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Ficha de Português

Ficha de Português 12º ano

Lê o texto seguinte e responde às questões.

A criança que fui chora na estrada.


Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou

5 Ah, como hei de encontrá-lo? Quem errou?


A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.

Se ao menos atingir neste lugar


10 Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,

Na ausência, ao menos, saberei de mim,


E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa, in Poesias II, Europa-América

1. O poema apresenta dois tempos distintos.


1.1. Identifica-os e refere a dimensão que ambos têm na vida do sujeito poético.

2. Caracteriza o estado de espírito do sujeito poético no momento presente e justifica a


tua resposta com expressões do texto.

3. “ Se ao menos atingir neste lugar / Um alto monte…” (vv.9 e 10)


3.1. Identifica a figura de estilo presente nas expressões sublinhadas e refere o seu
valor expressivo.

4. Refere duas características da poética de Pessoa ortónimo, no poema, e justifica


devidamente a tua resposta.
1.
1.1. O passado está relacionado com o período da infância do sujeito poético e o presente diz respeito
à fase adulta do poeta.
O momento da infância é o lugar “onde” existiu, “donde” veio, tempo de apelo ao reencontro e
melhor que o momento presente, onde o poeta diz de si mesmo que “o que sou é nada” (o vazio reside
no interior do poeta).

2. O tema do texto está relacionado com a busca de identidade ou o sentido da vida humana. O poeta
procura em vão a sua identidade no passado.
O sujeito poético procura o passado, o momento da infância, em busca da sua identidade, à procura
de se reencontrar com aquele ser que deixou lá atrás no tempo (“Se ao menos atingir neste lugar/Um
alto monte, de onde possa enfim/O que esqueci, olhando-o, relembrar / Na ausência, ao menos
saberei de mim/ E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar/ Em mim um pouco de quando era assim”),
uma vez que no momento presente se encontra perdido, desorientado, abúlico (sem vontade) – “Já
não sei de onde vim nem onde estou. / De o não saber, minha alma está parada” – e nostálgico (“ A
criança que fui chora na estrada”).
O poeta é hoje um homem insatisfeito, incompleto, que anda à procura de um ideal de existência:
o da permanente felicidade da infância.

3. A figura de estilo que se encontra nas duas expressões é a metáfora.


A primeira metáfora refere-se ao momento presente da vida do poeta, já adulto, e a segunda
evidencia o desejo do poeta em chegar à felicidade que outrora, enquanto criança, conheceu.

4.
A poesia de Fernando Pessoa ortónimo caracteriza-se pela excessiva interioridade e subjetividade
como vemos neste poema.
De facto, este texto apresenta temas como a nostalgia de um bem perdido (nostalgia da infância),
a ansiedade do poeta pela procura de um ideal de felicidade, a permanente autoanálise (o poeta procura a
sua identidade) e a fragmentação do “eu” (“eu passado/“eu” presente).
A linguagem do texto é simples e límpida, mas revela toda a complexidade interior do poeta
(profundidade na simplicidade). Os principais recursos estilísticos são a alegoria da viagem pelo interior do
“eu” poético (primeira estofe); as metáforas - “de onde”, ”neste lugar”, “alto monte”… - para concretizar
outras abstrações como origem, destino, identidade, visão interior; a antítese (passado/presente) e as
aliterações (sons nasais e sibilantes) que denunciam a nostalgia do poeta.
Em suma, este soneto apresenta a faceta clássica de um modernista insatisfeito em busca de
ideais.

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