Você está na página 1de 8

Cioga do Campo - Terra sem lei

PARTE I

Escondida entre montes e vales, disfarçada de aldeia rural que não


figura no mapa, fica Cioga do Campo. Esta enigmática povoação
foi estrategicamente escolhida pela sua insignificância e especial
descrição. Aparentemente inalterada com o passar dos tempos,
esconde nas suas profundezas a mais tecnlogicamente avançada
organização mundial, sede de uma conspiração global que dali é
manobrada e coordenada. Controlam-se satélites, exércitos,
políticas económicas, propagandas e tractores com um objectivo
secreto e manipulado pelos poucos muito poderosos do mundo.
Segredo bem guardado até das polícias secretas mais modestas,
esta organização usa os recursos do planeta em proveito de
alguns, opera autonomamente e sem lei regente a não ser a sua, o
lucro. Tendo levantado algumas suspeitas no início dos anos 80,
todas as investigações foram misteriosamente abafadas por ordens
superiores que ninguém pode questionar. Naquela zona, a fonte de
radiação é tal maneira forte que os telemóveis comuns não
funcionam bem, a electricidade tem uma potência variável e até o
fornecimento de água é independente da restante região.
Uma estranha actividade aeronáutica, pára quedas largados a meio
da noite, carros de luxo e de grande potência que desaparecem em
celeiros centenários, fontes de água abundantes e geladas que de
um momento para o outro começam a ferver, uma fertilidade
extrema da terra, empresas multinacionais que experimentam
formas de cultura vanguardistas e secretas, a abundância de
antenas parabólicas gigantes, um pioneirismo em aspecto menos
comuns da sociedade e tantos outros factores, provam que Cioga
do Campo é o ninho da mais terrível conspiração global alguma
vez orquestrada.

Mapa da Zona - Triângulo da Cioga

Ançã
- Pedreiras - armazéns radioactivos e atómicos protegidos por
metros de pedra densa.
- Fonte - abundante e inesgotável fonte de água subterrânea que
arrefece os reactores
- Proximidade da auto-estrada para servir transportes urgentes e
secretos a qualquer horário e com total descrição.

S. Facundo
- Centro de Segurança - controla os principais acessos à Zona
Secreta da Cioga (ZSC) e monitoriza todo o vale Mondego.

S. João do Campo
- Centro de Limpeza de todos os complexos da Organização

S. Silvestre
- Perímetro residencial dos quadros médios da organização

Zouparria
- Zona de controlo remoto de satélites - zona alta

S. Marcos
- Palácio - Centro de coordenação e decisão de todo projecto

Cioga do Campo
- Laboratório, centro informático central estratégico coordenador
dos reactores, centro de cordenação de fusão nuclear e dos
satélites em Órbitra.

Historial

Após a crise energética mundial, alguns senhores do mundo


empenharam-se em juntar os mais poderosos e com recursos para
iniciar o processo do controlo global do planeta. No final da década
de 70 os detentores das maiores fortunas, donos de países e
continentes, monopolizadores dos recursos energéticos e dos
meios de produção juntaram-se com o objectivo de controlar toda a
população mundial e escraviza-la através dos meios de
comunicação, da tecnologia e dos alimentos. Com os governos
fantoches e promoverem a cooperação e a integrarem
competências políticas e económicas, a previsão do fim da guerra
fria e o apaziguamento da oposição e consciência popular, esta
organização, desconhecida oficialmente e sem lei para travar os
seus objectivos começa por escolher o local mais insuspeito que
uma ilha no pacífico, uma estação petrolífera no mar do norte ou
uma catedral de Roma; Cioga do Campo.

