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São Paulo
2019
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1. A Opinião Pública como tema central da Sociologia do Conhecimento.
O ato de opinar não é só a ação de descrever ou falar sobre algo, mas uma tomada
de partido, um julgamento. A opinião é um imperativo da ação humana.
Os indivíduos orientam suas vidas com base nas opiniões de que eles têm das
coisas, a opinião que uma pessoa tem de algo vai ser o parâmetro do seu pensamento e
ação. Esse conjunto de opiniões que o indivíduo tem na cabeça formam um conjunto de
imagens, um mapa pelo qual se orienta.
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Nos termos de Walter Lippmann (1889-1974) na obra “Opinião pública.” (1922).
O mundo que temos que considerar está politicamente fora de nosso alcance,
fora de nossa visão e compreensão. Tem que ser explorado, relatado e
imaginado. O homem não é um Deus aristotélico contemplando a existência
numa olhadela. [...] E ainda assim esta mesma criatura inventou uma forma de
ver o que nenhum olho nu poderia ver, de ouvir o que ouvido algum poderia
ouvir, de considerar massas imensas assim como infinitesimais, de contar e
separar mais itens que ele pode individualmente recordar. Está apreendendo a
ver com sua mente vastas porções do mundo que ele não podia nunca ver, tocar,
cheirar, ouvir ou recordar. Gradualmente ele cria para si próprio uma imagem
credível em sua cabeça do mundo que está além de seu alcance. [LIPPMANN,
2008, p.40]
É importante enfatizar o fato de que os homens não entram em relação direta com
as coisas, entre os homens e as coisas existem imagens ou representações que
intermediam nossa experiência com o mundo, é como que se fosse necessário um médium
para entrar em contato com as coisas. Nós não experimentamos o mundo de forma direta
na sua facticidade, mas através dessas imagens e representações. É como que se
vivêssemos na caverna e só enxergássemos as coisas por meio dessas representações.
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dissimular, simular e ocultar um ente ou ação. Já a representação como aparecer significa
tornar-se visível, perceptível, revelar-se.
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mesmo tempo, transcendem a mera soma de imagens ou representações que os indivíduos
tomados isoladamente têm na cabeça. Essas imagens e representações comuns são
herdadas, transmitidas e introjetadas pelo indivíduo no processo socialização onde opera
a opinião pública.
Como há de se entender este predomínio? A maior parte dos homens não têm
opinião, e é preciso que esta lhe venha de fora a pressão, como entra o
lubrificante nas máquinas. Por isso é preciso que o espírito - seja qual seja -
tenha poder e o exerça, para que a gente que não opina - e é a maioria - opine.
Sem opiniões, a convivência humana seria o caos; menos ainda: o nada
histórico. Sem opiniões, a vida dos homens careceria de arquitetura, de
organicidade. Por isso, sem um poder espiritual, sem alguém que mande, e na
medida que isso seja necessário, reina na humanidade o caos. E paralelamente,
toda deslocação de poder, toda mudança de imperantes, é ao mesmo uma
mudança de opiniões, e, consequentemente, nada menos que uma mudança de
gravitação histórica. [ORTEGA Y GASSET, 2005, p.205-206]
O grande número não formula as suas próprias opiniões sobre o mundo, elas são
antes resultado de um longo processo de difusão e propagação de diversas correntes de
opinião até que entre essas diversas correntes de opinião concorrentes e conflitantes uma
corrente se configura como a dirigente intelectual e moral da vida coletiva, tendo por sua
vez a supremacia ou primazia sobre as diversas opiniões particulares dos indivíduos ou
grupos. Tal opinião se denomina opinião pública.
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O que eu admito como justo, bom e belo só é socialmente bom, belo e justo se os
outros julgarem da mesma forma. O julgamento da opinião pública tem primazia sobre o
juízo particular.
Para Elias as diferentes opiniões singulares estão sujeitas a uma base comum, a
opinião pública, que não é apenas o consenso sobre certas questões públicas ou temas
comuns. A opinião pública é descritiva e prescritiva, ela não só descreve as coisas comuns
e suas relações públicas, mas também ordena publicamente um tipo de postura, conduta
e opinião.
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A opinião pública é um fato social que se enquadra perfeitamente na definição
clássica de Émile Durkheim (1858-1917) apresentada na obra “As Regras do método
sociológico” (1895).
Um todo não é idêntico à soma de suas partes, ele é alguma outra coisa cujas
propriedades diferem daquelas que apresentam as partes de que é formado. [...]
Em virtude desse princípio, a sociedade não é uma simples soma de indivíduos,
mas o sistema formado pela associação deles representa uma realidade
específica que tem seus caracteres próprios. Certamente, nada de coletivo pode
se produzir se consciências particulares não são dadas; mas essa condição
necessária não é suficiente. É preciso também que essas consciências estejam
associadas, combinadas, e combinadas de certa maneira; é dessa combinação
que resulta a vida social e, por conseguinte, é essa combinação que a explica.
Ao se agregarem, ao se penetrarem, ao se fundirem, as almas individuais dão
origem a um ser, psíquico se quiserem, mas que constitui uma individualidade
psíquica de um gênero novo. [DURKHEIM, 2007, p.105]
A opinião pública não é idêntica à soma das opiniões particulares do mesmo tipo,
ele se difere não só quantitativamente, mas qualitativamente da opinião particular. Ela
apresenta uma natureza sui generis, uma realidade que antecede e transcende a somatória
das opiniões particulares. A opinião pública não é formada pela agregação consensual de
opinião particulares, mas pela associação das opiniões particulares que formam um ser de
natureza diferente das opiniões particulares que a compõem, um Ser social com uma
individualidade psíquica ou personalidade que exerce autoridade moral sobre as opiniões
particulares e ao mesmo tempo penetra em cada psique individual. Certamente, não se
pode produzir a opinião pública sem as opiniões particulares, mas apenas a somatória ou
agregação de opiniões particulares não resulta na opinião pública. É preciso que as
opiniões particulares transcendam a agregação e se associem, e dessa combinação resulta
a opinião pública.
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No texto “Sociologia (1901)” de Paul Fauconnet (1874 -1938) e Marcel Mauss
(1872- 1950). Eles demonstram a importância da opinião pública. O mundo social do
homem é o mundo da opinião, especificamente, o mundo da opinião pública.
Para empregar a linguagem corrente, poder-se-ia dizer que toda a força dos
fatos sociais lhes advém da opinião. E a opinião que dita as regras morais e
que, direta ou indiretamente, as sanciona. [...] Tudo se passa na esfera da
opinião pública; mas esta é propriamente aquilo que chamamos o sistema das
representações coletivas. Os fatos sociais são, pois, causas porque são
representações ou atuam sobre as representações. O fundo íntimo da vida
social é um conjunto de representações. [MAUSS, 2001, p.20]
A força dos fatos sociais advém da opinião pública, ela que explicita as regras
morais ditando quais devem ser as posturas, condutas e opiniões do indivíduo dentro da
sociedade. As próprias leis positivas são sancionadas direta ou indiretamente pela opinião
pública. A vida social se passa dentro do sistema de imagens ou representações
produzidas pela opinião pública. O fato social é a opinião pública que atua sobre as
opiniões particulares, sobrepondo as representações coletivas sobre as representações
individuais.
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comunicação humana é impossível. Os indivíduos só conseguem se comunicar por sinais
e imagens compartilhados.
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força que transcende o indivíduo, são sinais e imagens que antecedem o nascimento do
próprio indivíduo e continuarão a existir depois da sua morte. As representações sociais
não são apenas sinais e imagens que descrevem seletivamente a realidade, mas sinais e
imagens de comando. As representações sociais são descritivas e prescritivas.
Sendo a opinião pública um fato social, eu penso que o estudo da opinião pública
é melhor empreendido pela sociologia do conhecimento, já que ela não reduz o
pensamento ao plano teorético. A sociologia do conhecimento é um ramo híbrido
formado pela binômio gnose-sociedade que busca compreender as relações entre
conhecimento e existência social. Ela busca antes compreender o senso comum, a vida
ordinária, do que contar a história das ideias ou dos intelectuais, demonstrando quais são
os elementos do fato social que condicionam os pensamentos e ações. Nos termos desse
estudo, a sociologia do conhecimento demonstra que a opinião dos indivíduos é antes
uma expressão subjetiva dos juízos de valor da sociedade do que uma idiossincrasia. O
indivíduo introjeta os juízos de valor da sociedade, a opinião pública, e os expressa em
palavras e atos.
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de sondagem matemática dos “cientistas políticos”. A sociologia do conhecimento é, em
parte, o estudo daquilo que o “cientista político” recalcou como dado do “inconsciente
social” pelo fato do seu instrumental analítico não ser capaz de abordar a vida do homem
comum. As “teorias” dos “cientistas políticos” foram feitas para tratar da vida dos
políticos profissionais, operadores do direito e burocratas.
