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Ikómojáde - O dia do orúko

"O presente texto pretende mostrar a importância dada pelos Yorùbá


tradicionais à escolha do nome pessoal (Orúko) de seus filhos e anunciado
no ritual denominado "Ikómojáde", bem como sua correspondência dentro
do Processo Iniciático para Òrìsà ou "Feitura de Santo" no Candomblé de
raízes Kétu."

Segundo maior grupo étnico da Nigéria, dentre os cerca de 250 grupos


étnicos existentes, os Yorùbá estão presentes principalmente em estados
localizados no sudoeste nigeriano, onde é maioria, e ainda em algumas
cidades da República do Benin (antigo Daomé).

A história deste povo tem início antes da era cristã. Eles fizeram parte de
um dos grandes Impérios constituídos na região hoje ocupada pela Nigéria:
O Império Yorùbá.

Segundo as tradições locais, que mistura dados históricos com mitológicos,


o Império Yorùbá tem início com a chegada de "Odùduwà" e seus
seguidores, na região onde hoje é a cidade de Ifè, no estado de Òsún; ele
teria expulsado os líderes locais e iniciado ali o seu reinado.

Após estabelecer o reino de Ifè, Odùduwà teria enviado seus filhos para a
conquista de terras vizinhas, assim, a partir do reino de Ifè outros reinos
foram estabelecidos pelos seus descendentes. Esses reinos evoluíram ao
longo dos séculos, baseados no comércio e na agricultura.

Do contato com os primeiros europeus, a partir do século XV, resultou a


colonização da Nigéria pelos ingleses no final do século XIX, mas mesmo
com a administração inglesa, os Yorùbá mantém o seu sistema de governo
tradicional, que hoje procura conviver com o governo civil presidencialista.

Atualmente, antigos costumes como a escolha do nome de uma criança, só


são mantidos pelos Yorùbá mais tradicionais, no entanto essa prática era
comum antes da introdução dos costumes ocidentais.
Para entender a importância da escolha do nome, precisamos ter uma
noção da religiosidade Yorùbá e da importância dada à "palavra", por esse
povo de tradição oral que só conhece a escrita a partir do contato com os
colonizadores.

Os Yorùbá concebem que a existência transcorre em dois planos: no aiyé,


isto é, o universo físico com todos os seres naturais que o habitam, e no
òrun, o espaço sobrenatural, um mundo paralelo ao mundo real, habitado
pelos espíritos de seus ancestrais...

A religião tradicional Yorùbá consiste no culto à Olóòrun, o "Criador do aiyé e


do òrun", através de "ancestrais divinizados" denominados Òrìsà. Os Yorùbá
acreditam que os Òrìsà são uma extensão de Olóòrun, que através deles
intervém nos problemas humanos, sendo assim rezando para "Eles", podem
interferir positivamente em suas vidas.

Òrúnmìlá é considerado o precursor e estruturador da "religião" dos Yorùbá.


Acreditam que ele introduziu em Ifè a prática da consulta ao "Oráculo de
Ifá", através da qual, pela utilização de alguns "instrumentos", o Bàbáláwo
(Sacerdote de Ifá) verifica o destino de uma pessoa, que é traduzido por
signos gráficos denominados "Odù".

Para os Yorùbá, a palavra conduz um poder de realização, denominado


"Àse", que coloca em movimento e desperta as forças que estão estáticas
nas coisas. Cada palavra proferida é única, ela comunica a experiência de
uma geração à outra, transmite o Àse dos antepassados à geração do
presente.

Sikiru Salami diz que: "A palavra, considerada elemento de origem divina,
força fundamental emanada do próprio Ser Supremo, é, ela própria,
instrumento de criação. Considerada um dom do pré-existente serve de
instrumento à materialização e exteriorização de forças vitais" (Sikiru
Salami, 1997, p. 44).

Por ocasião do nascimento dos filhos, a mulher Yorùbá e o recém-nascido


permanecem em casa até o dia do Ikómojáde, ritual tradicional durante o
qual o nome da criança é anunciado para a família e para a comunidade. O
Ikómojáde é uma prática antiga entre os Yorùbá, e tem por objetivos
anunciar o nome da criança, dar a ela as boas vindas e felicitar os seus pais.

Tradicionalmente, se a criança era um menino, recebia o nome no nono dia


de vida, se era uma menina, no sétimo dia, e se eram gêmeos, no oitavo
dia. Nos dias atuais, a escolha tem acontecido no oitavo dia, independente
do gênero e número de crianças nascidas.

