.
O exercício a seguir vai sugerir alguns primeiros passos para nos
libertar, nos despertar do enleio hipnótico da desvalorização.
Para a seção sobre cura do meu livro a respeito da dependência, adaptei
– mediante autorização – uma série de passos formulados por Jeffrey M.
Schwartz, professor de psiquiatria na Universidade da Califórnia em Los
Angeles, em seu livro e Mind and the Brain (A mente e o cérebro).2 Aqui
levo a adaptação um passo além, e aplico o método a crenças autolimitantes
de todos os tipos.
Embora Schwartz tenha desenvolvido esses passos originalmente para
curar o transtorno obsessivo-compulsivo, eles também se prestam com
facilidade à reprogramação de outros circuitos de pensamento. A nal de
contas, o pensamento negativo tem uma característica mais do que
obsessiva: somos compelidos a tê-lo, vezes sem conta, apesar de ele não nos
proporcionar prazer algum. A ideia é retreinar o cérebro, fortalecer por
meio de um esforço consciente a capacidade do córtex pré-frontal de sair de
um transe baseado no passado e reabitar o presente. Qualquer padrão de
pensamento que seja repetitivamente autodepreciativo pode ser trabalhado
dessa forma.
Trata-se de um método experimental, que exige compromisso e atenção
plena. Precisa ser não apenas feito, mas vivenciado plenamente. Somente
quando a atenção estiver presente é que a mente consegue reprogramar o
cérebro. “É preciso prestar uma atenção consciente”, insiste Jeffrey Schwartz.
“É aí que está o segredo. Para serem criadas, mudanças físicas no cérebro
dependem de um estado mental, o estado chamado atenção. Prestar atenção
importa.”
Aos quatro passos originais de Schwartz, eu acrescento mais um. Esses
cinco passos são mais e cazes quando praticados regularmente, mas
também toda vez que alguma crença autolimitante exerça uma força tal que
você que com medo de ser tragado por ela. Ache um lugar para se sentar e
escrever, de preferência tranquilo. Também é melhor escrever tudo à mão.
PASSO 1: RECATEGORIZAR
O primeiro passo é chamar o pensamento autolimitante do que ele é: um
pensamento, uma crença, não a verdade. Por exemplo: “Eu pareço acreditar
ser responsável pelos sentimentos de todo mundo.” Ou: “Estou tendo o
pensamento de que preciso ser forte.” Ou: “Estou agindo como se pensasse
que só tenho valor quando me mostro prestativo.” Trazer consciência para
esse passo é particularmente vital: estamos despertando a parte de nós
mesmos capaz de observar pensamentos sem se identi car com eles, agindo
como nosso próprio observador, interessado, porém imparcial.
O objetivo da recategorização não é fazer o pensamento de autonegação
desaparecer: ele ocupa seu cérebro há tanto tempo que vai resistir com todas
as forças a ser expulso. Na verdade, ele se fortalece tanto com os esforços
para suprimi-lo ou expulsá-lo quanto com os momentos em que cedemos a
ele. Lembre-se: você não está tentando desalojar a história ou torná-la
errada. Discutir com ela seria como dizer a uma criança de 2 anos que está
gritando “Eu te odeio!” diante de um prato de legumes: “Não, não odeia não.
Isso é só um pensamento que você está tendo.” Tampouco se trata de tentar
substituir o pensamento por algum tipo de oposto alegre, por exemplo: “Eu
sou uma pessoa boa”, ou “Eu irradio luz”. Trata-se, isso sim, de se desfazer da
certeza de que essa crença implícita é verdadeira. Ao fazer isso, você põe a
história no seu devido lugar, tirando-a delicadamente da prateleira de não
cção. Ela não é mais uma lei escrita em pedra a ser resistida nem uma
acusação a ser refutada: é apenas um pensamento, por mais doloroso ou
disfuncional que seja. Possivelmente o pensamento vai voltar, mas nessa
hora você vai tornar a recategorizá-lo, com uma determinação tranquila e
uma consciência atenta e vigilante.
PASSO 2: REATRIBUIR
Esse passo tem tudo a ver com ganhar um pouco de tempo para si mesmo.
Por serem fantasmas da mente, suas autocrenças negativas vão passar… se
você lhes der tempo. O princípio-chave, assinala Jeffrey Schwartz, é o
seguinte: “O que importa não é como você se sente; o que conta é o que você
faz.” Isso não quer dizer suprimir seus sentimentos ou crenças, apenas não
deixar que eles o sufoquem ou atrapalhem a sua investigação. Você segue se
relacionando com eles ao mesmo tempo que faz conscientemente um
desvio.
O plano é o seguinte: se você notar uma autocrença negativa tentando
assumir o controle, arrume outra coisa para fazer. Isso requer consciência, e
é melhor não se recriminar se no início não conseguir perceber isso
acontecendo. Às vezes esses padrões de crenças simplesmente assumem o
comando antes mesmo de conseguirmos agir.
Seu objetivo inicial é modesto: tente ganhar 15 minutos. Escolha algo
que goste de fazer e que o mantenha ativo, de preferência algo saudável e
criativo, mas na verdade qualquer coisa que lhe agrade sem causar maiores
estragos. Em vez de afundar impotente no desespero conhecido da
autocrença negativa, vá dar uma caminhada, ponha uma música para tocar,
faça palavras-cruzadas, qualquer coisa que o ajude a atravessar os próximos
15 minutinhos. “A atividade física parece ser especialmente útil”, sugere
Schwartz. “Mas o importante, seja qual for a atividade escolhida, é que ela
deve ser algo que você goste de fazer.” Ou então, se estiver sem energia
imediata para fazer qualquer coisa, você pode reajustar o foco para aquilo
que existe de amoroso e vivo em sua vida: possibilidades que você
concretizou ou vislumbrou, suas contribuições para si mesmo e para os
outros, pessoas que você amou ou que lhe deram amor.
O objetivo de reajustar o foco é ensinar ao seu cérebro que ele não
precisa sucumbir à mesma história de sempre. Ele pode aprender a escolher
outra coisa, mesmo que só por um tempinho no começo.
PASSO 4: REAVALIAR
É aqui que você faz o balanço e encara a realidade. Até agora, a crença de
autorrejeição dominou o pedaço, obscurecendo qualquer outra coisa em que
você pudesse conscientemente acreditar em relação a si mesmo. Digamos
que tenha a rmado: “Eu mereço amor na minha vida”, mas o tempo todo
sua mente continuou a atribuir um valor maior à moeda do “Eu não tenho
valor”. É esse segundo pensamento que desequilibra a balança em 90% dos
casos. Pode considerar esse passo, portanto, uma espécie de auditoria, uma
investigação dos custos objetivos das crenças nas quais sua mente investiu
tanto tempo e tanta energia.
Pergunte-se: o que essa crença de fato fez por mim? Respostas possíveis:
me causou vergonha e isolamento. Gerou amargura. Me impediu de correr
atrás dos meus sonhos, de me arriscar, de vivenciar o amor íntimo. Causou
doenças ou sintomas físicos. Para reconhecer esses impactos, permita que
suas respostas ultrapassem o âmbito conceitual. Sinta o estado do seu corpo
enquanto re ete sobre o espaço que a crença ocupava em sua mente. É aí
que os impactos residem, na sua siologia, da mesma forma que nas suas
ações e nos seus relacionamentos.
Seja especí co: qual foi o saldo da história de desvalorização – ou
qualquer história que você tenha identi cado e em que esteja trabalhando –
para sua relação com seu parceiro ou parceira, sua esposa ou seu marido?
Com seu melhor amigo ou amiga, seus lhos, seu chefe, seus funcionários,
seus colegas de trabalho? O que aconteceu ontem quando você se deixou
conduzir por essa crença? O que aconteceu na semana passada? O que vai
acontecer hoje? Preste muita atenção em como se sente ao recordar esses
acontecimentos e imaginar o que vai acontecer.
Uma reavaliação completa leva em conta também quaisquer lucros ou
juros que essa crença tenha lhe rendido. Ela o protegeu de algum perigo,
mesmo que a curto prazo? Protegeu-o de críticas ou rejeição? Inclua isso
também: quanto mais completa a auditoria, melhor.
Acima de tudo, faça esse exercício sem se julgar. Você não chegou ao
mundo pedindo para ser programado dessa forma, e não será punido pelo
que vai se revelar; muito pelo contrário: você está tentando comutar a pena
que vem cumprindo. Lembre-se também de que você não é o único. Milhões
de outras pessoas com experiências parecidas desenvolveram os mesmos
mecanismos. Como decide reagir a isso no presente, nisso, sim, você é único.
PASSO 5: RECRIAR
O que determinou sua identidade até aqui? Você vem agindo segundo
mecanismos programados no seu cérebro muito antes de poder decidir
qualquer coisa em relação a isso, e a partir desses mecanismos automáticos e
dessas crenças programadas muito tempo atrás você criou uma vida. Está na
hora de recriá-la: de imaginar outra vida, uma que realmente valha a pena
escolher.
Você tem valores. Tem paixões. Tem intenção, talento, capacidade, um
desejo de contribuir, talvez uma noção latente de propósito ou vocação. No
seu coração existe amor, e você quer conectar esse amor ao Universo. Ao
recategorizar, reatribuir, reajustar o foco e reavaliar, está rompendo padrões
que o prendiam e aos quais você se agarrava. No lugar de uma vida
dominada pela sua compulsão obsessiva com aquisições, comportamentos
anestesiantes, autojusti cação, admiração, inconsciência e atividades sem
qualquer signi cado, qual é a vida que você realmente quer? O que você
decide criar? Anote seus valores e intenções e, aqui também, faça isso com
uma atenção consciente. Imagine-se vivendo com integridade, sendo capaz
de encarar as pessoas nos olhos com compaixão por elas… e por si.
O caminho para o inferno não está coalhado de boas intenções: está
coalhado de falta de intenção. Quanto mais você recategorizar, reatribuir,
reajustar o foco e reavaliar, mais livre estará para recriar. Está com medo de
tropeçar? Olhe só: tropeços vão acontecer. Isso se chama ser humano.
Para concluir, um conselho aos sábios, ou aos que desejam ter sabedoria. Se
trocarmos uma vogal do verbo “recriar”, temos “recrear”, sinônimo de
“brincar”. Esse é um excelente lembrete de que não estamos nos ajudando
em nada se nos levarmos – e também ao processo de investigação – tão a
sério a ponto de perder uma sensação de espontaneidade e vitalidade. Esses
passos podem não ser muito divertidos, mas funcionam melhor quando lhes
incutimos alguma leveza. Já vi várias pessoas surpreenderem a si mesmas
com um sorriso no meio do processo.
30
Gostaria de poder lhe dizer que a cura é algo tão direto quanto realizar um
determinado exercício mental um certo número de vezes por semana.
Infelizmente, a busca da inteireza não tem como ser reduzida a uma ou duas
(ou três, vinte, cinquenta) práticas, modalidades ou abordagens. Longe de
ser uma questão que se resolve uma vez e pronto, o retorno a nós mesmos é
uma estrada que escolhemos seguir, com todos os meandros, curvas e becos
sem saída que surgem quando se percorre – ou melhor, se desbrava – um
caminho incerto. Na minha experiência, nunca chegamos tão perto quanto
gostaríamos de chegar, e nunca estamos tão longe quanto tememos estar.
Este capítulo propõe uma forma de lidar com alguns dos obstáculos
mais universais à cura: a culpa incapacitante; o ódio por si mesmo e seus
primos próximos: autorrejeição, autossabotagem, impulsos autodestrutivos;
e bloqueios em nossa memória emocional, ou o que podemos chamar de
negação da dor. Aqui também não estou me referindo a conceitos abstratos.
“Não tenho valor” e “Sou uma pessoa defeituosa” são muito mais do que
pensamentos: eles vivem em nossa neuro siologia e em nossa mente como
“conglomerados distintos de processos mentais correlatos”, para usar as
palavras de Dick Schwartz. “Para ser mais e caz, o cérebro é projetado para
criar esses conglomerados – conexões entre determinadas lembranças,
emoções, percepções do mundo e comportamentos –, que permanecem
coesos como unidades internas que podem ser ativadas quando necessário.”1
Procurar compreender a gênese, e sobretudo a função original de
conglomerados neuromentais vexatórios nos leva ao primeiro princípio da
autoinvestigação compassiva. Tudo dentro de nós, por mais desagradável
que seja, existe com um objetivo; por mais que cause problemas ou até
mesmo nos debilite, não há nada que não devesse estar ali. A pergunta,
portanto, deixa de ser “Como me livro disso?” e passa a ser: “Para que isso
serve? Por que isso está aqui?” Em outras palavras, primeiro precisamos
conhecer esses aspectos desagradáveis de nós mesmos para então, da melhor
forma que conseguirmos, transformá-los de inimigos em amigos.
A verdade é que esses perturbadores da nossa paz, por mais estranho
que isso possa soar, sempre foram nossos amigos. Na sua origem, eles nos
protegeram e bene ciaram, e esse continua sendo seu objetivo atual, mesmo
quando parecem tentar alcançá-lo de modo equivocado.
Não precisamos temer, evitar, rejeitar nem suprimir esses “indesejáveis”;
na verdade, ao fazer isso nós apenas retardamos nossa emancipação deles.
Não são eles, mas sim nossas tentativas desesperadas de mantê-los afastados
que cobram o mais alto preço do nosso bem-estar mental ou físico. Quando
passamos a ver esses aparentes antagonistas internos como o que de fato são
e os deixamos em paz, eles tendem a nos pagar na mesma moeda e a nos
deixar em paz também. A capacidade de ação é conquistada não por meio
da resistência a nós mesmos, mas pela aceitação e pela compreensão.
Meio de brincadeira, chamo esses aparentes inimigos de “amigos
burros”. Se o adjetivo lhe parecer feio, que à vontade para substituí-lo por
algo com carga menos pejorativa, como “obtuso” ou “teimoso”. O guia de
vida selvagem e especialista em psicologia profunda Bill Plotkin chega a se
referir a eles como “leais soldados”, em homenagem aos militares japoneses
que, até os anos 1970, foram encontrados escondidos na oresta das
Filipinas, sem saber que a guerra já tinha acabado havia décadas. A única
coisa que eu quero dizer com “burros” é que essas partes não conseguem
aprender novos truques: elas se recusam a ver que as circunstâncias nas
quais surgiram inicialmente não existem mais, e que não somos mais
crianças indefesas em perigo.
O motivo de elas existirem, aliás, está longe de ser burro. Embora elas
possam nos causar dor agora, no início surgiram para nos salvar. Sua
presença, na verdade, é um sinal inconfundível da profunda inteligência do
“corpomente” humano. E felizmente a cura não exige a extinção dessas
partes, apenas seu realinhamento, ou talvez uma reatribuição de função. O
importante é nós estarmos no comando, não elas.
Horríveis mesmo. Sabia que ela também tinha tido um passado parecido
de usuária de heroína quando morava em Vancouver nos anos 1960.
Achei que ela fosse me entender, e que fôssemos os dois trocar
reclamações, sabe… mas ela me deu a maior bronca. Disse: “Que falta de
respeito. Que desrespeito falar assim dos mais velhos.”
Ela disse: “A mais velha aqui não sou eu, Jesse; os seus mais velhos foram
esses vícios. Eles estavam te ensinando a importância da família. A
importância da saúde. Da conexão humana. De perseverar. Tudo isso o
vício ensina. Tudo.” Então para mim o vício foi o grande teste, a grande
atribulação da minha vida. Quase um rito de passagem para um saber.
Ele me deu um saber que me permite ver coisas que outras pessoas não
entendem. Eu tenho outra perspectiva. Não estou corroborando o vício.
Preferiria ter começado 20 anos atrás uma família e ter potencialmente
uma casa como todos os meus amigos agora têm. Mas tenho uma visão e
um jeito de ver o mundo que eles nunca terão.
Jesus na tenda:
psicodélicos e cura
Um dia de manhã, não faz tanto tempo assim, fui expulso do meu próprio
retiro por um grupo de xamãs shipibo. Na noite anterior, no calor úmido da
selva, esses homens e mulheres nada sabiam a meu respeito; quando o dia
raiou, já entendiam tudo que precisavam entender, então me dispensaram.
Fizeram isso pelo bem-estar dos pro ssionais de saúde que tinham vindo de
muitas partes do mundo trabalhar comigo, e para meu eterno benefício.
Para chegar ao Templo do Caminho da Luz, é preciso trocar de avião em
Lima e voar uma hora e meia até Iquitos, no norte do Peru. De lá, pelo meio
da luxuriante oresta tropical, desce-se o caudaloso rio Nanay, a uente do
Amazonas, passando de vez em quando por vilarejos ribeirinhos.
