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Porfírio - Isagoge - Introdução Às Categorias de Aristóteles
Porfírio - Isagoge - Introdução Às Categorias de Aristóteles
1)1 I'FLES
/UIMAN t: E 17' RE
SAGOGE
J. a edição: 1994
ISAGOGE
( E(oaywYlÍ)
[INTRODUÇÃO ÀS CATEGORIAS
DE ARIST6TELES]
LISBOA
GUIMARÃES EDITORES
1994
SUMÁRIO
• o
8 PORFfRIO
PREFÁCIO
I.
1. PORFfRIO, ou Basílio, é o nome grego de
Meleq (significa: rei) em latim transcrito Malco,
homónimo desse outro semita, servo do pontífice
ao qual o apóstolo Pedro teria cortado a orelha,
quando Jesus Cristo foi preso no Jardim das
Oliveiras (I). Com efeito, Porfírio era fenício,
tendo nascido em Tiro, ou Batania da Síria, cerca
do ano 232 da era cristã. A cultura grega vive o
período helenístico, o pensamento mediterrâneo
vive uma renovação da escola platônica, forja-se o
ciclo, que se prolongará em Roma, e noutras
cidades, do Pl ato n is m o Ecléctico. Cássio
LONGINO (fal. 273), neoplatónico, que estudara
em Alexandria na escola de Amónio Saccas, e fora
mestre de Retórica em Atenas, fixou-se na Síria,
onde continuou o ensino. Longino é o presumí-
vel autor de um tratado de funda repercussão
estética, o TIEpL U'l'o'UÇ, Das Alturas, ou
Do Sublime, escrito magistral de toda a Retórica
posterior. Meleq frequentou as aulas de Longino,
personalidade importante, uma vez também
desempenhar as funções de ministro de Zenóbia,
rainha de PaImira. Decerto que Porfírio pertencia
a família de posição social e de algum poder eco- para a filosofia moderna (I), homem de vida aus-
nómico. Longino morreria em 273, condenado à tera, de mística corporatura e de irreprimível
morte por Aureliano, que o acusou de cumplici- vocação pedagógica, a pontos de abrir a sua casa a
dade nos interesses da mencionada rainha de sucessivas levas de jovens romanos, a quem ensi-
Palmira. Nesse ano, já Porfírio se encontrava nava, e cujos interesses defendia. Porfírio era,
longe, em Roma, e talvez nunca soubesse do triste como Plotino, um sernita (Pio tino nascera no
fim do seu antigo professor de Retórica. Teve, Egipto) e, por isso, uma especial atmosfera se
porém, outros mestres de retórica, como Orígenes criou entre ambos. Pio tino tinha então a idade de
(não é o célebre Orígenes de Alexandria, embora 59 anos e socorreu-se muito de Porfírio que, além
o pudesse ser, em termos cronológicos, mas um de atender as aulas do mestre, ainda assumia
outro Orígenes) e Apolónio, figuras acerca das alguns trabalhos administrativos e de pesquisa,
quais pouco sabemos. tendo contraído um estado de neurastenia, que o
Motivado pelas hipóteses de futuro que colocou em risco de suicídio. Corria o ano de
Roma oferecia aos professores gregos, saiu de Tiro 267 ou 268, e Plotino, adivinhando o que ia na
para a cidade imperial, quando rondava a idade alma do amigo, aconselhou-o a sair de Roma, a
de trinta anos, ou seja, por volta do ano 263, afastar-se do trabalho por algum tempo, e
depois de ter escrito uma primeira obra, consi- Porfírio aceitou a ideia, saindo para Lilibeia, na
derada perdida, e inritulada A Filosofia segundo os ilha de Sicília, onde permaneceu até ao ano de
Oráculos, que Gustavo Wolff tentou, em 1856, 270, por isso que não assistiu à morte de Plotino,
reconstituir, a partir de fragmentos citados em o qual, doente, encerrara a escola, cujos alunos se
vários autores, sobretudo na Preparação Evan- dispersaram, e partiu para a Campânia, onde
gélica (Preparatio Evangelica) de Eusébio de
(1) Cf Porfírio, Vito Plotinii, que antecede todas as edições
Cesareia, e na De Ciuitate Dei, de Santo
das Enéadrs, de Plotino. Citamos, a título de breve infor-
Agostinho. mação, a de E. Bréhier, Paris, G. Budé, 1924-1938.
Já em Roma, entra na escola de Pio tino de A bibliografia portuguesa é escassa, mas registamos, como
excelente introdução, Carlos Henrique do Carmo Silva,
Licópolis (205-266), fundador do Neoplato-
"Plotino", in Lagos, Euciclopédia Luso-Brasileira de FiLosofia,
nismo e pontífice da transição da filosofia clássica vo\. 4, P: 271-306, e a abundante bibliografia aduzida.
14 PORFfRIO ISAGOGE 15
um Comentário do Parménides 0>, cuja positiva Vem ao eito o tema de Porfírio ter sido cris-
origem porfiriana se situa ainda no domínio de tão. Alguns escritores eclesiásticos, como
hipótese, embora os fragmentos salvos e editados Aristócrates e Sócrates de Constantinopla infor-
evidenciem uma tese cara a Porfírio, qual essa da mam que Porfírio foi cristão, motivo pelo qual o
identificação do Uno puro e do Ser puro e do nosso Pedro da Fonseca o considera "pérfido
Intelecto em repouso; e na reserva posta à compi- desertor da fé cristã" - p erfidi deserto ris
lação dos Oráculos Caldeus, aparecida no tempo Cbristiane fidei (1). - De tal modo o fora, e de tal
de Marco Aurélio e de J uliano, o T eurgo. modo se tornara inimigo dos Cristãos, que o
Porfírio participa do movimento romano Imperador Consranrino , numa carta ao povo
contra a implantação do Cristianismo e, com sobre a condenação de Ário e do Arianismo,
efeito, é o autor de um tratado, ou manifesto dou- determinou que os sequazes de Ário fossem cha-
trinal, Contra os Cristãos (Ka"tà XPtOUavlov), cons- mados porfirianos, discípulos de Porfírio, "ímpio
tituído por quinze epístolas, em que visa refutar a e inimigo capital da sociedade" - « ••• impium, et
valia da doutrina cristã. Só dispomos de fragmen- capitalem pietatis hostem" (2). Que se opôs ao
tos, registados por autores que se lhe opuseram, Cristianismo, não há dúvida; que alguma vez
uma vez que as referidas epístolas foram manda- tivesse sido cristão, pode duvidar-se. Nada obsta a
das destruir por Constantino, após a sua conver- que fizesse uma caminhada de catecúrneno, em
são, e pelos sucessores, os imperadores Tiro, sem resultado baptismal. Em Tiro existia
Valenriniano III e Teodoro 11,já tarde, no ano de uma forte comunidade cristã, essa mesma que
448. Pierre de Labriolle (l) procurou reconstituir fora erecta no tempo de Paulo, como sabemos
as epístolas, baseado nos fragmentos recolhidos pelas Escrituras. Viajando de Rodes, Paulo e os
em escritos de S. J erónimo e de Euséb io , companheiros chegaram a Tiro, onde o navio
Apolinário e Método. havia de fazer-se à carga, e encontrou cristãos,
com os quais viveu uma semana, e que o avisaram
01 Cf. P. Hadot, "Fragments d'un Commentaire de
Porphyre sur le Parrnénide", in Reuue des Études Grecques, [%111 Pedro da Fonseca, Isagoge Filosófica, ed. de Joaquim
vol. 74, Paris, 1961. l!:erreira Gomes, Coimbra, 1965, p. 9.
121 P. de Labriolle, Ia Réaction Paiéune. Paris, 1948. 121Pedro da Fonseca, ibidem.
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para não ir a Jerusalém (I). Tiro era, na época de anterior a todo o conhecimento, sendo congénito
Porfírio, sede de arquidiocese, e, dado o espírito a quanto o homem é enquanto homem.
curioso, bem pode ter frequentado uma comuni- Chega confuso, difuso, e instável, à Sicília. Já
dade eclesial. Se cbegou a baptizar-se é matéria foi escrito que a Lógica de Aristóteles, substante e
ignorada, mas considerável número de apologis- formal no Organon, é a medicina do juízo perfei-
tas - Apolinário de Laodiceia, Eusébio de to, um caminho para os descarriados, a medicina
Cesareia, Metódio de Olimpo, Macário de da alma confundida. Talvez por isso, enquanto
Magnésia, S. Jerónimo e Santo Agostinho - na Sicília, e como exercício terapêutico, Porfírio
consideraram-no adversário do movimento cris- deu-se ao rigor ascético. E que melhor via além
tão, "christianorum accerrimus inimicus' (2), sem da compreensão dos esquemas categoriais de
prejuízo da sua nobre qualidade de filósofo. Aristóteles? Datam deste breve período de vilegia-
Todavia, Porfírio não se limitou a combater a tura, duas obrinhas de uma alma que, ao perigo
religião cristã, opôs-se também aos cultos egípcios, da dispersão opõe o exercício da disciplina: uma
conforme patenteia na Epistola ad Anebanem 0>, espécie de catecismo, de perguntas e respostas,
sacerdote egípcio, em que o sujeita a um teste de em que o aprendiz pergunta e o professor res-
perguntas e de respostas sobre teologia e dernono- ponde, acerca das Categorias: Aristotelis Categorias
logia. Esta carta teológica terá sido a causa da
Expositio per Interrogationem et Responsionem (I); e,
por fim, o tratadinho que maior celebridade deu
Resposta do Mestre Abammon e também do tra-
ao autor, a ELoayury1í, Üagoge.
tado Dos Mistérios (De Mysteriis) que se atribui a
Regressado da Sicília, dedicou-se a salvar a
Jâmblico, aluno de Porfírio, e que é uma obra
obra de Plotino. Convém referir que um outro
prima na área da filosofia da religião, em que o
discípulo, Amélio Genriliano, fizera assento escri-
auror propõe um anri-inrelectualismo, assumindo
to de várias lições de Plotino, que chegou a enviar
que o conhecimento do divino e da salvação é
a Longino. Essas notas, ou assentos, teriam ser-
(I) Actos dos Apóstolos, 21 , 3- 5.
A. Busse, Porphyrii lsagoge et in Aristotelis Categorias
(I)
(2) Santo Agostinho, De Ciuitate Dei, Liv. X, capo IX. Commwtarium. Academia de Berlim, 1887. É o 4.0
(3) Edição G. Parthey, Berlim, 1857. volume da série Commentaria in Aristotelem Greca.
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vido de base ao tratado Teologia de Aristóteles, nio técnico da divisione pbilosophie, da Ética para
muito lido na Idade Média, e assumido como a Física, conforme à tradição herdada de
tendo uma origem muçulmana. Este tratadinho, Xenócrates e de Aristóteles. A divisão do tratado é
para além da sua beleza, tem a utilidade de com- obra de Porfírio, por isso que se re ista a se uên-
plementar o enrendimenro das ideias de Pio tino, cia das Enéades: I) Moral; 2) Física 3)
na forma como nos foram legadas por Porfírio. Providência; ) Alma; 5) Intelecto; 6) O Uno.