Situação Geográfica - Localizada em pleno vale Mondego, Cioga


do Campo foi a mais insignificante localidade do mais insignificante
país do mais insignificante continente do mais insignificante
planeta, da mais insignificante galáxia, do mais insignificante
Universo. A proximidade com enormes nascentes de água
subterrânea, pedreiras gigantescas (estranhamente abandonadas),
um vale fértil para agricultura experimental (onde empresas
multinacionais experimentaram o cultivo de transgénicos e o uso de
pesticidas letais), a proximidade do mar e de grandes vias fluviais,
uma gastronomia (leitão, lampreia, chanfana, bolo de Ançã) e
cultivo vinícola (espumante tinto principalmente) de excepção, uma
Universidade famosa para encobrir e fornecer discretamente
tecnologia e componentes raros, uma região abandonada de
progresso e sem futuro aparente, forma as principais razões para a
implantação no início dos anos 80 da organização nesta região.
Após a criação de infra-estruturas completamente autónomas do
mundo exterior (água e electricidade fornecida autonomamente,
construção de um mundo subterrâneo que unia os vários sectores
do núcleo central da organização e dos acessos aos locais, etc.) os
primeiros projectos desenvolvidos foram o laboratório que produzia
todos os materiais necessários para a transformação de drogas
importadas do Oriente (ópio) e América (cocaína), uma dos
principais fontes de receitas da organização. O resultado das
experiências estavam projectados para ser experimentados nas
principais cidades do país, mas uma fuga de materiais através da
corrupção entre a segurança de S. Facundo e o pessoal da limpeza
de S. João do Campo causou uma das maiores calamidades
sociais alguma vez sentida em Portugal. Uma aldeia inteira, quase
sem excepção, ficou viciada em drogas duras. A limpeza das
instalações passou por maus bocados até que novas drogas foram
criadas para controlar a fraude e o suborno foram usadas nos
funcionários que entretanto deixaram de obter salários já que
estavam controlados pelas várias drogas fornecidas à população
através da água e produtos alimentares modificados
geneticamente. Com o laboratório a dar frutos e os principais
problemas de recursos humanos resolvidos, o centro de fusão
nuclear e reactor adjacente começaram a ser construídos em finais
dos anos 80 entre as antigas pedreiras (entretanto encerradas por
ordens superiores) e a fonte de Ançã. Esta fonte comunica com um
rio subterrâneo cujo lençol de água expele XXXX m3 por segundo
e é ideal para arrefecer o gigantesco reactor.
Fortalecidas as políticas da C.E.E., afasta-se grande parte da
população do meio rural e das culturas autóctones permitindo uma
maior margem de manobra à organização. O frio mesclado de
continental (neve nas Serras da Lousã e Estrela) e húmido dos
ventos e oceano Atlantico da costa entre Figueira da Foz e Mira
ajudaram a seleccionar a população restante já que grande parte
dos recentes habitantes obtinham febres reumáticas e tinham de ir
morar para o sul. A compra massiva de terrenos a preços baixos
passou despercebida por ter sido efectuada através dos poderes
locais de uma forma extremamente e a rápida subida dos preços
para números astronómicos em meados dos anos 90 ajudaram a
dificultar ainda mais o acesso à zona. É também por esta altura
que algumas empresas locais de construção e cimenteiras vizinhas
começam a florescer devido ao fornecimento de materiais para
toda a construção do complexo secreto.
Com a era espacial aparentemente esmorecida pela desilusão da
ida à lua, satélites de comunicação começam a ser lançados
diariamente. A partir da tecnologia mais avançada, enormes
quantidades de informação pode ser lançada para todo o mundo à
velocidade da luz. As notícias são ali fabricadas, os governos
decididos, as façanhas premiadas.

A corrupção, o crime organizado e o enriquecimento rápido


evitaram com que a informação se espalhasse e até hoje os
tentáculos da Cioga continuam a crescer.
Apesar da invisivel repressão que se sente no ar e notoriamente
se corta à faca, tentámos entrevistar diferentes camadas da
população que reside no local. Há vários tipos de habitantes nas
redondezas. Muitos poucos, sobretudo os mais idosos, residem no
local muito antes da mudança radical que os ano 80 fizeram sentir.
Mais abertos ao exterior e sem ameaças directas da organização
secreta, estes contam com a clareza que a idade permite, como
tudo mudou em tão pouco tempo, como a dependência controlou
toda a população e como de repente toda a zona perdeu a
identidade que a manteve unida durante séculos. Praticamente
toda a restante população se tornou dependente da organização.
Quase todos por serviços indirectos já que a org. se orgulha de
continuar desconhecida do comum dos mortais, no entanto as
necessidades logísticas de tal empresa necessitaram dos
préstimos de quase toda a camada activa da população local.

PARTE II

Aurélio Vasilhame estava em apuros. A mais improvável equivoco


tinha acabado de lhe acontecer e ele não queria acreditar no
absurdo do momento.

