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Constitucional Avançado PDF
Constitucional Avançado PDF
AVANÇADO
autor
GUILHERME SANDOVAL GÓES
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2018
Conselho editorial roberto paes e gisele lima
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2018.
isbn: 978-85-5548-541-1.
Tipos de inconstitucionalidade 16
Inconstitucionalidade quanto ao objeto: formal ou material 17
Inconstitucionalidade quanto à conduta: por ação ou por omissão 20
Inconstitucionalidade quanto à relação que mantém com
a Constituição: direta ou indireta (por derivação ou reflexa) 23
5. Neoconstitucionalismo e dogmática
pós-positivista 137
A teoria constitucional e seu perfil de evolução 139
O constitucionalismo garantista e o Estado Liberal de Direito 140
O constitucionalismo welfarista e o Estado social de Direito 142
Prezados(as) alunos(as),
Bons estudos!
7
1
Teoria geral
do controle de
constitucionalidade
Teoria geral do controle de
constitucionalidade
OBJETIVOS
• Compreender as premissas do controle de constitucionalidade;
• Examinar os diferentes tipos de inconstitucionalidade;
• Analisar as diferentes espécies do controle de constitucionalidade.
capítulo 1 • 10
A ideia de que a Constituição é dotada de supremacia em face das demais
normas infraconstitucionais que integram a ordem jurídica como um todo é um
fenômeno que somente se consolida com a famosa decisão do Juiz Marshall, nos
Estados Unidos da América, no caso Marbury v. Madison, em 1803.
No âmbito do constitucionalismo democrático moderno, tal decisão é a ori-
gem do controle de constitucionalidade, na medida em que selou, definitivamente,
o princípio da supremacia da Constituição, cuja efetividade passou a ser garantida
pela intervenção do Poder Judiciário nos casos de violação ao texto constitucional.
Assim, ficou consolidada a competência da Suprema Corte para invalidar to-
dos os atos do Poder Público que, por ventura, vierem a contrariar a Constituição,
norma suprema que se coloca acima dos poderes constituídos do Estado.
Coloca-se assim a Constituição fora da esfera de atuação da vontade circuns-
tancial das maiorias legislativas.
Portanto, a ideia de controle de constitucionalidade está vinculada ao conceito
de Estado de Direito, aqui vislumbrado como principal produto do constitucio-
nalismo democrático, cujas origens remontam aos grandes movimentos revolu-
cionários liberais do século XVIII (Revolução americana de 1776 e Revolução
francesa de 1789).
Em linhas gerais, o constitucionalismo democrático e, na sua esteira, o Estado
de Direito, surgem como reação ao Estado Absoluto, com o objetivo específico
de limitar o exercício arbitrário do poder estatal. Nesse sentido, o leitor vai com-
preender facilmente que a limitação do poder do Estado ocorre a partir de dois
grandes eixos propulsores, a saber:
a) separação de poderes, ou seja, poderes independentes e harmônicos en-
tre si;
b) positivação de um catálogo de direitos fundamentais do cidadão
comum.
Observe, aqui, com atenção, que não haverá Estado de Direito se não houver
o equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (princípio da se-
paração de poderes). Da mesma forma, não haverá Estado de Direito sem o esta-
belecimento de um regime jurídico de proteção dos direitos fundamentais, que se
coloque acima das razões de Estado.
Em consequência, o princípio da supremacia da Constituição pressupõe
verticalidade normativa que se impõe aos atos emanados do Poder Constituinte
Derivado Reformador, que não podem contrariá-la. Portanto, há que se
capítulo 1 • 11
compreender que a supremacia da Constituição é fruto de uma estratégia herme-
nêutica liberal de limitação do poder do Estado.
Cabe ao Poder Constituinte Originário (único detentor de legitimidade para
criar o novo Estado e a nova Constituição) estabelecer as limitações constitucionais
que serão impostas ao Poder Constituinte Derivado Reformador (poder constituído).
Tais limitações constitucionais são:
a) de ordem material (cláusulas pétreas);
b) de ordem formal (observância das regras do processo legislativo
constitucional);
c) de ordem circunstancial (proibição de Emendas Constitucionais du-
rante uma Intervenção Federal, Estado de Defesa ou Estado de Sítio).
capítulo 1 • 12
Hans Kelsen muito se aproxima de tal questionamento quando alerta que
“uma Constituição que não dispõe de garantia para anulação de atos inconstitu-
cionais não é, propriamente, obrigatória, (...) não passa de uma vontade despida
de qualquer força vinculante”. (MENDES & BRANCO, 2013, p.1003-1004).
Assim, a grande reflexão que a questão encerra é a visão de que a plastici-
dade constitucional (flexibilidade constitucional) inviabiliza um sistema judicial
de controle de constitucionalidade, na medida em que o Poder Constituinte
Derivado Reformador continuará atuando como se Poder Originário fosse, ou
seja, de modo soberano, ilimitado, incondicionado.
Portanto, sob os influxos de uma Constituição flexível, não escrita, o legislador ordinário,
sem nenhum tipo de limitação, tem o poder de alterar a Constituição da mesma forma
com que edita uma lei infraconstitucional, uma vez que o poder constituinte ilimitado e
incondicionado continua em suas mãos. Trata-se da supremacia do Parlamento e, não,
da Constituição.
capítulo 1 • 13
A figura a seguir sintetiza tais ideias.
RIGIDEZ
CONSTITUCIONAL
CONTROLE DE SUPREMACIA
CONSTITUCIONALIDADE DA
CONSTITUIÇÃO
LIMITAÇÕES
AO PODER
DERIVADO
capítulo 1 • 14
Para que haja controle de constitucionalidade, é necessário que a Constituição
determine qual é o órgão ou quais são os órgãos com legitimidade democrática
para aferir possíveis violações à Constituição. Realmente, se não houver tal órgão
próprio destinado a negar validade às leis atentatórias aos princípios e regras da
Constituição, não há como resguardar sua superioridade perante as leis ordinárias.
Em um verdadeiro Estado Democrático de Direito, devem existir meios de
aferição da compatibilidade vertical dos atos estatais inferiores com a Constituição
por órgão próprio destinado para esta finalidade, ou pelo Poder Judiciário, sendo
que este último apresenta a vantagem de não participar da produção de leis.
O sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder cons-
tituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra
do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder
inferior, de competência limitada pela Constituição mesma. As Constituições rígidas,
sendo Constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão.
(BONAVIDES, 2010, p. 296).
capítulo 1 • 15
de constitucionalidade das leis. Sem fiscalização por órgão independente, não há
controle de constitucionalidade, sem controle de constitucionalidade, não há ri-
gidez constitucional, não há distinção entre poder originário e derivado, não há
supremacia da Constituição, não há efetiva separação de poderes e não há garantia
dos direitos fundamentais. Logo, não há Estado Democrático de Direito.
Uma vez examinadas as premissas do controle de constitucionalidade, é preci-
so agora estudar os diferentes tipos de inconstitucionalidade.
Tipos de inconstitucionalidade
capítulo 1 • 16
Inconstitucionalidade quanto ao objeto: formal ou material
TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE
Quanto ao
objeto
INCONSTITUCIONALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE
MATERIAL FORMAL
Vícios: iniciativa,
Violação ao texto
competência e processo
constitucional
legislativo
capítulo 1 • 17
Em termos simples, a inconstitucionalidade material, também denominada de
inconstitucionalidade de conteúdo ou substancial, está relacionada à "matéria" do
texto constitucional, ao seu conteúdo jurídico-axiológico. No dizer do Min. Barroso:
capítulo 1 • 18
formal orgânica. Assim, observe que a inconstitucionalidade formal orgânica é
apenas uma espécie do gênero inconstitucionalidade formal. Sua caracterização
ocorre quando um ente federativo legisla na competência de outro.
Como exemplos de inconstitucionalidade formal orgânica, podemos citar uma lei federal
que regula o tempo de espera em filas de banco em determinado município, ou, então,
lei estadual que legisla sobre direito penal sem autorização de lei complementar federal.
TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE
Quanto à
conduta
INCONSTITUCIONALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE
POR AÇÃO POR OMISSÃO
Finalmente, é importante destacar que a Súmula número cinco não mais vigo-
ra, pois, o atual entendimento do STF é no sentido de que a sanção do Presidente
da República não sana o vício de iniciativa, isto é, o fato de o Chefe do Poder
Executivo ter sancionado uma lei cuja iniciativa legislativa era sua, não livra tal
ato de ser declarado inconstitucional por vício de iniciativa (inconstitucionalidade
formal subjetiva).
capítulo 1 • 19
Inconstitucionalidade quanto à conduta: por ação ou por omissão
TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE
Quanto à
conduta
INCONSTITUCIONALIDADE INCONSTITUCIONALIDADE
POR AÇÃO POR OMISSÃO
capítulo 1 • 20
Já a inconstitucionalidade por omissão será configurada quando o Estado dei-
xar de agir positivamente diante de um comando constitucional.
A omissão inconstitucional, seja do legislador/administrador democrático,
seja do juiz contramajoritário, pressupõe um “não fazer” do Estado, que neutraliza
a eficácia positiva ou simétrica da norma constitucional em tela.
Com rigor, somente pode ser objeto de uma declaração de inconstitucionali-
dade por omissão, um não fazer do Estado relativo a uma norma de eficácia limi-
tada, na medida em que tais normas têm sua efetividade ou eficácia social atrelada
a uma ação legiferante superveniente do legislador democrático.
capítulo 1 • 21
Salário Mínimo. Valor Insuficiente. Situação de Inconstitucionalidade por Omissão Par-
cial. A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importân-
cia que se revele incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e
dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da
Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o
sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um
piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o pro-
grama social assumido pelo Estado na ordem jurídica. (...) As situações configuradoras
de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insu-
ficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva
fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que
deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos
processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à cen-
sura do Poder Judiciário. (STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar
n. 1.458, julgada em 23/05/96).
Mas o que significa dizer que a lei regula de modo deficiente, imperfeito ou insuficiente?
A não observância do princípio da isonomia pode ser enquadrada como uma regulamen-
tação deficiente, imperfeita ou insuficiente?
capítulo 1 • 22
apesar da existência de regulamentação, esta for insuficiente, nos termos do art.
2º, caput, e parágrafo único da referida lei. (GÓES & MELLO, 2016, p. 101).
capítulo 1 • 23
A figura a seguir mostra tal pirâmide de modo detalhado.
VERTICALIDADE FUNDAMENTADORA KELSENIANA
. CONSTITUIÇÃO
Norma Suprema
ATOS PRIMÁRIOS
capítulo 1 • 24
seja, o fundamento direto e imediato de validade desses atos primários é a própria
Carta Magna. É nesse sentido que parte da doutrina entende que a Constituição
atua como fundamento de validade, engate lógico, enfim razão de ser dos atos
primários. Em termos figurados, os atos primários bebem diretamente na norma
superior constitucional, sua nascente e fonte geradora.
Os atos normativos primários possuem força normativa capaz de criar, modificar ou re-
vogar relações jurídicas, desde que observadas as diretrizes constitucionais. São atos
com autonomia monológica que se caracterizam por possuir aptidão normativa capaz de
inovar a ordem jurídica como um todo. Podem, portanto, alterar o universo normativo-po-
lítico do Estado, gerando direitos e deveres em nível infraconstitucional.
O mesmo não acontece com os secundários, que podem, no máximo, regular a apli-
cação desses direitos e deveres, mas, nunca, determinar sua criação, modificação ou
revogação no mundo jurídico.
capítulo 1 • 25
Observe, com atenção, que nessa hipótese, o controle não é de constituciona-
lidade e, sim, controle de ilegalidade. O decreto regulamentador de lei não violou
diretamente a Constituição.
Assim sendo, é correto afirmar que o direito brasileiro não admite a existência
de uma inconstitucionalidade por derivação, indireta, derivada, mediata, uma vez
que a norma fundamentadora não é a Constituição, mas, sim, a lei infraconsti-
tucional sendo regulamentada. É por isso que o conflito das normas infralegais
com a Constituição caracteriza o vício de ilegalidade, que, em última instância,
equivale à inconstitucionalidade indireta, reflexa ou oblíqua.
Em linhas gerais, pode-se afirmar que a inconstitucionalidade indireta ou por
derivação não deixa de representar uma violação de norma jurídica por ato de
poder, porém não se confunde com a inconstitucionalidade direta, exatamente
pela dignidade normativa do preceito violado, qual seja uma norma de dignidade
normativa infraconstitucional. No Brasil, jurisprudência e doutrina não admitem
a inconstitucionalidade indireta, reflexa, oblíqua, mediata ou por derivação, na
medida em que o conceito de inconstitucionalidade fica restrito à inconstituciona-
lidade direta, deixando-se a inconstitucionalidade indireta o campo da ilegalidade.
A figura a seguir, retirada da obra “Controle de Constitucionalidade” dos au-
tores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de Moraes Mello, mostra com precisão
a diferença entre controle de constitucionalidade e controle de legalidade.
INCONSTITUCIONALIDADE
INDIRETA OU REFLEXA
capítulo 1 • 26
Com a devida sensibilidade acadêmica, o leitor haverá de compreender que os concei-
tos de “inconstitucionalidade” e “ilegalidade” não se confundem. Com efeito, o controle
que incide sobre atos infralegais (atos normativos secundários que retiram sua fonte de
validade diretamente das leis infraconstitucionais) não é propriamente de constituciona-
lidade, mas sim de legalidade. (GÓES & MELLO, 2016, p. 85)
CONEXÃO
Acesse o link para ouvir o MP4 e assistir o vídeo sobre fenômeno da inconstitucionali-
dade através de:
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/gen_a ula_mais/jurisdicao_
constitucional/mp3/arq/aula_1.mp3
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/poa008/conteudo/
aula_mais.htm#myModal
capítulo 1 • 27
O sistema brasileiro adotou diferentes modelos estrangeiros de controle de
constitucionalidade, bem como criou diversas ações genuinamente brasileiras, que
foram sendo concebidas após a redemocratização do País a partir da promulgação
da Constituição de 1988.
Com isso, temos um dos sistemas mais complexos do mundo, que engloba tanto
o modelo repressivo quanto o modelo preventivo. O primeiro é uma espécie de con-
trole que é feito após a norma entrar no mundo jurídico, já o segundo é o controle
que é feito durante as fases de elaboração da norma, isto é, a norma ainda se encontra
em fase de elaboração (projeto), mas já é objeto de controle de constitucionalidade.
Da mesma forma, quanto à natureza do órgão de controle, o sistema brasileiro
adotou tanto o controle político feito pelos Poderes Legislativo e Executivo, quan-
to o controle judicial feito pelo Poder Judiciário em determinada ação judicial.
Finalmente, com relação ao critério relativo ao órgão judicial que exerce o
controle, nosso sistema optou pelos dois modelos existentes, quais sejam, o siste-
ma norte-americano do Judicial Review (controle difuso) e o sistema kelseniano
-austríaco (controle concentrado).
O sistema difuso norte-americano, também denominado de Judicial Review, é
um sistema que se caracteriza pelo controle de constitucionalidade feito por qual-
quer um dos órgãos do Poder Judiciário (daí a designação de controle difuso) a partir
de um determinado caso concreto (daí a designação de controle concreto ou subjeti-
vo), tendo-se a questão de inconstitucionalidade como uma questão incidental (daí
a designação de controle incidental). Portanto, o Judicial Review norte-americano
projeta, a um só tempo, a ideia de controle difuso, concreto e incidental.
Já o sistema concentrado, também denominado de sistema kelseniano-aus-
tríaco, é um sistema que se caracteriza pelo controle de constitucionalidade feito
por apenas um órgão de cúpula do Poder Judiciário (daí a designação de controle
concentrado no Tribunal Constitucional) sem depender de nenhum caso concreto
(daí a designação de controle abstrato ou objetivo), tendo-se a questão de incons-
titucionalidade como uma questão principal da ação (daí a designação de controle
principal). Portanto, o sistema kelseniano-austríaco projeta, a um só tempo, a
ideia de controle concentrado, abstrato e principal. Além disso, como bem desta-
cam os professores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de Moraes Mello:
Resta indubitável, portanto, os fatores que permitem afirmar que o Brasil ostenta o mais
perfeito sistema de controle de constitucionalidade do mundo, sem rival em perspectiva
comparada com o direito de outros Estados nacionais. Sem nenhuma dúvida, existem
capítulo 1 • 28
diversos mecanismos, situações, oportunidades e instrumentos de controle de constitu-
cionalidade que só se encontram no Brasil, não se tendo notícia de similares no resto do
mundo. O quadro a seguir mostra, em visão panorâmica, as diferentes modalidades de
controle de constitucionalidade do nosso sistema. (GÓES & MELLO, 2016, p. 126/127)
capítulo 1 • 29
Você pode verificar facilmente que tal tipo de controle incide, portanto, so-
bre projetos, sejam projetos de emenda constitucional (PEC), sejam projetos de
lei (PL) ou qualquer outro ato normativo, passível de sofrer controle prévio ou
preventivo.
O fato é que, diferentemente das normas já formadas, cujo controle será re-
pressivo, os projetos de emendas constitucionais e de leis ordinárias e complemen-
tares sofrerão controle preventivo, com o objetivo de impedir que atos normativos
inconstitucionais entrem em vigor.
Observe, com atenção, que o objetivo do controle preventivo ou prévio é
evitar a publicação e promulgação de normas suscetíveis de serem declaradas in-
constitucionais. Portanto, a tarefa de fiscalização da constitucionalidade de pro-
jetos de emendas e leis é realizada ainda durante o processo de elaboração do ato
legislativo correspectivo, isto é, antes mesmo de ele se completar; de adentrar ao
mundo jurídico. Sua finalidade principal é evitar a entrada em vigor de um ato
inconstitucional antes do término do devido processo constitucional legislativo.
O controle preventivo é típico do direito francês, ou pelo menos, a França
é o país mais citado por adotar tal tipo de controle. Com efeito, em França, o
controle preventivo de constitucionalidade é feito exclusivamente pelo Conselho
Constitucional, órgão encarregado de examinar previamente a constitucionalida-
de dos projetos de lei que tramitam no Parlamento, o que evidente faz com que o
controle francês seja classificado como controle preventivo.
O Conselho Constitucional é composto por nove Conselheiros escolhidos
pelo Presidente da República e pelo Parlamento, tendo como membros natos os
ex-Presidentes. Com rigor, não é propriamente um órgão de jurisdição constitu-
cional, na medida em que se manifesta previamente à promulgação das leis, em
regra. Isto significa dizer por outras palavras que não há controle jurisdicional feito
pelo Poder Judiciário, inabilitado que está para declarar a inconstitucionalidade
das leis francesas. Nesse sentido, Luis Roberto Barroso mostra que:
capítulo 1 • 30
De tudo se vê, portanto, que o Conselho Constitucional francês, nos termos
do artigo 62 da Constituição de 1958, é o órgão responsável pelo controle preven-
tivo de constitucionalidade, não podendo nenhuma lei ser promulgada nem posta
em vigor se for declarada inconstitucional por ele. Em termos simples, o Conselho
Constitucional afere previamente as propostas legislativas com o objetivo de veri-
ficar se existe alguma inconstitucionalidade.
Entretanto, essa ideia de exclusividade do controle preventivo está sendo des-
feita a partir do artigo 61-1 da Constituição de 1958 que autoriza o Conselho
Constitucional a realizar o controle repressivo de determinada lei que “atente con-
tra os direitos e liberdades que a Constituição garante”, desde que os pedidos
de inconstitucionalidade sejam feitos pelo Conselho de Estado ou pela Corte de
Cassação.
No dizer de Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi: “A exclusividade do controle
judicial preventivo não existe mais na França. O art. 61-1 da Constituição, (...),
prevê que o Conseil Constitutionnel pode realizar controle repressivo a pedido dos
Tribunais Superiores”. (DIMOULIS & LUNARDI, 2017, p. 91).
Em suma, um ponto importante que deve ser destacado é o fato de que o
sistema de controle de constitucionalidade da França já não é mais exclusivamente
preventivo a partir da Emenda Constitucional n. 724, de 23 de julho de 2008, que
trouxe uma nova realidade para o modelo francês.
Outro ponto importante a destacar é a ideia de que o controle preventivo ou
prévio de constitucionalidade tanto pode ser exercido pelos Poderes Legislativo
e Executivo, quanto pelo Poder Judiciário, daí sua divisão em duas modalidades
distintas: controle preventivo político e controle preventivo judicial.
capítulo 1 • 31
b) controle preventivo político feito pelo Poder Executivo a partir do veto
do Chefe do Poder Executivo. A figura a seguir sintetiza tal tipo de controle.
Questão fundamental que surge é saber se o parecer dessas Comissões tem sempre
força vinculante, ou seja, o que acontece quando a CCJ decide pela inconstituciona-
lidade de um projeto qualquer?
capítulo 1 • 32
A resposta é negativa. Com efeito, o parecer da CCJ não tem efeito vinculan-
te, uma vez que tal parecer é suscetível de revisão pelo Plenário da Casa Legislativa.
Assim, por exemplo, nos termos do art. 101, §§ 1º e 2º do Regimento Interno
do Senado Federal, quando os projetos receberem pareceres contrários da CCJ,
quanto ao mérito, serão tidos como rejeitados e arquivados definitivamente, salvo
recurso de um décimo dos membros do Senado no sentido de sua tramitação.
Além disso, tratando-se de inconstitucionalidade parcial, a Comissão poderá
oferecer emenda corrigindo o vício. Trata-se da assim chamada Emenda Saneadora
de Inconstitucionalidade.
