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Arquitetura Moderna Brasileira Dos Pioneiros A Brasília 1925-1960 PDF
Arquitetura Moderna Brasileira Dos Pioneiros A Brasília 1925-1960 PDF
RESUMO
Desde meados do século XX, arquitetos e historiadores debruçam-se sobre o tema da
arquitetura moderna no Brasil procurando revelar os aspectos que a fizeram reconhecida
internacionalmente, como ocorreu seu desenvolvimento no próprio país e quem foram os
protagonistas deste processo. Seguindo tal propósito este trabalho se estrutura sob quatro
conceitos que buscam sintetizar a trajetória da arquitetura moderna brasileira. Sob o primeiro
conceito denominado construção abrigam-se as idéias de Lucio Costa e de Vitor Dubugras. O
primeiro, no Rio de Janeiro, criou uma teoria relacionando arquitetura moderna brasileira
com a arquitetura colonial. Já em São Paulo a arquitetura moderna se desenvolveu a partir da
atuação de Vitor Dubugras como arquiteto e como professor da Escola Politécnica. Mas a
arquitetura moderna brasileira consolidou-se com a construção do MES , cujo processo in-
cluiu a participação de Le Corbusier como consultor, daí o segundo conceito dematerialização
utilizado para explicar esta fase. O terceiro conceito, difusão é utilizado para evidenciar o
desenvolvimento da arquitetura moderna em outras capitais relacionado à participação dos
arquitetos cariocas, principalmente. O quarto conceito, consagração é utilizado para descrever
o processo de criação de Brasília, que congrega as idéias sobre arquitetura e urbanismo, no
período, de forma única.
Palavras-chave: arquitetura moderna; arquitetura brasileira; história da arquitetura.
ABSTRACT
Since mid-twentieth century years, architects and historians are trying to undrestand
the aspects that made the Modern Brazilian Architecture internationaly recognized, its
development in Brazil and who played the main roles in this process. This paper is structured
under four concepts that aim to sintetize the path of the Modern brazilian Architecture.
Under the first concept, named contuction, are sheltered the ideals and ideas of Lucio Costa
and Vitor Dubugras. Lucio Costa, in Rio de Janeiro, created a theory relating Modern and
Colonial Architecture. In São Paulo the development of the Modern Architecture occurred
under influence of Victor Dubugras as architect and professor in Escola Politécnica. The
recognition of the Modern Brazilian Architecture only occured when the MES was built. The
process included a participation of Le Corbusier as consultant. So the conceptmaterialization,
of
is used to explain this period. We may use the third concept, difusion, to emphasize the
development of the Modern Architecture in other Capitals, mainly related to the participation
of architects from Rio de Janeiro. The forth concept, consagration, is used to describe the
process of the creation of Brasília, which put together in a unique way the ideas of architecture
and urbanism of that period.
Key words: modern architecture; brazilian architecture; architecture history.
Escrever sobre a arquitetura moderna no Brasil, abordando desde a atuação dos pio-
neiros, nos anos 1920, até à construção de Brasília – um período relativamente longo da
história – em poucas páginas, pode levar a valorizações excessivas e esquecimentos desastro-
sos, na medida em que não é possível descrever todo o processo.
Diante de tal questão, optou-se por construir um quadro geral da produção arquitetônica
brasileira, entre os anos 20 e 60 do século XX. Com isto, o texto se desenvolve a partir de
quatro conceitos, que sintetizam a trajetória desta arquitetura moderna no Brasil. O primeiro
conceito aplicado é o de construção, sobre o qual é descrito o processo de surgimento da arqui-
tetura moderna brasileira e no qual são apresentadas as raízes da “Escola Carioca”, a partir do
pensamento de Lúcio Costa – que na década de 20 era defensor da arquitetura neocolonial e
alguns anos depois se tornou o principal mentor da arquitetura moderna brasileira. Ainda sob
este conceito apresentam-se as raízes da arquitetura moderna paulista considerando a influência
de Victor Dubugras, no sentido de apontar algumas diferenças entre essas duas “escolas”.
