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Elenilton Neukamp*
Resumo:
Os primeiros escritos de Friedrich Nietzsche, pouco comentados, abordam a educação. Neles
o filósofo critica as instituições de seu tempo e duas tendências básicas em relação à cultura: a
tendência à universalização e a tendência à especialização. Tanto uma quanto outra são vistas
como extremamente nefastas, pois contribuem para a massificação e a mediocrização,
produzindo uma “barbárie cultivada”. Nietzsche propõe uma educação baseada no modelo
dos grandes mestres, que com sua grandeza e genialidade fariam com que toda sociedade se
elevasse culturalmente. Contra esta idéia de elevação cultural em prol da vida existem os
interesses dos negociantes, do Estado e da ciência, que vêem a educação apenas como um
meio para a obtenção de seus fins.
Introdução
Educar os educadores!
Mas os primeiros devem começar
Por se educar a si próprios.
E é para esses que eu escrevo.
*
Licenciado em Filosofia (UNISINOS), Mestrando em Educação (UFRGS), professor de Filosofia da rede
municipal de Porto Alegre – leleneukamp@yahoo.com.br
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São elas: David Strauss, o devoto e o escritor (1873), Da utilidade e desvantagem da história para a vida
(1874), Schopenhauer como educador (1874) e Richard Wagner em Bayreuth (1876).
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intelectualidade. Seus pensadores, então, foram para outros lugares, fora das fronteiras destes
Estados em disputa, onde forjaram um pensamento cosmopolita, preocupado sobretudo com
os rumos da cultura e alheio aos acontecimentos políticos. A derrota militar sofrida pela
Prússia em 1806 para as tropas de Napoleão, ajuda a criar a consciência de que é necessário
unir a nação. A forma que o Estado encontra para unificar a nação é através do processo
educativo, tornando a escolarização compulsória; educar todo povo torna-se o ideal. Por isso,
era obrigatória a formação inicial de três anos nas escolas preparatórias, ou “escolas
populares”, que depois davam acesso ao ginásio que durava nove anos.
Na conferência “Sobre o futuro dos nossos estabelecimentos de ensino” (1872)2
Nietzsche aborda as instituições de ensino e a educação de seu tempo, principalmente a
ministrada no ginásio (Gymnasium)3, pois para ele esta formação é essencial. Em sua análise,
duas tendências mostravam-se nefastas para os rumos das instituições pedagógias: a tendência
de ampliação cada vez maior da cultura, e a tendência à redução da cultura através da
especialização. Tanto uma quanto a outra tendência eram completamente equivocadas e
carregavam pressupostos e “métodos antinaturais de educação”.
A tendência à ampliação é a tentativa de universalização da cultura, de sua
extensão a grupos cada vez maiores. Para Nietzsche, esta é uma visão utilitária da cultura pois
está dominada por critérios quantitativos: procura-se estender a educação à maior quantidade
de pessoas possível, pois o mercado necessita delas.
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Trata-se de anotações para conferências que não foram proferidas, e que serviram de base para a elaboração de
Schopenhauer como educador.
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O Gymnasium equivale aos antigos ginásio e colegial, hoje 5ª a 8ª série do ensino fundamental e ensino médio
(antigo 2º grau) do currículo brasileiro (Cf. Dias, 2003, p. 17).
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(Giacóia, 2005, p. 68). O cientista, na sua especialidade “...está acima do vulgus, para tudo
mais, quer dizer, para tudo que é importante, não se mostra diferente deste” (Nietzsche, 2004,
p. 64).
Tanto uma quanto outra tendência vão formando um determinado público medíocre,
distante da verdadeira cultura, que terá no jornal seu ponto de confluência. O jornalista, “o
senhor do momento”, acaba substituindo os verdadeiros mestres da cultura e é no jornal que
os chamados eruditos (especialistas) irão divulgar seus pretensos saberes para o público. Estão
colocados todos os ingredientes para a formação de uma “pseudocultura”, que Nietzsche irá
chamar de “barbárie cultivada”.
Para Nietzsche a situação desanimadora da educação de seu tempo poderia ser
percebida pela leitura dos pedagogos, da pobreza de sua produção que mais pareceria uma
brincadeira de crianças. Exatamente na formação básica do ginásio, essencial, era onde
reinavam maus profissionais que não tinham a menor delicadeza para o trabalho pedagógigo,
para a “mais delicada das técnicas que poderia existir numa arte, a técnica da formação
cultural” (p.67). Mas como poderiam os professores realizar esta grandiosa tarefa, se eles
próprios não haviam sido “iniciados” em uma cultura nobre e superior? Nietzsche lamenta o
abandono do projeto de reforma do ensino iniciada no início do século XIX na Alemanha, que
objetivava um retorno à Antigüidade clássica e que havia sido abandonado principalmente na
proposta de formar os mestres do ginásio dentro da tradição dos antigos gregos.