Ocasionalmente, o rio se estreita a ponto de podermos tocar a mata tropical
verdejante.
Chegamos num dia em meio a um período de chuva forte. Calçamos
galochas para percorrer a trilha na mata, onde a lama avermelhada tem
alguns trechos fundos. Mais de uma vez as galochas que me deram, vários
números maior do que o meu, cam presas na lama, e dependo de nossos
ajudantes shipibo para me levantarem, recuperarem as galochas presas e
tornarem a me calçar. Depois de 45 minutos caminhando pela selva densa e
alagada, a trilha se estreita à medida que começamos a subir um morro para
chegar ao nosso destino.
Fui convidado a esse lugar para conduzir um retiro de cura para
pro ssionais da saúde de quatro continentes, vindos de países como
Romênia, Grã-Bretanha, Austrália, Brasil, Canadá e Estados Unidos. Os
participantes são psicoterapeutas, psicólogos, psiquiatras, orientadores
psicológicos, médicos de família e especialistas em medicina interna. Somos
24 no total, já que essa é a capacidade máxima da maloca, a habitação
coletiva de palha onde vão ocorrer as cerimônias da ayahuasca. Muitos
lugares no Peru e outros países da Amazônia oferecem esse tipo de ritual,
alguns íntegros e de boa-fé, outros mais interessados nos dólares que o
turismo traz.1 O Templo do Caminho da Luz é conhecido como um dos
melhores. Quem o administra é um inglês chamado Matthew, cuja salvação
pessoal muito deve à planta e às práticas tradicionais relacionadas a ela. Os
xamãs pertencem ao povo de origem peruana shipibo, assim como os
funcionários que atendem as construções cerimoniais e os salões de jantar e
de reunião. Os funcionários do templo trabalham muito próximos aos
curadores espirituais nativos, tomando cuidado para honrar seus costumes
tradicionais ao mesmo tempo que tentam proporcionar uma experiência
signi cativa e palatável para a clientela ocidental majoritariamente neó ta.
Em geral há também alguns voluntários internacionais.
Venho organizando há uma década retiros que usam a bebida amarga
preparada a partir da planta mística ayahuasca. Esses eventos misturam a
tradição amazônica do vegetalismo, sistema muito antigo e altamente
so sticado de cura pelas plantas, com minha abordagem terapêutica da
investigação compassiva. As sessões da planta são conduzidas pelos xamãs à
noite; eu em geral participo, e tomo la medicina junto com os participantes.
Meu trabalho começa durante o dia, quando ajudo as pessoas a formularem
suas intenções para a cerimônia. Uma intenção pode assumir a forma de
uma questão pessoal espinhosa que elas queiram esclarecer, de uma emoção
difícil que esperam conseguir explorar ou de uma qualidade interna que
desejam cultivar com o auxílio dessa substância. No dia seguinte, eu as
ajudo a processar e integrar quaisquer revelações, pensamentos, emoções,
visões, aparições aterrorizantes ou assombros oníricos, sensações,
desconfortos físicos ou tédio absoluto que elas tenham experimentado
enquanto os xamãs entoavam seus cânticos na roda e executavam sua cura
energética.
Ao longo dos anos passei a apreciar esse trabalho de facilitador, e ajudei
pessoas a superarem depressões e vícios e a se curarem de doenças físicas.
Por algum motivo, quando as pessoas atravessam o portal da ayahuasca, eu
me vejo altamente sintonizado com a natureza de seus obstáculos e com as
nuances das suas descobertas, e consigo guiá-las intuitivamente enquanto
elas trazem suas novas e ainda frágeis percepções de volta para o plano
consciente normal. Fico inspirado e comovido com as transformações que
regularmente testemunho, transformações essas que, de modo grati cante,
se alastram para fora e adentram a vida dessas pessoas para muito além da
semana de retiro.
No que diz respeito à minha própria transformação, porém, a história é
outra. Durante toda a minha vida, independentemente de qualquer
revelação que tenha tido ou ajudado a potencializar, uma certeza pessimista
dominou minha opinião em relação às minhas próprias chances de cura. Já
participei de dezenas de cerimônias da ayahuasca sem acreditar que muita
coisa pudesse acontecer comigo, e em geral esse meu pessimismo acaba
recompensado: nada de visitas nem de aparições, nenhum antepassado ou
espírito animal, nem sequer um pensamentinho profundo, só um leve enjoo
e o desejo de que mais coisa acontecesse. Certamente um punhado de
experiências comoventes aprofundaram minha gratidão ou apreciação das
muitas bênçãos em minha vida, mas, apesar disso nada, nem mesmo esses
encontros positivos com a planta conseguiram modi car a visão negativa da
minha mente, assombrosamente teimosa e digna do personagem Bisonho, o
burro deprimido da turma do Ursinho Pooh.
Entramos na primeira cerimônia, todos os 24, e junto com a gente seis
xamãs indígenas, três maestras e três maestros, todos com no máximo um
metro e meio de altura, vestidos de branco e usando cintos e faixas de cores
vivas. Cada um de nós será visitado por cada um deles sucessivamente: seis
cânticos personalizados para cada participante. Entremeados a períodos de
silêncio na maloca escura – sem contar os trinados, coaxares e pios das
criaturas noturnas à nossa volta – são entoados cânticos hipnóticos nas
cadências ancestrais da língua shipibo, ao mesmo tempo suaves e potentes.
Sob a in uência da amarga bebida, esses cânticos podem assumir qualidades
sinestésicas: algumas pessoas veem imagens, outras vivenciam cada sílaba
como sensações físicas ou então viajam em sua mente até lembranças há
muito enterradas. Poucos, como eu, vivenciam a ausência desconcertante
dessas coisas.
Toda vez que um xamã se senta diante da minha esteira, eu me reteso,
desa ando-o em silêncio a fazer o pior de que for capaz. Vai, penso eu, tente
atravessar as barricadas dessa psique. Saber muito bem que essa atitude não
ajuda não impede a voz interior de falar primeiro e mais alto do que todas as
outras. De modo previsível, nada acontece, a não ser as costumeiras
frustração e decepção. (O que está longe de ser “nada”, eu assinalaria se
estivesse orientando outra pessoa. Qualquer experiência numa cerimônia
dessas pode ser rica em ensinamentos se abordada com compaixão e
curiosidade; obviamente isso é mais fácil de recomendar do que de praticar.)
Passo a maior parte do tempo dissociado, e mal reparo nos cânticos ou na
boa vontade direcionados a mim. No dia seguinte, depois de dormir e de
comer adequadamente, o grupo se reúne e, como de costume, presto minha
orientação certeira. À medida que cada um descreve suas experiências de
dor ou incompreensão, eu os ajudo a dar sentido às próprias visões e a
relacionar os ensinamentos da planta à própria história de vida. No meu
papel de curador espiritual e professor, consigo facilmente deixar qualquer
cinismo de lado; o retiro não tem a ver comigo. Tudo está correndo bem.
Durante o almoço, Matthew me puxa num canto. Os xamãs querem
falar comigo, diz ele; o grupo elegeu dois porta-vozes para comunicar uma
decisão coletiva. Recebo a notícia por meio de um intérprete. “O senhor tem
uma energia densa e escura que os nossos 2 não conseguem penetrar”, dizem
eles. “Essa energia se espalha pelo recinto e atrapalha nosso trabalho com os
outros. Não podemos ter o senhor aqui.” Antes de eu poder reagir, eles
acrescentam que eu não posso trabalhar com o grupo nem mesmo durante
o dia.
Dizer que co surpreso é um eufemismo. Meu ego não gosta nadinha
daquilo; por acaso aquelas pessoas não reorganizaram suas vidas e vieram
de todas as partes do mundo até uma oresta tropical especi camente para
trabalhar comigo? Com certeza deve haver algum jeito, algum meio-termo
possível. Os xamãs se mostram irredutíveis. “Mesmo durante o dia”,
explicam eles,
Até a noite anterior, esses xamãs nunca tinham ouvido falar de mim.
Com exceção de saber que sou médico, não conhecem nem minha história
de origem nem o trabalho que faço. Ainda assim, eles souberam me ler com
absoluta precisão. Mesmo consternado, sinto e entendo na mesma hora que
eles têm razão. “Nós podemos ajudá-lo”, prometem eles. Apesar das suas
garantias, tenho sérias dúvidas de que consigam. Mas o que me leva a seguir
sua orientação não é só a deferência, tampouco a fé cega. Parece que algo
dentro de mim sente alívio por poder transferir a responsabilidade.
Passo os 10 dias seguintes socialmente distanciado do restante do retiro,
por assim dizer. Permaneço isolado em meu chalé, exceto durante as
refeições no salão, quando não interajo com os participantes; felizmente,
eles estão nas mãos capazes de um colega americano meu. Durante essa
quarentena psíquica, eu medito, leio livros sobre espiritualidade, faço ioga,
caminho pelas trilhas na oresta e contemplo a natureza. Reações mentais e
emocionais variadas a essa estranha situação vêm e vão. Noite sim, noite
não, numa tenda cerimonial exclusiva, um dos xamãs me serve o remédio,
em seguida passa mais de três horas entoando cânticos em shipibo só para
mim. Sopra fumaça, agita os braços acima de mim, pousa as mãos no meu
peito ou nas minhas costas. Quase sempre canta em sua língua materna,
mas às vezes entoa acima da minha cabeça hebraica hinos católicos em
espanhol que falam sobre Espírito Santo, Santa Maria e Jesus. Sua voz, ora
um grave profundo de barítono, ora um tenor anasalado insistente ou um
falsete agudo, é indescritivelmente maleável e bela. Na escuridão opaca da
maloca, esse homenzinho se avulta como um gigante. A cada dia que passa
eu me sinto mais leve, com a mente menos preocupada. Mesmo assim, nas
primeiras quatro dessas noites de cerimônia nenhuma visão surge, nenhuma
experiência profunda, apenas uma sensação crescente de relaxamento e
gratidão.
Ao cabo da quinta e última cerimônia – eu acho – com os não resultados
previstos, me sinto mesmo assim puri cado e agradecido. Com a ajuda do
intérprete Publio, co conversando animadamente com o maestro. De
repente, no meio de uma frase, eu me jogo na esteira, ou melhor, sou atirado
de bruços no chão com uma força repentina e involuntária. A ayahuasca
en m assumiu a direção, e eu sou um passageiro impotente. Estou
nalmente, indiscutivelmente, abençoadamente fora do controle.
Mais tarde me dizem que passei quase duas horas de bruços no chão.
Para mim poderiam ter sido dois dias: no turbilhão das visões, a noção do
tempo se perdia. Durante todo esse período, sentados de pernas cruzadas,
imóveis e calados, Publio e o xamã caram de vigília ao meu lado. Não
preciso, na verdade não consigo descrever o que vivenciei, mas lembro da
alegria transcendental que senti.
O que consigo articular é o que vi bem no nal. Num céu azul-escuro
que parecia uma tela, traçada em letras gigantes feitas de nuvens, estava
escrita a palavra BOLDOG: “feliz” em húngaro. A visão e a paz interior por
ela evocada vieram de um lugar além do pensamento – além até, eu ousaria
dizer, do meu inconsciente.3 Aquilo ao mesmo tempo estava além de mim e
fazia profundamente parte de mim, conectando o que quer que eu antes
pensasse ser “eu” a algo misterioso, transcendental e assombroso. Esse
mesmo estado – amplo e consciente, desfragmentado, livre de preocupação
com ele mesmo – permeia minha consciência agora ao revisitar a
experiência e re etir sobre as suas lições (das quais voltarei a falar no
próximo capítulo).
Pode ser que o leitor ou a leitora esteja se perguntando o que aconteceu
com os pro ssionais da saúde que tinham viajado tão longe para fazer o
trabalho com a planta sob minha orientação. Informo que a maioria se saiu
extremamente bem. Meu colíder fez o seu trabalho de forma admirável. E
apesar de toda a sua compreensível decepção, e contrariando meus temores
de um motim, as pessoas entenderam que eu estava lhes servindo como um
exemplo de disposição para cuidar de si mesmas. Talvez fosse esse o
ensinamento de que aqueles curadores espirituais sobrecarregados de
trabalho, fatigados de compaixão e eles próprios feridos mais precisavam;
certamente assim pensavam os xamãs. O templo já tinha hospedado muita
gente da Europa e da América do Norte, mas nunca um grupo de
pro ssionais da medicina, e os curadores espirituais shipibo comentaram
depois, para a própria surpresa, que nunca tinham trabalhado com um
“pessoal tão pesado”. “Como somos nós mesmos curadores”, disseram eles,
Eu vinha pedindo ao remédio que me levasse até lá, até meu sofrimento
mais profundo e fundamental, mas isso não tinha acontecido. E hoje à
noite de repente eu estava lá, no útero, e senti a dor mais forte que acho
que jamais senti. Foi horrível. Isso me consumiu totalmente. Fiquei ali
com a dor pelo máximo de tempo que aguentei, porque sabia que era
aquilo que eu precisava vivenciar. Então saí, e sem hesitação liberei essa
dor para o céu. A partir do pior sentimento que sou capaz de recordar,
eu estava tendo um dos mais felizes.
O livro de Michael Pollan, Como mudar sua mente: O que a nova ciência
das substâncias psicodélicas pode nos ensinar sobre consciência, morte, vícios,
depressão e transcendência, abriu muitos olhos para as possibilidades
curativas dos psicodélicos. “As pessoas estão ávidas por alguma coisa”, me
disse o autor de sucesso.
É muito difícil dizer o quê, mas me parece que elas com certeza estão
procurando uma dimensão espiritual em sua vida. Além disso, temos
níveis muito altos de doença mental: as pessoas estão sofrendo de todas
as formas, e os tratamentos de saúde mental disponíveis são
completamente inadequados e não estão à altura.
Sempre digo aos jovens que nossos pais tinham um medo danado dessas
substâncias, sabe, que viviam gritando: “Não tome isso. Você nunca mais
voltar igual!” Mas era justamente essa a ideia. Nesse sentido sou muito
aberto em relação ao papel catártico que essas substâncias tiveram na
minha vida, e a quão valiosas elas são. Se tem uma coisa que eu sei, é que
esses remédios me permitiram compreender nossa conexão com o
mundo natural de uma forma que nem em 1 milhão de anos poderia ter
acontecido só lendo livros.
Os psicodélicos abrem essa membrana de modo que mais coisa possa vir
à tona. Cada substância faz isso de um jeito. Ela ao mesmo tempo
conecta você a partes de si mesmo que tinham sido suprimidas ou
ignoradas, mas você também consegue ver o mundo maior além de si,
além do próprio ego.
Estava muito doente nessa ocasião. Tinha perdido 15 quilos, não sabia se
ia sobreviver, e olhava para aquela árvore e pensava: “Ai, meu Deus, será
que vou ter de car olhando para essa árvore todo dia enquanto espero a
morte?” E nesse primeiro dia a árvore simplesmente começou a falar
comigo… E eu pensei: Caramba! Acho que nunca vi o que são folhas… E
no dia seguinte foi tipo: Casca! E no seguinte: Tronco! Eu literalmente
não queria mais que ninguém falasse comigo, não queria que as pessoas
chegassem perto de mim: só me deixem car com essa árvore; eu e essa
árvore estamos vivendo uma coisa incrível. No meu último dia naquele
quarto a árvore oriu, os botões todos brancos. Aquilo foi o começo da
minha transformação.
Nada disso é novidade para os povos originários do mundo: essas culturas
têm na comunhão com a natureza desde sempre um pilar. Mesmo quando
as nações originárias da América do Norte foram brutalmente expulsas dos
territórios que eram seu sustento e parte integrante de sua identidade, a
consciência de pertencer a este planeta nunca se perdeu. Na verdade,
segundo a ativista, artista e líder cerimonial navajo Pat McCabe, conhecida
como Mulher em Pé Brilhando, essa consciência é uma boia salva-vidas,
uma fonte de resiliência e força. “A primeira coisa que me vem ao coração”,
contou ela,
devemos celebrar e dar apoio às pessoas doentes porque elas são os bois
de piranha. São elas que estão nos mostrando que nossa sociedade está
desequilibrada, e precisamos lhes agradecer por assumir esse fardo e
fazer isso pelo restante de nós. Todos precisamos participar da cura
delas, porque, se não fossem elas, onde estaríamos? Somos todos
responsáveis pelo que quer que as esteja a igindo. Temos a
responsabilidade de contribuir para sua cura, pelo bem de todos.
naquela fase da minha vida eu estava separado de mim. Nem sabia quem
eu era. Como eu não me respeitava, não conseguia respeitar ninguém.