A vida social é constituída das coisas políticas que são, por sua natureza, sujeitas
ao juízo de valor, sobretudo, sujeitas à opinião pública. É da essência das coisas políticas,
elas existirem sem neutralidade, não se pode compreende-las sem levar a sério os
julgamentos e opiniões dos homens.
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A disputa sobre o que é o bem, a justiça e a beleza é polêmica e gera conflitos, e
só uma opinião pública ou comum sobre o bem pode evitar que os indivíduos se
entredevorem numa luta estéril de todos contra todos. É a opinião pública o árbitro
primordial dos conflitos políticos, e não os aparatos repressivos de Estado. Isso quer dizer
que a censura moral nasce com a própria sociedade e opera através da opinião pública, a
censura não é um elemento extrínseco à sociedade ou uma invenção do Estado.
Quando os homens formam uma opinião comum sobre aquilo que deve ser o bem
e o mal, a justiça e a injustiça, o belo e feio e, por fim, separamos os amigos dos inimigos
nasce a sociedade. A ação humana é orientada por algum pensamento acerca do que é o
melhor e o pior. Isso implica ter um juízo de valor sobre o bem, tal juízo de valor é
expresso como opinião. E quando os homens comungam do mesmo julgamento sobre o
bem se forma a opinião pública. Dessa opinião pública surge o pensamento político ou
pensamento social, o pensamento político surge com a sociedade, ele não aparece a partir
de uma entidade externa ao social. O político é intrínseco ao fato social. O pensamento
político é coevo à vida social.
Com efeito, a ordem política é, antes de tudo, uma ordem mental e as estruturas
políticas existem, em grande parte, sob a forma de representações sociais
incorporadas em cada agente social ... [CHAMPAGNE, 1996, p.24-5]
A ordem política antes de ser uma grande organização composta por diversos
aparatos de poder ou instituições, ela é uma ordem mental que se estrutura socialmente a
partir de opinião comum sobre a vida em sociedade, em outros termos, é uma ordem que
se embasa na opinião pública.
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O indivíduo aceita ou se conforma à opinião pública, não pelo fato dela ser
“verdadeira” ou “falsa”, mas por ser necessidade de ajustamento ao meio social.
A opinião pública não é uma massa amorfa modelada de acordo com a vontade
dos mais fortes, astutos ou espertos, ele reage diante das vontades arbitrárias. O juízo da
opinião nunca é imparcial, o julgamento público é parcial e seletivo. Ele só adere ou aceita
juízos ou opiniões que estão em consonância ou conformidade. Por isto que existe uma
tendência da opinião privada dissonante se calar diante do público.
O termo Economia (oikonomía) deriva das palavras gregas oikos (casa) e nomos
(norma). A economia são as normas que regem o lar visando o bem-estar familiar. Já a
Economia Política significa as normas que regem a sociedade visando o bem comum ou
bem-estar social. Disso não deduz que o Estado seja uma grande família, e menos ainda
que o governo seja o grande pai.
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Mesmo que houvesse entre o Estado e a família tantas relações quantas
pretendem inúmeros autores, não se poderia concluir daí que as regras de
conduta apropriadas a uma dessas duas sociedades fossem convenientes à
outras; elas diferem demasiadamente em tamanho para poderem ser
administradas da mesma maneira e haverá ainda uma diferença extrema entre
o governo doméstico, no qual o pai pode ver tudo por si mesmo, e o governo
civil, no qual o chefe quase tudo vê pelos olhos de outrem. Para que as coisas
se tornassem iguais a esse respeito, seria preciso que os talentos, a força e todas
as faculdades do pai aumentassem em razão do tamanho da família e que a
alma de um monarca poderoso estivesse para a de um homem comum assim
como a extensão de um império para a herança de um particular.
[ROUSSEAU, 1958, V.I, p.285]
E a grande diferença entre o pai e o governo reside no fato do pai necessitar apenas
da própria opinião, ele é capaz de ver tudo o que acontece no seu lar ou família. Já o
governo nunca pode contar apenas com a sua opinião particular, ele não tem a capacidade
de ver por si mesmo tudo o que aconteceu no seu território, o governo não é um pan-
óptico que pode ver tudo o que acontece dos mais diversos ângulos. Essa ideia de
governar como um pan-óptico é um desejo totalitário. O governo só vê pelos olhos dos
outros, ou seja, ela só pode governar através do juízo público da opinião pública. O
governo só consegue enxergar pelos olhos da opinião pública. São os olhos da opinião
pública que freiam os desejos megalomaníacos dos políticos que se consideram um ser
onisciente, onividente, onicompetente e onipresente. O melhor guia para o bem-estar
social é a opinião pública. Disso não se deduz que ela seja perfeita.
O pater familias deve sempre seguir as opiniões particulares que são derivadas da
inclinação natural, e não deixar que a sua natureza seja corrompida pelas forças estranhas
ao seio familiar. Mas no caso do governo, ele deve escutar antes a opinião pública do que
seguir a própria opinião derivada das suas inclinações particulares, o governo deve
colocar o julgamento público acima da sua vontade particular. O melhor modo de
governar é governar pela opinião pública.
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felizes, seus direitos não poderiam derivar-se da mesma fonte, nem as mesmas
regras de conduta convirem a ambas. [ROUSSEAU, 1958, V.I, p.287]
No pater familias o pai exerce uma autoridade natural sobre os filhos, e por isso
que a sua opinião particular é o melhor parâmetro para o bem-estar familiar. Na sociedade
ou corpo político as coisas devem ocorrer de modo diferente da família para se alcançar
o bem-estar social. O corpo político ou a sociedade não é constituído pela somatória das
vontades particulares, em outros termos, ele não é estruturado pela agregação dos diversos
patres familias. Por isso que a sociedade não é uma grande família, mas uma
personalidade moral.
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nenhum órgão pode substituir o outro ou ter uma função diferente. Isso significaria uma
patologia que pode desencadear a anomia geral.
O corpo político é, pois, também, um ser moral que possui uma vontade; essa
vontade geral, que tende sempre à conservação e ao bem estar do todo e de
cada parte, e que constitui a fonte das leis, é para todos os membros do Estado,
em relação a si próprios e a ele, a regra do justo e do injusto. [ROUSSEAU,
1958, V.I, p.288]
Quando Rousseau fala em Estado não está se referindo ao governo que é apenas
um órgão composto de funcionários que devem servir o soberano, a sociedade. O
soberano não é um grupo ou personalidade, mas a própria personalidade moral do corpo
político. Rousseau concebe o Estado como os clássicos gregos concebiam a Cidade de
Atenas ou Esparta, ou seja, Estado como sinônimo de corpo político ou sociedade.
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Em Jean-Jacques Rousseau a política não é um poder extrínseco colocado acima
da sociedade como um alienígena ou corpo estranho, mas um poder intrínseco ao próprio
fato social que se forma na coexistência humana.
Por isso que para Rousseau a questão primordial da política é a mesma questão
primordial da sociedade, a questão sobre quais são os poderes que originam e conservam
a sociedade. Sendo de importância secundária as perguntas sobre o funcionamento do
governo ou tipo de governo.
Nos termos da obra “Do Contrato Social ou Princípios do Direito Político” (1762).
“Mesmo, pois, se dispostos a aceitar, como quer Grotius, que “um povo pode dar-se a
um rei”, deveríamos, antes de examinar esse ato de insólita alienação, conhecer aquele
outro e anterior “ato pelo qual um povo é povo”, isto é, a convenção de que se origina,
não o poder, mas a sociedade.” [ROUSSSEAU, p.11]
A vontade geral, aquilo que origina e move o corpo político, não resulta da
somatória da agregação das vontades particulares ou da vontade de todos. A agregação
de vontades particulares iguais não resulta na vontade geral, mas na vontade de todos. A
vontade geral resulta da associação das vontades particulares que formam uma
personalidade moral sui generis diferente da soma das personalidades individuais. Essa
personalidade moral exerce uma pressão psicológica sobre as vontades particulares para
que elas cumpram as normas. É dentro dessa lógica apresentada por Rousseau da
formação da vontade geral que origina o corpo político que posteriormente, Émile
Durkheim (1858-1917) vai desenvolver o conceito de fato social apresentado na obra “As
Regras do método sociológico” (1895).
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Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é
capaz de exercer sobre os indivíduos; e a presença desse poder se reconhece,
por sua vez, seja pela existência de alguma sanção determinada, seja pela
resistência que o fato opõe a toda tentativa individual de fazer-lhe violência.
