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Alternativas contra o câncer

Ácido extraído de planta medicinal popular demonstra capacidade


antitumoral

Chrysobalanus Icaco, o abajeru, cresce nas restingas do Sudeste do Brasil. O ácido


pomólico extraído da planta mostrou ter atividade antitumoral
Por Janaína Fernandes, Vivian M. Rumjanek, Rachel de Oliveira Castilho, Maria Auxiliadora Kaplan e Cerli Rocha Gattass.

Estudos realizados na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostram que o ácido
pomólico, substância purificada do Chrysobalanus icaco, conhecido como abajeru, não apenas
mata linhagens de células tumorais de várias origens, mas também linhagens tumorais que
expressam o fenômeno de resistência a múltiplas drogas (MDR). Em virtude destes resultados,
uma patente da atividade anti-MDR do ácido pomólico foi depositada no Tratado Internacional de
Patentes (PCT), com cobertura para 122 países.

O câncer, a segunda doença em causa de morte no Brasil, tem na quimioterapia um dos


principais métodos de tratamento. Mas, apesar do grande número de quimioterápicos
disponíveis, a resistência específica de alguns tumores a determinados medicamentos aliada ao
problema da MDR tem sido apontados como as principais causas da falha terapêutica e perda
de vidas.

A avaliação da atividade antitumoral de substâncias purificadas do Chrysobalanus icaco foi feita


pelas pesquisadoras Cerli Rocha Gattass, Janaína Fernandes e Vivian M. Rumjanek, dos
laboratórios de Imunoparasitologia e Imunologia Tumoral, ambos da UFRJ. Dentre as
substâncias isoladas, os terpenos foram escolhidos por terem demonstrado atividade
antiproliferativa - que inibe o crescimento do tumor - e citotóxica, capaz de matar as células.
Experiências desenvolvidas no laboratório possibilitaram a identificação do ácido pomólico (um
triterpeno) como um composto capaz de eliminar com eficiência linhagens de células tumorais de
várias origens como leucemias (células do sangue), pulmão, laringe, intestino, mama, sistema
nervoso e pele. Mas o que chamou a atenção foi o fato de essa substância eliminar células que
expressam o fenótipo MDR, propriedade rara de encontrar nos quimioterápicos conhecidos.

O chá de folhas de abajeru é utilizado na medicina popular para tratamento de diabetes, mas
pouco se conhece sobre suas propriedades farmacológicas. Este desconhecimento levou Rachel
de Oliveira Castilho e Maria Auxiliadora Coelho Kaplan, do Núcleo de Pesquisas em Produtos
Naturais (NPPN), da UFRJ, a investigar as propriedades químicas da planta.

A resistência à quimioterapia é um obstáculo no tratamento de pacientes com câncer.


Investigações mostram que eles podem apresentar resistência cruzada a diversas drogas não
relacionadas e que divergem entre si quanto à estrutura, modo de ação e alvo celular. A
resistência a múltiplas drogas é um termo genérico utilizado para definir estratégias que as
células usam para inibir os efeitos de drogas anticancerígenas e pode ser intrínseca ou
adquirida em função do tratamento.

A MDR é um fenômeno multifatorial e pode resultar de um decréscimo do acúmulo intracelular da


substância antitumoral, fazendo com que ela não atinja uma concentração efetiva no interior da
célula cancerígena. Pode haver também uma alteração da distribuição intracelular da droga que
ficaria retida em outro local sem agir sobre seu alvo. Além disso, as células podem ter aumento
do reparo de DNA, um dos principais alvos de ataque das terapias antitumorais, ou alterações
na regulação do ciclo celular. Outro mecanismo associado a MDR envolve defeitos na regulação
dos genes que controlam a apoptose, um processo de "suicídio" da célula normalmente
acionado quando um gene é lesado e não é reparado.