O segundo conceito, de materialização, diz respeito à elaboração do projeto do Ministé-
rio da Educação e Saúde – o MES, no Rio de Janeiro, cuja linguagem sintetiza as influências da
arquitetura corbuseriana aliadas ao processo de criação de uma arquitetura moderna e brasileira.
Sob o terceiro conceito, denominado difusão, são apresentados alguns exemplares da arqui-
tetura moderna construídos entre as décadas de 1940 e 1960, em algumas capitais do país, cujos
projetos, em sua maioria, foram executados por arquitetos formados no Rio ou em São Paulo, sós ou
em parcerias com arquitetos dessas cidades, sem desprezar experiências isoladas, como o caso exem-
plar de Frederico Kirchgässner, em Curitiba.
Finalmente, sob o conceito de consagração apresentam-se alguns elementos da criação de
Brasília – a partir do Concurso do Plano Diretor de 1957 – que congrega idéias sobre arquitetura e
urbanismo, no período, de forma única.
A arquitetura moderna brasileira que se materializou na década de 1930, mais especificamen-
1
te em 1937, com o projeto do Ministério da Educação e Saúde MES, compõe-se de elementos que
buscam expressar o caráter peculiar da cultura brasileira, levando historiadores como Bruand (1966)
e Montaner (1992) a comentar sobre a relação da arquitetura moderna brasileira com a arquitetura
mais simples do Período Colonial, considerando-a única e específica. Mostrar como se construiu essa
idéia leva-nos a refletir sobre a elaboração teórica dessa arquitetura, no sentido de identificar algumas
questões que influenciaram e, em certo sentido, determinaram suas características.
Para alcançar tal objetivo faz-se necessário retroceder ao período entre os anos 10 e 20,
quando o engenheiro português Ricardo Severo, convidado a fazer uma palestra na Sociedade de
Cultura Artística, em São Paulo, em 1914, lançou as primeiras idéias sobre a valorização da arte
genuína brasileira (SEGAWA, 1997).
Em 1917, mais uma vez Severodesta – vez na Escola Politécnica de São Paulo – se pronun-
ciou a favor da busca por uma arte nacional, considerando nossa raiz étnica portuguesa como o
fundamento da arte brasileira. Às manifestações de Severo adicionou-se um sentimento geral de
ufanismo, decorrente da comemoração do centenário da independência do Brasil, alguns anos
depois.
Na América Latina o fenô meno de elaboração de um repertório arquitetônico representati-
vo de um passado, algumas vezes inexistente, ocorreu em alguns países a partir de finais do século
XIX, sempre em função das comemorações do centenário da sua independência (AMARAL, 1994)
Como exemplo é possível citar
o caso da Califórnia, nos Esta-
dos Unidos, onde apareceu o
primeiro projeto inspirado nos
edifícios de adobe cali-
fornianos, para construção da
Universidade de Palo Alto, em
1885. Na mesma linha, alguns
anos depois, foi construído o
Pavilhão da Califórnia para a
Feira Colombiana de Chicago,
erguido em comemoração aos
400 anos do descobrimento da
América, no qual se adotou
como linguagem arquitetônica
o estilo das missões cali-
Figura 2 - Casa Neocolonial em Salvador (acervo da autora). fornianas.
1
A construção do MES iniciou-se em 1937, mas o edifício só foi finalizado em 1943.
2
Lucio Costa atuou como consultor do SPHAN ao lado de Rodrigo Mello Franco de Andrade, na década de 1930.
res foram a Residência Névio Barbosa de 1914, em São Paulo – mesmo ano da palestra de
Ricardo Severo – e a de Luiz Franco do Amaral, em Santos, de 1915 (REIS, 1997). Ainda que
a produção neocolonial de Dubugras seja contemporânea à palestra de Severo é reconhecida
a influência de tal palestra sobre a produção do arquiteto (LEMOS, 1994).