[...]Pode-se defini-lo igualmente: uma maneira de pensar ou de agir que é geral
na extensão do grupo, mas que existe independentemente de suas expressões
individuais. [DURKHEIM, 2007, p.10]
O fato social demonstra que a sociedade não é igual à soma dos fatos psicológicos
ou a agregação das personalidades individuais. A soma dos fatos psicológicos ou
personalidades individuais resulta numa multidão, e não numa sociedade. A sociedade
não é formada pela agregação de indivíduos, mas pela associação dos fatos psíquicos que
formam um ser psíquico sui generis diferente da somatória das psiques individuais. Nos
termos do Contrato Social de Rousseau “O que existe de comum nesses vários interesses
forma o liame social e, se não houvesse um ponto em que todos os interesses
concordassem, nenhuma sociedade poderia existir.” [ROUSSEAU, 1962, p.35] A
sociedade tem uma vontade geral, uma consciência coletiva e, sobretudo, uma
personalidade moral que exerce coerção ou pressão psicológica sobre os atos, posturas e
opiniões individuais. E é a opinião pública que explicita essa coerção moral ou pressão
psíquica da sociedade sobre os atos, posturas e opiniões individuais.
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“A coisa só muda de aspecto quando a opinião pública, como se diz, se apropria
do assunto. Então nos tomamos mais exigentes e mais ativos. Mas é a opinião pública
que fala por nossa boca; agimos sob a pressão da coletividade, não como indivíduos.”
[DURKHEIM, 2000, p.408]
Uma coisa passa a ter um valor negativo ou positivo de acordo com a opinião
pública. Os homens julgam antes de acordo com a sociedade do que com a própria
opinião, é a opinião pública que fala pela boca do indivíduo.
Durkheim na obra “Da divisão do trabalho social” (1897) demonstra que a força
dos costumes e da opinião pública sobre a psique dos indivíduos - a coerção moral ou
pressão psicológica - é tão importante para a coesão da sociedade que chega a ser mais
importante do que o uso legal da força. Se não existisse os costumes e a opinião pública
para regular as relações humanas, só haveria repressão física.
“Há estados menos fortes ou mais vagos da consciência coletiva que fazem sentir
sua ação por intermédio dos costumes, da opinião pública, sem que nenhuma sanção
legal seja vinculada a eles e que, no entanto, contribuem para assegurar a coesão da
sociedade.” [DURKHEIM, 1999, p.127-128]
[...] a sociedade têm verdadeiramente uma natureza própria, que ele determina
nos indivíduos certas maneiras de sentir, de pensar e de agir, e que estes
indivíduos não teriam nem as mesmas tendências nem os mesmos hábitos nem
os mesmos preconceitos se houvessem vivido no meio de outros grupos
humanos. Ora, esta conclusão pode ser generalizada. Entre as ideias que teria,
os atos que realizaria um indivíduo isolado, e as manifestações coletivas, há tal
abismo que estas últimas devem ser referidas a uma natureza nova, a forças
sui generis: caso contrário, permaneceriam incompreensíveis. [MAUSS, 2001,
p.6]
A opinião pública é um fato social e por isso tem uma natureza própria e age como
uma força sui generis que molda o juízo valor ou opiniões dos indivíduos. Os indivíduos
não teriam as mesmas opiniões, posturas e atos se não vivessem em sociedade. A opinião
pública exercer uma coerção moral ou pressão psicológica sobre os indivíduos, fazendo
com que em cada opinião particular seja acrescentada a opinião pública. A pressão da
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opinião pública sobre os indivíduos é uma das formas pela qual a personalidade moral da
sociedade, o Ser Social, é introjetado no aparato psíquico.
Uma opinião é considerada um fato social ou parte da opinião pública quando ela
é generalizada, e tem o poder de exercer coerção moral ou pressão psicológica sobre as
demais opiniões.
Para empregar a linguagem corrente, poder-se-ia dizer que toda a força dos
fatos sociais lhes advém da opinião. E a opinião que dita as regras morais e
que, direta ou indiretamente, as sanciona. E pode-se mesmo dizer que toda
mudança nas instituições é, no fundo, uma mudança na opinião: é porque os
sentimentos coletivos de compaixão para com o criminoso entram em luta com
os sentimentos coletivos que reclamam a pena que o regime penal se ameniza
progressivamente. Tudo se passa na esfera da opinião pública [...] [MAUSS,
2001, p.20]
A opinião pública explicita as regras de conduta social e opera como censor que
policia os bons costumes. Todos os nossos atos, posturas e opiniões particulares são
julgados pelo tribunal da opinião pública. As grandes mudanças políticas e sociais são,
no fundo, consequências da mudança na opinião pública. Quando se muda publicamente
o julgamento sobre uma coisa, a natureza social dessa coisa se modifica visivelmente.
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opinião pública gera a morte social ou o assassinato de reputação. Onde o indivíduo não
tem mais valor social e o seu Ego não existe mais socialmente, ele praticamente deixa de
existir. Um clássico exemplo de punição operada pela opinião pública é o ostracismo, o
desterro da vida em sociedade.
A opinião pública demonstra que existem opiniões comuns, opiniões que são obra
da comunidade. Essas opiniões agem sobre os próprios indivíduos com autoridade moral.
Demonstrando que em cada opinião individual tem algo de social.
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A opinião pública influência diretamente na vida economia mais do que os
utilitaristas e materialistas supõem. A vida material dentro do convívio social é eivada de
representações sociais que o cálculo matemático não pode captar. Seja qual for a maneira
pela qual a vida econômica esteja materialmente organizada o valor dos bens, recursos e
serviços sempre dependerá da opinião pública.
O valor de troca - o valor social - é o equivalente geral pelo qual todos os bens,
recursos e serviços são intercambiados ou trocados. Esse valor de troca depende da
opinião pública, é a fidúcia pública que garante a existência do valor da moeda. Uma
moeda sem fidúcia social é uma moeda sem valor.
Como essa valor que neles se reconhece não teria dado, a quem o possui, poder
de obter ações e coisas dos outros homens, por meio da cessão parcial
apropriada dessa riqueza por excelência? Aqui, ainda, contudo sobre o que se
funda essa avaliação de uma coisa “que serve apenas para poder obter algo que
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serve para tudo”, senão sobre a opinião, sobre a crença que dá a ela um valor
superior a tudo [...] a base é uma crença social, uma fé social. É comum se
opor a moeda lastreada em metal precioso e moeda dita fiduciária. Percebemos
agora que toda moeda é “fiduciária”. O ouro, hoje em dia, é apenas a primeira
das moedas fiduciárias: nada mais que isso, mas também nada menos.
[SIMIAND, 2018, p.101-103]
A moeda está antes lastreada na crença coletiva ou fidúcia pública do que num
metal precioso, ela existe antes como realidade social do que puro dado material. É na
fidúcia pública que reside o poder da moeda nacional.
A opinião pública é uma força exterior aos indivíduos que exerce coerção moral
ou pressão psicológica sobre os seus atos, posturas e opiniões, ela é a censura social que
desempenha o papel de policia dos bons costumes. Viver em sociedade é estar policiado
pela opinião pública.
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O artigo “Da Economia Política” (1755) de Jean-Jacques Rousseau demonstrou
que a autoridade absoluta é aquela que penetra no interior do homem, e não aquela que
se sustenta superficialmente pela riqueza, armas e leis positivas.