A massificação e universalização da cultura acabaram gerando também um
número excessivo de estabelecimentos de ensino superior, todos voltados para a formação das
grandes massas. No entanto, Nietzsche defende a tese de que a natureza produz um número
extremamente limitado de homens para a cultura e por isso deveriam existir apenas algumas
instituições de ensino superior. Porém, o que se vê é o surgimento de mais e mais
estabelecimentos, onde irão lecionar mestres tão medíocres quanto seus alunos. À cultura de
massa Nietzsche contrapõe uma cultura voltada para o surgimento dos grandes gênios,
indivíduos que deixariam sua marca original para os tempos vindouros e serviriam como
parâmetro seguro para avaliar a grandeza de uma época.
Segundo Nietzsche a ampliação e o grande número de escolas serviam apenas aos
interesses do Estado que vinculava, assim, a formação nos ginásios com a obtenção de cargos.
O Estado moderno percebe que se financiar a produção e a difusão da cultura, pode utilizá-la
para seus fins. A cultura passa a ser considerada útil apenas se serve aos interesses do Estado,
diferentemente do que se passava na Grécia antiga quando o Estado era o “companheiro de
viagem” da cultura (p. 99). A elevação cultural com a finalidade de formar o gênio, a exceção,
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também mais produção, lucro e felicidade...” (Nietzsche, 2004, p.185). Desde esta perspectiva
a cultura seria a produção de uma certa inteligência comum, mediana, que formasse “o maior
número possível de homens correntes, no sentido que se fala de moeda corrente”, homens
dispostos a ganhar dinheiro. A cultura estaria voltada para a produção de necessidades para o
consumo; deve ser rápida, para formar o mais rápido possível homens que produzem e
consomem, pois no consumo está centralizada a busca da felicidade: “não se atribui ao
homem senão justamente o que é preciso de cultura no interesse do lucro geral e do comércio
mundial” (Nietzsche, 2004, p. 186).
Outro egoísmo é o do Estado, que incentiva a difusão da cultura para o maior
número possível de pessoas unicamente para servir-se delas em suas instituições e usá-las
como joguetes. Ele utiliza a imagem de um moinho, em que poderosas correntes de água são
desviadas para fazê-lo girar. O Estado é quem constrói os diques para utilizar toda esta
energia que do contrário poderia ser perigosa para sua sobrevivência.
O terceiro egoísmo é o de uma arte que poderia chamar-se “cosmética”. Através
de uma espécie de arte o que se tenta é embelezar o homem moderno, ornando-o, tornando
sua aparência mais atraente com a intenção de esconder seu vazio interior: “Com os detalhes
exteriores, a palavra, o gesto, com a decoração, o fausto e as boas maneiras, trata-se de
obrigar o espectador a uma falsa conclusão quanto ao conteúdo...” (Nietzsche, 2004, p. 187).
Os alemães haviam se tornado, dentro desta cultura de “gentilezas com que se enfeita a vida”,
como que “um material mole e disforme” pronto para qualquer manipulação (Nietzsche,
2004, p. 189). Esta tendência a uma cultura preocupada apenas com as belas formas teria suas
origens na pressa da vida moderna, onde os homens haviam se tornado os
incentivam este tipo de cultura, Nietzsche alia o egoísmo da ciência, que “é útil apenas a si
mesma, tanto quanto é nociva a seus servidores”. Diante das grandes questões humanas a
ciência silencia, e faz uso da cultura apenas para o seu progresso enquanto atividade, perdida
em abstrações esquece dos problemas da existência. A especialização e esta ausência de
reflexão distancia suas investigações e resultados da realidade, tornando-se extremamente
perigosa: “o que há de ser, em geral, a ciência, se não tem tempo para a civilização?
Respondei-nos, pelo menos aqui: de onde, para onde, para que toda a ciência, se não for para
levar à civilização? Ora, talvez então à barbárie! E nessa direção vemos já a comunidade
erudita pavorosamente avançada...” (Nietzsche, 1987, p. 20). A esta tendência à
especialização soma-se a estreiteza do campo de visão dos cientistas, “sagaz para as coisas
próximas, ao lado de uma grande miopia para o longínquo e o geral” (Nietzsche, 2004, p.
193).
As instituições aparentemente promotoras da cultura, no fundo nada sabem dos
propósitos de uma verdadeira cultura e agem apenas segundo seus interesses. O Estado
“somente a promove para promover a si mesmo”, os negociantes ao exigirem instrução e
educação querem “sempre em última análise o lucro” e “aqueles que têm necessidade de
formas...a única coisa clara...é que eles dizem sim a si mesmos, quando afirmam a cultura”.
Os eruditos impedem com sua ação o surgimento do gênio, pois a cultura para eles é apenas
utilitária e os grandes homens seriam uma ameaça à sua mesquinhez.
As instituições de seu tempo existiam para formar o funcionário, o erudito, o
“filisteu da cultura”, enquanto que as que eram necessárias criar deveriam preparar o
nascimento do gênio. Estas instituições do futuro seriam mais adequadas à natureza, para
aperfeiçoa-la e acelerar a vinda do filósofo. Mas que instituições seriam essas? Nietzsche não
deixa pistas muito claras, e após dez anos exercendo o magistério abandona sua cátedra e
passa a viver a vida de filósofo errante.
Referências bibliográficas
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