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1220-1228, set-out,Mortari
Ciência 2005 & Rahal.
ISSN 0103-8478
- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -
1
Curso de Pós-graduação da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Unesp Botucatu, SP, Brasil. Email:
ana_mortari@yahoo.com.br
2
Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Unesp Botucatu. Rubião
Júnior s/n, 18618000, Botucatu, SP, Brasil. Email: sheilacr@fmvz.unesp.br. Autor para correspondência.
Recebido para publicação 19.01.05 Aprovado em 18.05.05 Ciência Rural, v.35, n.5, set-out, 2005.
Hérnia perineal em cães. 1221
Após tricotomia de toda região perineal e do ânus, mas este último muitas vezes se encontra
porção caudal dos membros pélvicos, o cão deve ser atrofiado e não pode ser utilizado para ancorar pontos
mantido em decúbito esternal, com os membros de sutura (ROBERTSON, 1984) (Figura 2). O ligamento
pélvicos colocados fora da mesa cirúrgica, porém sacrotuberal, que é geralmente palpado e não
protegidos com material macio para evitar injúria dos visualizado, estende-se desde a região do sacro até a
nervos isquiáticos (MATTHIESEN, 1989; MANN & tuberosidade isquiática, sendo utilizado para reforçar
CONSTANTINESCU, 1998) e femorais (DIETERICH, os pontos de sutura, juntamente com o músculo
1975). A cauda é posicionada em direção à cabeça e esfíncter externo do ânus com ou sem o músculo
fixada por meio de esparadrapo de forma a ficar na coccígeo (ROBERTSON, 1984; ANDERSON et al.,
linha média da região torácica dorsal. A mesa cirúrgica 1998). Após o fechamento do defeito, a fáscia perineal
deve ser inclinada para frente, mantendo o animal em superficial pode ser usada para reforçar a sutura
posição perineal (VAN SLUIJS & SJOLLEMA, 1989; (ANDERSON et al., 1998). O tecido subcutâneo e pele
ANDERSON et al., 1998; HEDLUND, 2002). Antes da são aproximados e a sutura em bolsa de tabaco
anti-sepsia, o ânus deve ser ocluído com uma sutura removida (WEAVER & OMAMEGBE, 1981). O reto
em bolsa de tabaco (RAISER, 1994; ANDERSON et al., deve ser palpado para observar se suturas não foram
1998). colocadas inadvertidamente através da parede retal
O reconhecimento anatômico das (ANDERSON et al., 1998). Apesar da simplicidade, é
estruturas que compõem o períneo é essencial para a um dos métodos com altos índices de complicações,
realização dos diferentes procedimentos cirúrgicos. O variando de 28,6 a 61% (BURROWS & HARVEY, 1973),
períneo é circundado dorsalmente pela terceira e taxas de recorrência que oscilam entre 10% (PETIT,
vértebra caudal, pelos ligamentos sacrotuberosos em 1962) e 46% (BURROWS & HARVEY, 1973), sendo
ambos os lados e pelo arco do ísquio ventralmente por isso utilizado pelos autores da presente revisão
(ANDERSON et al., 1998). A fossa isquiorretal é apenas nos casos em que a musculatura esteja bem
delimitada pelos músculos esfíncter externo do ânus, evidenciada.
coccígeo e elevador do ânus medialmente, pelo
músculo obturador interno ventralmente e pela parte Transposição do músculo obturador interno
caudal do músculo glúteo superficial lateralmente A técnica de transposição do músculo
(MUÑOZ et al., 2000). O diafragma pélvico (Figura 1) obturador interno tem por objetivo o reforço na porção
consiste no fechamento vertical do canal pélvico ventral da hérnia (ORSHER, 1986; BELLENGER &
através do qual passa o reto, sendo composto pelos CANFIELD, 2003). O procedimento também permite
músculos coccígeo e elevador do ânus, e fáscias uma sutura sem tensão e promove mínima distorção
interna e externa (ANDERSON et al., 1998; BELLENGER do músculo esfíncter externo do ânus (HARDIE et al.,
& CANFIELD, 2003). A artéria pudenda interna, a veia 1983; ORSHER, 1986). Após acessar a hérnia de forma
pudenda interna e o nervo pudendo correm juntos similar à técnica anterior, a porção caudal do músculo
pela porção ventrolateral do músculo coccígeo e é elevada subperiostealmente do assoalho isquiático
continuam caudalmente sobre a superfície dorsal do e o seu tendão pode (ROBERTSON, 1984; VAN SLUIJS
músculo obturador interno (MANN & & SJOLLEMA, 1989) ou não ser seccionado
CONSTANTINESCU, 1998; HEDLUND, 2002). (HEDLUND, 2002; SEIM III, 2004).