Contudo, apesar de ter desenvolvido uma série de projetos neocoloniais, Dubugras
sempre demonstrou uma preocupação com a revisão das técnicas construtivas tradicionais de
modo a adequá-las às condições específicas do local – clima e mão-de-obra. Por isso, mais que
valorizar a inserção de elementos da arquitetura tradicional – beirais avantajados e telha canal
– nos quais revelava também sua admiração pela obra de Frank Lloyd Wright, Dubugras
preocupava-se com a aplicação de técnicas eficientes, revelando-se um seguidor da tradição
racionalista, que pregava a aplicação da verdade construtiva nas obras arquitetônicas (REIS,
1997). Este fator é de grande importância no desenvolvimento da vertente paulista da arqui-
tetura brasileira.
Em síntese, a produção de Vitor Dubugras caracterizou-se mais pela busca constante
de um racionalismo que pela linguagem adotada: contemporaneamente o arquiteto projetava
obras utilizando o repertório art nouveau, o eclético, o neocolonial e o protomoderno, cujo
exemplar mais conhecido é a Estação de Mayrink, de 1905 (REIS, 1997). Neste edifício,
Dubugras utilizou a técnica construtiva do concreto armado numa linguagem próxima à dos
modernos austríacos e alemães vinculados à Secessão (LEMOS, 1994).
Pelo fato do arquiteto, já na primeira década do século, fazer uso de tecnologias e lingua-
gens vinculadas ao repertório modernista causa estranheza o fato dele não ter participado da
Semana de 22, da qual participaram dois arquitetos apresentando projetos tradicionais.
À parte essa tendência racionalista da sua obra, sua contribuição ao desenvolvimento
da arquitetura moderna consolidou-se na sua atividade de professor da Escola Politécnica.
Através de Dubugras os alunos daquela escola puderam apreciar a produção orgânica de
Frank Lloyd Wright. E aí está, ainda que de forma bastante simplificada, uma característica da
produção de arquitetura de São Paulo que o paranaense João Batista Vilanova Artigas será seu
representante exemplar.
Segundo Bruand (1997) é possível identificar três momentos da produção de Artigas,
nos quais manifestam-se respectivamente a influência de Frank Lloyd Wright; a influência de
Le Corbusier e da Escola Carioca, que Artigas traduz na busca por uma maior racionalidade;
e a influência do brutalismo inglês o qual reinterpreta de forma peculiar.
Mas outros dois arquitetos contribuíram para definir um caráter particular à arquitetu-
ra moderna de São Paulo: Rino Levi, que estudara arquitetura na Real Escola Superior de
Arquitetura, em Roma e Gregori Warchavchik, arquiteto russo formado na Itália e emigrado
para o Brasil em 1923. Em 1925, ambos, um, em São Paulo, e o outro, no Rio de Janeiro,
lançaram manifestos a favor da arquitetura moderna. O primeiro, de Rino Levi, intitulado “A
Arquitetura e a Estética das Cidades”, publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 15 de
outubro, significava uma apologia à realidade moderna chamando atenção para os novos
materiais, que deveriam ser aplicados no sentido de se compor uma arquitetura de linhas simples.
O de Gregori Warchavchik foi publicado em novembro do mesmo ano no Cor-
reio da Manhã, no Rio de Janeiro, e sob o título “Acerca da Arquitetura Moderna” proclamava a
negação dos estilos do passado e apontava as vantagens da estética das máquinas aplicada à arqui-
tetura. A importância dos dois arquitetos ultrapassou a publicação de tais manifestos: Rino Levi,
depois de Warchavchik, se tornou um dos principais arquitetos de São Paulo, servindo de referên-
1930, Warchavchik elaborou os projetos de sete casas em São Paulo, iniciando pela mais polêmi-
ca, a Casa da Rua Santa Cruz, em 1928, que fez para si após seu casamento com Mina Klabin,
considerada a primeira casa modernista, contudo executada dentro de técnicas tradicionais,
contrariando os princípios de racionalidade defendidos por ele mesmo.