A mais absoluta autoridade é aquela que penetra até o interior do homem e não
se exerce menos sobre a vontade do que sobre as ações. É verdade que os
povos, com o decorrer dos tempos, transformam-se naquilo que os governos
desejam – guerreiros, cidadãos, homens, quando o querem, ou populaça e
canalha quanto lhes apraz. Todo o príncipe que despreza seus súditos, desonra-
se a si mesmo, mostrando que não soube torná-los estimáveis. Formai, pois,
homens, se desejais dar ordens a homens; se quiserdes que obedeçam às leis,
fazei com que sejam amadas e, para que se faça o que se deve, basta pensar
que se deve fazê-lo . Tal a grande arte dos governos antigos nos tempos de
antanho, em que os filósofos ditavam leis aos povos e só empregavam sua
autoridade para torná-los sábios e felizes. [ROUSSEAU, 1958, V.I, p.294]
O poder absoluto é aquele que penetra no âmago do indivíduo agindo sobre sua
psique. Tal poderio não é conquistado se utilizando das armas, riqueza e leis positivas,
ele só pode ser conquistado através dos costumes e da opinião pública. “[...] a maior
fonte de autoridade pública reside no coração dos cidadãos e que, para a manutenção
do governo, nada pode substituir os costumes.” [ROUSSEAU, 1958, V.I, p. 294]
A opinião pública atua antes sobre as intenções do que sobre os resultados das
ações. Caso deseje diminuir a criminalidade é necessário antes de se reforçar as leis e os
aparatos repressivos, fazer com que a opinião pública condene o crime como algo mal e
injusto. Para fazer com que um indivíduo mude o seu caráter ou personalidade, é
necessário que ele antes modifique suas opiniões. O uso da força pode reprimir suas
ações, mas não reprimir o seu caráter. É agindo sobre as opiniões do indivíduo que se
modifica sua personalidade. Aquele que deseja modificar o caráter de um povo deve saber
que armas, dinheiro e Leis positivas não são suficientes, para se modificar a personalidade
de um povo é necessário ser capaz de dirigir intelectualmente e moralmente a opinião
pública
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Foi José Ortega y Gasset (1883-1955) que melhor demonstrou o poder social da
opinião pública. Ortega y Gasset na obra “História como Sistema” (1941) demonstrou
que quando uma opinião é compartilhada pelo grande número, ela têm uma realidade
independente do consenso dos indivíduos sendo uma força que se coloca acima das
vontades particulares. “[...] quando alguma coisa constitui uma opinião coletiva ou
social, ela é uma realidade independente dos indivíduos, que se situa fora deles como as
pedras se situam fora da paisagem, e com a qual os indivíduos, independentemente da
sua vontade, têm que contar.” [ORTEGA Y GASSET, 1982, p.31]
Nossa opinião pessoal poderá ser contrária à opinião social, mas isso não lhe
tira nem uma grama da sua realidade. O que é especifico, o constitutivo da
opinião coletiva, é que sua existência não depende de que seja ou não aceitada
por um indivíduo determinado. Partindo da perspectiva de cada vida
individual, aparece a crença pública como se fosse uma coisa física. A
realidade, por assim dizer, tangível da crença coletiva não consiste em que eu
ou você a aceitemos, mas, ao contrário, ela é a que, com ou sem o nosso
beneplácito, nos impõe sua realidade e nos obriga a contar com ela. A esse
caráter da fé social, dou o nome de vigência. Diz-se que uma lei é vigente
quando seus efeitos não dependem de que eu a reconheça, senão que atua e
opera prescindindo da minha adesão, posto que, igualmente do que acontece
com a crença coletiva, para existir e gravitar sobre mim, e até para esmagar-
me, não precisa que eu, individuo determinado, acredite nela. [ORTEGA Y
GASSET, 1982, p.32]
[...] o imenso conjunto da opinião pública que nos penetra e se insufla em nós,
que quase nos enche por dentro e que sem cessar nos oprime de fora. Advém,
pois, que vivemos, desde que vemos a luz, submersos em um oceano de usos,
que estes são a primeira e mais forte realidade com que nos encontramos: são
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sensu stricto, o nosso contorno ou o mundo social, são a sociedade em que
vivemos. Através desse mundo social ou de usos, vemos o mundo dos homens
e das coisas, vemos o Universo. [ORTEGA Y GASSET, 1973, p.224-225]
Nós vivemos imersos nesse mundo social onde a opinião pública se infiltra por
todos os poros da nossa psique, tal mundo é a primeira realidade que encontramos ao
nascer e sua força é sentida como um ente externo que está acima de nós, mas que
necessitamos dela para viver. Antes de enxergar o mundo pelos próprios olhos, nós
enxergamos o mundo pelos olhos da sociedade. Antes de termos uma opinião particular
sobre alguma coisa, nós temos uma opinião pública sobre as coisas.
Há, pois, uma diferença radical entre a opinião particular de um grupo, - por
mais enérgico, proselitista e combatente que seja, - e a opinião pública, isto é:
a opinião efetivamente estabelecida e com vigência. Para que esta se afirme,
ninguém tem de preocupar-se em sustê-la, por si mesma e sem necessidade de
defensores, enquanto é vigente, predomina e impera, ao passo que a opinião
particular não tem existência, senão estritamente na medida em que um, vários
ou muitos se dão ao trabalho de sustenta-la.” [ORTEGA Y GASSET, 1973,
p.296]
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dada conjuntura política. Eles confundem a somatória da agregação de opiniões
particulares do mesmo tipo com a opinião pública que tem um substrato social, e cuja a
vigência não depende necessariamente da adesão individual para existir. A opinião
pública é social porque não é dependente da adesão das multidões para existir, ela existe
porque se impõe aos indivíduos como uma realidade concreta. Por isso que a opinião
pública tem uma realidade diferente da opinião particular assim como o fato social tem
uma realidade diferente do fato puramente individual.
[...] a idéia mesma de vigência, alfa e ômega de toda a Sociologia, mas que
não é fácil de ver e, mesmo uma vez vista, propende a escapar da nossa
intelecção. Insisto em que os seus dois mais assinalados caracteres são estes: I
- A vigência social, seja de que origem for, não se nos apresenta como algo
que depende de nossa individual adesão; mas, pelo contrário: é indiferente à
nossa adesão, está ai, temos de contar com ela e exerce, portanto, sobre nós, a
sua coação - pois, já é coação o simples fato de que, queiramos ou não,
tenhamos de contar com ela; II – Vice-versa: em qualquer momento podemos
recorrer a ela, como a uma instância de poder, na qual nos apoiemos.
[ORTEGA Y GASSET, 1973, p.298]
A vigência é um atributo qualitativo daquilo que faz parte do fato social. Logo, a
vigência social de uma opinião ou juízo de valor é algo que não é está restrito à adesão
individual, e transcende a soma dos aderentes particulares colocando-se como uma força
externa e coletiva que exerce uma coerção moral ou pressão psicológica sobre os
indivíduos aderentes ou recalcitrantes. E ao mesmo tempo, é essa força social que o
indivíduo deve se apoiar para vencer os seus obstáculos.
A sociedade é um poderio que se expressa como opinião pública que por um lado
se impõe aos indivíduos, por outro lado, é aquilo que ampara a própria existência
individual. A sociedade é obstáculo e recurso simultaneamente.
27
Convém distinguir entre um fato ou processo de agressão e uma situação de
mando. O mando é o exercício normal da autoridade. O qual se funda sempre
na opinião pública - sempre, hoje como há dez mil anos, entre os ingleses como
entre os botocudos -. Jamais alguém mandou na terra nutrindo seu mando
essencialmente de outra coisa que não fosse a opinião pública. Ou acredita-se
que a soberania da opinião pública foi um invento feito pelo advogado Danton
em 1789 ou por S. Tomás de Aquino no século XIII? A noção desta soberania
terá sido descoberta aqui ou ali, nesta ou naquela data; mas o fato de que a
opinião pública é a força radical que nas sociedades humanas produz o
fenômeno de mandar, é coisa tão antiga e perene como o próprio homem.
Assim, na física de Newton a gravitação é a força que produz o movimento. E
a lei da opinião pública é a gravitação universal da história política. Sem ela,
nem a ciência histórica seria possível. Por isso muito agudamente insinua
Hume que o tema da história consiste em demonstrar como a soberania da
opinião pública, longe de ser uma aspiração utópica, é o que pesou sempre e a
toda hora nas sociedades humanas.” [ORTEGA Y GASSET, 2005, 202-203]
28
Sería grave error interpretar el fenómeno de poder social predominante como
mera relación de violencia material. El poder social es cosa muy distinta de la
fuerza física. Aun cuando al poder jurídico le sea dada esencialmente la
facultad de acudir a resortes de fuerza material para imponer el cumplimiento
de una norma al rebelde individual, el poder jurídico no es fuerza física. Los
resortes de fuerza corporal y mecánica son meros instrumentos que maneja el
poder jurídico, precisamente por ser poder jurídico. Ahora bien, normalmente,
se tiene el poder jurídico, se manda en el Estado, porque se tiene un efectivo
poder social. No se manda porque se disponga de las armas, sino que se dispone
de las armas porque efectivamente se-manda, es decir, porque efectivamente
se tiene un poder social máximo. La raíz del poder social está constituida por
los factores psicológicos. Todo poder social, normalmente ejercido, se funda
sobre el reconocimiento del mismo por parte de quienes a él se someten.
[RECASÉNS SICHES, 1991, p.596]
É um grave erro tratar o poder social como sinónimo de violência física, o poder
social compreende cosias que estão além da própria força física ou do uso legal da força
dos aparatos repressivos de Estado. A raiz do poder social reside antes em fatores
psicológicos do que na disposição de armas. Tais fatores psicológicos de ordem coletiva
são os costumes e, sobretudo, a opinião pública.
O autentico poder social está embasado antes na opinião pública do que no uso
legal da força. O próprio sistema jurídico ou o direito positivo repousa na opinião pública.
As Leis positivas que não se apoiam no poder social – os costumes e a opinião pública -
não têm força para vigorar, e a lei que não tem vigência social é apenas letra morta. Para
mandar no grande número não basta dispor de boas leis e boas armas, é necessário que
esses indivíduos estejam sob o julgo da opinião pública. O líder é o primeiro que deve
pagar tributos à opinião pública se quiser mandar.
29
O ato de mandar não é um ato ofensivo ou extravagante, mas o ato pacífico de
fazer com que os outros façam as coisas que se quer. O mando não viola o evolver social
da vida dos indivíduos. O trono ou governo de um líder repousa antes no poder social da
opinião pública do que nas boas leis e boas armas.