Quando o tendão não é seccionado, o
Método tradicional de suturas músculo é apenas deslocado dorsalmente para fechar
Realiza-se a incisão de pele sobre o aumento o defeito e estabilizado por suturas com o músculo
de volume perineal iniciando lateral à base da cauda esfíncter externo do ânus medialmente e ligamento
até o ângulo medial da tuberosidade isquiática sacrotuberal e músculo coccígeo lateralmente (MANN
(BELLENGER & CANFIELD, 2003). Após abertura do & CONSTANTINESCU, 1998), como ilustrado na figura
saco herniário, os conteúdos pélvicos e abdominais 3. Este procedimento é o mais utilizado pelos autores
são identificados e recolocados na posição original da presente revisão tanto no tratamento inicial como
ou removidos, se necessário (ANDERSON et al., 1998; nos casos de recidiva pelo método tradicional de
HEDLUND, 2002; SEIM III, 2004). O método tradicional suturas.
inclui basicamente suturas entre os músculos esfíncter Se realizada a secção do tendão, segundo
externo do ânus e coccígeo, e entre os músculos VAN SLUIJS & SJOLLEMA (1989), deve-se tomar
esfíncter externo do ânus e obturador interno cuidado para não lesar o nervo pudendo que se localiza
(ROBERTSON, 1984; MUÑOZ et al., 2000). Também dorsalmente a ele. O músculo coccígeo é suturado ao
podem ser incluídos os músculos coccígeo e elevador músculo esfíncter externo do ânus em pontos isolados
Transposição do músculo
semitendinoso
A transposição do
músculo semitendinoso (Figura 4)
pode ser particularmente utilizada
quando a face ventral do períneo
está severamente afetada (hérnias
crônicas, recidivantes), assim como
Figura 1 – Anatomia cirúrgica dos músculos que compõem o diafragma pélvico do cão. em hérnias perineais bilaterais
(CHAMBERS & RAWLINGS,
simples. Em seguida, aplica-se um ponto U separado 1991; MANN & CONSTINESCU, 1998). Quando a
incluindo os músculos obturador interno, coccígeo e hérnia for unilateral utiliza-se o músculo semitendinoso
esfíncter externo do ânus. O procedimento é finalizado contralateral na reconstrução (MANN &
aproximando-se os músculos obturador interno e CONSTANTINESCU, 1998).
esfíncter externo do ânus com pontos simples isolados. A incisão de pele utilizada na herniorrafia
As complicações pós-operatórias oscilam tradicional é prolongada através da linha mediana em
entre 19% (HARDIE et al., 1983) e 45% (VAN SLUIJS direção à tuberosidade isquiática, onde é curvada e
& SJOLLEMA, 1989) e as taxas de recorrência entre progride distalmente no aspecto caudal do membro
2,38% (HARDIE et al., 1983) e 18,75% (ORSHER, 1986). pélvico contralateral até a altura do linfonodo poplíteo
(CHAMBERS & RAWLINGS, 1991) (Figura 4a). O
Transposição do músculo glúteo superficial músculo semitendinoso é dissecado das estruturas
A transposição do músculo glúteo adjacentes e seu pedículo proximal, vascular (artéria
superficial pode ser utilizada nos casos em que o glútea caudal e veia glútea caudal) e nervoso, é
tratamento tradicional falhou (SPREUL & identificado e preservado (CHAMBERS &
FRANKLAND, 1980) ou para reforço dorsal da hérnia RAWLINGS, 1991; MORTARI, 2004) (Figura 4b). Após
(SPREUL & FRANKLAND, 1980; MUÑOZ et al., 2000). a ligadura da artéria femoral caudal distal, o músculo
Diferente do citado anteriormente, o cão deve ser semitendinoso é seccionado na altura do linfonodo
posicionado em decúbito lateral (SPREUL & poplíteo (MORTARI, 2004). A extremidade seccionada
FRANKLAND, 1980). O procedimento consiste em do músculo semitendinoso é suturada aos músculos
dissecar a borda cranial do músculo e seccionar sua coccígeo e obturador interno e fáscia pélvica
inserção no terceiro trocanter do fêmur. O retalho (CHAMBERS & RAWLINGS, 1991; MORTARI, 2004).