Como eu não me amava, não tinha amor nenhum por ninguém. Mas
depois de cumprir essa pena, de realmente parar e olhar para minha
vida como uma coisa genuína, e com amor por mim mesmo e a
compreensão de que para mim o amor é tudo… o amor está me abrindo
para tudo fora de mim. O que estou fazendo por mim, aprendendo sobre
mim, estou aprendendo também sobre todos os outros. Não sou
diferente de ninguém. Se eu tocar o espírito não sou separado. Se vocês
me deixarem sair daqui, é esse o tipo de trabalho que eu quero fazer
quando sair. Estou pronto. Quero ir para casa, mas mesmo se não me
deixarem ir eu já sei quem sou e o que quero fazer.
Cada uma das cinco compaixões que examinamos estava presente ali,
reluzindo nas palavras de Rick.
“Só existe uma regra comum válida para encontrar sua verdade especial. É
aprender a se escutar com toda a paciência, a se dar uma chance de
encontrar o próprio caminho, que é seu e de mais ninguém”, escreveu o
psicólogo e visionário Wilhelm Reich.6
Escutar sua “verdade especial” é um dos mais árduos desa os em meio à
cacofonia de nosso mundo cada vez mais barulhento, um mundo que isola
ao mesmo tempo que desencoraja a solidão saudável. Essa busca vem de
outros tempos. A peça Santa Joana, de Bernard Shaw, narra a vida e a morte
heroicas da jovem camponesa Joana d’Arc, cujas visões e “vozes” a
inspiraram a liderar a revolta armada contra a ocupação inglesa da França
no século XV. “Ah, as suas vozes, suas vozes”, diz em determinado momento
para Joana o rei francês Carlos VII, com inveja e frustração. “Por que as
vozes não vêm para mim? O rei sou eu, não você.” “Elas vêm sim,
majestade”, responde Joana, “só que o senhor não escuta. Não se sentou no
campo à noite para ouvi-las. Quando toca o ângelus, o senhor se benze e
assunto encerrado, mas se rezasse com o coração e escutasse o retinir dos
sinos no ar quando eles param de tocar, ouviria as vozes tão bem quanto eu.”
Um dos desa os de nos curar, e de trazer cura para nosso mundo tão
castigado, é car parado por tempo su ciente para permitir a nosso
verdadeiro eu ser ouvido, aquela “brisa suave” sobre a qual se pode ler na
Bíblia7 ou, na descrição do Tanakh hebraico, aquele “suave murmúrio”. As
práticas antigas e modernas de mindfulness encorajam e abrem espaço para
essa voz surgir, ao nos afastar da cacofonia de pensamentos em nossa mente
e nos permitir observá-la sem nos deixar seduzir, submergir ou intimidar.
Nas práticas de mindfulness também foram documentadas vantagens de
reduzir in amação, reprogramar o funcionamento epigenético, promover a
reparação dos telômeros, reduzir os níveis de hormônios do estresse e
incentivar o desenvolvimento de circuitos cerebrais mais saudáveis.8 O
mindfulness chegou a frear a progressão da ELA em pacientes afetados pela
doença:9 é a unidade mente-corpo em ação outra vez.
Ao nos observarmos com curiosidade compassiva em vez de
julgamento, talvez possamos também aprender a abrir mão de nossos pré-
julgamentos em relação aos outros, também conhecidos como preconceitos.
Um estudo muito animador vem de Israel/Palestina, palco de ódio e con ito
incessantes. Lá, 300 estudantes judeus do terceiro ao quinto ano foram
expostos a um programa socioemocional baseado em mindfulness e
compaixão. Seis meses depois, e apesar de um aumento das hostilidades
violentas, esses alunos apresentavam uma “redução signi cativa” do
preconceito e dos estereótipos negativos em relação aos palestinos.10
Entrevistei vários praticantes renomados de mindfulness: todos
a rmaram que sua prática os havia conduzido, e outras pessoas também, a
uma maior compaixão e aceitação dos seus semelhantes seres humanos. “Eu
nunca teria apostado contra o coração humano”, disse o psicólogo e
professor de meditação budista Rick Hanson.11
O título deste livro usa a palavra mito no seu sentido contemporâneo do dia
a dia. “Isso não passa de um mito”, poderíamos dizer a algum amigo agitado
tentando nos vender a teoria da conspiração do momento. “Não existe
prova.” Mas esse uso pejorativo da palavra na verdade nos põe em con ito
com a maior parte da história cultural. Até muito recentemente, o mito era
visto como uma fonte de conhecimento, um portal para a espiritualidade e
um dos fundamentos de qualquer cultura saudável. Esse conceito original de
mito pode muito bem servir de portal para o mundo da cura, nos
reconectando a eras de saber humano e promovendo um estado mental no
qual nada é uma ocorrência isolada, e onde se pode obter signi cado a
partir de qualquer uma das matérias-primas da vida. Esse é um potente
antídoto para o pensamento dualista que imagina mente e corpo como duas
coisas separadas. No mundo do mito tudo está conectado, e essa é uma das
muitas verdades em relação ao mundo real que o pensamento mítico pode
nos ajudar a encarar.
O mito é uma expressão coletiva de uma das qualidade humanas mais
singulares: a imaginação. Longe do pensamento mágico ou do
negacionismo, o pensamento imaginativo nos permite ver além das
aparências e acessar percepções fundamentais sobre o signi cado da
inteireza e do bem-estar. “Quando perdemos o mito”, me disse o contador de
histórias, escritor e apresentador do podcast Living Myth (Mito vivo)
Michael Meade, “passamos a saber menos. Sabemos menos em relação a nós
mesmos, em relação às doenças e, portanto, em relação à cura”. “Então o que
um resgate da imaginação mítica poderia nos ensinar sobre inteireza e
cura?”, perguntei. “Uma doença interrompe nosso caminho, então, se
permitirmos ao corpo nos ensinar o que está acontecendo, ela pode ser um
chamado à realidade”, respondeu ele. Já testemunhamos isso várias vezes ao
longo deste livro.
O mítico e o profético estão intimamente relacionados. Numa escala
social, poderíamos avançar na direção da inteireza se nos dispuséssemos a
ouvir os alertas que os males coletivos, do câncer à covid-19, estão fazendo
sobre nosso modo de viver. O pensamento mítico pode nos ajudar a
valorizar e a aplicar o princípio cientí co de que a saúde vem da conexão:
com nossa essência, uns com os outros e com uma cultura que honre essas
inter-relações.
Entendimentos mais antigos do mito vêm também de uma profunda
conexão (ou união) com a natureza, motivo talvez pelo qual a criação de
mitos, no sentido positivo, nos é tão natural. Como disse Wade Davis
quando conversamos: “Na maior parte da história humana, nossas relações
com o mundo natural foram baseadas em metáforas.” Montanhas são
símbolos de força e constância; rios personi cam mudança, uxo ou mesmo
a própria vida. Esses signi cados têm consequências profundas na forma
como vivemos, como vemos o mundo e nosso lugar nele. Eles são as marcas
de uma cultura que sabe ler e obedecer aos sinais da natureza.
Michael Meade tem uma linda expressão para o tipo de saber coletivo
que remonta ao início de nossa presença no mundo: “um pensamento no
coração”. Meu próprio coração se identi ca com a ideia de que, apesar de
todos os indícios aparentes do contrário, existe em todos nós um aspecto
essencial que não pode ser extinto. Nossa sociedade, com seu estado
espiritualmente adormecido de imaturidade e negação, bloqueia nossa
consciência desse “pensamento no coração”, substituindo-o por atividades,
bens e crenças incapazes de nos satisfazer. Como indivíduos, não
conseguimos ver nossa própria beleza ou perfeição; como integrantes de um
coletivo, deixamos de perceber que somos todos feitos da mesma matéria
divina, entrelaçados, por assim dizer, nessa trama. Se preferir, pode
substituir a palavra divina por outras como eterna, ancestral, alma ou pela
expressão “mais do que humana”.
Alcançar o espírito, para usar a expressão de Rick de San Quentin, só
enriquece a jornada de cura.
33
O que será preciso para desfazer o mito do normal? Como podemos ter
alguma esperança de desmontar um acúmulo tão imenso de percepções
equivocadas, preconceitos, pontos cegos e cções que arruínam a saúde,
todos culturalmente fabricados, em especial quando atendem aos interesses
de uma ordem mundial ciosa da própria perpetuação, mesmo isso sendo
sinônimo de autodestruição?
A verdade é que eu não sei. De certa forma, me sinto mais à vontade
descrevendo o problema do que mapeando uma rota para sair dele. Tenho
minhas próprias convicções e palpites, em especial no que diz respeito aos
obstáculos para um mundo melhor, mas isso não equivale ao desenho
detalhado de algo novo. Mesmo tendo crenças fortes em relação a como as
coisas deveriam ser, não me parece adequado tornar o último capítulo deste
livro sobre trauma e cura uma preleção. Mesmo assim, na reta nal dessa
nossa investigação, sinto de fato a responsabilidade de propor uma visão
alternativa à cultura tóxica que venho descrevendo.
O que posso dizer com convicção, como médico e curador espiritual, é
que para nossa sociedade se endireitar e traçar um caminho em direção à
saúde plena, determinadas condições terão que ser cumpridas. E para criá-
las será preciso algumas transformações ou mudanças importantes. Todas
elas derivam dos princípios centrais deste livro: medicina biopsicológica,
doença como professora, a primazia tanto do apego quanto da autenticidade
e acima de tudo uma autoinvestigação destemida, dessa vez numa escala
social. Nenhuma dessas mudanças por si só basta, mas na minha opinião
todas são necessárias. Elas podem vir a não se realizar totalmente sem uma
transformação política signi cativa, mas são fáceis de entender, e seguir na
sua direção é algo totalmente possível para nós.
Uns poucos anos atrás, durante as pesquisas para este livro, conversei
com Noam Chomsky, pai da linguística moderna, lósofo, ativista e crítico
cultural. Perguntei a esse gigante intelectual, que já se autoquali cou de
“pessimista tático e otimista estratégico”, se ele ainda tinha uma visão
positiva sobre o que está por vir. Chomsky sorriu.
É preciso ser otimista, caso contrário não haveria por que não se matar.
Então sim, é claro que sou otimista. Tentamos fazer o possível para
corrigir as coisas; se isso pode ou não ser feito, não sabemos. É o lema
que Gramsci tornou famoso: “Pessimismo do intelecto, otimismo da
vontade.”1 Não existe outra escolha.
Nunca, nem em meus sonhos mais absurdos, pensei que depois de ter
atravessado todos os obstáculos da formação em medicina eu fosse
acabar imprensada em consultas de sete minutos, sendo tratada como
uma operária de fábrica e tendo que tratar meus pacientes como objetos
sem importância.
Nunca é demais lembrar que a expressão chinesa que signi ca “crise” é uma
combinação dos ideogramas de “perigo” e “oportunidade”.
Já vimos como pessoas com patologias debilitantes ou até mesmo
mortais podem aprender com a própria doença e transformar sua vida. Se o
mesmo princípio fosse aplicado numa escala social, a crise do clima seria
uma oportunidade para examinar as percepções e práticas dominantes de
uma cultura que está no caminho da autodestruição. A experiência da
covid-19, que com grande ironia contribuiu bastante para desmascarar
diversos fatos nada agradáveis sobre nosso modo de viver, é um poderoso
lembrete das interconexões entre todas as formas de vida; de nossa
verdadeira natureza, baseada em nossos relacionamentos uns com os outros;
das desigualdades de um sistema em que os mais socialmente vulneráveis
são deixados mais expostos ao ataque de um vírus letal; de como o lema
“estamos todos juntos nessa” é uma triste cção em se tratando dos estragos
e das consequências econômicas da catástrofe de saúde pública que marcou
para todo o sempre esta década.
Falando em crises, aliás, não poderia haver condenação mais evidente de
um sistema do que o fato de os seus jovens, acossados como estão pela
ansiedade em relação à mudança climática gerada pelo ser humano, não
con arem nem nos adultos nem nos governos de modo geral.13 A inimitável
Greta unberg expressou isso com uma simplicidade devastadora numa
cúpula de jovens organizada em Milão em setembro de 2021:
Planeta B. Blá-blá-blá. Economia verde. Blá-blá-blá. Emissões zero em
2050. Blá-blá-blá. Só escutamos isso de nossos supostos líderes. Palavras
que soam muito bem mas até agora não levaram a nenhuma ação.
Nossas esperanças e ambições se afogam nas suas promessas vazias.14
Antes de ser julgado por crimes de guerra, o cérebro por trás do genocídio
nazista, o tenente-coronel Adolf Eichmann, da SS, foi julgado “normal” por
vários psiquiatras; “pelo menos mais normal do que eu”, teria exclamado um
deles segundo o relato clássico de Hannah Arendt.15 “Outro desses
psiquiatras”, relatou Arendt, “havia constatado que todo o histórico
psicológico de Eichmann, incluindo sua relação com a mulher e os lhos,
com a mãe e o pai, os irmãos, irmãs e amigos, era ‘não só normal, mas
altamente desejável’.”
É isso que o psiquiatra americano Robert J. Lion chamou de
“normalidade maligna”. Muitos dos maiores crimes foram e continuam
sendo cometidos por pessoas em posições de liderança consideradas um
modelo de normalidade em suas respectivas sociedades, seja produzindo
substâncias químicas tóxicas que alteram o clima ou, por exemplo, impondo
políticas que acarretam fome em massa em países distantes. Centenas de
milhares de crianças no Iraque morreram de desnutrição na década de 1990
por causa dos embargos americanos.16 Numa entrevista assistida por
milhões de pessoas, a então embaixadora americana na ONU, Madeleine
Albright, declarou que “o preço vale a pena”.17 Como sabemos hoje, e como
qualquer um poderia ter sabido então, não havia nenhuma justi cativa
plausível para uma coisa tão desumana. Albright viria a ser a primeira
mulher a ocupar a Secretaria de Estado dos Estados Unidos e até hoje segue
muito respeitada, em especial nos círculos liberais.18 Vem à mente a
expressão de desprezo de Victor Hugo por esse tipo de personagem: “os
bárbaros da civilização.”
Na verdade, com frequência os indivíduos que desa am a normalidade
convencional são os mais saudáveis. O psicólogo Abraham Maslow fez da
investigação da autoatualização – o atingimento da satisfação autêntica não
baseada em valores externos – o trabalho de sua vida. “Um estudo das
pessoas saudáveis o su ciente para se autoatualizarem”, escreveu ele num
artigo lido por muita gente, “revelou que elas não eram ‘bem-ajustadas’ (no
sentido ingênuo ter a aprovação da cultura e se identi car com ela).” Essas
pessoas saudáveis, sugeriu Maslow, tinham um relacionamento complexo
com sua “cultura muito menos saudável”. Nem conformistas nem rebeldes
por re exo automático, esses homens e mulheres expressavam sua
anticonvencionalidade de formas que os mantinham éis aos próprios
valores internos, sem hostilidade, mas não sem luta quando necessário. “O
sentimento de distanciamento da cultura não era necessariamente
consciente, mas era exibido por quase todos… Eles muito frequentemente
pareciam capazes de se distanciar como se não pertencessem de fato a ela.”19
Como já vimos, o antídoto para a in uência hipnotizante da
normalidade é a autenticidade: encontrar signi cado na própria experiência
interna, sem que esta seja ofuscada por cções socialmente promulgadas,
em especial o que Daniel Siegel chama de “a mentira do eu individual
avulso”. Essa falsidade é a maior das anomalias. Na minha opinião, uma vida
dedicada a desmascarar uma não verdade tão traumatizante, a viver e criar
fora dos seus limites, é uma vida bem vivida.
Tudo começa com um despertar: despertar para o que é real e autêntico
dentro de nós e à nossa volta, e o que não é; despertar para quem somos e
quem não somos; despertar para o que nosso corpo está expressando e
nossa mente, suprimindo; despertar para nossas feridas e nossos presentes;
despertar para aquilo em que acreditamos e aquilo que de fato valorizamos;
despertar para o que não vamos mais tolerar e para o que agora podemos
aceitar; despertar para os mitos que nos unem e para as interconexões que
nos de nem; despertar para o passado como foi, para o presente como é e
para o futuro como ainda pode vir a ser; despertar, mais do que tudo, para o
abismo entre o que nossa essência pede e o que o “normal” exige de nós.
Somos abençoados com uma oportunidade única. Ao remover mitos
tóxicos de desconexão de nós mesmos, uns dos outros e do planeta,
podemos aos poucos aproximar o que é normal do que é natural. É essa a
tarefa do nosso tempo, uma tarefa capaz de redimir o passado, inspirar o
presente e apontar para um futuro mais luminoso e saudável.
Ela é nosso mais árduo desa o e nossa maior possibilidade.