O poder político que não se apoia na opinião pública, mas se apoia exclusivamente
nas armas e nas leis positivas, a única coisa que ele pode fazer é violentar a sociedade.
Cedo ou tarde, ele vai cair.
Por otra parte, debe evitarse a toda costa el error de interpretar el fenómeno de
poder social predominante como pura relación de violencia material. El poder
30
social es cosa muy distinta de la fuerza física. En definitiva, el poder social se
funda sobre factores de conciencia. No consiste puramente en la posesión de
la fuerza, sino en la obediencia de las personas. Todo poder social se apoya, en
último término, sobre el reconocimiento del mismo por quienes a él se
someten, en suma, sobre la opinión pública predominante. Quien ejerza
exclusivamente la fuerza material podrá dirigir una agresión contra un pueblo,
incluso mantenerla algún tiempo, pero propiamente no ejercerá un mando
político sobre ese pueblo. […] El Estado, en definitiva, es el estado de la
opinión pública. Quien manda jurídicamente dispone de toda la fuerza para
imponer sus normas a los rebeldes. Pero el hecho global de su mando, o, lo que
es lo mismo, el fundamento del sistema político y del orden jurídico, del
régimen como totalidad, na puede ser la fuerza, sino que debe ser una adhesión
de la comunidad. ” [RECASÉNS SICHES, 1997, p.268-269]
Quanto se reduz o poder social à violência física se esquece que existe uma
diferença entre o uso legal da força e a pura violência. O uso da força antes de ser legal
deve ser legitimado socialmente.
O poder público ou poder social não se restringe ao uso legal da força pelos
aparatos repressivos de Estado, ele é composto, sobretudo, pelos elementos sociológicos,
em especial, os costumes e a opinião pública. O poder público deve traduzir em ação
coletiva aquilo que a opinião pública defende de forma enérgica.
[...] o poder público supõe sempre atrás de si uma opinião que seja
verdadeiramente pública, portanto: unitária, com robusta vigência. Quando tal
não acontece, em vez de opinião pública nos encontramos somente com a
opinião particular de grupos, os quais geralmente se associam em dois grandes
conglomerados de opinião. Quando tal acontece é que a sociedade se cinde, se
parte ou se dissocia; então, o poder público deixa de sê-lo, fragmenta-se ou se
parte em partidos. É a hora da revolução e da guerra civil. [ORTEGA Y
GASSET, 1973, p.301]
O poder público antes de ser ação estatal é a práxis da opinião pública. Quando
não existe opinião pública não é só o poder público que deixou de existir, mas a própria
sociedade. A sociedade se fragmentou numa miríade de facções com opiniões sectárias
onde não é possível conciliar ou encontrar um ponto pacífico para formar a opinião
pública. Não havendo a existência da opinião público o grande número fico à mercê da
vontade particular dos mais fortes, astutos e espertos. É o momento da luta de todos contra
todos onde os homens se entredevoram.
31
A opinião pública só deixa de existir no estado de anomia social onde impera a
luta de todos contra todos. Nesse estado onde os homens se entredevoram não existe
sociedade, mas aglomeração de massas. A massa não é um dado pré-fato social, mas o
resultado do estado de anomia. O estado de anomia foi muito bem explicitado e
sintetizado por um dos pais fundadores da sociologia, Émile Durkheim (1858-1917), na
obra “O suicídio: estudo de sociologia” (1897).
A anomia é a situação onde as regras sociais não exercem mais coerção moral ou
pressão psicológica sobre as condutas, posturas e opiniões dos indivíduos diante do
crescimento insuportável da corrupção, vícios, delinquência e crimes. Restando somente
a força da lei, ou seja, os aparatos repressivos de Estado para garantir a ordem, mas
mesmo com a hipertrofia dos poderes estatais e reforço punitivo das leis, o Estado sozinho
não é capaz de garantir a Ordem. Numa situação de anomia não existe mais autoridade
moral da opinião pública, já não existe o censor social capaz policiar os atos, posições e
opiniões dos indivíduos, não existe mais o tribunal da opinião pública para julgar a
reputação dos homens. O estado de anomia significa o fim do bem público, aquilo que
havia em comum entre os indivíduos foi dilacerado. Não existe mais os elos da coesão
social, só existe uma massa amorfa de indivíduos atomizados.
32
instrumento do poder, já que nela não existe uma opinião pública ou autoridade moral
capaz de resistir e fazer oposição às vontades arbitrárias.
O que sucede é que às vezes a opinião pública não existe. Uma sociedade
dividida em grupos discrepantes, cuja força de opinião fica reciprocamente
anulada, não dá lugar a que se constitua um mando. E como a Natureza tem
horror ao vácuo, esse oco que deixa a força ausente de opinião pública enche-
se com a força bruta. Em suma, pois, avança esta como substituta daquela.
[ORTEGA Y GASSET, 2005, p.203-204]
Quando a opinião pública não existe impera a vontade dos mais fortes, astutos e
espertos que violentam fisicamente e psicologicamente o grande número que se coloca
na condição de servo na busca do “melhor” senhor. Se antes todos os homens, em
especial, os poderosos viviam sob o mando da opinião pública. Agora o grande número
se tornou servo de um punhado de homens, e não existe julgo pior do que um julgo que
não é compartilhado por todos.
33
pública para servir. Para a minoria se impor sobre maioria é necessário que ela disponha
de algo que esteja além das boas armas, já que o grande número é matematicamente mais
forte do que a minoria, é necessário contar com certa disposição pública para servir.
Aquele que deseja mandar num homem deve saber que para isso não basta ter boas
armas e formular boas leis. É necessário, sobretudo, mandar na sua opinião. Aquele que
manda na opinião de um homem reina sobre ele. “Para reinar pela opinião começai
reinando sobre ela.” [ROUSSEAU, 1995, p.215]. Uma personalidade ou grupo só manda
de fato quando exerce sua direção intelectual e moral sobre a opinião pública.
Para Rousseau não é a violência que explica o fato do grande número, a maioria,
servir à minoria, a “elite”. A maioria não serve por inclinação natural à minoria a sua
superioridade numérica ou física é um impedimento. Para que a servidão da maioria seja
possível é necessário que o grande número acredite que tal minoria foi eleita pelos
costumes, leis positivas, raça ou pela graça divina. Essa minoria aparentemente
predestinada por Deus ou pela natureza ao governo, só conseguiu tal feito através da sua
capacidade de dirigir moralmente e intelectualmente as opiniões dos homens. Esse feito
não pode ser conquistado através de armas e formulas jurídicas, mas somente por
34
intermédio da opinião pública. Existe uma opinião comum ou pública que é
compartilhada pelos diferentes indivíduos e grupos que faz com que a desigualdade entre
eles seja aceita como natural, é assim que o homem se acorrenta aos grilhões.
A opinião pública é uma autoridade moral que exerce coerção social ou pressão
psicológica sobre os atos, posturas e opiniões dos indivíduos, ela é um agente da censura
moral, a polícia dos bons costumes. Viver em sociedade é estar policiado pela opinião
pública.
A opinião pública é a expressão política da própria sociedade que age como censor
moral. O homem para viver em sociedade necessita da estima e respeito social que
derivam do juízo público. Por isto que “[...]todos os bens desta vida se encontram na
opinião...” [ROUSSEAU,1995, p.63]. Não se pode julgar um ato político sem a moral, e
para se julgar moralmente uma ação é necessário a opinião pública.
“Seria melhor, repito, ser sóbrio e verdadeiro, não somente para consigo mesmo,
mas para com a sociedade , pois tudo quanto é mau no terreno moral, o é no político.”
[ROUSSEAU, 1958, p.V.I. p.416]
Através da opinião pública fica claro observar como o Ego é tributário da estima
pública para existir socialmente. “O olhar do outro passa a ser o fator indispensável no
comportamento social.” [MEIRA DO NASCIMENTO, 2016, p.47]. A necessidade social
é, sobretudo, uma necessidade de reconhecimento, o desejo ser estimado pelos olhos dos
35
outros. O indivíduo necessita de notoriedade pública para existir, ele não pode viver sem
ser notado pelo olhar público. A vida em sociedade é dependente da reputação pública.
O homem social é o homem policiado pela opinião pública. “[...] o homem social
está submetido ao império da opinião.” [MEIRA DO NASCIMENTO, 2016, p. 49].
Viver em sociedade é estar policiado pela opinião pública.
“O que nos leva a concluir que o império da opinião e da opinião pública passa
a funcionar, no estado de sociabilidade, como uma segunda natureza para o homem.
Afinal, sem a reputação, sem as honras, sem o olhar do outro, não haveria vida em
sociedade. ” [MEIRO DO NASCIMENTO, 2016, p.53]
O homem em sociedade não basta a si mesmo, ele deseja ser considerado pelos
outros, busca ser reconhecido e ter uma reputação. E muitas vezes se comporta como um
joguete das opiniões alheias.
