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PISCOPEDAGOGIA: UMA MATRIZ DE

PENSAMENTO DIAGNÓSTICO NO ÂMBITO


CLÍNICO
Simone Carlberg

Informamos que é de inteira responsabilidade da autora a emissão de conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a
prévia autorização da Editora InterSaberes.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei


nº 9.610/1998 e punido pelo art. 184 do Código Penal.
Em um de seus poemas, A casa das palavras, Eduardo Galeano (2010, p. 19) nos diz:
“Na casa das palavras, havia uma mesa das cores. Em grandes travessas, as cores
eram oferecidas e cada poeta se servia da cor que estava precisando: amarelo-limão
ou amarelo sol, azul do mar ou de fumaça, vermelho-lacre, vermelho-sangue,
vermelho vinho[...]”

Espero que a leitura e o estudo deste livro possibilitem que você, leitor, sirva-se com as
cores, com as ideias de que estiver precisando, saboreando descobertas, digerindo-as,
integrando-as, transformando-as...
Simone Carlberg

2
Agradecimentos
Agradecimento lembra “agrado”. Dessa forma, com este livro, quero agradecer e
agradar a todos os professores, os colegas, os alunos e os clientes que colaboraram, e
ainda colaboram, com enlaçadas na malha de conhecimentos que venho tecendo.
Agradeço, especialmente:
Ao Alfeu Wilbar Marques Garcia, pedagogo, que um dia foi meu professor na
universidade e que há mais de duas décadas é companheiro, incentivador e parceiro do
cotidiano.
Ao Luigi Carlberg Garcia, meu filho, que me ensina a ser mãe.
À Relindes Fucks de Oliveira, fonoaudióloga e psicopedagoga, integrante do grupo de
precursores da psicopedagogia no Brasil, por ter me apresentado a essa área de
pesquisa.
Ao Jorge Visca, psicopedagogo, que me alimentou com tantos conhecimentos.
À Arlete, à Laura, à Luiza, à Vera e à Virgínia, companheiras da cotidiana tarefa
psicopedagógica, que me acolhem e me ensinam a convivência grupal.

3
Prefácio
Este livro tem por objetivo oferecer uma leitura de reencontro com a teoria convertida em práxis
psicopedagógica, socialização de experiências, saberes e histórias. É um convite à reflexão, com o intuito de
reafirmar a importância do compromisso com a formação do psicopedagogo. O leitor não tem como não se
sentir provocado à descoberta, a olhar-se e a incluir-se como pesquisador que busca trilhar caminhos tão
instigantes quanto os da psicopedagogia.
A sistematização do conhecimento dialogado com autores possibilita ao estudante seguir por um rico
percurso de estudos e se contrapõe à ideia de um caminho feito de facilidades e de ruptura com a formação,
principalmente após a conclusão do curso de graduação. O aprendiz acaba por entender que a formação é
um fio sem ponta e que cada passo o leva a novas descobertas. E isso é bom!
A psicopedagogia passa por um momento muito importante: a busca pela regulamentação da profissão.
A formação acadêmica do psicopedagogo legitima a identidade desse profissional e, portanto, não pode
estar alienada de seus significados na construção do conhecimento sobre a aprendizagem. O diálogo crítico
à luz da teoria inspira o aprendiz em cada um de nós.
A Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp) também é um espaço de formação, de articulação com
as experiências; espaço para reelaborar, desconstruir e reconstruir a todo momento, num contínuo
aprender. Mas compreender a ABPp como espaço que contribui com essas possibilidades remete-nos,
novamente, à identidade que construímos como psicopedagogos. Aos estudantes, esta obra vai ajudá-los a
perceber a complexidade que envolve a psicopedagogia.
Boa leitura.

Rose Mary da Fonseca Santos


Presidente da ABPp – Seção Paraná Sul
Gestão 2011/2013

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Apresentação
Este livro foi planejado... e passou a ser desejado. Planejado porque atende a um convite, por parte da
Editora InterSaberes, para a organização de um material que pudesse auxiliar os estudantes do curso de
Especialização em Psicopedagogia na disciplina de Psicopedagogia Clínica: Elementos da Avaliação
Psicopedagógica, cujo objetivo geral é capacitar os estudantes de Psicopedagogia para a realização do
diagnóstico psicopedagógico clínico, com base em conhecimentos teóricos e práticos e da utilização de
análise, próprios da psicopedagogia clínica. Assim, após o conhecimento dessa ementa da disciplina, chegou
também o momento em que teve início o desejo em aceitar a tarefa.

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Introdução
PRIMEIRO PONTO
O intuito desta publicação é oferecer elementos organizadores para a construção de uma matriz de
pensamento diagnóstico psicopedagógico no âmbito da ação clínica.
Para promover essa construção, escolhemos a Teoria da Epistemologia Convergente, que, devemos
ressaltar, não é o único caminho a ser escolhido por um psicopedagogo. No entanto, começar por essa teoria
possibilita gerar um grau de desorganização necessário ao processo de aprender, para que, no decorrer da
aprendizagem, seja possível chegar a um grau suficientemente bom de organização, o qual permitirá ao
estudante dedicado a compreensão do que é realizar um processo de avaliação psicopedagógica.
A Teoria da Epistemologia Convergente foi organizada pelo Professor Jorge Pedro Luis Visca, conhecido
como Jorge Visca, nascido em 14 de maio de 1935 na cidade de Baradero, província de Buenos Aires,
Argentina.
Visca fez o magistério no ensino secundário e formou-se em Ciências da Educação na Faculdade de
Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires. Na extensão universitária, teve contato com populações
marginais e sensibilizou-se ainda mais diante das dificuldades de aprendizagem. Trabalhou no Centro de
Saúde Mental de La Matanza.
José Bleger influenciou Visca em relação à psicanálise e também foi influenciado pelas ideias de Enrique
José Pichon-Rivière, as quais o levaram a estudar na Primeira Escola Privada de Psicologia Social, formando-
se em Psicologia Social.
Depois de ter coordenado grupos de estudos, em 1977, Visca organizou o Centro de Estudos
Psicopedagógicos de Buenos Aires e, a partir de 1978, começou a ministrar supervisões e cursos e fundou
outros centros de estudos no Brasil, localizados no Rio de Janeiro, em Curitiba, em São Paulo, em Salvador,
entre outras cidades.
Em 22 de julho de 2000, encerrou sua caminhada material; no entanto, suas ideias e seu jeito operativo
foram multiplicados e muitos de seus alunos ainda têm como inspiração os registros que ele produziu.
Em 1985, Visca publicou a primeira edição em espanhol do livro Clinica psicopedagógica: epistemologia
convergente, que teve sua primeira versão em língua portuguesa em 1987, sob o mesmo título. Visca
publicou também, em agosto de 1994, uma nova edição dessa obra, revisada e reorganizada, que foi
traduzida para o português, em 2010, por Laura Monte Serrat Barbosa. A pedido da família de Visca, a
tradutora acrescentou à versão original um capítulo intitulado “Epistemologia Convergente”, com três
subtítulos: “Uma conversa”; “O entrelaçamento entre teoria e prática” e “Novas propostas”.
Há outras publicações de Visca que serão referenciadas no decorrer deste livro. Se você quiser saber mais
sobre o organizador da Teoria da Epistemologia Convergente, sugerimos que você visite o site do Centro de
Estudos Psicopedagógicos Jorge Visca, disponível em: <http://www.cepjorgevisca.com.ar>.

