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Das pegadas de sangue, dor e insídia

o rastro já se apaga e se descora,

para que a voz gelada de Placídia

não se recorde das paixões de outrora.

Trecho do poema Ravena de Aleksandr Blok


SESSÃO ZERO
CRIAÇÃO DO CENÁRIO E DOS PERSONAGENS

O QUÊ?
Uma campanha de Kult: Divinity Lost, criada do zero com os jogadores e bastante narrativa
compartilhada a partir de um cenário urbano pitoresco em uma cidade ártica real. O tom é
de resistência, isolamento e perda, contando com personagens arquetípicos como The
Broken, The Veteran, The Scientist e The Fixer.
ONDE?
NORILSK (pronuncia-se Nariúsca) é a maior cidade do mundo em zona do círculo polar
ártico, e está 400km adentro do marco. Com uma temperatura média anual de -10°C (-30°C
no inverno) a cidade mais ao norte do mundo conta com seis semanas de noite completa
que duram de dezembro a janeiro, e mais de 120 dias de nevasca por ano.

Não há conexão por terra entre Norilsk e o que os locais chamam de “continente” (o resto do
mundo), apenas sobre o gelo. Porém há uma estrada de ferro que leva até o oceano (80km de
distância) e estradas para cidades vizinhas (a mais próxima a 30km) de Talnakh e Kayerkan
(formando a região da Grande Norilsk), além de um aeroporto (que funciona erraticamente
de acordo com as previsões climáticas).

Localizada na região do platô ocidental siberiano a cidade fica aos pés das Montanhas
Putorani e é rodeado por lagos e rios da região de tundra.

A cidade mineradora russa conta com mais de 170 mil habitantes, e foi originalmente
fundada como um gulag (campos de trabalho forçado para presos políticos durante o
governo soviético) chamado
Norillag. Ela é uma das mais
poluídas do mundo, devido à
grande atividade mineradora e
industrial ligada à metalurgia.
Possui o maior complexo
minerário e metalúrgico do
mundo responsável pelas
maiores produções mundiais de
níquel (75% da produção
mundial) e paládio (40% da
produção mundial), além de
grande quantidade de cobre e platina.

Os altíssimos índices de poluição a colocam em sétimo lugar no ranking das dez cidades
mais poluídas do mundo e o solo encontra-se tão contaminado com metal que já pode ser
minerado de forma economicamente viável.

São comuns chuvas ácidas causadas pela dispersão de gás da indústria do níquel, entre
outros desastres ambientais. Em 2016 um dos rios da cidade ficou completamente vermelho
após um derrame acidental de metal.

A cidade lida com diversos problemas relacionados ao seu ambiente frio e poluído. Entre eles
o desgaste das construções, que congelam permanentemente e sofrem com a necessidade
de degelo artificial, problemas nos esgotos e vazamentos de água quente, tornam a
infraestrutura local péssima.
A internet é uma expectativa, apenas funciona a base de um único satélite e depende de
condições climáticas, estando notoriamente fora do ar.

O centro vital de Norilsk, as habitações e comércio, ficam centralizados ao redor das fábricas
que dominam a paisagem e todo o perímetro da cidade, sendo divididas apenas pelo lago
Dolgoe. São seis minas subterrâneas e uma mina aberta, num total de mais de 800km de
túneis e galerias, que podem chegar a ter 2 mil metros de profundidade.

Três grandes fábricas empregam mais da metade da população local e compõe o complexo
metalúrgico Nadejda (traduzido como Esperança). Ele é responsável por lançar gases e
fumaça da produção industrial por toda a região. São mais de 2 milhões de toneladas de
gases tóxicos dissipados na atmosfera ao ano. Eles são a maior causa das constantes chuvas
ácidas locais.

O complexo de Nadejda afeta sobremaneira a cidade, pois as fábricas foram construídas ao


redor da cidade em locais opostos, de modo que não importa quando, sempre haverá
dispersão de gases dentro da cidade. O que no verão é ainda pior, pois devido às mudanças
de temperatura as fábricas produzem um smog que causa náuseas.

Alergias, doenças respiratórias e cardiovasculares, além de degenerações e enfermidades do


sangue são tão comuns quanto doenças mentais causadas pelo ambiente inóspito e isolado.
Existem duas vezes mais casos de câncer nos moradores da cidade.

A poluição também afeta o meio ambiente. Em Norilsk não há parques e áreas verdes. De
fato, é necessário viajar 30km para alcançar áreas verdes, não afetadas pelas chuvas ácidas e
demais efeitos nocivos da poluição. Os moradores
fazem de suas casas jardins, muitas vezes.

Durante os dois meses de noite polar em que não há


sol, graves problemas de saúde mental assolam a
população devido à falta de produção de melatonina.
Distúrbios do sono, irritação, fadiga e depressão são
os mais comuns. Boa parte das casas está equipada
com lâmpadas que simulam a luz natural com raios
ultravioleta para dirimir o problema.

Por outro lado, no verão, há dias em que o sol


permanece no céu até as 3 horas da manhã. Esse
período dura de maio até o fim de julho, e a presença permanente de luz também causa
transtornos do sono na população.

Apesar de todos os problemas a cidade é uma peça de planejamento estrutural. A partir do


gulag Norillag, fundado na década de 30, as construções passaram a ser ordenadas pelo
próprio Governo, assumindo um padrão ordeiro e consolidado de construção. Inicialmente
com uma arquitetura de estilo Stalinista, passando às construções Soviéticas que utilizavam
painéis préconstruídos, as “Gostinka”, que eram acomodações temporárias, que acabaram
se tornando definitivas em Norilsk.

Muitos prédios cuja construção se iniciou pouco antes da perestroika tiveram seus recursos
cortados, e há mais de 20 anos estão inacabados e abandonados. As construções foram
pensadas de forma inteligente para suportar as intempéries do ártico. As habitações foram
construídas próximas e de forma fechada, de modo a formar um pátio entre elas que pode
proteger moradores dos fortes ventos, capazes de arrastar uma pessoa. Além disso, há
passagens estreitas entre os prédios para facilitar a locomoção e evitar a propulsão do
vento.

Para evitar espaços confinados e os problemas de saúde física e mental causados pelo
contexto da cidade há grande difusão de atividades esportivas, e muita oportunidade de
praticá-las por instalações espalhadas por toda cidade. Diversos campeões russos são de
Norilsk, especialmente os relacionados a esportes praticados no gelo.

Além disso, a cidade conta com um setor cultural influente. Um grande teatro funcional
assume o pilar artístico local, além de eventos musicais mensais relacionados à música
eletrônica, a “Mechanika”. Membros da banda punk russa Pussy Riot se formaram nesse
ambiente.

São nove meses de inverno, com frio intenso, isolamento e poluição.


QUANDO?
Novembro de 2018. Uma nevasca estranhamente intensa assola Norilsk há mais de duas
semanas. A população encontra-se há muito isolada em espaços pessoais confinados. Casa,
trabalho, casa. Há um mau agouro na tempestade de neve coberta de metais pesados.
A internet não funciona direito e as redes internas de telefonia e televisão estão oscilando.

Isso mexe com a cabeça, faz você se dispersar, faz viajar. Às vezes para lugares escuros onde
ninguém deveria desbravar. Pessoas afetadas cometem erros, e erros causam problemas,
especialmente em zonas industriais de alto risco. Tragédias acima do comum para esse tipo
de situação são anunciadas pelo rádio e emissora local. Se algo ruim não aconteceu com
você ou alguém conhecido, você é uma exceção.
Quem é ele? Que deseja?

Dedos rudes, mãos de fera!

É de mim que ele moteja

rente à choupana paterna?

Que respondo, que contesto,

ao moço dos olhos negros?

Cirandam dúvidas lestas!

E ao pai, direi meu segredo?

É minha sina! Me abraso!

Por que buscamos, com lábios,

o pó, varrido das tumbas,

apagar nas chamas rubras?

Trecho do poema O cavalo de Prjeválski


de Velimir Khlébnikov
QUEM?
Os personagens dos jogadores são:

Yeva Sergeyovna Sminorv, The Fixer.


A jovem de 20 anos estuda e trabalha nas minas,
mas na verdade sua maior fonte de renda vem de
pequenos contrabandos e negócios que pratica
costumeiramente. Nascida e criada em Norilsk,
Yeva viu seus dois irmãos serem consumidos pela
cidade inóspita, o que fez com que decidisse sair de
lá a qualquer custo, mas para isso precisaria de
dinheiro.

O dinheiro honesto em Norilsk é pouco e suado, e


isso fez com que ela adentrasse no mundo de
práticas ilegais para conseguir dinheiro fácil e mais rapidamente.

Yeva é conhecida por seus círculos sociais como a pessoa que consegue aquilo que você
precisa, de um CD raro de uma banda estrangeira até uma arma de fogo.

Recentemente, no início da nevasca a jovem contrabandista viu a oportunidade de


finalmente conseguir o lucro grande, contrabandeando ferramentas e máquinas
abandonadas em um setor muito fundo das minas, uma área lacrada onde a exploração
mineral havia cessado, porém deixado parte do operacional. Ela já tinha o comprador para o
maquinário, mas precisava tirá-lo das profundezas sem ser notada, e a nevasca foi
providencial, ainda que aumentasse exponencialmente os riscos.

Ela buscou seus associados e contatos de costume e iniciou a operação, porém ao chegar no
local descobriu que a área havia sido isolada por risco de desabamento, o que não aplacou
sua ganância. Manipulando os trabalhadores, e omitindo informação ela manteve a atividade
em andamento, mas se retirou por ressalvas. Mentiras eram uma das suas especialidades.

Porém, o pior aconteceu. A mina desabou com trabalhadores e boa parte de seus associados
no negócio dentro. Todos foram soterrados. Não houve tempo de reação adequado devido à
tempestade e apenas um deles saiu com vida.