Aurélio era conhecido por Vasilhame por cedo ter começado a


trabalhar no café do pai, um dos mais mal frequentados da aldeia.
Talvez por isso não tocava em álcool, só bebia água, leite e
groselha, adorava groselha. Tinha também uma outra paixão, a
música. Começara por dançar no rancho local mas o seu olhar
esbarrava sempre nos instrumentos. Começou por tocar caixa,
depois cavaquinho, depois acordeão, violino e guitarra até que se
chateou com o padre que ensaiava o grupo etnográfico e folclórico.
Saiu da porta do rancho e entrou na da Banda Filarmónica.
Começou pela caixa e passou para o clarinete, saxofone barítono,
trompete e trompa. Fazia 3 anos que apenas tocava trompa e
estava maravilhado. Também estava maravilhado com a Vanda,
filha do Ezequiel que fugiu para os Estados Unidos para não ir para
o ultramar e voltou cheio de dólares nos anos 90. Trouxe também a
Priscila como esposa e a Vanda no colo.
Aurélio adorava a Vanda, o que o preocupava era a banda
filarmónica. Três anos depois de ter entrado já estava saturado. Os
temas eram sempre os mesmos, queria novas partituras, novos
músicos com quem tocar outras coisas que não marchas militares
com arranjos do Ti Zé Cardetas de 1965. Na noite anterior, no largo
da igreja fumando um cigarro depois do ensaio, parco em palavras
como é seu costume confessou ao amigo; “Estou farto da banda, é
sempre a mesma coisa, apetece-me coisas novas”. Ora o amigo
pensou; “ A Vanda só tem 23 anos, este gajo até é porreiro mas às
tantas é putófilo”. Luís, mais conhecido por Tchétcho na manhã
seguinte não conseguiu evitar comentar à Aldina, sua namorada de
longa data, o que o Vasilhame tinha dito na noite anterior e
obviamente a coisa chegou aos ouvidos da Vanda mais depressa
que um e-mail. Mulher de armas, habituada aos filmes do Chuck
Norris, Vanda defronta Aurélio dez segundos depois de saber, por
volta da hora do almoço.
Aurélio está sentado, tem um prato de leitão à frente, Vanda entra
no Café/Restaurante O Catito, e diz em voz alta: “Ó picha mole,
andas a dizer aos teus amigos que estou gasta e queres pássara
nova, ó meu filho da puta?!” Aurélio sentado, com o garfo enfiado
na alface está perplexo com o ridículo que aquele engano lhe vai
afligir apenas pelo hábito de trocar o V pelo B. O facto de não
responder apenas lhe dificulta a defesa mas está consciente que
se diz o que pensa da banda que fica imediatamente sem a trompa
em que toca. Por outro lado vai ficar sem a Vanda que tanto adora.
Por outro lado está fardado para a actuação em Trouxemil às 16h
no Lar de Nossa Srª das Réguas. Um gajo fardado não renega a
banda.
A sua mente entra em colapso e a laranja, a batata a alface e o
leitão no seu prato, sentem-se vingados por quase serem comidos
vivos.

PARTE III

Humberto Felisberto cortava dois pedaços de Brie e um de patê


que no momento seguinte barrava no pão. Pensava na guerra de
outrora, aquela que transformara seu pai num mártir e o seu
presente em algo mais fácil. Vivia na Gândara e acreditava
piamente que Angola ainda era Portugal. E o Brasil também. Se o
pai lhe tinha dito era verdade! No entanto era levado a lutar pela
Ecologia e pela Paz. Aos 13 anos conhecera Tatiana e a sua vida
mudou, ou pelo menos a sua conduta social mudou. De um
momento para o outro o 25 de Abril e o 1º de Maio foram passados
na rua, de punho em riste, bandeira em mão e olho atento na sua
Tatiana, mas era obrigado a mentir no Natal e na Páscoa quando
dizia que ia passar fora para ir à missa do galo ou para receber os
gaiteiros e o padre que lhe dava a cruz a beijar, sendo por sua vez
obrigado a fugir de casa para ir ao Avante em Setembro, altura do
aniversário da tia Emília.
Não tinha conseguido decidir o que fazer com a sua vida até aos
45 por isso enveredou pela pelintragem, tornou-se Jovem-
Presidente da Junta pelos Verdes do Mondego, começou a dirigir o
Gandarense F. C. e desatou à procura de moça para casar já que a
Tatiana tinha descoberto tudo e o trocara por um sindicalista
barbudo.
Tinha comprado um Mercedes importado da Bélgica. O carro
estava em péssimo estado mas tinha muito bom aspecto. Um
bocado como o dono. Mas contavam as aparências, os olhares
invejosos dos agricultores analfabetos e parvos o suficiente para
terem votado nele. Estava particularmente bem disposto, tinha
posto o lenço amarelo que mais adorava e estava com o fato que
comprara em Lisboa, mesmo no centro. Os sapatos eram da
sapataria Prestige porque conhecia a empregada da limpeza que
lhe trazia sapatos de peles nórdicas com pequenos defeitos por
quantias módicas.
A vida sorria, afinal para quê pensar no passado cinzento que a
Tatiana lhe infligira, a dificuldade de andar a tentar engatar miúdas
de bigode, a chatice de se fingir jovem quando o interior está velho
e cansado. Não havia nada a fazer. O melhor era comprar novos
adereços que a televisão lhe vendia e fazer disso felicidade.
Orgulhava-se do seu Mercedes, mesmo que o banco onde sentava
lhe aleijasse gravemente o glúteo esquerdo. Afinal se ninguém
desse por isso não o poderia afectar. Que se lixasse a dor que
tanto o atormentava, as pessoas iam lá pensar nisso!
O dia seguinte era importante para a re-eleição do próximo ano.
Iam inaugurar um escorrega de madeira na escolar e toda gente
sabe que os professores, principalmente os mais novos, são todos
verdes. O voto da professora Elídia estava certo, mas era preciso
por os miúdos a convencer os pais. É que a re-eleição era
importante, mas ainda mais era o sonho da sua vida: fundar o
Sport Club Cioguense. Era esse o objectivo que o fazia levantar da
cama bem cedo pela manhã.

Você também pode gostar