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Apostila do Curso de Refrigeração

Versão 3
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1. Ciclos de Refrigeração

1.1. Introdução

A área de refrigeração cresceu de tal maneira no último século que


acabou por ocupar os mais diversos campos. Apenas para fins didáticos, as
aplicações da refrigeração podem ser classificadas dentro das seguintes
categorias:
 Residencial
- Ar condicionado individual;
- Geladeiras, freezers e bebedouros.

 Comercial
- Ar condicionado (central e individual);
- Câmaras frigoríficas;
- Geladeiras e balcões frigoríficos.

 Industrial
- Bebidas;
- Alimentos;
- Processos químicos e petroquímicos;
- Farmacêuticos;
- Transformação de plásticos etc.

 Outras aplicações
- Laboratórios de pesquisa e análise;
- Hospitais;
- Transportes (embarcações, caminhões etc.)
- Conservação de cadáveres etc.

A refrigeração doméstica abrange principalmente a fabricação de


refrigeradores de uso doméstico e de freezers. A capacidade dos
refrigeradores domésticos varia muito, com temperaturas na faixa de -8°C a -
18°C (no compartimento de congelados) e +2°C a +7°C (no compartimento dos
produtos resfriados).
A refrigeração comercial abrange os refrigeradores especiais ou de
grande porte usados em restaurantes, sorveterias, bares, açougues,
laboratórios, etc. As temperaturas de congelamento e estocagem situam-se,
geralmente, entre -5°C a -30°C. Como regra geral, os equipamentos industriais
são maiores que os comerciais (em tamanho) e têm como característica
marcante o fato de requererem um operador de serviço.
São aplicações típicas industriais as fábricas de gelo, grandes
instalações de empacotamento de gêneros alimentícios (carnes, peixes, aves),
cervejarias, fábricas de laticínios, de processamento de bebidas concentradas
e outras.
A refrigeração marítima refere-se à refrigeração a bordo de
embarcações e inclui, por exemplo, a refrigeração para barcos de pesca e para
embarcações de transporte de cargas perecíveis. A refrigeração de transporte
relaciona-se com equipamentos de refrigeração em caminhões e vagões
ferroviários refrigerados.

1.2. Ciclos de refrigeração

São construções teóricas que buscam aproveitar as propriedades


termodinâmicas de um fluido, com auxílio de um sistema eletromecânico, para
transferir calor de um corpo ou ambiente à baixa temperatura para outro a alta
temperatura. Como sabemos da Segunda Lei da Termodinâmica, Lei da
Conservação da Energia, “Não é possível construir um dispositivo que promove
a transferência de calor de uma região de baixa temperatura para outra de alta
temperatura sem um fluxo adicional de energia”. Assim, para a construção de
uma máquina frigorífica, é necessário fornecer trabalho ao sistema, a custo de
energia. Um esquema é mostrado abaixo:

O Ciclo de Carnot é o ciclo ideal em que há o maior rendimento possível, ou


seja, nenhuma máquina térmica opera com rendimento superior à máquina que
obedece o Ciclo de Carnot. Portanto, as máquinas serão estudadas a partir do
Ciclo Teórico, uma vez que apresenta processos mais similares ao circuito real.

1.3.Algumas definições importantes:

a)Entalpia: Propriedade termodinâmica da combinação de propriedades


termodinâmicas Energia Interna e Trabalho (Pressão x Volume) por unidade de
massa. Esta propriedade é definida a partir da 1° Lei da Termodinâmica:
para um processo quase-estático (pressão constante).

Assim temos:

Onde [h]=kJ/kg

b)Entropia: Propriedade termodinâmica que mede a desordem das partículas


em um sistema físico. Rudolf Clausius, que utilizou a ideia de entropia pela
primeira vez em 1865, para o estudo da entropia como grandeza física
entendeu que é mais útil conhecer sua variação do que seu valor absoluto.
Assim, Clausius definiu que a variação de entropia (ΔS) em um sistema como,
por unidade de massa:

Onde [s]=kJ/kg.K

Diagramas de Mollier

Nesses diagramas, os estados de energia do Fluido são dispostos a partir de


duas grandezas. Os principais diagramas utilizados em Refrigeração são os
Diagramas Pressão –Entalpia (PH) e o Temperatura- Entropia (T-s).

Plano Pressão –Entalpia (PH):


Diagrama Temperatura- Entropia (T-s) – mais utilizado pelo meio científico.

Diagrama T-s (temperatura – entropia)

1.4. Sistemas de refrigeração

São associações de equipamentos, baseados em um ciclo teórico, que


operam a transferência de calor de um corpo ou ambiente à baixa temperatura
para outro a alta temperatura, com auxílio de um fluido.