SEGUNDO PONTO
Começar a construção da matriz de pensamento diagnóstico por meio da Teoria da Epistemologia
Convergente implica fazer um mergulho no universo de três aportes teóricos que, ao convergirem,
possibilitam uma integração de saberes organizados por três áreas do conhecimento: a epistemologia

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genética de Genebra, que tem como seu principal representante Jean Piaget; a psicanálise, representada
por Sigmund Freud, Wilfred Bion, José Bleger, entre outros estudiosos; e a psicologia social, de Enrique José
Pichon-Rivière.
A proposta de Visca foi a maneira encontrada por ele para compreender o processo de aprendizagem por
meio da integração. A convergência de que trata o autor é bastante complexa e exige que o estudante de
Psicopedagogia, assim como os profissionais que elegem essa teoria como pano de fundo de suas práxis,
mantenha-se em permanente estado de curiosidade e de busca por aprofundamento.
Todas as três correntes teóricas são amplas, profundas e contam com muitos registros escritos deixados
por seus autores ou por aqueles que os estudam, apresentando resultados de pesquisas, críticas e
ampliações das teorias. Basta acessarmos a internet, por exemplo, e procurarmos um desses nomes para
termos a dimensão desse acervo de escritos.
No decorrer do livro, você encontrará indicações de obras que foram elegidas como importantes fontes
de consulta. Cabe destacar que se tratam de fontes de consulta permanentes. Em grande parte, esses livros
não foram feitos para leituras rápidas e superficiais, mas, sim, para servirem como referências para a reflexão
e a integração de conhecimentos a cada processo diagnóstico realizado. É a realidade diária que leva à
formulação de indagações, e as respostas raramente são tão objetivas quanto o mundo atual requisita.
Esse mundo parece desejar uma rapidez nos processos de aprendizagem que tem impedido estudantes e
profissionais de realizarem leituras mais profundas, o que é facilmente constatado quando se exercem a
docência e a supervisão de estudantes de Psicopedagogia. Há uma fantasia de que, terminado um módulo de
um curso, já se sabe o suficiente e os livros para consulta são facilmente descartados. Quanto engano! O
permanente acesso às principais obras da área é que possibilitará o enraizamento de uma concepção que
levará a uma coerência na prática cotidiana.
Quando se fala em concepção, a indagação é necessária. O que é concepção? Do latim conceptione,
significa “compreensão das coisas”; “percepção”. Concepção de mundo tem relação com a imagem subjetiva
que um indivíduo ou grupo faz a respeito deste, de acordo com determinado ponto de vista.
Quando se elege uma teoria como pano de fundo de uma práxis profissional, há que se ter a clareza de
que essa escolha possui relação com o conjunto de valores que, na interação com o mundo, foram
construídos por cada um de nós e que continuará em permanente processo de construção. Assim, o
psicopedagogo tem uma concepção de mundo e, consequentemente, uma concepção de aprendizagem.
É muito importante que o estudante de Psicopedagogia compreenda que, para estudar o ser cognoscente,
é necessário que ele pense sobre sua concepção de mundo, uma vez que é por meio do conjunto de valores
com os quais cada pessoa trilha seu caminho que é possível fazer escolhas.
No caso do psicopedagogo, esse profissional deve fazer a si mesmo as seguintes perguntas:

Por que escolhi a psicopedagogia?


Tendo feito essa escolha, qual teoria será o pano de fundo de minha ação?
Que recursos utilizarei no processo diagnóstico e no processo corretor?

Essas e outras indagações são imprescindíveis, pois é com base nas respostas dadas a elas que o
psicopedagogo elegerá quais serão seus instrumentos de pesquisa, quais serão os temas pesquisados e
aprofundados, como conduzirá a relação com seus clientes e como fará a orientação para uma escola ou
família.

7
Na concepção de mundo construída pelo psicopedagogo, há um plano filosófico que, muito embora nem
sempre esteja claro ou consciente, manifesta-se em ações e escolhas, que influenciarão o plano teórico e,
consequentemente, o plano prático.
É possível constatar facilmente que o momento histórico
atual promove uma necessidade de consumir ideias e produtos, e a tendência, principalmente quando se
inicia uma carreira profissional, é a de querer adquirir rapidamente conhecimentos por meio de cursos e da
aquisição de materiais psicopedagógicos, desde testes até jogos e brinquedos, de modo a preencher o
espaço externo com objetos e com recursos que atestem a área de conhecimento estudada e que a ela
correspondam. No entanto, o recurso interno, que, sem dúvida, é o mais importante, muitas vezes
permanece vazio ou confuso ou, ainda, não suficientemente compreendido.
Os objetos ou os recursos externos ao psicopedagogo são objetos intermediários que, concretamente,
representam o saber, o não saber e o saber que está por vir. O recurso interno é aquele que está com o
psicopedagogo, dentro dele. É o conjunto de seus saberes que se expressa na sua conduta, na sua atitude
diante de um aprendiz.

