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ANAIS

ANÁLISE PARA A MELHORIA DA GESTÃO DE OPERAÇÕES NA ÁREA


HOSPITALAR: UM ESTUDO A PARTIR DA UTILIZAÇÃO DA FILOSOFIA
LEAN HEALTHCARE

LEANDRO JOSÉ MORILHAS ( ljmorilhas@ig.com.br , morilhas@usp.br )


FACULDADE FIA DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS
PAULO TROMBONI DE SOUZA NASCIMENTO ( tromboni@usp.br )
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
MÁRCIO ANTÔNIO HIROSE FEDICHINA ( marcioh@fia.com.br , mahf@usp.br )
FACULDADE FIA DE ADMINISTRAÇÃO E NEGÓCIOS

Resumo:
Batizada de lean healthcare, a filosofia lean aplicada a hospitais tem trazido ganhos
principalmente nos EUA e na Inglaterra, pioneiros na aplicação dessa prática. No Brasil, as
pesquisas nessa área ainda são incipientes. Logo, este trabalho tem como objetivo divulgar os
conceitos, técnicas e ferramentas do lean healthcare para o meio acadêmico e empresarial
pertencentes ao segmento hospitalar. Assim, por meio de uma pesquisa bibliográfica e de uma
pesquisa participante, pôde-se demonstrar os ganhos obtidos em dois hospitais americanos e
analisar o potencial de ganhos operacionais em um hospital do interior do estado de São
Paulo.
Palavras-chave: Lean manufacturing, lean healthcare, produção enxuta em hospitais, gestão
hospitalar.

1 INTRODUÇÃO
Após a revolução industrial, a indústria automotiva praticamente ditou o ritmo das
práticas de gestão de produção. O primeiro ponto marcante foi o surgimento da linha de
montagem de Henry Ford no início do século XX, saindo de um modelo de produção
artesanal para um modelo que ficou conhecido como produção em massa. A hegemonia do
modelo de Ford foi suplantado pela General Motors, que flexibilizou a sua linha de produção,
lançando carros de diferentes cores e diferentes modelos.
A partir de 1980, a indústria automobilística americana, até então mundialmente
suprema na fabricação de veículos, passou a enfrentar a concorrência japonesa. Liderados
pela Toyota, o mercado americano passa a ser invadido por veículos orientais, produzidos por
um modelo de gestão de produção até então desconhecido pelos americanos.
Os veículos japoneses passaram a ser reconhecidos como veículos de melhor
qualidade e menor custo em relação aos veículos americanos. Tal fato despertou a curiosidade
de pesquisadores americanos, que passaram a realizar viagens até o Japão com o intuito de
decifrar os segredos que estavam por trás desse método de gestão.
Em meados de 1990, pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology)
lançaram o livro “The Machine that changed the world”, ou em português: “A Máquina que
mudou o mundo”, no qual se pode observar uma extensa pesquisa que compara o modelo de
gestão de operações dos Japoneses, e mais especificamente a Toyota, com o modelo de gestão
de operações dos americanos. Esse modelo japonês, batizado no Ocidente de Lean Production
ou Lean Manufacturing foi traduzido para o português como Produção Enxuta ou Manufatura
Enxuta.

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O conceito básico que permeia a produção enxuta está na eliminação sistemática e
sustentável de desperdícios na cadeia de valor, onde desperdício é definido como qualquer
atividade humana que absorve recurso, mas não cria valor (WOMACK & JONES, 1992). É
baseado nesse conceito que a produção enxuta pode ser aplicada a qualquer tipo de atividade
que busca criar valor, ou seja, a qualquer tipo de empresa ou organização.
O sistema de produção enxuta já demonstrou seu poder no setor manufatureiro e agora
começa a chamar a atenção do setor de bens e serviços. Exemplos que demonstram essa
tendência são cada vez mais comuns e podem ser observados na construção civil, em
empresas de crédito, processamento de seguros, processos de treinamento, entre outros.
Um enfoque crescente, em particular, está sendo dado à aplicação dos conceitos lean
no setor de saúde nos Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e Canadá, sendo comumente
denominado lean healthcare.
Entretanto, no Brasil, poucas empresas do setor deram os primeiros passos. Os
gestores dos hospitais brasileiros ainda não se atentaram para a importância da aplicação do
lean healthcare. Esse aparente desinteresse deve-se à incipiente divulgação desse conceito no
Brasil, ou seja, ainda não se criou uma massa crítica por partes dos gestores dos hospitais
sobre o potencial de melhorias que a aplicação do lean healthcare pode trazer para os
hospitais brasileiros.
Assim, baseado na literatura de lean healthcare, nos exemplos dos hospitais
americanos estudados e na entrevista e análise realizada em um hospital do estado de São
Paulo, essa pesquisa visou responder a seguinte a questão:
É possível evidenciar oportunidades de melhorias operacionais em um hospital, a
partir da utilização dos conceitos, técnicas e ferramentas do lean healthcare?