De posse dos manuscritos do mestre, Porfírio m mooo prefacial, Porfírio redigiu, para
tratou-os, ordenou-os, e compilou-os, num sis- anteceder as Enéades, uma Vita Plotinii, uma
tema de 54 tratados, agrupados em seis livros de Vida de Plotino, a mais importante fonre para a
nove tratados cada um, ou seja, em seis novenas, biografia do filósofo neoplatónico, a qual aparece
~vvEáç, éneás, de onde o tírulo universal Enéades, em todas as edições daquela obra de Plotino, tes-
obra aparecida no ano de 301, depois perdida, temunhando a versatilidade do biógrafo, tão
sendo recuperada na versão latina, em 1492, pelo capaz do exercício especulativo, como da digres-
f1orenrino Marcílio Ficino, a versão grega só se são histórica e literária. Um outro breve escrito,
tornando conhecida no Ocidente em 1580. acerca do pensamento de Pio tino, é uma espécie
Nem sempre os iluminados filósofos foram de epístola, intitulada Pontos de Partida para
consistentes escritores, necessitando, algumas Atingir os Inteligíveis, ou, no dizer latino,
vezes, de quem lhes organizasse a obra por escri- Sententie ad intelligibilia ducentes (ÀqJOPIlat. Ilpàç
to. Tal é o caso de Jesus de Nazaré, de Sócrates, -rã vorrcé) (I), uma espécie de inrrodução a Plotino,
de Aristóteles (algum Aristóteles), de Hegel, e em que, de forma resumida, ou elemenrar, expõe
também de Pio tino. O que deste conhecemos de as principais teses do mestre, sobretudo as gran-
magistral acha-se nas Enéades, mas esta obra é o des teses das Enéades, sobre o Uno e o Múltiplo, a
pensamento de Plotino segundo Porfírio, de modo alma e a catárse, ou purificação. Admite-se que
que, o que de Plotino herdámos é um Plotino / estas Sentenças foram o seu último escrito, entre
Porfírio. A sagrada arquirectura dada por Porfírio os que chegaram à posteridade.
aos manuscritos de Plotino releva de saber iniciá- (I) Porfírio, Seutentia ad Inte/LigibiLia Ducentes, ed. B.
tico e de inteligência orgânica, com pleno domí- Mommert, Leipzig, 1907.
22 PORFfRIO ISAGOGE 23
e selectiva que a primada da Mistério. exercia na alegando. que é pérfida, perigasa na prática e proi-
Neoplatonismo. Porém, face a uma nova anda bida pelas leis; cama logo, cedendo. aos panegiris-
nomenclatural decorrente da especulação. patrís- tas, a declara útil para purificar uma parte da
rica, Parfíria aproxima-se das indicadores da alma, senão. a alma intelectual, em que ela
nava civilização. O conhecimento religioso (fila- conhece a verdade destas realidades inteligíveis
sófico) não. se resumiu ao. conhecimento intelec- que não. têm qualquer semelhança com a carpa,
tivo, será também um conhecimento agente, uma mas a alma espiritual em que ela capta as imagens
aliança da doutrina e da praxis. Talvez par in- das coisas corporais" É par Santo Agostinho
(1).
fluência cristã (e sem que haja entrada na Igreja que nas é dada ver cama Porfírio detinha argu-
das Fiéis) propõe quatro. princípios de vida espiri- mento para separar a Fé (própria da alma espiri-
tual: a Fé (JT.Louç), a Verdade (áÀlí8ELU), a Amar tual) da Verdade (acessível à alma intelectual, ou
(tpwç) e a Esperança (ÉÀntç), um quadrilátera racional).
análogo da trilátero da catequese cristã, a Fé, a A libertação. da alma, encerrada na invólucro
Esperança e a Caridade (Amar), com a diferença carnal, efecrua-se mediante a Santa Sofia, a sabe-
de que Porfirio, em vez de unificar as termas de daria, superior a qualquer culro, rito. ou liturgia.
Fé de Verdade, as separa, par efeito da necessi- Não. há ateus, toda a criatura está indissoluvel-
dade filosófica de introduzir uma distinção. entre mente unida (mesma que a ignore) ao. Criada r, e
a saber revelada (Fé) e a saber da Razão. esta regra oferece mais valia, quando. aplicada ao.
(Verdade), uma vez que a Verdade, menos da filósofo: "O sábia, mesma em silêncio. (owêrv)
que um dada, é uma aquisição. da pradígia honra a divindade, enquanto a inculto, embora
humana. Ele não. pade abandonar uma radicação. reze e ofereça sacrifícios, ofende a divina". Não.
cultural, que lhe fora mátria e matriz, par uma há comportamento religioso sem iniciação. filosó-
nova forma de cultura que as países itálicos adap- fica, de m o d o que só a sábia é a sacerd ore
tam. Permanece leal à mediação. teúrgica, peculiar
(tEPEÚÇ), só a sábia sabe rezar, só ele sabe amar a
ao. N eoplatonismo, a que a faz incorrer na acidez divindade. O amar a diuinis está vedada ao.
de Santa Agosrinho, aduersus baeresibus: "Tão.
depressa nas previne contra esta arte (a teurgia), (I) Santo Agostinho, De Ciuitate Dei, Liv. X, capo IX.
26 PORFfRIO ISAGOGE 27
comum, as massas são irnpiedosas, só o sábio alma em plenitude, comendo toda a potência psí-
recebe o dom da piedade. quica, uma infinita potência, (éinELPOÔ'ÚVUf-lOç), uma
Se, num acervo dourrinal como este, ele visa apeiron dunamos. Todas as almas são uma Alma
o populismo cristão, noutra instância achará e, esta Alma, por sua vez, é distinta das almas
alguma utilidade nos ritos teúrgicos da cultura ditas singulares ou individuais. Uma psicologia
dos Caldeus, por isso que, Santo Agostinho - emanacionista, de radicação neoplatónica, no-
o incrimina por dubiedade de critério. Segundo menclaturada segundo as gnoses pitagórica e plo-
Porfírio. os ritos caldaicos actuarn, já na alma tiniana.
intelectual, já numa entidade intermédia situada As doutrinas de Pio tino se undo Porfírio
entre o corpo terreno e a alma celeste. A alma, prevalec I escolas neo latónicas, sobre-
acometida pelo pneuma, (nvEv!ill), ou sopro, vê-- tudo a Oriente, onde tiveram longa vida e múlti-
se atraída pelas forças obscuras dos poderes cós- plos seguido~s, com realce para filósofos como
micos e cai no estado de pesadelo. Os demónios e Jâmblico de Calcídia (fal. 330), autor do belís-
as negativas imaginações e congeminações arras- simo tratado teúrgico De Mysteriis; Siriano,
tam a alma para o inferno. A função positiva da Proclo (fal. 485), Amónio, Simpl íci o, João
teurgia reside na sua capacidade para exorcizar o Filipono, Elias, David e Damáscio, (que viveu até
maligno, e elevar a alma da obscuridade para a meados do século VI). Todos eles, Porfírio inclu-
vontade de uma viagem purificatória, ou catár- ído, além da apologia da filosofia mística de cariz
tica, rumo à luz. A alma, mediante as consagra- especulativo, viveram ou tentaram viver em
ções teurgicas (chamadas teletas, 1:EÀ1Ttl1, íiç) dis- ascese, constituída por exercícios, mortificações e
põe-se a acolher os espíritos e os anjos e a ver a
regime de abstinência. Como vimos, Porfírio
divindade (I). Em conformidade com a doutrina
escreveu a epístola Da Abstinência, endereçada ao
de Plotino, admite que os corpos, em vez de con-
romano Castrfcio , que aconselha a seguir o
tribuírem para a distinção individual das almas,
regime vegetariano, na ancestral prática alimentí-
só servem para a destruição, ou fragmentação da
cia das culturas semíticas.
Alma una. Cada parte da alma é, todavia, alma total,
N o Ocidente, os principais seguidores de
(I) ld., id. Porfírio, como Manlio Boécio e Mário Vitorino,
28 PORFfRIO ISAGOGE 29
deram preferência ao Porfírio lógico, ao especia- latino, Institutiones Porphyrii. Nas Escolas chegou-
lista na Lógica Formal de Aristóreles uma vez -se a abreviar, dando o nome aOaütOr pela obra, e
que, tendo aderido ao Cristianismo, difícil lhes mim se determinava que, no primeiro a~o do
~ --
seria conciliar a doutrina evangélica com a gnose curso filosófico, os alunos aprendessem em Porfírio.
neoplatónica. ~Nominação latina mais corrente é, porém, a de
Porphyrii Isagoge, ou apenas Librum Porpbyrii.
4. Os biógrafos de Porfírio noticiam que ele Redigida na Sicília, enquanto se curava da
redigiu comentários e introduçóes a todos os neurastenia, ou do cansaço cerebral que o afec-
livros do Organon de Aristóteles. Perderam-se, ou tara, a Isagoge constitui uma epístola, endereçada
ignora-se o seu paradeiro, mas, da iniciação à a Crisaório, um presumível discípulo da escola de
lógica aristotélica, a posteridade recebeu dois tex- Platina, fornecendo as chaves para a compreen-
tos: In Aristotelis Categorias Expositio per são do primeiro livro do Organon, ou Categorias.
Interrogationem et Responsionem; e a epístola a Embora extenso, e sistematizado em sete livros, o
Crisaório, intitulada Isagoge (EloaYC.úY1í), que sig- Organon é, por vezes, muito esquernático, como
nifica introdução, iniciação. O título mais com- se compendiasse os tópicos que o mestre, ou pre-
pleto é: lecror, desenvolveria na aula, mediante exemplos
de ocasião, ou glosas, ou comentas suscitados
Introdução de Porjlrio, o Fenicio, Discípulo de
pelo auditório. Haja em vista que, no Categorias,
Plotino de Licópolis
Aristóteles utiliza termos universais, como género
norevnor EI~A YQYH TOY ct>OINIKOY
e espécie, demonstra-os com exemplos, mas não
TOY MA8HYOY nAQTINOY
define os termos, pelo que os estudances encon-
TOY AYKOlIOAITOY.
travam certo obstáculo no caminho através da
mas, conforme a preferência dos copistas, dos combinação das dez categorias, por não lhes ser
editores e dos usos e costumes de cada época, dado, desde logo, o elenco das vozes, nominaçóes
também aparece nominada Quinque Voces, ou ou universais, e sendo tolhidos no passo por carên-
Pentáfono (AÍ, nEVtE qxovot) ou Tratado dos cia de uma prévia definição dos conceitos de ul~i-
Cinco Universais (nEpt nsvts qJC.úVÕ.N), ou ao gosto versal, geral, particular e singular, ou individual.