Antes porém, do Ikómojáde, no terceiro dia após o nascimento, um


Bàbáláwo é chamado para realizar o Àkosèjayè, ritual divinatório que
objetiva obter dados a respeito do destino do novo membro que está
chegando para aquela família e indagar sobre seu futuro. São verificados
quais os Odù que direcionam a vida da criança, e como conseqüência quais
"Èèwò" (interdições alimentares e de conduta) que a criança deverá
obedecer para facilitar seu desenvolvimento material e espiritual.

O nome, que deve ser escolhido previamente ao dia da cerimônia, pode ter
a influência das circunstâncias que cercam o nascimento da criança, sendo
nesse caso denominado"Orúko Àmútoruwá" (nome trazido ao nascer) ou
"Isomolóruko" (ato de escolher o nome do recém nascido, com a
observância à cerca do fato). Os orúko àmútoruwá ou isomolóruko indicam
circunstâncias da gestação ou do parto, circunstâncias familiares ou da sua
comunidade.

Dentre os orúko àmútoruwá os mais importantes são os relacionados a


gêmeos: O nome do primeiro nascido será sempre Taiwo (experimentar a
vida), e o último sempre Kèhìndé (último a chegar). A criança nascida após a
gestação de gêmeos recebe o nome de Idowu. Ige é o nome dado à criança
nascida com apresentação dos pés; Dàda, o nome dado á criança nascida
com cabelos encaracolados.

São exemplos de nomes determinados por circunstâncias familiares:


Bàbátúndé (papai retornou), dado à criança nascida após a morte de um
avô e Ìyábo (mamãe retornou), dado à criança nascida após a morte da avó.

Se uma criança nasce durante o Ano Novo ou durante um Festival Anual,


recebe o nome de Àbíodún.
Se a criança não traz um nome ao nascer, ou seja, um orúko àmútoruwá, a
família terá que decidir pela sua escolha, sendo nesse caso denominado
"Orúko Àbíso".

Há um provérbio yorùbá que diz: "os pais devem sempre olhar para a sua
casa, antes de escolher o nome de uma criança", devendo-se entender a
palavra „casa‟, como a „família‟. Os orúko àbiso são escolhidos após um
estudo sobre a família, em aspectos como profissão, ancestralidade, òrìsà
cultuado, etc.

A grande importância dada ao orúko àbíso é que, segundo o entendimento


Yorùbá, ele irá refletir diretamente na vida daquele indivíduo. Esse
entendimento está relacionado à importância atribuída à "palavra", ou seja,
à medida que aquele nome é pronunciado estará agindo na vida e no
comportamento daquele que o carrega, logo, a escolha do "nome ideal" é
uma tarefa muito importante, pois é por este nome que o indivíduo será
chamado durante toda a sua vida.

A criança nascida em uma família que cultua o Òrìsà Ògún pode receber um
nome que evidencia esse compromisso: Ògúndolá (Ògún traz/trouxe
prosperidade) ou Àgbèdédolá ( a forja trouxe prosperidade); se for Sòngó:
Sòngódéye (Sòngó trouxe este filho) ou Sòngóbunmi (Sòngó me deu de
presente).

Alguns orúko àbíso:

Masculinos Femininos

- Àbíáyomi (nascido para me trazer alegria)

- Dáyo (alegria alcançada)

- Akin (homem valente)

- Àyomidé (minha alegria chegou)


- Àyodélé (alegria vem ao lar)

- Fúnmiláyo (deu-me felicidade)

- Olákúndé (o valoroso chegou)

- Olábunmi (minha honra foi recompensada)

Tradicionalmente o Ikómojáde acontece fora da casa, ao ar livre, de forma


que os pés descalços da criança possam tocar à terra pela primeira vez. A
cerimônia marcará a primeira vez que a criança e sua mãe saem de casa.
Dentre os convidados estão parentes e membros da comunidade, que vêm
dar as boas vindas à criança e felicitações aos pais.

A mãe da criança a apresenta à um ancião da família, que realizará o


Ikómojáde. O papel que os anciões da família exercem no Ikómojáde tem
uma importância simbólica e tradicional: eles acreditam que a criança veio
de onde eles se preparam para ir, o òrun, por causa desse laço, o ancião da
família deve ser o primeiro a guiar os primeiros passos da criança recém
chegada.

No Ikómojáde uma série de elementos são utilizados: epo-pupa (azeite de


dendê), oyin (mel), obi e orogbo (noz de cola), atare (pimenta da costa), omi
(água), ìrèkè (cana-de-açucar), iyò (sal), òti (bebida destilada), etc.