TERCEIRO PONTO
Como terceiro ponto dessa introdução, contemplaremos a necessidade de preencher espaços externos com
base em algumas reflexões. Vamos a elas!
A convivência com artistas plásticos e com a arte em geral possibilita-nos a ampliação do universo
simbólico, subjetivo. A psicopedagogia trabalha com o exercício da leitura do simbólico, habilidade
extremamente importante para essa área. Por isso, vou relatar aqui, como colaboração (justamente para
um exercício de leitura e reflexão acerca da dimensão simbólica), uma troca de ideias vivenciada com uma
grande amiga, a artista plástica Dani Henning1, que, em um momento de sua caminhada, atuou como
psicopedagoga e com a qual trabalhei.
Certo dia, em seu ateliê, falávamos sobre a leveza, a delicadeza do traço em suas produções, e o conteúdo
dessa nossa conversa criou raízes, permaneceu latente em minhas reflexões, até que, no momento da
organização deste livro, floresceu. Escrevi a ela para que tentássemos lembrar o que exatamente queríamos
dizer. Lembramos que nossa conversa teve início devido a uma queixa acerca das exigências do mundo atual
e de quanto tem sido difícil compor o currículo. O mundo parece não se satisfazer nunca, queixávamo-nos.
Chegamos à ambição de cada área e Dani se referiu à leveza do traço, à ideia de que, talvez, chegar à linha
seja a grande ambição do artista plástico. Com base nisso, comecei a pensar na linha, no traço!
Na sala de espera da Síntese2 (Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem),
há uma gravura (reprodução) de uma obra de Picasso. Olhei para aquela tela e vi a linha, o traço! Trata-se da
obra Bull, uma sequência de onze litografias que vão desde o estilo mais acadêmico de desenho até o mais
abstrato. Pablo Picasso, em 1945, com base em uma única peça, transformou visualmente a imagem de um
touro. Cada uma das imagens representa uma das fases do processo de investigação, até chegar ao encontro
do “espírito absoluto” do animal.

1
Para obter informações sobre Dani Henning, acesse: <http://<www.
danihenning.art.br>.

2
Acesse: <http://<www.sinteseaprendizagens.com.br>.

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Infelizmente, não é possível reproduzir aqui todas as onze litografias3. Podemos, no entanto, fazer o
exercício de observação com base em duas delas:

Observe que muitos traços foram eliminados, como se o “excesso” fosse retirado e “sobrasse” a essência
de simplicidade. Mas é uma simplicidade complexa! Até se chegar a ela, o caminho a ser percorrido é longo,
trabalhoso!
A analogia que quero fazer remete ao excesso de materiais, cursos, objetos que temos de acumular em
nossos inícios. Porém, o que necessitamos mesmo é de algo muito “simples” – a linha, o traço –, mas só
constatamos isso depois de um intenso trabalho, que é talvez o mais complexo – assim, o recurso interno,
aquele que vai sendo construído dentro de nós, às vezes sem que tenhamos consciência, não é reconhecido
por nós, não é “autorizado” a revelar-se.
Na nossa troca de e-mails, que intitulamos de Ti-ti-ti, Dani escreveu:
Acho que toda a conversa e o paralelo que você quer fazer está na busca da essência, do que nos identifica
e nos unifica. Que é a minha grande busca, aí o traço, é como se ele sintetizasse a trajetória, mostrasse a
atitude livre e madura de um processo intenso de aprendizagem.

Possivelmente Picasso, até chegar ao Touro, trabalhou intensamente no acadêmico, produziu demais a
vida toda em vários suportes para daí chegar à pureza do traço. Mesmo sendo considerado um gênio,
“nada veio do nada”. Não sei como você vai amarrar bem isso porque o crescimento está ligado à sede de
consumo de teoria e prática, e dos recursos externos. Acho que o mais importante disso é a busca pelo
estilo de trabalho, pela marca que cada aluno vai ter, independente do recurso externo (que compõe a
trajetória), do traço que cada um vai deixar...(Henning, 2011)

Assim parece ser o caminho da construção do conhecimento. Após muitos ensaios e várias tentativas
complexas, chegamos à compreensão de que a atitude diante de uma pessoa que aprende faz a diferença
fundamental. Não que com isso se eliminem os objetos intermediários, mas se necessita de poucos quando
se tem muito internamente.

3
Se você quiser visualizar todas as litografias mencionadas para realizar uma análise mais completa delas, acesse:
<http://jamygalleries.blogspot.com/2009/04/picasso-progression-of-bull.html>.

9
1-Quadro Auxiliar
Neste capítulo, apresentaremos os passos para uma avaliação psicopedagógica conforme a Teoria da
Epistemologia Convergente, sintetizados por meio do Quadro Auxiliar. Também examinaremos em detalhes
a Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (Eoca), instrumento concebido por Jorge Visca e utilizado
no processo de avaliação psicopedagógica no âmbito clínico.
Os conteúdos tratados neste capítulo contribuirão para a composição do plano teórico da matriz de
pensamento diagnóstico proposta nesta obra e os exemplos apresentados auxiliarão na transposição da
teoria para a prática.

1.1
Quadro Auxiliar propriamente dito
Para organizar este livro, foi necessário selecionar o que dizer, ou o que é necessário dizer, aos estudantes
de Psicopedagogia, que não seja nem o excesso e nem somente a linha, o traço.
Começaremos, portanto, pela totalidade de um processo, que é a apresentação de um instrumento
organizado pela autora desta obra entre 1992 e 1994, com a supervisão do Professor Jorge Visca, em um dos
períodos em que exerceu o papel de assessora desse professor em grupos de formação em Psicopedagogia,
promovidos pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de Curitiba. Esse instrumento sintetiza o caminho de
uma avaliação psicopedagógica, tendo como pano de fundo a Teoria da Epistemologia Convergente. Trata-
se do Quadro Auxiliar ao processo diagnóstico clínico.
A primeira versão do Quadro Auxiliar foi publicada em um artigo distribuído a colegas e alunos a partir de
1994. Uma versão revisada do instrumento foi publicada em 2007 no livro Psicopedagogia:
saberes/olhares/fazeres (Zenícola; Barbosa; Carlberg, 2007), em um capítulo intitulado “Contribuições:
composições teórico/práticas”.
O processo de avaliação psicopedagógica tem início com uma primeira entrevista, na qual se acolhem
pais e/ou responsáveis ou, ainda, o próprio cliente, que relata os motivos que o mobilizaram a procurar a
colaboração de um especialista.
É nessa primeira entrevista que nos é apresentado o conjunto de sintomas ou a semiologia que pode
manifestar-se na aprendizagem assistemática (nas aprendizagens cotidianas fora da escola ou de espaços
com conteúdos não sistematizados) ou na aprendizagem sistemática (aprendizagens em espaços – escola –
com conteúdos sistematizados).
Na primeira entrevista, ouvem-se os motivos, apresentam-se as constantes do enquadramento do
processo avaliativo e efetiva-se o contrato, na maioria das vezes oral, com a anuência das partes.
Enquadramento é o conjunto de aspectos que organizam uma realidade. É um marco de referência, um
caminho que é organizado, uma margem que contém e dá segurança. Uma escola, por exemplo, tem o seu
enquadramento expresso em seu regimento.
São constantes de um enquadramento de contrato de avaliação psicopedagógica:

• tempo (quantidade de minutos de cada sessão, geralmente 50 minutos);

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• lugar (local onde acontecerá o atendimento);
• frequência (quantidade de sessões por semana);
• duração (período de tempo em que ocorrerá o processo);
• interrupções combinadas (feriados, férias e outras datas);
• honorários (sistema de remuneração).