Em consequência, não obstante o parecer negativo da CCJ, seja do ponto de
vista formal ou material, tal pronunciamento não tem força vinculante absoluta,
podendo, assim, ser derrubado em certas situações. É exatamente por isso que par-
te da doutrina (posição minoritária) entende que o parecer da CCJ não caracteriza
realmente um controle preventivo político de constitucionalidade.
Finalmente, é importante salientar que não existe controle preventivo político
exercido pela CCJ nos projetos de medidas provisórias, resoluções dos tribunais e
decretos autônomos do Chefe do Poder Executivo.
Além do controle da CCJ, existe, também, uma segunda modalidade de con-
trole preventivo político feito Poder Executivo e que é o veto do Presidente da
República na elaboração das leis infraconstitucionais (leis complementares e leis
ordinárias), conforme o art. 66, § 1º, da Constituição de 1988.
Observe, com atenção, que o veto do Chefe do Poder Executivo, durante
a criação da lei ou do ato normativo, caracteriza uma modalidade específica de
controle preventivo político. Aqui, a atuação do Presidente da República e demais
Chefes de Governo de âmbito estadual e municipal (Governador e Prefeito) no
âmbito de controle preventivo político ocorre a partir do chamado veto jurídico.
Somente o veto jurídico pode ser caracterizado como sendo um controle preventi-
vo político, uma vez que é baseado na inconstitucionalidade do projeto de lei, total ou
parcialmente. Ou seja, a compreensão de que um determinado projeto de lei aprovado
pelo Poder Legislativo não se coaduna com o interesse público (veto político) não tem
o condão de caracterizar controle de constitucionalidade, na medida em que não existe
nenhuma incompatibilidade vertical com a Constituição.
Trata-se de juízo estritamente político de conveniência e oportunidade. (BARROSO,
2009, p. 68). Em consequência, a figura do veto político, que é oferecido em virtude de
contrariar o interesse público, não viabiliza controle preventivo de constitucionalidade
pelo Presidente da República.
capítulo 1 • 33
Diferentemente do que ocorre com a atuação das Comissões de Constituição,
Justiça e Cidadania, a atuação do Presidente da República tem o condão de im-
pedir que o projeto inconstitucional se converta em lei, não havendo, por isso,
dúvidas quanto à caracterização do veto jurídico como modalidade de controle de
constitucionalidade preventiva.
No entanto, não há, por outro lado, nenhuma dúvida de que o veto do
Presidente da República pode vir a ser derrubado pela maioria absoluta das Casas
do Congresso Nacional, em sessão conjunta, nos termos do art. 67 da Constituição
da República federativa do Brasil.
capítulo 1 • 34
A resposta é afirmativa, pois, essa hipótese não caracterizaria uma questão
“interna corporis” e, sim, violação de uma cláusula pétrea. Assim, é importante
compreender que, muito embora ao Poder Judiciário, em geral, não se atribua
competência para o exercício do controle preventivo de constitucionalidade, o
direito brasileiro admite tal hipótese nos projetos de emenda à Constituição que
vão de encontro às cláusulas pétreas. Nesse sentido, a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal é firme no sentido de afirmar que os parlamentares estão legi-
timados para pleitear, mediante a impetração de mandado de segurança peran-
te aquela Corte, o trancamento do processo legislativo nessas hipóteses, ou seja,
deputados federais e senadores da República têm o direito público subjetivo de
não deliberar sobre qualquer proposta de emenda tendente a abolir qualquer das
cláusulas pétreas.
A figura a seguir sintetiza os elementos essenciais do controle preventivo exer-
cido pelo Poder Judiciário em uma ação judicial.
capítulo 1 • 35
negativo das Comissões de Constituição, Justiça e Cidadania) e uma do controle
judicial (Mandado de Segurança impetrado por Parlamentar perante o STF).
Uma vez examinadas as espécies do controle preventivo, resta, agora, estudar
as modalidades do controle repressivo ou posterior de constitucionalidade, cujo
objetivo é retirar do ordenamento jurídico uma norma inconstitucional.
capítulo 1 • 36
Lei ou Lei Delegada) está sendo privado de sua regular produção de efeitos pelo fato
de ter invadido a esfera de competências do Poder Legislativo.
A espécie normativa que susta os atos normativos do Poder Executivo (Decreto Regu-
lamentador de Lei ou Lei Delegada) é um Decreto Legislativo do Congresso Nacional.
Nesse sentido, a questão que se impõe, agora, é saber se tal Decreto Legislativo editado
pelo Congresso Nacional pode ser objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) perante o Supremo Tribunal Federal?
Neste último caso, contudo, não há consenso doutrinário, bem como existem também
algumas dificuldades para se aceitar essa tese. Em primeiro lugar, tem-se dificulda-
de de se concluir que a rejeição se deu por motivo de inconstitucionalidade, espe-
cialmente porque as decisões legislativas, nestes casos, não vêm acompanhadas de
fundamentação ou de motivação eminentemente políticas que são. Por outro lado,
temos dúvidas em afirmar que essa seria uma hipótese de controle repressivo. Nesta
perspectiva, interessa saber se o controle de constitucionalidade que incide sobre uma
medida provisória seria preventivo ou repressivo. (GÓES & MELLO, 2016, p.146)
capítulo 1 • 37
Com isso, fica claro que o controle repressivo político comporta duas modali-
dades, que a figura a seguir ressalta com precisão.
capítulo 1 • 38
Em termos simples, a resposta à primeira pergunta é negativa, ou seja, o sis-
tema brasileiro tanto admite o controle jurisdicional feito pelo Supremo Tribunal
Federal quanto por qualquer outro órgão do Poder Judiciário com função
jurisdicional.
Ou seja, já respondendo o segundo questionamento, pode-se afirmar que o
controle repressivo judicial tem duas modalidades, a saber: o controle difuso feito
por qualquer juiz ou tribunal e o controle concentrado feito exclusivamente pelo
Supremo Tribunal Federal.
Em consequência, o controle judicial concentrado, também denominado con-
trole abstrato ou principal, tem como característica marcante o fato de que cabe ao
órgão de cúpula do Poder Judiciário a tarefa de controlar a constitucionalidade das
leis num processo abstrato e cuja questão principal da ação é exatamente a decla-
ração ou não de inconstitucionalidade dessas leis supostamente inconstitucionais.
Observe, com atenção, que o controle concentrado de constitucionalidade
fica restrito às hipóteses nas quais as ações serão propostas pelos legitimados do
art. 103 da CRFB/88 e apresentadas diretamente ao órgão de cúpula do Poder
Judiciário, isto é, o Supremo Tribunal Federal. Enquadram-se na modalidade de
controle repressivo judicial concentrado, as seguintes ações:
a) ação direta de inconstitucionalidade (ADI);
b) ação declaratória de constitucionalidade (ADC);
c) arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF);
d) ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO).
capítulo 1 • 39
controle difuso no Brasil é exercido no bojo de ações comuns, como, por exemplo,
os mandados de segurança, as ações de conhecimento, de execução, cautelares
etc. Ou seja, a atuação fiscalizadora do juiz ou tribunal não é a questão principal
do processo, figurando, apenas, como um incidente que o magistrado deve antes
aferir para poder apreciar o pedido formulado pelo autor da ação.
CONEXÃO
Acesse o link para ouvir o MP4 e assistir o vídeo sobre sobre as modalidades de controle
da constitucionalidade.
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/gen_a ula_mais/jurisdicao_
constitucional/mp3/arq/aula_3.mp3
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/poa008/conteudo/
aula_mais.htm#myModal
No próximo capítulo, você vai estudar com maiores detalhes esse tipo de con-
trole de constitucionalidade.
ATIVIDADES
O Presidente da República, amparado pelo artigo 68 da Constituição da República, soli-
cita delegação ao Congresso Nacional para legislar sobre direito civil, matéria não vedada a
tal espécie normativa. Após apreciação da solicitação feita pelo Presidente da República, o
Congresso Nacional editou a Resolução competente (delegação externa corporis), na forma
do art. 68, § 2.º, da Constituição da República, autorizando que o Presidente da República
disciplinasse a matéria, sem, contudo, tratar de questões relativas a relações contratuais
entre particulares.
A despeito da reserva feita pela Resolução do Congresso Nacional, o Presidente da
República disciplinou mediante lei delegada questões relativas a relações contratuais entre
particulares, extrapolando, pois, os limites da delegação legislativa recebida.
A partir da situação descrita, responda justificadamente:
a) Poderia o próprio Congresso Nacional tomar alguma providência contra o ato do Pre-
sidente da República (providência motu próprio) ou deveria o Congresso Nacional recor-
rer ao Poder Judiciário para que este tome as providências que forem necessárias?
capítulo 1 • 40
b) A delegação legislativa feita mediante Resolução do Congresso Nacional está de
acordo com a Constituição de 1988?
c) O ato que susta a lei delegada também seria uma Resolução do Congresso Nacio-
nal?
d) Poderia o Presidente da República impugnar perante o Poder Judiciário o ato que
sustou a lei delegada?
REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou as bases teóricas que informam o controle de constitucio-
nalidade. Inicialmente, foram examinadas as premissas do controle de constitucionalidade
e que são a supremacia da Constituição e a rigidez constitucional. Nesse contexto, ficou
claro que a ideia de uma Constituição rígida, escrita e com supremacia é a condição de
possibilidade da jurisdição constitucional. Na sequência dos estudos, foram identificados
os diferentes tipos de inconstitucionalidade, bem como as principais espécies de controle
de constitucionalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição
sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25 ed., São Paulo: Malheiros,2010.
DIMOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de processo constitucional. Controle de
constitucionalidade e remédios constitucionais. 5 ed., São Paulo: Atlas, 2017.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 35 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
GÓES, Guilherme Sandoval, MELLO, Cleyson de Moraes. Controle de Constitucionalidade. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2013.
capítulo 1 • 41
capítulo 1 • 42
2
Controle difuso de
constitucionalidade
Controle difuso de constitucionalidade
Neste capítulo, você estudará as bases teóricas que fundamentam o controle
difuso de constitucionalidade no Brasil. O controle difuso, também denominado
incidental, concreto, indireto, de exceção, de defesa, é aquele que se realiza a partir
de um determinado caso concreto e, portanto, a partir da atuação de qualquer
órgão jurisdicional.
Nesse sentido, será necessário identificar as características do Judicial Review
dos Estados Unidos da América, que foram incorporados pelo sistema brasileiro
de controle difuso. Esse estudo comparativo é importante, na medida em que
existem conceitos diferentes entre os dois sistemas.
No presente capítulo, serão estudados também os principais elementos teóri-
cos da dinâmica própria que rege a arguição incidenter tantum no direito brasilei-
ro. Para tanto vamos examinar, entre outros temas, a questão da cisão funcional
de competência, os efeitos da decisão final de mérito do STF, o papel do Senado
Federal e o controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública.
OBJETIVOS
• Identificar a influência do Judicial Review dos Estados Unidos da América sobre o sistema
difuso do Brasil;
• Compreender a dinâmica da arguição incidental de inconstitucionalidade (legitimação,
questão constitucional como cauda de pedir e efeitos da decisão);
• Analisar a cláusula de reserva de plenário (artigo 97 da Constituição de 1988) e o funcio-
namento da cisão funcional de competência nos tribunais;
• Examinar o controle de constitucionalidade em sede de ação civil pública.
capítulo 2 • 44
Trata-se do chamado Judicial Review dos Estados Unidos, que acontece em
um caso concreto normal. Com efeito, o sistema americano se caracteriza pelo
controle de constitucionalidade feito por todos os graus de jurisdição do Poder
Judiciário e dentro de um determinado caso concreto.
Assim, observe, com atenção, que, nos Estados Unidos, qualquer órgão juris-
dicional tem competência para efetuar o controle de constitucionalidade das leis e
demais atos do Poder Público. A figura a seguir ilustra tais características.
capítulo 2 • 45
Marbury v. Madison, portanto, foi a decisão que inaugurou o controle de constituciona-
lidade no constitucionalismo moderno, deixando assentado o princípio da supremacia
da Constituição, da subordinação a ela de todos os Poderes estatais e da competência
do Judiciário como seu intérprete final, podendo invalidar os atos que lhe contrave-
nham. Na medida em que se distanciou no tempo da conjuntura turbulenta em que foi
proferida e das circunstâncias específicas do caso concreto, ganhou maior dimensão,
passando a ser celebrada universalmente como o precedente que assentou a preva-
lência dos valores permanentes da Constituição sobre a vontade circunstancial das
maiorias legislativas. (BARROSO, 2009, p. 10).
Isto significa dizer, que sob a égide do judicial review dos EUA, consagrou-se
definitivamente a arguição incidenter tantum ou arguição incidental de inconstitu-
cionalidade dentro de um determinado caso concreto, no âmbito do qual qualquer
juiz ou tribunal pode apreciar e decidir acerca da questão da constitucionalidade
ou não do ato normativo em tela. Tal questão constitucional não é a questão prin-
cipal do processo em curso, constituindo-se em mera questão incidental necessária
para a fixação da norma-decisão solucionadora da lide. Assim sendo, a discussão
acerca da (in)constitucionalidade da norma se dá com vistas à solução da causa a
ser julgada; e não abstratamente.
De tudo se vê, portanto, que o sistema norte-americano é, a um só tempo, con-
creto pelo fato de começar, necessariamente, a partir de um caso concreto, difuso
pelo fato de que todo e qualquer órgão do Poder Judiciário pode aferir a arguição
de inconstitucionalidade e, finalmente, incidental pelo fato de que tal arguição é
vislumbrada como questão incidental necessária para a solução da causa principal a
ser julgada. A figura a seguir sintetiza tais características do sistema estadunidense.
capítulo 2 • 46
Assim, a grande reflexão que o estudo comparativo encerra agora é saber se todas as
características do Judicial Review dos Estados Unidos da América foram importadas
pelo modelo brasileiro de controle difuso?
capítulo 2 • 47
declara-se, com efeitos vinculantes, inválida uma determinada norma, eivada de
inconstitucionalidade.
Assim, mesmo em se tratando de controle incidental, difuso, indireto, a deci-
são a partir da concepção do stare decisis ganha efeitos abstratos e gerais.
A figura a seguir, retirada da obra “Controle de Constitucionalidade” dos au-
tores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de Moraes Mello, retrata, com precisão,
os principais pontos da comparação entre os sistemas norte-americano e brasileiro.
capítulo 2 • 48
Efeitos da decisão final de mérito do STF em sede difusa
Quais são os efeitos dessa decisão final de mérito tomada pelo STF, em sede de recurso
extraordinário?
Tal decisão final surtirá efeito apenas para as partes do caso decidendo, ou valerá, tam-
bém, para terceiros, caracterizando-se assim a chamada eficácia erga omnes?
Para responder todos esses questionamentos, bem como considerar esses dois mo-
mentos distintos (exato instante da decisão e após a decisão final de mérito do STF),
é preciso, antes examinar três grandes tópicos específicos, a saber: a legitimação para
o controle difuso, a arguição incidental de inconstitucionalidade como causa de pedir e
decisão de mérito do STF e o papel do Senado Federal em sede difusa de constitucio-
nalidade. Com esses três elementos conceituais reunidos, vamos examinar os efeitos
da decisão do STF e o papel do Senado Federal em sede difusa de constitucionalidade.
capítulo 2 • 49
Vale, portanto, iniciar agora o estudo do primeiro tópico, identificando os
legitimados ad causam para deflagrar o controle difuso de constitucionalidade no
Brasil.
Imagine, por exemplo, que uma pessoa tenha ajuizado uma demanda em face de um
banco comercial, baseando sua pretensão em determinado artigo do Código de Defesa
do Consumidor (CDC). O réu, em contestação, alega que a pretensão autoral está pre-
judicada pelo fato de que o pedido formulado na inicial está amparado em dispositivo
inconstitucional do CDC que viola frontalmente o núcleo essencial dos princípios cons-
titucionais da livre iniciativa e da livre concorrência. Portanto, alega o banco (parte ré),
como fundamentação da sua tese de defesa, que não é obrigado a cumprir tal dispositi-
vo legal violador do texto constitucional. (GÓES & MELLO, 2016, p.192)
capítulo 2 • 50
vício de inconstitucionalidade. Observe, com atenção, que esse seria exatamente o
caso do réu no caso hipotético anteriormente descrito.
Entretanto, é importante advertir que o autor da ação também tem essa mes-
ma possibilidade do réu, ou seja, o autor também tem legitimidade ad causam
para arguir incidentalmente a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo,
já na sua petição inicial. Assim sendo, o autor da ação também pode propor ou
desencadear o exame de constitucionalidade das leis em sede difusa a partir da sua
petição inicial, desde que o faça de modo incidental. Não confunda petição inicial
com o pedido principal do autor, ou seja, vamos examinar no próximo item que
tal pedido não pode reclamar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo.
Portanto, fica claro que, no controle difuso, tanto o réu quanto o autor podem
desencadear o exame de constitucionalidade das leis, seja como tese de defesa ou
de exceção (réu), seja como pretensão autoral (autor da ação), daí a conclusão de
que a via difusa não é necessariamente a via da exceção ou a via de defesa.
Além das partes do processo, reconhece-se, ainda, legitimidade para o repre-
sentante do Ministério Público, seja na qualidade de parte, seja quando atue no
processo como custos legis. Tal legitimidade do Ministério Público pode ser ex-
traída do seu próprio perfil constitucional, que o autoriza a desencadear o con-
trole incidental de constitucionalidade das leis em cumprimento ao art. 129 da
Constituição da República, que atribui àquela instituição o dever de defender suas
normas.
Da mesma forma, nada impede que a Defensoria Pública suscite o controle
incidental de inconstitucionalidade.
Finalmente, é importante destacar que, na hipótese de nenhuma das partes
invocarem a arguição incidental de inconstitucionalidade, o juiz ou o tribunal,
de ofício, pode fazê-lo se entender que a lei que rege a relação jurídica em tela é
inconstitucional. Neste caso, trata-se de questão de ordem pública, que justifica
a legitimidade do magistrado para, ex officio, afastar a aplicação de lei tida por
inconstitucional. Ou seja, caso as partes silenciem sobre a questão constitucional,
pode o juiz ou tribunal, de ofício, desencadear o exame de constitucionalidade das
leis em sede difusa.
Uma vez examinado o rol de legitimados ad causam para deflagrar o controle
difuso de constitucionalidade no Brasil, é importante, agora, compreender que
a questão constitucional não pode nunca servir como pedido da ação, mas tão
somente como cauda de pedir.
capítulo 2 • 51
A arguição incidental de inconstitucionalidade como causa de pedir
A questão que se impõe é saber agora se as partes do processo (autor na petição inicial
e réu na contestação) podem pedir diretamente a declaração de inconstitucionalidade
de lei perante o juiz natural de primeira instância?
capítulo 2 • 52
Nesse sentido, retomando-se a situação hipotética acerca de determinado dispositivo
do Código de Defesa do Consumidor que viola o núcleo essencial dos princípios cons-
titucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, pergunta-se o que ocorreria se uma
determinada empresa comercial entrasse com uma ação judicial perante o juiz natural
de primeira instância, tendo como pedido principal a declaração de inconstitucionalida-
de do referido dispositivo do Código de Defesa do Consumidor?
capítulo 2 • 53
garantindo-se ou não a pretensão autoral. Em outras palavras, entendendo que a lei
é inconstitucional, o Estado-juiz pode acolher a pretensão autoral e vice-versa.
Em linhas gerais, é na fundamentação jurídica que as partes, o Ministério
Público ou o próprio juiz de ofício deverão demonstrar a inconstitucionalidade da
lei, de modo a respaldar a norma-decisão como resultado final da lide.
É por tudo isso que se afirmar que, no âmbito do controle difuso, não ocorre a
declaração de inconstitucionalidade, mas, apenas, o afastamento da lei inquinada
pelo vício da inconstitucionalidade.
Naturalmente que a norma-decisão, no plano concreto de significação, será
fruto da questão constitucional incidental, porém, em nenhum momento da parte
dispositiva da sentença, o magistrado fará referência à inconstitucionalidade dessa
lei ou ato normativo, o que significa dizer que a mesma permanece no mundo
jurídico.
Com esses dois tópicos estudados, podemos agora considerar que qualquer
pessoa pode provocar a função jurisdicional do Estado-juiz, bem como qualquer
juiz pode exercê-la na solução do caso decidendo.
Assim, é fácil perceber que diferentes decisões serão tomadas por juízes e tri-
bunais ao longo do país e que, certamente, confluirão para o Supremo Tribunal
Federal, que, na qualidade de guardião maior da ordem constitucional, julgará tais
decisões em grau de recurso extraordinário.
Observe que caberá ao Supremo Tribunal Federal julgar, em grau de recurso
extraordinário, todas essas causas decididas em única ou última instância, quan-
do a decisão recorrida contrariar dispositivo da Constituição Federal, nos termos
do art.102, III, a. Levando em consideração a extensão e a população do país,
fácil é perceber a quantidade imensa de recursos extraordinários que poderão ser
capítulo 2 • 54
submetidos ao STF, advindos da justiça comum, federal ou estadual (todos os
Estados da Federação e do Distrito Federal/Territórios), ou, ainda, no âmbito das
justiças especializadas (eleitoral, do trabalho e militar). (GÓES & MELLO, 2016,
p. 191)
Vale agora retomar nossas questões iniciais, quais sejam:
Sua eficácia subjetiva, no entanto, é limitada às partes do processo, sem afetar tercei-
ros (CPC, art. 472). Por outro lado, o objeto da causa é demarcado pelo pedido formu-
lado, não podendo o pronunciamento judicial estender-se além dele. Portanto, a eficá-
cia objetiva da coisa julgada é limitada ao que foi pedido e decidido, sendo certo que
é a parte dispositiva da sentença (CPC, art. 458), na qual se contém a resolução das
questões postas, que recebe a autoridade da coisa julgada. (...) Ora bem: por dicção
legal expressa, nem os fundamentos da decisão nem a questão prejudicial integram os
limites objetivos da coisa julgada, de modo que não há falar em auctoritas rei iudicata
em relação à questão constitucional. (BARROSO, 2009, p. 124)
capítulo 2 • 55
Judicial Review estadunidense, predomina o espírito do sistema jurídico vinculado
à common law, no qual se destaca a força vinculante do precedente judicial, daí a
ideia consolidada do stare decisis da Suprema Corte no controle difuso.