Cada um desses elementos é encostado na cabeça da criança e em sua


boca, enquanto se recita as suas propriedades vitais. Ao apresentar esses
elementos à criança, pretende-se que cada um deles forneça a ela um
determinado atributo, relacionado ao seu significado simbólico. Assim, o obi
é utilizado para protegê-la da doença e da morte prematura; a pimenta da
costa favorece a vitória sobre os inimigos e obstáculos ao longo da vida; o
sal é voto de longevidade; a cana-de-açúcar e o mel são usados para atrair
circunstâncias agradáveis; etc. Depois que cada elemento é oferecido à
criança, será oferecido também a todos os presentes.
Depois que a criança recebe a força desses elementos, seu nome lhe é
atribuído por meio de uma recitação que pede sucesso, saúde e felicidade.
A cerimônia termina com uma grande festa.

A partir da colonização da Nigéria pela Inglaterra, os Yorùbá passam a usar


nomes com influência cristã e islâmica. Algumas famílias, no entanto, usam
o nome principal de acordo com o modelo ocidental, deixando para o
sobrenome o nome tradicional Yòrubá.

No nosso entender, tendo como referência autores como Juana Elbein dos
Santos, o "Terreiro de Candomblé" surge no Brasil do século XIX, como uma
necessidade de recriar o espaço geográfico Yorùbá, assim como as suas
relações familiares, perdidas com o tráfico de escravos. Os laços de
parentesco deixam de ser de sangue, para ser simbólicos, no entanto o
objetivo é reproduzir a família Yorùbá tradicional.

Dentro desse contexto é que acreditamos que muitos dos gestos e atitudes
que reproduzimos hoje em nossas "Casas de Santo", são as reproduções do
dia a dia desse povo.

Não estamos querendo com isso diminuir o valor dos rituais praticados,
mais sim simplificá-los e entendê-los dentro de um contexto cultural
diferente do nosso.

Assim é que analisamos o Ikómojáde dentro do Processo Iniciático para


Òrìsà ou "Feitura de Santo" nos Candomblé de raízes Kétu no Brasil.

A Iniciação para Òrìsà implica numa "morte simbólica" e no "renascimento"


para uma nova vida, vida esta consagrada ao òrìsà. Dentro desse processo,
a primeira parte é dedicada a uma "gestação simbólica" em que se reproduz
a vida no ventre materno. O novo indivíduo "nasce" e como acontece em
território yorùbá tem lugar o Àkosèjayè.

O indivíduo nasceu, foi verificado o seu destino (odù) e precisa receber um


nome, o qual será anunciado em cerimônia pública, também denominada
de Ikómojáde ou "Dia do nome".
No Brasil, nem sempre o nome é escolhido pelo Bàbálòrìsà ou Ìyálòrìsà, há
casos em que o iniciado tem que receber o nome através de "sonho".

Pelas características dos Orúko encontrados entre os adeptos do Candomblé


brasileiro, percebemos que se tratam de Orúko àbíso, e ainda que, na
maioria das vezes, fazem referência ao òrìsà individual daquele indivíduo:

"...Um dos aspectos importante que define cada grupo de iniciados é o fato
de trazer diante do nome de iniciação um nome genérico comum a todos os
que pertencem a um determinado òrìsà: Òrìsàlá – Iwin (Iwin-tólá, Iwin-
múìwá, Iwin-solá, Iwin-dùnsí); Obalúaiyé – Iji (Iji-lánà, Iji-bùmi, Iji-dare); Nana
– Na (Na-dógiyá, Na-jide); Sangó – Oba (Oba-téru, Oba-bìyì, Oba-tosi)" (Juana
Elbein dos Santos, 2002, p. 35).

Diferentemente do que ocorre em território Yorùbá o novo nome não é


anunciado por um membro mais velho da comunidade, é o próprio Òrìsà
quem o proclama.

Depois de toda essa exposição o que queremos deixar para reflexão é o


seguinte: vimos que entre os Yorùbá tradicionais a escolha do nome é de
vital importância, pois acreditam que ele irá refletir diretamente no
comportamento e na vida daquele indivíduo, por que então em algumas de
nossa "Casas de santo" a pronúncia desse novo nome é um tabu? Chegando
mesmo em algumas delas a ser omitido até mesmo do filho-de-santo!

Se estivermos reproduzindo a família e a comunidade Yorùbá dispersadas


pelo tráfico de escravos no passado, por que não fazer desses costumes
uma prática mais natural? Ou habitual?

Ulisses Manaia (Bàbá Olúmolà)

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