30 PORFfRIO ISAGOGE 31
Com efeito, Aristóteles só versaria, (e de modo nológica, por forma a aplanar o caminho dos
I
exaustivo quanto aos exemplos, mas de forma sinté- aprendizes da Lógica, aos quais faculta um texto
tica quanto à explanação teórica), só versaria, dize- quase digesto, acessível e descomplexizador dos ter-
mos, estas vozes no rimeiro livro dos Tóp)cos (I) mos em auro.
limitando-se a definir, não as cinco vozes, mas ape- A estrutura do texto é tripartida: a introdução,
nas quatro: a definição, o género, o próprio e o aci- ou vocação, ao destinatário, com a proposição do
dente. Excluindo a espécie e a diferença, sendo estes tema; uma segunda parte, com as definições expla-
os modi predicandi, ou predicamentos com os nativas de cada uma das quinque voces, ou predicá-
quais, segundo Aristóteles, se constroem as propo- veis; e, na terceira parte, uma análise comparativa
sições e os argumentos. Quer isto significar que o das comunidades e das diferenças entre cada um
aparentemente mais fácil dos lógicos de Aristóteles dos termos. Em princípio, a Isagoge não deveria ser
propunha dificuldades aos aprendizes. Quem sabe causa de novos problemas para os destinatários,
se o próprio Porfírio não sofreu essas dificuldades por se tratar de um guia prático e pragmático, sem
em devido tempo, e se dispôs a socorrer, ou a ir em intencionalidade tética quanto aos problemas do
socorro, dos que viviam análogo entrevamento. conhecimento e do discurso lógico. Todavia, logo
Universal é o que, sendo algo de uno, é apro, na proposição, e decerto com o intento de obstar à
por sua natureza, a existir em vários, enquanto par- dispersão do leitor, Porfírio acaba por deixar no
ticular é qualquer uno subordinável a algum uni-
caminho uma disjuntiva - se os géneros e as espé-
versal, e, por fim, singular é o que, sendo algo de
cies são, ou reais, ou conceptuais, introduzindo,
-
uno, não pode estar em vários. As vozes universais
com essa disjunriva, na posterior elaboração lógica,
são cinco: o énero (YÉvoç),a es écie (E[ÔOÇ)a dife-
r$nça (ôcorpopú), o ró rio (lÔIOU) e o acidente - o problema dos Universai& que, sob múltiplas apa-
rências, emerge e reemerge em todo o destino da
(aw0EI3'1KÓç),sendo elas o tema capital da Isa o e.
Filosofia, sendo lícito questionar-nos se a diferença
Porfírio baseou-se em diversas passagens do livro
das escolas, e a própria liberdade de filosofar, não
dos Tópicos para elaborar as definições de cada
dependem do modus situandi de cada pensador em
nome e a respectiva explanação teorética e terrni-
relação à ideia de Universais. Será possível listar os
(I) Aristóteles, Tópicos, I, capo V, 101 b. múltiplos ismos do pensamento filosófico e dividi-
32 PORFfRIO ISAGOGE 33
-los em três tradições, o Realismo, o Nominalismo pelo que nos limitamos a breve resenha sobre
e o Conceptualismo? O inventário das constantes e alguns actos significantes para a nossa tradição.
das variantes talvez nos permita verificar que, na Sendo um texto produzido no Ocidente, ele mere-
variedade das intelecções , toda a filosofia reverte a ceu, logo nos tempos imediatos, três comentários
esse problemático núcleo inicial. gregos; o de Amónio (discípulo de Proclo) -
5. A
lsa o e de P intermediário da Ammonii Porpbyrii lsagogen sive V Voces (I) - ; o de
Lógica de Aristóteles ara a Idade Média e ara .a Elias - Eliae in Porpbyrii lsagogen et Aristotelis
Renascença. Ainda se estava longe do renasci- Commentaria (2) -; e o de David, filósofo arrnénio
mento da filosofia de Aristóteles, mal se conhecia a do século VI - Davidis Prolegomena et in
sua obra, mas ela estava sendo de algum modo Porphyrii lsagogen Commentarium (3).
rransmissa pela iniciação porfiriana. Esta afirmação No Ocidente, o rimeiro tradutor de Porfírio
vale sobretudo quanto ao Ocidente, onde este tex- foi o retóric neoplatónico Máno itorino (fal.
tozinho ganhou o direito de fazer parte do corpus ca. 380), o africano, que entrou na Igreja nos mea-
aristotelicus, conforme se prova pelo facto de, a dos do século IV. A sua tradução, aliás comentada,
partir do Renascimento, se haver criado o costume perdeu-se (4) mas 01 com fundamento nela que
de iniciar todas as grandes edições do Organon Anício Manlio Severino Boécio, ou Boethius (480-
1-
com a iniciação segundo Porfírio. -525) se tornou o iniciador da Medievalidade na
Manuscrito, ao depois impresso; copiado e
LógICa e Aristóteles. Baseado na tradução de
recopiado nas escolas; interpelado, por mestres e
Mário Vitorino, corrente ainda na sua época,
alunos com múltiplas glosas, aditamentos e cornen-
tos; alterado, por uns e outros, no teor dos exem- (I) Ed. A. Busse, Berlim, 189\.
plos, a gosto de cada um; a Isagoge tem a idade de (1) Ed. A. Busse, Berlim, 1900.
c Ed. A. Busse, Berlim, 1921.
quase dois milénios e permanece viçosa. Está fora (4) Mário Virorino, Commeutarium in Porphyrii lsagoge.
do nosso dever enumerar os exemplares impressos Como se sabe; Boécio efectuou a sua versão tomando por
e manuscritos existentes por esse mundo fora (I), referência a de Mário Vitorino. Servindo-se do comentário
de Boécio, P. Monceaux restabeleceu o texto de Vitorino.
Cf P. Monceaux, Méla/lges, Paris: Haver, 1909, p. 296-310.
(I) A. Busse ob. cit.; Porfírio, Isagoge, trad. e notas de Acerca das relações Porfírio I Vitorino , cf P. Hadot,
J. T ricot. Paris, 1947. Porphyre et Victorinus. Paris, 2,0 vol., 1968.
PORFfRIO ISAGOGE 35
34
Boécio elaborou um comentário à tradução de nova, e mesmo depois deste integral descobrimento
Vitorino, intitulado 1n Porphyrium Dialogi a de Aristóteles por virtude da filosofia arábica.
Victorini Tra nsla ti, em que, pela primeira vez, O elenco de autores em que Porfírio é apresentado
apresentou um esquema da chamada escala predi- como chave, desde A Fonte do Conhecimento ou
camental; ou árvore de Porfirio, que era o dese- Dialéctica, de S. João Damasceno, é vastíssi~lO,
nho, ou esquema, para ainda mais facilmente o havendo traduções árabes. síriacas, hebraicas, lati-
nas, e em muitas línguas da modcrnidade .
aprendiz dos Universais obter uma percepção, e
. O ~~me de ir as edjções do Corpus
claríssima, das vozes aristotélicas segundo a arqui-
Aristotelicum com o tratadinho de Porfírio foi intro-
recruta porflriana. Este Comentário de Boécio
duzido pelo cornentador, Giovanni ArgiropuJo
teve uma utilidade extra: a de, em tempo, tornar
(~onstantinopla, 1410 - Florença, 1491), Aoren~
possível a reconstituição do texto da tradução de
tln? por adopção, mestre de Marcílio Ficino, que
Mário Virorino, embora tal reconstituição mereça
assim procedeu para a edição intitulada Aristotelis
algumas reservas quanto à plenitude textual, não
Stagirite Opera (Lugduni, 1601).
deixando, em todo o caso, de se apresentar como
um exercício de credibilidade. 6. O Libmm Por h rii lido em Paris nos iní-
I nsatisfeito. porém, com a versão vito rin a,
ci,o~ do s,éculo XIII, tornou-se vademecum obriga-
Boécio efectuou uma outra tradução, muito tono ate ao século XVIII, na aula de Lógica,
conotada à anterior, que inritulou de Porpbyrii em ora, como veremos, o jesuíta Pedra da Fonseca
Introductio in Aristotelis Categorias a Boethio go fizesse para lhe tolher o passo. Desde o século
Translata (I>, destinada a servir de compêndio, ou ~u~, por informação colhida em Boécio, algum
de manual iniciativo, em todas as escolas medievais, Anstoteles devinha fundamental na vertebrização
antes de se conhecer todo o Organon, ou logica do ~en~amento esc~lástico, conhecendo-se apenas
o Arisróteles grarnãtico e lógico, através de Porfírio
(I) Boécio, Commmtana in Porpbyrium a se Translata, in
Migne, Patrologia Latina, vol. LXIV, col. 71-158; A. Busse, / B.oécio, ~ue fo~maram no Ocidente a lógica
Berlirn, 1887. Cf H. von Campenhausen, Lateiniscbe antiga, logica annqu«. ou logica uetus, assente na .
Kirchmsviiter, trad. francesa: Ed. de ['Orante, Paris, 1967, Isagoge de Porfírio segundo a leitura de Boécio e
p. 322-362; Cf E. Gilson, La Philosopbie au Moyen Âge,
nos dois primeiros livros do Organon, o Categorias
Paris, 1976. vol. I, p. 138-15\.
ISAGOGE 37
36 PORFfRIO
- foi morosa, e deveu-se às escolas e, talvez mais
e o Periermeneias, ou Da Interpretação. A logica
ainda, a essa longa plêiade de manuais escolares,
nova, que já conhece os restantes livros orgânicos,
que formam a lógica compendiária da Medieva-
só se tornou efectiva no século XIII. Não obs-
lidade e da Renascença.
rante o descobrimento de todo o Arisróteles,
Os tratados de Boécio, De Diuisionibus, e
Porfírio continuou obrigatório nas escolas mona-
cais, catedrais e universitárias, em cujos Regula-
De Deffinitionibus terão sido impressos (1534)
nos prelos de Santa Cruz de Coimbra embora
(I),
mentos era nominalmente preceituado, umas
o De Consolatione Pbilosophie, tão citado nos nos-
vezes designado como veterem logicam, outras
pelo nome próprio, librum Porfirii. Faltam-nos sos escritores medievais, só fosse impresso mais
tarde, em 1 592.
invemários precisos de códices medievais portu-
gueses, mas, do século XVI em diante, e até à . Nos ~neados_do século XVI, o meio pari-
reforma pombalina, abundam as posrilas e as siense assiste a uma onda de anti-aristorelisrno
esco ástiCü."" c lanao-se em Lyõrí," o notável
cópias porfirianas (I). Tome-se como exem 10
paradigmárico oJugar_ ue o tratado de Porfírio Antóni.o de Gouveia 0510-156 ), decerto por
õcu a nas Summulae Lo icales, do lisbonense necessidade pedagógica do Colégio de Santa
""Pedro His ano, ue acabou a vida fal. 12 ) Bárbara, ~raduz a epístola de Porfírio - Porpbyrii
A como Pa a oão XXI em ue o se undo atado, Introductio ad Chrisaorium; corria o ano de 1541,
dos doze que iutegr ob ão rudada num instante em que se agudizava o movimento
durante mais de três séculos ras escolas.-,euLOpeias, de destruição do magistério aristotélico nas cadei-
consta apenas do Tractatus de quinque uniuersali- ras de Lógica e de Dialéctica. Em 1536, Pierre de
bus correspondens libro PrtEdicabilium Porphyrii: Ia Ramée (Pedra Ramo), aluno do Colégio de
A fixação da nomenclatura latina dos universais FJ"avarra, apresentara-se como candidato a Mestre
_ genus, species, proprium, differentia, accedentia em Artes, com uma tese em que arguia que tudo
quanto Aristóteles ensinara era falso. O evento
(1) Cf. P. Gomes, "Aristotelismo em Portugal", in despoletou uma sequência polémica, agravada
Dicionário da História da Igreja em Portl/gal, vol. I, P: 26-
-34; Idem, Dicionário da Filosofia Portuguesa, Lisboa, 1987, (I) C:f.J.M. da Cruz Pontes, in Verbo, Enciclopédia Luso-
P: 26-35; Joaquim Perreira Gomes: Introdução à Isagoge -Brasileira de Cultura, vol. 3, col. 1492-1493.