Quantos aos objetivos deste estudos, podem se apresentar os seguintes itens:


• Mostrar o potencial de ganhos operacionais que poderão ser obtidos em um hospital
do estado de São Paulo.
• Apontar alguns desperdícios operacionais associados ao hospital estudado;
• Apontar algumas técnicas e ferramentas que são utilizadas no lean manufacturing e
que podem ser aplicadas no hospital estudado;
• Evidenciar a importância do lean healthcare para os gestores de hospitais públicos e
privados.
O lean manufacturing começou a ser desenvolvido na Montadora de Veículos Toyota por
volta de 1948, e começou a ser fortemente disseminado nos EUA a partir de 1990 e no Brasil
a partir do ano 2000.
Já a filosofia lean aplicada a hospitais é incipiente no mundo como um todo. Os primeiros
trabalhos iniciaram-se em 2002 nos Estados Unidos e Inglaterra, e esses países estão mais
adiantados em comparação ao resto do mundo.
No Brasil, se observam iniciativas tímidas em relação a aplicação do lean healthcare em
alguns hospitais particulares de alto padrão. Sendo assim, o tema desse estudo se justifica pelo
potencial de benefícios que o lean healthcare pode trazer para hospitais e pacientes, e pela
importância do tema tanto no meio acadêmico quanto hospitalar.

2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Produção Enxuta
O conceito atualmente conhecido como lean manufacturing surgiu na montadora de veículos
Toyota após a II Guerra Mundial. O principal responsável pelo Sistema Toyota de Produção

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(STP) foi o engenheiro Taiichi Ohno que, em meados da década de 50 do século passado
reconheceu que o sistema de produção em massa (o fordismo) não era adequado para as
condições de mercado japonês (IMAI, M., 1986).
Naquela época, após ter sido arrasada na segunda guerra mundial, as condições
financeiras da indústria japonesa se encontravam em uma situação desfavorável e, para isso,
era necessário existir um trabalho forte na redução dos custos associados à produção
(WOMACK & JONES, 1992).
Além disso, o Japão era um mercado pequeno, mas que demandava em termos
comparativos ao seu mercado, uma grande variedade de produtos finais. Por não ter escala,
todos os veículos eram produzidos em uma mesma linha de montagem. Isso fez com que a
Toyota se tornasse flexível tanto em mix quanto em volume de produtos finais (WOMACK &
JONES, 1992).
Essa superioridade dos carros japoneses em relação aos carros americanos se tornou
evidente na década de 80, época em que a Toyota se mostrou ao mundo como uma potência
na produção de veículos. Mais do que isso, a Toyota mostrou que toda a sua gestão de
operações possuía técnicas diferenciadas se comparadas com a indústria automobilística
americana.
Da mesma forma que o surgimento da produção em massa praticamente eliminou a
produção artesanal, dessa vez a produção enxuta tem feito o mesmo em relação à produção
em massa (WOMACK & JONES, 1992).
A partir do lançamento em 1990 nos EUA do livro “A Máquina que Mudou o Mundo”
o sistema de gestão de operações das empresas ao redor do mundo tem evoluído em direção a
mentalidade enxuta. Além disso, inicialmente utilizado na manufatura, a filosofia lean tem se
espalhado para outras áreas das empresas, tais como os setores administrativos, e para outros
tipos de empresas que não manufatureiras, tais como as empresas de serviço e,
especificamente associado a esse trabalho, os hospitais.

2.2 O Pensamento Enxuto Aplicado a Hospitais – o Lean Healthcare


Segundo Womack et al. (2005), todas as empresas, inclusive as organizações da área
da saúde, são compostas por uma série de processos, que são um conjunto de ações que
pressupõem criar valor para aqueles que dependem desses processos (clientes / pacientes).
Ainda Womack et al. (2005) citam que a filosofia lean tem por princípio identificar
todas as atividades que fazem parte do fluxo de valor, fazendo a distinção entre as atividades
que agregam e não agregam valor e, a partir de então, eliminar as atividades que não agregam
valor (também conhecidos como desperdícios).
Segundo Hines & Taylor (2000) nas empresas de manufatura ou de serviços existem
três tipos de atividades: as atividades que agregam valor, as atividades que não agregam valor
e as atividades necessárias, mas que não agregam valor.
• Atividades que agregam valor: são atividades que aos olhos do cliente final tornam o
produto ou serviço mais valioso, ou seja, o consumidor final está disposto a pagar por
essas atividades;
• Atividades que não agregam valor: são atividades que, sob o ponto de vista do
cliente final, não agregam valor ao produto ou serviço e são desnecessárias em
qualquer circunstância. Essas atividades são conhecidas como desperdícios e precisam
ser eliminadas o mais rápido possível;
• Atividades necessárias, mas que não agregam valor: são atividades que, aos olhos
do cliente final não agregam valor, porém sob o ponto de vista da empresa e das

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tecnologias atuais existentes são necessárias. São atividades difíceis de serem
eliminadas no curto e médio prazo, mas que no longo prazo necessitam ser atacadas.
Ainda Hines & Taylor (2000), colocam que essas atividades aparecem nas empresas
na seguinte proporção: 5% de atividades que agregam valor; 60% de atividades que não
agregam valor e 35% de atividades necessárias, mas que não agregam valor.
A figura um mostra a proporção entre atividades que agregam valor (AV) e as
atividades necessárias, mas que não agregam valor adicionado às atividades que não agregam
valor (NAV). Em uma companhia típica, ou seja, que se configura sob os preceitos da
produção em massa, a proporção das atividades que agregam valor (AV) é muito pequena se
comparada com as atividades que não agregam valor (NAV).

Figura 1: Enfoque Tradicional de Melhorias versus Enfoque da Produção Enxuta


Fonte: Adaptado de Hines & Taylor (2000).