Macroprocessos em um sistema de refrigeração

 Produção do frio;

 Distribuição do frio;

 Conservação do frio.

Os principais sistemas de refrigeração são listados a seguir:

 Sistema de refrigeração por compressão;

 Sistema de refrigeração por absorção;

 Sistema de refrigeração termoelétrica;

 Sistema de refrigeração evaporativo.

1.4.1. Sistema de refrigeração por compressão de vapor


Este sistema é baseado no circuito (ciclo) de um fluido, Fluido
Refrigerante (FR), em estado inicial gasoso ou vapor, sobre o qual é realizado
trabalho por um compressor, aumentando a pressão, para, então, transferir
energia para o meio quente, tornando o FR liquefeito. O FR sofre uma queda
brusca de pressão ao passar por uma restrição no sistema e, por assim, tem
sua temperatura reduzida. O ciclo termina quando o fluido de baixa pressão
recebe calor da fonte fria, retornando ao estado gasoso inicial. Um diagrama T-
s típico desse ciclo operando a -10°C, é dado abaixo:

Onde, temos os processos:

1-2: Compressão adiabática reversível (isoentrópico);

2-3: Rejeição de calor à pressão constante (isobárico);

3-4: Estrangulamento isoentrópico;

4-1: Admissão de calor à pressão constante

O sistema de Refrigeração por compressão de vapor que utiliza o acima citado


é, então, composto por:
 um compressor, dispositivo que realizará trabalho sobre o gás,
 um condensador, que propiciará as trocas térmicas com a fonte quente,
 uma válvula de expansão, que promoverá queda brusca de pressão no
fluido sem trocas de calor com o meio, e por fim,
 um evaporador, que propiciará as trocas térmicas com a fonte fria.

Um esquema do sistema é apresentado abaixo:


Este sistema, também, é idêntico ao usado nos refrigeradores comuns.
De maneira similar funcionam os grandes sistemas de refrigeração, como as
câmaras frigoríficas. O que difere os sistemas pequenos dos de grande porte é
o número de unidades compressoras, evaporadoras, de expansão e
condensadoras envolvidas, que nestes últimos podem ser múltiplos, bem como
o sistema de controle, que pode alcançar elevada complexidade.

1.4.1.1. Analisando o ciclo do Sistema de refrigeração por compressão de


vapor

Vamos conhecer melhor o diagrama T-s. O diagrama abaixo apresenta,


de forma genérica, o que acontece no sistema de refrigeração. Inicialmente,
temos o fluido refrigerante integralmente em estado gasoso, como um vapor.
Localizamos no diagrama o ponto 1. Nesta etapa do ciclo, não há qualquer
fornecimento de energia. Sendo assim, dizemos que o fluido naquele ponto
está no estado de vapor saturado.

Após a realização de trabalho pv (produto da pressão pelo volume)


sobre o fluido refrigerante, este ganha energia. Energia esta absorvida por sua
constituição, a energia interna u, e, por assim, “armazenada“ também em forma
de energia térmica, de agitação molecular. Contudo, como o processo é
adiabático, temos que a entropia s do sistema, pela 2° Lei da Termodinâmica,
não muda. Nessas condições, dizemos que o fluido se encontra em estado de
vapor superaquecido. Localizamos no diagrama o ponto 2.

Este fluido, em temperatura elevada, é posto em contato com uma “fonte


quente” (porém, com temperatura inferior ao fluido). Assim, há um processo de
transferência de calor do fluido para a fonte quente a um fluxo, ̇ , até o
equilíbrio térmico. Nesta etapa, o fluido muda de estado à pressão constante,
condensando completamente. Chamamos esse estado de líquido saturado.
Localizamos no diagrama o ponto 3.

Na sequência do sistema, ao fluido é imposta uma restrição onde há


uma grande perda de carga (perda de energia de pressão). Dessa forma, a
pressão do fluido cai instantaneamente, e por assim, sua temperatura.
Contudo, esta transformação também ocorre de maneira adiabática. Sendo
assim, toda energia envolvida na transformação é transformada internamente
como energia interna u e revelado no aumento de volume pelo aparecimento
de uma fase gasosa, vapor, uma vez que, quimicamente, pressão e volume
são proporcionais na maneira inversa. E, por isso, globalmente, não há
alterações na entalpia do fluido, conforme a 1° Lei da Termodinâmica.
Dizemos, então, que o fluido está em uma região de saturação na temperatura
condicionada pela pressão no sistema. Localizamos no diagrama o ponto 4.

