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Esclareça o que distingue o empirismo de Hume do racionalismo de

Descartes.
R: As diferenças a destacar são as seguintes:
1 – A origem do conhecimento.
Descartes considera que a experiência, dados os erros dos
sentidos, não pode ser fonte credível de conhecimentos, melhor
dizendo, as suas informações não podem constituir (dado que
muitas vezes são enganadoras) crenças básicas que possam
conduzir a outros conhecimentos. O saber constrói-se com base em
ideias inatas e, desde que siga um método correcto e Deus garanta
o normal funcionamento da nossa razão, podemos alcançar
verdades objectivas sobre o mundo. Esta rejeição dos sentidos é
uma convicção fundamental de Descartes e marca a sua orientação
claramente racionalista inspirada no modelo dedutivo das
matemáticas.
Para Hume, todas as ideias têm uma origem empírica. Todos os
nossos conteúdos mentais são percepções. Estas são de dois tipos:
impressões e ideias. As nossas ideias são cópias das nossas
impressões e por isso não há ideias inatas.
2 – A possibilidade do conhecimento.
Partindo de um cepticismo metódico, Descartes liberta a razão da
dependência em relação à experiência e, tornando o seu
funcionamento dependente da garantia de Deus, conclui que
podemos alcançar conhecimentos objectivos acerca do mundo.
Para Hume, O critério de verdade do nosso conhecimento é este: um
conhecimento, uma ideia, só é válido se pudermos indicar a
impressão ou impressões de que deriva. A toda e qualquer ideia tem
de corresponder uma impressão sensível. Se não há correspondência,
há falsidade.
Criticando a fé cega no poder da razão quanto ao conhecimento do
mundo e do que transcende a natureza, Hume argumenta contra os
racionalistas que o conhecimento científico não é como o
conhecimento matemático, não o podendo ter como modelo: não é
um conhecimento puramente demonstrativo, mas procede da
experiência.
Quanto à objectividade das leis naturais defendida por pensadores
não racionalistas como Locke e Newton, o filósofo escocês argumenta
que qualquer generalização, baseando-se em factos passados e pre-
tendendo valer para o que ainda não foi objecto de experiência, é
incerta. Nada podemos saber acerca do futuro porque nada nos
garante que o futuro seja semelhante ao passado. Não há
conhecimento, propriamente falando, do que ultrapassa a nossa
experiência actual ou passada: o que aconteceu não serve
como fundamento seguro da previsão do que ainda não aconteceu.
Cepticismo? Sim, no sentido em que o nosso conhecimento não é
certo e seguro. Mas uma coisa é o valor científico dos nossos
conhecimentos e outra a sua utilidade prática e vital: sabemos que
os nossos "conhecimentos científicos" são mais pretensão e desejo de
segurança do que saber, mas não podemos viver sem essas sábias
ilusões.

3 - Os limites do conhecimento.
Para Hume, as impressões sensíveis são, não só o critério de verdade
do conhecimento humano, mas também o seu limite. Não tendo outra
base que não as impressões ou sensações, o nosso conhecimento está
limitado por elas: não posso afirmar nenhuma coisa ou realidade da
qual não tenho qualquer impressão sensível (como, por exemplo,
Deus).
Descartes afirma que a razão apoiada na veracidade divina e nas
ideias inatas pode conhecer a realidade na sua totalidade ou,
melhor dizendo, os princípios gerais de toda a realidade: Deus,
alma e mundo são realidades que podem ser conhecidas.
4 – Ciência e metafísica
Segundo Hume, não podemos afirmar a existência de qualquer
fundamento metafísico do saber. Em Descartes, temos
uma fundamentação metafísica da ciência, isto é, uma fundação
baseada em realidades metafísicas tais como Deus e alma (mas
sobretudo Deus, que é o verdadeiro pilar do sistema científico que
Descartes se propôs construir).