A partir das atividades que não agregam valor, Taiichi Ohno desenvolveu o que pode ser
chamado de categorias de desperdícios, também conhecidas pelo termo japonês “muda”.
Batizado como os sete tipos de desperdícios da produção enxuta, Latas e Robert (2000) e
Bushell et al. (2002) citam alguns exemplos de desperdícios que são comumente encontrados
nos ambientes hospitalares, tais como:
1) Superprodução:realização de testes além do necessário; duplicação de exames por
desconfiança, complementaridade ou falta de coordenação entre os diferentes
responsáveis, realização de exames desnecessários por falta de preparo da equipe de
saúde.
2) Estoque Excessivo: insumos e produtos em excesso ou desnecessários.
3) Transporte Excessivo: transporte excessivo de pacientes, equipamentos e
medicamentos.
4) Movimentação excessiva: excesso de movimentação pelo hospital dos profissionais
da saúde, como médicos e enfermeiros.
5) Espera: espera de pacientes por diagnósticos, tratamentos e cirurgias; acúmulo de
pacientes em sala de espera.
6) Processamento Inapropriado: tempo excessivo de tratamento por dificuldade de
estabelecer padrões de procedimentos; excesso de correções, retrabalhos e inspeções.
7) Defeitos: erros de medicação; infecções dos pacientes no hospital; informação errada
ou não disponível; comunicação ineficiente.
Além dos sete tipos de desperdícios supracitados, considera-se mais um tipo: o
desperdício do potencial humano. Nesse caso, ele contemplaria a não utilização de

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enfermeiros, médicos e outros profissionais da saúde em um processo de melhoria contínua
do hospital na eliminação das atividades que não agregam valor.
As primeiras iniciativas da aplicação lean na área da saúde ocorreram em hospitais da
Inglaterra, Estados Unidos e Canadá. Na Inglaterra, o NHS (National Health Service), tem
amplamente incentivado a aplicação da filosofia lean nos hospitais.
O lean manufacturing possui um conjunto de técnicas e ferramentas que comumente
são utilizados para a redução e eliminação de desperdícios ou atividades que não agregam
valor. Algumas dessas técnicas e ferramentas e suas respectivas definições estão descritas a
seguir (LEXICO LEAN, 2003):
• Mapa de Fluxo de Valor: é uma técnica de mapeamento de processos do lean
manufacturing, utilizada para analisar o fluxo de material e informação necessário na
transformação de um produto ou serviço para um cliente. No segmento hospitalar por
exemplo, muitas das filas de pacientes que ocorrem nos hospitais, demoras por um
diagnóstico ou mesmo um exame laboratorial podem ser resolvidos de maneira
simples, a partir do momento em que os gestores conseguem enxergar o fluxo de valor
como um todo e, reconhecer o real problema.
• Fluxo Contínuo: no lean manufacturing significa produzir uma peça de cada vez,
fazendo com que a peça saia de uma atividade que agregue valor e vá imediatamente
para outra atividade que agregue valor. Em relação aos ambientes hospitalares, o fluxo
contínuo pode ser amplamente utilizado para melhorar o fluxo de pacientes pelo
hospital, minimizando-se ou eliminando-se as esperas.
• Sistemas Puxados: método de controle da produção em que as atividades fluxo
abaixo avisam as atividades fluxo acima sobre suas necessidades de materiais, por
meio da utilização de cartões kanban. Os sistemas puxados podem ser amplamente
utilizados no setor de farmácia dos hospitais. Sabe-se que os custos dos medicamentos
são altíssimos e, apesar disso, os níveis de estoques geralmente são elevados. Sendo
assim, os sistemas puxados são uma ferramenta que contribui para a redução dos
níveis desses estoques, sem que ao mesmo tempo faltem medicamentos necessários
para o atendimento dos pacientes.
• 5S: Cinco termos que começam com a letra S, que descrevem práticas úteis para a
organização do ambiente de trabalho. Em português esses termos se referem à: senso
de descarte, senso de organização, senso de limpeza, senso de padronização e senso de
autodisciplina. Em japonês esses termos são denominados: seiri, seiton, seiso, seiketsu
e shitsuke. Em um ambiente onde existam apenas os equipamentos e materiais
necessários; organizado seguindo padrões pré-estabelecidos; onde é possível encontrar
materiais com facilidade; limpo; torna a vida das pessoas mais fáceis, produtivas,
segura e torna as pessoas auto motivadas para o trabalho.
• Trabalho Padronizado: é o estabelecimento de procedimentos precisos para o
trabalho de cada um dos operadores em um processo de produção. Como diria Taiichi
Ohno, onde não tem padrão, não tem melhoria. Ou seja, a melhoria contínua depende
da padronização dos trabalhos.
• Manutenção Produtiva Total: é um conjunto de técnicas empregadas para garantir
que todas as máquinas do processo de produção estejam sempre aptas para realizar as
suas tarefas. O TPM requer a participação total dos funcionários, e não apenas os da
manutenção. Nos ambientes hospitalares, o custo de máquinas e equipamentos é
geralmente alto e a manutenção desses equipamentos geralmente necessita de pessoas
especializadas.