Em suma, no âmbito do processo subjetivo, as decisões judiciais da Suprema
Corte dos EUA resolvem definitivamente a lide específica e, além disso, em ho-
menagem ao princípio da supremacia da Constituição, vinculam todos os órgãos
do Poder Judiciário (internamente) e também os demais Poderes (externamente)
em virtude da eficácia erga omnes da decisão final de mérito do órgão jurisdicional
cupular daquele País. Diferente, é a lógica do sistema brasileiro de controle difuso.
Essa comparação é importante porque destaca bem a ideia de que a sentença
do STF faz coisa julgada somente para as partes, não beneficiando, nem prejudi-
cando terceiros. Diferente é a decisão norte-americana que faz a questão consti-
tucional habitar a parte dispositiva da sentença, atribuindo efeitos erga omnes e
vinculantes. Nesse sentido, a visão de Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet:
capítulo 2 • 56
Modular os efeitos significa, nos termos do artigo 27 da lei 9868/99, modi-
ficar os efeitos retroativos (ex-tunc) da decisão do STF para efeitos prospectivos
(ex-nunc) ou efeitos pró-futuro (para uma data qualquer no futuro).
Assim, é importante compreender que, nos ternos do referido artigo, o STF
pode, nas ações de controle de constitucionalidade em sede de controle concen-
trado, ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em
vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria
de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir
que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado (ex-nunc) ou de outro
momento que venha a ser fixado (pró-futuro ou uma data qualquer estipulada).
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal já consagrou a ideia de que é possível
a modulação de efeitos no controle difuso, em recurso extraordinário, nas hipó-
teses de excepcional interesse social ou segurança jurídica, atendido o quorum
qualificado de 2/3 de seus membros (oito ministros).
A figura a seguir, retirada da obra controle de constitucionalidade, sintetiza
os elementos essenciais da decisão final de mérito do STF em sede de contro-
le incidental.
.
antigo artigo 52, inciso X, da Constituição de 1988.
É possível a modulação dos efeitos em sede de controle
difuso por analogia ao artigo 27 da lei 9868/99 (efeitos ex-
.
nunc ou pro futuro)
O recurso extraordinário em sede difusa não é um terceiro
grau de jurisdição porque não se admite o reexame do
conjunto fático-probatório, apenas a discussão de questões
de direito.
capítulo 2 • 57
Em apertada síntese, vale destacar os seguintes pontos: os efeitos da decisão do
STF, de per si, tem apenas efeitos inter partes e retroativos (ex-tunc); para terceiros
que não ingressaram com ação judicial, os efeitos da declaração de inconstitucio-
nalidade só serão observados após a intervenção do Senado Federal; é possível a
modulação dos efeitos em sede de controle difuso por analogia ao artigo 27 da lei
9868/99; o recurso extraordinário não é um terceiro grau de jurisdição porque não
se admite o reexame do conjunto fático-probatório, apenas a discussão de questões
de direito. Portanto, o recurso extraordinário só será recebido se houver pré-ques-
tionamento (a questão constitucional deve ter sido arguida em alguma instância
antes do recurso extraordinário). (GÓES & MELLO, 2016, p. 199).
Resta agora saber qual será o papel do Senado Federal em momento posterior à deci-
são final de mérito do STF?
Como visto antes, os efeitos da decisão final de mérito do STF devem ser
aferidos em dois momentos distintos.
Já se identificou que, no primeiro momento, a decisão final do STF pro-
duz efeitos inter partes e ex tunc (em regra), permanecendo a norma no mundo
jurídico.
Resta, agora, analisar o segundo momento, no qual a participação do Senado
Federal será fundamental, uma vez que o mesmo pode suspender a execução,
no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do
Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 52, X, da CRFB/88.
Assim sendo, é correto afirmar que o Senado Federal pode ou não, a seu intei-
ro critério, exercer sua competência constitucional de suspender, no todo ou em
parte, a lei declarada inconstitucional pelo STF, em sede difusa. O ato suspensivo
do Senado Federal é discricionário, é um ato político, portanto, não tem caráter
vinculado, ficando dessarte submetido ao juízo de conveniência e oportunidade
dos senadores.
É como se o exercício dessa competência pelo poder legislativo implicasse na
extensão dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da lei para todas as
pessoas. Isso porque, a partir do momento em que o Senado Federal publica a
referida resolução, todos deixam de estar obrigados ao cumprimento da lei cuja
eficácia ficou suspensa. Nesse sentido, a norma sai do mundo jurídico.
Finalmente, é importante ainda examinar a questão relativa à extensão da re-
solução suspensiva do Senado Federal, qual seja, a verificação se o Senado Federal
capítulo 2 • 58
está ou não atrelado à decisão do STF no que tange a inconstitucionalidade total
(no todo) ou parcial (em parte). Nesse sentido, é firme a jurisprudência do STF no
entendimento de que o Senado Federal está atrelado, sim, à decisão do Supremo
Tribunal Federal, vale dizer se a decisão do STF foi de inconstitucionalidade total,
o Senado Federal estará obrigado a suspender a lei no todo. Se a inconstitucio-
nalidade foi em parte, o Senado Federal deve suspender a lei apenas dessa parte.
Uma vez examinadas as características principais do controle difuso, é im-
portante agora examinar a cláusula de reserva de plenário contida no art. 97 da
CRFB/88.
capítulo 2 • 59
A cláusula de reserva de plenário traz no seu âmago a essência democrática do consti-
tucionalismo ocidental porque a exigência da maioria absoluta, seja do plenário, seja do
órgão especial, tem o condão de afastar a recusa fácil de desconstituição de leis ou atos
normativos do poder público. (GÓES & MELLO, 2016, p. 170)
capítulo 2 • 60
se o órgão fracionário entender que a norma é constitucional, não há lugar para a
instauração da cisão funcional de competência.
A resposta é negativa, isto é, a cláusula full bench não impede que os magistra-
dos de primeira instância declarem a inconstitucionalidade de lei ou ato norma-
tivo no controle difuso. Com isso, fica caracterizado que a regra do artigo 97 da
Constituição não se aplica aos juízos monocráticos de primeira instância, o que
significa dizer que todo e qualquer juiz singular tem competência constitucional
para, na fundamentação da sentença monocrática, afastar a aplicação de uma lei
que considere incompatível com a Constituição.
Existe aqui um paradoxo da cláusula de reserva de plenário que gerou a ne-
cessidade da Súmula Vinculante nº. 10, qual seja: na primeira instância, qualquer
juiz singular pode afastar a lei reputada inconstitucional, porém, na segunda ins-
tância, três desembargadores (número mínimo de composição de uma câmara no
TJRJ, por exemplo) não poderão proceder da mesma forma que o juiz singular,
pois terão que provocar a cisão funcional de competência.
Tal paradoxo realmente existia e levou o Supremo Tribunal Federal a editar a
Súmula Vinculante número 10:
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de
tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.
capítulo 2 • 61
A Súmula Vinculante 10 evita o escamoteamento da declaração de inconstitucionalida-
de, ou melhor, o afastamento ou a mera não aplicação de lei sem que essa seja dita, ex-
pressamente, inconstitucional. Deseja-se inibir o órgão fracionário, ainda que consciente
da sua falta de competência para decidir a questão constitucional, de imediatamente
julgar o recurso, sem sobrestá-lo e enviar a questão constitucional à decisão do Plenário
ou Órgão Especial. Assim, impede-se a violação da norma constitucional (art.97 da CF),
que exige, para a declaração de inconstitucionalidade, o voto da maioria absoluta de
seus membros do tribunal ou de seu Órgão Especial. (SARLET & MARINONI & MITI-
DIERO, 2014, p. 966)
Enfim, com esse tipo de intelecção em mente, fácil é perceber que a Súmula Vincu-
lante n. 10 nasceu com o desiderato de resguardar a cláusula de reserva de plenário,
insculpida no artigo 97 da Carta Ápice pátria, afastando-se, portanto, a tentativa de se
burlar tal regra constitucional por parte dos órgãos fracionários de segunda instância,
seja atuando no primeiro grau de jurisdição (competência originária dos tribunais), seja
atuando no segundo grau de jurisdição (competência recursal dos tribunais). (GÓES &
MELLO, 2016, p. 170)
capítulo 2 • 62
Uma vez examinadas a cláusula de reserva de plenário e a cisão funcional de
competência, você vai agora estudar o último ponto do presente capítulo e que é
a possibilidade ou não de arguir incidentalmente a inconstitucionalidade de uma
lei ou ato normativo durante o curso de uma ação civil pública.
O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública em face do INSS, visando obri-
gar a autarquia a emitir aos segurados certidão parcial de tempo de serviço, com base
nos direitos constitucionalmente assegurados de petição e de obtenção de certidão em
repartições públicas (CF, art. 5º, XXXIV, b). O INSS alega, por sua vez, que o Decreto
3048/99, em seu art. 130, justifica a recusa. Sustenta, ainda, que a Ação Civil Pública
não seria a via adequada para a defesa de um direito individual homogêneo, além de
sua utilização consubstanciar usurpação da competência do STF para conhecer, em
abstrato, da constitucionalidade dos atos normativos brasileiros.
Como deverá ser decidida a ação?
capítulo 2 • 63
Com efeito, se os efeitos ultra partes forem observados, a sentença na ação civil
pública civil estaria fazendo coisa julgada erga omnes, nos limites da competência
territorial do órgão prolator. No dizer de Guilherme Sandoval e Cleyson Mello:
O fato é que, quando o Ministério Público ajuíza uma ação civil pública para proteger
interesses individuais homogêneos, baseando seu pedido na inconstitucionalidade de
uma lei, a sentença favorável resultará na invalidação, erga omnes, da lei em tela, o que
certamente equivaleria à sua declaração de inconstitucionalidade em sede de controle
abstrato. Por isso, o Supremo Tribunal Federal tinha jurisprudência no sentido de que
a ação civil pública não seria instrumento adequado para pleitear a defesa dos interes-
ses transindividuais com base na inconstitucionalidade das leis. A posição antiga do
STF era, pois, no sentido de ausência de legitimação do Ministério Público para ações
civis públicas. (GÓES & MELLO, 2016, p. 205)
capítulo 2 • 64
Recurso extraordinário. Ação Civil Pública. Ministério Público. Legitimidade. 2. Acórdão
que deu como inadequada a ação civil pública para declarar a inconstitucionalidade de
ato normativo municipal. 3. Entendimento desta Corte no sentido de que "nas ações
coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade de declaração de inconstitu-
cionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local." 4. Reconhecida
a legitimidade do Ministério Público, em qualquer instância, de acordo com a respectiva
jurisdição, a propor ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III). 5. Recurso extraordinário
conhecido e provido para que se prossiga na ação civil pública movida pelo Ministério.
Público.
(RE 227159, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em
12/03/2002, DJ 17-05-2002 PP-00073 EMENT VOL-02069-03 PP-00429).
De tudo se vê, portanto, que é cabível ação civil pública, baseando-se na in-
constitucionalidade de uma lei, desde que a decisão final possa ser atribuída com
efeitos inter partes. O que não se admite é reconhecer que a ação civil pública
possa ser ajuizada como sucedâneo de uma ação direta de inconstitucionalidade,
visando a apreciação da validade de uma lei em tese.
A ementa a seguir responde diretamente a questão formulada no início desse
tópico, ou seja, não deve prosperar a argumentação do INSS de que a Ação Civil
Pública não seria a via adequada para a defesa de um direito individual homogê-
neo, por consubstanciar usurpação da competência do STF para conhecer, em
abstrato, da constitucionalidade dos atos normativos brasileiros.
No próximo capítulo, você vai estudar com maiores detalhes o controle con-
centrado de constitucionalidade que abarca, dentre outras, as seguintes ações:
a) Ação direta de inconstitucionalidade (ADI);
b) Ação declaratória de constitucionalidade (ADC);
c) Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
capítulo 2 • 65
CONEXÃO
Para melhor compreensão acesse os endereços a seguir e ouça o MP4 e assista o vídeo
sobre controle difuso.
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/gen_a ula_mais/jurisdicao_
constitucional/mp3/arq/aula_4.mp3
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/poa008/conteudo/
aula_mais.htm#myModal
ATIVIDADE
No julgamento de uma apelação em Mandado de Segurança de decisão de juiz de direi-
to, a 5.ª Turma do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) afastou a incidên-
cia de uma determinada lei federal, por considerá-la inconstitucional (arguição incidental de
inconstitucionalidade).
E mais: deixou de observar a reserva de plenário de que trata o art. 97 da CRFB/88
em razão de já haver pronunciamento equivalente do órgão especial do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo (TJSP) no sentido da inconstitucionalidade da referida lei federal.
Entendeu a 5.ª Turma do TJRJ que não seria necessária a cisão funcional de competência
tendo em vista o precedente do órgão especial do TJSP.
Interposto o Recurso Extraordinário, em que se arguia a nulidade do decisum do TJRJ,
por violação ao art. 97 da CRFB/88, a 5.ª Turma do TJRJ argumentou que, já havendo pro-
nunciamento da inconstitucionalidade da mesma lei em qualquer outro tribunal, estaria o ór-
gão julgador (órgão fracionário) dispensado de proceder à cisão funcional de competências.
Você, Ministro relator do recurso, como votaria nesse particular?
REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou a dinâmica do controle difuso de constitucionalidade no
Brasil. Inicialmente, você verificou que, nos Estados Unidos, predomina o conceito de stare
decisis, isto é, o efeito vinculante das decisões da Suprema Corte em relação aos demais
órgãos do Poder Judiciário e da administração pública, direta e indireta.
Nesse sentido, a declaração de inconstitucionalidade feita pela Corte Máxima estaduni-
dense retira a norma do mundo jurídico. No Brasil, diferentemente, quando se fala em con-
capítulo 2 • 66
trole concreto de constitucionalidade, a decisão final de mérito do STF tem eficácia subjetiva
(efeitos inter partes), cabendo ao Senado Federal, nos termos do art. 52, inciso X, editar
resolução suspensiva retirando a norma do mundo jurídico.
Na sequência dos seus estudos, você examinou a aplicação da cláusula de reserva de
plenário, insculpida no art. 97 da CRFB/88, que impede que os órgãos fracionários dos
tribunais (câmaras ou turmas) declarem a inconstitucionalidade mesmo que em sede de
controle incidental, bem como a questão da cisão funcional de competência no âmbito dos
tribunais do País.
Finalmente, você verificou que o Ministério Público tem legitimidade para deflagrar a
arguição incidental de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública, desde que a ques-
tão constitucional qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução
do litígio principal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição
sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009.
GÓES, Guilherme Sandoval, MELLO, Cleyson de Moraes. Controle de constitucionalidade. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2016.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 8 ed.
São Paulo: Saraiva, 2013.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito
constitucional. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p.966.
capítulo 2 • 67
capítulo 2 • 68
3
Controle
abstrato de
constitucionalidade
Controle abstrato de constitucionalidade
Neste capítulo, você estudará as bases teóricas que fundamentam o controle
concentrado de constitucionalidade no Brasil. O controle concentrado, também
denominado principal, abstrato, direto, objetivo, é aquele que é realizado exclusi-
vamente pelo Supremo Tribunal Federal.
Inicialmente, será necessário examinar a influência do sistema kelseniano-aus-
tríaco usado na Europa, com a finalidade de identificar as características desse
sistema que foram incorporadas pelo direito brasileiro. Na sequência dos estudos,
serão examinados os diferentes regimes jurídicos das ações concentradas do nosso
sistema, quais sejam: ação direta de inconstitucionalidade (ADI), ação declaratória
de constitucionalidade (ADC), arguição de descumprimento de preceito funda-
mental (ADPF) e ação direta de inconstitucionalidade interventiva (ADINT).
Assim sendo, não vamos examinar a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão (ADO), por um motivo muito simples, qual seja, o ideal é estudá-la jun-
tamente com a figura do Mandado de Injunção (MI), o que se fará no capítulo 4
dessa obra acadêmica.
OBJETIVOS
• Identificar a influência do sistema kelseniano-austríaco sobre o sistema concentrado do
Brasil;
• Compreender a dinâmica da ação direta de inconstitucionalidade (ADI);
• Analisar o regime jurídico da ação declaratória de constitucionalidade (ADC);
• Analisar o regime jurídico da arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF);
• Examinar o instituto da ação direta de inconstitucionalidade interventiva (ADINT).
capítulo 3 • 70
Constituição ao conceber o Tribunal Constitucional como órgão de cúpula res-
ponsável pelo controle judicial de constitucionalidade. Foi Hans Kelsen um dos
principais colaboradores desta Constituição austríaca, daí a designação de modelo
kelseniano-austríaco de controle abstrato de constitucionalidade.
Observe, com atenção, portanto, que, em contraposição ao Judicial Review esta-
dunidense associado ao controle difuso de constitucionalidade, o modelo da Áustria
foi criado para justificar a criação de uma Corte Constitucional como único órgão
competente para anular atos inconstitucionais, ou seja, surge daqui a ideia kelse-
niana de que uma Constituição em que falte a garantia de anulabilidade dos atos
inconstitucionais não é plenamente obrigatória. Nesse sentido, Kelsen mostra que:
A Constituição conferiu a essa corte o poder de anular a lei que considerasse incons-
titucional. Nem sempre era necessário anular a lei interira; caso a disposição incons-
titucional pudesse ser separada do restante da lei, a corte podia anular apenas essa
disposição. A decisão da corte invalidava a lei ou sua disposição particular não apenas
no caso concreto, mas de modo geral, para todos os casos futuros.Tão logo a decisão
entrasse em vigor, a lei anulada deixava de existir. A decisão anulatória da corte, em
princípio, era efetiva apenas ex nunc. (KELSEN, 2003, p.304-305)
capítulo 3 • 71
Nesse mesmo sentido, enquanto no sistema americano o controle se faz a
partir de um caso decidendo comum sobre o qual se argui incidentalmente a
inconstitucionalidade de uma determinada lei, no sistema kelseniano-austríaco a
questão da inconstitucionalidade é feita contra a lei em tese, vale dizer, de modo
objetivo, abstrato, sem necessidade de um caso concreto real.
E mais: nos Estados Unidos, a questão constitucional não transita na parte
dispositiva da sentença, fazendo parte apenas de sua fundamentação. Já no sistema
kelseniano-austríaco a questão constitucional não é a apenas a questão principal,
mas, é, simplesmente, a única questão que se discute, habitando, pois, o decisum
(parte dispositiva) do acórdão do Tribunal Constitucional.
Em linhas gerais, vale fazer agora uma análise comparativa entre o judicial
review norte-americano e o sistema austríaco ou europeu.
A figura a seguir, retirada da obra “Controle de Constitucionalidade” dos au-
tores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de Moraes Mello, retrata, com precisão,
os principais pontos da comparação entre os sistemas norte-americano e austríaco.
capítulo 3 • 72
Além dessa comparação entre os sistemas austríaco e norte-americano, é im-
portante compreender que, da mesma forma que ocorreu com a importação do
controle difuso norte-americano, o sistema brasileiro também não seguiu fielmen-
te o modelo kelseniano-austríaco e sua tese da anulabilidade do ato inconstitucio-
nal. (GÓES & MELLO, 2016, p.134).
Sem nenhuma dúvida, as principias características do sistema kelseniano-aus-
tríaco (controle concentrado, direto, principal, abstrato, objetivo) foram assimila-
das pelo direito brasileiro. No entanto, existe uma característica central do sistema
kelseniano-austríaco que não foi recebida pelo sistema brasileiro de controle con-
centrado. Trata-se dos efeitos prospectivos (ex nunc) advindos da adoção da teoria
da anulabilidade do ato inconstitucional.
Assim, cabe aqui e agora destacar bem que a grande diferença com relação ao
modelo kelseniano-austríaco é exatamente a não recepção dessa teoria da anula-
bilidade, vale explicitar, no Brasil, a decisão final de mérito do Supremo Tribunal
Federal em sede de controle abstrato tem efeitos vinculantes e retroativos (ex nunc).
Observe, com atenção, que esse é um ponto importante de reflexão quando
se realiza a comparação entre os dois sistemas: no Brasil, os efeitos da decisão do
STF, no controle abstrato, são retroativos (ex tunc) em virtude da opção pela teoria
da nulidade do ato inconstitucional, enquanto que, no sistema kelseniano-austría-
co-europeu, a decisão da Suprema Corte tem efeitos prospectivos (ex nunc) em
virtude da adoção da teoria da anulabilidade do ato inconstitucional.
Em síntese, no Brasil, predomina a ideia-força de que o ato inconstitucional é
um ato jurídico nulo, natimorto, que nunca gerou efeitos válidos, daí a sua retira-
da do mundo jurídico com efeitos retroativos (ex tunc).
