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O AMOR PERDOA

1Co 13.5 – “O amor não se ressente do mal”

A sede de vingança é uma sensação deliciosa! Embora reconheçamos que vingar-


se é moralmente inaceitável e que vingar-se realmente não traz nenhuma
satisfação, é intenso o puro prazer que se tem de alimentar o rancor. Quando nos
sentimos injustiçados, nossa ira arde lentamente e, sinceramente, temos prazer
neste sentimento. Algumas pessoas guardam esta espécie de ressentimento por
toda uma vida. “Jamais vou me esquecer do que fizeram comigo”, algum dizem;
o que acaba acontecendo, pois temos ódio do que nos aconteceu, mas ainda assim
queremos ter o prazer em lamber estas feridas.

Gostaria de poder lhe dizer que o perdão não exige rendição e entrega totais. Na
verdade, de certa forma, seria mais fácil nem sequer tocar nesse assunto, pois
vivemos tempos em que muitos estão lidando com questões que penetram o mais
profundo de seu ser e, para tais pessoas, manter os outros longe de si parece ser
a única esperança de conseguir suportar a dor.

Cônjuges infiéis. Pais negligentes e insensíveis. Lembranças dolorosas de abuso


sexual. Filhos rebeldes. Parentes cruéis. Figuras de autoridade e patrões
dominadores. A lista parece não ter fim.

A mentalidade que predomina em nossa cultura atual (e, com frequência


excessiva, no âmbito evangélico também) tolera e até mesmo incentiva nosso
ressentimento, nossos relacionamentos rompidos e nossos conflitos não
resolvidos. Por vezes, amigos bem-intencionados trilham conosco o caminho do
rancor, nos apoiam em nossa decisão obstinada de exigir restituição daqueles que
pecaram contra nós e se mostram solidários na pena que sentimos de nós
mesmos.

A Palavra de Deus, porém, deixa claro que o rancor tem um alto preço. Não
podemos esperar viver em paz com Deus nem experimentar sua bênção em nossa
vida se nos recusarmos a perdoar nossos devedores. O rancor sufoca a graça
divina e permite que Satanás “leve vantagem sobre nós” (2Co 2.10).

Paulo dá testemunho do poder do perdão ao afirmar que “o amor não se ressente


do mal” (ARA), “não guarda rancor” (NVI), “não guarda ressentimentos” (KJA)
ou “Não contabiliza os pecados dos outros” (A Mensagem). Expressando esta
mesma verdade de forma positiva, podemos dizer que o amor perdoa.

O verbo grego que Paulo utiliza neste versículo (logizomai) é bastante comum
em suas cartas, que aparece 40 vezes em o Novo Testamento. Sua origem é o
mundo dos negócios, da contabilidade. Significa “colocar na conta”, “calcular”.

Em 2Co 5.19, por exemplo, Paulo afirma que “Deus estava em Cristo
reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas
transgressões”. O verbo imputar aqui é logizomai, ou seja, Deus decidiu não
contabilizar nossas ofensas espirituais; antes, Ele considerou que tal dívida foi
paga na cruz.

Além de não computar nossos pecados contra nós, Deus decidiu contabilizar a
justiça de Cristo em nosso favor. O verbo logizomai aparece de novo em Rm 4.3,
quando diz que “Abraão creu em Deus e isso lhe foi imputado para justiça”.
Portanto, esta ideia de colocar algo na conta de alguém explica assuntos
importantes como a doutrina da expiação e a doutrina da justificação.

Mas voltando nossa atenção para 1Co 13.5, vemos que o verbo possui um
complemento: do mal, ou seja, da maldade. Em uma tradução livre, poderíamos
dizer que o amor não faz um registro de maldades. Não é que, em nome do amor,
tenhamos que ignorar o mal por completo, mas que, por amor, não podemos
guardar um registro de erros cometidos contra nós para podermos acertar mais
tarde.
Amar como Jesus ama tem a ver com perdoar. Tem a ver com abrir mão do nosso
direito continuar irado e desistir de nossa pretensão a reembolso futuro de
prejuízo sofrido.

Aí está uma área onde todos nós temos dificuldades. Quando somos atingidos
por algo nos machuca, temos a tendência de nos lembrar disso para sempre. Se
não desejamos vingança, carregamos pelo menos a lembrança destas informações
e, assim que possível, iremos despejá-las sobre quem nos ofendeu.

É muito difícil deixar para trás um ressentimento antigo. Certo autor define
ressentimento como “a irritação de ontem, riscada a faca nas membranas mais
sensíveis da nossa memória”. O ressentimento é uma ferida aberta que também
sangra. É uma barreira que nos impede de viver a realidade do perdão.