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• Troca Rápida de Ferramentas (SMED): processo de redução do tempo de setup,
necessário para a troca de um modelo ou ferramenta de um processo de fabricação.
Em ambientes hospitalares o conceito de SMED pode ser utilizado para minimizar os
tempos de setup associados a remoção do paciente que acabou de realizar uma
determinada cirurgia; por exemplo.
• Poka Yoke ou Sistemas a Prova de Erros: métodos que ajudam os operadores a
evitar erros em seu trabalho. No caso dos hospitais, os poka yokes podem ser
utilizados principalmente na prevenção de erros de médicos e enfermeiros e na
redução de infecções por contaminação hospitalar.
• Nivelamento de Vendas: Outro aspecto amplamente empregado pelo Sistema Toyota
de Produção é o conceito de nivelamento de vendas como forma de reduzir os picos e
vales de produção e, consequentemente, os custos da organização. Segundo
WOMACK (2006), picos e vales de produção e os custos associados a isso, podem ser
explicados por alguns fatores apontados pelos japoneses idealizadores do Sistema
Toyota de Produção e conhecidos como: muda (desperdícios), mura (falta de
regularidade) e muri (sobrecarga).
• Heijunka: nivelamento do tipo e da quantidade de produção durante um período fixo
de tempo. Isso permite que a produção atenda eficientemente às exigências dos
clientes, ao mesmo tempo em que evita excesso de estoque, reduz custos e o lead time
de produção em todo fluxo de valor.
• Heijunka Box: também conhecido como quadro de programação e nivelamento de
produção, é uma ferramenta utilizada para nivelar o mix e o volume de produção,
distribuindo-a em intervalos de tempo.
• Cultura Lean: mais importante que as técnicas e ferramentas para que uma empresa
se torne enxuta ao longo do tempo, faz-se necessário criar uma cultura diferentemente
da cultura tradicional da produção em massa, a cultura lean.
A próxima seção abordará o processo de implementação do desta ferramenta e os
resultados obtidos em dois hospitais americanos cujas análises foram realizadas com base em
materiais coletados da literatura.

2.2.1 Virginia Mason Medical Center


Um bom exemplo da aplicação de lean healthcare é o caso do hospital Virgina Mason
Medical Center, situado em Seattle, Washington. No início deste século, o hospital que fora
fundado em 1920, passava pela primeira vez na história por uma crise financeira. O Virgina
Mason necessitava de um novo direcionamento estratégico, e a adaptação do Sistema Toyota
de Produção ao ambiente hospitalar foi decisiva para recuperar financeiramente o hospital e
revertera espiral negativa a qual ele se encontrava. Nesse sentido, foi realizado um pacto entre
todos os colaboradores do hospital (médicos, enfermeiros, administradores entre outros) onde
todos adotariam a nova missão da empresa: ser um hospital líder em qualidade com foco no
cliente.
O Virginia Mason Medical Center iniciou a sua jornada lean em 2002, quando foram
visitar a Toyota no Japão. Os executivos do hospital concluíram que produzir carros era tão
complexo quanto gerir um hospital. Munidos com os princípios da Toyota, iniciou-se então o
que foi batizado de Virginia Mason Production System.
Alguns dos princípios, técnicas e ferramentas lean utilizados foram:
• Não demissão de funcionários devido às melhorias: princípio básico do Sistema
Toyota de Produção, onde a redução de custos deve estar associada à melhoria

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contínua dos processos, utilizando-se as pessoas para identificar e implementar ações
de melhoria.
• Mapeamento de todos os fluxos de valor: a unidade de oncologia foi um dos primeiros
fluxos de valor a ser mapeado, desde o momento em que o paciente realizou o check
in, passando pelos pontos de diagnóstico até a finalização do tratamento, que é quando
o paciente volta para a sua casa.
• Eventos Kaizen: também conhecidos no Virginia Mason como RPIW (Rapid Process
Improvement Weeks), representa uma semana intensiva de trabalho visando a
implementação de melhorias sob ótica do lean healthcare.
O resultado de 175 eventos kaizen que foram conduzidos de janeiro de 2002 à março
de 2004 é mostrado na tabela abaixo:
Categoria Resultados
Estoques Redução de 53% (US$ 1.350.000)
Produtividade Aumento de 36%
Espaço Redução de 41%
Lead Time Redução de 65%
Distância entre pessoas Redução de 44%
Distância entre produtos Redução de 72%
Tempo de Setup Redução de 82%
Tabela 01: Resultados Virginia Mason Medical Center
Fonte: Adaptado de Womack et al., 2005

2.2.2 ThedaCare Inc.


O ThedaCare Inc, é um sistema de hospitais, clínicas e atendimentos domiciliares
(nursing homes) sem fins lucrativos, localizado em Wisconsin, EUA, e tem praticado lean há
mais de sete anos. Por meio do uso dos princípios lean, a companhia não conseguiu apenas a
redução de custos, mas principalmente a redução da mortalidade dos pacientes, após remover
desperdícios de tempo e esforço dos processos de cirurgia cardíaca.
Os principais executivos da empresa, Dr. John Toussaint e Roger Gerard, além de
aplicarem o lean no ThedaCare, escreveram o livro intitulado On the Mend: Revolutionizing
Healthcare to Save Lives and Transform the Industry.
Segundo Toussaint & Gerard (2010), a cada ano nos EUA, 15 milhões de acidentes
são cometidos por erros médicos, tais como erros de medicação, erros cirúrgicos e infecções.
Tal como descreve os autores, nem as melhores intenções dos médicos conseguem mudar os
fatos. Além disso, as políticas governamentais estão exclusivamente focadas em fatores
monetários, olhando a gestão de operações do sistema de saúde como se fosse uma caixa preta
e, assumindo que os custos associados à saúde são fixos.
Os autores colocam que, nas observações realizadas no ThedaCare, verificou-se que
todas as ações dos médicos são um conjunto de passos que podem ser examinados e
melhorados. Além disso, aprendeu-se a identificar valor sob o ponto de vista do paciente e
eliminar os desperdícios que pertenciam ao sistema de saúde. Desde 2002, quando se
começaram os trabalhos de lean healthcare, a taxa de mortalidade de cirurgias coronárias era
de 4%. Atualmente, esta taxa está em praticamente zero. Além disso, a média de dias que um
paciente ficava no hospital passou de 6,3 dias para 4,9 dias e o custo de uma cirurgia
coronária caiu 22%.