Mas a intenção de modernidade das obras de Warchavchik levou à sua adoção pelos
modernistas de São Paulo e à inauguração da Casa da Rua Itápolis, que revelava a idéia corren-
te – advinda da Bauhaus – de integração das artes, apresentando móveis de linhas “modernas”
desenhados pelo próprio Warchavchik ao lado de obras de artistas famosos como Tarsila do
Amaral, Regina Gomide Graz, John Graz, Cícero Dias, Di Cavalcanti, Celso Antonio, Anita
3
Merece destaque sua residência de 1946, que apresenta elementos da corrente orgânica da arquitetura, como a valorização do
interior em relação ao exterior e a preocupação em integrar natureza a arquitetura.
Malfatti e Vítor Brecheret, além de tapeçaria da Bauhaus. O prestígio de Warchavchik era tal,
no período, que Le Corbusier em sua vinda ao Brasil, em 1929, convidou o arquiteto para ser
delegado pela América do Sul, no CIAM.
Os resultados das elaborações teóricas da década de 20 e inícios dos anos 30 aparecem
na obra do MES, no Rio de Janeiro, considerada marco exemplar da “materialização” da
arquitetura moderna brasileira, pelo fato de mesclar as influências de Le Corbusier, com as
elaborações teóricas de Costa por um lado e por outro revelar talentos como os de Niemeyer
e de Burle Marx, sem que o projeto expressasse cada uma dessas particularidades de forma
isolada.
O termo materialização aqui adotado e o exemplo do projeto da sede do MES foram
emprestados de Lúcio Costa (1995) que comenta referindo-se ao citado edifício: “A sua pure-
za arquitetônica é a expressão materializada do impossível sonho dos anos 1930 e 31” (COS-
TA, 1995, p.71).
Retomando a relação entre a cultura e o Estado, exposto anteriormente, fica fácil
entender a importância do edifício do MES no seu papel de representar todo o esforço reno-
vador do governo, voltado para o futuro do Brasil; o edifício deveria ser o símbolo da mão
renovadora do Ministério. Ao promover um concurso para elaboração do projeto três corren-
tes no campo da arquitetura se manifestaram: a “eclética”, favorável a referências do passado
dentro de um ponto de vista internacional; a “neocolonial”, adepta do retorno às formas do
passado colonial e a “moderna”, adepta do movimento moderno de caráter internacional.
Com tudo isso, apesar do projeto vencedor situar-se na linha acadêmica mesclada com
ornamentos marajoara – cujo autor foi Archimedes Memória, catedrático de grandes compo-
sições e diretor da ENBA – a grande vencedora foi a corrente modernista. Argumentando
que nos fundamentos de tal corrente de pensamento era possível identificar elementos que se
relacionavam com a arquitetura colonial – como por exemplo o pilotis, com as casas tradici-
onais sobre estacas, o esqueleto de concreto armado, com as antigas estruturas de madeira e
a “pureza” das novas plantas, com a simplicidade das empenas caiadas, da arquitetura no
período colonial – conseguiram que o Ministro Gustavo Capanema desconsiderasse os resul-
tados do concurso e convidasse Lúcio Costa para coordenar o desenvolvimento de um novo
projeto. Junto com Lúcio Costa participam Jorge Machado Moreira, Carlos Leão, Afonso
Eduardo Reidy, Ernani Vasconcelos, Oscar Niemeyer e Roberto Burle Marx. Costa, por sua
vez, convenceu o Ministro Capanema a trazer Le Corbusier para dar consultoria à equipe
brasileira.