AGRADECIMENTOS
1 Respectivamente, Scattered Minds: e Origins and Healing of Attention De cit Disorder (Mentes
dispersas: origens e cura do transtorno do dé cit de atenção); When the Body Says No: e Cost of
Hidden Stress (Quando o corpo diz não: o custo do estresse oculto); In the Realm of Hungry
Ghosts: Close Encounters with Addiction (No reino dos fantasmas famintos: contatos imediatos
com a dependência); e, com o dr. Gordon Neufeld, Hold On to Your Kids: Why Parents Need to
Matter More an Peers (Não larguem seus lhos: por que pais e mães precisam ser mais
importantes do que os pares). Esses são os títulos no Canadá e no Reino Unido. Nos Estados
Unidos, o livro sobre TDAH se chama Scattered Minds: How Attention De cit Disorder Originates
and What You Can Do About It (Mentes dispersas: as origens do dé cit de atenção e o que você
pode fazer), e When the Body Says No tem como subtítulo Exploring the Stress-Disease Connection
(Uma exploração da conexão entre estresse e doença).
2 BERMAN, Morris. e Twilight of American Culture. Nova York: W. W. Norton, 2001, pp. 64-5.
3 HARTMANN, om. e Last Hours of Ancient Sunlight: e Fate of the World and What We Can
Do About It Before It’s Too Late. Nova York: ree Rivers Press, 2000, p. 164.
4 BUTTORF, Christine et al. Multiple Chronic Conditions in the United States. Santa Monica, CA:
RAND Corporation, 2017.
5 NEARLY 7 in 10 Americans Take Prescription Drugs, Mayo Clinic, Olmsted Medical Center Find.
Mayo Clinic, release para a imprensa, 19 jun. 2013. Disponível em:
<https://newsnetwork.mayoclinic.org/discussion/nearly-7-in-10-americans-take-prescription-
drugs-mayo-clinic-olmsted-medical-center- nd/>.
6 WEEKS, Carly. “Up to Half of Baby Boomers Will Have High Blood Pressure Soon, Report Warns”.
e Globe and Mail, 3 abr. 2013.
7 ALONSO, Alvaro & HERNÁN, Miguel. “Temporal Trends in the Incidence of Multiple Sclerosis:
A Systematic Review”. Neurology, vol. 71, n. 2, 8 jul. 2008. DOI:
10.1212/01.wnl.0000316802.35974.34.
8 MACLEOD, Calum. “Obesity of China’s Kids Stuns Officials”. USA Today, 9 jan. 2007. Disponível
em: <https://usatoday30.usatoday.com/news/world/2007-01-08-chinese-obesity_x.htm>.
9 MENTAL Health by the Numbers. National Alliance on Mental Illness. Disponível em:
<https://www.nami.org/mhstats>.
10 THE SIZE and Burden of Mental Disorders in Europe. ScienceDaily, 6 set. 2011. Disponível em:
<https://www.sciencedaily.com/releases/2011/09/110905074609.htm>. Fonte: European College of
Neuropsycho-Pharmacology.
11 BURSTEIN, Brett et al. “Suicidal Attempts and Ideation Among Children and Adolescents in US
Emergency Departments, 2007-2015”. JAMA Pediatrics, vol. 173, n. 6, abr. 2019, pp. 598-600.
Disponível em: <https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2019.0464>. Citado em CASSELLA,
Carly. “Child Suicide Attempts Are Skyrocketing in the US, and Nobody Knows Why”.
ScienceAlert, 11 abr. 2019. Disponível em: <https://www.sciencealert.com/us-children-are-facing-
a-mental-health-crisis-as-suicidal-ideations-climb>.
12 SHACKLE, Samira. “‘e Way the Universities Are Run Is Making Us Ill’: Inside the Student
Mental Health Crisis”. e Guardian, 27 set. 2019.
13 HUI Cao et al. “Prevalence of Attention-De cit/Hyperactivity Disorder Symptoms and eir
Associations with Sleep Schedules and Sleep-Related Problems Among Preschoolers in Mainland
China”. BMC Pediatrics, vol. 18, n. 1, 19 fev. 2018, p. 70.
14 HICKMAN, Caroline et al. “Young People’s Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and
Moral Injury: A Global Phenomenon”. Pré-artigo apresentado a e Lancet, set. 2021. Disponível
em: <https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3918955>.
15 CDC Continues to Support the Global Polio Eradication Effort. Centers for Disease Control and
Prevention, 18 mar. 2016. Disponível em: <https://www.cdc.gov/polio/updates/?s_cid=cs_404>.
16 Embora eu quase sempre vá usar “mito” na sua acepção contemporânea de “ ctício” ou
“equivocado”, terei oportunidade, bem mais adiante no livro, de reconhecer o poder de cura do
verdadeiro pensamento mítico, no sentido antigo da palavra.
1 Fiquei entristecido ao saber da sua morte, cerca de um ano após nossa entrevista.
2 Expressão cunhada em 1982 por pesquisadores da Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
3 PERT, Candace. Molecules of Emotion: Why You Feel the Way You Feel. Nova York: Touchstone,
1997, p. 30.
4 WIRSCHING, M. et al. “Psychological Identi cation of Breast Cancer Patients Before Biopsy”.
Journal of Psychosomatic Research, vol. 26, n. 1, 1982, pp. 1-10.
5 GREER, S. & MORRIS, T. “Psychological Attributes of Women Who Develop Breast Cancer: A
Controlled Study”. Journal of Psychosomatic Research, vol. 19, n. 2, abr. 1975, pp. 147-53.
6 THOMAS, Sandra P. et al. “Anger and Cancer: An Analysis of the Linkages”. Cancer Nursing, vol.
23, n. 5, nov. 2000, pp. 344-8.
7 Doença degenerativa do sistema nervoso, quase sempre fatal, conhecida na Grã-Bretanha como
doença dos neurônios motores e nos Estados Unidos também como doença de Lou Gehrig.
8 WILBOURN, A. J. & MITSUMOTO, H. “Why Are Patients with ALS So Nice”, apresentado no IX
International ALS Symposium on ALS/MND, Munique, 1998.
9 MEHL, eresa; JORDAN, Berit & ZIERZ, Stephan. “‘Patients with Amyotrophic Lateral Sclerosis
(ALS) Are Usually Nice Persons’ – How Physicians Experienced in ALS See the Personality
Characteristics of eir Patients”. Brain Behavior, vol. 7, n. 1, jan. 2017.
10 PENEDO, Frank J. et al. “Anger Suppression Mediates the Relationship Between Optimism and
Natural Killer Cell Cytotoxicity in Men Treated for Localized Prostate Cancer”. Journal of
Psychosomatic Research, vol. 60, n. 4, abr. 2006, pp. 423-7.
11 REICHE, Edna Maria Vissoci; NUNES, Sandra Odebrecht Vargas & MORIMOTO, Helena
Kaminami. “Stress, Depression, the Immune System, and Cancer”. e Lancet Oncology, vol. 5, n.
10, out. 2004, pp. 617-25. As autoras escrevem: “Esses conceitos poderiam explicar a maior
ocorrência de doenças linfáticas e hematológicas malignas e de melanomas vistos num grupo de
6.284 judeus israelenses que perderam um lho adulto. A incidência de câncer aumentava nos
pais das vítimas de acidente e de guerra, em comparação com os membros não enlutados da
população. Pais enlutados devido a acidentes também tinham um risco maior de câncer de
pulmão.”
12 LI, J. et al. “e Risk of Multiple Sclerosis in Bereaved Parents: A Nationwide Cohort Study in
Denmark”. Neurology, vol. 62, n. 5, 9 mar. 2004, pp. 726-9.
13 ROBERTS, A. et al. “PTSD Is Associated with Increased Risk of Ovarian Cancer: A Prospective
and Retrospective Longitudinal Cohort Study”. Cancer Research, vol. 79, n. 19, 1o out. 2019, pp.
5113-120. Disponível em: <https://doi.org/10.1158/0008-5472.CAN-19-1222>.
14 THEKAR, Premal H. et al. “Chronic Stress Promotes Tumor Growth and Angiogenesis in a Mouse
Model of Ovarian Carcinoma”. Nature Medicine, vol. 12, n. 8, 12 ago. 2006, pp. 939-44. Disponível
em: <https://doi.org/10.1038/nm1447>.
15 MOL, Saskia L. et al. “Symptoms of Post-Traumatic Stress Disorder Aer Non-Traumatic Events:
Evidence from an Open Population Study”. British Journal of Psychiatry, vol. 286, jun. 2005, pp.
494-9.
16 WEISS, S. “e Medical Student Before and Aer Graduation”. Journal of the American Medical
Association, vol. 114, 1940, pp. 1709-18.
17 Jeff Rediger, diretor de medicina no McLean Hospital, em Harvard, comunicação pessoal.
18 TAWAKOL, Ahmed et al. “Relation Between Resting Amygdalar Activity and Cardiovascular
Events: A Longitudinal and Cohort Study”. e Lancet, vol. 389, n. 10.071, 25 fev. 2017, pp. 834-45.
19 SLOPEN, N. et al. “Job Strain, Job Insecurity, and Incident Cardiovascular Disease in the Women’s
Health Study: Results from a 10-Year Prospective Study”. PLOS ONE, vol. 7, n. 7, 2012, e40512.
Disponível em: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0040512>.
20 FULLER-THOMSON, Esme et al. “e Link Between Childhood Sexual Abuse and Myocardial
Infarction in a Population-Based Study”. Child Abuse and Neglect, vol. 36, n. 9, set. 2012, pp. 656-
65. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/j.chiabu.2012.06.001>.
21 Por muito tempo diretor do laboratório de neuroendocrinologia Harold e Margaret Milliken, na
Universidade Rockefeller, e morto em 2020.
22 BAUMEISTER, D. et al. “Childhood Trauma and Adulthood In ammation: A Meta-Analysis of
Peripheral C-Reactive Protein, Interleukin-6 and Tumor Necrosis Factor-α”. Molecular Psychiatry,
vol. 21, n. 5, maio 2016, pp. 642-9.
1 ENGEL, George L. “e Clinical Application of the Biopsychosocial Model”. American Journal of
Psychology, vol. 137, n. 5, maio 1980, pp. 535-44.
2 Idem. “e Need for a New Medical Model: A Challenge for Biomedicine”. Science, vol. 196, n.
4286, 8 abr. 1977, pp. 129-36.
3 KOLK, Bessel van der. O corpo guarda as marcas: Cérebro, mente e corpo na cura do trauma. Rio de
Janeiro: Sextante, 2020, p. 96.
4 GRANT, Richard. “Do Trees Talk to Each Other?”. Smithsonian, mar. 2018. Disponível em:
<https://www.smithsonianmag.com/science-nature/the-whispering-trees-180968084>.
5 Professor de prática médica na Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em Los Angeles
(UCLA) e diretor-executivo do Mindsight Institute.
6 SIEGEL, Daniel. Pocket Guide to Interpersonal Neurobiology: An Integrative Handbook of the Mind.
Nova York: W. W. Norton, 2012, p. xviii.
7 “I’m on Fire” (1984), terceira estrofe.
8 Como na letra do seu clássico do rock ‘n’ roll, “Great Balls of Fire”.
9 JOHNSON, N. J. et al. “Marital Status and Mortality: e National Longitudinal Mortality Study”.
Annals of Epidemiology, vol. 10, n. 4, maio 2000, pp. 224-38.
10 COYNE, J. C. & DELONGIS, A. “Going Beyond Social Support: e Role of Social Relationships
in Adaptation”. Journal of Consulting and Clinical Psychology, vol. 54, n. 4, ago. 1986, pp. 454-60,
citado em ROBLES, T. E. & KIECOLT-GLASER, J. K. “e Physiology of Marriage: Pathways to
Health”. Physiology and Behavior, vol. 79, n. 3, ago. 2003, pp. 409-16.
11 “Existe uma quantidade bastante signi cativa de pesquisas que relacionam o con ito em
relacionamentos a diferentes tipos de reações siológicas, tais como uma maior liberação de
hormônios do estresse, in amação, mudanças na regulação do apetite e função imunológica”,
disse Veronica Lamarche, professora de psicologia social na Universidade de Essex. “A Bad
Marriage Can Seriously Damage Your Health, Say Scientists”. e Guardian, 16 jul. 2018.
Disponível em: <https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2018/jul/16/a-bad-marriage-is-as-
unhealthy-as-smoking-or-drinking-say-scientists>.
12 GOTTMAN, J. M. & KATZ, L. F. “Effects of Marital Discord on Young Children’s Peer Interaction
and Health”. Developmental Psychology, vol. 25, n. 3, 1989, pp. 373-81.
13 WEIL, Constance M. & WADE, Shari L. “e Relationship Between Psychosocial Factors and
Asthma Morbidity in Inner City Children with Asthma”. Pediatrics, vol. 104, n. 6, dez. 1999, pp.
1274-80.
14 YAMAMOTO, N. & NAGANO, J. “Parental Stress and the Onset and Course of Childhood
Asthma”. BioPsychoSocial Medicine, vol. 9, n. 7, mar. 2015. Disponível em:
<https://doi.org/10.1186/s13030-015-0034-4>.
15 COOGAN, P. F. et al. “Experiences of Racism and the Incidence of Adult-Onset Asthma in the
Black Women’s Health Study”. CHEST Journal, vol. 145, n. 3, mar. 2014, pp. 480-5.
16 SEEMAN, T. E. & MCEWEN, B. S. “Impact of Social Environment Characteristics on
Neuroendocrine Regulation”. Psychosomatic Medicine, vol. 58, n. 5, set.-out. 1996, pp. 459-71.
17 HUGHES, A. et al. “Elevated In ammatory Biomarkers During Unemployment: Modi cation by
Age and Country in the UK”. Epidemiology and Community Health, vol. 69, n. 7, jul. 2015, pp. 67-
79. Disponível em: <https://doi.org/10.1136/jech-2014-204404>.
18 BUTTERWORTH, P. et al. “e Psychosocial Quality of Work Determines Whether Employment
Has Bene ts for Mental Health: Results from a Longitudinal National Household Panel Survey”.
Occupational and Environmental Medicine, vol. 68, n. 11, nov. 2011, pp. 806-12. Disponível em:
<https://doi.org/10.1136/oem.2010.059030>.
19 HOLT-LUNSTAD, J. et al. “Social Relationships and Mortality Risk: A Meta-Analytic Review”.
PLOS Medicine, vol. 7, n. 7, 27 jul. 2010. Disponível em:
<https://doi.org/10.1371/journal.pmed.1000316>.
20 HANH, ich Nhat. Buddha Mind, Buddha Body. Berkeley, CA: Parallax Press, 2007, p. 25.
1 Seu nome de batismo em coreano, cuja pronúncia é “mi ôk”. Por ter sido criada nos Estados
Unidos, ela passou boa parte da vida sendo chamada de “Mandy”. Seu nome completo hoje é Mee
Oak Icaro, por motivos que vou explicar no capítulo 31, quando voltarmos a falar de sua
impressionante história (ver nota 6).
2 CROUSE, Karen. “Venus Williams Says She Struggled with Fatigue for Years”. e New York Times,
1o set. 2011.
3 AUTOIMMUNE Disease Rates Increasing. Medical News Today. Disponível em:
<https://www.medicalnewstoday.com/articles/246960.php>; BACH, Jean-François. “Why Is the
Incidence of Autoimmune Diseases Increasing in the Modern World?”. Endocrine Abstracts, vol.
16, S3.1, 2008.
4 VELASQUEZ-MANOFF, Moises. “Educate Your Immune System”. e New York Times, 3 jun.
2016.
5 KNAPTON, Sarah. “Crohn’s Disease in Teens Jumps 300 Percent in 10 Years Fuelled by Junk Food”.
e Telegraph, 18 jun. 2014.
6 BENCHIMOL, Eric I. et al. “Trends in Epidemiology of Pediatric In ammatory Bowel Disease in
Canada: Distributed Network Analysis of Multiple Population-Based Provincial Health
Administrative Databases”. American Journal of Gastroenterology, vol. 112, n. 7, jul. 2017, pp.
1120-34. Disponível em: <https://doi.org/10.1038/AJG.2017.97>.
7 RATTUE, Grace. “Autoimmune Disease Rates Increasing”. Medical News Today, 22 jun. 2012.
Disponível em: <https://www.medicalnewstoday.com/articles/246960.php>.
8 Robin McKie, “Global Spread of Autoimmune Disease Blamed on Western Diet”. e Guardian, 9
jan. 2022.
9 MANZEL, Arndt et al. “Role of ‘Western Diet’ in In ammatory Autoimmune Disease”. Current
Allergy and Asthma Reports, vol. 14, n. 1, jan. 2014, pp. 404. DOI: 10.1007/s11882-013-0404-6. (“A
associação entre dieta e o risco de desenvolver doenças in amatórias autoimunes já foi proposta
cinquenta anos atrás […] nenhuma associação de nitiva entre fatores alimentares e doenças
autoimunes foi rmemente estabelecida até hoje.”)