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Outro ganho foi a redução do tempo de espera dos pacientes para cirurgias ortopédicas
de 14 semanas para 31 horas, a partir da primeira ligação do paciente para o hospital
requerendo uma cirurgia.
John Touissant, CEO do ThedaCare Health System, estimou que as melhorias
realizadas apenas através do 5S reduziu a quantidade de tempo perdido de uma enfermeira,
em um turno de 8 horas, de 3,5 horas para apenas 1 hora por dia.
Trabalhos como este fizeram o ThedaCare economizar mais de US$ 27 milhões, e tal
economia foi passada aos pacientes, fazendo com que o hospital se tornasse o provedor de
saúde de menor preço em Wisconsin. E apesar da redução dos preços, as margens
operacionais do hospital duplicaram ao longo desses anos.
Ao contrário do Virginia Mason Medical Center, quando o ThedaCare iniciou a sua
jornada lean, ele era considerado um dos melhores hospitais americanos em qualidade pela
NCQA (National Committee for Quality Assurance), organização americana sem fins
lucrativos dedicada a melhorar a saúde dos hospitais americanos e utilizada pelos planos de
saúde para medir a performance dos hospitais. O NCQA tinha como indicadores de
desempenho medidas como acurácia dos diagnósticos realizados pelos médicos, melhorias das
taxas de colesterol e pressão sanguínea entre os pacientes cardíacos, entre outras.
Do ponto de vista dos princípios lean esses indicadores estão atrelados a atividades
que agregam valor, porém existem inúmeras atividades que não agregam valor, tais como as
longas esperas dos pacientes por tratamento que não eram consideradas.

3 METODOLOGIA DA PESQUISA
De acordo com Silva & Menezes (2000), pode-se definir e classificar a pesquisa
quanto à forma de abordagem do problema em duas opções: a pesquisa quantitativa e a
qualitativa. A pesquisa quantitativa considera que tudo pode ser quantificável, o que significa
traduzir em números opiniões e informações para classificá-las e analisá-las. Já a pesquisa
qualitativa, considera que existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, o qual
não pode ser traduzido em números, ou seja, não requer o uso de métodos e técnicas
estatísticas. Sendo assim, para esse trabalho será utilizada a pesquisa qualitativa.
Do ponto de vista dos objetivos a pesquisa pode ser dividida em três tipos principais: a
pesquisa exploratória, a descritiva e a explicativa. Esse trabalho, porém, se enquadra na
pesquisa exploratória, uma vez que um dos principais objetivos desse trabalho é obter maior
familiaridade com o problema de pesquisa, ou seja, evidenciar oportunidades de melhorias
operacionais em um hospital a partir da utilização do lean healthcare.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos a pesquisa pode ser, entre outras:
pesquisa bibliográfica, documental, experimental, levantamento, estudo de caso, ex post facto,
pesquisa ação e pesquisa participante.
Para este trabalho, a primeira forma de coleta de dados foi a pesquisa bibliográfica,
buscando-se materiais e documentos que abordaram os conceitos relacionados com os
assuntos tratados, tais como: produção enxuta ou lean manufacturing, lean healthcare, entre
outros. Além disso, utilizou-se a pesquisa bibliográfica como forma de análise de
implementações de lean healthcare em hospitais dos EUA.
Utilizou-se também a pesquisa participante, onde foi possível analisar o potencial de
melhoria de um hospital do interior do estado de São Paulo, através de observações realizadas
“in loco” juntamente com os principais gestores e pessoas-chave do hospital.
Os materiais analisados foram obtidos diretamente com os principais gestores do
hospital e com as pessoas-chave dos processos que foram analisados. A obtenção das

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informações foi realizada por meio de uma entrevista não estruturada, ou seja, sem um roteiro
previamente estabelecido.
A análise dos dados foi realizada a partir do desenvolvimento do mapa de fluxo de
valor atual, o qual foi desdobrado e detalhado para se inferir com maior precisão os problemas
encontrados no mapeamento.

4 ANÁLISE DOS DADOS


4.1 Análise do potencial de melhorias do Hospital Alpha
Não será possível divulgar o nome do hospital estudado. Sendo assim, será utilizado
neste artigo o nome fictício de Hospital Alpha.
O hospital estudado é um hospital privado e encontra-se no interior do estado de São
Paulo. Atende cerca de 8000 pessoas por mês. Os principais serviços oferecidos pelo hospital
são: atendimento de emergência, cirurgias, exames laboratoriais e internação. Além disso, o
hospital conta com uma farmácia com mais de 2000 medicamentos diferentes.
Fez-se uma análise dos principais fluxos de valor ou fluxo de pacientes do hospital.
São eles:
• Casa – Emergência – Casa
• Casa – Emergência – Enfermagem – Casa
• Casa – Emergência – UTI – Enfermagem – Casa
• Consultório – Centro Cirúrgico Internado – Recuperação Anestésica – Enfermagem –
Casa
• Consultório – Centro Cirúrgico Ambulatorial – Recuperação Anestésica - Casa
• Consultório – Centro Cirúrgico Ambulatorial – Casa
Esses fluxos de valor representam mais de 90% da demanda do hospital estudado, e
estão representados na figura a seguir:

Figura 2: Fluxos de Valor do Hospital Alpha


Fonte: elaborado pelos autores.