Nenhum homem pode viver em sociedade sem estar sob o jugo da opinião pública.
[...] não podendo nenhum homem viver civilmente sem honra, todos os estados
em que se carrega uma espada, desde o príncipe até o soldado, e mesmo todos
os estados em que não se a carrega, devem recorrer a essa corte de honra, uns
para prestarem conta de sua conduta e de suas ações, outros de seus discursos
e máximas, todos sendo igualmente dignificados ou desacreditados segundo
aos princípios de honra estabelecidos na nação e sendo todos insensivelmente
reformados pelos tribunais segundo os princípios da justiça e da razão. Limitar
essa competência aos nobres e aos militares, será cortar os galhos e deixar as
raízes, pois, se o ponto de honra faz a nobreza agir, faz o povo falar; uns só se
batem porque os outros os julgam e, para mudar as ações cujo o objetivo é a
estima pública, impõe-se mudar de antemão os julgamentos que se tem a seu
respeito.” [ROUSSEAU, 1958, V.I., p.388]
36
Todos os indivíduos devem prestar conta de suas posturas, condutas e opiniões à
opinião pública. A reputação, a honra ou status social é dependente da opinião pública, o
valor social de um homem depende da estima pública. De acordo com Rousseau o que
vale para a sociedade é aquilo que a opinião pública estima ou valora. O homem social
não pode dispensar a opinião pública sem perder o brio ou ser desonrado, é na opinião
pública que reside o pundonor, o ponto de honra.
Mas, para alcançar bom êxito na operação, importaria começar por mudar a
opinião pública relativamente a um estado que, de fato, se transforma
totalmente e fazer que na Polônia não mais se considere um soldado como um
bandido que, para viver, se vende por cinco cêntimos diários, mas como um
cidadão que serve à pátria e está cumprindo o dever. Impõe-se tornar a colocar
o estado na mesma situação em que antigamente se encontrava e na qual ainda
se encontra na Suíça e em Genebra, onde os melhores burgueses se sentem tão
orgulhosos na tropa, carregando armas, quanto no paço municipal e no
conselho soberano. Impõe-se, porém, para tanto, que, na escolha dos oficiais,
não se levem jamais em consideração a classe, a reputação e a fortuna, porém
somente a experiência e a capacidade. Nada mais fácil do que considerar
honroso o manejo eficiente das armas, contribuindo tal atitude para que cada
um se exercite zelosamente para o serviço da pátria, aos olhos de sua família e
dos seus, zelo esse que não se poderá despertar do mesmo modo na canalha
alistada ao acaso e que só sente o sacrifício do exercício.” [ROUSSEAU,1962,
p.317]
A reputação das forças armadas depende do juízo público, o que separa a ação do
policial ou soldado da ação de um ladrão ou inimigo, é o fato da ação do policial ou
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soldado serem orientadas pelas leis positivas e gozarem do apoio da opinião pública.
Quando um soldado ou policial faz tudo dentro do império da lei positiva, mas os seus
atos são retratos pela mídia como um ato truculento, bárbaro e cruel, e tal versão é aceita
pela opinião pública. O próprio soldado ou policial devido a pressão pública não enxerga
mais a sua farda como símbolo da legalidade e do sacrifício patriótico, mas como símbolo
da tirania de Estado. Logo, as forças armadas não são mais vistas como guardiões da
ordem, mas aparatos de repressão das liberdades.
“Não podemos nos esquecer de que “quem quer que se abale a instituir um povo
deve saber dominar as opiniões e por meio delas governar as paixões dos homens”
(Rousseau, Considerações sobre o governo da Polônia) [... ] Segundo Rousseau, a única
forma de agir sobre os costumes é atuando sobre a opinião pública. Mas para se obter
algum resultado neste domínio, de nada adiantará o recurso à força e à violência. [...]
Não se muda o julgamento público por intermédio de leis, decretos ou pela força.”
[MEIRA DO NASCIMENTO, 2016, p.55]
38
Rousseau nos textos “Considerações sobre o Governo da Polônia – escrito em
1771- e sobre sua Reforma projetada em abril de 1772”.
É possível modificar para melhor ou pior uma sociedade sem tocar no seu sistema
jurídico através da opinião pública. A opinião pública pode desenvolver o gosto pelas
coisas boas da nação, a alta estima dos cidadãos ou patriotismo, e da mesma forma é por
meio dela que se rebaixa a moral dos cidadãos, desenvolvendo o ódio pelas coisas
nacionais e o gosto por tudo que é exótico. É pela opinião pública que se desenvolve o
desejo de autodeterminação do povo fazendo com que se livre dos grilhões do tirano ou
do imperialismo, e também é através dela que se desenvolve a servidão voluntária e o
entreguismo. Aquilo que uma nação estima ou valora está na sua opinião pública.
39
saiam das suas bolhas para se relacionar com outros, já que a felicidade desse mundo não
se encontra no isolamento e na fortuna material, mas no convívio com os outros homens.
Não descuidai de uma certa pompa pública, que seja nobre, convincente e cuja
magnificência esteja mais nos homens do que nas cousas. Não se pode
imaginar até que ponto o coração do povo acompanha seus olhos, e como o
impressiona a majestade do cerimonial. Isso dá à autoridade um ar de ordem e
de regra, que inspira confiança e afasta as ideias de capricho e de fantasia,
ligadas à do poder arbitrário. [ROUSSEAU, 1962, p.276]
O coração dos homens acompanha antes os seus olhos do que as leis positivas, se
quiser mudar o comportamento de um homem é necessário que se tenha modelos de carne
e osso que exemplifiquem materialmente o que é o certo, e o que é o errado. O grande
número compreende a moral através de exemplos concretos e não de modelos abstratos.
Ademais, não é com leis suntuárias que se consegue extirpar o luxo. É preciso
extirpá-lo do fundo dos corações, aí infundindo gostos mais sãos e mais nobres.
Proibir as coisas que não se deve fazer é um expediente inepto e inútil, se não
se começar por fazer que as odeiem e as desprezem, e a reprovação de uma lei
só é eficaz quando vem apoiar a reprovação do juízo. Quem se resolve a
instituir para um povo, deve saber dominar as opiniões e, por meio delas,
governar as paixões dos homens. Isso é verdade sobretudo no tocante ao objeto
de que trato. As leis suntuárias antes estimulam o desejo pelo constrangimento,
do que o extinguem pelo castigo. A simplicidade nos costumes e no vestuário
é mais um fruto da educação do que da lei. [ROUSSEAU,1962, p.277]
40
de aplicar uma proibição legal é necessário preparar o terreno social, em especial, a
opinião pública sobre tal conduta, é necessário fomentar o desprezo e reprovação pública
em relação a tal conduta.
A maioria dos nossos hábitos ou costumes é antes fruto da educação do que da lei.
41
compreender o esforço formal e sistemático de transmissão de conhecimentos pelas
instituições escolares, oficinas e universidades que se denomina: pedagogia, ela também
contempla aquilo que García Hoz denominou de “educação invisível”. A “educação
invisível” são os habiti, valores e opiniões que são transmitidos pela família, vizinhança,
trabalho e pela própria vida cívica. A pedagogia é a face visível da educação e o convívio
é a face invisível da educação.
A educação invisível e a pedagogia não devem ser forças antagônicas, mas forças
mutuamente complementares e interdependentes, a contraposição entre pedagogia visível
e educação invisível é uma armadilha dialética contraproducente.
42
sociologia” publicada postumamente, 1922. “Isto significa que a autoridade moral é a
principal qualidade do educador, pois é através desta autoridade contida nele que o
dever é dever. [DURKHEIM, 2011, p.71]. Se toda a autoridade moral é um educador, a
educação tem que ser compreendida num amplo sentido.
A educação não começa e termina na escola, ela opera através de todos as relações
sociais e, inclusive, por meio da opinião pública. Ela começa com a família no berço
naquele momento que a criança abre os olhos admira a mãe e suga o leite materno, a mãe
é a primeira figura de autoridade moral que transmite afetivamente os valores nucleares
da sociedade. A mãe personifica a própria pátria para a criança, pois a família é a cellula
mater da sociedade que reproduz materialmente e moralmente os indivíduos. A
reprodução dos animais é puramente reprodução biológica, já a reprodução humana é
biológica e cultural. Por isso que é difícil para um indivíduo amar uma pátria sem ter nela
raízes familiares.
Não adianta acreditar que podemos educar os nossos filhos como quisermos.
Somos forçados a seguir as regras reinantes no meio social em que vivemos.
[...] estamos mergulhados em uma atmosfera de ideias e sentimentos coletivos
que nós não podemos modificar à vontade. E é em ideias e sentimentos deste
gênero que as práticas educativas se baseiam. Portanto, elas são coisas distintas
de nós, já que resistem à nossa vontade, realidades que têm uma natureza
própria, definida e completa que se impõe a nós. [DURKHEIM, 2011, p.78-
79]
Uma teoria do Estado não deve contemplar apenas os elementos território, povo,
governo e Constituição. Existe diversas dimensões políticas e socioculturais de igual
importância na formação, conservação e expansão do próprio Estado, um exemplo é a
43
opinião pública. O crédito em governos, instituições e leis tem por base a opinião pública.