Alguém que conseguiu supostamente sair das minas antes do acidente, um zé ninguém
chamado Dimitri Kamenev, a quem ela devia alguns favores e havia prometido parte do lucro.

Ela agora se sente perseguida, e está reclusa no apartamento de seus pais em um conjunto
habitacional Gostinka.
Varda Kamenev, The Broken.
A anciã de 86 anos tem muita história pra contar dos
quase 70 anos que permaneceu casada com Alexandr
Kamenev, seu salvador. Ela não tem nada de senil e se
lembra de cada especificidade de cada um de seus
filhos, netos e bisnetos, porém não se recorda da sua
infância, o período mais traumático de sua vida.

De origem polonesa, Varda foi sequestrada durante a


segunda guerra. Suas memórias dessa época são em
preto e branco e vagas, não sabe distinguir locais e
pessoas, se lembra de florestas, barracas e fogueiras,
além é claro, dos campos de concentração. Flashes em escala de cinza, onde apenas ela brilha
colorida, mas era mesmo ela?

Ela se lembra, no entanto, do dia de sua libertação, quando o jovem soldado Kamenev a salvou
do cárcere, ou coisa pior. Ele nunca entrou em detalhes da operação, e ela fez questão de
esquecer. Seu corpo carrega algumas marcas, cicatrizes e pequenas tatuagens, já deformadas
com a falta de firmeza da pela e as rugas.

De lá pra cá o ímpeto revolucionário do jovem soldado fez aderir ao Estado Soviético, e teve seu
papel como supervisor de equipe nas minas, ainda em Norillag. Criou seus filhos nas acomodações
Gostinka. Teve quatro filhos. Ao menos sete netos, e alguns bisnetos espalhados pela Rússia. Além
dos parentes de criação, que não foram poucos. Dona Varda é a senhora boa praça, que distribui
doces e tortas, ajuda com trabalhos caseiros e ensina as meninas a se comportarem como tal.
Aconselha os vizinhos e se mete na vida de todos, de forma positiva e agradável.

Mas nem tudo são flores, a vida ao lado de Kamenev foi ótima, mas as tragédias
acompanhavam e a seguiam sempre. Seus quatro filhos que nasceram vivos morreram antes
dela. Acidentes, crimes e até mesmo suicídio. A maldição da família alcançou os netos. Ano
após ano vinham os funerais. O vestido preto sempre em destaque no guarda roupa.

Hoje apenas o problemático Dimitri está vivo. Ele não arruma emprego, se mete em encrencas,
e até mesmo já respondeu à justiça. Mas para Varda é seu único e querido neto vivo.

Há poucos dias Alexandr recebeu uma ligação de Dimitri e sem dizer o motivo saiu de casa
dizendo que ia resolver alguns problemas nas minas. Trabalhando mesmo após aposentado,
pensava ela. Não esperava a notícia do falecimento, que a deixou atordoada e perdida. O enterro
foi breve e rápido, muitas pessoas compareceram. Ele era querido. Mas Dimitri não apareceu.

Varda está abalada e confusa, mesmo que rodeada de amigos e pessoas queridas, até mesmo
sua bisneta veio de Moscou para ficar com ela, ninguém diz a velha o que realmente aconteceu,
e ela não sabe o que se passou com o amor de sua vida, seu libertador. Aquele que afastava as
memórias escuras, que agora insistem em retornar, pouco a pouco, como um álbum de
fotografias antigas encontrado durante uma faxina no armário. No armário de Kamenev.
Piotr Ordynski, The Scientist.
Nascido e criado em Norilsk, a família Ordynski
parecia uma como outra qualquer. Um trabalhador
de chão de fábrica, uma mãe secretária, recebendo
menos do que seu trabalho efetivamente valia,
vivendo em uma habitação Gostinka. Até que veio
Piotr, uma criança desejada, esperança de futuro. Ele
era inteligente e perspicaz, muito atento a detalhes,
além de extremamente ativo.

Porém, quando tinha 6 anos descobriu-se a doença.


A criança amorosa tinha um grau relevante de
esquizofrenia. Após a morte de Boris, o cachorro da família, Piotr passou dias brincando com o
mesmo, ou o que ele achava que era o cachorro. A imagem do cachorro, que somente aparecia
para ele. Lidar com a perda era impossível em sua mente, no lugar disso, ela manteria a figura
em sua vida, ainda que como uma alucinação.

Aos poucos a criança foi sendo excluída pelas demais. Passou a brincar sozinha (ou com Boris),
isolada. E isso chamou a atenção dos pais. Sem saber o que fazer, e desiludidos com seu único
filho, buscaram ajuda nos amigos próximos. Varda, a vizinha de frente, foi quem deu acalento
aos Ordynski. A senhora obrigava seus netos, em especial Dimitri, que tinha a mesma idade
que Piotr, a brincar com a criança proscrita. E em meio à resistência do neto, tomava para si o
trabalho de acompanhar Piotr em suas atividades. Quando não tomava o jovenzinho como
mão de obra auxiliar em suas atividades diárias. Se tornaram amigos, e ele entrou na longa
lista de parentes adotivos da benfeitora.

Apesar de tudo, Piotr cresceu funcional, conseguia estudar e trabalhar, mas sempre com suas
manias estranhas e maneirismos. Cresceu com seu olhar detalhista e ainda ativo. Sua família
se esforçou em economizar e garantir os estudos que nunca teve. Se tornou um enfermeiro.
Conseguiu emprego num hospital.

Tudo ia bem, até que a doença tomou conta do trabalho. Pacientes que morriam no hospital
logo se tornavam seus companheiros imaginários. E em determinados momentos isso causou
transtornos até mesmo a parentes de pacientes falecidos. Mas o jovem era bom no que fazia, e
estava doente.

No lugar de ser dispensado, seus superiores o obrigaram a se tratar e o transferiram para a


função de paramédico. Na ambulância não teria que lidar com parentes. Piotr passou a fazer
consultas quinzenais com o Dr. Ivan Brejenev, psiquiatra vinculado ao hospital, com um
consultório próximo ao centro médico.

Vieram os medicamentos e a adrenalina da ambulância, e o peso da perda cessou. Piotr


conheceu Illyana no hospital. Ela se tratava já há algum tempo e a proximidade com o
enfermeiro se tornou uma constante enquanto a doença progredia. Isso não foi empecilho
para que se apaixonassem e se casassem.
Foram momentos felizes que viveram no apartamento dos pais, após a morte do patriarca
Ordynski, seguida poucos meses ao falecimento da mãe por tristeza. Varda, a vizinha de
frente, avó adotiva, cuidava de Illyana enquanto o enfermeiro fazia os plantões e rondas na
ambulância preparada para rodar em terreno nevado.

A morte dos pais trouxe, além da casa uma herança com a qual compraram a cabana em
Talnakh, na frente do lago. Onde passavam todos os fins de semana.

Foram bons anos juntos. Até que veio a nevasca. Iriam se abrigar na cabana, acreditando
que o clima não fosse pior que o de Norilsk, mas estavam errados. Pior que o frio, uma
infiltração fez com que os mantimentos estragassem e a tempestade impedia sair da
cabana no campo, na tundra.

A saúde frágil de Illyana não aguentou, e ela morreu. Deprimido Piotr cessou os
medicamentos, e logo veio a fome, uma fome que nunca mais o largaria. A fome corria seu
estômago, causava dor ao espírito e enaltecia a tristeza que estava sentindo. Só havia um
jeito de eliminá-la. O corpo, ainda fresco, era uma fonte de carne.

Naquelas semanas Piotr se alimentou do corpo de sua esposa. E com isso, ela estava ao seu
lado, como Boris esteve em sua infância. Um interruptor foi acionado. A carne humana
significava algo mais. Ele precisava testar, experimentar. A nevasca cessou por tempo
suficiente para que ele saísse apressado da cabana e se arriscasse voltar para Norilsk. Até
seu apartamento no subúrbio. Chegou sozinho, mas em sua mente estava acompanhado.
A nevasca logo retornou ainda mais forte, e com ela a fome.
Nikolai Abramovich Petrosian,
The Veteran.
Esse veterano de guerra armênio viveu seus 55 anos
sem se preocupar com a deformação em seu rosto.
O lábio leporino que o estigmatizou na infância em
Vagharshapat não o definiu como pessoa, mas
definiu suas escolhas.

O lábio leporino que fazia sua mãe o chamar de


aleijado e ser diminuído pelos próprios irmãos o
traumatizou a ponto de, assim que teve idade,
ingressar no exército no intuito de se provar como
pessoa, ainda que isso colocasse sua vida em risco.

Sofreu preconceito na formação militar, até que se destacou e o lábio leporino foi esquecido,
diante da grande quantidade de ações bem-sucedidas e missões realizadas pelo soldado. Tudo
de bom na vida de Nikolai veio em meio ao sangue. Durante a guerra descobriu o amor.
A enfermeira de campo que cuidou de seus ferimentos na batalha de Nargono-Karabakh logo
seria sua esposa.

Após o casamento ambos precisavam sair do exército, fazer nova vida em um local seguro,
longe da batalha. Nikolai como veterano viu oportunidades de trabalho na cidade de Noriusk,
em grande atividade e expansão. Especialmente após a construção da terceira fábrica do
complexo de Nadedja.

Ali havia acabado a vida banhado de sangue. Havia se provado como homem e estava
satisfeito com suas conquistas. A deformação labial não era mais um empecilho, mas apenas
uma lembrança de uma infância ruim. Uma infância que não daria para seu filho com Sabina
Ahmadov, agora grávida pela segunda vez.

A primeira criança Emiylia, era a cópia da mãe, em diversos aspectos, e uma das maiores
fontes de alegria do veterano. Porém, Nikolai ainda desejava o filho homem. Ainda que tardio,
o veterano daria a ele todo o carinho que nunca recebeu, e ensinaria a ser um homem
completo pelo amor de seus familiares.