Dos fluxos de valor supracitados, selecionou-se um fluxo de ampla representatividade


no faturamento do hospital, ou seja, o fluxo Consultório – Centro Cirúrgico Internado –
Recuperação Anestésica – Enfermagem – Casa.
Para esse fluxo, existe uma demanda média de 480 cirurgias por mês, sendo que
dessas cirurgias 360 são eletivas e 120 são cirurgias de emergência.
Definido um dos fluxos de valor mais representativos em termos de faturamento do
hospital, foi construído o mapa de fluxo de valor da situação atual desse fluxo (figura três).
A leitura desse mapa de fluxo de valor pode ser realizada da seguinte forma:
• O paciente primeiramente é atendido em um consultório médico.

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• O médico do consultório informa o setor de agendamento cirúrgico do Hospital Alpha
sobre a necessidade de cirurgia.
• O paciente volta para a sua casa com a data que será realizada a cirurgia.
• No dia marcado, o paciente chega ao hospital para a realização da cirurgia.

Figura 3: Mapa de fluxo do Hospital Alpha


Fonte: elaborado pelos autores

Olhando-se sob a perspectiva do fluxo do paciente tem-se:


1. Espera: a. 10 minutos antes de realizar o cadastro.
2. Realizar cadastro: a. O processo cadastro já recebeu previamente informações
sobre o paciente, através do processo agendamento cirúrgico; b. Existem três pessoas que
trabalham no processo de cadastro; c. O tempo de duração do cadastro é de 10 minutos (L/T);
d. Como essas pessoas não trabalham em paralelo, tempo de ciclo do cadastro (T/C) é de 10
minutos; e. A disponibilidade do setor de cadastro é de 594 horas mensais, ou seja, cada
pessoa trabalhando 198 horas por mês, ou 44 horas semanais; f. O cadastro é realizado no
setor recepção.
3. Espera: a. após o cadastro, o paciente espera em média 120 minutos para o início
da cirurgia.
4. Realizar cirurgia: a. O processo agendamento cirúrgico envia todas as informações
necessárias para a realização da cirurgia; b. Existem sete salas de cirurgia; c. Em média, cada
paciente realiza a cirurgia em 130 minutos (L/T); d. Como existem sete salas de cirurgia,
teoricamente um paciente é operado a cada 19 minutos, ou seja, 130 / 7 = 19 minutos (T/C);
e. O tempo de preparação da sala de cirurgia (T/R) está em torno de 30 a 90 minutos; f. A
disponibilidade de cada sala de cirurgia está em torno de aproximadamente 286,5 horas
mensais, ou seja, para as sete salas de cirurgia existe uma disponibilidade de 2005,5 horas
mensais; g. A cirurgia é realizada no setor centro cirúrgico.

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5. Espera: a. após a cirurgia, o paciente espera em média 10 minutos antes de ir para o
processo reabilitação
6. Realizar reabilitação: a. O processo agendamento cirúrgico envia informações do
paciente para o processo reabilitação; b. Na sala de reabilitação, existem 12 leitos para os
pacientes; c. Geralmente, o tempo de reabilitação de cada paciente é 180 minutos (L/T);
d. Nesse sentido, o T/C de reabilitação é de 15 minutos (180 minutos / 12 leitos = 15
minutos); e. A disponibilidade da reabilitação é de 3438 horas mensais, ou seja, 286,5 x 12
(disponibilidade de uma sala de reabilitação multiplicada pela quantidade de salas de
reabilitação); f. O processo de reabilitação é realizado no setor de recuperação anestésica.
7. Espera: a. após a reabilitação, o paciente geralmente espera 60 minutos antes da
internação.
8. Realizar internação: a. O processo agendamento cirúrgico envia informações do
paciente para o processo internação; b. No processo internação, existem 41 leitos; c. O tempo
de internação de cada paciente é em média 2880 minutos (L/T), ou seja, 48 horas; d. Sendo
assim, o tempo de ciclo da internação (T/C) é de 70 minutos (2880 / 41); e. A disponibilidade
da internação é de 720 horas mensais para cada leito, ou seja, 29520 horas mensais para os 41
leitos; f. O processo internação é realizado no setor de enfermagem; g. Durante a internação,
são enviadas informações para a central de enfermagem, que envia informações para a casa do
paciente, principalmente quando ele está prestes a receber alta.
9. Espera: a. após a internação, o paciente espera de 120 à 360 minutos para sair do
hospital e voltar para a sua casa.
10. Retorno do paciente à sua casa: O paciente então volta para a sua casa,
fechando-se o ciclo do fluxo do paciente. No ícone “casa” do mapa de fluxo de valor,
estão discriminados a demanda média mensal, ou seja, 480 pacientes por mês.
Também está representado o takt time, que é definido como o tempo médio entre a
saída de um paciente e a saída do próximo paciente no fluxo de valor. O takt time foi
calculado pelo tempo disponível total mensal dividido pela demanda (24 horas x 30
dias) / 480 pacientes = 1,5 horas ou 90 minutos.
Finalmente, como resultado do mapa de fluxo de valor tem-se a linha do lead time,
onde o lead time total do paciente é de 3520 minutos, sendo que o tempo de agregação de
valor do paciente, ou seja, o tempo em que o paciente passou por um processo de
transformação de paciente doente para paciente curado foi de 3200 minutos. Vale lembrar que
o tempo de agregação de valor nesse caso é subjetivo, uma vez que as caixas de processo que
estão representando a agregação de valor podem conter inúmeros desperdícios.
O mapa de fluxo de valor atual descrito acima teve como objetivo mostrar de uma
forma macro o fluxo do paciente pelo hospital e as informações necessárias para a realização
do processo de cirurgia.
A partir de agora, será analisado o mapa de fluxo de valor atual com um pouco mais
de detalhes, a fim de identificar problemas que não estão facilmente visíveis no mapa.
Pode-se analisar o mapa de fluxo de valor anterior sob duas perspectivas: a da redução
de custos e a de aumento do ganho. A perspectiva de redução de custos está associada a
identificação de maneiras de organizar o fluxo de tal forma a reduzir ou eliminar atividades
que não agregam valor mantendo-se a demanda atual por cirurgias constante.
Já a perspectiva do aumento do ganho está associada ao potencial de aumento de
demanda e, consequentemente de faturamento que esse fluxo de valor possui, uma vez que já
existe uma capacidade instalada no hospital a qual pode ser então melhor explorada.