Com isso, a declaração de inconstitucionalidade feita pela Corte Máxima do
País tem o condão de retirar a norma do mundo jurídico, desde o dia em que
foi promulgada e publicada. Trata-se da tese da nulidade, na qual o ato incons-
titucional não é anulado e, sim, declarado inconstitucional com efeitos ex tunc
(retroativos).
Assim, é importante constatar que a importação do controle abstrato não ado-
tou plenamente as regras do sistema kelseniano-austríaco, ou seja, o Brasil não
adotou a possibilidade de anular um ato inconstitucional, exatamente por consi-
derá-lo ato jurídico nulo, que nunca existiu, portanto, nunca adentrou ao mundo
jurídico (nulidade ab initio).
capítulo 3 • 73
Assim, a grande reflexão que o estudo comparativo encerra é compreender que nem to-
das as características do sistema kelseniano-austríaco-europeu foram importadas pelo
modelo brasileiro de controle abstrato. Há uma característica que o direito brasileiro não
adotou, qual seja a teoria da anulabilidade do ato inconstitucional.
capítulo 3 • 74
a análise da (in)constitucionalidade de lei em tese, atendendo a um pedido dire-
to formulado pelo autor da ação. Nesse tipo de controle, a questão constitucio-
nal é o único motivo da instauração da ação, ou seja, a inconstitucionalidade é
analisada em tese com o propósito de expelir do mundo jurídico atos normati-
vos inconstitucionais. Ajuíza-se a ação com o objetivo específico de se investigar
a questão constitucional.
Portanto, no controle concentrado, os legitimados que intentam a ação judi-
cial de jurisdição concentrada não alegam a existência de lesão a direito próprio,
mas, sim, o interesse público de defesa da Constituição, surgindo daí a natureza
do controle abstrato como “processo objetivo”, que não contempla partes. Em
outros termos, nesse processo objetivo, não há direitos subjetivos ou interesses em
jogo, o que se busca é a inconstitucionalidade em tese da norma.
Em linhas gerais, no âmbito do processo objetivo, as ações de controle con-
centrado apresentam as seguintes características:
a) não se admite desistência da ação proposta;
b) não se acolhe intervenção de terceiros ou litisconsórcio entre requeren-
te ou requerido e terceiros;
c) não se configura hipótese de suspeição ou impedimento, exceto se
o Ministro do STF já houver atuado antes como requerente, requerido,
Advogado-Geral da União (AGU) ou Procurador-Geral da República
(PGR);
d) não se reconhece a assistência a requerente ou requerido por terceiros
interessados na ação em tela;
e) a decisão de mérito do STF é irrecorrível, exceto a interposição de em-
bargos declaratórios;
f ) a decisão de mérito do STF não pode ser objeto de ação rescisória;
g) é cabível a interposição de medida cautelar.
A questão que se impõe agora é saber quais são as consequências da revogação da lei
acusada de inconstitucionalidade quando em curso uma ação direta de controle con-
centrado de constitucionalidade?
capítulo 3 • 75
Nessa hipótese, estando em curso a ação e sobrevindo a revogação (total ou parcial)
da lei ou ato normativo, assim como a perda de sua vigência (o que acontece com
a medida provisória), ocorrerá, por regra, a prejudicialidade da ação, por “perda do
objeto”. Isso porque, segundo entendimento do STF, a declaração em tese de lei ou
ato normativo não mais existente transformaria a ADI em instrumento de proteção de
situações jurídicas pessoais e concretas (STF, Pleno, ADI 737/DF, Rel. Min. Moreira
Alves). Esses questionamentos deverão ser alegados na via ordinária, ou seja, por
intermédio do controle difuso de constitucionalidade. (LENZA, 2015, p. 359)
capítulo 3 • 76
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Assim sendo, observe, com atenção, que o direito brasileiro não admite a figura
da “ação popular de inconstitucionalidade”, isto é, a possibilidade de qualquer cida-
dão ajuizar diretamente no STF pedido de declaração de inconstitucionalidade de lei
ou ato normativo que viole o texto constitucional. No atual sistema, caso o cidadão
tenha um direito individual lesado em função de uma lei inconstitucional, poderá,
capítulo 3 • 77
no máximo, oferecer representação ao Ministério Público, que decidirá, livremente,
se apresenta ou não uma ação direta de inconstitucionalidade perante o STF.
LEGITIMADOS
capítulo 3 • 78
Síntese da jurisprudência do STF com relação à legitimação ativa
• basta um único representante para que se reconheça legitimidade ativa aos parti-
dos políticos;
• a perda superveniente de representação no Congresso nacional não prejudica a apre-
ciação da ação;
• Os legitimados elencados nos incisos I a VII do art. 103 da CRFB/88 têm capacidade
postulatória, não carecendo de advogado para ajuizar a ação;
• as federações, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Es-
tudantes (UNE) não têm legitimidade ativa para ajuizar a ação;
• as entidades de classe de âmbito nacional terão que ter como membros entidades
estaduais que pertençam a pelo menos nove estados da federação.
capítulo 3 • 79
Assim, todos os indivíduos, cujas relações foram influenciadas pela lei declara-
da inconstitucional, serão atingidos. Não há como delimitar efeitos subjetivos da
decisão, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade é feita em tese, com a
retirada do mundo jurídico. A declaração de inconstitucionalidade da lei em tese
atinge todas as pessoas porque elas passarão a não mais cumprir tal lei.
Observe, aqui, com atenção, que a eficácia erga omnes não se confunde com
a eficácia vinculante, ou seja, com os efeitos vinculantes da decisão do STF. Tais
efeitos vinculantes decorrem do próprio texto constitucional (art. 102, § 2.°, da
CRFB/88), bem como de legislação infraconstitucional (art. 28, § único, da Lei
n.° 9.868/99 e art. 13, da Lei n.° 9.882/99 ).
Assim, fica claro que a eficácia vinculante, diferentemente da eficácia erga om-
nes, projeta a ideia de que todos os órgãos do Poder Judiciário, bem como todos os
órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal, deverão respeitar a decisão final do STF, em sede concentrada.
Em outros termos, pode-se afirmar que a eficácia vinculante é a imposi-
ção obrigatória dos efeitos da decisão do STF em relação aos órgãos do Poder
Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Se tal decisão for descumprida, caberá a figura jurídica da Reclamação, previs-
ta no art. 102, I, l, da CRFB/88. No dizer de Luís Roberto Barroso:
capítulo 3 • 80
O efeito vinculante, consoante dicção do parágrafo único do art. 28, produz-se em
relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual
e municipal. Assentada, portanto, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de
determinado ato normativo, figurará ele como premissa lógica necessária das decisões
judiciais e administrativas subsequentes. A não-submissão ao efeito vinculante ense-
jará a utilização do instituto da reclamação (CF, art. 102, I, I). Sustenta-se, igualmente,
que atos normativos de igual teor, emanados do Judiciário ou do Executivo (mas não
do Legislativo, que não está sujeito à vinculação), independentemente de nova ação,
serão tidos como constitucionais ou inconstitucionais, na linha do que tenha sido de-
clarado na ação. (BARROSO, 2009, p. 242-243)
Um ponto importante de análise no que tange aos efeitos retroativos (ex tunc) da de-
cisão do STF em sede abstrata é relativo à possibilidade de modulação desses efeitos.
Mais precisamente, é possível modificar os efeitos retroativos (ex-tunc) para efeitos
prospectivos (ex nunc)?
A resposta é dada pelo artigo 27 da lei 9868/99 e pelo artigo 11 da lei 9882/99,
que admitem, expressamente, a modulação temporal dos efeitos da decisão do
STF, ou seja, é possível modificar os efeitos retroativos (ex tunc) para efeitos pros-
pectivos (ex nunc) ou efeitos pró-futuro (para uma data qualquer no futuro).
Nos termos desses artigos, constata-se que há situações especiais (razões de
segurança jurídica ou excepcional interesse social), nas quais o STF, por maioria
de dois terços de seus membros (oito ministros), pode reconhecer que a inconsti-
tucionalidade da norma não retroagirá à data de sua edição, mas, passará a valer
somente após o seu trânsito em julgado (efeitos ex nunc) ou para outra data qual-
quer determinada pela Suprema Corte.
Uma vez compreendido o significado das expressões eficácia erga omnes, eficá-
cia vinculante e eficácia retroativa (ex tunc), é importante ainda examinar a eficácia
capítulo 3 • 81
repristinatória em relação ao direito anterior, que, no dizer de Vicente Paulo e
Marcelo Alexandrino, tem o seguinte significado:
capítulo 3 • 82
Uma vez examinadas as características comuns, é importante agora estudar
algumas ações do controle concentrado no Brasil (ADI, ADC, ADPF e ADINT),
começando-se com a ADI.
capítulo 3 • 83
Nesse sentido, o paradigma de controle envolve o chamado bloco de constitu-
cionalidade que representa o chamado elemento conceitual do controle de cons-
titucionalidade. No dizer de Pedro Lenza, existem duas posições nesse sentido:
Observe, com atenção, que o paradigma de controle ampliativo vai mais além
das normas constitucionais originárias e emendas constitucionais positivadas
na Constituição para incluir os tratados internacionais sobre direitos humanos,
bem como a inclusão de princípios constitucionais e supraconstitucionais não
escritos. Nesse último sentido, o bloco de constitucionalidade, usado como para-
digma de controle de constitucionalidade, incorpora princípios da ordem jurídi-
ca metaconstitucional.
capítulo 3 • 84
Aqui, é importante compreender que o paradigma de controle ampliativo já
tem reconhecimento, muito embora ainda tímido, na jurisprudência dos nossos
tribunais, como, por exemplo, a visão do Ministro Celso de Mello quando vislum-
bra que no âmbito do paradigma ampliativo devem ser considerados:
capítulo 3 • 85
Em linhas gerais, pode-se afirmar que os seguintes atos normativos não pode-
rão ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade:
capítulo 3 • 86
inconstitucionalidade. Entretanto, é importante compreender que a jurisprudên-
cia do STF afastou esse entendimento, uma vez que deu liberdade plena para o
AGU se manifestar de acordo com sua própria convicção, desobrigando-o de sua
função de curador da presunção de constitucionalidade das leis.
Por sua vez, o PGR é o chefe do Ministério Público da União, sendo um
dos legitimados universais para propor ADI. A atuação do PGR é livre, opinan-
do, de acordo com sua convicção, sobre a constitucionalidade ou não da norma
impugnada.
Em sede de ADI, a oitiva do AGU e do PGR é obrigatória, porém, não vin-
culativa, logicamente.
Tal ação foi introduzida no direito brasileiro a partir da EC n.° 3/93 que alterou
o art. 102, I, a, da CRFB/88, passando a fazer referência direta à ação declaratória
de constitucionalidade, juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade.
A finalidade de uma ação declaratória de constitucionalidade é restaurar a
presunção relativa de constitucionalidade da norma-objeto da ação, impedindo
assim que juízes, tribunais e órgãos da Administração Pública deixem de cum-
pri-la ao argumento de uma suposta inconstitucionalidade. No dizer de Luís
Roberto Barroso:
Observe, com atenção, que nesse sentido, a ADC é a ADI com o sinal trocado
(conceito de Gilmar F. Mendes), na medida em que simbolizam ações de jurisdi-
ção direta, abstrata e concentrada com pretensões invertidas.
Com efeito, na ADI, a finalidade é fulminar a presunção relativa de cons-
titucionalidade da norma impugnada, enquanto que, na ADC, é o contrário, a
finalidade é restaurar a presunção de constitucionalidade da norma resistida por
capítulo 3 • 87
parte do poder judiciário e da administração pública. Veja a seguir a definição
dada pelo STF.
capítulo 3 • 88
Com efeito, as medidas provisórias atendem ao pressuposto do art. 102, I, a,
do Estatuto Maior, quando confere ao STF competência para processar e julgar,
originariamente, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato norma-
tivo federal. Nesse sentido, observe, com atenção, que, caso cesse a eficácia da
Medida Provisória, seja por decurso de prazo (120 dias), seja por ter sido expressa-
mente rejeitada, implicará na perda de objeto da ação declaratória de constitucio-
nalidade, eventualmente em curso.
Outro ponto fundamental acerca do regime jurídico da ADC está relacionado com a
questão da relevante controvérsia judicial, como elemento viabilizador da ADC.
Nesse sentido, a questão que se impõe é saber se caberá ADC contra qualquer lei ou
ato normativo federal, sem obedecer a nenhum pressuposto prévio?
Em linhas gerais, não é necessária uma ação judicial para declarar a constituciona-
lidade de uma lei ou ato normativo, por mais inconstitucional que seja tal lei ou ato
normativo, exatamente, em nome do postulado normativo da presunção de constitu-
cionalidade das leis.
Então, em princípio, seria dispensável a declaração judicial de um fato que já se presu-
me, ainda que de modo relativo. Entretanto, a ação declaratória de constitucionalidade,
de acordo com o art. 14, III, da Lei nº 9.868/99, veio desempenhar importante papel
quando determina que a ADC somente será recebida se houver relevante controvérsia
no âmbito dos tribunais. (GÓES & MELLO, 2016, p.288)
Isto significa dizer que sem controvérsia judicial relevante, não haverá ação
declaratória de constitucionalidade, ou seja, o Ministro relator somente aceitará o
pedido de declaração de constitucionalidade de legislação federal se restar provada
a controvérsia relevante nos tribunais.
Portanto, nos termos do art. 14, III, da Lei n.° 9.868/99, a existência de
controvérsia relevante nos tribunais acerca de compatibilidade vertical com a
capítulo 3 • 89
Constituição é pressuposto da ADC. E tanto é assim que, na petição inicial, o
autor já deverá anexar os acórdãos que tenham resolvido a questão constitucional
de forma diferente, anexando, inclusive, cópias dos mesmos à peça vestibular.
Esta comprovação é imprescindível, pois constitui elemento fundamental para
que a ação possa ser recebida e conhecida. Sem ela a petição é inepta, por carecer
de elemento essencial legalmente exigido, sendo certo afirmar que a jurisprudên-
cia do STF é firme no sentido de não admitir a figura jurídica da ADC se não
for comprovada ampla e relevante controvérsia judicial, verificável a partir de um
volume expressivo de decisões judiciais conflitantes.
capítulo 3 • 90
preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo
Tribunal Federal, na forma da lei”.
Somente com o advento da Lei n.° 9.882/99, foi possível fazer uso desse dis-
positivo constitucional, que era, até então, considerado norma de eficácia limi-
tada, de modo que, enquanto não fosse regulamentado, não poderia ser aplica-
do. Nesse sentido, é certo afirmar que tanto a doutrina quanto o próprio STF
não tinham nenhuma referência prévia dessa ação, na medida em que não havia
nem mesmo institutos semelhantes no direito comparado. A seguir a definição da
Suprema Corte.
A grande questão que se coloca então é saber: quais são as normas constitucionais que
se enquadram nesse conceito de preceito fundamental?
capítulo 3 • 91
Por sua vez, o ex-Ministro Teori Zavascki entendia que:
capítulo 3 • 92
outro tipo de processo anterior. Sua previsão legal encontra-se no caput do
art. 1° da Lei n.° 9.882/99;
b) ADPF incidental: é uma ação incidental, que nasce no bojo de um
caso concreto qualquer, com relevante fundamento da controvérsia cons-
titucional sobre lei ou ato normativo. Tem, portanto, natureza jurídica de
incidente processual, vinculando-se a um caso concreto posto à apreciação
do Judiciário num processo comum. Sua previsão legal encontra-se no art.
1°, parágrafo único, inciso I, da Lei n.° 9.882/99.
Observe, com atenção, que a ADPF autônoma é manejada para atacar ato
do Poder Público, qualquer que seja ele, de caráter normativo ou não. É o que se
extrai da leitura do art. 1.°, caput, da Lei n.° 9.882/99 quando afirma que a ADPF
tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do
Poder Público. Em sede de ADPF autônoma, o que importa é que um ato qual-
quer do Poder Público esteja afrontando preceito fundamental da Constituição.
Já a ADPF incidental diz respeito apenas aos atos normativos ou leis federais, es-
taduais e municipais, inclusive os que tenham sido produzidos antes da Constituição
de 1988. Portanto, observe, com atenção, que o objeto da ADPF incidental é muito
amplo, pois, inclui as leis e os atos normativos de todos os entes federativos (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como toda a legislação infraconstitu-
cional existente antes da promulgação da Constituição de 1988.
O primeiro dispositivo menciona que só caberá ADPF quando existir relevante funda-
mento da controvérsia constitucional, que já pressupõe a existência de um caso de-
cidendo, que é também confirmado no bojo do segundo dispositivo, que estabelece
que poderá ser concedida medida liminar consistente na determinação de que juízes e
tribunais suspendam o andamento de processo que apresente relação com a matéria
objeto da ADPF. Além disso, o último dispositivo da lei 9882/99 também confirma a
existência de casos concretos quando menciona que o relator poderá ouvir as partes
nos processos que ensejaram a ADPF.
capítulo 3 • 93
De tudo se vê, portanto, que a lógica da ADPF incidental pressupõe uma ação
incidental, surgida no bojo de um caso concreto decidendo, com fundamento em
questões relevantes nos aspectos econômico, político, social ou jurídico do País,
restrita à lei ou ao ato normativo, cuja constitucionalidade é imprescindível à re-
solução do mérito da ação. Ou seja, existe um processo comum, entre partes, com
discussão de direitos subjetivos entre elas, quando surge uma controvérsia cons-
titucional relevante envolvendo preceitos fundamentais da Constituição como
questão incidental.
Diante desse fato, qualquer um dos legitimados do artigo 103 da CRFB/88
pode ajuizar uma arguição de descumprimento de preceito fundamental perante
o STF, retirando do processo comum a questão constitucional.
Trata-se da cisão vertical de competência, na qual a Corte Suprema passará a
julgar a questão constitucional, ficando todos os demais processos suspensos até a
decisão final de mérito do STF no bojo da ADPF. Resolvida a questão constitu-
cional pelo Supremo Tribunal Federal, devolve-se o incidente ao Juízo originário
para resolução final do caso concreto.
Nos termos do § 2º, do artigo 4º, da Lei 9.882/99ª, não será admitida argui-
ção de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro
meio eficaz para sanar a lesividade. Observe, que, aqui, desponta a aplicação do
princípio da subsidiariedade, em sede de ADPF.
Com efeito, à primeira vista, pode parecer que a ADPF estará concorrendo
com as outras modalidades de controle concentrado e, ainda por cima, com certa
vantagem, tendo-se em conta seu amplo objeto que abarca qualquer tipo de ato
normativo ou lei, seja nas esferas federal, estadual e municipal, seja sua edição
anterior ou posterior à promulgação da Constituição de 1988.
No entanto, isso não ocorre exatamente em virtude da necessidade de apli-
cação do princípio da subsidiariedade, ou seja, de acordo com o § 1° do art. 4°,
da Lei n.° 9.882/99, a ADPF só pode ser utilizada quando não houver outro
mecanismo à disposição e com capacidade de resolver eficazmente o problema da
inconstitucionalidade. Significa, então, por exemplo, que, se for possível o manejo
de uma ADI ou uma ADC ou ainda uma Representação de Inconstitucionalidade
(RI), não caberá o ajuizamento de uma ADPF perante o STF.
capítulo 3 • 94
Em linhas gerais, a melhor doutrina considera que a aplicação do princípio da subsidia-
riedade deve ser viabilizada em relação às demais modalidades de controle concentrado
(ADI, ADC, ADO ou ADINT), não levando em consideração outros mecanismos proces-
suais ordinários, utilizáveis no âmbito de processos subjetivos.
Finalmente, de acordo com o § 2º, do artigo 4º, da Lei n.° 9.882/99, da de-
cisão de indeferimento da petição inicial caberá agravo, no prazo de cinco dias.
capítulo 3 • 95
ao poder constituinte derivado reformador, nos termos do artigo 60, § 1º, da
CRFB/88, que veda a promulgação de emenda constitucional durante a vigência
de uma intervenção federal, estado de defesa ou estado de sítio.
Topograficamente, a ADINT encontra-se na combinação do artigo 36, III
com o artigo 34, VII, da Constituição de 1988. Em sede infraconstitucional, a
representação interventiva é regulada pela Lei n. 4337, de 1º de junho de 1969,
editada na vigência da Constituição de 1946 e recepcionada pela Constituição
de 1969.
capítulo 3 • 96
legitimados ativos constante do artigo 103 da CRFB/88, já na ADINT Federal,
cabe exclusivamente ao Procurador-Geral da República (PGR) a iniciativa de
propor a ação.
Já a legitimidade passiva, em sede de ADINT, pressupõe a responsabilização
sobre o ente federativo (Estados, Distrito Federal e Municípios), pessoa jurídica
de direito interno. Portanto, o círculo de sujeitos processuais no polo passivo da
ADINT será composto pelos entes federativos, representados pelos Chefes das res-
pectivas Procuradorias-Gerais, nos termos do art. 132 da Constituição de 1988.
Finalmente, é importante observar que, em sede de ADINT Estadual (repre-
sentação interventiva estadual), o único legitimado ativo será Procurador-Geral de
Justiça (PGJ) do respectivo Estado.
Hipóteses de ADINT
capítulo 3 • 97
Conceito de princípios constitucionais
Entende-se como princípio constitucional sensível, aquele cuja violação suscita a possi-
bilidade de intervenção federal, nos termos do art. 34, VII, da CRFB/88.