Filosófica, de Pedro da Fonseca, ed. cit., P: IX-XX.
38 PORFfRIO ISAGOGE 39
com a publicação, por Pedro Ramo, do planfetá- "... Porque (... ) quiseste saudar Porfírio, porreiro
rio escrito, AristotdTctf Animaaversiones (1543), (como dizes) de Aristóteles, falar-re-ei, de início,
erante a qual, num ambiente er lexo, António um pouco a respeito deste porteiro, cujo tratado
de Gouveia tomou a ei sa da doutrina de não aprovas, pelo facto de nele não se explicar a
Aristôteles, pela refutação dos argumentos de invenção completa, mas apenas cinco vocábulos,
Pedro Ramo, e, mais, pela demonstração de que o conter noções inúteis, muitas falsidades, e várias
referido, se estudara Aristóteles, nada conseguira coisas vãs e insensatas, e o seu método de ensino
entender. A réplica, obra prima de saber e de ser estranho e confuso.
argúcia, intitula-se Pro Aristotele Responsio, aduer- "Quanto ao primeiro reparo, fica sabendo
7us Petn Rami Calu[m]nias (Paris, 1543) (~ que Porfírio nunca pensou em ensinar as regras
Mencionamos este episódio e este livro, por causa da invenção, não podendo assim, ser censurado
de Porfírio. Pierre Ia Ramée, um tanto ao irracio- de as não ensinar como perfeição; apenas quis
nal, desvalorizou Porfírio de rodo em rodo, por- expôr como se deveriam entender aqueles cinco
que a destruição de Aristóteles exigia a destruição vocábulos. Com efeito, tendo tomado o encargo
da cadeia aristotélica, que passa por Porfírio. Não de instruir nesta arte a Crisaório, jovem inteira-
achou predicado mais corrupror do que esse de mente inexperiente, e resolvido começar por ensi-
apelidar Porfírio de "porteiro de Aristóreles" nar-lhe as Categorias de Aristóteles, as quais difi-
iseruum Aristotelis). cilmente se podem entender sem se perceber o
A defesa merece ser memorada, nos termos que sejam estas cinco palavras, género, espécie,
em que An tó n io de Gouveia a efecruou: diferença, próprio e acidente, Porfírio teve neces-
sidade de proceder a leitura de Aristóteles dessa
(I) Antonio oueani .Pro Aristotle...RespoJzsioaduersus Petri explicação. E, embora estes ensinamenros se
Rami Calumnias. Paris, 1543. Trad. porto com texto latino:
pudessem colher do primeiro livro dos Tópicos
im Dt'ftsa de Aristôtelrs contra as Calúnias de Pedro Ramo,
por Miguel Pinto de Menezes, com Introdução de Artur de Aristóteles, a verdade é que não podiam sê-Io
Moreira de Sã. Lisboa, 1966. Cf Joaquim de Carvalho, na totalidade; além disso, não era fácil a Porfírio
Antô nio de Go uueia e o Aristot elism o da Renascença.
Coirnbra, 1916; J. Veríssimo Serrão, Antônio de Gouueia e o alterar a ordem dos livros de Aristóteles; cujas
seu Tempo, Coirnbra, 1966. noções, aliás, careciam, para um discípulo in-
40 PORFfRIO ISAGOGE 41
culto, de ser explanadas em termos mais claros çâo, por considerar que, sendo embora «di./ficilem
que os do seu autor" (I). et plenam labori», dá fruto doces, «ftuctll suauem».
Excelente prefácio para a /sagoge, excelente Enfim, a determinação dos Gouveia na concepção
isagoge à /sagoge, pois Gouveia continua expli- e na dinâmica pedagógicas do Colégio das Artes,
cando a Ramo o significado das quinque voces, no aplicando o esquema à experiência coimbrã,
pressuposro de que Ramo, afinal, tal ignorava, e encontrou-se com Porfírio. No regulamento do
concluindo por o chamar à pedra, quando, num Colégio das Artes (I 552), assinado por D. João
repto de ironia lhe diz que Porfírio, sendo um 1I1, determinou-se que, no primeiro ano do curso
latónico era, afinal, correligionário de Ramo. filosófico, além do mais se leria "todo o
U ma edição das Porphyrii Institutiones ad Porfírio" Idêntica norma foi dada em 1559 nos
(1).
-
Almeida...coloca Porfírio na abertura, ou introdu-
uso geral das ciências, Porfírio "fosse banido das segunda parte, sobre as relações entre os cinco
escolas de filosofia cristã" - "ta a Christiane conceitos, abandona, por lhe parecer matéria
Pbilosophie scholis ... liber exploderetur" 111. Com excessiva e supérflua, tanto mais que intercalará
essa motivação, e com o seu vínculo de originali- essas edições no contexto capitular de cada nome
dade autoral, Pedro da Fonseca, com ôs uma universal. Por fim, no capítulo XlI, trata de algu-
~ntroduçãO às Categorias. A Isagoge Filosófica mas outras espécies de universais, que os filósofos
é um livro diferente, com alguma reestrutura do pagãos não conheceram, aí instituindo de que
textoporfiriano, mas co QUlLO desenvolvi: modo os universais se predicam da natureza de
m.~!lto> OUtrO aparato, e outra intencional idade. Jesus Cristo, Deus humanado, defendendo que
O tratadinho de Fonseca divide-se em três partes, no caso da incarnação divina não há oposição
ordenadas em onze capítulos. Na primeira parte imediata entre essência e acidente.
aduz seis capítulos especiais para matérias franca- Pedro da Fonseca recorre direcrarnente mais
mente omissas em Porfírio: definição do conceito a Aristóteles do que a Porfírio, embora a remissão
de universal, quantos géneros há de universais, para este seja também frequente no tratado
dos particulares, da abstracção dos universais a Instituições Dialécticas O projecto de substitui-
(I).
partir dos singulares e da tríplice consideração dos ção de Porfírio não se realizou na íntegra.
universais e dos particulares em relação à Dia- A Isa o e de Fonseca foi reeditada umas dezoito
léctica. Todo este contexto problemático é novo, vezes entre 1591 e 1623, mereceu a leitura de
de redacção original e, aliás, necessária e útil. ~árias escolas, principalmente jesuítas e outras, o
Segue-se um grupo de capítulos em que, Fonseca, apreço dos filósofos de Além-Pirenéus mas, em
regendo-se mais de perto pelo Isagogo, define e Coimbra, no âmbito do Colégio das Artes egido
expõe a doutrina porfiriana do género, da espécie, pela Companhia de Jesus, quando finalmente se
da diferença, do próprio e do acidente. Só por decidiu levar a efeito o compêndio de Lógica do
estes cinco capítulos dizemos que Fonseca pro- Curso Conimbricense, Fonseca seria preterido em
cede a uma reescrita do texto de Porfírio, cuja favor de Porfírio. A confecção do compêndio de
10 P. da Fonseca, lsagoge Filosófica. Edição de Joaquim >' 111 P. da Fonseca, Instituições Dialécticas, texto latino e tra-
Ferreira Gomes, Coimbra, 1965, P: 9. dução port. de J. Ferreira Gomes, Coirnbra, 1964.
44 PORFfRIO
ISAGOGE 45
Lógica sofreu demoras e demoras, houve quezílias
sendo da autoria do Colégio Conimbricense,
e desacordos, até que, um dia, a tarefa da confec-
embora o não fosse. A esta edição se chamou
ção do volume foi atribuída, e com evidente
«Lógica Furtiva», para a distinguir da Lógica ortó-
acerto, ao P. Sebastião do Couto S. J. (1567-
-1639 , que assim se notabilizou como redactor do nima do Colégio das Artes. O plano desta Lógica
--
último dos Co mentarii Colle ii Conimbricensú,
que na prática deveria ter sido o primeiro:
Furtiva tem muitas semelhanças com
Annotationes in uniuersam Aristotelis Dialecticam
as
(I),
PINHARANDA GOMES.
C 01110é necessário, ó Crisa~rio (11, pa~a ~onhe-
cer a razão das Categorias de Atistóreles,
[1)
para formular as definições (I), e, de um modo de saber se elas são realidade em si mesmas, ou
geral, para tudo quanto abrange a divisão e a (2) aPenas simples concepções do intelecto, e, adrni-
demonstração cuja teoria (4) é deveras útil, far-
(3),
tin o que sejam realidades substanciais, se são
re-ei uma breve exposição (5), e tentarei em poucas corpóreas ou incorpóreas se, enfim, são separadas
palavras, como que numa espécie de introdução, ou se apenas subsistem nos sensíveis e segundo
percorrer o que sobre isto disseram os antigos estes, é assumo de que evitarei falar: é um pro-
filósofos, abstendo-me de indagações demasiado blema muito complexo, que requer uma indaga-
profundas, e não abordando, senão com parcirnó- ÇãOem tudo diferente e mais extensa (I). Procura-
nia, mesmo as mais simples. Antes de mais, no rei mostrar-te aqui o que os antigos e, entre eles,
que se refere aos géneros e às espécies, a questão
" ... di' gi'lleribl/S rt speciebus-sit)i' subsistant siue in so/is Iludis ção de Zada uma das coisas, / / seja do gerador em [2)
intrllectibus posita sim, siue subsisteutia, corporalia 1111 incor- si mesmo, seia do lugar em que uma coisa foi
pora/ia, rt utrum separata a sensibilibus an in srnsibilib us
gerada, Por isso dizemos que Orestes se gera na
posita et circa barc conststentia ... " (Schol. in Arist., I a 8).
riã"ção de Tântalo, e Hilo na de Hércules; dizemos
(11 O termo ÀOYI.I;:«(n:q:lOv
foi tradicionalmente entendido ainda que Píndaro é da raça dos Tebanos, e Plarão
como magis ad logicam acco modatr, sendo sinónimo de da raça dos Atenienses, uma vez que a pátria é (3)
Ô!.aÀH.'tIKÓÇ.