As constantes de um enquadramento correspondem às características peculiares ao atendimento,


considerando-se que este pode ser público ou privado. No atendimento público, de maneira geral, o contrato
é apresentado na forma escrita e, no atendimento privado, normalmente é um acordo verbal.

Quadro 1.1 – Quadro auxiliar


Primeiro
Instrumentos de Segundo sistema de
Etapas do processo sistema de
pesquisa hipóteses
hipóteses

Semiologia Dimensões
C
O
G
N
I
T
I
Aprendizagem V
assistemática A

F
U
N
C
I
O
N
A
L

A
F
E
T
I
V
Aprendizagem A
sistemática

S
O
C
I
A
L

11
Instrumentos de pesquisa Linha de pesquisa – Informações Terceiro sistema de
complementares anamnese complementares hipóteses

Fonte: Carlberg, 2007, p. 111.

Nesse contrato estão definidos os horários dos atendimentos. O primeiro atendimento (realizado após a
primeira entrevista) será com a pessoa que manifesta os sintomas.
No livro Avaliar para nós é..., Barbosa (2011, p. 131-137) apresenta reflexões a respeito da primeira
entrevista em um capítulo intitulado “Primeira entrevista... é momento de quê?”.
Nesse momento, é preciso silenciar, ouvir, observar e buscar entender o que não está à disposição de
nossas vistas e nossos ouvidos; o que se encontra “entre vistas”. O entrevistador transforma-se em um
grande caldeirão de escuta, que recebe o motivo principal da presença dos entrevistados, além de também
acolher outros motivos que vêm trançados, de tal forma que nem são percebidos como coisas diferentes.
(Barbosa, 2011, p. 132)

12
A primeira entrevista é um momento especial, no qual quem procura o auxílio filia-se, isto é, aproxima-
se do processo avaliativo; no entanto, a maneira como esse encontro é encaminhado é que determinará o
sentimento de pertença, ou seja, de fazer parte desse processo. Além disso, o acolhimento do
psicopedagogo e a sua escuta suficientemente boa podem contribuir para a continuidade ou não de tal
processo.

1.2
Entrevista Operativa Centrada
na Aprendizagem (Eoca)
Para este segundo momento, ou o primeiro com o cliente propriamente dito, Visca (2010) criou a Entrevista
Operativa Centrada na Aprendizagem (Eoca).
A aplicação da Eoca é um momento muito especial e possibilita o primeiro contato com a pessoa que
apresenta um conjunto de sintomas que a mobilizaram – ou ao seus responsáveis – a procurar ajuda de um
especialista.
A Eoca é um instrumento que pode ser utilizado em qualquer faixa etária – crianças pequenas, adultos
universitários e até mesmo a chamada terceira idade.
A tendência é pensar a avaliação psicopedagógica apenas para crianças em idade escolar, mas é
importante compreender que para a ação psicopedagógica não há limite de idade, assim como não há limite
para aprender.
Para a organização da Eoca, consideram-se, inicialmente, como parâmetro de escolha dos materiais que
irão compô-la, a idade cronológica da pessoa e a sua condição escolar atual.
Em linhas gerais, organiza-se uma mesa com duas cadeiras e colocam-se sobre esta alguns objetos que
poderão ser utilizados pelo cliente após a consigna4 de abertura (forma utilizada pela autora desta obra):
“Gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que lhe ensinaram, o que aprendeu. Para isso, você
poderá utilizar os materiais que estão sobre a mesa”.
No texto original de Visca (1994, p. 86), encontramos: “Me gustaría que me muestres lo que sabes hacer,
lo que te han enseñado y lo que hás aprendido”. Após alguns instantes, acrescenta-se: “Este material es para
que lo uses si lo necesitás para enseñarme lo que te comente que queria saber de ti”.
Visca (2010, p. 98) apresenta a seguinte tradução da consigna: “Gostaria que me mostrasse o que sabe
fazer, o que têm lhe ensinado e o que tem aprendido”. Após alguns instantes, diz: “Este material é para você
usar, se precisar, para mostrar-me o que eu gostaria de saber de você, como comentei”.
Visca (2010, p. 98) ressalta, ainda, que pode haver diferenças, tanto em relação à consigna quanto em
relação aos materiais, em virtude da idade do entrevistado.
Quanto aos materiais, lembra-se do que comentamos anteriormente sobre a necessidade de consumir
objetos? Fazíamos referência também à organização dos materiais para a Eoca. Costumamos brincar que

4
No decorrer de toda a obra, é recorrente o uso do termo consigna (do espanhol), que não possui tradução na língua portuguesa
e está relacionado ao sentido de “ordem”, “instrução”. Como é muito utilizado em psicopedagogia, optamos por empregá-lo
na forma como aparece na língua espanhola. Para saber mais sobre a utilização desse conceito em psicopedagogia e educação,
sugerimos a leitura do Capítulo 3, intitulado “Consigna”, que integra o livro O processo educativo: articulações possíveis frente
à diversidade (relato de uma práxis), coordenado por Simone Carlberg.

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não é para oferecermos uma papelaria, mas uma quantidade suficientemente boa de materiais que sejam
mobilizadores.
Visca (2010, p. 98) sugere os seguintes materiais para crianças em idade escolar:
folhas lisas, tamanho carta;
folhas com linhas e quadriculadas;
lápis novo, sem ponta;
apontador;
caneta;
borracha;
folhas de papel colorido para dobradura;
régua;
lápis de cor;
livro ou revista.