Em 1936, Corbusier chegou ao Rio de Janeiro para participar como consultor, tendo
elaborado dois de cinco estudos desenvolvidos para o MES no período: o primeiro estudo,
baseado ainda no projeto que Jorge Machado Moreira fez, junto com Ernani Vasconcelos, no
tempo do Concurso, foi desenvolvido pela equipe brasileira antes da chegada de Corbusier,
que elaborou o segundo e o terceiro; o último foi a solução adotada no projeto definitivo,
também da equipe brasileira, que aproveitou algumas idéias de Le Corbusier, apresentadas no
seu primeiro estudo feito para um terreno próximo ao mar, no qual projetou um edifício mais
alto interceptado perpendicularmente por um mais baixo, onde funcionavam um salão de
exposições e um auditório de forma trapezoidal.
No sentido de dotar a obra de um caráter brasileiro, o arquiteto suíço sugeriu o uso de
granito, encontrado nas imediações do Rio de Janeiro, no piso do pavimento térreo e nas
empenas e a utilização de painéis de azulejo, conforme foram executados por Portinari, além
retornaram posteriormente. Assim aconteceu com João Batista Vilanova Artigas, formado
pela Escola Politécnica de São Paulo, responsável pelos projetos de algumas residências – José
Merhy (1941), Joel Artigas (1944) e Álvaro Sá (1945) – e do Hospital São Lucas e com o
arquiteto David Xavier de Azambuja, formado pela Escola Nacional de Belas Artes, respon-
sável pela obra do Centro Cívico (1953) e pelo auditório da Reitoria da UFPR.
A década de 1950 marcou a participação dos arquitetos paulistas – Adolf Franz Heep
e Osvaldo Arthur Bratke – e cariocas – Ernani Vasconcelos, Sérgio Bernardes, Paulo Antunes
Ribeiro e Ulisses Burlamaqui. A participação dos cariocas estendeu-se até o início dos anos 60
– quando Jorge Ferreira, em parceria com José Genuíno de Oliveira, projetou a Casa do
Estudante Universitário da UFPR, Sérgio Bernardes, juntamente com Marcos de Vasconce-
los, elaborou o Plano Diretor da PUCPR e Oscar Niemeyer, em 1967, elaborou o projeto do
Instituto Paranaense de Educação, IEP (hoje MON), mas foram os paulistas que exerceram
maior influência sobre os jovens arquitetos curitibanos através do ensino no Curso de Arqui-
tetura da Universidade Federal do Paraná, criado em 1962 (XAVIER,1985).
Em Salvador costuma-se dizer que as décadas de 1950 e 1960 foram dominadas pela
atuação de Diógenes Rebouças, que executou grande parte dos edifícios modernistas do pe-
ríodo, na cidade.
As obras que Rebouças fez sozinho revelam claras influências da arquitetura carioca e
se por um lado foram marcadas por um certo ecletismo, na medida em que não é possível
reconhecer uma característica formal que as integre, por outro são obras que revelam um
domínio de escala e implantação no contexto urbano, inigualável na produção local e mesmo
frente a um universo mais amplo. Mas as melhores obras de Rebouças foram feitas em parce-
ria: o Hotel da Bahia projetado em 1947, com a co-autoria de Paulo Antunes Ribeiro, foi um
dos marcos da arquitetura modernista de Salvador assim como o Centro Educacional Carnei-
ro Ribeiro (escola-parque e escola-classe) feito em parceria com o carioca Hélio Duarte, entre
1947 e 19564 foi outro edifício que se destacou no contexto arquitetônico local.
Contudo, a contribuição dos arquitetos “de fora” não se deu apenas em parceria com
Rebouças. Um dos mais peculiares edifícios desse período, em Salvador, foi o edifício
Comendador Pereira, projetado pelo Escritório Ramos de Azevedo, no início dos anos 1950,
que revela uma transição entre a arquitetura art decó e o repertório modernista, aliando curvas
e retas a fachadas inteiras embrise soleil. Outros exemplares que se destacaram foram construídos
na “cidade baixa”,5 destacando-se dentre eles os edifícios Caramuru e Paraguassu do arquiteto
carioca Paulo Antunes Ribeiro.6 O arquiteto José Bina Fonyat, baiano, formado pela Faculda-
de de Arquitetura da Universidade do Brasil, também projetou algumas obras de reconhecida
qualidade em Salvador, como o Teatro Castro Alves.