(21 Os géneros e as espécies.
também, em si mesma, uma espécie de princípio
(31 Em acepção simples, sem distinção, ÚJtÀWçÀtYEO(lm.
(.) Tornou-se comum o emprego do verbo atributar e do (o) "Singular ou indivíduo é aquilo que, sendo algo de
substantivo atributo como equivalentes do verbo predicar e uno, não ~pode estar em vários, nem de sua natureza pode
do substantivo prrdicado. Não partilhamos desta sinonímia, predicar-se de vários" - "Singulare autrm indiuiduum est
muito devida aos autores franceses. Também de modo sim- id, quod uuum aliquid cum sit, in pluribus esse, ri de pluribus
ples exaramos que atributo é o que se diz do ser enquanto mapte natura praedicari 110/1 potest" (Pedro da Fonseca,
ser, exprimindo-se de preferência por um substantivo (por lsagoge Pbilosophica, capo 11I).
exemplo: Deus é Bondade, Beleza, Verdade), enquanto o (2) O termo do texto é CxPXlÍ, arqué, por Aristóteles defi-
predicado, convindo aos universais e aos indivíduos, se nido como segue: "Princípio diz-se do início do movimento
exprime de preferência por um adjectivo (por ex.: o homem de uma coisa", (Metaftsica, Livro s, I, IOl2b 34).
é racional).
01 Pátria, ou mãe-pátria, Mátria.
54 PORFfRIO ISAGOGE 55
de geração das coisas, à semelhança do próprio essencial (I) predicável a uma pluralidade de sujeitos
pai. É esta, ao que parece, a acepção mais popular: que têm diferenças específicas, como o animal por
denominam-se Heráclidas os descendentes da raça exemplo. Deveras, entre os cate oremas, uns só se
de Hércules, e Cecrópidas os descendentes de predicam de um único ser, como os indivíduos (1),
Cecropes, e bem assim os seus próximos. Denorni- Por exemplo Sôcrates, este homem, esta coisa; ~
~nos género antes de mais, o rincípio da era- outroS redicam-se de vários seres, sendo o caso
ção de cada uma das coisas, e, a se uir, a multidão dos géneros, das espécies, das diferenças, dos pró-
de çoisas $lue se eram rum só rincí io, de prios e dos acidentes, que possuem caracteres
Hércules, por exemplo; ao delimitarmo-lo e ao comuns e não particulares a um indivíduo. Animal
separarmo-lo dos outros, afirmamos que todo este
por exemplo, (génso; homem é e écie; a ~
grupo constitui a raça dos Heráclidas. Há ainda
rença é racional; o próprio, a faculdade do riso;
uma ace ão ara énero, é o universal sob
o ual se ordena a es écie, tendo-lhe este nome
sido atribuíâo pela respectiva semelhança com os ficado, e o que é mais familiar aos filósofos, é aq.uele pelo
casos precedentes: em tal ace ção o énero é uma qual o énero diz a uilo a ue estão subordll1adas as
es écies" onseca, lsagogr, capo VII), Em síntese: euus
espécie de princípio para todas as espécies ue lhe esse /Ill1zlersalem quiddam, quod nrcessario, et srcuudum essen-
são su or 1I1a as o lSS ue arece conter toda tiam praedicatur de differmtibw spt'cie~ -: "É I) un~versal
a multitude sob ele ordenada (I). que, necessariamente e se.g~ndo a essel~cla, se p~,ed,ca d.e
coisas diferentes em espécie (Fonseca, zb.). Ou: é o uru-
O género apresenta-se, pois, em três acepções, versal sob o qual se coloca a espécie" - "est uniuersale
sendo que a terceira (1) é a eMU!a a elos filósofos: quiddam sub q/lo species collocatut" (Fonseca, Instituições
Dialécticas, 11, capo 3).
é a ela que eles definiram e descreveram ao defini-
rem o género, afirmando que ele é um categorema (I) KaTljyOpOúILEVOV deve traduzir-se por predicamento, tal
como os análogos substantivos KanjyÓp1lf.Ule KanwopLa.
(I) Género "é o que se predica por essência de múltiplos A predicamentaçã? é a~rmativa. ou negativa, consoa~t: o
sujeitos que diferem em espécie" (Arisrótcles, Tópicos, 1,5, predicado é·pr?prro o~ Im~ró~rro do ~uJelto da ?~fil1lçao.
102a). A expressão Ev.oo·d eou SIgnIfica qmd est, a qu,d,~ade, a
(2) Pedro da Fonseca, que ampliou o leque das acepções, essência (obo,o.), de onde o termo categorema essencial, ou
elevou a tereei ra a quarta e diz: "Q/larta precipuaque sigllifi- predicado essencial. .
(2) Ou ínfimos sujeitos, .ã <X'Of.Ul,termo análogo de
catio, pbilosophisque maxime fomiliaris est, qua gemts id dici-
tur, cui subiiciuutur species' - "O quarto e principal signi- ínfima espécie, <x.of.UlEi:ôl].
56 PORFfRIO ISAGOGE 57
o aciden e branco ne ro, oder sentar-se. Por conse- essencial. Se nos interrogarmos a ue termo se re-
guinte, os géneros diferem, por um lado, dos predi- dicam a diferença e o acidente, respondemos que
cados de um único indivíduo enquanto se predi- êlêS Er~icam eSs; t~lO..! não de modo essencial,
cam de uma pluralidade; e por outro lado diferem mas de modo qualitativo: se perguntarmos, por
dos predicados de uma plural idade, a saber das exemplo, qual é homem!.. respondemos que ele é
espécies, enquanto as espécies, sendo predicadas de racional, .qual é o corvo, dizemos que ele é pretõ;i1'O
vários indivíduos, só o são a indivíduos que não primeiro caso, racional é uma diferença, e, no
sejam diferentes entre eles segundo a espécie, mas segundo caso, preto é um acidente. No entanto, se
apenas segundo o número. É por esta razão que nos perguntarem o que é (I) o homem, responde-
homem, que é u~a espécie, se predica de Sácrates e mos que é um anIlnal,animal sendo aqui, tal como
de Platão, que são diferentes um do outro, não antes dissemos, o género de homem. Conclusão:
7 segundo a espécie, mas segundo o número, ser redicável de uma luralidade de termos, eis o \
enquanto animal que é um género, se predica de que distin ue o género dos predicados in ividuais l
[3] homem, de boi e de cavalo, / / os q uais são entre eles predicáveis e um so 111 iví uo; ser predicável de
\
diferentes segundo a esPéCie, e não somente termos i erentes na espécie eis o que o distingue
segundo o número. O género é diferente do pró- dos termos predicáveis como espécies ou como
próprios; enfim, o constituir um redicado essen-
prio, por sua vez, porque ~próprio se predica de
cial eis o ue o distin :rue das diferenças e dos aci-
uma só espécie, da qual ele é próprio, e dos indiví-
dentes comuns redicáveis dos sujeitos dos quais
duos situados sob esta espécie, por exemplo: a
são res ectivamente os redica os, nao segundo a
faculdade do riso é só próprio dos homens em par-
essência, mas segundo a qualidade ou segundo
ticular; pelo contrário, o género não se prs:dica...de
uma só es écie, mas a uma luralidacL de termos
(I) Género é também "aquilo que se predica de vários,
diferentes segundo a espécie. Enfim, o género diferentes em espécie, na pergunta o que é?" - "quod de
difere da di erença e dos acidentes comuns em que, pluribus species differentibus in quaestione quid esr praedi-
catur" (Pedro da Fonseca, Isagoge, capo VII); A ~estão
ainda que as diferenças e os acidentes comuns ua /ta/e {'St envolve, não o género, mas a iferença.
sejam predicáveis a múltiplos termos e diferentes edro a onseca, I/lSlÍtuiçoes Dialêcticas, lI, .cap. 3).
Na terminologia aristorél ica, q ui d (·d. EOU) e quale
pela espécie, eles não são predicáveis de modo (nolOV).
58 PORFfRIO ISAGOGE 59
r
ourra relação qualquer. A noção de género (I), tal E se, I~nição de énero, mencionámos a esl:~-
como acabámos de a definir não peca, neste caso,
nem por excesso, nem por defeito. -
cie, afirmando ser ela o predicado que se predica de
modo essencial a uma plural idade de termos dife-
rentes em espécie, enquanto agora afirmamos que a
Da Espécie espécie é o que se subordina ao género, convém
saber que o género, sendo o género de alguma
Es écie (2) diz-se da forma de cada coisa, no coisa, e, a espécie, espécie de alguma coisa, os ~
sentido do provérbio: termos são relativos um outro elo que, a defi-
(4) "Primeiro uma beleza digna da realeza" (3). ,'Jção de um, devemos servir-nos da definição do
Também denominamos por espécie o que se outro. A es écie também se define deste modo: a
f'}f
subordina a um dado género, na acepção em que espécie é o que se ordena sob o género e isso de que
temos o costume de dizer que hojnem é uma espé- o én or essência Ainda podemos
(I).
~ de animal, sendo animal o género, branco uma dizer: espécie é o predicado que se predica por
espécie da cor, e o ~ ulo U1!!Lespéá da figura. essência de uma pluralidade de termos diferentes
entre eles segundo a espécie. No entanto, esta
(11 Graus do género: supremo, subalterno ou intermédio,
próximo e ínfimo. Também a espécie se apresenta segundo última definição só se diria da ínfima (2) espécie,
estes graus. A definição deve conter o definido e nada mais que é apenas espécie; as outras, pelo contrário,
do que o definido.
(21 Espécie, dÔ<>ç plural Et&IlNJ.. No vocabulário aristoté- ('1 "Species est, qual' ge/leri in quaestione quid est subiicitur,
lico, a espécie é a forma irnanente ao sensível, e não ~a for~a rt de qua gellltS in quastione qui est, praedicatur" - "Es écie
transcendente, como em atão. A mais longa exposição é aquilo que se subordina ao género na pergunta o que é".
aristotélica sobre a E~cie, ou Ideia, acha-se na Mett/(isic4, -(Fonseca, Isagoge, capo VIII. Cf. Fonseca, lnstit uições
Livr e-bj.. - Dialécticas, u, capo 3).
r» Verso de Eurípedes, Aeolus, 15,2. Pedro da Fonseca (21 O termo à:t0I1<X dÔ1l também se traduz por espécie
adaptou o verso desta forma: "a formosura é a primeira a especialíssima, mas, na tradição ocidental fixou-se a expres-
ser digna de mandar" (P. da Fonseca, lsagoge, capo VII). são i/lflma espécie, herdada da Escolástica. "Espécie ínfimas
Eíôoç, enquanto espécie, significa beleza, formosura. são aquelas que, sendo espécies dos superiores, não são
O adjectivo especioso/a) tem essa acepção, embora haja géneros dos superiores e abaixo das quais não há outras
quem utilize o adjectivo com o valor de exquisito/a), Uma espécies" - "Tnfima uero sunt, qual' cum sint species superio-
flor especiosa dir-se-ã de uma flor bela e, porvelltura, raro rum, non sunt illftriorum gellera: et illfra quas /lOIZsunt ali«
vista. species", (Fonseca, lsagoge, capo VIII).