Nenhum governo, instituição ou lei vigora sem a fé pública.
A força da opinião pública não reside no fato dela ser “verdadeira” ou “falsa”, mas
por ser útil socialmente, ter função social.
44
pública, mas não lhe dão origem. A opinião pública nasce com a sociedade, não existe
sociedade sem opinião pública e vice-versa.
De fato, uma regra não é apenas uma maneira habitual de agir; é, antes de mais
nada, uma maneira de agir obrigatória, isto é, que escapa, em certa medida,
do arbítrio individual. Ora, somente uma sociedade constituída desfruta da
supremacia moral e material que é indispensável para impor a lei aos
indivíduos; pois a única personalidade moral que está acima das
personalidades particulares é a formada pela coletividade. Além disso, apenas
ela tem a continuidade e, mesmo, a perenidade necessárias para manter a regra
além das relações efêmeras que a encamam cotidianamente. E mais: seu papel
não se limita simplesmente a erigir em preceitos imperativos os resultados mais
gerais dos contratos particulares, ela intervém de maneira ativa e positiva na
formação de todas as regras. Em primeiro lugar, ela é o árbitro naturalmente
designado para resolver os interesses em conflito e atribuir a cada um os limites
que convém. Em seguida, ela é a primeira interessada em que a ordem e a paz
reinem: se a anomia é um mal, é antes de mais nada porque a sociedade sofre
desse mal, não podendo dispensar, para viver, a coesão e a regularidade. Uma
regulamentação moral ou jurídica exprime, pois, essencialmente, necessidades
sociais que só a sociedade pode conhecer; ela repousa num estado de opinião,
e toda opinião é coisa coletiva, produto de uma elaboração coletiva.
[DURKHEIM, 1999, p.X]
45
regras não é só a sua regularidade, mas a sua obrigatoriedade. As regras sociais devem
ser compreendidas numa dupla dimensão: i. na dimensão do ser como regularidade fáctica
das interações; ii. e na dimensão do Dever-ser como modelo e obrigação.
46
qualifica alguém ao comando – a opinião pública tem o poder de autorizar e desautorizar
ações, leis e governos. A opinião pública é um tipo de autoridade legitimadora que garante
a vigência das leis positivas e do governo, eles devem contar com a opinião pública para
não serem considerados ilegítimos.
A opinião pública não age por meio da força, repressão ou coação, mas através da
coerção moral ou pressão psicológica. O julgamento público opera como censor moral
que julga publicamente a reputação dos atos, posturas e opiniões. O status social ou a
reputação de um indivíduo deriva do tribunal da opinião pública.
Isso fica muito claro nas ideias de John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques
Rousseau (1712-1778). A Lei da Opinião, nos termos de Locke e Rousseau, além de ser
uma espécie de lei que legitima as leis positivas e governos. Tal Lei também julga a
reputação, a honra, a fama ou status social dos indivíduos colocando suas ações,
posicionamentos e opiniões diante de um tribunal público da moral.
As Leis (lato sensu) são o conjunto de normas e parâmetros que separam: o certo
do errado; o bem do mal; o justo do injusto; o amigo do inimigo etc. É nas leis que reside
o princípio de autoridade que todos devem se submeter, e não no arbítrio do mais forte,
astuto ou esperto. E aquele que violar a lei deve sofrer penalização física ou psicológica.
As leis com as quais os homens geralmente relacionam suas ações para julgá-
las corretas ou incorretas podem, a meu ver, compreender as três seguintes: 1)
a lei divina; 2) a lei civil, e 3) a lei de opinião ou reputação, se posso assim
denominá-la. Pela sua relação com a primeira, os homens julgam se suas ações
são pecaminosas ou respeitosas; em função da segunda, se são criminosos ou
inocentes, e, finalmente, em função da terceira, se são virtuosos ou pecadores.
[LOCKE, 2000, p.135]
Para Locke são essas Leis – 1) lei divina; 2) a lei civil; e 3) a lei de opinião ou
reputação também chamada de lei filosófica - os parâmetros pelos quais os homens
julgam a retidão das suas ações, e entre essas leis é a lei da opinião ou da reputação que
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tem maior peso no julgamento das ações humanas. Já que é o impacto positivo ou
negativo de uma ação na vida pública aquilo que a classifica como virtuosa ou viciosa.
“Para Locke, a maior parte dos homens se pauta por essa lei, [Lei da opinião ou
da reputação], acima das outras duas [lei divina e lei civil]. Sobre as leis divinas e sobre
as penas que delas decorrem, poucos fazem reflexões sérias e, quando as fazem,
principalmente quando infringem essas mesmas leis, não as levam muito em
consideração porque acreditam que um dia se reconciliarão com Deus. Quanto às leis
civis, os homens frequentemente se gabam, na esperança da impunidade. Resta apenas
a lei da opinião, a mais temível de todos.” [MEIRA DO NASCIMENTO, 2016, p.42]
Um ato de importância pública serve como modelo ou exemplo do que deve ser
feito ou do que não deve ser feito. O que deve ser feito é louvável, e o que não deve ser
feito é condenável. Existe na vida pública a dimensão do Dever-ser, ou seja, daquilo que
é modelar e obrigatório. As ações louváveis merecem recompensa pública, prestígio ou
fama, e as ações condenáveis merecem punição, repúdio e desaprovação geral. “A lei
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da opinião tem o seu suporte no louvor e na reprovação, sua função é a de árbitro da
virtude e do vício.” [MEIRA DO NASCIMENTO, 2016, p.41]
Dentro da vida pública as ações humanas se colocam numa vitrine, e é por isso
que ganham um caráter modelar positivo ou negativo. As penas e recompensas dos atos
públicos são feitas publicamente para que sirvam de modelo ou exemplo daquilo que é
negativo ou positivo à sociedade.
Deve entender-se por sociologia (no sentido aceito desta palavra que é aqui
empregado das mais diversas maneiras possíveis) uma ciência que pretende
entender pela interpretação a ação social para, desta maneira, explicá-la
causalmente no seu desenvolvimento e nos seus efeitos. Por “ação” deve
entender-se um comportamento humano [...] sempre quando o sujeito ou
sujeito da ação ligam a ela um sentido subjetivo. A “ação social”, portanto, é
uma ação na qual o sentido sugerido pelo sujeito ou sujeitos refere-se ao
comportamento de outros e se orienta nela no que diz respeito ao seu
desenvolvimento. [WEBER, 2016, p.612-613]
Apesar de toda relação de ação e reação terem certas características sociais, nem
todas as ações humanas são tipicamente ações sociais. Só é uma ação social quando o
sentido da ação é dirigido ou orientado conscientemente pelas reações dos outros, no caso,
pela opinião pública. O choque inconsciente ou involuntário entre dois corpos é um
contato acidental que não foi provocado, portanto, não é uma ação social. Agora quando
esse choque tem a intenção de provocar uma reação no outro ou no público, tal choque
parte de uma ação social.
Quando numerosos indivíduos numa rua abrem ao mesmo tempo seus guarda-
chuvas durante um temporal chuvoso, estamos diante de uma multidão e não de um
público. Não existe um sentido social ou publicamente compartilhado no ato de abrir os
guardas chuvas.
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A opinião pública orienta socialmente a ação humana pelo fato dos agentes
humanos orientarem os seus atos com base nas expectativas subjetivas formuladas sobre
qual será a reação da opinião pública.
A essas três espécies de leis - [leis políticas, leis civis e leis criminais] - , junta-
se uma quarta [ a lei dos costumes ou da opinião], a mais importante de todas,
que não se grava nem no mármore, nem no bronze, mas nos corações dos
cidadãos; que faz a verdadeira constituição do Estado; que todos os dias ganha
novas forças; que, quando as outras leis envelhecem ou se extinguem, as
reanima ou as supre, conserva um povo no espírito de sua instituição e
insensivelmente substitui a força da autoridade pela do hábito. Refiro-me aos
usos e costumes e, sobretudo, à opinião, essa parcela desconhecida por nossos
políticos, mas da qual depende o sucesso de todas as outras; parte de que se
ocupa em segredo o grande Legislador, enquanto parece limitar-se a
regulamentos particulares que não são senão o arco da abóbada, da qual, os
costumes, mais lentos para nascerem formam por fim a chave indestrutível.