Em Recife a arquitetura moderna desenvolveu-se com a participação de dois arquite-
tos “estrangeiros”: o carioca Acácio Gil Borsoi, conhecido pelo espírito inovador e humanista,
e o português Delfim Fernandes Amorim, os quais contribuíram para renovar a arquitetura da cida-
de, deixando de lado a atuação vanguardista de Luís Nunes, que havia trabalhado na cidade na década
4
O projeto busca integrar à arquitetura as idéias sobre educação desenvolvidas pelo educador Anísio Teixeira, cujos princípiosãos
utilizados posteriormente na escola-parque de Brasília, em 1961, nos CIEPs de Darcy Ribeiro, no Rio de Janeiro, nas duas
administrações Brizola e nos CIACs, implantados pelo governo federal na administração Collor de Mello.
5
A maioria dos prédios foi construída no Bairro do Comércio, na área resultante do aterro do porto executado no início do século
XX.
6
O primeiro, de 1946, foi publicado na Architecture d’aujourd’hui, em 1952, na Architectural Review, em 1954 e no Arquitetura
Moderna no Brasil, de Henrique Midlin, em 1956.
Figura 7 - José Liberal de Castro. Residência Carlos D’Alge, Fortaleza, 1967 (acervo da autora).
gaúchos terem se deslocado posteriormente para Brasília a fim de ensinar na UnB, e para
Belém, no Estado do Pará, onde participaram da organização do curso de Arquitetura em me-
ados dos anos 60.
Como exemplos das influências carioca e uruguaia, podem ser citados respectivamen-
te os trabalhos de Carlos Maximiliano Fayet, que venceu o concurso para o projeto do edifício
do Palácio da Justiça em Porto Alegre, em parceria com Luiz Fernando Corona, quando ainda
era estudante, em 1953; e de Demétrio Ribeiro, que elaborou o projeto da Escola Estadual
Júlio de Castilho, em Porto Alegre, em 1958, cujo projeto foi considerado pelo autor como
uma tentativa de fazer uma arquitetura “menos espetacular, mais próxima ao povo” (WOLF,
1986).
Em Belo Horizonte, a arquitetura moderna iniciou-se com os projetos que Oscar
Niemeyer fez para o novo bairro da Pampulha, em 1940, a convite de Juscelino Kubitschek,
então prefeito da cidade, cujo primeiro contato havia-se dado por ocasião da elaboração, pelo
arquiteto, do projeto do Grande Hotel de Ouro Preto.
Os quatro edifícios elaborados por Niemeyer para a Pampulha voltados para ativida-
des de lazer e turismo foram implantados ao redor de um lago artificial e marcaram definiti-
vamente sua obra na arquitetura brasileira. Seguindo a idéia da caixa elevada, associada a
paredes curvas, princípio que norteou a elaboração do edifício do Pavilhão do Brasil na Feira
de Nova Iorque, em 1939,7 Niemeyer acrescentou formas e marquises orgânicas, para desen-
volver os projetos do Yacht Club, do Cassino, do Restaurante e Casa de Baile e da Capela de
São Francisco de Assis, que explicam bem a confiança de Kubitschek em entregar em suas
mãos, posteriormente, o projeto da futura capital brasileira.
Em cada um desses edifícios o arquiteto surpreen deu com uma nova interpretação da
linguagem modernista que deixa claro que já não importa a idéia de a forma seguir a função, princípio
tão caro no receituário do movimento moderno. Na Pampulha esses dois conceitos se misturaram de
forma harmoniosa anunciando a ousadia estrutural e o formalismo que passaram a dominar a obra
do arquiteto, a partir da construção de Brasília. A qualidade da produção moderna de Niemeyer em
Belo Horizonte foi a chave da sua futura atuação em Brasília, pela confiança que o presidente Kubitschek
depositava no seu trabalho.