10 Nesse caso, nem todos os fatores desfavorecem as mulheres: em homens, a mesma doença tende a
ser mais grave, e tem maior probabilidade de ser fatal. PEOPLES, Christine. “Gender Differences
in Systemic Sclerosis: Relationship to Clinical Features, Serologic Status and Outcomes”. Journal of
Scleroderma and Related Disorders, vol. 1, n. 2, maio-ago. 2016, pp. 177-240.
11 ORTON, Sarah-Michelle et al. “Effect of Immigration on Multiple Sclerosis Sex Ratio in Canada:
e Canadian Collaborative Study”. Journal of Neurology, Neurosurgery and Psychiatry, vol. 81, n.
1, jan. 2010, pp. 31-6.
12 MAGYARI, Melinda. “Gender Differences in Multiple Sclerosis Epidemiology and Treatment
Response”. Danish Medical Journal, vol. 63, n. 3, mar. 2016.
13 BLACK, Paul H. “Stress and the In ammatory Response: A Review of Neurogenic In ammation”
Brain, Behavior, and Immunity, vol. 16, n. 6, dez. 2002, pp. 622-53.
14 FELDMAN, C. H. et al. “Association of Childhood Abuse with Incident Systemic Lupus
Erythematosus in Adulthood in a Longitudinal Cohort of Women”. Journal of Rheumatology, vol.
46, n. 12, dez. 2019, pp. 1589-96.
15 COELHO, R. et al. “Childhood Maltreatment and In amatory Markers: A Systematic Review”.
Acta Psychiatrica Scandinavica, vol. 129, n. 3, mar. 2014, pp. 180-92; HUANG Song et al.
“Association of Stress-Related Disorders with Subsequent Autoimmune Disease”. Journal of the
American Medical Association, vol. 319, n. 23, 19 jun. 2018, pp. 2388-400.
16 Por exemplo, a proteína C-reativa (PCR).
17 DANESE, Andrea et al. “Childhood Maltreatment Predicts Adult In ammation in a Life-Course
Study”. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, vol. 104, n.
4, 23 jan. 2007, pp. 1319-24.
18 SOLOMON George F. & MOOS, Rudolf H. “e Relationship of Personality to the Presence of
Rheumatoid Factor in Asymptomatic Relatives of Patients with Rheumatoid Arthritis”.
Psychosomatic Medicine, vol. 27, n. 4, jul. 1965, pp. 350-60.
19 ROBINSON, C. E. G. “Emotional Factors and Rheumatoid Arthritis”. Canadian Medical
Association Journal, vol. 77, n. 4, 15 ago. 1957, pp. 344-5.
20 ZAUTRA, Alex J. et al. “Examination of Changes in Interpersonal Stress as a Factor in Disease
Exacerbations Among Women with Rheumatoid Arthritis”. Annals of Behavioral Medicine, vol. 19,
n. 3, 1997, pp. 279-86.
21 Ver capítulo 27.
22 PHILIPPOPOULOS, G. S. et al. “e Etiologic Signi cance of Emotional Factors in Onset and
Exacerbations of Multiple Sclerosis”. Psychosomatic Medicine, vol. 20, n. 6, nov. 1958, pp. 458-73.
23 MEI-TAL, Varda et al. “e Role of Psychological Process in a Somatic Disorder: Multiple
Sclerosis”. Psychosomatic Medicine, vol. 32, n. 1, jan.-fev. 1970, pp. 67-85.
24 RANKLIN, Gary M. et al. “Stress and Its Relationship to Acute Exacerbations in Multiple
Sclerosis”. Journal of Neurologic Rehabilitation, vol. 2, n. 1, 1o mar. 1988, pp. 7-11.
25BRIONES, L. et al. “e In uence of Stress and Psychosocial Factors in Multiple Sclerosis: A
Review”, apresentação em congresso. Em: Psychotherapy and Psychosomatics, vol. 82, supl. 1, set.
2013, pp. 1-134.
26 “No último meio século, a prevalência de doenças autoimunes […] aumentou de forma acentuada
no mundo desenvolvido”, relatou Moises Velasquez-Manoff. “Muitas, como o diabetes tipo 1 e a
doença celíaca, estão vinculadas a variantes especí cas de genes do sistema imunológico, o que
sugere um forte componente genético. Mas sua prevalência aumentou bem mais depressa em duas
ou três gerações do que é provável a carga genética humana ter se modi cado. Muitas teorias
foram propostas para o aumento acentuado de casos autoimunes, entre elas a chamada hipótese
da higiene. Segundo essa ideia, a industrialização e a prosperidade levaram a estilos de vida que
impedem os seres humanos de serem expostos a micro-organismos que teriam treinado nosso
sistema imunológico a ser mais resistente e resiliente. A implicação é que, ao retardar a exposição
a infecções outrora comuns, as melhorias na higiene da sociedade podem aumentar a prevalência
de doenças autoimunes.” VELASQUEZ-MANOFF, Moises, “Educate Your Immune System”. e
New York Times, 5 jun. 2016. Até onde sabemos, talvez haja alguma verdade nessa visão, mas ela
certamente não é capaz de explicar o aumento radical ocorrido em poucas décadas. Terá a
situação de higiene das mulheres dinamarquesas de fato se modi cado tanto assim nos últimos 25
anos?
27 HUANG Song et al. “Association of Stress-Related Disorders with Subsequent Autoimmune
Disease”. Journal of the American Medical Association, vol. 319, n. 23, 19 jun. 2018, pp. 2388-400.
28 ISRS signi ca “inibidores seletivos da recaptação da serotonina”, ou seja, esses remédios
bloqueiam a recaptação do mensageiro químico cerebral chamado serotonina pelos neurônios.
29 HARPAZ, Idam et al. “Chronic Exposure to Stress Predisposes to Higher Autoimmune
Susceptibility in C57BL/6 Mice: Glucocorticoids as a Double-Edged Sword”. European Journal of
Immunology, vol. 43, n. 3, mar. 2013, pp. 258-769.
30 As notáveis diferenças de gênero, bem como as disparidades raciais da doença autoimune são
tratadas nos capítulos 22 e 23.
31 TALBOT, Deborah. “What’s It Like Living with Lupus”. Elemental, 13 jul. 2018. Disponível em:
<https://elemental.medium.com/what-its-like-living-with-lupus-8d0c2efcbe5e>.
32 Evidentemente, no caso de um agente externo como o novo coronavírus, estamos diante de um
desa o totalmente distinto. Mesmo nesse caso, porém, fatores internos e condições sociais têm um
papel fundamental na vulnerabilidade das pessoas à infecção.
1 Desde nossa primeira entrevista, a autora e ativista mudou seu nome para V, abrindo mão do
nome e sobrenome que lhe tinham sido dados pelo pai estuprador, por cujo legado ela não deseja
ser de nida. Daqui em diante neste livro, vamos honrar isso.
2 Exceto os casos de algumas malignidades especí cas, nenhuma descoberta importante foi feita
para a cura e a prevenção do câncer. Pouco mudou desde que Gina Kolata noticiou, em 2009, que
em mais de meio século as taxas de mortalidade por câncer “mal haviam se movido”, caindo
apenas 5% entre 1950 e 2005. Os maiores progressos foram resultado da cessação do tabagismo,
não de avanços médicos propriamente ditos. KOLATA, Gina. “Advances Elusive in the Drive to
Cure Cancer”. e New York Times, 21 abr. 2009.
3 MATÉ, Gabor. When the Body Says No: e Cost of Hidden Stress. Toronto: Knopf Canada, 2003,
cap. 18; publicado nos EUA com o subtítulo Exploring the Stress-Disease Connection.
4 KELLY-IRVING, Michelle et al. “Childhood Adversity as a Risk for Cancer: Findings from the
1958 British Birth Cohort Study”. BMC Public Health, vol. 13, n. 1, 19 ago. 2013, p. 767. Disponível
em: <https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/1471-2458-13-767>.
5 HARRIS, Holly R. et al. “Early Life Abuse and Risk of Endometriosis”. Human Reproduction, vol. 3,
n. 9, set. 2018, pp. 1657-68.
6 Lembre também a conexão entre sintomas de TEPT e câncer de ovário (capítulo 2).
7 WATSON, M. et al. “In uence of Psychological Response on Breast Cancer Survival: 10-Year
Follow-Up of a Population-Based Cohort”. European Journal of Cancer, vol. 41, n. 12, ago. 2005,
pp. 1710-4.
8 GIESE-DAVIS, Janine et al. “Decrease in Depression Symptoms Is Associated with Longer Survival
in Patients with Metastatic Breast Cancer”. Journal of Clinical Oncology, vol. 29, n. 4, 1o fev. 2011,
pp. 413-20.
9 Esse estudo sobre o câncer de colo do útero é citado em GOLDBERG, Jane G. (org.).
Psychotherapeutic Treatment of Cancer Patients. Nova York: Routledge, 1990, p. 45.
10 PENEDO, Frank J. et al. “Anger Suppression Mediates the Relationship Between Optimism and
Natural Killer Cell Cytotoxicity in Men Treated for Localized Prostate Cancer”. Journal of
Psychosomatic Research, vol. 60, n. 4, abr. 2006, pp. 423-7.
11 COKER, Ann L. et al. “Stress, Coping, Social Support, and Prostate Cancer Risk Among Older
African American and Caucasian Men”. Ethnicity and Disease, vol. 16, n. 4, out. 2006, pp. 978-87.
12 Professor de medicina e psiquiatria e de ciências comportamentais na Escola de Medicina da
UCLA.
13 O’ROURKE, Meghan. “What’s Wrong with Me?”. e New Yorker, 19 ago. 2013.
14 MCDONALD, Paige Green et al. “A Biobehavioral Perspective of Tumor Biology”. Discovery
Medicine, vol. 5, n. 30, dez. 2005, pp. 520-6.
15 SMITHERS, David. “Cancer: An Attack on Cytologism”. e Lancet, vol. 279, n. 7228, 10 mar.
1962, pp. 493-9.
1 SONTAG, Susan. Illness as Metaphor and AIDS and Its Metaphors. Nova York: Picador, 2001, p. 55.
O ensaio foi publicado originalmente no periódico e New York Review of Books em 1978.
2 COTT, Jonathon. Susan Sontag: e Complete Rolling Stone Interview. New Haven: Yale University
Press, 2013. A entrevista original foi publicada em outubro de 1979.
3 ANGELL, Marcia. “Disease as a Re ection of the Psyche”. New England Journal of Medicine, vol.
312, 13 jun. 1985, pp. 1570-2.
4 FROM IRRITATED to Enraged: Anger’s Toxic Effect on the Heart. Harvard Heart Health, 6 dez.
2014. Disponível em: <https://www.health.harvard.edu/heart-health/from-irritated-to-enraged-
angers-toxic-effect-on-the-heart>.
5 TOFLER, Geoffrey H. et al. “Triggering of Acute Coronary Occlusion by Episodes of Anger”.
European Heart Journal: Acute Cardiovascular Care, fev. 2015. Disponível em:
<https://doi.org/10.1177/2048872615568969>.
6 KEEP Calm, Anger Can Trigger a Heart Attack!. ScienceDaily, 24 fev. 2015. Disponível em:
<https://www.sciencedaily.com/releases/2015/02/150224083819.htm>.
7 À época diretora do Programa de Medicina Comportamental da Faculdade de Medicina da
Universidade de Maryland.
8 Na verdade Temoshok estava descrevendo traços de personalidade, não uma “personalidade”
completa; mais é dito adiante sobre essa percepção equivocada de suas ideias.
9 Cito isso ipsis litteris a partir de um relato em primeira pessoa do diagnóstico de câncer de mama
recebido por uma mulher de Montreal e publicado no e Globe and Mail. Não tenho mais a data
do artigo, publicado em algum momento entre 2004 e 2007. Essa é exatamente a dinâmica
observada por Lydia Temoshok.
10 KNEIER, Andrew W. & TEMOSHOK, Lydia. “Repressive Coping Reactions in Patients with
Malignant Melanoma as Compared to Cardiovascular Disease Patients”. Journal of Psychosomatic
Research, vol. 28, n. 2, 1984, pp. 145-55. Disponível em: <https://doi.org/10.1016/0022-
3999(84)90008-4>.
11 GROSS, James J. & LEVENSON, Robert W. “Emotional Suppression: Physiology, Self-Report, and
Expressive Behavior”. Journal of Personality and Social Psychology, vol. 64, n. 6, jun. 1993, pp. 970-
86.
12 Eu assinava uma coluna sobre medicina no e Globe and Mail, e era colaborador frequente nas
páginas de editorial.
13 Os nomes verdadeiros foram citados na coluna; mudei-os aqui para uma proteção adicional da
privacidade. Tirando isso, o obituário é citado ipsis litteris.
14 TEMOSHOK, Lydia. Cartas ao editorial, e New York Times, 6 set. 1992.
15 Fevereiro de 2021.
16 SONTAG, Susan. Em: RIEFF, David (org.). As Consciousness Is Harnessed to Flesh: Journals and
Notebooks, 1964-1980. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2012, p. 313.
1 KOHN, Al e. No Contest: e Case Against Competition, ed. rev. Boston: Houghton Mifflin, 1992,
p. 13.
2 SAHLINS, Marshall. e Western Illusion of Human Nature. Chicago: Prickly Paradigm Press,
2008; citado por NARVAEZ, Darcia. “Are We Losing It? Darwin’s Moral Sense and the Importance
of Early Experience”. Em: JOYCE, Richard (org.). e Routledge Handbook of Evolution and
Philosophy. Nova York: Routledge, 2017, p. 328.
3 FORBES, Jack D. Columbus and Other Cannibals: e Wétiko Disease of Exploitation, Imperialism,
and Terrorism. Nova York: Seven Stories Press, 1992, p. 49.
4 E, mais recentemente, autor de Comporte-se: A biologia humana em nosso melhor e pior.São Paulo:
Companhia das Letras, 2021.
5 ANSERMET, François & MAGISTRETTI, Pierre. Biology of Freedom: Neural Plasticity, Experience,
and the Unconscious. Nova York: Other Press, 2007, p. 8.
6 Hominídeos: todos os grandes primatas, que incluem os humanos e também os gorilas, bonobos e
chimpanzés; hominínios: espécies consideradas humanas ou antepassadas diretas dos humanos.
7 LIEDLOFF, Jean. e Continuum Concept: In Search of Happiness Lost, ed. rev. Boston: Da Capo
Press, 1975, p. 24, grifo do original.
8 “Todos os seres humanos provavelmente viviam em bandos como esses no mínimo até poucas
dezenas de milhares de anos atrás, e provavelmente muitos ainda o faziam até tão recentemente
quanto 11 mil anos atrás.” DIAMOND, Jared. O mundo até ontem: O que podemos aprender com as
sociedades tradicionais. Rio de Janeiro: Record, 2014.
9 WAAL, Frans. A era da empatia: Lições da natureza para uma sociedade mais gentil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
1 VERNY, omas. Pre-Parenting. Nova York: Simon and Schuster, 2003, pp. 159-60.
2 No documentário Zeitgeist III: Moving Forward, de 2011, com direção de Peter Joseph.
3 No documentário In Utero, de 2016, dirigido por Kathleen Man Gyllenhaal.
4 TARKIAN, Laurie. “Tracking Stress and Depression Back to the Womb”. e New York Times, 4
dez. 2004.
5 LEBEL, Catherine et al. “Prepartum and Postpartum Maternal Depressive Symptoms Are Related
to Children’s Brain Structure in Preschool”. Biological Psychiatry, vol. 80, n. 11, 1o dez. 2016, pp.
859-68.
6 BUSS, Claudia et al. “High Pregnancy Anxiety During Mid-Gestation Is Associated With
Decreased Gray Matter Density in 6-9-Year-Old Children”. Psychoneuroimmunology, vol. 35, n. 1,
jan. 2010, pp. 141-53.
7 KINNEY, D. et al. “Prenatal Stress and Risk for Autism”. Neuroscience and Biobehavioral Reviews,
vol. 32, n. 8, out. 2008, pp. 1519-32.
8 ENTRINGER, Sonja et al. “Fetal Programming of Body Composition, Obesity, and Metabolic
Function: e Role of Intrauterine Stress and Stress Biology”. Journal of Nutrition and Metabolism,
vol. 2012, publicado na internet em 10 maio 2012. Disponível em:
<https://doi.org/10.1155/2012/632548>.
9 ENTRINGER, Sonja et al. “Prenatal Stress, Development, Health and Disease Risk: A
Psychobiological Perspective”. Psychoneuroendocrinology, vol. 62, dez. 2015, pp. 366-75.