60 I'ORFfRIO ISAGOGE 61
também são predicáveis das espécies subalternas. género; homem é ínfima (I) espécie, sendo somente
Quanto dizemos poderia exprimir-se com clareza espécie; o cor o é espécie de substância e género
da seguinte forma: em cada categoria, há certos de corpo animado; quanto a corpo animado, é
termos que são os éneros mais gerais, outros que espécie de corpo e género de animal; por sua vez,
são as espécies mais especiais, outros ainda que animal é espécie de corpo animado e género de
são intermédios entre os géneros mais gerais e as animal racional; animal racional é espécie de ani-
espécies ínfimas. É mais geral, o termo acima do mal e género de homem:, l!Q!.nem é espécie de ani-
qual não pudesse haver outro género superior; é mal racional ras já.não é género de h~lS em
mais especial o termo acima do qual não pudesse -arti~lar, sendo a enas es écie' e tudo o ue,
haver outra espécie subordinada; são intermediá- colocado antes d ' imediata-
rios entre o mais geral e o mais especial outros mente redicável só ode ser es écie / / não sendo [5]
termos que são ao mesmo tempo géneros e espé- ao mesmo tem o énero. O mesmo uanto à
cies, entendidos, é verdade, relativamente a ter- substância, que, sendo o termo su erior, não
mos diferentes. Procuremos esclarecer quanto havendo outro género antes dela, era o zénero
dizemos tomando apenas uma categoria. A subs-
----
I
tância é em si mesmo um énero; abaixo dela
acha-se o cor O; abaixo do cor o, o cor o animad , Substância (géllero mpremo)
abaixo do rpo animado, o animal; abaixo do Corpo
Géneros e Corpo animado
animal, o animal racional: abaixo do animal racio-
nal, o homem:, abaixo do homem, enfim, Sócrates e
- Espécies
subordinados
Animal
Animal racional
Homem (espécie infima)
'latão, e os homens particulares (I). De to os estes Sócrates (indivíduo)
termos, substância é o mais eral, e ele é somente
(I) "Homo, qui ita est species animalis, IIt 1l01lsi! gellus sin-
~upremo (1), e o mesmo quanto a homem, que é vez, o termo ínfimo só tem uma face: não tem
uma es écie a ós a ual não I ' outra es écie, relação a não ser com os termos que lhe são ante-
nem ual uer termo ca az de ser divisível em riores, dos quais ele é espécie, enquanto mantém
es écies mas a enas de indivíduos (porque dize- com os termos posteriores uma relação que é
mos indivíduo de Sácrates, de Platão, desta coisa sempre a mesma, e que também se denomina
branca), homem não poderia ser mais do que espécie dos indivíduos. Mas diz-se espécie dos
espécie, espécie ínfima, espécie especialíssima. indivíduos enquanto ela os contém, e, por outro
Quanto aos intermédios, para os termos anterio- lado, em sentido contrário, espécie dos termos
res a eles, só podem ser espécies e, quanto aos ter- anteriores, enquanto é contida por eles.
mos posteriores a eles, géneros. Por conseguinte Definimos énero supremo do se uinte
estes termos têm dois comportamentos (2), um modo: o que, sendo género, não é espécie, e
voltado para os que os precedem, os quais são as J-inda - o que, acima do qual não pode haver
suas espécies, outro voltado para os que se lhe outro género superior. E ínfima espécie é o que,
seguem, e os quais são os seus géneros. Quanto sendo es écie, não é énero e ue, sendo espécle,
aos extremos só têm uma face: o termo mais geral não é por sua vez divisível em espécies, e também:
não tem relação a não ser com os termos que lhe o que se predica or essência de uma pluralidade
são subordinados, uma vez ele ser o género supe- de termos numericamente diferentes Quanto aos
rior a todos eles; ele não pode mais ter relação intermédios entre os extremos, denominamo-los
com os termos anteriores, uma vez ser o termo géneros e espécies subordinados, e cada um deles
superior, tendo a função de primeiro princípio propõe-se à vez como género e como espécie,
sendo, como dissemos, o género acima do qual todavia em relação a termos diferentes. É por isso
não poderia haver outro género superior. Por sua que os termos anteriores às espécies últimas,
remontando até 11 ao género mais geral, se cha- [6]
(1) Género supremo, ou género dos géneros. "Summum
gt:1l1tS est, quod supra se gt:111tSalil/d 110ll habel' - "O género marn ou géneros ou espécies subordinados:
supremo é o que acima de si não tem outro género" (Pedro Agamémnon é Àtrida, Pelôpida, Tantalida e, por
da Fonseca, lsagoge, cap, VII).
(2) OXÉOlC;, ou faces, ou modo de ser, ou modo de fun-
fim, relativo a [úpiter. Nas genealogias, é a um
cionar. único princípio, por exemplo a [úpiter, que se
64 PORFfRIO
torna-se múltiplo; o particular é sempre factor de substância, é também verdadeiro afirmar que
divisão, e o ue é comum, factor de congregação Sôcrates é animal e substância. Con os termos
e de unificação. superiores são
- Tendo dado a conhecer a natureza do género subordinados, a es ~=-~~~~~~~~~
I,
[7] e a natureza / a espécie, e tendo mostrado a uni- W' o -rénero será
dade do género e a plural idade das espécies - víduo e o -rénero mais eral do énero ou dos
porque o género divide-se sempre em várias espé- géneros - caso estejam presentes vários termos
cies - cumpre-nos dizer que se o género é sempre intermédios e subordinados -, assim como da
predicado da espécie, e todos os termos superiores espécie do indivíduo. O género supremo predica-
aos termos inferiores, a espécie, pelo contrário, não se de todos os géneros que lhe são subordinados,
se predica, nem do género próprio, nem dos géne- assim como das espécies e dos indivíduos; o género
ros superiores, por falta de reciprocidade. O que anterior à espécie última predica-se de todas as
falta é, com efeito, ou bem que os termos de igual espécies últimas e dos indivíduos; a espécie que é
extensão são predicáveis de termos igualmente apenas espécie, de todos os indivíduos; e indiví-
extensos, como o que relincha de cavalo, ou bem duo, de um sujeito particular. Dizemos indivíduo
que os termos de maior extensão se predicam d de Sôcrates, ou desta coisa branca ou de estefilho de
termos de menor extensão, como animal de Sofronisco, que está a aproximar-se, admitindo que
homem; mas para a predicação de termos de menor Sócrates fosse o único filho de Sofronisco. Os seres
extensão a termos de maior extensão já não se desta espécie denominam-se indivíduos;; e
passa o mesmo, e nós não podemos dizer que o ~da um deles compõe-se de particularidades cuja
junção não seria nunca igual à de outro su·eito (I):
animal é homem, do mesmo modo que podemos
dizer o homem é animal. Os termos !gis a as particularidades de Sócrates não poderiam ser
as mesmas para cada um dos outros indivíduos
es _écie se redica receberão também necessaria-
particulares, ainda que as particularidades de
~te p~ predicado o género da respectiva espé-
homem, digo, do homem em geral, possam ser as
cie, e o género do géne~ até ao género mais geral:
se, deveras, é verdadeiro afirmar que Sócrates é (I) Pro riedades do indivíduo se undo a Escolástica:
homem, que homem é animal, e animal é __ ."..,.-4_-
forma, figura, locas, stirps, nomen, patria, templls.
68 PORFfRIO ISAGOGE 69
mesmas em vários homens, ou mais ainda em de si mesmo é diferente porque primeiro é criança,
todos os homens particulares enquanto homens. depois homem feito; por estar em acção ou em
Por conseguinte, o indivíduo é contido pela espé- repouso, e por todos os casos em que ele é outro no
cie, e a espécie é contida pelo género: o género é seu modo de ser. Na acepçâo própria, diz-se que
um todo, e o indivíduo uma parte, a es écie é uma coisa é diferente de outra quando difere dessa
[8] simultaneamente / / to~o e parte, mas parte de outra em virtude de um acidente dela inseparável:
um outro termo, enquanto o todo não é o todo um acidente inseparável é, por exemplo, a cor verde
de um outro termo, sendo-o de outros termos, dos olhos, a forma aquilina do nariz, uma cicatriz
porque o todo está nas partes. indelével resultante de um ferimento. Em acepção
Quanto ao género e à espécie, acerca da maximamente própria, dizemos que uma coisa é
diferente de outra quando ela se distingue da outra
natureza do género supremo, da ínfima espécie,
por um predicado especial: assim, que o homem é
dos termos que são simultaneamente géneros e
diferente de cavalo em virtude de uma diferença
espécies, dos indivíduos, e das diversas acepções
especial, a saber, em virtude do carácrer racional (I).
de género e espécie, eis o que tínhamos a explicar.
De um modo geral, toda a diferença que se pre-
dica de um ser modifica este ser, mas as diferen-
DA DIFERENÇA ças comuns ou próprias dão-lhe uma outra quali-
A diferença tem uma significação comum, 111" ótaljX)pà l..fyll:CLt 00 [''CEpa TI. Mil J.ll] J.lÓVOV
Éan ,;à amó
uma significação própria, e uma significação maxi- &pt6J.l(o áÀÀ -r] ECõEL, r] "Diferente diz-se
ytVEt 1] ávaÀOYI.g" -
dos sujeitos que, sendo outros, têm alguma identidade não
mamente (I) própria. Em acepção comum, diz-se segundo o número, mas segundo a espécie, ou o género,
que uma coisa é diferente de outra, quando se dis- por analogia" (Aristóteles, Metaftsica, Ó, 9, 1018 a.) Sendo
tingue da outra por uma qualquer alteridade, seja uma relação de alteridade (É,;q)(5TI]ç), a diferença é o predi-
em relação a si mesma, seja em relação a qualquer cado que distingue uma espécie das espécies subordinadas
ao mesmo género (Ib, Livro I, 7, I057b).
outra: Sócrates é diferente de Piarão, por ser outro;
"Differentio dici potest eaforma qun resaut a se in alio, et
alio tempore, aut ab alia re, di/fort" - "A forma pela qual
(I) Ou muito própria. Na tradição escolástica preferiu-se a
expressão maximamente própria, "maxime vero propria" uma coisa difere, ou de si, em tempos diferentes, ou de
(Fonseca, Instituições Dialécticas, 11,capo 5). outra" (Fonseca, Instituições Dialéaicas, ll, capo5).