A gravidez foi tranquila, mesmo nas condições precárias de saúde que Norilsk proporciona, os
exames estavam todos em índices acima da média, graças aos medicamentos importados
fornecidos pela jovem Yeva, que sempre arrumava coisas para os moradores da habitação,
mas sempre em troca de alguma coisa. No caso de Nikolai, de vez em quando ela pegava
emprestado a sua força física e treinamento.

A previsão era de que o bebê viria a nascer em breve, saudável e forte, como o pai, e não
haveriam mais necessidades de favores.Mas veio a nevasca e o mau agouro. Durante uma
madrugada na habitação Gostinka podiam-se ouvir os gritos desesperados de Sabina, e o
medo, que nunca tomou conta de Nikolai em batalha dominar o seu ser. Bateu à porta da
benfeitora do bloco, aquela que ajudava a todos, a Senhora Varda. Que mesmo de luto
ajudou a realizar o parto do filho. A criança nasce com uma grave deformação em seus
membros, ele nunca seria uma pessoa normal, sequer seria capaz de se provar. Cuidado com
o que deseja, a semelhança que desejara veio em seu pior aspecto.

O enfermeiro que acompanhou a gravidez e a ajudou quando preciso estava em algum local
que não em sua casa, preso em algum canto fora de casa, há dias Piotr estava em sua cabana.
Não havia suporte, para sua esposa ou seu filho.

Sem os devidos cuidados e acompanhamento médico Sabina passa por complicações que
causam a sua morte prematura em apenas um dia. A nevasca cede, a criança chora, e faz
Nikolai lembrar de cada dia em que foi assediado, em cada abuso que sofreu na infância, em
cada sacrifício que fez para se provar. Ele enrola o bebê e sai de casa deixando Emilya com
Varda.

A tempestade de neve não demora para voltar, e nem Nikolai. Que retorna sozinho.
Novamente foi preciso derramar sangue para se provar. Agora, tarde demais, o carro do
enfermeiro estava estacionado na vaga.
PORQUÊ?

Dramatic Hooks

Yeva deve confrontar o sobrevivente Dimitri.

Yeva deve finalizar a entrega do material que seria roubado da mina.

Varda deve investigar a morte de Alexandr.

Varda deve confrontar seu neto Dimitri.

Piotr deve confrontar a sua fome.

Piotr deve visitar a cabana no lago Talnakh.

Nikolai deve terminar o assassinato da criança que escondeu no frio.

Nikolai deve terminar de pagar sua dívida com Yeva.


COMO?

INTRIGUE MAP
SESSÃO UM
A TEMPESTADE RETORNA

SINOPSE
(texto do mestre)

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PONTOS DE VISTA
VARDA está em seu apartamento com Emilya, filha de Nikolai,
ambas sentadas na grande mesa antiga, jogando damas. Algumas
horas atrás, o irmão dela tinha nascido, num parto difícil, onde
nada aconteceu como deveria, Piotr estava desaparecido e Varda
conseguiu apenas fazer o mínimo, cuidar da menina. Agora elas
estavam se distraindo, mas Emylia, sempre desconcertante,
perguntava sobre onde seu pai tinha ido com o bebê, de porquê
sair nesse frio, entre outras perguntas que Varda não sabia
responder, ela apenas contava histórias antigas, de quando a mãe
da menina estava grávida e Nikolai saia noite afora para resolver
seus desejos, de quando ela mesma tinha tido Olav.

As perguntas despertam uma antiga lembrança, uma menina de cabelos negros, assim como
seu longo vestido de gola branca. Ela olha furiosa para Varda e assim como Emyia, pergunta
sobre o bebê. “Onde está o bebê?”, “Onde está o bebê?”. Varda responde que com o pai, mas
a voz não é a dela, é de um homem, e aquelas vozes batem fundo nas memórias e ela sabe
que são pessoas de sua infância.

Piotr chega depois de quase um mês fora e Dona Varda presencia o psiquiatra dele saindo
assustado do apartamento. Varda e seu neto de criação conversam, trocam amenidades e
com o encanamento congelado após tanto tempo, Piotr vai se lavar na casa de Varda. Nesse
interim, Nikolai também chega para buscar a menina, mas sabendo que Piotr está ali, resolve
esperar. Varda coloca a água pra ferver para preparar um chá e nesse meio tempo, liga
novamente para Dimitri, sem sucesso. Liga então para Yeva, a menina que Dimitri as vezes se
relaciona, para a convidar para o jantar, Nikolai e Piotr também estavam convidados, e ali
estaria a oportunidade de saber mais sobre Dimitri e a morte de seu amado.

Piotr então sai do banho e a cena que se segue é por demais triste, ele está com lágrimas nos
olhos, ao escutar que Kamenev morreu, ele abraça forte Varda, que também começa a
chorar nos ombros do seu amado Piotr. Emylia chora ao ver todos chorando, perguntando
sem parar pelo bebê.

Varda então pega a menina e sai para a cozinha ao ouvir que Nikolai precisa conversar com
Piotr, ela já teme o pior nessa tempestade infernal. Ela sai sorrindo, como ela sempre faz,
amável e delicada, mas as lágrimas ainda estão ali, descendo sem parar. Elas ficam ali um
tempo, quando pela pequena janela coberta de neve ela vê o vulto da ambulância de Piotr
saindo em disparada, ela permanece olhando o vazio que da rua congelada e o frio imenso
que preenche suas alma e lágrimas.

Varda volta para junto de Emilya pensando em como estaria a casa de Nikolai depois de tudo
que aconteceu. Devia estar uma bagunça! Por sua cabeça ainda circulava a imagem do
médico de Piotr saindo assustado do apartamento e Varda sentia que precisava ir nos dois
lugares, Emilya não podia voltar pra uma casa enlouquecida, não se o pior tivesse
acontecido… e onde estava o bebê, se Nikolai foi com a esposa pro hospital? Será que ele fez
a insanidade de levar-la com a tempestade retornando pela segunda vez? E Piotr, será que
tinha feito alguma besteira? E Kamenev, Dimitri… tantas perguntas sem resposta, Varda
precisava de um escape como sempre, então tomou uma decisão, levou Emilya para o
quarto e começou a distrair a menina com sua antiga caixa de jóias, ela ficaria algum tempo
ali e Varda poderia dar uma escapadinha para checar os apartamentos.

- Dona Varda? - Era a voz de Yeva chamando… Varda já estava separando os produtos de
limpeza e mandou a menina entrar, afinal a porta sempre estava escancarada. Trocaram
amenidades, Yeva se dispôs a ajudar e iria ficar um tiquinho com Emilya enquanto Varda
resolvia suas coisas pelo prédio. Ela sempre fazia esse tipo de coisa para os vizinhos, o que
justificava seu molho de chave imenso preso no cinto, era quase uma governanta de metade
dos moradores.

Saiu deixando as meninas indo direto pra casa de Piotr, estava um frio de morrer ali dentro,
o cheiro forte da neve suja permeava o lugar, e não era por menos, a janela estava aberta e
pior, congelada no lugar. Varda colocou a chaleira no fogo, água fervendo resolveria aquilo.
Viu então o saco de roupas jogado no meio do caminho, se baixou para juntar tudo aquilo,
mas dentro do saco não tinha apenas roupas, havia um corpo, todo mutilado, sangue para
todo lado! Ela gritou e correu o máximo que a suas pernas pequenas e magrelas permitiam,
foi direto para o lugar onde se sentia segura, a velha máquina de secar no porão. Ficou ali,
pequena e frágil, choramingando, tudo estava escuro e ela ficou olhando suas pequenas
mãos infantis enquanto o medo tomava conta.

E tudo então virou o caos, explosões, o teto desabando, a sensação de não poder respirar,
seu corpo preso, sua voz fina clamando por ajuda e o choro eterno - sua mãe sempre dizia
que nunca tinha visto alguém chorar tanto - e onde ela estava agora que não respondia seus
apelos? Era difícil respirar, era difícil gritar por ajuda, mas mesmo assim ela o fazia,
chamando por Karmen, Ayes, Maria, Helenna, Rillana e Agnes, suas irmãs tão fortes, duras e
que nunca deixavam Varda sozinha por muito tempo.
Uma grande luva negra então surgiu, a puxou e ela se viu
livre. Era um soldado. Quem será que era? Mas ela nano
teve tempo de ver muita coisa, a sirene disparou
anunciando um novo bombardeio, ela se jogou atrás dos
escombros, se encolhendo assustada. O soldado estendeu
novamente a mão, ela pensou em puxá-lo para baixo, um
instinto, mas antes o corpo dele voou e caiu ao seu lado
imóvel. Em pânico, ela se levantou assustada, abriu a
porta de uma meia parede e viu a jovem de vestido negro
ali, cabelo em trança, olhar firme e um pouco assustador,
com o braço esticado chamando por Varda, ela estava
chorando,ali de pé na porta do apartamento, com um
olhar arregalado, sem saber o que era aquilo tudo. Varda
então abraça Emilya e olhando para Yeva desaba.

- Não chore minha pequena, a vovó está bem velhinha, e por isso acontecem essas coisas de
velho. A vovó Varda fica meio perdida, tudo é bem estranho nessa idade, ainda mais quando
ela não sabe onde o neto Dimitri está, nem mesmo notícias do que aconteceu com o
Kamenev eu tenho, é que nem acontece com você sabe, quando um adulto tenta esconder
uma coisa de você só porque é um pouco menor que eles.