O direito brasileiro possui os seguintes princípios constitucionais sensíveis:
1. forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
2. direitos da pessoa humana;
3. autonomia municipal;
4. prestação de contas da administração pública, direta e indireta;
5. aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, com-
preendida a proveniente de transferência, na manutenção e desenvolvimento do
ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
CONEXÃO
Acesse o link para ouvir os áudios em MP4 e assistir aos vídeos sobre controle da cons-
titucionalidade abstrato através de:
http://portaldoaluno.webaula.com.br/Cursos/gen_a ula_mais/jurisdicao_
constitucional/mp3/arq/aula_5.mp3
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capítulo 3 • 98
ATIVIDADE
01. Na qualidade de Procurador-Geral do Estado de São Paulo, analise a situação a seguir
e responda a pergunta formulada:
O Governador do Estado de São Paulo, um dos maiores fabricantes de veículos automo-
tores do Brasil, inconformado com a edição da Lei X do Estado do Rio de Janeiro, pretende
propor ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra tal ato normativo estadual, que es-
tabeleceu que apenas os carros fabricados no Estado do Rio de Janeiro poderiam explorar
o serviço de Táxi no âmbito do Estado. Em entrevista ao Jornal Nacional, a Procuradoria
Geral do Estado do Rio de Janeiro, na qualidade de órgão encarregado de sua defesa em
juízo, informa que pretende arguir em preliminar de mérito a ilegitimidade ativa “ad causam”
do Governador do Estado de São Paulo, argumentando que ele só está legitimado para ADI
que discuta a inconstitucionalidade de lei federal ou de seu próprio Estado (São Paulo) em
relação à Constituição da República. No mérito, ou seja, no que diz respeito à questão de
direito material, afirmou que a Lei X nada tem de inconstitucional, sendo suplementar à nor-
matização federal, como preceitua o § 2.º do art. 24 da Constituição da República Federativa
do Brasil. Diante de tais fatos, na qualidade de Chefe da Procuradoria Geral do Estado de
São Paulo, responda se é plausível a propositura de uma ADI do Governador de São Paulo
contra uma lei do Estado do Rio de Janeiro.
REFLEXÃO
Em apertada síntese, você verificou que a decisão final de mérito do STF, de per si, em
sede de fiscalização abstrata, tem, efeitos erga omnes (contra todos); efeitos vinculantes
quanto aos órgãos do Judiciário e Administração Pública; efeitos retroativos (ex-tunc), em
regra; efeitos prospectivos (ex nunc), intermitentes ou pro futuro, em casos de ameaça à se-
gurança jurídica ou excepcional interesse social; efeitos repristinatórios em relação ao direito
anterior (faz renascer das cinzas – repristinar - os atos estatais revogados anteriormente pela
lei agora proclamada inconstitucional) e, finalmente, não depende de resolução suspensiva
do Senado Federal para retirar a norma inconstitucional do mundo jurídico, não se aplicando,
portanto, o artigo 52, X, da CRFB/88. Em suma, no âmbito do processo objetivo, as decisões
judiciais do STF resolvem definitivamente a questão constitucional.
E mais: sintetizando todos esses imbricados conceitos do complexo sistema brasileiro de
controle de constitucionalidade estudados até agora, uma figura vale por mil palavras. Com
efeito, constate a complexidade do nosso sistema, agora já plenamente dominado por você.
capítulo 3 • 99
SISTEMA BRASILEIRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Decreto
Presidencial
Controle Político
Repressivo Controle Judicial
Controle e Político Poder Executivo
Repressivo
Veto Presidente Controle Difuso
CONTROLE
Controle
Político Controle DE ADI
Comissões Preventivo CONSTITUCIONALIDADE ADC
CCI
Controle Judicial
Controle Político Repressivo ADPF
Controle Judicial Repressivo Controle Concentrado
MS Impetrado Poder Legislativo
Parlamentar ADO
Decreto Legislativo ADINT
Art. 49, V
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição
sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009.
GÓES, Guilherme Sandoval, MELLO, Cleyson de Moraes. Controle de constitucionalidade. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2016.
KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. Tradução de Alexandre Krug, Eduardo Brandão e Maria
Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 14 ed. Rio de
Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2015.
capítulo 3 • 100
4
Remédios
constitucionais
Remédios constitucionais
Neste capítulo, você estudará as ações constitucionais garantidoras de direitos
fundamentais. São denominadas de direitos ao quadrado exatamente em função
desse objetivo de atuar como garantia de outros direitos.
Do ponto de vista constitucional, tais figuras jurídicas, denominadas de remé-
dios constitucionais, são usadas para acionar a prestação jurisdicional nas hipóte-
ses de violação de direitos, seja por ilegalidade, seja por abuso de poder.
Os remédios constitucionais, também denominados de writs, são ordens man-
damentais definidas no artigo 5º de nossa Carta Ápice e são os seguintes: habeas
corpus (inciso LXVIII), habeas data (inciso LXXII), mandato de segurança (in-
cisos LXIX e LXX), ação popular (inciso LXXIII) e mandato de injunção (inci-
so LXXI).
OBJETIVOS
• Examinar a figura jurídica do habeas corpus (HC);
• Analisar o instituto jurídico do habeas data (HD);
• Compreender o regime jurídico do mandado de segurança (MS);
• Analisar a dinâmica jurídica da ação popular (AP);
• Comparar os institutos jurídicos da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO)
e o mandado de injunção (MI).
capítulo 4 • 102
Com rigor, tal ação não era instrumento adequado para coibir ilegalidade do
Estado, mas, tão somente de particulares. É por isso que parte da doutrina prefere
destacar a Magna Carta de 1215, outorgada pelo rei João Sem Terra, como a ver-
dadeira origem da garantia do direito de liberdade do cidadão.
Aqui, no entanto, é importante destacar que o conceito de cidadão livre não
incluía os camponeses, mas tão somente os membros do baronato, não guardan-
do, pois, semelhança com os dias atuais. Com efeito, a tutela da liberdade de ir e
vir seguiu longo caminho, valendo destacar nesse sentido, a “Petição de Direitos”
de 1628 (Carlos I), a “Lei do habeas corpus” de 1679 (Carlos II), o “Bill of Rights”
em 1689 e o “Act of Settlement” em 1701 (Kaiser Guilherme III). No dizer de
Alexandre de Moraes:
Por fim, outros autores apontam a origem do habeas corpus no reinado de Carlos II,
sendo editada a Petition of Rights, que culminou com o Habeas Corpus Act de 1679.
Mas a configuração plena do habeas corpus não havia, ainda, terminado, pois até en-
tão somente era utilizado quando se tratasse de pessoa acusada de crime, não sendo
utilizável em outras hipóteses. Em 1816, o novo Habeas Corpus Act inglês ampliou
o campo de atuação e incidência do instituto, para colher a defesa rápida e eficaz da
liberdade individual. (MORAES,2016, p. 135)
capítulo 4 • 103
A doutrina brasileira do habeas corpus
Em linhas gerais, tal doutrina vai perdurar até o ano de 1926, ocasião em que
se edita uma emenda constitucional fechando o texto e, por via de consequência,
sepultando, definitivamente, a doutrina brasileira do habeas corpus.
A questão que impõe, portanto, é saber qual o significado dessa doutrina brasileira do
habeas corpus? Quais eram suas características? Qual seria o seu fundamento jurídico?
capítulo 4 • 104
A polêmica foi memorável, pois na liça estavam dois gigantes: Ruy Barbosa e Pedro
Lessa. O primeiro, interpretando o texto constitucional, não encontrava limites para a
concessão do writ e, por isso mesmo, acentuava: ‘onde se der a violência, onde o indiví-
duo sofrer ou correr risco próximo de sofrer coação, se essa coação for ilegal, se essa
coação produzir-se por excesso de autoridade, por arbítrio dos que a representam, o
habeas corpus é irrecusável’. (TOURINHO FILHO, 1997, p. 498)
Nesse habeas corpus, o Supremo Tribunal Federal assentou que a liberdade individual
é um direito fundamental, condição indispensável para o exercício de um sem-número
de direitos. (...) Mas, se lhe impedem a prática de certos atos somente, o exercício de
algum direito apenas, e o indivíduo prova que indubitavelmente tem o direito que alega,
por exemplo: é deputado, e não permitem que penetre no edifício de sua câmara; é fun-
cionário público, e vedam-lhe o ingresso na respectiva repartição, é médico, advogado,
comerciante, ou industrial, ou operário, e não consentem que se dirija ao lugar onde quer
exercer uma atividade jurídica incontestável; pode um tribunal garantir-lhes por uma or-
dem de habeas corpus a liberdade de locomoção, a liberdade de movimento, a liberdade
física necessária para o exercício do direito.
capítulo 4 • 105
b) era avançada no campo hermenêutico, porque projetava a proteção ju-
rídico-constitucional de direitos pessoais e não apenas os direitos atrelados
à liberdade física de ir, vir e permanecer;
c) serviu para combater a censura exercida contra a imprensa livre, porque
a liberdade de expressão seria um consectário da própria essência humana,
logo sua violação suscitaria o uso do writ constitucional;
d) foi remédio constitucional adequado para a defesa dos princípios federa-
tivos da República recém nascida nos casos de ilegalidade ou abuso de poder
de atos estatais de violência contra os representantes legítimos do povo.
O conceito constitucional de habeas corpus encontra-se no artigo 5º, inciso LXVIII, cujo
texto reza: Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar amea-
çado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou
abuso de poder.
Observe, com muita atenção, que a figura jurídica do habeas corpus não pode ser en-
quadrada como uma espécie de recurso, muito embora seja regulamentada no capítulo
destinado aos recursos no Código de Processo Penal (CPP).
capítulo 4 • 106
ou coação à liberdade de locomoção. Descumprida tal ordem judicial exarada em
sede mandamental de habeas corpus, caracteriza-se o crime de desobediência, cuja
pena é privativa de liberdade, nos termos do artigo 330 do Código Penal.
Em linhas gerais, a figura a seguir mostra as hipóteses nas quais o remédio
constitucional do habeas corpus será idônea.
Por outro lado, observe, com atenção, que o writ do habeas corpus é uma ação
constitucional de procedimento especial, que visa a garantir todos os direitos do
acusado/sentenciado que se relacionam com sua liberdade ambulatorial (locomo-
ção), não sendo remédio constitucional idôneo para corrigir atos que não impli-
quem coação ou iminência direta de coação à liberdade de ir, vir e permanecer.
capítulo 4 • 107
g) contra a imposição da pena de exclusão de militar ou de perda de patente ou de
função pública (Súmula 694-STF);
h) quando pessoa jurídica figurar como paciente;
i) para reexaminar o conjunto probatório ou mesmo de dilação probatória visando
reparar erro judiciário;
j) para anular sentença com trânsito em julgado com base na contrariedade à evidên-
cia dos fatos, na medida em que projeta a necessidade de reexame de toda a prova;
k) Não se conhece de habeas corpus contra omissão de relator de extradição, se
fundado em fato ou direito estrangeiro cuja prova não constava dos autos, nem foi ele
provocado a respeito (Súmula 692-STF).
O habeas corpus pode ser impetrado sem advogado, por qualquer pessoa físi-
ca, nacional ou estrangeira, em nome próprio ou alheio. O impetrante pode ser
também qualquer pessoa jurídica, desde que impetre o habeas corpus em favor
de pessoa física. Também tem legitimidade ad causam o Ministério Público, a
Defensoria Pública, Delegado de Polícia ou qualquer funcionário público.
No dizer de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino tem-se que:
capítulo 4 • 108
assistência de terceiro, ingresse com habeas corpus. A jurisprudência admite, inclusive,
a impetração de habeas corpus por pessoa jurídica, em favor de pessoa física a ela
ligada (um diretor da empresa, por exemplo). Não há necessidade de advogado para a
impetração de habeas corpus. Não se exige, tampouco, a subscrição de advogado para
a interposição de recurso ordinário contra decisão proferida em habeas corpus. (PAULO
& ALEXANDRINO, 2015, p. 215)
Com relação aos membros do poder judiciário, é importante destacar que, no exercício
da sua atividade jurisdicional, não têm legitimidade para impetrar habeas corpus, poden-
do, porém, tanto o Juiz ou Turma Recursal, bem como qualquer Tribunal, concedê-lo de
ofício, em exceção ao princípio da inércia do órgão jurisdicional. No entanto, observe,
com muita atenção, que juízes, desembargadores ou ministros, desde que não estejam
exercendo atividade jurisdicional, impetrarão o habeas corpus, já que, nessas hipóteses,
estarão atuando como pessoa comum, não se aplicando, aqui, portanto, a regra geral
de que os membros do poder judiciário concedem de ofício e não impetram o habeas
corpus.
capítulo 4 • 109
As modalidades de habeas corpus (preventivo e repressivo)
sua origem remota na legislação ordinária nos Estados Unidos, por meio do Freedom
of Information Act de 1974, alterado pelo Freedom of Information Reform Act de 1978,
visando possibilitar o acesso do particular às informações constantes de registros
públicos ou particulares permitidos ao público. Assim, pode-se definir o habeas data
como o direito que assiste a todas as pessoas de solicitar judicialmente a exibição dos
registros públicos ou privados, nos quais estejam incluídos seus dados pessoais, para
que deles se tome conhecimento e, se necessário for, sejam retificados os dados ine-
xatos ou obsoletos ou que impliquem discriminação (MORAES, 2016, p. 153)
capítulo 4 • 110
Trata-se de ação constitucional, de natureza civil, conteúdo e rito sumário,
regulamentado pela Lei n. 9.507, de 12.11.1997, que coloca à disposição do in-
divíduo a garantia fundamental de acesso a registros de sua pessoa, constantes de
banco de dados de entidade governamental ou de caráter público.
Em linhas gerais, o instituto jurídico do habeas data é, a um só tempo, (I) writ
constitucional de cunho processual civil; (II) remédio constitucional de natureza
personalíssima de proteção do direito a informações sobre o indivíduo e (III) ação
civil de procedimento sumário, isenta de custas (gratuita).
O conceito constitucional de habeas data encontra-se no artigo 5º, inciso LXXII, cujo
texto reza: Conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso,
judicial ou administrativo.
capítulo 4 • 111
Em síntese, no Brasil, existem três tipos de habeas data, dois com origem
constitucional (direito de conhecer e direito de retificar os registros pessoais) e um
terceiro com origem infraconstitucional (direito de anotação de contestação ou
explicação ainda pendente de decisão judicial ou acordo amigável).
A questão que se impõe agora é saber se seria cabível a figura jurídica do habeas data
na hipótese de recusa ao fornecimento de certidões em repartições públicas? Ou seja,
caberia habeas data caso uma determinada repartição pública negasse certidão ne-
cessária para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal?
capítulo 4 • 112
Anote-se, nesse sentido, que o direito de obter certidões sobre situações relativas a
terceiros, mas de interesse do solicitante (CF, art. 5o, XXXIV) ou o direito de receber
certidões objetivas sobre si mesmo, não se confunde com o direito de obter informa-
ções pessoais constantes em entidades governamentais ou de caráter público, sendo
o mandado de segurança, portanto, a ação constitucional cabível. Portanto, a negativa
estatal ao fornecimento das informações englobadas pelo direito de certidão configura
o desrespeito a um direito líquido e certo, por ilegalidade ou abuso de poder passível de
correção por meio de mandado de segurança. (MORAES, 2016, p. 166)
capítulo 4 • 113
E com relação às entidades de caráter público? Podem ser objeto de habeas data as
pessoas jurídicas de direito privado? Caberia habeas data para fazer uma retificação em
bancos de dados de uma empresa privada como, por exemplo, o Serviço de Proteção ao
Crédito (SPC) ou a SERASA (Centralização de Serviços Bancários)?
Outra questão interessante está relacionada com a possibilidade de habeas data contra
dados armazenados no Banco do Brasil S/A. Caberia a impetração de tal figura jurídica
contra o Banco, que é classificado como uma sociedade de economia mista?
Aqui a resposta será negativa a partir do mesmo raciocínio anterior, qual seja,
muito embora seja uma sociedade de economia mista, os dados pessoais que cons-
tam nos bancos ou registros do Banco do Brasil S/A não são transmitidos a tercei-
ros e ao público em geral. Diferentemente do SPC ou SERASA, o Banco do Brasil
faz uso privativo dos dados, não se caracterizando, portanto, como uma entidade
capítulo 4 • 114
de caráter público. Em suma, não caberá habeas data contra o Banco do Brasil,
porque o mesmo não se enquadra na categoria de entidade de caráter público.
Pela simples leitura do dispositivo legal anterior, fácil é perceber que a figura
jurídica do habeas data tornou-se uma das exceções ao princípio da inafastabilida-
de do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CRFB/88).
A outra exceção a tal princípio é a justiça desportiva nos termos do artigo
217, § 1º, da CRFB/88. Com efeito, na justiça desportiva, o poder judiciário só
admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-
se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei. Afasta-se aqui o princípio da
inafastabilidade do controle jurisdicional, porque a via administrativa da justiça
desportiva ganha curso forçado. É necessário primeiro esgotar a via administrativa,
para depois, então, acessar o poder judiciário.
O mesmo raciocínio vale para o procedimento em sede de habeas data, ou
seja, nos termos do artigo 8º, § único, da lei nº 9507/97, só caberá habeas data se
a petição inicial anexar a prova da recusa da entidade governamental ou entidade
de caráter público. Caracteriza-se aqui mais uma vez o fenômeno da via adminis-
trativa de curso, pois, o poder judiciário somente receberá a ação de habeas data,
após o esgotamento da via administrativa.
capítulo 4 • 115
É a própria Súmula n. 2 do STJ que reforça essa imagem de exceção ao princí-
pio da inafastabilidade do controle jurisdicional quando estabelece que “não cabe
o habeas data (CF, art. 5º, LXXll, letra "a") se não houve recusa de informações
por parte da autoridade administrativa”. E ainda, no mesmo sentido, a jurispru-
dência do STF ao reconhecer que a prova do anterior indeferimento do pedido
de informação de dados pessoais, ou da omissão em atendê-lo, constitui requisito
indispensável para que se concretize o interesse de agir no habeas data.
Assim sendo, observe com atenção, que não é apenas a recusa administrativa
do pedido que esgota a via administrativa, mas, também o faz, o decurso do prazo
de 10 dias sem resposta da entidade governamental ou de caráter público para o
habeas data de obtenção de informações pessoais. Igualmente, o decurso do prazo
de 15 dias sem resposta também esgota a via administrativa para o habeas data de
retificação de dados ou do habeas data de complementação de informações.
capítulo 4 • 116
O conceito constitucional de mandado de segurança encontra-se no artigo 5º, inciso
LXIX, cujo texto reza: Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito lí-
quido e certo, não amparado por “habeas corpus” ou “habeas data”, quando o
responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de
pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.
Observe que a figura jurídica do mandado de segurança não é isenta de custas, di-
ferentemente do habeas corpus, habeas data e dos atos necessários ao exercício da
cidadania que são gratuitos (art. 5º, LXXVII), bem como do direito de petição e do direito
de obter certidões que são isentas do pagamento de taxas (art. 5º, XXXIV).
Por outro lado, de acordo com a orientação firmada pelo STF, na Súmula 512, não cabe
condenação em honorários de advogado (ônus de sucumbência) na ação de mandado
de segurança.
Por direito líquido e certo se deve entender aquele que pode ser demonstrado
de plano, sem dilação probatória, por prova documental, sem nenhuma incerteza
com relação aos fatos narrados pelo impetrante. Ou seja, direito líquido e certo é
aquele que independe de qualquer outra prova além das apresentadas por ocasião
da petição inicial, sendo certo que a falta de demonstração cabal dos fatos junto
com a inicial implica na rejeição do mandado de segurança.
Na lição de Hely Lopes Meirelles direito líquido e certo é o que se apresenta
manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto ser exercitado no
momento da impetração (MEIRELLES, 1997, p. 76).
capítulo 4 • 117
Questão importante que se impõe nesse momento é saber se caberia mandado de
segurança envolvendo questões controvertidas de direito? Ou seja, caberia mandado de
segurança diante de questões complexas de direito?
A resposta é afirmativa e vem com a dicção da Súmula STF nº 625 que reza:
“Controvérsia sobre matéria de direito não impede concessão de mandado de se-
gurança”. Com efeito, doutrina e jurisprudência são firmes no sentido de que a
exigência de liquidez e certeza se impõe tão somente aos fatos alegados pelo im-
petrante por ocasião do ajuizamento do mandado de segurança, não se aplicando
às questões de direito.
É a matéria de fato que necessita de comprovação de plano, inequívoca, ine-
xorável, enquanto que a matéria de direito, por mais controvertida ou complexa
que seja, não impede sua apreciação em mandado de segurança.
Em suma, a ideia de controvérsia relevante ou grande complexidade jurídica
envolvendo o direito invocado não tem o condão de inviabilizar o remédio cons-
titucional do mandado de segurança.
capítulo 4 • 118
quando o ato atacado emanar de juiz de primeiro grau de jurisdição. (PAULO &
ALEXANDRINO, 2015, p. 222).
Já com relação à legitimidade passiva, são sujeitos passivos (autoridades coato-
ras) em mandado de segurança: autoridades públicas de qualquer dos Poderes do
Estado nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, bem como de suas au-
tarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista.
Além desses, são também sujeitos passivos em sede de mandado de segurança,
os agentes de pessoa jurídica privada, desde que no exercício de atribuições do
Poder Público. Tais agentes somente podem figurar no polo passivo de MS quan-
do estiverem, por delegação, no exercício de atribuições do Poder Público.