70 PORF(RIO ISAGOGE 71
dade, enquanto as diferenças mais próprias fazem outras inseparáveis: por exemplo, mover-se, estar
dele mesmo outro (porque, entre as diferenças, quedo, portar-se bem, estar doente, e outras dife-
umas fazem que um ser seja de outra qualidade e renças similares, são separáveis, enquanto que
as outras fazem outro ser). As que o fazem outros, aquilino, ou achatado, racional ou irracional são
chamam-se diferenças específicas (I); as que lhe diferenças inseparáveis. E das diferenças insepará-
alteram a qualidade chamam-se simplesmenre veis, umas são predicados essenciais (1), e outras
diferenças, sem qualquer outro adjectivo. Assim, predicados acidentais: racional prcdica-se por
quando a diferença racional adjectiva animal, faz essência de homem, assim como mortal e capaz de
(9) deste um outro, enquanto o predicado / / mover-se aprender, enquanto aquilino ou achatado são dife-
o torna apenas diferente de estar em repouso: é por renças de acidente, e não essenciais. As diferenças
isso que a primeira o torna outro, enquanto a essenciais ao sujeito acham-se compreendidas na
segunda só lhe altera uma qualidade. É pelas dife- definição da substância, fazendo outro do sujeito,
renças que tornam o sujeito outro que se produ-
enquanto as diferenças acidentais não estão com-
zem as divisões dos géneros em espécies e que se
preendidas na definição de substância e não tor-
formulam as definições, as quais se compõem do
nam o sujeito outro, mas apenas o tornam de
género e das diferenças desta espécie. Pelo con-
outra qualidade. As diferenças essenciais não
trário, as diferenças que só alteram a qualidade
admitem os grau de mais ou de menos, enquanto
apenas constituem as diversidades e as modifica-
as diferenças acidentais, ainda que inseparáveis do
ções do modo de estar.
sujeito, são passíveis de uma intensidade maior
Retomando o tema desde o início, importa
ou menor: nem o género se predica mais ou
dizer que, das diferenças, umas são separáveis, e
menos do sujeito de que é género (1); nem do
(11 Diferença específica "é aquela que, com o género, consti-
tui a espécie, quer a espécie média, quer a Ínfima" - (I) Ou specie difforl'lltitl, dif~ren te d~ ~llImero ~i{ferl'lltitl ou
"Spl'cifictl est, qlltll' cum gl'llere constituir speciem, siue mediam diferença numérica, que se dIZ de sUjeItos só dl(érentes por
scilicet, siue illjimllm" (Fonseca, ISdgoge, capo IX). serem vários em número.
"Diz-se também diferença específica aquilo pelo que a (2) O género não se predica nem a mais nem a menos do
espécie excede o género" - "q/lo species gl'llltS excedit" mesmo sujeit~, a <Jue o género se refere, ror exemplo: ca-
(Fonseca, ibidcm). Assim, do homem não dizemos necessaria- valo não é mais animal nem menos arurna do que homem.
mente que é um animal que anda, mas um animal que pensa. O género predica-se de ambos em grau igual.
72 PORFfRIO ISAGOGE 73
género as diferenças segundo as quais ele se que dividimos os génetos em suas espécies. T oda-
divide, por serem estas que completam a defini- via, estas diferenças que dividem os géneros com-
ção do sujeito, e como a essência do sujeito é una pletam e constituem as espécies. Animal é parti-
e idêntica, ele não admite uma intensidade maior lhado pela diferença de racional e pela de irracional
ou menor; pelo contrário, ser aquilino ou acha- assim como o é ainda pela diferença de mortal e de
tado, ou ter uma certa cor, é possível de um grau imortal; mas as diferenças de mortal e de racional
de intensidade maior ou menor (I). são constiturivas de homem, as de racional e de
Assim analisámos três espécies de diferenças, imortal são-lhe advenientes de Deus, as de irracio-
nal e de mortal, dos animais privados de razão (I).
e distinguimos as diferenças separáveis e as dife-
Outro exemplo: as diferenças de animado e ina-
renças inseparáveis, e, por sua vez, entre as inse-
paráveis, as diferenças essenciais e as diferenças
minado, de sensiuel e de insensiuel, dividindo a
[10) substância mais elevada, as diferenças de animado
acidentais. Ii Propomos agora uma nova subdivi-
e de sensível, adjectivando a substância, realizam
são: entre as diferenças essenciais, umas são aquelas
a.formação de animal {2}; as de animal e insensiuel
com a ajuda das quais dividimos o género em espé-
realizam a formação da planta. Uma vez que as
cies, e as outras, aquelas pelas quais as coisas dividi-
mesmas diferenças, assumidas de certo modo, se
das são constituídas em espécies. Por exemplo:
tornam diferenças constitutivas, e, assumidas de
todas as diferenças essenciais de animal sendo as
outro modo, somente dividem os géneros, elas
seguintes: animado e sensiuel; e também racional e
são denominadas diferenças essenciais. A sua
irracional mortal e imortal a diferença animado e
principal utilidade é a de dividir os géneros e de
sensível é constituriva da substância de animal,
formular as definições, mas o mesmo não ocorre
uma vez que animal é uma substância animada
com as diferenças acidentais, ainda que insepará-
sensível, enquanto que as diferenças de mortal e de
imortal, de racional e de irracional, são apenas dife-
(I) A estas diferenças chama Pedro da Fonseca (lSdgog~,
renças que dividem animal, por ser através delas capo IX) diferença geral (a que constitui a espécie, a qual
também é género, como sensitivo) e diferença especial
(1) o.s acidentes predicam-se por graus, assim: "João e (a que constitui a espécie, sem ser género, corno racional).
(2) O substantivo çijx>v significa, com maior rigor, ser
Antó"n10~ão coxos, mas .Ant~)Oioé mais coxo do que João".
Ou: a minha roupa esta mais branca do que a tua". vivente, ser animado.
74 PORFfRIO ISAGOGE 75
veis, nem, com mais forre razão, com as diferen- diferentes segundo a espécie: racional e mortal são
ças separáveis. predicados de homem enquanto compreendido na
Pode então proceder-se à definição das dife- categoria de qualidade, mas não pela sua própria
renças, dizendo: a diferença é isso mediante o que essência. Se nos perguntarmos o que é o homem
[11] a espécie excede / / o género em compreensão. diremos, que é um animal; mas se nos indagarem:
Homem, por exemplo, tem a mais do que animal que animal?, a resposta correcta será animal racio-
os predicados de racional e de mortal; de facto, nal e mortal Assim vemos o que ocorre com os
animal não tem nenhum destes predicados, por- seres compostos de matéria e de forma, ou, pelo
que de onde tirariam as espécies, então, as suas menos, de análoga composição aos compostos de
diferenças? Ele também não contém em si todas matéria e de forma: assim como a estátua tem por
as diferenças opostas, porque então o mesmo matéria o bronze e, por forma, a figura, assim o
sujeito receberia em simultâneo os predicados homem, tanto o homem comum como o homem
opostos, em bora possua em potência, como é cor- em espécie, compõe-se de género, análogo de
recto dizer-se, todas as diferenças que lhe são matéria, e de diferença, análoga de forma (I); o
subordinadas, ainda que não possua qualquer todo que disso resulta, animal-racional-monal, é
delas em ano Assim vemos que, do que não é
(1).
homem, como há pouco era a estátua.
nada pode nascer (ll, e que os opostos também Temos ainda um outro enunciado das dife-
não podem predicar-se simultaneamente do renças deste tipo: a diferença é o que separa por
mesmo sujeito. natureza os termos subordinados ao mesmo gé-
Também se define a diferença do modo nero. O racional e o irracional separam o homem
seguinte: a diferença é o que se predica na catego- e o cavalo, que se situam sob o mesmo género,
ria de qualidade a uma pluralidade de termos isto é, o género animal. U ma outra fórm~la
ainda: a diferença é isso pelo qual todas as coisas
(') Uma das criações magistrais de Aristóteles é a trilogia
potência (ÔÚVU!1Lç) acto (ÊVfPYELU ou fvtEÀÉXELU) perfeição diferem por essência umas das outras. Assim:
(-tÉÀELOÇ). Cf. Metajlsica, Livro 6.
(2) As diferenças não provêm ao sujeito rx-nihilo, (I) Se a diferença é análoga da forma üwpqní), e. se forma
achando-se contidas em potência no género e tornando-se se enquadra na categoria de qualidade, então a dlferen~a é
acto na espécie. São potencialmente congénitas ao género e da categoria de qualidade, do mesmo passo que a matéria é
actualmente congénitas à espécie. da categoria de essência.
76 PORFfRIO ISAGOGE 77
homem e cavalo não têm diferença quanto ao substância, uma vez que essa não é uma diferença
género, porque nós e os outros animais desprovi- da mesma natureza das diferenças especiais pro-
dos de razão somos, tanto uns como os outros, priamente ditas. Digamos então que as diferenças
animais mortais, mas o racional, uma vez adjun- específicas são as que tornam uma espécie outra,
to, distingue-nos daqueles: somos racionais, nós e estando escondidas na sua quididade.
os deuses, mas mortal, uma vez adjunto, // Sobre a diferença já dissemos bastante.
[ 1 2) separa-nos dos deuses. Aprofundando a teoria da
diferença, concluímos por afirmar que a diferença Do PROPRIO
não consiste tanto nos termos que separam os
seres colocados sob o mesmo género, mas o que o próprio divide-se em quatro acepções.
(I)
deveras contribui para a essência própria de cada A primeira é quando se predica por acidente de
sujeito, o que é parte da sua quididade (I). A apti- uma única espécie, ainda que não se predique de
dão natural para navegar, por exemplo, não é toda a espécie: quanto a homem, por exemplo,
uma diferença própria ao homem, mesmo que exercer a medicina, ou fazer geometria. A segunda
essa aptidão seja própria do homem: poderíamos é quando se predica por acidente a toda a espécie,
dizer, com toda a certeza, que há animais capazes mesmo que não se predique só dela, como ao
de navegar, enquanto há outros disso incapazes, dizermos o homem é um bipede. A terceira é,
deste modo separando o homem dos demais; e, ainda, quando se predica a uma só espécie, a toda
por isso, a aptidão natural a navegar não seria um esta espécie e somente num determinado mo-
elemento cornpletante da substância, nem sequer mento, por exemplo: embranquecer na velhice é
parte dela, mas um simples modo de estar da
(1) "Próprio é o que, sem exprimir a essência do sujeito, só
(1)Quididade (quod quid erat me), traduz a frequente a este pertence, de maneira que é com ele convertível, por
expressão aristotélica .0.( fJv ELVUL, pelo que, em vera acep- exemplo, é próprio do homem a capacidade de aprender
ção, a diferença é o que garante a realidade e a singulari- gramática, por<}ue se A é homem, é cap~z. de aprende;,
dade do sujeito. Pela diferença o sujeito é o que é, não Gramática, e, se é capaz de aprender Gramanca é homem
podendo absolutamente ser outro. Por exemplo: o que faz (Aristóteles, Tópicos, I, 5, 102 a). O próprio fundamenta a
com que o vinho seja vinho é o constituir sumo de uva fer- ficura chamada antonomásia. Se dissermos «O Gramático»,
mentado. Se o não for, não será vinho. Fermentado é a dife- ~O Risonho», por exemplo, sabemos que aludimos a
rença. homem e, decerto, a determinado homem singular.