Como podemos constatar, trata-se de um conjunto de materiais que lembram os utilizados em uma escola,
por exemplo. Embora, em muitos casos, esses materiais sejam o suficiente, é possível adaptá-los conforme a
situação que nos é apresentada. Vejamos alguns exemplos:

• Para adolescentes com idade entre 13 e 15 anos, podemos incluir um compasso, um transferidor e
uma revista, que pode ser sobre esportes (surfe, futebol, vôlei etc.).
• Para crianças de 6 a 9 anos, podemos acrescentar um jogo, como o UNO, um jogo de baralho que
permite a observação de vários aspectos cognitivos, funcionais, afetivos e sociais.
• Para crianças de 4 a 6 anos, podemos privilegiar objetos relativos a essa faixa etária, como giz de cera
mais grosso. Podemos também retirar a régua e escolher um livro de literatura infantil com imagens
coloridas e com letra em caixa-alta ou, ainda, apresentar uma caixa ou um pacote com letras em
madeira ou em plástico.
• Para crianças menores de 4 anos, podemos optar pela exposição de materiais próprios ao estado de
pensamento esperado de crianças dessa faixa etária e oferecer, por exemplo, uma bola de plástico, um
carrinho, uma boneca, um livro de pano etc.
• Para os adultos, podemos oferecer, além de instrumentos necessários, mais de um suporte de escrita,
como uma revista para adultos, um livro de poemas, um livro da história da cidade onde estão, entre
outras possibilidades.

Enfim, o importante é ter em mente que o que interessa nesse momento não é a quantidade de materiais
nem a variedade, mas a escolha dos objetos que servirão como mediadores ou, ainda, como disparadores
de uma apresentação. Embora se diga que a psicopedagogia trabalha com dificuldades de aprendizagem,
não procuramos nessa entrevista as “dificuldades”. Nosso olhar deve estar direcionado à pessoa que está
diante de nós. Assim, nesse momento, o que nos importa é conhecer e observar esse indivíduo, de modo
que possamos compor um sistema de hipóteses que nos leve a compreender o seu jeito de aprender.
Em uma Eoca, interessam-nos três elementos: a temática, a dinâmica e o produto.
A temática é tudo aquilo que a pessoa fala com o interlocutor e consigo mesmo, o que é muito comum,
uma vez que escutar a própria voz pode ser um recurso organizador da própria ação.

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A dinâmica se refere ao conjunto de movimentos corporais realizados pela pessoa durante a entrevista,
desde a maneira como faz a preensão de um instrumento – tesoura, lápis, caneta, cartas de baralho –, até o
modo de se sentar, o piscar incessante, isto é, os movimentos que ela realiza ou até mesmo a ausência de
movimentos.
O produto se refere à produção da pessoa: um desenho, um texto, uma colagem, entre outras
possibilidades.
Esse conjunto de observações é que expressa a “resposta” dada à consigna de abertura, ou tarefa de
abertura, solicitada pelo entrevistador.
O entrevistado pode reagir de distintas maneiras diante da consigna:
• pôr-se a falar;
• pôr-se a desenhar, escrever, fazer contas etc.;
• pedir que lhe digam o que é para fazer;
• ficar paralisado.
Durante a Eoca, a atitude do entrevistador não deve ser a de dirigir a entrevista, determinando o que o
entrevistado deve fazer; pelo contrário, o psicopedagogo deve acolher os movimentos apresentados e
identificados pela dinâmica e pela temática do cliente, embora possa realizar algumas intervenções. Entre
estas, Visca (2010, p. 99) sugere o modelo de alternativa múltipla, que se resume à apresentação de
possibilidades, como a expressa em: “Você pode desenhar, pintar, recortar ou fazer qualquer outra coisa que
lhe ocorra”.
Ao realizar as intervenções, o psicopedagogo deve ter por objetivo observar de que maneira ocorre a
modificação da conduta; de que maneira o cliente reage diante de uma situação que o desorganiza e como
ele se reorganiza; a qualidade de suas justificativas; o que ele aceita ou recusa no vínculo que estabelece com
o psicopedagogo, com os materiais oferecidos ou com as intervenções realizadas.

Registro de uma Eoca


No decorrer da entrevista, cabe ao psicopedagogo, além de observar e intervir (quando necessário), registrar
por escrito os fatos observados. Há várias possibilidades de realização desse registro, porém, para ilustrar,
apresentamos o exemplo a seguir.

Nome: Yuca5.
Idade: 7 anos e 6 meses.
Grau de escolaridade: 1º ano do ensino fundamental – escola particular.
Queixa ou motivo da procura: O casal (padrinhos) que cuida de Yuca deseja realizar uma avaliação
psicopedagógica para conhecer a condição geral de aprendizagem da menina. Yuca mora na casa dos
padrinhos, mas convive com o pai biológico, os irmãos e a avó paterna, além de manter a convivência com
o lar dirigido por religiosas que cuidaram dela desde muito pequena.
Materiais encontrados por Yuca sobre a mesa (ver Figura 1.1):

• duas folhas de papel sulfite branco;

5
Yuca é um nome fictício, porém o caso é autêntico. Os dados de identificação foram modificados com o intuito de preservar a
identidade real do cliente. Aproveito para agradecera à Yuca por nos servir de exemplo e nos ajudar a compreender e a auxiliar
tantas outras e outros Yucas.

15
• um lápis preto;
• apontador;
• borracha;
• tesoura sem ponta;
• papel colorido para dobradura;
• giz de cera retrátil (12 cores);
• um livro;
• uma régua;
• um tubo de cola líquida;
• letras em EVA.

Figura 1.1 – Exemplo de materiais utilizados numa Eoca

Quadro 1.2 – Registro de Eoca da Yuca


REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA HIPÓTESES

Consigna de abertura: //Yuca, eu gostaria que você me mostrasse o que você sabe
fazer, o que lhe ensinaram e o que você aprendeu com estes materiais que estão
sobre a mesa.//

“Eu sei equilibrar livro na cabeça!” Que significativo!


Fala enquanto deixa a régua em pé.
“Tô fazendo um negócio.” Talvez o material determine a ação?
Destra

Dobra o papel em 4 partes, marca com a dobra, corta.

“Cadê a mãe da Yuca grande?” Busca vínculos anteriores?


Demorei em entender que se tratava da filha de uma pessoa que se encontrava na
sala de espera e que tem o mesmo nome de Yuca.

“Ih, não tem durex, eu preciso para fazer o livro.” Colar-se? Aproximar-se?
Ofereço-lhe o durex. O sentido da tarefa muda conforme o
Dobra, dobra, cola durex e faz um avião. material?

//Você não ia fazer um livro?//


“Eu tô fazendo, é o desenho!” Faz ligações entre o que se diz, o que
//Ah! O avião é o desenho do livro?// pretendia fazer e o que está fazendo,
mesmo que intuitivamente?

6
O que está entre aspas foi dito por Yuca; o que está entre barras foi dito pela psicopedagoga.

16
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA HIPÓTESES

“Eu tenho outra Simone, ela mora junto com a minha irmã.” Tenta fazer relações do novo com o já
conhecido?