Com efeito, a jurisprudência do STF é firme no sentido de que, em se tra-
tando de atribuição delegada, a autoridade coatora será o agente que recebeu a
atribuição (autoridade delegada), e não a autoridade que efetivou a delegação (au-
toridade delegante). Nesse sentido, reza a Súmula 510 do STF: "praticado o ato
por autoridade, no exercício de competência delegada, contra ela cabe o mandado
de segurança ou a medida judicial".
capítulo 4 • 119
Exemplos: atos lesivos Presidente do STJ, a competência para o julgamento será do
STJ; da mesma forma, se o mandado de segurança é contra ato de uma das Turmas
do TST, competência para o julgamento será do próprio TST, e assim sucessivamente.
Já no âmbito da Justiça Estadual, nos termos do art. 125 da CRFB/88, caberá aos
próprios estados-membros cuidar da competência para a apreciação do mandado de
segurança contra ato de suas autoridades.
O direito de impetração do mandado de segurança tem prazo decadencial de 120 dias, con-
tados da ciência, pelo interessado, do ato a ser impugnado. A perda desse prazo decadencial
não inviabiliza o ajuizamento de ação ordinária para reparar a lesão do direito violado.
A existência de recurso administrativo com efeito suspensivo não impede o uso do man-
dado de segurança contra omissão da autoridade, nos termos da Súmula 429 do STF.
O STF não é competente para conhecer de mandado de segurança contra atos dos
Tribunais de Justiça dos Estados (Súmula 330 STF).
capítulo 4 • 120
Não há direito líquido e certo, amparado pelo mandado de segurança, quando
se escuda em lei cujos efeitos foram anulados por outra, declarada constitucional
pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula STF nº 474).
Por fim, é pacífico o não-cabimento do writ contra decisão judicial com trân-
sito em julgado (Súmula 268 STF ) e contra lei em tese (Súmula 266 STF).
capítulo 4 • 121
Já quando a constrição ao direito líquido e certo do impetrante já se con-
sumou, desponta o mandado de segurança repressivo, ou seja, quando a ilegali-
dade ou abuso de poder já foram cometidos. Não cabem maiores considerações
acerca dessa modalidade repressiva, na medida em que as características até aqui
estudadas dizem respeito ao mandado repressivo, que é a espécie mais usada no
direito brasileiro.
Além dessas duas modalidades (preventivo e repressivo), o mandado de segu-
rança pode também ser classificado em individual ou coletivo.
capítulo 4 • 122
A Constituição de 1988 reconheceu a legitimidade ativa para ajuizar manda-
do de segurança coletivo como um privilégio de algumas instituições, tais como
o partido político com representação no Congresso Nacional, cuja exegese é a
seguinte: será considerado legitimado ativo do MS Coletivo o partido político que
tiver pelo menos um membro eleito, seja deputado federal ou senador.
Finalmente, vale alertar que não se deve confundir mandado de segurança co-
letivo com mandado de segurança individual com vários autores, ou seja, enquan-
to o mandado de segurança coletivo visa a defesa de interesses de seus membros ou
associados e por isso mesmo não há nem mesmo necessidade de autorização dos
seus integrantes (o texto constitucional já dá tal autorização), no segundo caso,
os direitos continuam individuais, apenas sendo postulados em uma única ação
(litisconsórcio ativo em mandado de segurança individual).
Com efeito, no mandado de segurança coletivo, a legitimação dos sujeitos
ativos é extraordinária, configurando-se a figura da substituição processual.
Não se trata, pois, de representação judicial, na qual existe a necessidade de
autorização expressa dos associados ou membros para os casos concretos. Assim, a
defesa do direito dos associados em recursos administrativos ou outras ações judi-
ciais, que não seja o mandado de segurança coletivo, exige a autorização expressa
desses mesmos associados.
Diferente é a situação do mandado de segurança coletivo, cuja legitimação
ativa é operada pela substituição processual e, não, pela representação judicial.
Em suma, em sede de mandado de segurança coletivo, não se exige a autorização
expressa dos titulares do direito, uma vez que se trata de substituição processual.
Observe, com atenção, que, na hipótese de uma associação pleitear determinado di-
reito em favor de seus associados por outra via judicial que não seja a do mandado de
segurança coletivo, será necessária a autorização expressa, prescrita no art. 5°, XXI, da
Constituição (caso de representação). Por outro lado, se esse mesmo direito for plei-
teado na via do mandado de segurança coletivo, não haverá necessidade da autorização
expressa dos associados (caso de substituição). Essa é a exegese da Súmula 629
STF: "A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor
dos associados independe da autorização destes."
capítulo 4 • 123
A figura jurídica da ação popular (AP)
A figura jurídica da ação popular foi positivada, pela primeira vez no Brasil, na
Constituição de 1934. Com o Estado Novo de Getúlio Vargas, tal ação foi retirada
da Constituição de 1937, retornando, porém, já na Constituição de 1946.
Em essência, a figura jurídica da ação popular simboliza um dos poucos ele-
mentos de democracia plebiscitária rousseauniana que temos, juntamente com o
plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Observe, portanto, que a ação popu-
lar tem por objetivo incentivar o exercício do poder político pelo cidadão comum,
transcendendo, pois, a ideia de democracia representativa de inspiração lockeana.
Aqui é importante destacar que a ação popular tem por finalidade a defesa
dos direitos difusos de terceira dimensão, que são direitos transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por
circunstâncias de fato, como, por exemplo, a moralidade administrativa, o direito
ao meio ambiente ou o direito de preservação do patrimônio público, histórico
ou cultural.
Nesse sentido, a ação popular não visa tutelar um direito subjetivo individual,
mas, sim, de natureza coletiva, com a finalidade de anular ato lesivo aos interesses
transindividuais difusos. Destina-se, pois, à fiscalização da gestão da coisa pública,
evitando que atos, contratos administrativos e outras figuras jurídicas ilegais lesem
a moralidade administrativa, o direito ao meio ambiente ou o direito de preser-
vação do patrimônio público, histórico ou cultural, nas esferas federal, estadual,
distrital e municipal. Com rigor, a ação popular viabiliza a fiscalização do Poder
Público por qualquer cidadão, permitindo-o exercer tal fiscalização com base no
princípio da legalidade e no conceito de res publica, cuja exegese caminha no
sentido de que os bens do Estado pertencem ao povo. É nesse sentido que a ação
popular se alinha ao princípio republicano, exatamente pela possibilidade de qual-
quer cidadão através do Poder Judiciário assegurar a moralidade pública.
Atualmente, a figura jurídica da ação popular é disciplinada pela Lei n. 4.717,
de 29.06.1965. Na Constituição vigente, a ação popular assegura que qualquer ci-
dadão possa propô-la, com isenção de custas judiciais e do ônus da sucumbência,
salvo comprovada má-fé.
capítulo 4 • 124
Conceito constitucional e características da ação popular
O conceito constitucional de ação popular encontra-se no artigo 5º, inciso LXXIII, cujo
texto reza: qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.
Com efeito, a figura jurídica da ação popular, calcada no princípio republicano, visa a
proteger a res publica, daí a natureza desconstitutiva-condenatória da decisão final de
mérito, que tanto pode anular o ato lesivo ao patrimônio público em sentido amplo, como,
também, condenar os responsáveis e beneficiários em perdas e danos e os réus às
custas judiciais e ao ônus da sucumbência.
Observe, com atenção, que a ação popular tem duplo objetivo, isto é, anular
o ato lesivo e/ou condenar os infratores pelos danos causados.
Por outro lado, a sentença da ação popular que julgar improcedente o pedido deverá
sofrer obrigatoriamente duplo grau de jurisdição. Trata-se de reexame obrigatório pelo
tribunal competente. Isto significa dizer que a decisão do juiz que julgar improcedente
a ação popular será compulsoriamente examinada pelo tribunal competente. Portanto,
para surtir efeito, a decisão denegatória da ação popular tem que ser reexaminada pelo
tribunal. Já a decisão que julgar procedente a ação popular, caso sofra recurso de ape-
lação, subirá com seu duplo efeito: devolutivo e suspensivo.
capítulo 4 • 125
STJ - Ação Popular. Prova Efetiva. Lesividade. Ato Administrativo. Para o cabimento da
ação popular, é necessário que se demonstre a ilegalidade do ato administrativo, bem
como se prove sua lesividade seja sob o aspecto material seja sob o moral. Não se
deve adotar a lesividade presumida em função da irregularidade formal do ato. No caso,
não existe prova efetiva de lesão ao patrimônio público. Logo a Seção, por maioria, deu
provimento aos embargos. REsp n° 260.821-SP, Rel. originário Min. Luiz Fux, Rel. para
acórdão Min. João Otávio de Noronha, julgados em 23/11/2005. Informativo STJ 269.
Aqui, é muito importante compreender que, o Ministério Público, apesar de não possuir
legitimidade ativa para propor uma ação popular, poderá ser autor da mesma em subs-
tituição ao cidadão que desistiu da referida ação.
Observe, com atenção, que todo cidadão é nacional, mas, nem todo nacional é cidadão.
Assim, por exemplo, um adolescente com menos de 16 anos de idade ou um preso com
sentença transitado em julgados são nacionais, mas, não são, no momento, cidadãos,
com legitimidade ativa para ajuizar uma ação popular.
capítulo 4 • 126
munida de seu título de eleitor e no pleno gozo da chamada capacidade eleitoral
ativa, poderá propor ação popular.
Para ser legitimado ativo, o autor da ação popular será necessariamente brasi-
leiro nato ou naturalizado, ou, ainda, português equiparado, no gozo de seus direi-
tos políticos, nos termos do art. 12, §1°, da CRFB/88. No entanto, Lenza mostra
que “teoricamente, se houver reciprocidade (art. 12, § 1.º), o português poderá
ajuizar a ação popular. Na prática, contudo, como existe vedação da Constituição
de Portugal, não seria possível, pois não há como estabelecer a reciprocidade”.
(LENZA, 2015, p.1263).
De tudo se vê, portanto, que não basta ser nacional, precisa, também, estar
no pleno gozo dos seus direitos políticos. Em consequência, não estão legitimados
a propor ação popular por não exercerem direitos políticos e/ou por não terem
a nacionalidade brasileira os seguintes atores: os inalistáveis (os estrangeiros e os
conscritos durante o período do serviço militar obrigatório), os inalistados (indi-
víduos que poderiam ter se alistado, mas não o fizeram), os apátridas, os menores
de 16 anos, os demais incapazes, os que não estejam no pleno exercício de seus
direitos políticos, por suspensão ou perda (presos com sentença transitado em
julgado ou parlamentares com os direitos políticos suspensos por falta de decoro
parlamentar, por exemplo).
Da mesma forma, não podem propor ação popular, o Ministério Público e
as pessoas jurídicas. Com relação às pessoas jurídicas, a Súmula nº 365 do STF
estabelece que “pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”.
Já no polo passivo da ação popular, podem figurar:
a) todas as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, em nome das quais foi
praticado o ato ou contrato a ser anulado;
b) todas as autoridades, os funcionários e administradores que houverem
autorizado, aprovado, ratificado ou praticado pessoalmente o ato ou firma-
do o contrato a ser anulado, ou que, por omissos, permitiram a lesão;
c) todos os beneficiários diretos do ato ou contrato ilegal.
capítulo 4 • 127
Exemplos: se o patrimônio lesado for de uma empresa pública da União, a
competência será da justiça federal. Já se o patrimônio for de uma sociedade de
economia mista, a competência será da justiça estadual.
Questão central nessa matéria está relacionada com a competência para julgar a ação
popular contra o Presidente da República? Seria de competência originária do STF ou
do juiz natural de primeira instância?
Esse mesmo tipo de raciocínio é usado para afastar a competência originária do STF
para julgar ação popular contra atos advindos do Congresso Nacional, de Ministros de
Estado ou das demais autoridades que, em mandado de segurança, estão sob a jurisdi-
ção do STF, nos termos do art. 102, inciso I, da CRFB/88.
Por outro lado, há duas exceções nas quais vai prevalecer a competência ori-
ginária do STF para julgar uma ação popular. Tais exceções estão previstas nas
alíneas “n” e “f ”, do inciso I, do artigo 102, da CRFB/88 e são as seguintes:
a) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito
Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da admi-
nistração indireta;
b) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou in-
diretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros
do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente
interessados.
capítulo 4 • 128
O mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por
omissão em perspectiva comparada
capítulo 4 • 129
Já com relação ao rol de legitimados para deflagrar a fiscalização abstrata em
sede de ADO, como já amplamente visto antes, os legitimados ativos são aqueles
constantes do artigo 103, em rol taxativo.
O artigo 103 da CRFB/88 determina que: Podem propor a ação direta de inconstitucio-
nalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a
Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV a Mesa de Assem-
bleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V o Governador de Estado
ou do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso
Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Observe, aqui, com muita atenção, que a letra da norma constitucional indica
apenas que o poder competente será cientificado de que está em mora legislativa,
sem que daí decorra imposição coercitiva de produção legislativa. Significa dizer
que os efeitos da ADO terão apenas caráter psicológico, uma vez que o poder
competente não estará obrigado a editar a norma faltante.
Por outro lado, em se tratando de um órgão administrativo, determina a
Constituição que o mesmo tem o prazo de trinta dias para editar o ato normativo fal-
tante. Assim sendo, o órgão administrativo encarregado de dar aplicabilidade à norma
constitucional de eficácia limitada tem trinta dias para adotar as providências cabíveis.
Isto significa dizer que a decisão do STF, em sede de ação direta de inconstitucionalida-
de por omissão, é dotada de caráter dual, vale dizer, de um lado, é desprovida de eficácia
prática contra omissão inconstitucional do poder competente (qualquer dos três pode-
res) e, do outro, tem caráter de ordem mandamental contra omissão de órgão adminis-
trativo.É a própria literalidade do art. 103, § 2°, da Constituição de 1988, que estabelece
tal natureza dual dos efeitos da ADO. Neste dispositivo está assentado que o Poder
competente será cientificado de que está em mora, sem que daí decorra a imposição
coercitiva de produção legislativa. (GÓES&MELLO,2016,p. 356)
capítulo 4 • 130
Características principais do Mandado de Injunção (MI)
capítulo 4 • 131
ADO, a legitimação é restrita aos entes enumerados no art. 103, incisos I a IX, da
Constituição, enquanto que, no mandado de injunção, qualquer pessoa, física ou
jurídica, tem possibilidade de impetrar essa ação constitucional.
Da mesma forma, na ADO, a competência para julgamento é exclusiva e
originária do Supremo Tribunal Federal (CRFB/88, art. 102, I, "a"), enquanto
que, no mandado de injunção, a competência para julgamento é repartida entre
STJ (CRFB/88, art. 105, I, "h") e TSE (CRFB/88, art. 121, § 4°, V), além da
competência originária do STF (CRFB/88, art. 102,1, "q"),
Outra grande diferença entre a ADO e o MI é que, nesse último, busca-se
solução para um caso concreto, individualmente considerado, diante de um di-
reito subjetivo esvaziado pela inércia do legislador democrático, enquanto que,
na ADO, tem-se um processo objetivo/abstrato, no qual o controle da omissão
inconstitucional é realizado em tese, sem a necessidade de um caso concreto.
Já com relação aos efeitos do mandado de injunção, observe, com atenção,
que os mesmos dependem da posição majoritária adotada pelo Supremo Tribunal
Federal, ou seja, a opção pela posição concretista ou pela posição não concretista.
Essa temática será intensamente debatida no próximo tópico que examina as
diferenças entre os efeitos da ADO e do MI a partir da assim chamada reconstru-
ção neoconstitucionalista do direito.
capítulo 4 • 132
Essa mesma exegese não se aplica para a ADO, que continua com posição
conservadora de vislumbrar o poder judiciário como mero legislador negativo.
Portanto, muito embora sejam figuras jurídicas voltadas para o combate da
síndrome da inefetividade das normas constitucionais, notadamente, das normas
de eficácia limitada, o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por
omissão apresentam efeitos completamente distintos a partir dessa nova posição
concretista do STF e agora do legislador infraconstitucional.
Observe, com muita atenção, que, na posição concretista, juízes e tribunais, ao
acolher o mandado de injunção, devem, além de declarar a omissão legislativa ou
administrativa, emitir decisão constitutiva para atender o caso concreto suscitado
pelo impetrante, independentemente de qualquer regulamentação. Caracteriza-se
aqui o ativismo judicial criando direito novo não legislado pelo Congresso Nacional.
Diferente é a posição não-concretista, que não concretiza o direito faltante,
não aceitando, pois, a criação jurisprudencial do direito ainda que dentro de um
caso concreto. Aqui, o juiz deve apenas comunicar a mora inconstitucional para que
o poder competente emita a norma faltante, sem criar direito novo, igualando, dessa
forma, os efeitos da ADO e do MI. Em síntese, essa posição não-concretista era
adotada pelo STF até o ano de 2007, ocasião em que julgou o mandado de injunção
708, alterando sua posição com relação à criação jurisprudencial do direito.
Essa posição não-concretista, que vigorou por muito tempo no Brasil, mitiga-
va a importância do mandado de injunção, transformando-o em instrumento inábil
para garantir a efetividade dos direitos fundamentais, uma vez que não reconhecia
o ativismo judicial que concretiza tais direitos. Como já dito, tal posição fazia com
que os efeitos do mandado de injunção fossem os mesmos da ação de inconstitucio-
nalidade por omissão, tal qual previsto no art. 103, § 2º da Constituição de 1988.
No entanto, observe, com muita atenção, que a posição do STF mudou radi-
calmente a partir do julgamento dos mandados de injunção 670, 708 e 712, todos
referentes à regulamentação do direito de greve no serviço público, tendo em vista a
inexistência até aqui de lei regulamentando o art. 37, VII, da Constituição Federal.
Nessa ocasião, o STF abandonou a posição não-concretista, para acolher a
teoria concretista geral. Isto significa dizer que agora o STF irá concretizar o di-
reito e não apenas dar ciência ao poder competente. De tudo se vê, portanto, a
importância da nova posição adotada pelo STF a partir de uma perspectiva pós-
-positivista que garante a força normativa da Constituição, independentemente da
atividade legiferante do Estado. Com efeito, na qualidade de remédio constitucio-
nal de caráter civil e de procedimento especial, o mandado de injunção deve ga-
rantir a efetividade ou eficácia social das normas contidas no texto constitucional.
capítulo 4 • 133
E mais: a nova lei do mandado de injunção reveste-se de especial importância,
na medida em que consolida a jurisprudência oscilante e não unânime com relação
aos efeitos do mandado de injunção, daí as diversas posições divergentes sobre a
atribuição de efeitos erga omnes ou não (posição geral ou individual); possibilidade
de suprir ou não a omissão inconstitucional (posição concretista ou não-concretista)
e a legitimidade democrática de o Poder Judiciário estabelecer ou não um prazo
para que o legislador democrático editasse a lei faltante (posição intermediária com
diferentes prazos assinados). Os Professores Guilherme Sandoval Góes e Cleyson de
Moraes Mello sintetizam esse quadro de posições doutrinárias divergentes:
{ { {
Posição Geral
Concretista Direta
Quadro (doutrina) Individual Intermediária
Geral (Min. Néri Silveira)
de
Posições Posição Corrente predominante do STF até
Não pouco tempo atrás. Não regula o caso
Concretista concreto, apenas comunica a mora,
igualando os efeitos da ADIN por
omissão e do Mandado de Injunção.
capítulo 4 • 134
Em conclusão, observe, com atenção, que a nova posição jurisprudencial do
STF (posição concretista), bem como a nova lei do mandado de injunção, ca-
minha na direção da dogmática pós-positivista, cujo objetivo é a garantia da
eficácia positiva ou simétrica de direitos fundamentais do cidadão comum. Assim
sendo, constatada a mora legislativa, caberá ao Juiz supri-la provisoriamente, com
efeitos inter partes e sem invadir a esfera discricionária do legislador democrático.
Com isso, não há violação da separação de poderes, mantendo-se intacto o
Estado Democrático de Direito e seu pilar de sustentabilidade.
Uma vez examinadas as características principais dos remédios constitucio-
nais, você estudará no próximo capítulo o neoconstitucionalismo e a dogmática
pós-positivista.
ATIVIDADES
01. Assinale a opção correta acerca de remédios constitucionais.
a) A ação popular é o remédio constitucional cabível para o cidadão atacar ato lesivo à
moralidade, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
b) O habeas data é o remédio constitucional apropriado sempre que a falta de norma re-
gulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das
prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.
c) São gratuitas as ações de habeas corpus, habeas data e mandado de segurança, e, na
forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
d) O mandado de injunção será concedido para assegurar o conhecimento de informações,
constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter
público, relativas a pessoa do impetrante.
e) Pela posição concretista, os efeitos da ação por omissão e do mandado de injunção são
idênticos.
capítulo 4 • 135
03. No que diz respeito aos remédios constitucionais, assinale a opção correta.
a) São gratuitas as ações de habeas corpus, habeas data e o mandado de injunção.
b) O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por qualquer partido político.
c) O Estado deve prestar assistência jurídica integral e gratuita a todos.
d) O direito de qualquer cidadão propor ação popular é previsto constitucionalmente.
e) O mandado de segurança não é uma ação de impugnação autônoma, mas, sim, um
recurso processual.
REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou o regime jurídico dos remédios constitucionais. Nesse sen-
tido, foram estudadas as principais características das seguintes figuras jurídicas:
a) habeas corpus (inciso LXVIII);
b) habeas data (inciso LXXII);
c) mandato de segurança (incisos LXIX e LXX);
d) ação popular (inciso LXXIII);
e) mandado de injunção (inciso LXXI).
No próximo capítulo, você vai estudar os elementos teóricos que circunscrevem a re-
construção neoconstitucionalista do direito e a dogmática pós-positivista.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. Exposição
sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009.