Quando voltou para o apartamento, Emilya que estava brincando com Yeva, tinha
derrubado metade do velho armário, roupas e jóias pelo chão, mas o que a pequena queria
mostrar era a caixa que estava escondida ali atrás de um fundo falso. Uma portinhola de
madeira com uma fechadura muito antiga, que trancava velhos segredos de Kamenev ou
pior, histórias do passado de Varda que só ele lembrava, e que poderiam estar ali trancadas.
A chave, Varda sabia, estava enterrada junto de Kamenev, pendurada com o medalha que ele
sempre usava. O telefone tocou. Alguém querendo falar com Dimitri. Alguém muito
estranho. Alguém sem nome. Dimitri está ai? Você viu Dimitri? E Yeva? Varda queria gritar
que não, gritar com o mundo que tentava destruir a paz que ela e Kamenev haviam criado
durante tantos anos.

A mente da velha, já muito abalada pelas visões do passado, fervilhava, uma ansiedade que
ela não lembrava ter sentido alguma vez na vida, fazia sua pele comichar e nem as goladas de
Vodka acalmavam. Emilya estava debaixo da cama, Yeva ali ao lado, virando o segundo,
talvez terceiro copo de vodka, mas Varda estava longe, tentando acompanhar os sons dessa
tempestade maligna para aplacar esse temor que crescia no seu peito. Ela saiu, trancou a
porta de Piotr, sabia que ali devia estar ainda pior do que antes, mas ela não era capaz de
seguir. Trancou a porta de sua própria casa, coisa que ela nunca fazia, e se pôs
freneticamente a cortar legumes para o Borscht.
PONTOS DE VISTA
YEVA estava deitada em sua cama, com pouca roupa, apesar do frio de doer devido a grande
nevasca lá fora, que ora era mais forte, ora era mais fraca. Essa era a melhor forma de
absorver um pouco de luz ultravioleta que emanava de algumas lâmpadas espalhadas pelo
quarto de Yeva. É bastante comum dentre os moradores de Norilsk realizar esse
procedimento, considerando a falta de vitamina D ser um problema sério dentre a
população, dado aos longos dias curtos, com pouca radiação solar.

Em meio à quantidade de tralhas que estavam espalhadas pelos vários cantos de seu quarto,
dos mais variados tipos como bichos de pelúcia, peças eletrônicas, guarda-chuva, binóculo,
pedaços de cano, e mais uma infinidade de coisas aleatórias, Yeva pensava no acidente. Sim,
aquele acidente. Só se falava nisso na cidade.
Yeva pegou seu bloco de notas e viu a relação de coisas que ainda precisava providenciar. –
Não posso me esquecer da vodca da dona Varda – Pensou, circulando o pedido com um lápis.

– Sim. E tem o Dimitri, o neto da dona Varda. Ele estava no local do acidente. A pedido meu, é
verdade. Mas não tenho a ver com o ocorrido. Talvez um pouquinho, mas não foi eu quem
causou aquilo…– Sussurrou de forma tão ínfima que nem ela mesma pode ouvir direito o que
dissera.

O importante era que Yeva estava pensando em como voltar a ativa pois a nevasca estava
estragando os negócios. E isso não a estava deixando muito feliz…

– Yeva, telefone! – a mãe chamava no fundo da sala, na esperança de que a filha ouvisse
embora não fizesse diferença se ela ia atender ou não.

Num salto só, sem saber ao certo se foi de susto ou de surpresa por alguém ligar pra lá, Yeva
jogou uma jaqueta qualquer por cima dos ombros, calçou um chinelo de dedo grosso e foi
até o telefone.

– Ei minha filha, tudo bem? - a voz cansada de dona Varda ecoava sobre a transmissão da
linha telefônica.

– Ei dona Varda – disse apreensiva. –Tudo….bem sim. Aconteceu alguma coisa?

– Nada minha filha. Estou te convidando para um jantar aqui em casa. O Piotr, Nicolai e a
Emilya estão aqui.

– Ah sim… – Disse Yeva, com certa desconfiança. – O Dimitri também vai?

– Não vai não minha filha. – disse dona Varda meio decepcionada. – Não consigo falar com
ele. Eu esperava que você pudesse me dizer onde ele estava, já que vocês são amigos.

“Ah sim, sou muito amiga daquela coisa sim”, pensou Yeva.

– Não sei onde ele está dona Varda. Mas vou procurar por ele assim que eu puder sair de
novo.

– Sim, obrigada! E aquela minha encomenda que eu pedi?

– Pode deixar que já está na lista. Tenho tido dificuldades em sair por causa da tempestade.

– Tudo bem minha filha! Te espero aqui então. Tchau! – E desligou sem ao menos esperar a
resposta de Yeva se iria ou não ao jantar.

“Bom…. comida é comida...” pensou.

...

Yeva estava se organizando para ir até o tal jantar de dona Varda enquanto ouvia a rádio
atrás de notícias sobre os acontecimentos recentes da cidade. Basicamente esperava ouvir
ou sobre o acidente da mina ou sobre a nevasca. Mas não havia nada de novidade
mencionada pelo locutor, exceto pelo fato de que o marido de dona Varda, Kamenev, fora
encontrada próximo ao local do acidente, morto. Isso era realmente muito estranho...

Ainda refletindo sobre Kamenev, Yeva percebeu


um barulho de sirene no pátio. Correu até a
janela e tentou observar inutilmente pelo vidro
se conseguia ver quem é. A ventania era tanta
que mal se percebia a luz do giroflex da
ambulância de Piotr.

– Que raio Piotr está saindo de ambulância no


meio dessa nevasca maluca? Deve ser uma
emergência e tanto – pensou. – Preciso ver isso de
perto. Talvez consiga até uma carona. Tenho
coisas a fazer….

Yeva se vestiu rapidamente com roupas quentes,


luvas e uma touca de lã preta. Guardou seu cantil
de vodca no bolso da jaqueta e saiu pela porta do
pequeno apartamento dos fundos que morava,
que era tão (ou mais) cheio de tralhas quanto o
próprio quarto.

Antes mesmo de se virar após trancar a porta,


Yeva escuta um pedido de socorro vindo do
andar de baixo. – Tá vindo lá de fora – pensou.

Yeva desceu pela escada até o andar de baixo e percebeu que alguém estava tentando entrar
no condomínio. Refletiu um pouco sobre isso e resolveu abrir a porta.

Um homem vestido de casaco de peles e Ushanka entrou esbaforido para dentro do


pequeno hall de entrada do condomínio.

– Muito obrigado minha….– antes de terminar, Ivan percebeu que estava diante da garota
que foi uma grande filha da puta em sua vida.

– Ah é você. – Disse Yeva com desdém.

– Parece que estou em um ninho de cobras...

– É, mas quem entrou rastejando pela porta foi você.

Ivan fora denunciado por Yeva por assédio sexual a um tempo atrás, de forma totalmente
injusta. Pegou 2 anos de suspensão da licença de psiquiatria. Isso só porque ele a pegou
repassando remédio tarja preta para pessoas sem consulta médica, trazendo um prejuízo
financeiro tremendo pra ela, que teve que devolver quase todo o dinheiro que tinha
arrecadado para as pessoas que tinham requerido seus serviços.

– Tem um telefone na recepção. – Disse Yeva, já dando as costas para Ivan.


– Minha vontade era de socar a sua cara. – Disse Ivan, embora contido.

Yeva o ignorou. Estava mais interessada na situação como um todo. Primeiro um súbito
jantar de dona Varda, no qual Piotr participaria. Depois, a ambulância dele saiu no meio da
nevasca. Terceiro, o psiquiatra inútil do Ivan querendo entrar aqui no condomínio como se
acabasse de ver um fantasma.

Foi nessa hora que ela viu o rastro de sangue derramado no chão pela escada abaixo, mas
era sangue antigo, meio seco e ela seguiu o sangue até dar em nada. Depois voltou pra casa.

Ainda cedo para o jantar, Yeva se arruma mais ou menos e segue para o apartamento de
dona Varda, a fim de tentar obter informações sobre o paradeiro de Dmitri. Coloca algumas
roupas de frio tipo moletom (ainda é frio, mesmo por dentro das paredes do quarto), uma
touca de lã, sua inseparável caderneta de anotações e segue pela porta.

– Pais, estou indo na dona Varda! - Disse Yeva ao vento, saindo pela porta.

A verdade é que Yeva queria dar uma passada no quarto de Nikolai pra saber como anda o
amigo. No dia anterior, ouvia-se muito os gritos da esposa dele no quarto, que estava dando
luz a seu segundo filho e queria saber se tudo tinha corrido bem. Estava um pouco
preocupada. “Não sou tão sem coração assim”…

No meio do caminho, Yeva se lembrou que quase em frente ao apartamento de Nikolai mora
o fofoqueiro do Nikolas. Provavelmente ele deve até saber mais do que ela sobre o ocorrido
de ontem, mas não está nem um pouco a fim de se encontrar com ele. Ultimamente Yeva
tem tido a sensação de estar sendo vigiada sem saber exatamente por que razão. Bom, a
razão ela até suspeita, já que suas atividades de conseguir coisas as vezes requerem métodos
não muito ortodoxos…

“Ah, depois eu vejo isso… posso perguntar pra Emilya, já que ela está lá na dona Varda”

E seguiu mesmo para o apartamento da senhorinha.

Dona Varda é uma senhora de 80 e poucos anos que cuida de vários apartamentos do
condomínio. Cuida assim, no sentido de dar uma assistência ou outra para alguém que vai
viajar como alimentar o peixe, o gato, ou precisa de cozinhar, ou limpar algo, tudo dentro
das possibilidades físicas dela é claro. Ela tem até cópia das chaves de alguns deles.

Já no corredor, Yeva avista a porta semiaberta do apartamento de dona Varda. “Nada novo”,
pensou. “Ela sempre deixa a porta meio aberta mesmo...”

– (toc toc) Dona Varda? A senhora está aí? - disse Yeva, batendo suave na porta semiaberta.