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Por que razão a ideia de causalidade não tem objectividade?
R: Para David Hume, o conceito de causa não tem qualquer
validade objectiva nem fundamento racional. À ideia de causa não
corresponde qualquer impressão sensível.
Que regularmente vejamos ou tenhamos visto B acontecer depois
de A não nos permite estabelecer uma relação causal objectiva, ou
seja, que B acontecerá necessariamente depois de A. A experiência
— para Hume o único critério quanto ao conhecimento dos factos —
permite-me captar uma sucessão regular entre dois fenómenos, mas
não uma sucessão necessária (ou seja, só permite ver o que
acontece aqui e agora e não o que sempre acontecerá). Pela
experiência, sabemos que sempre no passado a água ferveu, mas não
é legítimo concluir que no futuro sempre ferverá. E contudo
acreditamos — e é, útil que acreditemos — que o aquecimento da
água é a causa necessária da sua fervura. Porquê?
A explicação de Hume baseia-se em factores psicológicos.
Transformamos uma sucessão temporal regular em relação causal ou
necessária devido ao costume ou ao hábito: habituados a ver que B
sucede regularmente a A, acreditamos que A é a causa necessária de
B, isto é, que sempre assim será.
O conceito de causa é o resultado de uma ilusão psicológica.
Na verdade, o que acontece é que, por nos habituarmos a ver dois
objectos sucederem-se um ao outro do mesmo modo, criamos a
tendência para crer que, aparecendo o primeiro, aparecerá também
o segundo. Nada mais ilusório do que esta relação de dependência,
porque transformou-se uma relação de mera sucessão temporal (o
antes e o depois) em relação causal. Não há, segundo Hume,
qualquer fundamento objectivo na experiência que confirme esta
relação. Assim, o princípio de causalidade considerado um princípio
racional e objectivo nada mais é do que uma crença subjectiva, o
produto de um hábito, a transformação de uma expectativa em
realidade.
Negando a origem a priori do conceito de causa e do princípio de
causalidade, Hume rejeita um instrumento no qual a metafísica
tradicional se baseava para as suas especulações. Kant, ao contrário
de Descartes, reconhece, como será explicitado, que o conceito de
causa não pode ter um uso metafísico ou transcendente, mas assume
o seu carácter a priori — estrutura objectiva do espírito humano.
Assim, evita que a possibilidade do conhecimento científico seja
atingida no seu ponto vital.
Como usamos a ideia de causa para compreender muito do que
acontece no mundo, então como ela exprime uma conexão de que
não temos experiência, o nosso conhecimento do mundo não passa
de conjectura que bem pode ser uma ilusão.

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O que distingue questões de facto e relações de ideias?
R: Os conhecimentos a que Hume dá o nome de "relação entre
ideias" são conhecimentos a priori. Consistem, esses
conhecimentos, em analisar o significado dos elementos de uma
proposição, em estabelecer relações entre as ideias que ela
contém. As "relações entre ideias" são proposições cuja verdade
pode ser conhecida pela simples inspecção lógica do seu conteúdo.
Vejamos: A proposição "O quadrado tem quatro lados" é um juízo
necessariamente verdadeiro e para disso estarmos certos basta
analisar o significado de "quadrado". Trata-se de uma verdade
necessária porque a sua negação implica uma contradição.
Vemos assim que, embora todas as ideias tenham o seu
fundamento nas impressões, podemos conhecer sem necessidade
de recorrer às impressões, isto é, ao confronto com a experiência.
É o caso dos conhecimentos da lógica e da matemática. Contudo,
diz Hume, tais conhecimentos, ou seja, as proposições lógicas e
matemáticas, nada nos dizem sobre o que existe e acontece no
mundo. Se nos limitarmos a este tipo de conhecimentos, nada
ficamos a saber sobre o mundo.
O segundo tipo de conhecimento – o conhecimento de questões de
facto – já implica um confronto das proposições (do que dizemos)
com a experiência. Os conhecimentos de facto são proposições
cujo valor de verdade tem de ser testado pela experiência, ou
seja, temos de "inspeccionar" o mundo dos factos para verificar se
elas são verdadeiras ou falsas.
Assim, a proposição "Este martelo é pesado" é um juízo cujo valor
de verdade não pode ser decidido pela simples inspecção a
priori do significado dos termos, isto é, temos de a confrontar com
uma verificação experimental elementar, ou seja, a sua verdade
ou falsidade só pode ser determinada a posteriori.
Como todas as nossas ideias têm uma origem empírica, não há
conhecimento a priori de questões de facto, ou seja, o nosso
conhecimento do mundo depende completamente da experiência.
E, quando as nossas ideias acerca do mundo exprimem mais do que
aquilo que observamos ou de que nos lembramos de ter observado,
estamos a ultrapassar o que a experiência nos permite e nenhum
conhecimento certo e seguro podemos assim constituir. Será o caso
da ideia de causalidade.

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