Só o amor pode derrubar esta barreira, somente o amor pode fechar este
machucado. Conforme já vimos anteriormente, o amor não ignora a iniquidade,
mas ele procura vencer o mal com o bem. É correto dizer que o amor atura o mal
sem avaliar uma retaliação.

Há vários desdobramentos deste entendimento da Palavra. O que Deus está nos


chamando para aturar? Em vez de arder em ressentimento, Deus nos dá
condições de renovar as coisas em nome do amor. O amor deixa o passado
morrer, não se ocupa em esclarecer os maus entendidos; ele amarra as pontas
soltas do passado com o perdão. O amor nos ensina a perdoar.

Leitura no Evangelho: João 21.15-19

Se pensarmos em perdão, teríamos um vasto material nos Evangelhos. A


primeira ideia que vem em nossa mente é a de Jesus bradando na cruz: “Pai,
perdoa-os”. Jesus está perdoando os seus inimigos de uma traição mortal. Ele
perdoa, apesar de ser sido tratado com zombaria e covardia.
Mas há outro tipo de perdão que também pode tocar bem de perto o nosso
coração. Tão doloroso quanto perdoar os inimigos, é perdoar os amigos. Em
geral, são nossos amigos que nos provocam as feridas mais profundas em nossas
almas. Jesus também enfrentou isto quando foi traído por um amigo, e esta
narrativa é que iremos tratar.

Pedro era o mais ousado dos discípulos de Jesus. Ele foi pioneiro em muitas
coisas: o primeiro a ser chamado, o primeiro a andar sobre as águas, o primeiro
a reconhecer que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus vivo, o primeiro a jurar que
estaria com Jesus até o fim, até a morte. Mas também foi o primeiro a sofrer uma
grande queda.

Os quatro evangelistas não poupam o apóstolo Pedro em relação ao seu fracasso.


Ele fora um homem corajoso, afinal, após o Senhor Jesus ser preso, ele O seguiu
até o seu julgamento. Enquanto esperava no pátio, uma das servas que estava
perto da porta, lhe disse: “Você é um dos discípulos deste homem, não é?”. Pedro
teria ali o seu grande momento; todavia, escolheu negar: “Não sou!”.

Em seguida, Pedro está junto à fogueira onde alguns soldados e servos estavam
se aquecendo em uma noite fria de primavera. Certamente o tema a ser tratado
por todos ali era a prisão de Jesus. Então, disseram a Pedro: “Você certamente é
um dos discípulos deste homem, não é?”. Ao que Pedro novamente negou. Quase
imediatamente, outro servo o procura com a seguinte pergunta: “Por acaso não
vi você no jardim juntamente com ele?”. Pedro então responde: “Não sei do que
você está falando!”. Mateus menciona que Pedro chegou a rogar maldições sobre
si para tornar esta terceira negação mais contundente, para em seguida o galo
cantar e ele chorar amargamente.

Pedro agora estava com ficha suja. Podemos fazer um extensa lista dos seus
pecados: traição, mentira, blasfêmia, idolatria, deixou de testemunhar, foi
cúmplice de um assassinato. Ele tinha o dever de saber que tudo isto estava
errado, afinal, ele era um dos discípulos mais antigos. Ele fora bem instruído pelo
Senhor, além de ser advertido diretamente por Ele. Pedro cometeu exatamente o
pecado que Jesus havia dito que iria lhe acometer. Por si só, tal cenário é
assustador... e que tal multiplicar isto por três? Três negações.

Mas também fazemos o mesmo. Cometemos o mesmo pecado mais de uma vez!
A realidade é que assim negamos o nosso Salvador.

Como Jesus deveria ter reagido à traição de Pedro? Se ele fosse um empregado,
merecia demissão por justa causa. Muitos de nós teria simplesmente terminado
o relacionamento. E cá entre nós: se Jesus tivesse feito isto, ele teria razão.

Falhamos com Jesus diariamente. Há pecados que sabemos da advertência de


Deus para não cometê-los, mas ainda assim insistimos. Há pessoas que tentamos
amar em nome dEle , mas nos cansamos e desistimos. Quando vemos Pedro
falhar, devemos ver como Jesus reagiu para encontrarmos esperança para nosso
pecado.