– Sim minha filha! Pode entrar! - disse dona Varda. Sua voz vinha lá da cozinha.

De repente uma voz de criança alta ecoa quase que pelos corredores de todo o condomínio.

– YEVA!!! - gritou a filha de Nikolai, Emilya, repleta de jóias da dona Varda.


– Ei menina! - disse Yeva, dando um sorrisinho de lado e um abraço na figura. – Você está
muito bonita com essas joias hein!

– SIIIM! E tem várias coisas para se explorar nessa casa! A vovó tem um monte de coisas
legais!

– Vê se não vai quebrar nada hein. Não pode deixar a vovó triste.

Ao dizer essas palavras, Yeva, que antes estava olhando para Emilya, levantou os olhos e viu
dona Varda, parada, e observando a conversa com um sorriso esquisito.

– Ei dona Varda. - diz Yeva, indo ao encontro de dona Varda e abraçando-a suavemente.

– Chegou cedo minha filha! Veio me ajudar?

–Erh, sim, dona Varda, vim ajudar a senhora sim.

– Que bom! Então, você poderia ficar com a Emilya um minuto? Eu preciso ir até o
apartamento do Piotr pegar umas coisas. - e já foi saindo.

– Ãhnnn ok então. - disse Yeva para si mesma, em voz baixa, vendo dona Varda sair pela
porta.

– YEVA! - disse Emilya, com aquela vozinha aguda infantil, mas não irritante. – Vamos brincar!

Emilya é uma menina muito esperta pra quem só tem 6 anos. E faladeira.

– Ei Emilya! Vamos brincar de esconder?

– SIIIMMM!

– Eu começo. Vou contar e você se esconde.

Yeva se vira para a parede e fecha os olhos.

– UM, DOIS, TRÊS….

Yeva só percebe o som de passinhos andando pela casa, certamente procurando algum
canto legal pra esconder.

– NOVE, DEZ. AÍ VOU EU!

Claro que a intenção de Yeva na verdade era ficar sozinha pela casa, para investigar. Estava a
procura de alguma pista que pudesse dizer sobre o paradeiro do Dmitri. E se ele de fato não
estava escondido por lá… vai que estava…

A busca levou Yeva até o armário de roupas da dona Varda e Kamenev. Ao abrí-lo, quase que
morre de susto quando Emilya voa em seu colo. E com ela, o armário junto.

– ME ACHOU! - disse Emilya, entusiasmada.

– É achei. - “Achei até rápido demais”, pensou, em meio as roupas de dona Varda e Kamenev.
E armário….
– A vovó vai brigar com a gente. - disse Yeva, tentando se levantar.

Emilya, ignorando Yeva completamente, só queria saber de ficar jogando roupa pra cima.

Ao reposicionar o armário, Yeva percebeu que havia uma portinhola escondida próximo ao
armário, parecida com um cofre, mas era de madeira. E tinha uma abertura para uma chave.

Yeva precisava ficar sozinha para explorar essa portinhola, mas Emilya não saía do seu pé.

– Ei Emilya. Agora é a sua vez de contar. Vai lá pra sala onde eu estava que dessa vez eu vou
me esconder.

– SIM! Agora sou eu! Mas não vale esconder no mesmo lugar hein!

– Claro, Claro. Pode deixar.

Yeva tinha muito pouco tempo até Emilya terminar de contar e vir atrás dela.

– UM! - ouviu Yeva, quando Emylia começou a contagem.

Rapidamente, Yeva foi até a portinhola e tentou abri-la. Logicamente, estava trancada.

“Claro que está trancada...”

– DEZ! LÁ VOU EU!

No susto, Yeva se jogou no chão e se escondeu debaixo da cama, ali do lado mesmo, quase
que batendo o queixo no assoalho.

Os passinhos da pequena Emilya vieram pelo quarto e rapidamente a levaram até a cama.

– ACHEI VOCÊ! - Disse a pequena, sorrindo e meio decepcionada.

– É Emilya, você me achou…


“Preciso pensar em algo ou vai ficar difícil investigar por aqui. Essa menina não para um
minuto!”

Foi nessa hora que Yeva e Emilya ouviram um pedido de socorro ao longe, certamente de
dona Varda.

O condomínio onde Yeva, dona Varda, Pyotr e Nikolai moram possui apartamentos muito
próximos um do outro, parede a parede. Até o corredor parece menor. Se você ficar em
silêncio, facilmente você consegue escutar as conversas do vizinho.

Yeva e Emilya conseguiram ouvir a voz ao longe do apartamento em frente ao de dona


Varda, considerando até o fato de que ela sempre deixa a sua porta aberta. Talvez se não
fosse por isso, seria muito difícil saber se era de fato a voz dela pedindo socorro ou algum
vizinho assistindo filme.

Mas era mesmo dona Varda.

Emilya, no desespero de criança curiosa, sai correndo na frente. Yeva, saindo rapidamente de
debaixo da cama, tenta ir atrás dela.

– Emilya! Volta aqui! - disse Yeva, correndo atrás da menina.

Emilya estava parada na frente do apartamento de Pyotr, sem reação. Só estava ali, sem
saber exatamente o que fazer.

Yeva desce até ficar na altura dos olhos de Emilya.

– Emilya, eu vou ver o que está acontecendo com a vovó tá bem? Você precisa ficar em casa,
vigiando a porta pra ninguém entrar ok?

–O...K… - disse Emylia, segurando as lágrimas e a vontade enorme de chorar.

– Pode deixar que a tia Yeva vai buscar a vovó tá?

Emilya acenou com a cabeça um sim e foi até a porta do apartamento de dona Varda, ficando
ali parada na entrada observando de longe.

Yeva entra no apartamento de Piotr. Como não havia chave atrás da porta (que graças a Deus
estava aberta), rapidamente pega uma cadeira para travá-la por dentro, com medo da
menina sair correndo e entrar ali também.

Agora que estava se sentindo “segura”, Yeva observa o lugar a fim de encontrar dona Varda.

O local estava aparentemente vazio e organizado, apesar de um pouco sujo. Parecia que
estava a algum tempo fechada. Estava frio ali dentro. Por algum motivo, o dono tinha saído
e deixado a janela aberta.

Ao se aproximar para fechá-la, Yeva viu que estava congelada. Teria que quebrar todo aquele
gelo antes, ou nada feito.
Ao olhar para o lado, havia um saco cheio de roupas sujas, aparentemente de sangue. Yeva
até dá uma rápida olhada, mas se lembrou que estava ali na verdade para localizar dona
Varda e não explorar.

– Dona Varda? A senhora está aí? - disse Yeva para o nada.

Yeva percebeu algum movimento atrás da máquina de lavar. Ao se aproximar, lá estava dona
Varda escondida num canto com uns 30 cm no máximo de espaço.

“Como essa mulher for parar aí?”

– Dona Varda, a senhora está bem? - disse Yeva, estendendo a mão, tentando tirá-la de lá.

Dona Varda estava trêmula e com muito medo.

“Medo de quê?” pensou Yeva.

Dona Varda cede ao pedido de Yeva e começa a sair do canto em que estava.

Nessa hora, dona Varda fala algo em alguma língua estranha e sai correndo para a sala, se
abaixando próximo ao sofá.

“O que?”

Sem entender nada, Yeva acha que a velha surtou. Tenta pensar em algo, mas não sabe muito
lidar com essas coisas. Então, só tenta acompanhar dona Varda na situação até ela acordar…
e não se machucar.

Yeva cai agachada com


dona Varda próximo ao
sofá e tenta conversar com
ela.

– Ern… ei dona Varda! Tá


tudo bem! É Yeva aqui ok?
Estou aqui te protegendo
tudo bem? - colocando a
mão sobre as costas de
dona Varda.

Nessa hora, dona Varda sai correndo pelo cômodo da casa, em direção a porta.

“Ela vai sair!” - pensou Yeva, que começou a se desesperar.

“O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?” - Yeva fica ali observando o que dona Varda
vai fazer.

Dona Varda, ao abrir a porta, vê Emilya parada de longe, observando-a. Vá até seu encontro,
a abraça e então, volta a si.


– Não fica triste menina! Você é tão bonita – disse dona Varda, aos prantos, com Emilya.

Emilya, não sabia o que estava acontecendo. Só chorava e falava algumas coisas sem
sentindo.

Yeva estava ali parada, um pouco afastada das duas, observando.

– A vovó só tá muito triste porque não sei o que aconteceu com o vovô. - disse dona Varda a
Emilya, mas olhando para Yeva.

Yeva, sentindo o olhar de dona Varda, se vira, arregala os olhos e vai em direção a cozinha.

“Preciso de uma bebida”.

Yeva se serve de um copo qualquer cheio de vodca pura, virando em um só gole.

“дерьмо¹”*.

Yeva só escuta o telefone tocar, enquanto se serve de outra dose.

Yeva percebeu, após o terceiro copo, que dona Varda estava lá no quarto onde tinha o
armário. Foi até lá com a garrafa.

– Ei dona Varda. A senhora está bem? - disse Yeva, com a aparência de que estava começando
a ficar de fogo.

– Poderia me servir um copo disso? - disse dona Varda.

– Ah sim, claro. - Yeva foi rapidamente até a cozinha e trouxe outro copo, enchendo-o e
entregando-o a dona Varda.

– Um brinde a…. não sei. - Disse Yeva, levantando o copo e virando dessa vez, o quarto.

Dona Varda só consegue dar uma bicadinha.

– Tudo o que eu queria era saber o que houve com o meu marido. - Disse dona Varda.

“Não posso contar a ela sobre Kamenev AINDA. Ela acabou de passar por uma experiência
muito louca que eu nem sei o que é. Tenho que pensar o que farei”.

– Dona Varda, eu preciso ir em casa.

– Claro minha filha. Mas não se atrase para o jantar.