[ROUSSEAU, 1962, p.56]
As leis positivas são, em tese, a expressão formal da vontade geral ou coletiva que
é transcrita juridicamente numa constituição escrita, cujo o comprimento desse código
jurídico é assegurado pelo uso legal da força dos aparatos repressivos de Estado. O código
legal nasce antes da vontade geral do que da arbitrariedade engenhosa dos juristas. As
leis positivas são a forma mediada pela qual a personalidade moral da sociedade garante
fisicamente sua autoridade através da coação ou repressão estatal. Já os costumes e a
opinião pública são as formas imediatas pela qual a personalidade moral da sociedade
garante psicologicamente sua autoridade através da coerção moral ou pressão psicológica.
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E não é, sem dúvida simples exigência do decantado moralismo de Rousseau
o acrescentar que “usos, costumes e, sobretudo, a opinião” constituem a mais
importante espécie de lei, embora “não se gravem nem no mármore, nem no
bronze, mas nos corações dos cidadãos”, pois essas normas, surgidas
diretamente das relações e por elas consagradas, podem ser tidas como “a
verdadeira constituição do estado” desde que representam a mais direta e
autêntica expressão do social e, portanto, a constante referência e corretivo do
político. [MACHADO,1968, p.179]
Antes da lei positiva existir suas fontes e garantias são os costumes e a opinião
pública. Os costumes e a opinião pública são a forma espontânea e orgânica pela qual a
vontade geral do Corpo político ou vontade coletiva do Ser social se manifesta. As leis
positivas podem ser mecânicas e artificias, mas a os costumes e a opinião pública serão
sempre a expressão natural do corpo político ou do Ser social.
Por conseguinte, a opinião pública é dita uma “espécie de lei”. Mas por que
são considerados os costumes e sobretudo a opinião uma espécie de gênero
Lei? A lei é uma declaração da vontade geral, é a voz através da qual ela se
exprime. A opinião pública, portanto, é também uma declaração, uma
expressão da vontade geral. Ela é, porém, não apenas por este seu caráter, mas
porque atua de uma maneira mais eficaz do que todos os sistemas de legislação,
quase com a força de uma lei natural. É por isso, como vimos, que dela todo o
resto do edifício depende. [SALINAS FORTES, 1997, p.121]
A lei dos costumes ou da opinião pública é a mais importante de todas as leis, ela
antes de estar expressa na letra da lei ou constituição, está impressa na mente dos
indivíduos. Ela foi introjetada na psique dos indivíduos durante o processo de
socialização, exercendo uma coerção moral sobre os atos, posturas e opiniões dos
indivíduos. Não existe organismo social ou corpo político sem os costumes e a opinião
pública. Para constituir uma sociedade não basta dispor das boas leis e das boas armas, é
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necessário que exista uma disposição social ao cumprimento do dever que é algo formado
apenas por meio dos costumes e da opinião pública. As leis positivas e as armas
envelhecem ou podem ser instrumentalizadas de forma autoritária, mas se os costumes e
a opinião pública forem fortes a tirania será contida.
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Não existe ordem social sem autoridade, pensar na existência de uma ordem social
sem a existência da autoridade é conceber uma utopia. A autoridade é aquilo que qualifica
alguém ao comando, e a fonte da autoridade ou princípio de autoridade tem por base
fundamentos sociais que transcendem as habilidades e virtudes pessoais do líder. Suas
fontes ou princípios podem ser: o direito positivo; as crenças religiosas; os costumes e a
opinião pública etc. É um erro pensar que a autoridade só possa se embasar no uso da
violência, o uso força é um dos últimos recursos da autoridade e não a sua fonte. As fontes
ou princípios de autoridade residem na sociedade e não na brutalidade.
As leis positivas devem trabalhar com a opinião pública, mas nunca serão o seu
representante pelo fato da representação alienar o soberano. O tribunal ou órgão censor
que se considera o porta-voz ou representante da opinião pública, está na verdade se
travestindo de vontade geral e consciência coletiva para poder manipular os homens e
assim satisfazer a sua vontade particular.
Uma nação valoriza tudo aquilo que a opinião pública estima, a reputação dos
homens e das coisas reside no juízo público, não podemos esquecer que viver em
sociedade é viver policiado pela opinião pública. O indivíduo numa sociedade só enxerga
o próprio Ego a partir dos olhos de outrem. O que a opinião pública julga como o bem, o
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belo e o justo é aquilo que uma sociedade considera como bondade, beleza e justiça, e
aqueles que se contrapõem à opinião pública não são considerados apenas opositores, mas
inimigos da sociedade.
É inútil distinguir os costumes de uma nação dos objetos de sua estima, pois
tudo se prende ao mesmo princípio e se confunde necessariamente. Entre todos
os povos do mundo não é em absoluto natureza, mas a opinião que decide a
escolha de seus prazeres. Melhorai as opiniões dos homens, e seus costumes
purificar-se-ão por si mesmos. Ama-se sempre aquilo que é belo ou que se
julga belo. E, porém, nesse julgamento que surge o engano, sendo, pois,
necessário regulá-lo. Quem julga os costumes, julga a honra, e quem julga a
honra, vai buscar sua lei na opinião. [ROUSSEAU, 1962, p,110-111]
Aquele que projeta as “boas” instituições e formula as “boas” leis deve antes de
implementá-las examinar o terreno dos costumes e da opinião pública para ver se tais leis
e instituições formuladas são compatíveis ou refratarias. Caso, essas leis e instituições
não tenham certas raízes socioculturais serão consideradas coisas esdrúxulas ou seres
alienígenas que foram transplantadas por agentes colonizadores. Antes de se implementar
uma nova lei ou instituição é necessário um longo processo de adaptação e aceitação da
nova instituição ou lei pela opinião pública para depois ser assimilada pelos costumes.
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para uma teoria da crítica cultural. Ela também apresenta elementos importantes para
refletir sobre a força crítica da opinião pública em relação à formulação arbitrária de
novas leis e o transplante de instituições alienígenas. A opinião pública julga como
alienígena ou ameaça qualquer elemento estranho aos bons costumes do povo.
Para Rousseau existem três espécies de instrumentos com os quais se pode agir
sobre os costumes de um povo. “Conheço unicamente três espécies de instrumentos com
o auxílio dos quais se pode agir sobre os costumes de um povo: a força das leis, o império
da opinião e a atração do prazer.” [ROUSSEAU,1958, V.I, p.350] Entre esses três
instrumentos Rousseau não inclui as armas ou a repressão como meio eficaz de agir sobre
os costumes. Ele considera a opinião pública como o meio mais eficaz para se agir sobre
os costumes de um povo, meio muito mais eficaz do que as leis positivas. A lei positiva
quando é imposta sobre um contexto sociocultural refratário aos seus fundamentos, tal lei
não vigora, não tem função social, é letra morta que só serve para tornar as relações
humanas ainda mais complicadas e conflituosas.
Por que meios poderá, então, agir o governo sobre os costumes? A minha
resposta e: pela opinião pública. Se nossos hábitos na solidão nascem de nossos
próprios sentimentos, em sociedade originam-se da opinião dos outros.
Quando não se vive em si mesmo, mas nos outros, são os julgamentos destes
que tudo regulam. Aos particulares só parecerá bom e desejável aquilo que o
público julgou como tal e a única felicidade conhecida pela maioria dos
homens é serem considerados felizes. [ROUSSEAU, 1958, V.I, p.384-385]
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Um governo ou uma potência estrangeira só pode agir sobre costumes de um povo
através da opinião pública, ele pode até ter formulado as leis mais desenvolvidas do
sistema jurídico e ainda dispor do melhor arsenal militar. Mas mesmo assim isso não é o
suficiente para mudar o caráter de uma sociedade, uma sociedade só muda através da
opinião pública.
Os instrumentos apropriados para dirigir a opinião pública não são as leis positivas
e ainda menos as armas, o uso violência sobre a opinião pública é sempre mais
contraproducente do que producente. Aquela personalidade ou grupo que deseja dirigir
a opinião pública deve fazer com que sua opinião seja honrada, reputada, estimada, ou
seja, goze de altíssimo status social tornando-se o status quo.
“As opiniões públicas, embora tão difíceis de se governarem, são, todavia, por si
mesmas, muito volúveis e mutáveis.” [ROUSSEAU, 1958, V.I., p,390]
George Santayana (1863-1952) retrata muito bem esse caráter ondular da opinião
pública. “A opinião pública é como o vento. Torna-se, algumas vezes, uma força
formidável, algo em que o homem se vê metido ou contra o qual luta; e, contudo, é
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invisível, surge repentinamente em rajadas e borrascas, e desaparece misteriosamente.”
[SANTAYANA, 1970, p.90]
A opinião pública é uma força social oceânica que vai da calmaria à agitação e
volta de novo à calmaria, hora é marola, hora é tsunami.
“Assim tem de ser; nem a razão, nem a virtude ou as leis vencerão a opinião
pública, enquanto não se encontrar a arte de mudá-la. Ainda uma vez, essa arte nada
tem a ver com a violência.” [ROUSSEAU, 1958, V.I., p.386]
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