O primeiro edifício construído, o do Cas-
sino, hoje Museu de Arte, está implantado num
local privilegiado, numa elevação do terreno à
beira d’água, valorizando sua composição que
se traduz num jogo de volumes, formas retas e
planas, massa e superfícies envidraçadas.
No projeto do Yacht o arquiteto repetiu
o mesmo princípio do Cassino contrapondo
formas retas e curvas; no Restaurante e Casa de
Baile entregou-se às formas orgânicas, quer se-
jam resultantes da interseção de dois círculos,
como também na planta da área do restaurante
Figura 8 - Capela da Pampulha, 1942. Arquiteto Oscar e da pista de danças, quer sejam desenvolvidas
Niemeyer (acervo da autora).
7
Este projeto que Niemeyer desenvolveu em face de um impedimento de Lúcio Costa, que se viu obrigado a retornar para o Brasil
antes da sua conclusão, obteve um resultado que lhe garantiu os projetos posteriores, principalmente o do conjunto da Pampulha.
livremente como na marquise do conjunto que segue até o pequeno vestiário localizado um pouco
adiante. Mas o principal edifício do conjunto é sem dúvida a Capela de São Francisco de Assis,
considerada uma obra-prima. O projeto revela ao mesmo tempo o afastamento dos princípios
cartesianos do movimento moderno, e uma provável aproximação com a liberdade das curvas do
barroco, e a exploração das possibilidades estruturais do concreto armado, nas cascas parabolóides
que compõem a cobertura. A riqueza da obra está na composição, nos contrastes, entre um exte-
rior de concreto e brise soleil e um interior, de madeira; entre o moderno brise soleil de uma das
fachadas e o tradicional painel de azulejos da outra; a riqueza da obra está no apuro técnico e nos
detalhes, como na clarabóia situada acima da parábola da nave para iluminar o altar; a riqueza da
obra está, enfim, na escala humana, na qual foi concebida
O próximo passo da carreira de
Niemeyer e a consagração definitiva da ar-
quitetura moderna brasileira foi Brasília, mas
Brasília, como viria a se chamar a nova capi-
tal do Brasil, significava naquele momento a
meta síntese das aspirações
desenvolvimentistas de Kubitschek. A pro-
messa de campanha feita na cidade de Jataí,
em Goiás, de seguir a Constituição,
Kubitschek levou às últimas conseqüências
no que se referia à necessidade de transferir a
Capital Federal do litoral para o centro geo-
econômico do país – necessidade esta pre-
sente desde a primeira República, em 1891. Figura 9 - Museu de Arte na Pampulha (antigo cassino). Arquiteto
No mesmo ano em que iniciou seu mandato Oscar Niemeyer (acervo da autora).
como presidente, o Congresso Nacional apro-
vou a transferência da Capital Federal para outro local na região central do país, numa área delimi-
tada a partir de estudos desenvolvidos por um grupo de consultores norte-americanos.
Kubitschek, usando as próprias palavras dele, convocou Niemeyer para “projetar todo os
edifícios públicos” da futura Capital e, para elaborar o Plano Piloto de Brasília, foi aberto um
Concurso Público, tendo como um dos jurados o próprio Oscar Niemeyer, e do qual participou
Lúcio Costa.
O edital do concurso exigia o traçado básico da cidade, que deveria abrigar uma população
de até 500 mil habitantes, com a disposição dos principais elementos da estrutura urbana, a
interligação dos setores e o sistema viário básico. A proposta de Lúcio Costa foi apresentada em
uma única planta e num memorial ilustrado com croquis. Neste trabalho Costa apresentou as prin-
cipais influências que nortearam seu estudo que se definiu a partir do “gesto primário de quem
assinala um lugar ou dele toma posse”, o sinal da cruz; a seguir as formas retas curvaram-se
levemente para adaptar-se às formas e à topografia do terreno. Com simplicidade estabeleceu o
princípio básico que norteou os eixos principais de Brasília: o Eixo Monumental e o Eixo Rodovi-
ário-Residencial. A apresentação de Lúcio Costa gerou críticas, como a do arquiteto Paulo Antunes
Ribeiro que considerou a proposta incompleta por não incorporar estudos de população, linhas
“feitas a régua” e maquetes.