– Sim, sim, só vou pegar umas coisas e volto. Não se preocupe.

Yeva já demonstrava alguns sinais de embriaguez, embora já tivesse bebido mais que isso
em outros tempos. Saiu e fechou a porta.

“Isso tá tudo muito estranho. Preciso refletir um pouco”. Pensou.

No meio do caminho, Yeva, embriagada, pensa mais uma vez no apartamento de Nikolai.

“Eu acho que eu vou lá em cima ver o Nikolai. Foda-se o Nikolas”.


*merda

Yeva, sob efeito do álcool, segue em direção ao apartamento do Nikolai, local que queria
estar desde o início. Ao chegar no corredor, ouviu o barulho de velocípede do irmão mais
novo de Nikolas passeando pelo lugar.

– Volta já pra casa! - Disse Nikolas, por trás da porta.

Yeva viu ao fundo a cara de Nikolas por entre a porta. O irmão dele correu e entrou
rapidamente para casa.

– Yeva. - cumprimentou Nikolas.

– Ei Nikolas! Não esqueci dos seus patins novos. Só estou esperando a neve passar para
buscar. Não aguento mais esse monte de gelo me atrapalhando! - disse Yeva, alto e em visível
estado de embriaguez.

– Não se preocupa. Eu espero. - Nikolas responde e rapidamente fecha a porta.

Yeva escuta um barulho estranho de telefone por entre as paredes da casa de Nikolas, mas
acha que só deve só estar ouvindo coisas.

Yeva bate na porta de Nikolai.

– Pois não? - abre a porta uma enfermeira.

Ela era morena, de olhos claros e cabelos castanhos presos que, com certeza, eram longos.
Não parecia ter mais de 30 anos. Estava de branco, era jovem e bem bonita.

“Ah, deve ser a enfermeira que estava cuidando da esposa de Nikolai”

– Err… olá? - disse Yeva, surpresa, pois esperava que Nikolai abrisse a porta.
– Pois não? Em que posso ajudá-la?

– Então… o Nikolai está?

– E quem é a senhora por favor? - disse a enfermeira


desconfiada.

Yeva de relance, por trás da enfermeira, consegue


observar ao fundo que havia um bebê ali no apartamento,
em uma espécie de berço.

– Sou a prima de Nikolai! Cheguei aqui com meu pai


psicólogo hoje!

“Prima de Nikolai? Pai psicólogo? De onde eu tirei isso?”

– Ah sim! - disse a enfermeira.

– Porque você não entra e espera por ele? Posso te fazer


companhia enquanto ele chega! - disse a enfermeira em
tom entusiasmada, mas, ao mesmo tempo, aterrorizante.

“Mas hein? Ela caiu fácil assim?”

– Não, não… está tudo bem! - disse Yeva, recuando. – Eu


volto mais tarde!

– Por favor! Fique! Ele já deve estar voltando!

– Não se preocupe! Eu moro lá no final do 3 andar, no


último apartamento. Eu volto mais tarde!

“No último apartamento do 3 andar. Essa foi boa!”

Então, Yeva saiu apressada descendo as escadas, tomando


cuidado para não perder o equilíbrio e cair de cabeça.
PONTOS DE VISTA
PIOTR desperta. Abre seus olhos e vê que está com a chave de seu Lada na ignição e as mãos
no volante. Não sabe como, mas acabou de chegar em seu condomínio. Sobe cinco lances de
escada e finalmente chega em sua casa. Sua não. A casa de seus pais. A casa sempre foi deles.
Abre a porta e entra. Sente o cheiro de coisa guardada. E é a única coisa que sente. Abre a
janela e o vento gelado não o incomoda. Muito pelo
contrário. O vento afasta o cheiro da casa.

Piotr se senta no velho sofá de três lugares. Duas


poltronas estão em frente e o retrato com a foto
pintada de seus pais está acima de sua cabeça. Os
dois olham para ele como se estivessem o
julgando. Piotr pega um velho álbum de
fotografias. Olhas as fotos de sua família, de sua
Illyana concedem um leve conforto. Seus olhos
embotam e o tempo passa.

Piotr começa a tremer de frio. Não lembra por


quanto tempo ficou parado, sentado no sofá. Fecha
as janelas com relativa dificuldade e tem que vestir
um casaco para se aquecer. Olha para sua roupa e
vê o vermelho. Não um vermelho qualquer. O
vermelho escarlate de sangue.

Tira rapidamente as roupas e coloca numa sacola de roupa suja. Precisa descer para lavá-las,
mas isso pode esperar. O frio é grande. Uma luz vermelha piscando na secretária eletrônica
o deixa aquecido. Aperta o botão e ouve os recados antigos. As mensagens são de seu
psiquiatra, Ivan Brejenev, e de Janus, colega de trabalho no hospital central da cidade. Todos
dois preocupados com seu sumiço.

Piotr se dá conta que ficou fora por três semanas.

Enquanto pensa no assunto, alguém bate na porta. Toc, Toc, Toc. Instintivamente, Piotr retira
o trinco e abre a porta de madeira de lei, pintada de branco. Do outro lado está Ivan Brejenev.
O psiquiatra se assusta ao vê-lo. Piotr pede que ele entre. É simpático, mas o médico entra na
ponta dos pés, com ressalvas. Uma breve conversa é trocada entre os dois. E Brejenev aponta
para o rosto de Piotr, indagando o que é a mancha no lado esquerdo de sua face. Piotr passa
a mão e olha os dedos. É sangue. Sangue na boca, no queixo, no pescoço. Assustado, afirma
que não sabe como ficou assim. Sua reação deixa o doutor acossado e rapidamente o
especialista se despede e parte e desabalada carreira.

Piotr fecha a porta e se dirige para o banheiro. O chuveiro está congelado. Porcaria. Começa
a se lavar na pia. Precisa de um banho. Mas, novamente sua porta bate. Toc, Toc, Toc. Olha no
espelho e confere ter retirado as marcas de sangue. Vai até a porta e encontra um rosto
familiar - dona Varda.
Simpática senhora pergunta como ele está. Bem. Bom. É o que parece. A anciâ pergunta
sobre Illyana. Illyana está na casa de campo. Bem também. Piotr reclama do chuveiro. A
gentil idosa o convida para tomar banho em sua casa. Piotr pega suas roupas e segue. O
olhar familiar dela o deixa confortado.

Ao entrar no pequeno apartamento, Piotr vê uma garotinha. É Emylia, a filha de Nikolai. Meu
Deus, Nikolai. Piotr fez o pré-natal de sua esposa, Sabina. Nestas três semanas, o filho do
casal deve ter nascido. A gora, muito esperta, pergunta porque o pai foi dar uma volta com o
irmão recém-nascido. Piotr, em tom professoral, explica que os bebês precisam tomar um
ar, dar um volta. Que isso é normal. A menina aparentemente se convence e Piotr segue para
o banho.

Quando está se enxugando, ouve uma conversa entre Varda e Dmitri. E descobre que uma de
suas referências familiares, Kamenev, morreu. Morreu, foi enterrado, e Piotr não estava lá
para chorar a morte e ajudar dona Varda a vencer o luto. Sai do banheiro e abraça a anciã,
perguntando como aquilo foi acontecer. O que causou a morte é um mistério para Varda e
Piotr, chorando muito, se compromete a ajudá-la a descobrir.

Piotr seca seu rosto e seus olhos se voltam para Nikolai. As perguntas sobre o parto são
inevitáveis, mas Nikolai pede para conversar em reservado e segue para sua residência. Algo
não está bem. Ao entrar na casa, deitado no sofá está o corpo de Sabina. Imóvel. E cercada de
sangue por todo lado. Nikolai teve todo o cuidado de cobri-la numa pano branco. A mortalha
dá uma aparência de pureza ao cenário de carnificina.

Piotr vê sua doce Illyana sentada no sofa, ao lado de várias toalhas empapadas de sangue.
Ela segura a mão de Sabina e balança a cabeça, sinalizando que está tudo bem. Piotr
agradece a esposa e fala para Nikolai que eles devem levar o corpo para o hospital.
Nikolai, forte como um touro, pega Sabina no colo, sem nenhuma dificuldade. Desce o
primeiro lance de escadas. O segundo. No terceiro, Sabina começa a ficar pesada. Sua barriga
aumenta de tamanho, como quando estava grávida. Ele chama por Piotr, que se assusta.
Sabina é colocada no piso. Piotr faz uma avaliação de seu quadro e confirma: ela está VIVA!
Sua respiração é fraca, está quase sem pulso, mas se forem rapidamente ao hospital, podem
salvá-la.

Nikolai pega novamente Sabina no colo. Está confuso, pois viu ela morrer, mas, seus olhos
brilham com a possibilidade do enfermeiro estar certo. Descem os lances restantes de
escada rapidamente e seguem para a ambulância, localizada no estacionamento, na vaga
especial para o veículo.

Quando chegam perto, verificam que o vidro do carro está quebrado. O vento é forte e Piotr
se distancia um pouco de Nikolai. Ao abrir a porta, Piotr vê Ivan, que pula do banco e cai na
neve. Numa conversa rápida e ríspida, Piotr questiona o que o médico faz ali. Ele estava
tentando contato via rádio com o hospital. Queria fugir do enfermeiro. Nikolai, num surto de
fúria, coloca Sabina delicadamente no chão, puxa sua arma e segue com tudo para cima do
médico. Nada vai atrapalhar o socorro de sua esposa.

Bica a cara do médico e bota ele para correr. Cuidadosamente, embarcam Sabina na
ambulância. Piotr dirigindo velozmente pelas ruas e Nikolai embarcado, tentando mexer
nos aparelhos. Algo não está certo. Piotr garantiu que Sabina está viva, mas nenhum
aparelho apresenta pulsação ou sinal de vida.