10 ENTRINGER, Sonja et al. “Stress Exposure in Intrauterine Life Is Associated With Shorter
Telomere Length in Young Adulthood”. Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 108,
n. 33, 16 ago. 2011.
11 GOLDSTEIN, Jill M. “Impact of Prenatal Maternal Cytokine Exposure on Sex Differences in Brain
Circuitry Regulating Stress in Offspring 45 Years Later”. Proceedings of the National Academy of
Sciences, vol. 118, n. 15, 13 abr. 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1073/pnas.2014464118>.
12 ZIJLMAN, Maartie et al. “Maternal Prenatal Stress Is Associated With the Infant Intestinal
Microbiota”. Psychoneuroendocrinology, vol. 53, mar. 2015, pp. 233-45.
13 LIU, C. et al. “Prenatal Parental Depression and Preterm Birth: A National Cohort Study”. BJOG:
An International Journal of Obstetrics and Gynecology, vol. 123, n. 12, nov. 2016, pp. 1973-82.
Disponível em: <https://doi.org/10.1111/1471-0528.13891>.
14 FETAL Scans Con rm Maternal Stress Affects Babies’ Brains. MediBulletin Bureau, 27 mar. 2018.
Disponível em: <https://medibulletin.com/fetal-scans-con rm-maternal-stress-affects-babies-
brains/>.
15 PERERA, Frederica P. et al. “Prenatal Polycyclic Aromatic Hydrocarbon (PAH) Exposure and
Child Behavior at Age 6-7 Years”. Environmental Health Perspectives, vol. 120, n. 6, 1o jun. 2012,
pp. 921-6.
16 ALLEN, Jane E. “Prenatal Pollutants Linked to Later Behavioral Ills”. ABC News, 12 mar. 2012.
Disponível em: <https://abcnews.go.com/Health/w_ParentingResource/prenatal-pollutants-
linked-childhood-anxiety-adhd/story?id=15974554>
17 É claro que a poluição afeta praticamente todo mundo, por meio de substâncias químicas em
nossos alimentos e no entorno cotidiano cujos efeitos ainda não foram adequadamente
investigados, quando foram. As notícias das quais dispomos estão longe de ser tranquilizadoras,
uma vez que um grande número de substâncias químicas potencialmente prejudiciais foi
identi cado em amostras de sangue de cordões umbilicais tanto no Canadá quanto nos EUA,
assim como na Europa e na Ásia. Além disso, numa sociedade sã, não caberia a pesquisadores
sub nanciados provar que determinadas substâncias químicas são prejudiciais para fetos, crianças
e adolescentes: caberia a quem introduz essas substâncias em nosso ar, solo, cadeia alimentar e na
própria corrente sanguínea das gestantes mostrar que não.
18 Ver, por exemplo, SOMÉ, Malidoma Patrice. Ritual, Magic and Initiation in the Life of an African
Shaman. Nova York: G. P. Putnam’s Sons, 1994, p. 20. Ver também o documentário What Babies
Want. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-3mtFRjEVWc>.
1 Comunicação pessoal do célebre obstetra francês autor de Childbirth and the Evolution of Homo
Sapiens (O parto e a evolução do Homo sapiens), entre outros títulos.
2 MCDONALD, Susan J. et al. “Effect of Timing of Umbilical Cord Clamping of Term Infants on
Maternal and Neonatal Outcomes”. Cochrane Database of Systemic Reviews, vol. 7, 11 jul. 2013.
Disponível em: <https://doi.org/10.1002/14651858.CD004074.pub3>.
3 FADIMAN, Anne. e Spirit Catches You and You Fall Down: A Hmong Child, Her American
Doctors, and the Collision of Two Cultures. Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 2012, p. 74.
4 Ver, por exemplo, KLEIN, Michael et al. “Relationship of Episiotomy to Perineal Trauma and
Morbidity, Sexual Dysfunction, and Pelvic Floor Relaxation”. American Journal of Obstetrics and
Gynecology, vol. 171, n. 3, out. 1994, pp. 591-8.
5 BOERMA, Ties et al. “Global Epidemiology of Use of and Disparities in Caesarean Sections”.
Lancet, vol. 392, n. 10.155, out. 2018, pp. 1341-8.
6 Ibidem.
7 OBSTETRIC CARE CONSENSUS. “Safe Prevention of the Primary Cesarean Delivery”. Obstetrics
and Gynecology, vol. 123, n. 3, mar. 2014, pp. 693-711.
8 Citado por SUAREZ, Suzanne Hope. “Midwifery Is Not the Practice of Medicine”. Yale Journal of
Law and Feminism, vol. 5, n. 2, 1992.
9 BUCKLEY, Sarah J. “Hormonal Physiology of Childbearing: Evidence and Implications for
Women, Babies, and Maternity Care”, Childbirth Connection Programs, National Partnership for
Women and Families, Washington, jan. 2015.
10 Além de um pânico em relação a processos e altas indenizações de seguro no litigioso sistema
americano.
11 STANGER-ROSS, Ilana. A Is for Advice: e Reassuring Kind. Nova York: William Morrow, 2019,
pp. 23-4.
12 BUCKLEY, Sarah J. “Hormonal Physiology of Childbearing”: Evidence and Implications for
Women, Babies, and Maternity Care”, Childbirth Connection Programs, National Partnership for
Women and Families, Washington, D.C., janeiro de 2015.
13 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. “Evidence Shows Signi cant Mistreatment of Women
During Childbirth”, release de imprensa, 9 out. 2019. Disponível em:
<https://www.who.int/news/item/09-10-2019-new-evidence-shows-signi cant-mistreatment-of-
women-during-childbirth>.
14 FEITH, Jesse. “Indigenous Woman Records Slurs by Hospital Staff Before Her Death”. Montreal
Gazette, 30 set. 2020. Disponível em: <https://montrealgazette.com/news/local-news/indigenous-
woman-who-died-at-joliette-hospital-had-recorded-staffs-racist-comments>.
15 LIEDLOFF, Jean. e Continuum Concept: In Search of Happiness Lost, ed. rev. Boston: Da Capo
Press, 1985 [1975], p. 58.
16 Essa enfermeira ansiosa e eu nos tornamos anos depois colegas muito chegados na sala de
trabalho de parto do Hospital da Mulher da Colúmbia Britânica.
1 OSTER, Emily. “e Data All Guilt-Ridden Parents Need”. e New York Times, 19 abr. 2019.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2019/04/19/opinion/sunday/baby-breastfeeding-sleep-
training.html>. (Publicado como “Baby’s First Data” na edição impressa de 20 de abril.)
2 DEMAUSE, Lloyd (org.). e History of Childhood: e Untold Story of Child Abuse. Nova York:
Peter Bedrick Books, 1988, p. 53.
3 PETERSON, Jordan B. 12 regras para a vida: Um antídoto para o caos. Rio de Janeiro: Alta Books,
2018.
4 MONTAGU, Ashley. Touching: e Human Signi cance of Skin. Nova York: Harper and Row, 1986,
p. 296.
5 WINNICOTT, D. W. Da pediatria à psicanálise: Escritos reunidos. São Paulo: Ubu Editora, 2021.
6 MONTAGU, Ashley. Touching, p. 42.
7 RICH, Adrienne. Of Woman Born: Motherhood as Experience and Institution. Nova York: W. W.
Norton, 1995, p. 31.
8 STRATHEARN, Lane et al. “What’s in a Smile? Maternal Brain Responses to Infant Facial Clues”.
Pediatrics, vol. 122, n. 1, jul. 2008, pp. 40-51.
9 KENNELL, John H. et al. “Maternal Behavior One Year Aer Early and Extended Post-Partum
Contact”. Developmental Medicine and Child Neurology, vol. 16, n. 2, abr. 1974, pp. 172-9.
10 NARVAEZ, Darcia. Neurobiology and the Development of Human Morality: Evolution, Culture, and
Wisdom. Nova York: W. W. Norton, 2014, pp. 29-30.
11 Eu me retraí quando ela mencionou a circuncisão, procedimento que eu próprio costumava
realizar e que, no contexto da América do Norte, não apresenta qualquer benefício para a saúde e
demonstrou-se causar sofrimento para a criança, sobretudo na forma medicalizada que fui
treinado para praticar.
12 LIEDLOFF, Jean. e Continuum Concept: In Search of Happiness Lost, ed. rev. Boston: Da Capo
Press, 1985 [1975], p. 97.
13 Como documentado, por exemplo, por Charles C. Mann em seu livro campeão de vendas 1491:
Novas revelações das Américas antes de Colombo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007.
14 SCHIFF, Stacy. As bruxas: Intriga, traição e histeria em Salem. Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
15PETERSON, Jordan R. 12 regras para a vida.
16SAGE, Robert D. & SIEGEL, Benjamin S. “Effective Discipline to Raise Healthy Children”.
Pediatrics, vol. 142, n. 6, dez. 2018.
17 AGGARWAL-SCHIFELLITE, Manisha. “How Spanking May Affect Brain Development in
Children”. Harvard Gazette, 12 abr. 2021. Disponível em:
<https://news.harvard.edu/gazette/story/2021/04/spanking-children-may-impair-their-brain-
development/>.
18 BREASTFEEDING: Achieving the New Normal. e Lancet, vol. 387, 30 jan. 2016, p. 404.
19 Só para esclarecer, o comentário de Feldman-Winter relativo aos antivacina foi antes da pandemia
de covid-19.
20 MCEWEN, Craig A. & MCEWEN, Bruce S. “Social Structure, Adversity, Toxic Stress, and
Intergenerational Poverty: An Early Childhood Model”. Annual Review of Sociology, vol. 43, n. 1,
ago. 2017, pp. 445-72.
21 SCHORE, Allan. Affect Regulation and the Origin of the Self: e Neurobiology of Emotional
Development. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates, 1994, p. 378.
22 MILLER, Claire Cain. “e Relentlessness of Modern Parenting”. e New York Times, 25 dez.
2018, caderno A1.
23 OSTER, Emily. “Don’t Worry, Baby”. e New Yorker, 3 jun. 2019.
24 BRYANT, Miranda. “‘I Was Risking My Life’: Why One in Four US Women Return to Work Two
Weeks Aer Childbirth”. e Guardian, 27 jan. 2020.
25 Por exemplo, ratos desmamados apenas uma semana antes do período de nido pela natureza têm
mais probabilidade de se habituarem ao consumo de álcool quando adultos.
26 TURNBULL, Colin M. e Forest People. Londres: Chatto and Windus, 1961, p. 113.
27 NARVAEZ, Darcia. “Allomothers: Our Evolved Support Systems for Mothers”. Psychology Today,
12 maio 2019. Disponível em: <hhttps://www.psychologytoday.com/ca/blog/moral-
landscapes/201905/allomothers-our-evolved-support-system-mothers>.
28 NBC News, 15 maio 2020.
29 PUTNAM, Robert D. Bowling Alone: e Collapse and Revival of the American Community. Nova
York: Simon and Schuster, 2000, p. 27.
30 RICH, Adrienne. Of Woman Born, pp. 53-4.
31 Por volta do nal do seu mandato, “Ike” fez um famoso alerta sobre o “complexo militar-
industrial”.
1 MUKHERJEE, Siddhartha. “How Epigenetics Can Blur the Line Between Nature and Nurture”. e
New Yorker, 2 maio 2016.
2 KERR, Michael E. & BOWEN, Murray. Family Evaluation: An Approach Based on Bowen eory.
Nova York: W. W. Norton, 1988, p. 30.
3 Aclamada série da HBO da qual Dunham foi tanto criadora quanto protagonista.
4 MERTON, omas. A montanha dos sete patamares. Rio de Janeiro: Petra, 2014.
5 FROMM, Erich. e Sane Society. Nova York: Henry Holt, 1955, p. 79.
6 HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Biblioteca Azul, 2014.
7 Citada em MCAFEE, Noelle. Julia Kristeva. Nova York: Routledge, 2004, p. 108.
8 MERTON, omas. A montanha dos sete patamares.
9 POSTMAN, Neil. Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. Nova
York: Penguin Books, 2008, p. 128.
10 KLEIN, Ezra. “Noam Chomsky’s eory of the Good Life”. e Ezra Klein Show, 23 abr. 2021.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2021/04/23/opinion/ezra-klein-podcast-noam-
chomsky.html>.
1 Trecho de um artigo publicado no e New York Times por essa prolí ca jornalista e editora, ela
mesma ex-dependente. SZALAVITZ, Maia. “Can You Get Over an Addiction?”. e New York
Times, 25 jun. 2016.
2 É claro que essa investigação não precisa se dedicar exclusivamente a identi car as origens da
dependência: qualquer pessoa que manifeste alguns dos sinais de ferida do desenvolvimento
abordados neste livro, dos brandos aos severos, sejam eles mentais ou físicos, pode se bene ciar
de uma autoinvestigação compassiva das próprias histórias perturbadoras.
3 s marcas de uísque do Tennessee George Dickel, Jack Daniel’s e Jim Beam.
4 FELITTI, Vincent J. et al. “e Relationship of Adult Health Status to Childhood Abuse and
Household Dysfunction”. American Journal of Preventive Medicine, vol. 14, 1998, pp. 245-58.>
5 FELITTI, Vincent J. & ANDA, Robert. “e Lifelong Effects of Adverse Childhood Experiences”,
cap. 10. Em: Chadwick’s Child Maltreatment: Sexual Abuse and Psychological Maltreatment, vol. 2.
St. Louis, MO: STM Learning, 2014, p. 207.
6 BRODY, Gene H. et al., “Parenting Moderates a Genetic Vulnerability Factor in Longitudinal
Increases in Youths’ Substance Use”. Journal of Consulting and Clinical Psychology Association, vol.
77, n. 1, fev. 2009, pp. 1-11; entre outros estudos, como SOLINAS, Marcello et al. “Prevention and
Treatment of Drug Addiction by Environmental Enrichment”. Progress in Neurobiology, vol. 92, n.
4, dez. 2010, pp. 572-92.
7 Ou o que Jaak Panksepp identi cou como o aparato cerebral do BUSCAR.
8 Citei essa a rmação de Perry pela primeira vez no meu livro sobre dependência, In the Realm of
Hungry Ghosts.
9 DINES, Gail. Pornland: How Porn Has Hijacked Our Sexuality. Boston: Beacon Press, 2010, p. 57.
10 PANKSEPP, Jaak et al. “e Role of Brain Emotional Systems in Addictions: A Neuro-
Evolutionary Perspective and New ‘Self-Report’ Animal Model”. Addiction, vol. 97, n. 4, maio
2002, pp. 459-69.
11 COZOLINO, Louis. e Neuroscience of Human Relationships: Attachment and the Developing
Social Brain. Nova York: W. W. Norton, 2006, p. 115.
17. UM MAPA IMPRECISO DA NOSSA DOR: ONDE ERRAMOS EM RELAÇÃO À DOENÇA MENTAL
1 SELYE, János. e Stress of Life, ed. rev. Nova York: McGraw-Hill, 1978, p. 370.
2 Capítulos 2 e 3.
3 HARVANEK, Zachary M. et al. “Psychological and Biological Resilience Modulates the Effects of
Stress on Epigenetic Aging”. Translational Psychiatry, vol. 11, 2021. Disponível em:
<https://doi.org/10.1038/s41398-021-01735-7>.
4 DE KLOET, E. R. “Corticosteroids, Stress, and Aging”. Annals of the New York Academy of Sciences,
vol. 663, 1992, pp. 357-71.
5 HARARI, Yuval Noah. Sapiens: Uma breve história da humanidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 2020.
6 Entrevista para a BBC, “Blair Calls for Lifestyle Change”, 2006, citada em SCHRECKER, Ted &
BAMBRA, Clare. How PoliticsMakes Us Sick: Neoliberal Epidemics. Nova York: Palgrave
Macmillan, 2015, p. 29.
7 INMAN, Phillip. “IMF Boss Says Global Economy Risks Return of Great Depression”. e
Guardian, 17 jan. 2020.
8 LAO, David. “Almost 9 out of 10 Canadians Feel Food Prices Are Rising Faster an Income:
Survey”. Global News, 16 dez. 2019.
9 VANCITY, “Report: B.C. Women Are Financially Stressed, Stretched and Under-Resourced”,
release, 17 mar. 2018, baseado no estudo feito na província “Money Troubled: Inside B.C.’s
Financial Health Gender Gap”.
10 Embora o termo “neoliberalismo” seja hoje empregado sobretudo pelos críticos da erosão dos
programas sociais, do poder crescente das corporações, de sua ideologia do laissez-faire e de sua
in uência sobre os governos no capitalismo avançado, ele foi cunhado nos anos 1930 por
destacados defensores dessas políticas. Meu uso desse termo não é por si só nem crítico, nem
elogioso: ele remete a uma realidade objetiva cujos impactos sobre a saúde estamos investigando.