Daí, o fluido é posto em contato com uma “fonte fria”, realizando uma
troca térmica de fluxo ̇ que promove a vaporização do restante do líquido.
Este processo ocorre a uma pressão constante e resulta no retorno do fluido às
condições iniciais de antes do processo, identificado no ponto 1. Este é o fim
do ciclo e também o início de um novo ciclo para o fluido refrigerante. A análise
pode igualmente ser feita a partir do diagrama PH.

Todas estas etapas estão ilustradas na figura abaixo, onde é


apresentado um diagrama T-s para o ciclo ideal.

Analisaremos agora cada processo do ciclo:


Processo 1-2: Compressor - Compressão adiabática reversível (isoentrópico):

Voltando ao esquema do sistema de refrigeração, usando a 1° Lei da


Termodinâmica em volumes de controle (demonstração apenas em Curso de
ensino superior), tomando o volume de controle em torno do compressor, pela
conservação de energia, temos que a energia que entra é a mesma que sai do
compressor, assim, temos:

̇ ̇ ̇

̇ ̇( )

̇ ̇ ̇( )

Onde ̇ é a vazão mássica ̇ =m/Δt.

Pela 2° Lei da Termodinâmica, temos (isoentrópico).

Processo 2-3: Condensador - Rejeição de calor à pressão constante


(isobárico);

Fazendo o mesmo processo descrito para o compressor, temos:

̇ ̇ ̇ ̇( )
Processo 3-4: Válvula de expansão - Estrangulamento isoentrópico;

Fazendo o mesmo processo descrito anteriormente, temos:

Processo 4-1: Evaporador - Admissão de calor à pressão constante

Mais uma vez, fazendo o processo descrito anteriormente, temos:

̇ ̇ ̇ ̇( )
1.4.1.2.Trabalhando com as tabelas termodinâmicas
Exemplo 1: Calcule a variação da Energia Interna (ΔU) sofrido por de 1kg de
água na transferência de calor de 10°C para 20°C.

Sol: Pela 1° Lei da Termodinâmica, temos:

Onde: e ( )

Assim, entramos com as temperaturas dadas na tabela de água saturada:


( )=1x(2,34x0,001-1,23x0,001)=0,011kJ

=1kg x 1kcal/kg.°C x (20-10) x 4186,8 J/kcal

Q=41,868 kJ

Substituindo os valores e rearranjando a equação da 1° Lei:

ΔU=41,868 – 0,011 = 41,85 kJ

Agora, note que poderíamos ter o resultado mais rapidamente:

ΔU=83,94 – 41,99 = 41,95 kJ

Apenas com uma variação de 0,1 kJ pelas conversões.

Exemplo 2: (PROVÃO- 2000 modificado) No Projeto de um refrigerador, o ciclo


proposto prevê a utilização de um refrigerante R-134a, que é admitido no
compressor como vapor saturado a -10°C sendo descarregado a 0,7Mpa e
50°C . O refrigerante é então completamente condensado a 25°C, sendo
posteriormente expandido até 0,14MPa. A carga térmica do projeto é de 6,0kW.
Despreze todas as perdas no refrigerador. Calcule a potência requerida pelo
compressor, em kW.

Sol.:

T1=-10°C + vapor saturado -> h1=392,285kJ/kg

T2=50°C + P2=0,7Mpa -> h2=436,895kJ/kg

Liquido saturado + T3=25°C -> h3=234,590kJ/kg

h3=h4=234,590kJ/kg

Resta apenas descobrir a informação da vazão mássica. Usando a expressão


para dimensionamento do evaporador, temos:

̇ ̇( ) ̇( ) ̇

Usando a expressão para dimensionamento do compressor, temos:

̇ ̇( ) ( )
1.4.1.3.Coeficiente de performance do ciclo (COP):

Parâmetro que mede a eficiência energética do ciclo

Expressão:

̇
̇

Substituindo as expressões de fluxo e trabalho, ficamos:

Assim, verificamos que a eficiência do sistema só depende das propriedades


do Fluido Refrigerante.

1.4.2.Sistema de refrigeração por absorção

O ciclo do Sistema de refrigeração por absorção é similar em certos


aspectos ao do de compressão de vapor: opera com o condensador, a válvula
de expansão e o evaporador. Difere-se na maneira pela qual a compressão é
efetuada.