muscular é refletido em ângulo de 900 e suturado ao A borda medial original do músculo semitendinoso é
músculo esfíncter externo do ânus caudalmente e ao aproximada à porção caudal do músculo esfíncter
tecido subjacente dorsal e ventralmente (BELLENGER externo do ânus e a sua borda lateral original aos
& CANFIELD, 2003). Para a obtenção de um diafragma músculos isquiouretral, e bulboesponjoso, assim como
mais resistente, RAFFAN (1993) recomendou a fáscia do músculo semimembranoso (MANN &
associação desta técnica com a de transposição do CONSTANTINESCU, 1998; MORTARI, 2004). Suturas
músculo obturador interno. de apoio podem ser colocadas nos músculos do
A transposição do músculo glúteo diafragma pélvico do lado contralateral para evitar
superficial promove suporte seguro e duradouro para tensão na porção do músculo semitendinoso que foi
Figura 2 – Demonstração da reconstrução do diafragma pélvico de cão pelo método tradicional de suturas. Pontos interrompidos
simples aplicados entre os músculos: esfíncter externo do ânus e obturador interno, esfíncter externo do ânus e elevador do
ânus, coccígeo e elevador do ânus, e coccígeo e obturador interno.
utilizada para correção da hérnia (CHAMBERS & reconstrução por transposições musculares (MANN
RAWLINGS, 1991; MORTARI, 2004) (Figura 4c). & CONSTANTINESCU, 1998; HEDLUND, 2002;
Cães submetidos experimentalmente ao BELLENGER & CANFIELD, 2003). Os autores da
procedimento não apresentaram prejuízos na presente revisão as empregam como complemento a
locomoção ou movimentação articular no membro transposição do músculo obturador interno ou do
operado (CHAMBERS, 1999; MORTARI, 2004). Por músculo semitendinoso, em especial nos casos de
outro lado, foi verificado que o músculo transposto recidiva.
manteve-se contrátil por 90 dias de acordo com os No procedimento de colopexia, após a
exames eletromiográficos, porém sofreu processo exposição dos órgãos abdominais via celiotomia na linha
atrófico detectado em análises ultra-sonográficas e média caudal, o cólon deve ser localizado, tracionado
morfológicas (MORTARI, 2004). cranialmente e sua parede suturada à parede abdominal
Uma das maiores complicações observadas paramediana esquerda utilizando seis a oito pontos
com esta técnica é o acúmulo de secreção associada simples separados (MANN & CONSTANTINESCU,
ou não à deiscência de pontos (MORTARI, 2004), que 1998). Para induzir aderência mais intensa, realiza-se uma
pode ser reduzido com a utilização de drenos de sucção incisão na camada seromuscular da borda antimesentérica
ou de Penrose (CHAMBERS & RAWLINGS, 1991; do cólon e outra correspondente da serosa ao músculo
CHAMBERS, 1999). transverso do abdome. Em seguida, as margens das
incisões são justaspostas e suturadas (BELLENGER &
Colopexia e cistopexia por fixação dos ductos CANFIELD, 2003).
deferentes Em casos de cães não castrados, para a
As técnicas de colopexia e cistopexia por realização da deferopexia, faz-se inicialmente a
fixação dos ductos deferentes são indicadas para orquiectomia por via pré-escrotal, antes da celiotomia
prevenir a herniação dos órgãos mais acometidos na linha média (MANN & CONSTANTINESCU, 1998;
(cólon, bexiga urinária e próstata) e podem ser BILBREY et al., 1990). Os ductos deferentes devem
adotadas quando não se obteve sucesso na ser gentilmente tracionados através do canal inguinal
Figura 3 – Demonstração da reconstrução do diafragma pélvico de cão pela transposição do músculo obturador interno sem secção do
tendão. (a) Músculo obturador interno elevado do assoalho pélvico e pontos isolados simples aplicados entre os músculos
esfíncter externo do ânus e elevador do ânus, e entre os músculos coccígeo e elevador do ânus. (b) Músculo obturador interno
suturado aos músculos coccígeo, elevador do ânus e esfíncter externo do ânus.