A maioria dos quimioterápicos exerce sua ação induzindo a morte celular por apoptose. Alguns
tumores multirresistentes apresentam evasão ao processo apoptótico e não, necessariamente,
aos diversos quimioterápicos utilizados. Mas, em geral, quase todos os mecanismos envolvidos
na multirresistência resultam na redução da interação droga-alvo. Por esse motivo, um dos
aspectos mais bem estudados da MDR é o que resulta da ativação ou superexpressão de
moléculas capazes de exportar os quimioterápicos para fora da célula ou para outros
compartimentos celulares. Neste grupo, inclui-se uma série de proteínas transportadoras como a
glicoproteína P (Pgp), a proteína associada a multirresistência (MRP) e a proteína relacionada à
resistência a mitoxantrona (MXR, também conhecida como BCRP ou ABCP1). Essas proteínas
funcionam como bombas de efluxo, translocando uma variedade de drogas quimioterápicas para
o exterior da célula e, desse modo, reduzem sua concentração intracelular para níveis subletais.

A atividade das proteínas transportadoras P-gp e MRP é um dos aspectos mais bem estudados
da MDR. A resistência múltipla induzida pela superexpressão da Pgp ou da MRP pode ser
revertida tanto em pacientes quanto em animais experimentais (ensaios in vivo) e também em
cultura de células tumorais (ensaios in vitro) por uma série de substâncias não relacionadas,
estrutural e funcionalmente, conhecidas como reversores da MDR, agentes moduladores ou
quimiossensibilizantes. Estes reversores bloqueiam a bomba de efluxo, permitindo o acúmulo
intracelular do quimioterápico. As substâncias podem ser utilizadas em terapias combinadas a
quimioterápicos, mas podem apresentar variados graus de toxicidade que resultam da ação
farmacológica da droga ou da expressão da P-gp ou MRP em tecidos normais onde se
desconhece o papel fisiológico dessas proteínas. Atualmente, há um grande interesse na busca
de novos quimioterápicos que não sejam substratos de transportadores MDR e/ou na
identificação de substâncias reversoras com baixa toxicidade.

Os experimentos realizados na UFRJ sobre vários tipos, demonstraram o potencial do ácido


pomólico como agente antitumoral, eliminando de 80 a 90% das células cancerígenas.
Entretanto, ainda mais relevante foi a observação de que esta substância é capaz de matar
linhagens MDR, que superexpressam Pgp e MRP, na ausência de moduladores dessas
proteínas. Portanto, a utilização do ácido pomólico para o tratamento de tumores com estes
fenótipos MDR dispensaria o uso de moduladores, evitando os efeitos tóxicos de terapias
combinadas.

DIVERSIDADE QUÍMICA

A importância da diversidade química dos produtos naturais para a descoberta de novos


fármacos tem despertado interesse da indústria farmacêutica. Atualmente, produtos naturais com
atividade biológica lideram as estruturas que irão se tornar as principais fontes de novos agentes
com potencial farmacológico. Pesquisas recentes estimam que cerca de 60% das drogas
antitumorais e antiinfecciosas que estão no mercado, ou em fase de testes clínicos, são
derivadas de produtos naturais. Mais de uma centena de substâncias derivadas de plantas em
uso clínico foi descoberta graças a estudos químicos envolvendo a busca de princípios ativos.

NOVAS DROGAS

O Brasil é o mais rico entre os países de megadiversidade biológica, concentrando entre 10 e


20% do total de espécies. Além do elevado número de espécies vegetais também é alto seu grau
de endemismo. A combinação coloca o Brasil em primeiro lugar no ranking de biodiversidade.
A descoberta de substâncias com atividade biológica determinada é uma etapa primordial para o
desenvolvimento de drogas farmacologicamente válidas. Após o isolamento de princípios ativos
de espécies vegetais, como por exemplo, a morfina, os glicosídios cardiotônicos, a quinina e
agentes anticancerígenos (alcalóides da vinca, podofilotoxinas, taxol), estão em
desenvolvimento vários programas de triagem para avaliação das potencialidades das plantas
para fins terapêuticos.

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