Enquanto no sistema por compressão de vapor usa-se um compressor


para essa tarefa, no sistema de refrigeração por absorção primeiramente
absorve vapor a baixa pressão em um liquido absorvente (no absorvedor). A
conversão de vapor em líquido é um processo similar a uma condensação,
assim, calor precisa ser rejeitado no processo, formando uma solução líquida.
Então à solução liquida é dado energia de pressão, com o auxílio de uma
bomba. Por fim, vapor a alta pressão é liberado pela adição de calor
(dessorção do fluido refrigerante), vinda de uma fonte de alta temperatura, em
um gerador de vapor. Em alguns casos, um trocador de calor é inserido para
pré-aquecer a solução líquida vinda da bomba com uma parcela de solução
líquida aquecida no gerador de baixa concentração de refrigerante. Um
esquema do sistema de refrigeração por absorção é mostrado na figura abaixo,
com a amônia como refrigerante.
A partir daí, os sistemas são idênticos. Os ciclos mais comuns utilizam
como absorvedor-refrigerante os pares água-amônia ou brometo de lítio - água.
A figura abaixo compara as formas de compressão de vapor dos dois sistemas:

Como podemos observar, o ciclo de absorção é composto por,


basicamente, cinco processos, sendo dois deles caracterizados por trocas de
calor, um fornecimento de energia de pressão e os dois outros caracterizados
por trocas simultâneas de calor e massa. Estes processos são os seguintes:

• vaporização do refrigerante no evaporador;


• absorção do refrigerante pela solução no absorvedor;
• bombeamento da solução líquida;
• separação (dessorção) do refrigerante no gerador;
• condensação do refrigerante no condensador.

Característica particular deste sistema consiste em requerer um


consumo muito pequeno e trabalho, uma vez que o processo envolve o
bombeamento de líquido e não a compressão de um gás (volume do liquido é
menor que o do vapor). Por outro lado, o sistema que usa o ciclo de absorção
requer uma temperatura alta da fonte térmica (100 a 200°C). O equipamento
que realiza esse ciclo acaba sendo maior que um similar que usa o ciclo de
compressão. Por assim, a adoção deste sistema só se justifica
economicamente quando se dispões de uma fonte térmica adequada.

1.5.Fluidos Refrigerantes

1.5.1.Definição

Fluido Refrigerante é o agente, o veículo, que realiza o transporte da


energia térmica em um sistema de refrigeração por meio de suas propriedades
termodinâmicas. Para tanto, estes fluidos devem ser dotados de certas
características básicas, ou propriedades, para satisfazer as condições exigidas
ao bom funcionamento dos sistemas de refrigeração e que promovam sua
viabilidade técnica. Elas são:

1- Calor latente de vaporização elevado;


2- Baixa relação de compressão (equipamentos menos robustos);
3- Baixo volume específico de vapor saturado (equipamentos menores);
4- Ser inerte ao lubrificante utilizado;
5- Composição química estável;
6- Ser compatível com os componentes do circuito (não ser corrosivo);
7- Não ser inflamável nem explosivo;
8- Custo baixo;
9- Ser ecologicamente correto.

1.5.2.Tipos de Fluidos Refrigerantes

1.5.2.1.CFC’s

Compostos químicos com dois átomos de cloro por molécula (C-Cl2-F2) que
eram bastante usados em função de suas boas características termodinâmicas.
Foram banidos pelo Protocolo de Montreal, em 1996, devido a sua grande
afinidade com o oxigênio do ozônio (camada de ozônio terrestre), causando a
sua diminuição ou destruição.

Ex: R-11, R-12 e R-502

1.5.2.2.HCFC’s

São compostos químicos semelhantes aos CFC’s, porém com apenas um


átomo de cloro em sua composição molecular. Por isso, são menos nocivos à
camada de ozônio, sendo, então, autorizados para uso até 2030. Possuem
boas propriedades termodinâmicas.

Ex:R-22
1.5.2.3.HFC’s

São compostos químicos que não possuem átomos de cloro em sua


composição molecular, sendo bastante preferidos por algumas empresas, já
que não são nocivos à camada de ozônio. Possuem boas propriedades
termodinâmicas, sendo o preço o fator determinante na expansão de seu uso.

Ex: R-134a (substitui o R-12), R-404a (substitui o R-502), R-407, R-410a.

1.5.2.4.Amônia

Muito utilizado em grandes instalações industriais e comerciais. Tem bom


rendimento, custo baixo, se dissolve com facilidade no ar, mas é altamente
tóxico em grandes concentrações.

1.5.2.5.Outros fluidos:

Metano, GLP etc.

Referências:

STOECKER, W. F., e JONES, J. W. Refrigeração e Ar Condicionado, Editora


Mcgraw-Hill do Brasil,1985.

Wilen V., G. J., Sonntag, R. E. & Borgnakke, C. Fundamentos da


Termodnâmica. 5ª edição, São Paulo, Editora Edgard Blücher Ltda, 1995.

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