GÓES, Guilherme Sandoval, MELLO, Cleyson de Moraes. Controle de constitucionalidade. Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 2016.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de
injunção, habeas corpus. 19ed. por Arnoldo Wald. São Paulo: Malheiros, 1998.
PAULO, Vicente, ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 14 ed. Rio de
Janeiro: Forense, São Paulo: MÉTODO, 2015.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de processo penal comentado. São Paulo: Saraiva,
1997.
capítulo 4 • 136
5
Neoconstitucionalismo
e dogmática
pós-positivista
Neoconstitucionalismo e dogmática
pós-positivista
OBJETIVOS
• Identificar a evolução do constitucionalismo democrático (liberal e social);
• Compreender a dinâmica hermenêutica do neoconstitucionalismo pós-positivista e a insu-
ficiência do positivismo jurídico;
• Analisar o processo de ponderação de valores de normas jurídicas de mesma dignida-
de constitucional;
• Examinar o ativismo judicial e a área metajurisdicional do legislador democrático.
capítulo 5 • 138
A teoria constitucional e seu perfil de evolução
Com rigor, Aristóteles já destacava em sua obra clássica “A Política”, a distinção entre
leis constitucionais e leis inferiores, comuns e ordinárias. Nessa fase de constitucio-
nalismo da Antiguidade Clássica, as Cidades-Estados gregas são exemplos típicos de
democracia constitucional plebiscitária, de participação direta do cidadão detentor da
soberania popular, valendo destacar a visão de alguns autores (LOEWENSTEIN, 1970,
p. 154), que entende que a experiência das Cidades-Estados gregas é “... o único exem-
plo conhecido de sistema político com plena identidade entre governantes e governa-
dos, no qual o poder político está igualmente distribuído entre todos os cidadãos ativos”.
Já durante o período medieval, não se podia ainda falar em constituições soberanas de
Estados nacionais propriamente ditos. Não havia naquela época, nem mesmo a ideia
de soberania una e indivisível, na medida em que vigorava a concepção dual de poder,
na qual a Igreja (poder eclesiástico) disputava o monopólio do poder político com o Rei
(poder secular). Ou seja, a dimensão do constitucionalismo medieval era universal, seja
por parte da Igreja, seja por parte do Sacrossanto Império Românico Germânico. Nesse
período de constitucionalismo feudal, havia a predominância das guerras religiosas, cujo
símbolo máximo é a Guerra dos Trinta Anos. Aliás, vale aqui e agora destacar que o fim
dessa Guerra religiosa vai marcar o início do Estado Absoluto, cuja teoria constitucional
ainda não poderia ser atrelada ao conceito de Estado Democrático de Direito.
capítulo 5 • 139
soberania popular a partir de um documento superior escrito e rígido, que gestou
o constitucionalismo democrático ocidental.
Sem embargo de sua densidade democrática, o constitucionalismo liberal,
marcado pela busca da igualdade formal perante a lei, foi incapaz de garantir vida
digna para todos, gerando, ao contrário, grande concentração capitalista de renda
e significativa exclusão social.
E foi exatamente por isso que surgiu um novo modelo de constitucionalis-
mo, agora dito social, com a finalidade de garantir a segunda dimensão de di-
reitos. Os documentos emblemáticos desse novo constitucionalismo social são a
Constituição do México de 1917 e a de Weimar de 1919, influenciando, profun-
damente, a Constituição brasileira de 1934 (Estado Social de Direito).
Assim sendo, a figura a seguir mostra esse perfil de evolução do constituciona-
lismo democrático, que parte do Estado liberal (primeira dimensão de direitos) e
chega ao Estado Social (segunda dimensão de direitos).
1789 1919
Constitucionalismo Constitucionalismo Constitucionalismo
não democrático liberal social
capítulo 5 • 140
o poder político. Foi nesse sentido que a revolução liberal burguesa fixou o rol
de direitos políticos (votar e ser votado livremente), juntamente com os direitos
civis (propriedade, livre iniciativa, liberdade de comerciar livremente, liberdade de
expressão, autonomia da vontade privada e muitos outros).
A ideia-força do constitucionalismo liberal burguês era conter a intervenção
indevida do Estado nas relações jurídicas privadas. Com isso, o constitucionalis-
mo democrático liberal garantia, a um só tempo, a liberdade de ação no domínio
privado e a igual representação política na condução da vida nacional.
Observe, pois, com atenção, que o arquétipo jurídico liberal, calcado na cons-
titucionalização dos direitos fundamentais de primeira dimensão (direitos civis e
políticos) tinha dupla conotação: de um lado, afastar o modelo centralizador de
intervenção arbitrária do Estado Absoluto e, do outro, garantir a ascensão de uma
burguesia vibrante capitaneada pela expansão do comércio mundial e pela sacrali-
zação do pacta sunt servanda.
A compreensão desse contexto liberal ajuda a entender a natureza jurídica dos
direitos fundamentais de primeira dimensão, que são direitos de liberdade, cuja
efetividade só depende de uma ação negativa do Estado, ou seja, de uma abstenção
do Estado (não intervenção estatal) na esfera das relações jurídicas privadas, daí
sua designação de “direitos negativos de defesa”.
É certo, portanto, afirmar que os direitos de primeira dimensão (direitos civis e políticos)
são diretos negativos de defesa, cuja efetividade depende apenas da não intervenção
do Estado no domínio privado. Não demandam ações positivas (prestacionais) do Esta-
do para a sua efetividade e plena concretização. Trata-se de um “não fazer” do Estado,
cuja postura é negativa, absenteísta e minimalista em termos de intervenção nas rela-
ções privadas. Com isso, o Estado liberal de Direito fica atrelado ao constitucionalismo
garantista, associando-se à expressão liberdade da famosa trilogia da Revolução fran-
cesa de 1789. A eficácia social (efetividade) dos direitos civis e políticos é plenamente
atingida a partir de uma postura omissiva do Estado, sendo certo afirmar que a violação
de tais direitos se dará a partir de uma ação do Estado. É nesse sentido que recebem
a designação de direitos negativos de defesa, como verdadeiros demarcadores de
zonas rígidas de não-intervenção do Estado no domínio individual privado.
capítulo 5 • 141
popular); liberdade individual; liberdade de locomoção; liberdade de pensamento;
liberdade de expressão coletiva; liberdade de imprensa; liberdade de manifestação;
liberdade de reunião; liberdade de associação; igualdade perante a lei (igualdade
formal) e a igualdade de garantias processuais, dentre elas o devido processo legal.
Fácil é perceber, portanto, a natureza negativa/minimalista/absenteísta/ ga-
rantista/positivista/liberal dessa primeira dimensão de direitos constitucionais
fundamentais. Sob a égide de um constitucionalismo garantista, o Estado liberal
de Direito contenta-se com o mero rol jusfundamental de direitos negativos de
defesa (civis e políticos), que não se preocupam com a busca da dignidade da pes-
soa humana, da igualdade material ou rela e com a justiça social. Nada mais, nada
menos do que isso.
Com isso, o centro epistemológico do Estado Democrático Liberal de Direito
é o individualismo burguês, inspirado na Ilustração.
Seu arquétipo jurídico é a Constituição garantista, que limitando o poder do
Estado, desloca-o para o modelo de estatalidade mínima, transformando-o em
mero expectador das desigualdades sociais e econômicas no seio da comunidade.
capítulo 5 • 142
Como visto, o paradigma liberal instaurou um modelo econômico capitalista,
capitaneado pelos princípios constitucionais da livre iniciativa, da igualdade for-
mal e da sacralização da autonomia privada. Tal paradigma não tardou a impor
às massas de trabalhadores um quadro lamentável de verdadeira miséria humana.
Nesse sentido, resta indubitável que o constitucionalismo liberal/garantista/
absenteísta/negativo/minimalista/positivista não teve o condão de garantir a dig-
nidade da pessoa humana, ainda que em sua expressão mínima.
Em consequência disso é que surge a segunda dimensão de direitos funda-
mentais, com o objetivo de assegurar bens sociais imprescindíveis para a materiali-
zação da dignidade da pessoa humana. Para tanto, um novo rol jusfundamental do
cidadão comum é positivado nas constituições democráticas, passando a incluir
novos direitos, tais como, por exemplo, o direito ao trabalho, à saúde, à educação,
ao saneamento básico e à seguridade social, dentre muitos outros.
Observe, com atenção, que a ideia de direitos estatais prestacionais, em opo-
sição ao conceito de direitos negativos de defesa, vem exatamente dessa nova
missão constitucional de garantir condições mínimas de igualdade material e de
igualdade de oportunidades. Cabe agora ao Estado a tarefa de criar tais condi-
ções, permitindo dessarte a efetiva fruição de direitos constitucionais pelo cida-
dão comum.
Em consequência disso, é certo afirmar que o epicentro jurídico-constitucio-
nal do Estado Democrático Social de Direito (Welfare State) é a busca de igualdade
material entre todos os homens. Na visão de Ingo Wolfgang Sarlet:
capítulo 5 • 143
Em consequência, o constitucionalismo social/welfarista/dirigente visa a combater o
déficit econômico-social das classes menos favorecidas do tecido social (hipossuficien-
tes), com base nos princípios da igualdade material, da justiça social e da dignidade da
pessoa humana. Observe, pois, com atenção, que surge uma nova engenharia constitu-
cional, cuja dimensão transcende a mera garantia de liberdades individuais, para atribuir
uma dimensão emancipatória da Constituição a partir da fixação de normas programá-
ticas destinadas a promover o bem-estar geral, aí incluído o princípio da dignidade da
pessoa humana.
capítulo 5 • 144
COMPARAÇÃO ENTRE PARADIGMAS CONSTITUCIONAIS
Constitucionalismo Liberal Constitucionalismo Social
(Garantista/Absenteísta/ (Dirigente/ Intervencionista/ Welfarista/
Minimalista/Negativo) /Positivo)
capítulo 5 • 145
Eis aqui a pedra angular do neoconstitucionalismo: o grande esforço exegético de dar
plena efetividade aos princípios constitucionais, sem dependência da atividade legife-
rante do Estado. Com efeito, busca-se, progressivamente, o reconhecimento científico
de novas fórmulas de cunho pós-positivista que sejam capazes de harmonizar o texto da
lei e o sentimento constitucional de justiça. (GÓES, 2007, p. 113).
A teoria neoconstitucional do direito traz uma nova forma de pensar a eficácia consti-
tucional, qual seja: a norma constitucional é norma jurídica e, portanto, nessa qualidade
de norma jurídica, deve ser capaz de gerar direito subjetivo para o cidadão comum,
independentemente do legislador democrático. Observe, com atenção, que essa nova
maneira de pensar a dogmática constitucional faz com que as normas constitucionais,
independentemente de serem classificadas como normas de eficácia limitada, deverão
ser garantidas pelo ativismo judicial, aqui, vislumbrado, como a criação jurisprudencial
do direito.
capítulo 5 • 146
Na feliz síntese de Luís Roberto Barroso temos que: “No plano jurídico, a
doutrina atribuiu normatividade plena a Constituição, que passou a ter aplicabili-
dade direta e imediata, tornando-se fonte de direitos e obrigações”. (BARROSO,
2005, p. 77).
É por tudo isso que se pode afirmar que o neoconstitucionalismo, de cunho
pós-positivista, afasta a leitura axiomática, visão fechada do direito, substituindo-a
por um novo olhar da interpretação constitucional, calcado na leitura axiológica,
visão aberta do direito, cuja essência dogmática é a atribuição de plena efetividade
ou eficácia social para toda e qualquer norma constitucional. Definindo o concei-
to de neoconstitucionalismo, o Professor Luís Roberto Barroso assim se manifestou:
capítulo 5 • 147
Assim sendo, insista-se, por fundamental, nesta visão de que hoje em dia a
eficácia de uma norma constitucional deve ser aferida a partir das teorias da ar-
gumentação jurídica, onde a normatividade do direito não se encontra apenas
no “texto da norma”, mas, também, na racionalidade retórico-argumentativa das
decisões judiciais. Com efeito, é o grau de aceitabilidade da sociedade aberta de
intérpretes da Constituição (Peter Häberle) que legitima a força normativa da
Constituição.
Logo, a eficácia de uma norma constitucional não vem, simplesmente, da
revelação do sentido prévio da norma in abstracto, sendo, com rigor, fruto de
um processo de interpretação que considera a incidência de todos os elementos
fáticos do caso concreto (fatos portadores de juridicidade). Estes elementos da
realidade factual - ao se projetarem sobre a Constituição posta – geram a norma
interpretada.
Observe, pois, que a eficácia de uma norma constitucional não pode ser afe-
rida sem levar em consideração estes elementos externos do texto da norma, que,
na realidade, portam ou carregam intrinsecamente fontes de juridicidade, daí sua
denominação de “fatos portadores de juridicidade”, em analogia ao conceito de
“fatos portadores de futuro” que orientam a formação dos cenários prospectivos
nas decisões estratégicas de alto nível.
capítulo 5 • 148
Com isso queremos dizer que, na era do pós-positivismo, a eficácia das nor-
mas constitucionais somente pode ser aferida no âmbito de um determinado caso
concreto, a partir de uma ponderação de valores constitucionais que incidem no
problema a resolver. Aqui, o leitor haverá de concordar que a eficácia de uma de-
terminada norma constitucional só poderá ser verificada após o processo de pon-
deração de valores feita com os fatos portadores de juridicidade do caso concreto.
Esse processo de ponderação de valores será examinado com maiores detalhes
no item três desse mesmo capítulo. Por ora, basta compreender que a eficácia
social de uma norma constitucional será produto de uma atividade exegética com-
plexa, que transforma “texto da norma” em “norma”.
Decerto que o positivismo jurídico não dá conta dessa ponderação de valores
constitucionais que incidem sobre um mesmo caso concreto.
É nesse sentido que você agora vai estudar as limitações exegéticas do positi-
vismo jurídico para resolver os chamados casos difíceis (hard cases).
Aqui, o objetivo é examinar o que está morto e o que está vivo na velha dog-
mática positivista de raciocínio axiomático-subsuntivo-silogístico.
A ideia é mostrar que existem muitas situações nas quais a raiz da decisão judi-
cial se encontra para além da letra da lei (extra legem). Ou seja, a convicção jurídica
do magistrado não será extraída dedutivamente do enunciado normativo (texto
da norma), mas, sim, a partir de uma operação exegética muito mais complexa e
que é fruto de um ato de participação criadora do juiz, porém dentro de limites
constitucionalmente impostos (intra jus).
Não se trata, pois, de um ato mecânico de subsunção silogística, mas, sim,
de um ato reflexivo-axiológico-valorativo, voltado para o sentimento constitucio-
nal de justiça. Nesse sentido, a nova interpretação constitucional busca encon-
trar alternativas dogmáticas à subsunção silogística, quando houver a incidência
de diferentes enunciados normativos (premissas maiores) sobre um mesmo caso
decidendo (premissa menor). É nesse contexto que as teorias pós-positivistas se
apresentam para resolver os casos concretos que suscitam a colisão de normas
constitucionais de mesma hierarquia. São os chamados casos difíceis (hard cases),
cuja solução vem com o auxílio das teorias discursivas do direito. Na lição de Luís
Roberto Barroso:
capítulo 5 • 149
Do inglês hard case, a expressão identifica situações para as quais não há uma for-
mulação simples e objetiva a ser colhida no ordenamento, sendo necessária a atuação
subjetiva do intérprete e a realização de escolhas, com eventual emprego de discricio-
nariedade. (BARROSO, Temas de direito constitucional, Tomo III, p. 22).
Realmente, não se pode negar que o positivismo jurídico torna-se insuficiente diante da-
quilo que Miguel Carbonell denominou de Estado (neo)constitucional. Nas palavras do
autor “as modificações operadas sobre o modelo ou paradigma do Estado constitucional
são de tal ordem que já se pode falar de um Estado (neo)constitucional. (CARBONELL,
2003, p. 9)
capítulo 5 • 150
1. a imprecisão da linguagem do direito;
2. a possibilidade de conflitos entre as normas;
3. o fato de que é possível haver casos que requeiram uma regulamentação jurídica,
que não cabem sob nenhuma norma válida existente, e
4. a possibilidade, em casos especiais, de uma decisão que contraria textualmente
um estatuto. (ALEXY, 2001, p. 17)
capítulo 5 • 151
conflito normativo com o olhar da teoria neoconstitucional, cuja dinâmica busca
reinserir, cientificamente, a dimensão ética na equação jurídica hodierna.
Observe, com atenção, desde logo, que é importante compreender que a ponderação
de valores não pode ficar associada, tão somente, ao princípio da proporcionalidade/
razoabilidade. Nesse sentido, grande parte da doutrina, somente destaca a pondera-
ção de valores e o princípio da proporcionalidade, focalizando o problema da colisão
na escolha de um princípio vencedor (que será aplicado ao caso decidendo) e de um
princípio perdedor (que será afastado do caso concreto, mas que permanece válido no
ordenamento jurídico).
capítulo 5 • 152
concessões mútuas dos princípios em tensão, de acordo com a aplicação do prin-
cípio da concordância prática, na qual o exegeta vai procurar a solução jurídica
que seja capaz de conciliar os valores em colisão, numa tentativa desesperada de
otimização de todos os direitos envolvidos.
Não sendo possível tal harmonização, deve, então, o intérprete da Constituição,
efetuar a ponderação excludente de valores a partir da aplicação do princípio
da proporcionalidade e cujo objetivo será a determinação do peso específico dos
princípios constitucionais em colisão, resultando na escolha de um princípio ven-
cedor. Tais estratégias hermenêuticas serão examinadas em seguida.
capítulo 5 • 153
aqui os direitos ou bens jurídicos constitucionalmente protegidos, que estavam
aparentemente em conflito, fazem concessões recíprocas para serem aplicados si-
multaneamente dentro de um mesmo caso concreto.
Na lição do grande mestre português, J.J. Gomes Canotilho, temos que:
Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não
uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação
aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de
forma a conseguir uma harmo¬nização ou concordância prática entre esses bens. (
CANOTILHO, 1992, p. 1098).
PONDERAÇÃO EXCLUDENTE
Escolha
Princípio A do princípio Princípio B
vencedor
capítulo 5 • 154
Em suma, o que importa, aqui, repetir com muita ênfase, é que a estratégia
hermenêutica da concordância prática preconiza a busca da otimização dos direi-
tos constitucionais em tensão como primeiro passo do intérprete na solução da
colisão.
Para o autor alemão, muito embora princípios e regras sejam normas jurídicas, existe
uma grande diferença qualitativa entre eles, que é exatamente o modo pelo qual são
aplicados. Ou seja, as regras seriam normas jurídicas que serão sempre satisfeitas ou
não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve ser aplicada, fazendo-se exatamente
aquilo que ela determina; nem mais, nem menos. Portanto, as regras são determinações
no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Já os princípios são normas que
ordenam algo a ser realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídi-
cas e fáticas existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização aplicados
mediante uma dimensão de peso relativo, podendo ser satisfeitos em graus variados
por dependerem tanto de possibilidades fáticas quanto jurídicas. (ALEXY, 1993. p. 87).
capítulo 5 • 155
Observe que essas ideias de Alexy e Dworkin sobre a inter-relação entre regras
e princípios dá lugar a possibilidades distintas de conflitos entre as normas jurí-
dicas. A colisão de regras, por exemplo, será solucionada pelos critérios clássicos
da hierarquia, cronologia e especificidade. Assim, fica claro que a concorrência
normativa entre as regras resultará na aplicação da regra válida (norma superior,
norma posterior ou norma específica).
Já a hipótese de concorrência normativa entre princípios será solucionada pela
ponderação de valores, como, já amplamente visto. Aqui é importante agora des-
tacar que nem sempre o resultado dessa ponderação poderá ser a harmonização
dos princípios em colisão. Ao contrário, a grande maioria dos casos que envolvem
colisão de princípios representa situações reais em que não é possível aplicar a
ideia de concessões mútuas entre direitos constitucionais e, em especial, direi-
tos fundamentais.
Ou seja, na solução do caso concreto, o juiz terá que optar por um dos princí-
pios em colisão, na medida em que não consegue harmonizá-los mediante conces-
sões recíprocas. Não há falar em ponderação harmonizante, mas, sim, em ponde-
ração excludente, após a qual um dos dois direitos fundamentais será sacrificado.
Trata-se do segundo grande caminho hermenêutico da ponderação de valores
no âmbito do neoconstitucionalismo, qual seja a ponderação excludente, também
denomina eficácia excludentemente ponderável.
A figura a seguir sintetiza tais ideias.
PONDERAÇÃO EXCLUDENTE
Escolha
Princípio A do princípio Princípio B
vencedor
capítulo 5 • 156
No plano hermenêutico, a ponderação excludente pode ser obtida mediante
a aplicação da tríade subprincipial do princípio da proporcionalidade, útil na
atribuição de peso a cada um dos princípios em colisão.
A aplicação da tríade subprincipial da proporcionalidade ajuda a escolher o
princípio constitucional prevalente, na medida em que desenvolve três diferentes
fases hermenêuticas orientadas pelos seguintes subprincípios:
a) subprincípio da adequação;
b) subprincípio da necessidade;
c) subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito.
capítulo 5 • 157
a seguir todos os três passos desse percurso hermenêutico: adequação, necessidade
e proporcionalidade em sentido estrito.
Na aplicação do subprincípio da adequação (aferição meio–fim), o intérprete
verifica a pertinência do meio escolhido pelo legislador democrático para atingir
o fim estabelecido pela norma, é uma simples verificação de cumprimento do fim
desejado, ou seja, verifica-se se o meio realiza efetivamente o fim almejado.