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Os dados que foram obtidos e coletados no Hospital Alpha permite analisar esse fluxo
de valor sob a perspectiva do potencial de ganho, ou seja, quanto poderá ser o aumento da
demanda do hospital a partir da capacidade instalada do mesmo.
Para um maior entendimento da análise do fluxo de valor pela perspectiva do
ganho,deve-se considerar o seguinte cenário A: os custos fixos são de 27um (vinte e sete
unidades monetárias), os custos totalmente variáveis representam 60um, e o lucro é de 13um.
Ao aumentar o faturamento da empresa em 30% através de um incremento nas vendas
(cenário B), utilizando-se da mesma capacidade instalada (mantendo-se os custos fixos
inalterados) e, considerando-se que os custos variáveis aumentarão na mesma proporção de
30%, então ter-se-á um aumento de faturamento de 100um para 130um, além de um aumento
dos custos variáveis de 60um para 78um e, como consequência, um aumento no lucro de
13um para 25um, ou seja, um aumento no lucro de praticamente 92%. Essa é uma forma
simples de demonstrar que uma melhor utilização das pessoas, máquinas, equipamentos e
instalações (representados na forma de custos fixos) podem gerar grandes incrementos de
lucro.
Analisando-se então o potencial de melhorias do Hospital Alpha a partir da
perspectiva do ganho, pode-se observar que existem dois processos-chave no mapa de fluxo
de valor que dão margem para uma melhor utilização da capacidade instalada: os centros
cirúrgicos e os leitos de internação.
Iniciando-se pelos centros cirúrgicos, foi desenvolvida a tabela dois, que apresenta a
seguinte situação:

Tabela 2: Potencial de realização de novas cirurgias


Fonte: elaborado pelos autores

A partir da análise da tabela acima podemos observar que o hospital Alpha tem um
potencial de 163 novas cirurgias, ou seja, praticamente 34% superior à demanda considerada
nesse estudo, considerando-se uma taxa de ocupação dos centros cirúrgicos de 80% e uma
redução do tempo de preparação da sala de cirurgia (setup) de 40 minutos para 20 minutos.

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Para atingir esse potencial de novas cirurgias, faz-se necessário analisar se os leitos terão
capacidade de suportar tal demanda. Essa análise é mostrada na tabela abaixo.

Tabela 3: Necessidade de novos leitos para o potencial de novas cirurgias


Fonte: Elaborado pelos autores

Pode-se observar através da tabela três que o aumento da quantidade de novas


cirurgias pode ser realizado com pouca ou nenhuma necessidade de aumento do número de
leitos.
Tanto a tabela dois quanto a três foram construídas utilizando-se uma macro análise e
a partir de valores médios de dados e, sendo assim, têm o mérito de trazer uma visão de
potencial de ganhos. A partir desse direcionador desenvolvido, é necessário realizar o
seguinte questionamento: Como podemos aumentar a quantidade de cirurgias realizadas nos
centros cirúrgicos?
Todavia, antes de se responder a tal pergunta, será feita uma análise um pouco mais
detalhada da sistemática de ocupação dos centros cirúrgicos.
O gráfico um mostra a taxa média de ocupação dos centros cirúrgicos de segunda-feira
à domingo.

Gráfico 1: Ocupação do centro cirúrgico por dia da semana


Fonte: elaborado pelo autor
Observa-se que existe uma concentração de demanda nas quartas-feiras, com uma taxa
de ocupação dos centros cirúrgicos em torno de 87%, enquanto que nos outros dias da semana
(à exceção de sábados e domingos) a taxa de ocupação do centro cirúrgico está entre 61% à

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72%. Nessa taxa de ocupação estão sendo considerados os tempos de setups das salas de
cirurgia que, como mencionado anteriormente, está em torno de 40 minutos. Entrando em um
pouco mais de detalhes, pode-se analisar o gráfico dois, que mostra a quantidade de operações
diárias por janelas de tempo.