11 SCHRECKER, Ted & BAMBRA, Clare. How Politics Makes Us Sick, p. 42.
12 SAUL, John Ralston. “e Collapse of Globalism”. Harper’s, mar. 2004.
13 FARESJÖ, Ashild et al. “Higher Perceived Stress But Lower Cortisol Levels Found Among Young
Greek Adults Living in a Stressful Social Environment in Comparison With Swedish Young
Adults”. PLoS ONE, vol. 8, n. 9, 16 dez. 2013. Disponível em:
<https://doi.org/10.1371/journal.pone.0073828>.
14 Para deixar bem claro: tanto níveis de cortisol cronicamente aumentados quanto reduzidos
assinalam um esforço excessivo do aparato de estresse do corpo; o primeiro revela sua ativação
excessiva, o segundo seu enfraquecimento.
15 LUPIEN, Sonia J. et al. “Child’s Stress Hormone Levels Correlate With Mother’s Socioeconomic
Status and Depressive State”. Biological Psychiatry, vol. 48, n. 10, 15 nov. 2000, pp. 976-80.
16 BERNARD, Tara Siegel & RUSSELL, Karl. “e Middle-Class Crunch: A Look at 4 Family
Budgets”. e New York Times, 3 out. 2019.
17 DAVIS, Wade. “e Unravelling of America”. Rolling Stone, 6 ago. 2020. Disponível em:
<https://www.rollingstone.com/politics/political-commentary/covid-19-end-of-american-era-
wade-davis-1038206/>.
18 BERMAN, Morris. e Twilight of American Culture. Nova York: W. W. Norton, 2001, pp. 64-5.
19 BERNARD, Tara Siegel & RUSSELL, Karl. “e Middle-Class Crunch”.
20 GALLO, William T. et al. “Involuntary Job Loss as a Risk Factor for Subsequent Myocardial
Infarction and Stroke: Findings From the Health and Retirement Survey”. American Journal of
Industrial Medicine, vol. 45, n. 5, maio 2004, pp. 408-16; e GALLO, William T. et al. “e Impact
of Late Career Job Loss on Myocardial Infarction and Stroke: A 10 Year Follow Up Using the
Health and Retirement Survey”. Journal of Occupational and Environmental Medicine, vol. 63, n.
10, out. 2006, pp. 683-7.
21 DUPRE, Matthew E. et al. “e Cumulative Effect of Unemployment on Risks for Acute
Myocardial Infarction”. Archives of Internal Medicine, vol. 172, n. 22, dez. 2012, pp. 1.731-7.
22 UCHITELLE, Louis. “Job Insecurity of Workers Is a Big Factor in Fed Policy”. e New York Times,
27 fev. 1997.
23 SCHRECKER, Ted & BAMBRA, Clare. How Politics Makes Us Sick, p. 53.
24 STEIN, Ben. “In Class Warfare, Guess Which Class Is Winning”. e New York Times, 26 nov.
2006. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2006/11/26/business/yourmoney/26every.html>.
25 MARCHESE, David. “Ben and Jerry’s Radical Ice Cream Dreams”. e New York Times, 29 jul.
2020.
26 STIGLITZ, Joseph E. e Price of Inequality: How Today’s Divided Society Endangers Our Future.
Nova York: W. W. Norton, 2013, pp. xlviii–xlix.
27 NEATE, Rupert. “Billionaires’ Wealth Rises to $10.2 Trillion Amid Covid Crisis”. e Guardian, 7
out. 2020.
28 Conselho editorial do Star, “Billionaires Get Richer While Millions Struggle. ere’s a Lot Wrong
With is Picture”, e Toronto Star, 21 set. 2020.
29 xtensamente divulgada, por exemplo, no e New York Times, na e New Yorker e em muitas
outras publicações, sem falar na literatura acadêmica.
30 GILENS, Martin & PAGE, Benjamin I. “Testing eories of American Politics: Elites, Interest
Groups, and Average Citizens”, Perspectives on Politics, vol. 12, n. 3, set. 2014, pp. 564-81.
31 KRUGMAN, Paul. “Why Do the Rich Have So Much Power?”, e New York Times, 8 jul. 2020.
32 Um amigo escocês opinou que, ao publicar isso, o e New York Times estava fazendo um elogio
ao presidente americano.
33 REID, James. Alienation. University of Glasgow Publications, 1972, p. 5.
1 BROOKS, David. “Our Pathetic Herd Immunity Failure”. e New York Times, 6 maio 2021.
2 MARX, Karl. Economic and Philosophical Manuscripts. Em: FROMM, Erich. Marx’s Concept of
Man. Londres: Continuum, 2004, p. 83.
3 ALEXANDER, Bruce. e Globalization of Addiction: A Study in Poverty of the Spirit. Nova York:
Oxford University Press, 2008, p. 58.
4 Alexander reconhece o economista húngaro-americano Karl Polanyi como o primeiro a ter usado
o conceito de deslocamento social, em sua obra A grande transformação, de 1944.
5 Como no muito elogiado livro de 2020 da dupla, Deaths of Despair and the Future of Capitalism
(Mortes por desespero e o futuro do capitalismo).
6 SCHWARTZ, Tony & PORATH, Christine. “Why You Hate Work”. e New York Times, 1o jun.
2014.
7 DUHIGG, Charles. “Wealthy, Successful, and Miserable”. e New York Times, 21 fev. 2019.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/interactive/2019/02/21/magazine/elite-professionals-
jobs-happiness.html>.
8 AFTAB, Awais. “Meaning in Life and Its Relationship With Physical, Mental, and Cognitive
Functioning: A Study of 1,042 Community-Dwelling Adults Across the Lifespan”. Journal of
Clinical Psychiatry, vol. 81, n. 1, 2020.
9 CACIOPPO, John T. & CACIOPPO, Stephanie. “e Growing Problem of Loneliness”, e Lancet,
vol. 391, n. 100.119, 3 fev. 2018, pp. 426-7.
10 ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSICOLOGIA. “Social Isolation, Loneliness, Could Be Greater
reat to Public Health an Obesity”. ScienceDaily, 5 ago. 2015. Disponível em:
<https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093839www.sciencedaily.com/releases/2017/08/17080516
5319.htm>.
11 AYDINONAT, Denise et al. “Social Isolation Shortens Telomeres in African Gray Parrots”. PLoS
ONE, vol. 9, n. 4, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0093839>.
12 VALTORTA, Nicole K. et al. “Loneliness and Social Isolation as Risk Factors for Coronary Heart
Disease and Stroke: Systematic Review and Meta-Analysis of Longitudinal Observational Studies”.
Heart, vol. 102, n. 13, 2016. Disponível em: <https://heart.bmj.com/content/102/13/1009>.
13 Por ironia, essa matéria anterior à covid-19 tinha na versão on-line o seguinte título: “Como o
isolamento social está nos matando.”
14 KULLUR, Dhruv. “Loneliness Is a Health Hazard, But ere Are Remedies”. e New York Times,
22 dez. 2016.
15 MURTHY, Vivek H. O poder curativo das relações humanas. Rio de Janeiro: Sextante, 2022.
16 KASSER, Tim et al. “Some Costs of American Corporate Capitalism: A Psychological Exploration
of Value and Goal Con icts”. Psychological Inquiry, vol. 18, n. 1, mar. 2007, pp. 1-22.
21. ELES NÃO ESTÃO NEM AÍ SE VOCÊ MORRER: A SOCIOPATIA COMO ESTRATÉGIA
1 X, Malcolm, contado a Alex Haley, e Autobiography of Malcolm X. Nova York: Ballantine Books,
2015 [1964], p. 56.
2 Até sua morte prematura, aos 59 anos, Hertzman era professor do Departamento de Saúde e
Epidemiologia da Universidade da Colúmbia Britânica e ocupava a cátedra de pesquisa na área de
saúde populacional e desenvolvimento humano. Era internacionalmente reconhecido por suas
explorações sobre os fatores sociais determinantes na saúde.
3 Vimalasara se identi ca com o pronome neutro. Os termos raciais pejorativos são citados com a
sua expressa autorização.
4 SARTRE, Jean-Paul. Anti-Semite and Jew: An Exploration of the Etiology of Hate. Nova York:
Schocken Books, 1995 [1948], pp. 53-4.
5 Kenneth V. Hardy é presidente da Academia Eikenberg para a Justiça Social e professor de terapia
de casal e de família na Universidade Drexel na Filadél a.
6 KEN Hardy on the Assaulted Sense of Self. Psychotherapy Networker, vídeo no YouTube, 2016.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=i26A5oecUWM>.
7 KNOTT, Helen. In My Own Moccasins: A Memoir of Resilience. Saskatchewan, Canadá: University
of Regina Press, 2019, pp. 200-1.
8 CHAE, David H. et al. “Racial Discrimination and Telomere Shortening Among African-
Americans: e Coronary Artery Risk Development in Young Adults (CARDIA) Study”. Health
Psychology, vol. 39, n. 3, mar. 2020, pp. 209-19.
9 COATES, Ta-Nehisi. Entre o mundo e eu. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.
10 HERTZMAN, Clyde & BOYCE, Tom. “How Experience Gets Under the Skin to Create Gradients
in Developmental Health”. Annual Review of Public Health, vol. 31, n. 1, abr. 2010, pp. 329-47.
11 LACKLAND, David T. “Racial Differences in Hypertension: Implications for High Blood Pressure
Management”. American Journal of the Medical Sciences, vol. 348, n. 2, ago. 2014, pp. 135-8.
12 AMERICAN ACADEMY OF ALLERGY, ASTHMA, AND IMMUNOLOGY. “Black Children Six
Times More Likely to Die of Asthma”, release, 4 mar. 2017. Disponível em:
<https://www.aaaai.org/about-aaaai/newsroom/news-releases/black-children-asthma>.
13 A citação de Baldwin é de uma mesa-redonda moderada por Nat Hentoff e transmitida em 1961
na estação de rádio WBAI-FM, subsequentemente publicada com o título “e Negro in
American Culture”, em CrossCurrents, vol. 11, n. 3, verão de 1961, pp. 205-24.
14 ROEDER, Amy. “America Is Failing Its Black Mothers”. Escola de Saúde Pública T. H. Chan, de
Harvard, inverno de 2019. Disponível em:
<https://www.hsph.harvard.edu/magazine/magazine_article/america-is-failing-its-black-
mothers>.
15 GREENWOOD, Brad N. et al. “Physician-Patient Racial Concordance and Disparities in Birthing
Mortality for Newborns”. Proceedings of the National Academy of Sciences, vol. 117, n. 35, 1o set.
2020, pp. 21.194-200. Disponível em: <https://doi.org/10.1073/pnas.1913405117>.
16 NOVA, Cristina & TAYLOR, Jamila. “Exploring African Americans’ High Maternal and Infant
Death Rates”. Center for American Progress, 1o fev. 2018. Disponível em:
<https://www.americanprogress.org/issues/early-
childhood/reports/2018/02/01/445576/exploring-african-americans-high-maternal-infant-death-
rates>.
17 GERONIMUS, Arline et al. “‘Weathering’ and Age Patterns of Allostatic Load Scores Among
Blacks and Whites in the United States”. American Journal of Public Health, vol. 96, n. 5, maio
2006, pp. 826-33.
18 Entre as detentas mulheres, a proporção é de 50%.
19 Na realidade, o fenômeno perdurou no mínimo até a década de 1980.
20 LIFESPAN of Indigenous People 15 Years Shorter an at of Other Canadians, Federal
Documents Say”. Canadian Press, 23 jan. 2018. Disponível em:
<https://www.cbc.ca/news/health/indigenous-people-live-15-years-less-philpott-brie ng-
1.4500307>.
21 DYCK, Roland et al. “Epidemiology of Diabetes Mellitus Among First Nations and Non-First
Nations Adults”. Canadian Medical Association Journal, vol. 182, n. 3, 23 fev. 2010, pp. 249-56.
22 KIRMAYER, L. “Suicide Among Canadian Aboriginal People”. Transcultural Psychiatric Research
Review, vol. 31, 1994, pp. 3-57.
23 A província da Colúmbia Britânica, por sua vez, com uma população de 5 milhões de pessoas, teve
170 mortes por overdose em julho de 2020, a mais alta taxa já registrada. Proporcionalmente à
tragédia na reserva de Blood Tribe, a Colúmbia Britânica teria perdido mais de 4 mil pessoas em
um mês.
24 RCMP: sigla em inglês para Polícia Montada Real Canadense, a venerada organização policial
cujas tarefas, desde a sua criação até hoje, incluíram reprimir a resistência dos povos originários
ao con sco de suas terras e recursos e, durante a era dos colégios internos, até de seus lhos.
25 Sir Michael Marmot é professor de epidemiologia e saúde pública no University College, em
Londres, e foi presidente da Associação Mundial de Medicina em 2015.
26 MARMOT, Michael. e Health Gap: e Challenge of an Unequal World. Nova York: Bloomsbury,
2015, p. 12.
27 LUPIEN, Sonia J. et al. “Child’s Stress Hormone Levels Correlate With Mother’s Socioeconomic
Status and Depressive State”. Biological Psychiatry, vol. 48, n. 10, 15 nov. 2000, pp. 976-80.
28 Em: RAPHAEL, Dennis (org.). Social Determinants of Health: Canadian Perspectives. S. l.:
Canadian Scholars Press, 2016, p. xiii.
29 SOTH, Alex. “e Great Divide”. e New York Times, 5 set. 2020. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/interactive/2020/09/05/opinion/inequality-life-expectancy.html>.
30 LEMSTRA, M. et al. “Health Disparity by Neighborhood Income”. Canadian Journal of Public
Health, vol. 97, n. 6, nov. 2006, pp. 435-9.
31 Por exemplo, LUBY, Joan et al. “e Effects of Poverty on Childhood Brain Development: e
Mediating Effect of Caregiving and Stressful Life Events”. JAMA Pediatrics, vol. 167, n. 12, dez.
2013, pp. 1.135-42.
32 SWARTZ, J. R. et al. “An Epigenetic Mechanism Links Socioeconomic Status to Changes in
Depression-Related Brain Function in High-Risk Adolescents”. Molecular Psychiatry, vol. 22, n. 2,
fev. 2017, pp. 209-24.
33 RAPHAEL, Dennis et al. Social Determinants of Health, p. 13. (Raphael está reciclando conselhos
humorísticos que vêm circulando há alguns anos.) Disponível em:
<https://thecanadianfacts.org/e_Canadian_Facts-2nd_ed.pdf>.
34 MARMOT, Michael & BRUNNER, Eric. “Cohort Pro le: e Whitehall II Study”. International
Journal of Epidemiology, vol. 34, n. 2, abr. 2005, pp. 251-6; e DUGRAVOT, Aline et al. “Social
Inequalities in Multimorbidity, Frailty, Disability, and Transitions to Mortality: A 24-Year Follow-
Up of the Whitehall II Cohort Study”. e Lancet Public Health, vol. 5, n. 1, 1o jan. 2020, pp. e42-
50.
35 WILKINSON, Richard. e Impact of Inequality: How to Make Sick Societies Healthier. Nova York:
New Press, 2005, p. 58.
36 SAPOLSKY, Robert. “e Health-Wealth Gap”. Scienti c American, nov. 2018. Disponível em:
<https://www.scienti camerican.com/index.cfm/_api/render/ le/?
method=inline& leID=123ECD96-EF81-46F6-983D2AE9A45FA354>.
1 WARRAICH, Haider J. “Why Men and Women Feel Pain Differently”. e Washington Post, 15
maio 2021.
2 FEMALE Smokers Are Twice as Likely as Male Smokers to Develop Lung Cancer. ScienceDaily, 2
dez. 2003. Disponível em: <https://www.sciencedaily.com/releases/2003/12/031202070515.htm>.
3 ALTEMUS, Margaret et al. “Sex Differences in Anxiety and Depression Clinical Perspectives”.
Frontiers in Neuroendocrinology, vol. 35, n. 3, ago. 2014, pp. 320-30.
4 AUVOIS-JARVIS, Franck et al. “Sex and Gender: Modi ers of Health, Disease, and Medicine”. e
Lancet, vol. 396, n. 10.250, 22 ago. 2020, pp. 565-82.
5 Nos Estados Unidos, por exemplo, ser do sexo feminino e pertencer ao grupo dos pretos ou
hispânicos gera mais riscos de doença autoimune do que qualquer um dos dois fatores isolado.