“Eu sei fazer um livro, vai ficar bem bonito!”


Enquanto fala, enrola um pedaço de papel, faz dele um tubo, um rolo.

“Lá na escola tem esse livro!” Embora centrada na tarefa, faz uma
(pega o livro A história do gato e me mostra) leitura global?
Boa capacidade de observação?

Pede ajuda para abrir a cola. Pede ajuda.


“Não tá saindo!”
Mostro-lhe em meu dedo um pingo de cola que sai.
Ela repete o que vê, coloca um pingo de cola no dedo, passa no papel e coloca o
material ao lado. Necessidade de modelo?
Estado de pensamento pré-operatório
intuitivo global ou articulado?

“Vou desenhar!”
“Eu não sei fazer mão, só sei fazer uma asa” (ri muito)
“Pode ser um anjo!”
Analisa seu produto, identifica o que
ainda não consegue?
“O anjo tava na praia, tinha dois sol até! Um ele fez e o outro já estava” (mostra-me o
do lado esq.)
“Esse ele fez” e o do lado direito “Já estava.”

Dois “sóis” representam as duas


famílias? Vínculo positivo (+) com pai
biológico e com as figuras masculinas?

Cola o desenho no livro, pega durex e volta a desenhar o mesmo tema: “dois sol e um Colar, colar, colar? Necessidade de raiz?
anjo sapeca!” (ri novamente). De definição? De espaço?
Busca integrar partes que se encontram
soltas em seus vínculos?

//Esse livro é só feito com lápis ou será colorido?//

“Eu vou pintar!” Aceita a intervenção porque quer


corresponder à expectativa?

Pega o lápis, não sabe abri-lo, mostro-lhe, pinta o desenho. Aceita a novidade com facilidade?
“Tava muito quente, ele queimou o rosto.” (pinta com lápis cor-de-rosa) Ligada na realidade?
Noção causa/consequência?
(causalidade?)

17
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA HIPÓTESES

“Eu vou fazer um coração diferente, ficou tudo verde, porque ele mentiu, eu quero Ecro* religioso? A experiência de
uma casa que não tem mãe, ele mentiu, porque ele tem mãe, né? Pronto! Terminei o abandono que não se efetivou?
livro!” Estado de heteronomia moral?

//E o seu livro só tem desenho? Não tem palavras?//


“Não, não sei escrever!”
//Nem o seu nome? O nome da autora?//
Escreve Yuca.

Escreve seu nome com facilidade.

“Vou fazer um coração”, dobra o papel, recorta e abre, quando abre constata que não
deu certo.
“Ih! Parece um coelho! E esse um castelo.”
Desenha, cola com durex e diz:
“Olha, o castelinho do coelhinho!”

Assimilação deformante?
O resultado da sua ação determina o
significado?
Vocabulário amplo, pronúncia boa,
porém com sinais de trabalho
fonoarticulatório.

Modelo de alternativas múltiplas*

Recorta um papel e diz: “O que parece?”


//O muro de uma cidade, o morro, as casas.//
“É isso mesmo que parece!”

Permanece no já conhecido – recorte


com uma intenção que se modifica a
partir do produto encontrado.

“Sabe que estou fazendo balé?” Fez outra relação aparentemente sem
ligação?
Percebe o sentido de suas associações?

Pega outro papel, diz que fará um coração. Que interessante. Precisa de uma
De novo, não consegue e diz: simetria que ainda não consegue
“É um coração/coelhinho.” realizar.
Coloca olhos, nariz... Busca pontos comuns nas partes.

//O que você sabe fazer com o que tem nesta caixa?//
Abre a caixa e diz: “Letras!”
Retira algumas e começa a enfileirá-las:
MPMOV
Pede para que eu leia. Leio e ela ri muito.
MOJSE
Repete a conduta anterior. Pergunto-lhe: //M com O faz o quê?// Conhece as letras do alfabeto, ainda não

18
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA HIPÓTESES

“MO” faz a relação entre som e letra em


Termino a leitura, novamente ri muito. alguns casos.

D XX R M (com o D e o R invertidos) Nível silábico/alfabético? Ou apenas


//Separe nessas caixas o que serve e o que não serve para ler// automatização?
+ 5 (invertido) entre outros e lê: Essas inversões são próprias do estado
XeG atual ou há algo perceptivo?

V e o 3 – diz que ambos são números. Ri muito.

O riso intenso é uma conduta defensiva?


Não diferencia letras de números? Ou é
algo perceptivo?
“Vou escrever o meu nome.”
“O Y, o U, o C, o A.”
YUCA

Logo abaixo coloca:


Y B G (B e G invertidos)
N O 7 M (N invertido e o 7 deitado) Tentativas aleatórias, mas com controle
JQDIMIASI de quantidade.
“É assim que é o meu nome inteiro!”

Pega o livro. A tarefa anterior potencializa suas


“Eu sei ler! O gato começa com a letra G.” possibilidades. Arrisca-se.
Na capa interna do livro há imagens com rótulos. Faz a leitura das imagens:

A palavra é a etiqueta do desenho.

“Era um dia o gato estava muito subindo na cadeira, foi retinho pegar a comida do Texto objetivo tem relação com as
gato, o ratinho, ele que pegou mais comida do gato, ele ficou muito guloso, e ficou imagens, mas o texto subjetivo tem
doente porque tá sem comida. relação com a história dela?
Tá uma carta! Obrigado por sua comida! A menina pegou ele...”

19
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA HIPÓTESES

//O que serve para ler aqui?//


Indico as palavras em uma das páginas.
Aponta para as letras.
//Por quê?//
“Porque tá no meio da página.”
//Onde está escrito GATO?//
Rapidamente aponta corretamente. Hipótese ligada à localização da palavra
//Onde começa? Onde termina?// na folha e não à palavra e às letras
//Com que letra começa// propriamente ditas?
“Com G.”
//Com que letra termina?//
“Com O.”
“Olha! GA TO termina com i!” – fala dando ênfase aos sons.

Com mediação faz avanços? Levanta


hipóteses?

Continua “contando” a história. Não para de falar.


Ligou o “fofone” e/ou não “temedo”.

Indico o final da sessão, acata com tranquilidade. Quando fala rapidamente comete
aglomerações?

Atende aos limites verbais?