Gráfico 2: Distribuição das cirurgias durante o dia


Fonte: elaborado pelo autor

No gráfico acima é possível observar que existe uma concentração de demanda de


cirurgias em um determinado horário do dia, ou seja, entre às 07:00h e 09:00h da manhã,
girando em torno de 6,1 pacientes por dia. Em contrapartida, a menor demanda em horário
comercial está em 1,4 pacientes por dia, das 15hs às 17hs. Fica patente que os horários
preferidos pelos médicos para a realização das cirurgias estão entre as 07:00h e 09:00h da
manhã.
Pode-se observar que a demanda ao longo do dia é desnivelada, o que faz com que
ocorram sobrecarga e ociosidade de pessoas e equipamentos ao longo desse período. Sendo
assim, evidencia-se que existe um grande espaço para aumento da utilização dos centros
cirúrgicos, porém o aumento dessa utilização deve estar associado a um processo de
nivelamento de vendas.
Portanto, em resposta à pergunta: Como é possível aumentar a quantidade de cirurgias
realizadas nos centros cirúrgicos? Pode-se dizer que é necessário uma estratégia comercial do
hospital para aumento da quantidade de cirurgias para preencher a capacidade instalada do
hospital, porém, essa ação não surtirá efeito se não for acompanhada por um processo de
nivelamento de vendas.
É natural em qualquer empresa a existência de variações de vendas. Essas variações
levam algumas empresas a incorrerem em aumentos de capacidade produtiva nos momentos
de pico de demanda e, uma vez que essa capacidade produtiva já está instalada, quando há
decréscimo ou vales de demanda, as empresas terão que arcar com os custos associados a essa
capacidade excessiva.
Nesse sentido, o nivelamento da vendas é fundamental para uma melhor utilização da
capacidade produtiva. Isso significa preencher a capacidade produtiva de tal forma que se
obtenha a maior utilização possível da capacidade instalada, revertendo essa utilização em
lucratividade para a empresa.
Sob o ponto de vista dos pacientes, o desnivelamento da produção pode incorrer em
atrasos e esperas dos mesmos. Em relação a esse aspecto, no Hospital Alpha foi encontrado
com bastante frequência atrasos no início das cirurgias. De acordo com os dados do hospital,
das 360 cirurgias que são eletivas, 150 iniciam-se com atraso. Considerando-se que cada tipo

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de cirurgia geralmente segue um determinado padrão, isso mostra um potencial de melhoria
no sentido de agendar as cirurgias de acordo com o padrão previamente estabelecido.
Quando as cirurgias iniciam-se no horário da manhã (07:00h) os pacientes chegam
com alguns minutos de antecedência e logo são submetidos à cirurgia. Como não se tem um
padrão do tempo de duração dessa cirurgia, o próximo paciente que fará a cirurgia na mesma
sala provavelmente chegará com vários minutos de antecedência ao hospital, uma vez que ele
não foi informado sobre o horário preciso de início da cirurgia, gerando-se insatisfação dos
mesmos. Em média, os pacientes chegam a esperar duas horas antes do início de uma cirurgia.
Como causa desse problema pode-se verificar que não existe um método adequado de
programação das cirurgias baseado em tempo médio de operação versus disponibilidade de
sala. Uma possível solução para esse problema é uma programação de cirurgias que leve em
conta o tempo padrão de cada um dos diferentes tipos de cirurgia, associado à capacidade ou
disponibilidade das salas de cirurgia. Isso pode ser feito por meio de um quadro de
programação e nivelamento de produção, também conhecido como Heijunka Box, já
comentado no referencial teórico.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como o lean manufacturing, o lean healthcare está trazendo e trará benefícios
para a empresas da área de saúde tanto no Brasil quanto no mundo.
Os hospitais mencionados neste trabalho, o Virginia Mason, o Thedacare e o Hospital
Alpha nos mostram que existem oportunidades de melhoria na gestão de operações dos
hospitais, as quais podem ser obtidas por meio da utilização da filosofia lean inicialmente
adotada na indústria automotiva e que atualmente está sendo empregada a todos os setores da
indústria e serviços.
Nesses hospitais observou-se ganhos operacionais, tais como: redução do nível dos
estoques, aumento de produtividade, redução dos tempos de setup, redução dos tempos de
internação dos pacientes, redução dos erros médicos, redução dos tempos de espera dos
pacientes, entre outros, e consequentemente, redução dos custos e aumento das margens
operacionais.
A questão de pesquisa desse trabalho: é possível evidenciar oportunidades de
melhorias operacionais em um hospital a partir da utilização do lean healthcare, foi
respondida a partir do estudo do Hospital Alpha. No fluxo de valor estudado, pode-se inferir
ganhos de aproximadamente 34% na capacidade de realização de cirurgias, utilizando-se
praticamente a mesma capacidade instalada.
Vale destacar que esse ganho é apenas uma projeção, uma expectativa, visto que não
houve ainda nenhum tipo de implementação da filosofia lean healthcare no Hospital Alpha.
O aumento da produtividade dos centros cirúrgicos só será possível com o aumento da
demanda e o nivelamento do processo de realização de cirurgias e os critérios para isso não
foram analisados nesse trabalho, pois o mesmo se deteve aos pontos associados à gestão de
operações. Além disso, a baixa taxa de utilização dos centros cirúrgicos não necessariamente
reflete o maior problema do hospital uma vez que não foi possível ter uma visão holística da
situação do hospital estudado.
Nesse sentido, para pesquisas futuras, sugere-se um trabalho que vise aprofundar a
utilização do lean healthcare nos hospitais brasileiros.
Quanto às limitações deste estudo, pode se destacar o acesso restrito a dados e
informações do hospital estudado; a visão pontual que as informações coletadas trazem, sem

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necessariamente apresentar uma visão holística. Além disso, não se pode afirmar que os
problemas encontrados no hospital estudado poderão ocorrer em outros hospitais.

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