A ambulância seguia zunindo pelas ruas de Norilsk. O hospital ainda estava distante e a neve
começava a cair com mais intensidade. No volante do veículo, Piotr dirigia como se esta
fosse a última coisa importante a fazer em vida. Estava em débito com o amigo Nikolai e com
sua esposa, Sabina.

Piotr ouvia Nikolai mexendo nos aparelhos na parte de trás da ambulância. Apertava um
botão, soltava um palavrão. E reclamava que os indicadores não apareciam. Nada de
batimento cardiáco. O oxigênio não seguia para o corpo da esposa. Não era possível. Sabina
ainda estava viva. Era preciso fazer algo rápido para evitar que a colega de trabalho não
morresse. Piotr acelera ainda mais.

A ambulância sacode. Os pneus guincham. A sirene rompe o silêncio das ruas brancas de
Norilsk. Os três sairam há 15 minutos do condomínio. E resta pelo menos a metade do tempo
para chegarem no hospital. Piotr queria se dividir em dois, para poder fazer algo e ajudar nos
primeiros socorros de Sabina. E acelera mais um pouco.

Mais uma curva brusca. Piotr ouve um barulho seco na parte de trás. Olha pelo retrovisor e
vê Nikolai terminando de se levantar. O veterano profere vários xingamentos. Mesmo
sabendo que ele pode se machucar, não há tempo para perder. Piotr acelera mais um pouco.
O ponteiro marca 140km. A ambulância treme como uma britadeira.
De repente, um grito. Nikolai está de pé, mandando Piotr parar. Sua esposa está morta e se o
enfermeiro não brecar o carro agora, os dois farão companhia a ela. Piotr freia. E grita com o
amigo. Falta metade do caminho para o hospital. Sabina ainda pode ser salva. Ainda pode
voltar pra casa e ver seus filhos.

Nikolai grita mais uma vez. Acabou. Não há o que se fazer. Ela está morta. Piotr chora. Falhou
com o amigo. Deixou de salvar uma vida. Não esteve presente durante o parto complicado e
não conseguiu socorrê-la a tempo. Imperdoável. Como vai dizer o que deixou de fazer para
Illyana? Como vai olhar para sua esposa depois dessa falha abominável?

Piotr, como se esperando por um milagre, pula para traseira da ambulância. Quer conferir
ele mesmo se os aparelhos estão funcionando. Se Nikolai não fez algo errado. Olha
fixamente para o corpo de Sabina. E sente fome. Uma fome que vem de dentro. Que vem da
alma. Uma fome que corrói.

Piotr pisca. E ao abrir os olhos, todas as veias do corpo de Sabina estão reluzentes, como se
fossem destacadas por uma caneta marca-texto vermelha. A fome aumenta. Ele precisa
morder algo para saciar sua fome. O vermelho vivo do pescoço de Sabina é hipnotizante.
Piotr chega mais perto. Mais perto. Abre a boca e se prepara para morder.
POW!

Piotr cai de lado. Uma pancada muito forte atingiu sua cabeça, deixando-o atordoado. POW!
Sem expressar a mínima reação, o enfermeiro é arremessado da ambulância por Nikolai,
que grita como louco, cobrando explicações do motivo de Piotr ter tentado morder sua
esposa falecida. Piotr grita que está com fome. Que precisa comer. Leva um chute na boca do
estômago e rola pela neve.

O veterano saca sua arma e mira. Piotr grita que se não for imobilizado, vai arrumar um jeito
de saciar sua fome. Nikolai dá uma chave de pescoço no enfermeiro, que morde seu braço. A
ação não dá resultado, por conta da quantidade de pano protegendo o local. Nikolai torce o
braço de Piotr até deslocá-lo. Entra na ambulância e pega uma camisa de força. Amarra pés
e mãos e prende o amigo, que se contorce. Usa uma atadura para fazer ele ficar calado.

Silêncio no veículo. Apenas o som de Nikolai respirando fundo e de Piotr se debatendo


podem ser ouvidos. A nevasca aumenta e começa a cair com mais volume. Um uivo corta o
silêncio e a janela dianteira da ambulância trinca, numa linha diagonal.

Nikolai entra em transe. Seus olhos miram fixamente algum ponto. Ele vira a cabeça com o
rosto pálido para o lado de fora. Piotr não vê nada. Só a neve. Nikolai se vira para o
enfermeiro, xinga mais alguns palavrões e chuta sua barriga. A dor é forte e Piotr quase
desmaia. Mas a fome o mantém acordado.

Nikolai pega uma seringa e um vidro de morfina. Seus olhos estão fixos. Enche a seringa e se
dirige para Piotr. O enfermeiro sabe que tem que fazer algo, senão vai morrer. Respira fundo
e consegue mexer o braço deslocado, afrouxando os pés. Chuta com toda a força que tem
Nikolai, que tomba de lado e deixa a seringa cair no chão, inviabilizando seu uso futuro.

O uivo é ouvido mais uma vez. Piotr sabe o que é. O lobo também sente a mesma fome que
Piotr sente. E só ele pode deter o animal. Arranca a bandagem da boca e fala com Nikolai que
para sairem vivos de lá, o veterano precisa soltá-lo. Nikolai aponta a arma para a cabeça do
amigo e diz que não fará nada. O uivo é ouvido mais uma vez, bem perto da ambulância.

CRASH!

O vidro dianteiro da ambulância se parte. Milhares de cacos de vidro voam por todos os
lados. A neve engrossa e começa a formar uma camada sólida no chão. A ambulância treme.
O movimento, que começa no chão, parece que vai partir o veículo em dois. Novo uivo. O
lobo vai entrar a qualquer momento.

Piotr grita e reforça que ele é o único que pode salvá-los. A fome passou. O lobo tornou-se seu
portador. Nikolai fraqueja. Não confia mais no enfermeiro. Piotr grita mais uma vez. A
urgência faz com que o veterano acredite e o solte. Mesmo com o braço torcido, Piotr
assume o volante, acelera, dá um cavalo de pau e segue de volta para o condomínio.

Nikolai olha atentamente para Piotr. Arma em punho, mirando na cabeça. Sentem frio. Com
a janela quebrada, o vento gelado se transforma numa prova de resistência. O enfermeiro
acelera e força o motor do veículo. O lobo fica para trás.

Conseguem avançar por dez minutos ainda. Os dois em silêncio, como se estivessem em
torpor, pensando em tudo que aconteceu nos últimos minutos. A ambulância pifa. Nikolai
avisa que Piotr deve sair com calma. Do lado de fora, com absoluto desdém, avisa ao
enfermeiro que vai seguir andando e que ele pode escolher por acompanhá-lo ou ficar onde
está.

A fome dá uma pontada. O passageiro negro de Piotr se escondeu, mas não foi embora. Piotr
lembra da cor vermelha no corpo de Sabina e resolve ficar. Nikolai olha fixamente para Piotr
e, como quem tivesse descoberto a solução de um quebra-cabeças antigo, muda de ideia e
manda o enfermeiro seguir junto com ele, na frente, em uma distância segura.

Os dois seguem por entre ruas e prédios, andando com dificuldade pela neve, que está na
altura dos joelhos. Algo incomoda Nikolai, mas ele não fala com Piotr. Andam por 15
minutos, em silêncio. Silêncio rompido apenas por sussurros do veterano orientando qual o
caminho deve ser seguido. Finalmente chegam na porta do condomínio. E Nikolai rompe o
segredo. Os dois estão sendo seguidos.
PONTOS DE VISTA
NIKOLAI retorna ao conjunto habitacional no
tempo em que a nevasca resolve dar uma
trégua e o sol retorna, timidamente, a dar sinal
de vida. Seus passos são lúgrubes, seus
movimentos vagarosos, sua mente vagueia,
ele sabe muito bem O QUE fez, entretanto não
se recordo do COMO. Sua mente branca e
enevoada como a nevasca que a pouco
enfrentou com seu filho nos braços. O tempo
parece se arrastar enquanto bate o grosso
casaco no hall de entrada e se dirige para o
pequeno cômodo no quinto andar deixando
pegadas molhadas pelo antigo e mofado
carpete.

Enquanto vagueia andar a cima um homem de


barba espessa, grosso casaco e uma ushanka
tromba com ele quase o derrubando. Uma
fúria sobe-lhe à face e grita a plenos pulmões
para o sujeito, sua vontade era de correr atrás
dele, mas o sentimento fulgaz logo se extingue
frente ao peso dos últimos acontecimentos.
Em seu andar a cor carmesim predomina,
como que o relembrando a cada instante do
que ele havia feito. Se detêm por minutos com a mão na maçaneta sem saber o que fazer,
falta-lhe coragem para abrir a porta e enfrentar a realidade mais fria e cruel do que a nevasca
que volta a formar-se do lado de fora. Lembra-se então de que havia deixado sua filha com a
bondosa Sra Varda. Saindo de seu torpor gira em seus calcanhares e vai ver sua pequena
Emiliya, seu bastião de felicidade.

Ele encontra com Varda no corredor, sua filha ao lado, quieta e obediente. Ele se ajoelha
chama por ela, abraça-lhe querendo sentir que ainda há algo de bom que ele mesmo fez. Ela
dá pequenas risadinhas enquanto o afasta dizendo estar muito molhado. Pega-a pela mão e
agradece Varda por mais uma vez cuidar de sua menina, mas antes mesmo que desça as
escadas a sra lhe diz que Piotr chegou a pouco e estava em sua casa tomando banho. Ele
precisava de Piotr, ele saberia o que fazer com Sabina. Pede permissão a Varda para esperá-lo
e entra no amontoado cômodo.