As demais propostas compunham-se de grandes painéis e estudos sócio-econômicos que
denotavam o grande esforço e o dinheiro despendido pelos autores no processo de ela-
boração. Dentre essas propostas, algumas das classificadas entre as cinco melhores expressam
princípios do urbanismo moderno que foram apresentados em Brasília, aliados com outras
idéias que dão a medida do pensamento urbanístico que vigorava entre os arquitetos do país.
Uma dessas propostas, classificada em 3º lugar, foi apresentada por Rino Levi, Roberto Cerqueira
César e L. R. Carvalho Fonseca, que se traduzia na proposta de uma cidade do futuro, construída
com alta tecnologia, composta por um conjunto de blocos de edifícios, cada qual composto de
oito lâminas com 350 m de altura, 435 m de comprimento e 18 m de profundidade, com dois
sistemas de elevadores e passarelas ligando as oito torres com 75 andares.
Outra proposta também classifica-
da em 3º lugar foi apresentada pelos ir-
mãos Maurício e Marcelo Roberto e ca-
racterizou-se como um sistema compos-
to de sete unidades urbanas, autônomas,
cada uma prevista para abrigar uma po-
pulação de 75 mil habitantes, interliga-
das por um sistema de transporte rápi-
do. Cada unidade desenvolvia-se de acor-
do com o modelo radiocêntrico, a partir
de um núcleo onde se localizariam os
principais edifícios públicos; as sedes do
governo e dos três poderes ficariam
agrupados num local separado, defini-
do como Parque Federal.
Outra proposta premiada foi apre-
sentada pelos arquitetos Henrique
Figura 10 - Proposta apresentada pelos arquitetos Henrique Midlin e
Midlin e Giancarlo Palanti, a qual Nor-
Giancarlo Palanti para o Plano Diretor de Brasília (imagem retirada da ma Evanson da Universidade de Yale
Revista AU, nº1, abril de 1985). associou com a Cidade Radiante, de
1930, de Le Corbusier, pelo sistema de
eixos, e com o projeto de Chandigard, também de Corbusier, pelos esquema de avenidas encon-
tradas. A crítica do júri centrou-se na segregação por classe social apresentada na proposta que
indicava a localização da moradia dos operários próxima à estrada de ferro.
Também premiada foi a proposta apresentada pelo arquiteto Vilanova Artigas e equipe,
os quais “idealizaram uma cidade espraiada, tranqüila e agradável de se viver”, dividida em
setores, com predomínio de residências unifamiliares,previstas para abrigar 12 mil habitantes,
sendo poucos os edifícios de apartamentos, que deveriam ter, no máximo, 10 andares e abrigar
29 mil pessoas.
Voltando à proposta de Lúcio Costa é interessante observar que, apesar da simplicidade
da apresentação, seu estudo revelava a integração entre o urbanismo e a arquitetura de forma
clara: no traçado original da Praça dos Três Poderes, um triângulo, está indicada a localização
dos principais edifícios conforme foram implantados posteriormente, por Oscar Niemeyer. Na
base do triângulo localizavam-se o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal e
no vértice a sede do Congresso Nacional. A arquitetura de Oscar Niemeyer em Brasília que viria
a influenciar toda uma geração de arquitetos no país provocou também desgaste o do repertó-
rio moderno, pela reprodução desenfreada das formas, inclusive pelo próprio arquiteto, que
–
ARQUITETURA MODERNA BRASILEIRA ...
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