78 PORFfRIO ISAGOGE 79
(I) Acidente "é aquilo que está presente e ausente sem cor-
rupção do sujeito" - "sine mbjecti corruptione" (P. da
(I) "Proprium est uniuersale, seu quod praedicatur de pluri- Fonseca, Isagoge, capo XI. Cf. Inst. oi«. n, capo 7).
bus i/I quaestionem quale est, accidentaliter, ti necessario: ut (2) "É o que pode ser ou não característico de um só e
prima parte rriiciantur indiutdua; segullda, gel1llS, ti species, mesmo sujeito" (Aristóteles. ~ópicos, I, 5'.1.02 b). Ou:
tertia, diffirmtia; quarta. uero accidens" - "Próprio é o uni- "Acidente diz-se do que se predica de um sUjeito com ver:
versal ou aquilo que se predica de vários na pergunta qual é, dade, mas não necessari amen te e constan temen te
acidental e necessariamente para que, pela primeira parte, (Aristóreles, Metaftsica, Liv. E, IV, 30, 1025 a). Segundo
se rejeitem os indivíduos, pela segunda o género e a espécie, Fonseca: "llomine ... q u ic qu id de re a ccident alit er
pela terceira a diferença, e, pela quarta, o acidente" (P. da predicetut" - "é o que se predica de um sujeito por aci-
Fonseca,lsagoge, capo 10, e Inst. tx«, n, capo 6). dente" (Fonseca, Inst. Dial., 11, cap.l ).
ISAGOGE 81
80 PORFfRIO
separável, predica-se de homem e de cavalo mas
Tendo procedido à definição de todos os ter-
diz-se primordialmente d~s respectivos i~diví-
mos que nos havíamos propostO, a saber: o
duos, e,t~mbém, mas somente em segundo lugar,
género, a espécie, a diferença, o próprio, o aci-
das espeCles que contêm os indivíduos.
dente, convém agora indicar quais são os caracte-
res que lhes são próprios. Dos CARACTERES COMUNS
AO GENERO E A DIFERENÇA
DOS CARACTERES COMUNS As CINCO VOZES
plicarmos a diferença entre género e espécie; falta, 110 sujeitos que delas participam: Sôcrates é sem-
por isso, dizer em que é a espécie difere do pró- pre racional, e Sôcrates é sempre homem
prio e de acidente, o que totaliza duas diferenças.
Faltará ver em que é que próprio difere de aci- DA DIFERENÇA ENTRE
dente, porque dissemos antes como é que ele ESptCIE E DIFERENÇA
difere da espécie, da diferença e do género, ao Próprio da diferença é a caracrerística de ela
falarmos da diferença destes termos relativamente nstituir um predicado da qualidade, enquanto
a próprio. Deste modo, se tomarmos quatro dife- a espécie é um predicado da essência: ainda que
renças do género relativamente aos outros termos, po samos tomar o termo homem como uma qua-
três da diferença, duas da espécie, e uma do pró- lidade, essa qualidade não o será em acepção
prio ao acidente, teremos ao todo dez diferen- ab oluta, mas apenas enquanto inclui as diferen-
(I) , d . I
ças ,no numero as quais se ac iam as quatro as que se juntam ao género para o constituir.
diferenças do género relativamente aos outros ter- Além disso, a diferença é perceptível muitas vezes
mos, como já anteriormente demonstrámos. numa plural idade de espécies: quadrúpede pre-
dica-se de várias espécies que são diferentes em
DOS CARACTERES COMUNS
espécie, enquanto a espécie se predica somente
A DIFERENÇA E A EspECIE
dos indivíduos subordinados a essa espécie. Além
Um carácter comum à diferença e à espécie é disso, a diferença é anterior à espécie que ela for-
o de ambas serem igualmente parricipáveis: os mula: o termo racional uma vez anulado, o rermo
homens participam por igual e ao mesmo tempo, homem é também anulado, mas se anularmos o
do termo homem e da diferença racional Outro termo homem, não anulamos o termo racional,
carácrer comum, é o de estarem sempre presentes pois, além do homem, como sujeiro racional,
ainda há Deus. Acresce que a diferença se junta a
(I) Arfa por aqui um sentido da aritmosofia piragórica, a
outra diferença: racional e mortal são propostos
redução da vintena de comparações à dezena, ou à Térrada,
que.bem poderia ser, afinal, o conhecimento das regras da
em parelha II para se obter o termo homem. Uma [19l
Lógica para construção das definições rigorosas correctas e espécie, pelo contrário, não se junta a uma espé-
perfeitas.
cie por forma a gerar qualquer outra espécie: um
92 PORFfRIO ISAGOGE 93
tem os graus de mais e de menos. As diferenças predicam-se igualmente dos sujeitos que delas
contrárias são incombináveis (2), embora os aci- participam, e os próprios predicam-se dos sujeitos
dentes contrários sejam combináveis. de que são próprios.
São estas as características comuns e as parti-
cularidades da diferença em relação aos outros DA DIFERENÇA ENTRE
EspECIE E PRÓPRIO
termos. No que inere à diferença entre espécie,
género e diferença, versámos este tema quando
explicámos a diferença de género e de diferença A espécie difere do próprio porque a espécie
em relação aos demais termos. pode ser género de outros termos. A espécie
ocorre também antes do próprio, e o próprio
ocorre depois da espécie: é necessário haver
(I) ~ ~memos raci~nal, como a diferença. eilícito dizer,
do SUJeito,que é mais ou menos racional. (I) Mesmo que não ria, que evite rir, o homem tem a
• (2) A c~mb~nação, no mesmo sujeito, dos predicados ra- capacidade de rir.
cional e Irr~c~onalé imprópria, mas a combinação de preto (2) Aditamento que pode não pertencer ao original de
e branco onglna um posterior, o cinzento. Porfírio, tendo sido posteriormente incluído.
96 PORFfRIO ISAGOGE 97
homem para haver capaz de rir. Além disso. a de estar. Além disso. cada substância só participa
espécie acha-se sempre presente no sujeito em de uma espécie. mas participa de vários acidentes.
acro, o próprio também. mas. por vezes. apenas tanto separáveis como inseparáveis. Ademais, as
em potência: Sócrates é sempre homem em acto, espécies são de concepção anterior aos acidentes.
mas nem sempre ri. ainda que seja naturalmente mesmo quando separáveis (porque é primeira-
capaz de rir. Ainda mais. os termos cujas defini- mente necessário que o sujeito seja, para que o
[21] ções são diferentes são também diferentes. Ora II acidente lhe ocorra). e os acidentes não se produ-
a espécie define-se por o que está sob o género. o zem por natureza senão depois. sendo de natureza
que se predica por essência de uma plural idade de adventícia. Enfim. a participação da espécie efectua-
termos. e outras análogas definições; o próprio. se com igual título entre os termos. mas. quanto ao
pelo contrário. define-se por o que predica uma acidente. menos inseparável, não se efectua a igual
só espécie. sempre. e toda essa espécie. título. por exemplo: um Etiope pode, em relação à
cor negra. ser mais escuro ou menos escuro do que
DOS CARA C TERES COMUNS um outro Etíope.
A EspEcIE E AO ACIDENTE Só nos falta mencionar as relações entre pró-
Característica comum da espécie e do aci- prio e acidente, uma vez já termos explicado a
dente é ambos serem predicáveis de uma plurali- diferença entre próprio e espécie. diferença e
dade de termos. Os outros caracteres comuns são género.
raros. porque o acidente e o respectivo sujeito
DOs CARACTERES COMUNS AO
situam-se à maior distância possível um do outro.
PRÓPRIO E AO ACIDENTE INSEPARAvEL
DA DIFERENÇA ENTRE
EspEcIE E ACIDENTE Carácter comum a próprio e a acidente inse-
parável é o de. sem eles. os sujeitos dos quais eles
Cada um destes termos oferece caracteres se consideram não poderem subsistir: tal como.
próprios. A espécie predica-se por essência dos sem II a faculdade de rir. homem não subsiste. [22]
sujeitos dos quais ela é a espécie. enquanto o aci- assim. sem negro. o Etíope não poderá subsistir.
dente se predica, ou da qualidade. ou do modo E tal como o próprio está presente sempre e em
98 PORFfRIO
ISBN 972-665-385-1
Depósito legal n. o 75204/94
COLECÇÃO DE FILOSOFIA & ENSAIOS
PORFÍRIO
A UTOPIA, Tomás Morus
ELOGIO DA LOUCURA, Erasmo
ESTÉTICA, Hegel (7 vols.)
A CIDADE DO SOL, Campanela
O BANQUETE, Kierkegaard
A CONQUISTA DA FELICIDADE, B. Russell Ou Basílio Fenício (faI. 305),
VIDA NOVA, Dante
MONARQUIA, Dante foi discípulo de Pio tino em Roma
O PRÍNCIPE, Maquiavel e organizador das obras do mes-
ENTRE DOIS UNIVERSOS, F. Figueiredo
UM FERNANDO PESSOA,Agostinho da Silva tre. Escritor produtivo, pouco da
O RISO, Bergson sua obra chegou até ao nosso
PRINCÍPIOS DA FILOSOFIA, Descartes
AS APROXIMAÇ6ES, Agostinho da Silva tempo, embora seja um dos auto-
OS CAVALEIROS DO AAfOR, Sampaio Bruno res mais referenciados no âmbito
O ENIGMA PORTUGUES, F. da Cunha Leão
OPÚSCULOS, Pascal da lógica, uma vez que a Isagoge,
ESTUDOS GERAIS, Álvaro Ribeiro
TEORIA DO SER E DA VERDADE, José Marinho
depois do Renascimento, passou a
INICIAÇÃO FILOSÓFICA, K. Jaspers incluir-se canonicamente nas
ECCE-HOMO, ietzsche
CINCO MEDITAÇ6ES SOBRE A EXISTÊNCIA, principais edições dos livros de
N. Berdiaeff Aristóteles. As suas grandes teses
UM COLECCIONADOR DE ANGÚSTIAS, F. Figueiredo
O SIMPÓSIO, Platão (3 vols.) são conhecidas pelas citações que
O HOMEM, de J. Rostand delas fazem os maiores escritores
ASSIM FALAVA ZARATUSTRA, F. Nietzsche
CONVÍVIO, Dante do Ocidente, desde o século IV.
ISBN 972-665-385-1
ISBN 972-665-385-1
11111111111111111111111111
111111111111111111111111 9 789726 653851
9 789726 653851