Ele senta-se no sofá com sua filha em seu joelho, acaricia-lhe os cabelos, o toque lhe acalma.
Mas Emiliya nunca foi uma criança passiva, sua curiosidade aguçada é capaz de pegar
qualquer adulto desprevenido e de supetão pergunta-lhe o porquê havia saindo com seu
irmãozinho e aonde ele estava. Com um olhar duro ele lhe silencia, dizendo que depois
conversariam sobre isso. Conversa amenidades com Varda quando Piotr sai desolado do
fumacento banheiro. Ele estivera fora por muito tempo e não sabia da morte da Kaminev. As
lágrimas rolam pela face enquanto segura as mãos de uma frágil e triste Varda. Aquela não
era a figura vivaz e acolhedora da senhora que ele conhecia. E assim todos passam a chorar.
Sua filha apanhada no turbilhão de emoções não se contém e entre soluços pergunta sem
parar sobre seu irmão.

Depois das emoções serem contidas Nikolai chama Piotr para conversar e saem pelo
corredor. Ele não sabe como tocar no assunto e durante o caminho para sua casa fala sobre
as complicações pós parto de Sabina. Dona Varda tinha feito todo o possível, ela estava
saudável antes do parto, fizeram tudo certo, mas a nevasca os pegou desprevinidos e não foi
possível levá-la ao hospital. Ele não queria admitir, não sua esposa, ainda podia ter uma
esperança, mas já havia visto muitos corpos e a morte para ele era uma companheira
constante.

Abre a porta do quarto para mostrar uma figura


deitada em sua cama, coberta por um lençol branco.
O cheiro de sangue coagulado, doença e morte
rodava pelo quarto. Os panos sangrentos dobrados
ao lado da cama. Piotr estava desolado. Culpava-se
por não estar ali. Logo ele que havia acompanhado
todo o pré natal. Mas como um profissional da saúde
ele ainda tem esperanças. A levariam para o hospital.

Nikolai enrola o corpo nos cobertores da cama


fazendo uma confortável mortalha, não queria deixar
sua esposa, o amor de sua vida, desconfortável.
Mesmo na morte! Estava tão absorto em levar
cuidadosamente sua mulher que não tinha forças
para as loucuras de Piortr. Novamente ele com aquela
fala estranha, como se sempre alguém estivesse
perto dele. Mas não era hora, e sabia que ele era um
ótimo profissional.

Enquanto desciam as escadas o corpo começa a ficar


cada vez mais pesado, incomodamente pesado,
estranhamente pesado. E pouco a pouco a barriga
cresce. Ela ainda estava grávida? Mas não havia sido ontem o parto? Ele sabia que algo estava
errado, por quê sabia o que tinha acabado de fazer. Mas como poderia. Estava vendo, ali, na
sua frente. Chama pelo enfermeiro que pede para colocá-la no chão. Estava viva! Como ele
não havia percebido isso. Fraca, mas viva. Andam o mais rápido possível para a ambulância,
precisavam ir ao hospital antes de ficarem totalmente presos na nevasca que já começava a
se espessar.
No pátio interno enquanto corriam para salvar sua esposa os instintos de Nikolai o avisam
que algo estava errado, mas antes mesmo que pudesse fazer algo a porta se abre e o mesmo
homem que quase o derrubou encontrava-se lá dentro… atrapalhando-o de salvar sua
esposa. Ele deixa cuidadosamente Sabina no chão enquanto o homem sai aos gritos de
dentro do carro. Sem pensar avança com uma botinada nas costelas do sujeito que rola no
chão com uma dor lancinante. Ele o agarra pelo colarinho jogando-o para o lado, não tinha
tempo para aquilo. Os dois entram na ambulância, Piotr liga rapidamente os equipamentos
em sua esposa enquanto pula para o banco da frente e sai em disparada para o hospital. Ele
pede para Nikolai ficar de olho e lhe dizer se algo estivesse errado. Só que o barulho constante
e ininterrupto do aparelho só lhe dizia uma coisa… MORTA.

O barulho agudo, elevado e contínuo do monitor cardíaco grita aos ouvidos de Nikolai. Ele
testa a conexão dos fios, liga e desliga, mas ainda escuta o mesmo cantar fúnebre. Começa a
se exasperar e grita a Piotr, que dirige feito louco através das ruas congeladas e uma nevasca
cegante, que pare a ambulância. Ela estava morta. O socorrista afirma que ela está viva, fraca,
porém viva e que deveria ser os aparelhos. Nikolai se segura o melhor que pode enquanto
metodicamente verifica novamente todos os eletrodos, fios e conexões. Nada. Somente
morte. O motorista não acredita e acelera ainda mais, guiando perfeitamente no meio
daquele mar de brancura e perigo enquanto Nikolai é arremessado na parte de trás da
ambulância. Ele consegue chegar até o amigo e entre gritos e palavrões em Azerbaijão
ordena que pare o veículo.

Piotr estanca a ambulância que rabeia e reclama da súbita freada, as mãos agarram
firmemente o volante e os olhos vidrados estão repletos de culpa. Ele começa a chorar e
Nikolai percebe todo o remorso naquelas lágrimas incessantes. Enquanto as emoções
tomam conta e os dois homens gritam sobre o que devem fazer, um barulho seguido de uma
rachadura de cima a baixo aparece no para-brisa. O veterano se apruma todo olhando para
todos os cantos, procurando o que poderia ter causado aquilo. Mas não havia nada por ali. Se
aproveitando do momento o socorrista pula para a traseira da ambulância para ter certeza
do estado em que se encontrava Sabina, e foi então, que ao se virar Nikolai vê Piotr lambendo
e pronto para morder o pescoço de sua esposa.

Uma pancada pesada acerta o enfermeiro na lateral de sua cabeça jogando-o para o lado
enquanto o veterano avança o arremessando para fora do veículo. Pulando pesadamente na
rua coberta de neve Nikolai é ódio e fúria, e aos berros exige explicações enquanto chuta
aquele ser doente nas costelas. A fome...a fome... é só o que o outro consegue dizer enquanto
rola no chão de dor. Ele é levantado e posto numa chave de braço e quando tenta se
desvencilhar tem seu ombro deslocado enquanto é conduzido para a ambulância sendo
amarrado e amordaçado.

Sentado num canto com sua mente atordoada enquanto olha para o corpo que tenta se
soltar e pensando no que fazer, outra rachadura aparece de forma sonora no vidro fazendo
um X junto com a anterior. Nikolai se levanta rapidamente com a arma em punho, algo muito
estranho está acontecendo. Olhando pelos vidros traseiros enquanto um uivo ao longe lhe
chega aos ouvidos ele expande sua atenção para tentar captar alguma coisa. Neste momento
tudo muda. A neve começa a ganhar tons de vermelho que brotam e escorrem como se ela
sangrasse. A terra estremece e sacoleja balançando a ambulância. O que estaria
acontecendo. Seus olhos devem estar lhe pregando uma peça. Sua respiração fica mais
acelerada e tenta procurar algo que faça sentido. Mas ao fixar-se no homem caído aí chão ele
repara um movimento sob a camisa, como se algo quisesse sair. Ele se aproxima e percebe
que os olhos de Piotr estão vermelhos e neles há violência. Cuidadosamente levanta a camisa
e quase tem seus dedos decepados por uma bocarra, que se estende do plexo a linha da
cintura, com grandes e retorcidos dentes, que não param de se mexer e abocanhar o que quer
que chegue perto, na tentativa de aplacar o
negrume, o vazio eterno que se vê dentro dela.

Ele cai pesadamente enquanto escapa daquilo que


o tentou morder. Sua mente não consegue
processar o que está acontecendo, ele sua frio, a
arma treme em suas mãos, sente o gosto do medo
no fundo da garganta e sua mandíbula tenciona.
Sabe que precisa apagar essa coisa, mas no fundo
sabe que Piotr está ali dentro e não quer matar o
amigo. Se levanta atabalhoadamente e sem
precaução corre ao armário de medicamento
pegando frasco e agulha. Aquilo daria um jeito. Mas
ao virar-se é pego desprevenido pelo enfermeiro
que conseguiu soltar um de seus braços e o
derrubar quebrando a seringa. O para-brisa
estilhaça e a nevasca entra assobiando. Dessa vez
não havia outro jeito e sacando a arma prepara-se
para atirar, ele precisava voltar para Emiliya.

Antes do disparo ser efetuado o socorrista


consegue tirar a mordaça e implora que o
desamarre, pois era o único que podia guiar a
ambulância e os tirar daquela situação. O medo domina Nikolai, suas hábeis mãos não
conseguem controlar a arma que trepida, não sabe o que fazer. Alguns momentos se passam
e enquanto Piotr fala e as emoções vão se acalmando a figura monstruosa vai tornando-se
novamente o enfermeiro que ele conhece. A vermelhidão dos seus olhos e do ambiente vai
dando lugar ao branco da neve, assim como cessa o sacolejar do veículo.

Ele corta as amarras enquanto aponta a arma para o enfermeiro, o faz sentar no banco do
motorista e guiar, porém, minutos depois o motor cede ao vento gélido do ártico e morre
congelado. Os dois terão que fazer o restante da jornada a pé. Nikolai os guia entre prédios e
ruelas, escapando dos ventos cortantes e achando o caminho para casa. Entretanto, tiveram
de fazer uma série de ajustes, pois um rastro que o incomodava estava seguindo na mesma
direção que estavam indo, para o conjunto habitacional D.
CONCLUSÃO
(texto do mestre)

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PÓS CRÉDITOS
DIÁRIO DE CAMPANHA

Arthur Andrade
Donjonmaster

Tárcio Martins
Yeva

Ramon Moure
Varda

Gustavo Tenório
Piotr

Beto Rodrigues
Nikolai

Fotos reais de Norilsk realizadas por Elena Chernyshova | Days of night-nights of day.
Kult Divine Lost é uma publicação da editora Helmgast AB.

Esse material foi disponibilizado originalmente por


www.donjonmaster.blogspot.com

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