É muito comum que iniciantes nessa prática encontrem dificuldades em fazer as três coisas
concomitantemente – observar, intervir e registrar. Nesses casos, sugerimos que, por maior que seja a
dificuldade, o entrevistador faça as anotações possíveis, para que depois do término da sessão possa
retomar e registrar os acontecimentos na ordem em que aconteceram. É importante, também, registrar as
hipóteses, ou seja, o que o psicopedagogo pensa e se pergunta no decorrer da entrevista.
Não se trata de um pensar qualquer. É um pensar que deve estar focado nos parâmetros oferecidos pelas
teorias que explicam o desenvolvimento humano, que, no caso da Teoria da Epistemologia Convergente, são
os aportes teóricos da escola de Genebra, da psicanálise e da psicologia social.
Desse modo, o Quadro Auxiliar pode, ser utilizado como um mapeamento das hipóteses levantadas na
Eoca, agora classificadas; as hipóteses cognitivas devem ser colocadas na dimensão cognitiva e assim por
diante.
Somente após esse estudo é que se passa para a escolha dos instrumentos de pesquisa que podem vir a
responder às hipóteses levantadas. É nessa fase que reside o grande diferencial dessa forma de pesquisa
psicopedagógica – parte-se da realidade atual do sujeito para se chegar às possíveis causas do conjunto de
sintomas apresentados no início do processo.
No decorrer da Eoca, pode-se intervir, como abordado anteriormente, por meio do modelo de alternativa
múltipla, intervenção utilizada quando o profissional tem à sua frente uma pessoa que paralisa diante da
consigna de abertura, por exemplo.
Essa é uma forma de intervenção, porém a atitude do psicopedagogo deve ser uma atitude de
acolhimento sem sedução (elogios desnecessários), sem infantilização (uso de palavras no diminutivo), sem

20
tentativa de aplacar possíveis medos ou receios, sem penalização, enfim, o psicopedagogo deve construir
uma atitude clínica, com uma distância suficientemente boa, que não o “misture” ao cliente e tampouco o
afaste em demasia.
Conforme Visca (2010, p. 99), “Interessa, pois, observar seus conhecimentos, atitudes, destrezas,
mecanismos de defesa, ansiedades, áreas de expressão da conduta, níveis de operatividade, mobilidade
horizontal e vertical etc.”.
A condução da entrevista é sustentada por princípios relativos ao método clínico, utilizado pela escola de
Genebra – que é uma forma de condução também na aplicação das provas de diagnóstico operatório e das
técnicas projetivas psicopedagógicas – e também por princípios oriundos da psicanálise. Sua duração é de
50 minutos. No entanto, em alguns casos com crianças muito pequenas, às vezes é necessário diminuir um
pouco esse tempo.
Importante e necessário ao psicopedagogo é o exercício constante do olhar: olhar o outro, observar o
outro sem, todavia, fazer juízo de valor – o que é bom, o que é mau; o que é certo, o que é errado; o que é
bonito, o que é feio etc.; olhar o outro com a curiosidade de pesquisador, de quem tem a capacidade de
encantar-se, de surpreender-se. É preciso ter o cuidado de não ficar procurando o que há de errado com o
indivíduo. O profissional deve apenas olhá-lo de forma humana.
O constante exercício de aplicação da Eoca, conforme foi concebida por Visca (1987), possibilita
melhorarmos a nós mesmos, pois a diversidade humana pode ensinar a força da esperança e a humildade
no reconhecimento das diferenças, entre muitas outras aprendizagens possíveis.
Adjetivos são fáceis de serem “colados”, e uma pessoa que procura avaliação psicopedagógica não busca
adjetivos, mas sim ajuda, compreensão, acolhimento. Mas se lembre: para a psicopedagogia, a ajuda, a
compreensão e o acolhimento serão sempre operativos. Não se trata de fazer pelo outro ou para o outro;
trata-se de possibilitar o acesso à vara de pescar e até mesmo ao lago. Contudo, o peixe deverá ser pescado
pelo pescador.
Para o aprofundamento em relação à fundamentação teórica e à aplicação de uma Eoca, você pode
consultar um artigo de autoria de Visca intitulado “Precondiciones energetico-estructurales del
aprendizaje”, publicado em 1993 em espanhol. O nome do livro é Psicopedagogia: teoria, clinica,
investigacion, com edição do próprio autor.
Na Figura 1.2, podemos observar o produto da Eoca de Yuca.

Figura 1.2 – Produto resultante da Eoca realizada com Yuca – 1

Figura 1.3 – Produto resultante da Eoca realizada com Yuca – 2

Figura 1.4 – Produto resultante da Eoca realizada com Yuca – 3

Sobre o produto deixado por Yuca, quais hipóteses podem ser levantadas?
Para finalizar as considerações relativas à aplicação da Eoca, é importante acrescentar algumas
informações acerca da forma de registro da entrevista. Observe que, no registro utilizado como exemplo, as
hipóteses são colocadas na mesma direção (horizontal) da observação registrada. Essa organização permite
ao psicopedagogo fazer o acompanhamento da evolução das próprias hipóteses, como se fosse um pequeno

21
filme que pode ser pesquisado em suas partes sem que haja perdas na compreensão da totalidade. Essa
formatação propicia também uma organização textual que auxilia a leitura desse tipo de texto, de modo que
não sejam dificultadas sua visualização e sua consequente análise.
Essa é uma das maneiras de se executar um registro, o que não impede que cada psicopedagogo possa
organizar o seu jeito, mas sempre tendo em mente que um registro não serve somente para um momento,
mas também para muitas situações que o levem a compreender o sujeito pesquisado, desde os momentos
de classificação de hipóteses e de seleção de instrumentos de pesquisa, até os momentos de supervisão ou
de apresentação do estudo em situações científicas.

1.3
Primeiro sistema de hipóteses
Feita a Eoca, é hora de classificar as hipóteses e selecionar os instrumentos de pesquisa.
Para ilustrar nosso estudo, a seguir é apresentado o Quadro Auxiliar que corresponde à Eoca realizada
com Yuca, com o primeiro sistema de hipóteses classificado e organizado. Procure observá-lo e analisá-lo.

Quadro 1.3 – Quadro Auxiliar: primeiro sistema de hipóteses


Etapas do Processo
Primeiro sistema de hipóteses
Dimensões

Pré-operatório global indo para o articulado?


COGNITIVA Intuitiva?
Necessidade de modelo?

Material determina a ação?


Faz ligações entre o discurso e a ação?
Boa capacidade de observação?
Atenção descentrada?
Necessidade de modelo? Aprendizagem por imitação?
Analisa o próprio produto?
Escreve o próprio nome?
FUNCIONAL Conhece o alfabeto, mas não faz relação entre som e letra?
Algumas inversões – algo perceptivo?
Tentativas aleatórias de escrita e leitura com controle de quantidade?
Pré-silábica?
A palavra é a etiqueta do desenho?
Assimilação deformante?
Vocabulário amplo?
Pronúncia sem falhas com sinais de trabalho fonoarticulatório?