até que fiquem inteiramente livres (HEDLUND, 2002). ser citadas a lesão do nervo isquiático ou a do
Um túnel para a passagem do ducto, com cerca de 1 a pudendo, a incontinência fecal, a infecção no local da
2 cm de comprimento, é criado na parede abdominal incisão, a deiscência de suturas, a colocação de suturas
lateral por meio de duas incisões paralelas no músculo no lúmen retal ou sacos anais, a necrose da vesícula
transverso abdominal e dissecadas com auxílio de urinária, a incontinência urinária, bem como a
uma pinça hemostática (BILBREY et al., 1990; MANN recorrência da hérnia (MATTHIESEN, 1989;
& CONSTANTINESCU, 1998). Após ligeira tração, o ANDERSON et al., 1998; MUÑOZ et al., 2000;
ducto é passado através do túnel e sua porção livre HEDLUND, 2002).
é voltada caudalmente e suturada sobre si mesmo A lesão do nervo isquiático apresenta
com pontos simples separados. A sutura pode ser ocorrência menor que 5% (MATTHIESEN, 1989), e
reforçada utilizando pontos na parede abdominal está associada a acidentes no momento da colocação
(BILBREY et al., 1990; MANN & de sutura ao redor do ligamento sacrotuberal
CONSTANTINESCU, 1998). O procedimento deve ser (MATTHIESEN, 1989; MANN &
realizado bilateralmente (HEDLUND, 2002). CONSTANTINESCU, 1998; SEIM III, 2004). Além
disso, a colocação do cão na mesa cirúrgica em posição
Cuidados pós-operatórios perineal, com os membros pélvicos firmemente
A utilização de antibióticos após 12 horas amarrados para frente, pode gerar neuropraxia ciática
do procedimento cirúrgico é apenas indicada em posicional devido à excessiva tensão ou isquemia
pacientes debilitados ou com presença de tecidos (MATTHIESEN, 1989).
isquêmicos, contaminados ou necróticos (HEDLUND, Incontinência fecal, temporária ou
2002; SEIM III, 2004). A ferida cirúrgica deve ser mantida permanente, ocorre em cerca de 10% dos casos
limpa, e analgésicos e antiinflamatórios podem ser (BELLENGER & CANFIELD, 2003), podendo ser
empregados para minimizar a dor e reduzir o edema causada por dano aos nervos pudendo ou caudal
(RAFFAN, 1993; HEDLUND, 2002; MORTARI, 2004). retal, ou por lesão direta ao músculo esfíncter externo
Situações de tenesmo devem ser controladas com uso do ânus durante a dissecação cirúrgica (BURROWS
de dietas ou laxantes para evitar esforço abdominal & HARVEY, 1973; MATTHIESEN, 1989). Prolapsos
(MUÑOZ et al., 2000; HEDLUND, 2002). O cão deve ser retais aparecem com freqüência de 2 a 13%
mantido com colar protetor até a retirada de pontos (LIPOWITZ, 1996), sendo fatores predisponentes a
(MUÑOZ et al., 2000; SEIM III, 2004). colocação de suturas no lúmen retal, dor, doenças
Complicações retais prévias e lesão nervosa por manipulação
Muitas são as complicações observadas cirúrgica (MATTHIESEN, 1989; ANDERSON et al.,
após o reparo de hérnias perineais. Entre elas podem 1998).
Figura 4 - Demonstração da técnica de transposição do músculo semitendinoso. (a) Demarcação da incisão de pele iniciando lateral à
base da cauda até a rafe ventral, progredindo em direção à tuberosidade isquiática oposta, onde é curvada distalmente no
aspecto caudal do membro pélvico até a altura do linfonodo poplíteo. (b) Dissecação do músculo semitendinoso. (c) Músculo
transposto ao diafragma pélvico.
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