Na aplicação do subprincípio da necessidade (aferição meio-meio), o exegeta
haverá de considerar as possíveis alternativas que realizam o fim desejado. Neste
teste, o intérprete vai verificar qual seria o meio menos gravoso que efetivamente
realiza o fim desejado, ou seja, deve comparar o prejuízo causado ao princípio
perdedor em face dos benefícios trazidos pelo princípio vencedor.
Finalmente, na aplicação do subprincípio da proporcionalidade em sentido
estrito ou proporcionalidade propriamente dita (aferição resultado-meio), o her-
meneuta vai investigar ou contrabalançar os princípios constitucionais em jogo.
Trata-se de um tabuleiro de custo-benefício. Assim sendo, após a análise entre
o resultado que seria obtido e o meio utilizado, pode-se chegar a conclusões dis-
tintas, como por exemplo:
a) os prejuízos advindos do afastamento do direito vencido são maiores
do que os benefícios adquiridos com a aplicação do direito vencedor (nesse
caso a aplicação do direito vencedor seria inconstitucional por violar o sub-
princípio da proporcionalidade em sentido estrito);
b) os benefícios adquiridos com a aplicação do direito vencedor são maio-
res do que os prejuízos advindos do afastamento do direito vencido (nesse
caso a aplicação do direito vencedor seria constitucional em consonância
com o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito).
capítulo 5 • 158
liberdade de conformação do legislador democrático e a efetividade dos direitos
fundamentais, notadamente, dos direitos sociais de segunda dimensão.
É nesse sentido que surge a relevância do neoconstitucionalismo de cunho
pós-positivista como instrumento idôneo para impor a racionalidade argumenta-
tiva ao discurso jurídico, sem adentrar ao campo do mero decisionismo judicial.
Portanto, o exegeta contemporâneo não pode mais ficar mais adstrito à literalidade da
norma-dado posta pelo legislador (prius da interpretação constitucional), mas, deve sim
aplicar as hodiernas estratégias hermenêuticas de ponderação de valores e de proteção
do núcleo essencial. (GÓES, 2007, p. 113-114)
capítulo 5 • 159
a extrapolação do limite dos limites imposto pelo núcleo intangível dos direitos
fundamentais.
Em outras palavras, a criação de direito por juízes e tribunais deve ficar li-
mitada à garantia desse núcleo mínimo de direitos; e mesmo assim, deve ainda
ser submetida ao controle intersubjetivo da sociedade aberta de intérpretes da
Constituição, tal qual vislumbrada por Peter Häberle, cuja aceitação tem o condão
de imprimir legitimidade democrática para as decisões judiciais aditivas.
Com tal tipo de intelecção em mente, fica mais fácil compreender as razões
pelas quais o neoconstitucionalismo pós-positivista necessita reconstruir uma
nova hermenêutica focada na estrutura normativa dual das normas constitucio-
nais, composta de um núcleo essencial e de uma zona de ponderação de valores.
Convém aqui e agora relembrar aquele novo olhar da interpretação constitucio-
nal focada na ideia de que a Constituição é norma jurídica, logo capaz de gerar de
per si direitos e obrigações para o cidadão comum, sem necessidade de intervenção
legislativa superveniente. Com efeito, a essência da dogmática pós-positivista é exa-
tamente a capacidade de gerar efetividade ou eficácia social para regras e princípios.
Em consequência, a Constituição passa a ser percebida como um sistema aberto de
regras e princípios, igualmente dotados de força jurígena, vale dizer força de criar o
direito, sem necessidade de leis infraconstitucionais regulamentadoras.
Assim sendo, é importante compreender o grande desafio do jurista do século
XXI, qual seja: realizar diretamente a Constituição, sem necessidade de interven-
ção legislativa superveniente e sem agredir o princípio da separação de poderes,
um dos pilares de sustentabilidade do Estado Democrático de Direito.
É nesse sentido que surge a necessidade de uma nova teoria da eficácia constitucional,
mais consentânea com a leitura moral do direito e dentro de um quadro dogmático com-
plexo que envolve temas sensíveis da interpretação constitucional contemporâneo, tais
como: (I) dimensão retórica das decisões judiciais e a segurança jurídica; (II) limites her-
menêuticos do ativismo judicial; (III) jusfundamentalidade material dos direitos sociais
submetidos à reserva do possível; (IV) existência de um núcleo essencial intangível dos
direitos constitucionais; e (V) colisão de normas constitucionais de mesma hierarquia.
(GÓES & RASGA, 2014, p. 3)
capítulo 5 • 160
Tal tipo de estrutura normativa é capaz de edificar cientificamente a nova
dogmática pós-positivista, resolvendo, a um só tempo, o problema de insegurança
jurídica inerente à escola neoconstitucionalista do direito, bem como a questão da
força normativa da Constituição (conquista hermenêutica tão arduamente obti-
da); e tudo isso sem violar a separação de poderes.
Assim sendo, sem se afastar da devida cientificidade do direito, a dogmática
pós-positivista cria um novo patamar para a teoria da eficácia constitucional, na
mediada em que adota um conjunto metodológico-conceitual que consegue des-
crever o conteúdo total dos direitos constitucionais, desde seu núcleo essencial
(conteúdo jurídico mínimo essencial) até seu espectro normativo de ponderação
de valores (conteúdo jurídico não-essencial e variável de acordo com os fatos do
caso concreto).
Na mesma linha, Medida Guerrero afirma: (...) o conteúdo total (conteúdo constitu-
cionalmente protegido) de um direito fundamental se estrutura em duas zonas: uma
central, absolutamente intangível para o legislador (conteúdo essencial); e outra ex-
terna, que denominamos “conteúdo inicialmente protegido”, dado que seus integran-
tes com caráter claudicante podem ser sacrificados pelo legislador com o objetivo de
preservar outros direitos e bens constitucionais sempre que o limite seja considerado
proporcional. (GUERRERO,1996, p. 168-169)
De tudo se vê, portanto, que a estrutura dual das normas constitucionais pro-
jeta a imagem de dois círculos concêntricos: um círculo interno em conexão direta
com o “princípio da proteção do núcleo essencial” e um círculo externo interliga-
do ao princípio da proporcionalidade.
Tais círculos compõem conjuntamente o conteúdo total das normas constitu-
cionais. Ou seja, toda e qualquer uma norma constitucional é composta de:
a) um círculo central garantidor do seu conteúdo jurídico mínimo
essencial;e
capítulo 5 • 161
b) um circulo externo de conteúdo não-essencial (círculo de conteúdo
inicialmente protegido), cuja garantia fica na dependência do princípio da
proporcionalidade e da ponderação com outros valores constitucionais.
capítulo 5 • 162
que não pode atuar como legislador positivo sob pena de violar o princípio da
separação de poderes e da regra majoritária. Assim sendo, observe, com atenção,
que, no âmbito do espaço normativo metajurisdicional, o próprio juiz reconhe-
ce sua inaptidão para criar direito, respeitando limites exegéticos impostos pela
Constituição. É por isso que o domínio eficacial metajurisdicional fica situado no
plano da validade jurídica e, não, no plano da efetividade ou eficácia social (eficá-
cia positiva ou simétrica).
Em nome do princípio da separação de poderes, a norma-decisão fica limitada
a declarar a inconstitucionalidade por omissão nas hipóteses de inação do legisla-
dor ordinário, ou, então, declarar a inconstitucionalidade dos atos infraconstitu-
cionais comissivos. Portanto, a eficácia metajurisdicional projeta a imagem de que
a norma-decisão mantém o direito constitucional inconcretizado, muito embora
já se encontre no plano concreto de significação (plano all things considered).
Em outros termos, mesmo já levando em consideração todas as circunstân-
cias fáticas do caso concreto (fatos portadores de juridicidade), o juiz traz sua
decisão para o espectro normativo metajurisdicional, atribuindo valor meramente
declaratório à sua norma-decisão, sem penetrar na esfera de discricionariedade dos
poderes legislativo e execu¬tivo.
É por isso que se pode afirmar que as normas de eficácia metajurisdicional são as nor-
mas que declaram expressamente que a concretização da norma constitucional refoge
à esfera de atuação “juscriativa” do poder judiciário. Dentro deste espectro normativo,
ao magistrado, não lhe é dado criar direito a partir da sua prestação jurisdicional. Ou
seja, na área metajurisdicional, corporifica-se a ideia de que existe uma esfera de discri-
cionariedade reservada exclusivamente, seja para o legislador democrático (interpositio
legislatoris), seja para o administrador democrático (poder regulamentar).
capítulo 5 • 163
Combate-se o excesso de ativismo judicial do poder judiciário, isto é, o mero
decisionismo solipsista, desserviço ao Estado Democrático de Direito, impedindo
que um poder contramajoritário formule políticas públicas no lugar do legislador
democrático, sem respaldo da comunidade aberta de intérpretes da Constituição.
Sem negar o incontestável valor jurídico do ativismo judicial proporcional
na garantia do núcleo essencial das normas constitucionais (sem o ativismo judi-
cial, tais normas estariam totalmente esvaziadas a ponto de se transformarem em
invólucros vazios de conteúdo), o conceito de área metajurisdicional respeita o
Estado Democrático de Direito e seu pilar de sustentabilidade que é a separação
de poderes.
Dessa forma, o reconhecimento de uma área metajurisdicional livre da cria-
ção jurisprudencial do direito impede a implantação de um Estado judicial de
Direito, bem como reforça os laços de compromisso com a garantia dos direitos
fundamentais em sua essencialidade (núcleo essencial). Nesse sentido desponta
a nova posição concretista do STF, em sede de mandado de injunção, que cria
direito na omissão inconstitucional do legislador, exatamente para garantir o con-
teúdo jurídico mínimo, impedindo que o direito fundamental seja completamen-
te esvaziado.
Com rigor, a nova posição concretista do STF deve ser associada ao espectro normativo
do núcleo essencial, garantidor de conteúdo jurídico mínimo de direitos fundamentais do
cidadão comum. Nesse sentido, a posição concretista é fundamental para a realização
da Constituição, pelo mesmo na sua essencialidade, no seu núcleo essencial. Abre-se
aqui toda uma avenida hermenêutica, que certamente faz avançar o direito constitucio-
nal porque garante a eficácia positiva das normas constitucionais sem a necessidade de
intervenção do legislador democrático.
Por outro lado, não se pode esquecer os limites exegéticos desse importante
ativismo judicial proporcional, daí a relevância do espaço normativo metajurisdi-
cional, cuja dinâmica hermenêutica impede o juiz de intrometer-se na esfera do
processo político democrático. Em regra, não cabe a juízes e tribunais o papel de
saírem por aí legislando positivamente, como se legisladores democráticos fos-
sem. Ao revés, são revestidos da dificuldade contramajoritária bickeliana, que os
impede de formular políticas públicas. Com certeza, a discussão e a definição de
políticas públicas é tarefa constitucional do Estado-legislador.
É nesse sentido que o domínio eficacial metajurisdicional acaba encontrando
respaldo no próprio conceito do Estado Democrático de Direito, na medida em
capítulo 5 • 164
que combate o decisionismo solipsista do juiz todo-poderoso, bem como obstacu-
liza a desproporcional ascensão política do poder judiciário.
Em termos simples, a área metajurisdicional materializa a dificuldade contra-
majoritária, que se apresenta como barreira intransponível para a criação de direi-
to por parte de juízes e tribunais, fora das regiões normativas do núcleo essencial
e da ponderação de valores.
É por tudo isso que se acredita que a estrutura tridimensional (núcleo es-
sencial-zona de ponderação de valores-área metajurisdicional) é a mais completa,
uma vez que apresenta todos os espectros normativos característicos das princi-
pais correntes do neoconstitucionalismo e da dogmática pós-positivista. Com
isso, ganha idoneidade científica para representar o conteúdo total de uma norma
constitucional.
Representa, induvidosamente, um novo paradigma exegético capaz de lidar
com as exigências cada vez mais complexas da reconstrução neoconstitucionalista
do direito, desde a luta pela garantia do núcleo essencial de conteúdo jurídico
mínimo do cidadão comum, perpassando pela ponderação de valores de mesma
dignidade constitucional, até, finalmente, chegar à delicada questão da atividade
juscriativa do magistrado na esfera discricionária das políticas públicas.
A figura a seguir mostra essa estrutura normativa tridimensional.
Núcleo
PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO
Essencial
DO NÚCLEO ESSENCIAL
capítulo 5 • 165
Enfim, resta indubitável que o grande desafio do jurista do século XXI é exata-
mente o de emprestar cientificidade às teorias da argumentação jurídica, de modo
a respaldar as decisões judiciais aditivas que inovam a ordem jurídica.
Nesse sentido, a estrutura tridimensional mostra que o conteúdo total das
normas constitucionais se perfaz por meio de três grandes espectros normativos:
a) uma área nuclear de conteúdo jurídico mínimo da norma constitucional;
b) uma área de ponderação de valores com outras normas constitucionais;
e
c) uma área metajurisdicional que não admite o ativismo judicial em
nome do princípio da separação de poderes.
ATIVIDADE
01. Considere a seguinte situação: Todos os domingos, às 7 horas da manhã, um pregador
religioso ligava sua aparelhagem de som em uma pequena praça de Copacabana, um bairro
populoso e simpático do Rio de Janeiro. Em altos brados, anunciava os caminhos a serem
percorridos para ingressar no reino dos céus. Um jovem de vinte e poucos anos, que às 7
horas da manhã de domingo mal havia esquentado a cama, pensava daquele pregador coisas
que lhe fechariam para todo o sempre as portas do reino dos céus”. (BARROSO, 2005)
Em consequência, o jovem resolveu impetrar uma ação contra o religioso. Como você,
na qualidade de juiz da causa, fundamentaria sua decisão? Justifique sua resposta com es-
peque no pós-positivismo jurídico a partir da colisão de normas constitucionais, destacando
os métodos de ponderação de valores, bem como o(s) princípio(s) envolvido(s) na solução
deste caso concreto.
capítulo 5 • 166
REFLEXÃO
Neste capítulo, você estudou o perfil de evolução do constitucionalismo democrático
(liberal e social) e as bases teóricas que fundamentam o neoconstitucionalismo, a dogmática
pós-positivista, o ativismo judicial e a ponderação de valores de normas constitucionais.
Num primeiro momento, foi examinado a natureza negativa, minimalista e absenteísta da
primeira dimensão de direitos constitucionais fundamentais sob a égide do constitucionalis-
mo garantista do Estado liberal de Direito. Já o paradigma social welfarista visa a combater o
déficit econômico-social das classes menos favorecidas do tecido social (hipossuficientes),
com base nos princípios da igualdade material, da justiça social e da dignidade da pessoa
humana.
Além disso, você constatou que o neoconstitucionalismo e a dogmática pós-positivista
incorporaram toda uma pauta de valores axiológicos - que o paradigma positivista não dava
conta - na equação jurídica do hermeneuta contemporâneo. Com isso, direito e ética se
aproximam com base na teoria neoconstitucional do direito. Da mesma forma, ficou cons-
tatado que, na ponderação de valores, cabe ao intérprete identificar a tensão de comandos
normativos a partir da incidência dos elementos fáticos do caso concreto (fatos portado-
res de juridicidade), verificando se é possível conciliar os direitos constitucionais em colisão
(ponderação harmonizante), ou, caso contrário, sacrificando um ou mais deles em prol de um
direito vencedor (ponderação excludente).
Finalmente, você identificou a importância da área metajurisdicional na contenção do
decisionismo solipsista do juiz positivista, reconhecendo um espaço normativo atrelado um-
bilicalmente ao legislador democrático. Assim, juntamente com o núcleo essencial e a zona
de ponderação, formam a estrutura normativa tridimensional da dogmática pós-positivista.
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capítulo 5 • 167
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LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Tradução de José Lamego. Lisboa: Fundação
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ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho Dúctil. Ley, Derechos, Justicia. Madrid: Editorial Trotta, [s.d.].
GABARITO
Capítulo 1
01.
a) A resposta deve ser no sentido de que o Congresso Nacional pode tomar medida
motu próprio, ou seja, sustar o ato do Presidente da República sem recorrer ao
Poder Judiciário, nos termos do art. 49, V, da Constituição. Isto porque, naquele
particular, o Chefe do Executivo Federal extrapolou os limites fixados pela delega-
ção concedida pelo Congresso Nacional. Trata-se de hipótese de controle político
repressivo feito pelo Poder Legislativo. Não há, portanto, necessidade de recorrer
ao STF mediante uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIN). Com efeito, o
capítulo 5 • 168
artigo 49, inciso V, da Constituição de 1988, estabelece que é da competência
exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que
exorbitem do poder regulamentar (decreto regulamentador de lei) ou dos limites de
delegação legislativa (lei delegada). De fato, o artigo 49, inciso V, é um dispositivo
que compõe o sistema de freios e contrapesos no Brasil. Foi adotado pelo poder
constituinte originário como forma de equilibrar o exercício dos poderes, transfor-
mando-se, pois, numa das modalidades de controle político repressivo de constitu-
cionalidade. Tal controle é denominado pela doutrina de “veto parlamentar” ou “veto
legislativo”, na medida em que simboliza o controle político de constitucionalidade
feito pelo poder legislativo contra atos normativos do poder executivo.
b) Sim. Está correta a delegação legislativa feita mediante uma Resolução. É o que
preconiza o art. 68, § 2.º, da Constituição da República que estabelece que a de-
legação ao Presidente da República terá a forma de Resolução do Congresso
Nacional.
c) Não. O instituto jurídico adequado para sustar a lei delegada do Presidente da Re-
pública não seria uma Resolução, mas, sim, um Decreto Legislativo. Como visto an-
tes, é o próprio Congresso Nacional que deve editar o Decreto Legislativo sustando
o ato normativo presidencial que extrapolou os limites da delegação concedida.
Portanto, não confundir a Resolução da delegação legislativa feita ao Presidente
com o Decreto Legislativo que susta a lei delegada.
d) Finalmente a questão de saber se é possível a fiscalização abstrata deste ato de
sustação feito pelo Congresso Nacional. A jurisprudência do STF é pacífica no sen-
tido de admitir o controle de constitucionalidade pelo poder judiciário do Decreto
Legislativo que sustou a lei delegada ou o decreto regulamentador de lei do Pre-
sidente da República. Assim, a resposta, em termos simples, é que cabe ADIN do
Decreto Legislativo do Congresso Nacional que sustou a lei delegada.
Capítulo 2
01. Não assiste razão à 5.ª Turma do TJRJ porque deveria haver a cisão funcional de compe-
tência, isto é, a remessa ao seu órgão especial para decisão acerca da inconstitucionalidade
da referida lei federal em atenção à cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CRFB/88).
Assim sendo, a 5.ª Turma do TJRJ, por ser um órgão fracionário, não tem competência para
declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. No caso em tela,
não se aplica o parágrafo único do art. 949 do Código de Processo Civil que estabelece de-
capítulo 5 • 169
terminadas hipóteses que dispensam a observância da cláusula de reserva de plenário, isto
é, da cisão funcional de competência.
Com efeito, tal dispositivo legal estabelece que os órgãos fracionários dos tribunais não
submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já
houver pronunciamento destes ou do plenário do STF sobre a questão. No caso em análise,
a decisão sobre a inconstitucionalidade da lei federal foi do órgão especial do TJSP, ou seja,
nem foi do órgão especial do TJRJ, nem do seu pleno e nem do STF. Portanto, não se aplica
o artigo 949 § único do CPC nesse caso concreto.
Em outras palavras, na hipótese ventilada, o pronunciamento prévio acerca da inconsti-
tucionalidade da lei federal era de órgão especial de outra Corte e não do STF ou do próprio
TJRJ. Portanto, não se aplica o parágrafo único do art. 949 do CPC, merecendo anulação a
decisão da 5.ª Turma do TJRJ por violação da cláusula de reserva de plenário do art. 97 da
Constituição de 1988.
Capítulo 3
01. A resposta deve ser afirmativa. Com efeito, os Governadores dos Estados-membros da
Federação brasileira são legitimados ativos especiais, necessitam, portanto, demonstrar per-
tinência temática entre a lei impugnada e os interesses do seu respectivo Estado. No caso
em tela, o Governador do Estado de São Paulo tem legitimidade, em tese, para propor ação
direta de inconstitucionalidade, nos termos do art. 103, V, da Constituição Federal e do art.
2.º, V, da Lei 9.868/99, inclusive quando o ato legislativo inquinado do vício, sendo de outro
Estado da Federação e afrontando a Constituição Federal, produz efeitos sobre a unidade
federada do autor. Em tal hipótese, afere-se a pertinência temática, que é incontestável na
espécie sub examinen porque a Lei Estadual X do Estado do Rio de Janeiro produz efeitos
diretos sobre a economia do Estado de São Paulo, restando patente a pertinência temática
do legitimado especial.
Capítulo 4
capítulo 5 • 170
liberdade de locomoção, considerando incabível para reexame de mérito; quando extinta a
punibilidade ou para trancar inquérito policial, salvo quando a falta de justa causa puder ser
reconhecida de plano. A opção A consta do artigo 142, § 2º, da CF/88. A propósito, veja
acórdãos em STF, HC 80199 e 82812, bem como as súmulas 694 e 693.
Sugestão de gabarito da questão 3: A questão refere-se ao disposto no art. 5º, LXXIII
da CRFB, sendo correta a alternativa D. As demais afirmativas contrariam os incisos LXXVII,
LXX, a e LXXIV do mesmo artigo, respectivamente. A opção E está errada, pois, o MS é uma
ação autônoma e não um recurso processual.
Capítulo 5
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