O que Jesus fez? Lucas, ao relatar a traição de Judas e a prisão de Jesus, menciona
também a negação de Pedro. Em Lc 22.61, lemos que após o galo cantar, Jesus
fixou os olhos em Pedro, que lembrou do que o Senhor lhe advertido. Não é aqui
um olhar de amargura, de ressentimento, mas de amor. O olhar de Jesus para
Pedro revela o seu amor perdoador. Os olhos de Cristo penetraram na alma de
Pedro, devassaram seu coração, radiografaram suas mazelas. Foi o olhar de Jesus
que desatou Pedro das amarras da situação em que se encontrava. O galo faz
Pedro lembrar; o olhar de Jesus desperta nele a confiança do seu pleno perdão.

Pedro sai dali e chora amargamente. Não são lágrimas de desespero, mas de
arrependimento. O discípulo que, afinal, ficou desesperado foi Judas. Suas
lágrimas brotam de um coração realmente triste pelo pecado.
Quando lemos Jo 21.15-18, temos a cena da restauração de Pedro. Ele se encontra
novamente com quem havia traído. Aqui encontramos uma conversa sincera
sobre mágoas, ressentimentos e perdão. Jesus se dirige a Pedro por seu nome
original, Simão, filho de João. Três foram as perguntas, porque três foram as
vezes que Pedro negou Jesus. Para cada vez que Pedro negou, Jesus lhe deu a
oportunidade de reafirmar seu amor. Onde abundou o pecado, superabundou a
graça. Jesus virou o jogo de sua vida.

A pergunta feita no v. 15 é interessante: “Você me ama mais do que os outros?”.


Jesus lembra Pedro de suas próprias declarações no passado, de que estaria com
o Senhor até a morte, até o fim. Há comentaristas que colocam esta expressão de
Jesus como se ele estivesse referindo-se aos peixes e às redes, o que à luz do texto
grego também faz sentido. Assim, Jesus perguntou uma segunda vez e a terceira
vez. Foi quando Pedro ficou novamente triste. As três perguntas de Jesus o
lembraram de suas negações. Mas a bondade de Jesus o trouxe de volta. Pedro
humildemente voltou-se para o Senhor, reconhecendo sua fraqueza e o senhorio
de Jesus: “Tu sabes todas as coisas, tu sabes que eu te amo!”.

Outro ponto de atenção para nós é que o perdão divino abre-nos a porta para o
serviço. A cada sim de Pedro, Jesus responde com um chamado: “apascenta as
minhas ovelhas”. O fracasso de Pedro não o desqualificou para o serviço; antes,
foi a porta aberta para que ele mais tarde demonstrasse ele amor cuidadoso e
perdoador para com seus irmãos.

Como aplicar tal verdade em nossas vidas?

Basicamente, amar é ter a mesma atitude de Jesus. Precisamos aplicar o perdão


que Jesus em duas dimensões: em relação a nós mesmos e em relação aos outros.

Primeiro, aplique o perdão de Deus em sua vida. importante recordar essa


verdade, especialmente quando seu problema não é um conflito não resolvido
com alguma outra pessoa, mas, sim, algo de errado que você mesmo fez, quando
o remorso, a vergonha e a culpa o levam a dizer, como ouvi de muitas pessoas:
“Não consigo me perdoar”. Talvez você esteja tendo dificuldade de superar uma
decisão imprudente que lhe custou um bom emprego e parte considerável de sua
estabilidade financeira a longo prazo. Ou pode ser que, quem sabe, que tenha
feito um aborto dez anos atrás. Ou pode ser um milhão de outras coisas

Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou nem o próprio
Filho, mas, pelo contrário, o entregou por todos nós, como não nos dará também
com ele todas as coisas? Quem trará alguma acusação contra os escolhidos de
Deus? É Deus quem os justifica” (Rm 8.31-33).

Não podemos esperar de nós mesmos o milagre gigantesco do perdão. Apoiar-


se nisso é querer algo impossível. Deus é seu perdoador — seu único e suficiente
perdoador. Quando Jesus entregou a vida na cruz para pagar por seu pecado,
disse: “Está consumado!”. O preço foi pago inteiramente. Pela fé na obra
consumada de Cristo, você foi perdoado. Nada que você tenha feito ou que talvez
ainda venha a fazer pode remover um miligrama que seja do peso de sua culpa.
O perdão não é algo que você pode oferecer a si mesmo. É algo que Cristo
comprou para você.

Segundo, devemos aplicar o perdão divino nas vidas dos outros. Examine o seu
coração e note naqueles porões mais escuros de sua alma se há alguém de que
você possui ressentimentos. Pais, filhos, amigos, irmãos... precisamos liberar o
perdão. Deus, em Sua infinita graça, nos capacita para isso.

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