Um estudo de 1964 sobre lúpus eritematoso sistêmico em Nova York, publicado no American
Journal of Public Health, constatou que “as taxas de morbidade e mortalidade eram mais elevadas
entre os negros, seguidos em ordem decrescente pela taxa dos porto-riquenhos e outros brancos”.
SIEGEL, Morris. “Epidemiology of Systemic Lupus Erythematosus: Time Trend and Racial
Differences”. American Journal of Public Health, vol. 54, n. 1, jan. 1964, pp. 33-43. Cinquenta anos
depois, esse fator racial persiste. “O lúpus eritematoso sistêmico é mais frequente e mais severo,
com maior atividade da doença e maior aumento de danos em populações não caucasianas
(hispânicos, afrodescendentes e asiáticos) do que em caucasianos.” GONZALEZ, L. A. et al.
“Ethnicity in Systemic Lupus Erythematosus (SLE): Its In uence on Susceptibility and Outcomes”.
Lupus, vol. 22, n. 12, out. 2013, pp. 1.214-24. Ser mulher e indígena de um lado ou de outro do
Paralelo 49 também aumenta o risco no Canadá: por exemplo, a artrite reumatoide afeta pessoas
indígenas numa taxa três vezes superior à média nacional. HUNT, Stephen. “Arthritis Affects
Indigenous People at a Rate ree Times Higher an Average”. CBC News, 5 nov. 2018.
Disponível em: <https://www.cbc.ca/news/canada/calgary/indigenous-rates-arthritis-higher-than-
average-1.4892319>. As mulheres, é claro, são predominantes nessas estatísticas: nas mulheres
aborígines, a taxa de artrite reumatoide é não três, mas seis vezes mais alta que a dos homens.
RHEUMATOID Arthritis and the Aboriginal Population – What the Research Shows”. JointHealth
Insight, set. 2006. Disponível em: <https://jointhealth.org/programs-jhmonthly-view.cfm?
id=19&locale=en-CA>.
6 Um estudo de 2021 da Organização Mundial da Saúde revelou que uma em cada quatro mulheres
e meninas do mundo já foi agredida por um parceiro homem. Se contabilizarmos também a
violência de não parceiros, a OMS estima que “cerca de um terço das mulheres de 15 anos ou
mais, entre 736 e 852 milhões, serão submetidas a alguma forma de violência sexual ou física no
decorrer da vida”. Segundo o artigo da OMS, essas taxas seriam signi cativamente mais altas caso
incluíssem também outras formas de abuso, como a violência na internet ou o assédio sexual.
FORD, Liz. “Quarter of Women and Girls Have Been Abused by a Partner, Says WHO”. e
Guardian, 9 mar. 2021.
7 HOM, Melanie A. et al. “Women Fire ghters and Workplace Harassment: Associated Suicidality
and Mental Health Sequelae”. Journal of Nervous and Mental Disease, vol. 205, n. 12, dez. 2017, pp.
910-7.
8 HARNOIS, Catherine E. & BASTOS, João L. “Discrimination, Harassment, and Gendered Health
Inequalities: Do Perceptions of Workplace Mistreatment Contribute to the Gender Gap in Self-
Reported Health?”. Journal of Health and Social Behavior, vol. 59, n. 2, 2018, pp. 283-99.
9 A identi cação dos sistemas emocionais cerebrais do CUIDAR, PÂNICO/TRISTEZA, MEDO,
BRINCAR, DESEJAR, BUSCAR e RAIVA pelo neurocientista Jaak Panksepp foi apresentada no
capítulo 9.
10 HOLLAND, Julie. Moody Bitches. Nova York: Penguin Press, 2015, p. 30.
11 EAKER, Elaine D. et al. “Marital Status, Marital Strain, and Risk of Coronary Heart Disease or
Total Mortality: e Framingham Offspring Study”. Psychosomatic Medicine, vol. 69, n. 6, jul.-ago.
2007, pp. 509-13.
12 HAYNES, Suzanne G. et al. “Women, Work and Coronary Heart Disease: Prospective Findings
From the Framingham Heart Study”. American Journal of Public Health, vol. 70, n. 2, fev. 1980, pp.
133-41.
13 Como de hábito, nenhum dos médicos que trataram a doença de Crohn de Liz jamais lhe
perguntaram sobre seus traumas de infância, seus estresses atuais ou sobre a relação dela com ela
mesma.
14 “Levei anos de terapia para sequer admitir que tivesse havido qualquer tipo de vitimização minha”,
diz Morrissette no documentário Jagged. “Eu sempre dizia que tinha consentido, e depois me
lembrava, ‘Ué, você tinha 15 anos… não se pode consentir aos 15 anos’. Hoje eu digo: ‘Ah, sim,
eram todos pedó los. Foi tudo estupro de vulnerável.’”
15 FRIEDMAN, Gillian. “Jobless, Selling Nudes Online, and Still Struggling”. e New York Times, 12
jan. 2021. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2021/01/13/business/onlyfans-pandemic-
users.html>.
16 DINES, Gail. Pornland: How Porn Has Hijacked Our Sexuality. Boston: Beacon Press, 2010, p. xi.
17 O’HANLON, Emer. “Porn Lies Behind Cuts and Bruises of Rough Sex Fad”. Irish Independent, 2
ago. 2020. Disponível em: <https://www.independent.ie/opinion/comment/porn-lies-behind-cuts-
and-bruises-of-rough-sex-fad-39416367.html>.
18 Wollstonecra, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. São Paulo: Edipro, 2015.
19 DWORKIN, Andrea. Intercourse. Nova York: Basic Books, 2007 [1987], p. 112.
20 KIECOLT-GLASER, Janice K. et al. “Spousal Caregivers of Dementia Victims: Longitudinal
Changes in Immunity and Health”. Psychosomatic Medicine, vol. 53, 1991, pp. 345-62.
21 RADIN, Rachel M. et al. “Maternal Caregivers Have Con uence of Altered Cortisol, High
Reward-Driven Eating, and Worse Metabolic Health”. PLoS ONE, vol. 14, n. 5, 10 maio 2019.
Disponível em: <https://doi.org/10.1371/journal.pone.0216541>.>
22 GROSE, Jessica. “Mothers Are the ‘Shock Absorbers’ of Our Society”. e New York Times, 14 out.
2020. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2020/10/14/parenting/working-moms-job-loss-
coronavirus.html>.
23 PEREZ, Caroline Criado. Mulheres invisíveis: O viés dos dados em um mundo projetado para
homens. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2022.
24 MANNE, Kate. Down Girl: e Logic of Misogyny. Nova York: Oxford University Press, 2018, p.
130.
25 Pesquisas recentes mostram que mais de 30 mil veteranos americanos das guerras pós-Onze de
Setembro no Iraque e no Afeganistão se suicidaram, mais de quatro vezes o número de mortos em
combate. Disponível em: <https://coloradonewsline.com/2021/07/08/report-veteran-suicides-far-
outstrip-combat-deaths-in-post-9-11-wars/>.
1 BROOKS, Anthony & TATTER, Grace. “Surviving Family Politics at anksgiving”. WBUR, 27
nov. 2019. Disponível em: <https://www.wbur.org/onpoint/2019/11/27/family-politics-
thanksgiving>.
2 SMITH, Kevin B. et al. “Friends, Relatives, Sanity, and Health: e Costs of Politics”. PLoS One, vol.
14, n. 9, set. 2019. Disponível em: <https://journals.plos.org/plosone/article?
id=10.1371/journal.pone.0221870>.
3 EPEL, Elissa. “Stressed Out by Politics? It Could Be Making Your Body Age Faster, Too”. Quartz, 16
mar. 2017. Disponível em: <https://qz.com/931355/telomeres-and-cell-aging-nobel-prize-for-
medicine-winner-elizabeth-blackburn-and-elissa-epel-explain-how-trump-is-aging-our-cells/>.
4 STOSNY, Steven. “He Once Called It ‘Election Stress Disorder.’ Now the erapist Says We’re
Suffering From is”. e Washington Post, 6 fev. 2017. Disponível em:
<https://www.washingtonpost.com/news/inspired-life/wp/2017/02/06/suffering-from-headline-
stress-disorder-since-trumps-win-youre-de nitely-not-alone/?noredirect=on>.
5 MILLER, Alice. For Your Own Good: Hidden Cruelty in Child-Rearing and the Roots of Violence.
Nova York: Farrar, Straus and Giroux, 1990 [1983], p. 65.
6 GERHARDT, Sue. e Sel sh Society. Londres: Simon and Schuster, 2011, p. 46.
7 COYLE, Jim. “For Stephen Harper, a Stable Upbringing and an Unpredictable Path to Power”. e
Toronto Star, 8 out. 2015. Disponível em: <https://www.thestar.com/news/insight/2015/10/04/for-
stephen-harper-a-stable-upbringing-and-an-unpredictable-path-to-power.html>.
8 AN EMOTIONAL Justin Trudeau Cries Discussing the Death of Gord Downie. Global News,
YouTube, 18 out. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=YMCaDvah6N0>.
9 Foi em 30 de setembro de 2021, a primeira comemoração do Dia Nacional da Verdade e
Reconciliação no Canadá.
10 KAY, Jonathan. “e Justin Trudeau I Can’t Forget”. Walrus, 29 set. 2015.
11 WALLIS, Claudia. “Of Psychopaths and Presidential Candidates”. Scienti c American Mind,
colunista convidada, 12 ago. 2016. Disponível em: <https://blogs.scienti camerican.com/mind-
guest-blog/of-psychopaths-and-presidential-candidates/>.
12 MAYER, Jane. “Trump’s Boswell Speaks”. e New Yorker, 26 jul. 2016.
13 CHOZIK, Amy. “Clinton Father’s Brusque Style, Mostly Unspoken But Powerful”. e New York
Times, 20 jul. 2015.
14 TWOHEY, Megan. “Her Husband Accused of Affairs, a De ant Clinton Fought Back”. e New
York Times, 3 out. 2016.
15 BROOKS, David. “e Avalanche of Distrust”. e New York Times, 13 set. 2016.
16 LAKOFF, George. e Political Mind. Nova York: Penguin Books, 2008, p. 76.
17 RAINBOW, Randy (@randyrainbow). “G’night, mom and dad. See you in the morning”. Twitter,
11 ago. 2020, 22h17. Disponível em:
<https://twitter.com/randyrainbow/status/1293386210388381696>.
18 Ver, por exemplo, “Stephen Kicks Off a Late Show’s Obama-Rama Extravagama With a Special
Obamalogue”. e Late Show with Stephen Colbert, CBS. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=RmtCV-U8wwo>.
1 O Animas Valley Institute de Plotkin, com sede no Colorado, oferece poderosos retiros, workshops
e “buscas” que usam a própria natureza como uma espécie de modelo e professora da inteireza
humana.
2 A história de doença e cura da própria Rankin foi abordada no capítulo 5.
3 ÉSQUILO. Agamêmnon. Em: Oréstia. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.
4 O estudo da rede neural do pericárdio, a membrana brosa que recobre o coração, e de suas
conexões com o sistema nervoso e o cérebro é abarcado pela disciplina da neurocardiologia.
5 PEARCE, Joseph Chilton. e Heart-Mind Matrix: How the Heart Can Teach the Mind New Ways
to ink. Rochester: Park Street Press, 2012.
6 EGER, Edith Eva. A bailarina de Auschwitz. Rio de Janeiro: Sextante, 2017.
1 Ver capítulo 7.
2 TURNER, Kelly. Radical Remission: Surviving Cancer Against All Odds. Nova York: HarperOne,
2014, p. 45.
3 KRAMPE, Henning et al. “e In uence of Personality Factors on Disease Progression and
Health-Related Quality of Life in People with ALS”. Amyotrophic Lateral Sclerosis, vol. 9, n. 2, maio
2008, pp. 99-107.
4 VAN MIDDENDORP, Henriët et al. “Effects of Anger and Anger Regulation Styles on Pain in
Daily Life of Women With Fibromyalgia: A Diary Study”. European Journal of Pain, vol. 14, n. 2,
fev. 2010, pp. 176-82.
5 Autor do sucesso de vendas Into the Magic Shop: A Neurosurgeon’s Quest to Discover the Mysteries
of the Brain and the Secrets of the Heart (A loja de mágicas: a busca de um neurocirurgião para
descobrir os mistérios do cérebro e os segredos do coração).
6 Um curto trecho dessa conversa pode ser visto no vídeo “A Neurosurgeon Talks of Vulnerability
Gabor Maté and James Doty”, 12 jul. 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=WiAXbZmA2dU>.
7 KNOTT, Helen. In My Own Moccasins: A Memoir of Resilience. Saskatchewan: University of Regina
Press, 2019, p. 240.
8 MERTON, omas. A montanha dos sete patamares. Rio de Janeiro: Petra, 2018.
1 LIPTON, Bruce H. & BHAERMAN, Steve. Evolução espontânea. São Paulo: Butter y Editions,
2013.
2 SCHWARTZ, Jeffrey M. & BEGLEY, Sharon. e Mind and the Brain: Neuroplasticity and the
Power of Mental Force. Nova York: ReganBooks, 2002.
30. INIMIGOS QUE VIRAM AMIGOS: COMO LIDAR COM OS OBSTÁCULOS À CURA
1 SCHWARTZ, Richard. Introduction to the Internal Family Systems Model. Trailheads Publications,
2001, pp. 67-8.
2 A psilocibina é a substância encontrada nos chamados “cogumelos mágicos”. Terei mais a dizer
sobre as modalidades psicodélicas no capítulo 31.
3 Do poema de 1919 de W. B. Yeats “e Second Coming” (A segunda vinda).
4 Já citei o livro de Knott ao longo deste volume: In My Own Moccassins: A Memoir of Resilience.
5 EGER, Edith. A liberdade é uma escolha. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.
6 Ilustradas aqui na prática com a participação sem rodeios do apresentador de podcast Tim Ferriss:
“Dr. Gabor Maté on How to Reframe a Challenging Moment and Feel Empowered”, e Tim
Ferriss Show, 4 nov. 2019, YouTube. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?
v=__JLFw2FtEQ>.
1 Em geral, os do segundo tipo são lugares de que se ouve falar em notícias por vezes
sensacionalistas, mas infelizmente verídicas sobre os perigos dos psicodélicos. Na verdade, porém,
essas manchetes tratam do que acontece quando tradições potentes da medicina são cooptadas
pela sede de lucro, coisa que, nem é preciso dizer, não tem uma origem particularmente
amazônica.
2 Palavra em quéchua que designa os cânticos de cura entoados nas cerimônias da ayahuasca.
3 Eu em geral penso e inclusive sonho em inglês.
4 Outra palavra – cunhada mais recentemente e aplicável apenas a remédios à base de plantas – é
“enteogênico”, que signi ca literalmente “tornar-se divino com”.
5 Por exemplo, sobre a ayahuasca: BOUSO, José Carlo et al. “Ayahuasca, Technical Report 2021”.
International Center for Ethnobotanical Education, Research and Service, dez. 2021. Disponível
em: <https://www.iceers.org/ayahuasca-technical-report/>.
6 Mandy era a versão anglicizada do nome de Mee Ok. Parte da sua recuperação de si mesma teve a
ver com resgatar seu nome coreano original. Ela agora adotou o sobrenome Icaro em homenagem
à sua conexão com o remédio.
7 Por mais desesperada que Mee Ok estivesse, e por mais útil que tenha se revelado a sua
experiência, eu nunca recomendo a ninguém ingerir a planta sozinho. A experiência da ayahuasca,
mais até do que a da maioria das plantas psicodélicas, é melhor se realizada num contexto
cerimonial, com praticantes de con ança. É uma questão tanto de segurança quanto de
integridade da própria tradição, em que a planta é vista como parte de um rico conjunto de
práticas, não algo a ser consumido ad hoc, sobretudo não por iniciantes.
8 THIESSEN, Michelle S. et al. “Psychedelic Use and Intimate Partner Violence: e Role of Emotion
Regulation”. Journal of Psychopharmacology, 2018. Disponível em:
<https://doi.org/10.1177/02698811187>.
9 Como muitos outros, estou con ante de que os estudos atualmente em andamento provem que,
mesmo por motivos estritamente econômicos, esses tratamentos podem ter um bom custo-
benefício: pense, por exemplo, no custo ao longo da vida de uma pessoa que precise tomar
remédios para algo como TEPT.
10 WYNNE, S. C. Empire of the Summer Moon: Quanah Parker and the Rise and Fall of the
Comanches. Nova York: Scribner, 2010, p. 314.
Daniel Maté é coautor de dois livros com o pai, o Dr. Gabor Maté,
incluindo Hello Again: A Fresh Start for Parents and eir Adult Children.
Ele dirige o programa de “quiropraxia mental” chamado Walk with Daniel,
além de ser um premiado compositor e letrista. Pai e lho dão palestras e
ministram workshops.
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