22
Busca de equilíbrio?
Busca de vínculos anteriores?
Vínculo positivo com figuras masculinas?
Vínculo dissociado?
Vínculo simbiótico representado pela
AFETIVA
necessidade de colagem?
Aceita a novidade com facilidade?
Permanece no já conhecido?
Deseja corresponder à expectativa?
O êxito a potencializa para seguir adiante?

Necessidade de definição de seu espaço?


SOCIAL Ecro religioso?
Com mediação, avança na aprendizagem?

Em relação ao Quadro Auxiliar, é importante explicar que se trata apenas de um instrumento auxiliar ao
processo diagnóstico, sendo utilizado para organizar a pasta de cada cliente para consultas no momento da
realização do diagnóstico ou, ainda, em momentos de necessidades futuras. É utilizado também como
instrumento didático em aulas sobre o tema.
Você já deve ter observado que no Quadro Auxiliar há uma imagem ao fundo, uma marca d’água, em
forma de espiral. Ela representa a necessidade de manter permanentemente a lembrança de que o ser
humano é uma totalidade, sendo meramente didáticas as divisões por pontilhados que separam as
dimensões. Afinal, não avaliamos pedaços isolados, e sim uma pessoa em sua totalidade. O Quadro Auxiliar
pretende ser a representação gráfica da teoria que o embasa. Assim, pontilhados, espiral ao fundo e barras
divisórias foram pensados como representantes da própria teoria.

Síntese
Neste capítulo, apresentamos alguns dos aspectos que compõem o Quadro Auxiliar, bem como os conceitos
de enquadramento e suas constantes, de Eoca e de sua consigna, além de sugestões de materiais e forma de
registro e composição de um primeiro sistema de hipóteses.

Atividades de autoavaliação
1. Quais as teorias contempladas pela Teoria da Epistemologia Convergente?
a) A teoria de Jean Piaget, a da psicologia cognitiva e a da psicologia social.
b) As teorias da psicologia cognitiva, da psicanálise e da psicologia social.
c) As teorias da epistemologia genética, da psicanálise e da psicologia sistêmica.
d) As teorias da epistemologia genética, da psicanálise e da psicologia social.

2. A Eoca é um instrumento concebido por Jorge Visca e essa sigla significa:


a) Entrevista Operatória Centrada na Aprendizagem.
b) Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem.
c) Enquete Operatória Centrada no Aprender.

23
d) Entrevista Operativa Centrada no Aprender.

3. O Quadro Auxiliar é um instrumento concebido por Carlberg, que ajuda no processo de avaliação
psicopedagógica no âmbito clínico. Quais momentos desse processo são contemplados no Quadro
Auxiliar?
a) Semiologia, dimensões; primeiro sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa; segundo sistema
de hipóteses; instrumentos de pesquisa complementares; linha de pesquisa para a anamnese;
informações complementares; terceiro sistema de hipóteses.
b) Semiologia; dimensões; Eoca; devolutiva.
c) Primeiro sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa; segundo sistema de hipóteses;
instrumentos de pesquisa complementares; linha de pesquisa para a anamnese; informações
complementares; terceiro sistema de hipóteses.
d) Primeiro sistema de hipóteses; instrumentos de pesquisa; segundo sistema de hipóteses; linha de
pesquisa para a anamnese; terceiro sistema de hipóteses.

4. Se você tivesse de selecionar materiais para realizar uma Eoca de um garoto de 9 anos, matriculado no
3º ano de ensino fundamental, cuja queixa principal está relacionada à lentidão no processo de aquisição
de conhecimentos, quais materiais você escolheria?
a) Duas folhas de papel sulfite; uma folha de papel com linhas e uma folha de papel quadriculada; um
lápis preto novo, sem ponta; um apontador; uma caneta; uma tesoura; cinco folhas de papel colorido
para dobradura; um tubo de cola líquida; uma régua; uma caixa de lápis de cor com 12 cores; uma
revista Recreio; um gibi da Turma da Mônica.
b) Duas folhas de papel sulfite; um lápis preto; um apontador; uma caneta; uma tesoura; cinco folhas de
papel colorido para dobradura; uma régua; uma caixa de lápis de cor com 42 cores; uma revista
qualquer.
c) Qualquer material serve para realizar a Eoca.
d) Duas folhas de papel sulfite; uma folha de papel com linhas e uma folha de papel quadriculada; um
lápis preto novo, sem ponta; um apontador; uma caneta; uma tesoura; cinco folhas de papel colorido
para dobradura; uma régua; uma caixa de lápis de cor com 12 cores; um livro qualquer; grampeador;
furador; cola colorida; cola com glitter; purpurina; lantejoulas; sucatas; papel de seda; papel
laminado; papel celofane; compasso; transferidor; estilete; entre outras coisas encontradas em
papelarias.

5. O Quadro Auxiliar foi composto de maneira a representar graficamente a teoria que sintetiza. Há uma
espiral ao fundo do quadro, uma marca d’água. O que significa essa espiral?
a) Um efeito meramente decorativo.
b) A representação do movimento de integração e interação das partes com o todo e do todo com as
partes.
c) Apenas um recurso didático.
d) A evolução da avaliação.

Atividades de aprendizagem

24
Questões para reflexão
1. Observe a sua conduta diante de uma criança. O que predomina em sua atitude? Uma atitude de sedução
(com o uso de adjetivos em excesso), de infantilização (com o uso de diminutivos e musicalidade de voz
infantil) ou de combinação das duas atitudes; uma diretiva (você determina o que deve ser feito, conduz
a ação) ou uma operativa (você observa, escuta, pergunta, acolhe...)?

2. Assista ao filme Nanny McPhee: A babá encantada, direção de Kirk Jones, e reflita sobre a atitude da babá
em relação ao grupo de crianças: O que esse filme tem a ver com psicopedagogia?
Nanny MCPHEE: A babá encantada. Direção: Kirk Jones. Reino Unido: Universal Pictures, 2005. 97 min.

Atividades aplicadas: prática


1. Para realizar esta atividade, você vai precisar do Registro da Eoca de nº 1, que se encontra no Apêndice
1 desta obra.
Com esse registro em mãos, você deverá focar seu estudo na aplicação dessa Eoca, ou seja, na condução
que o psicopedagogo deu à sessão de avaliação psicopedagógica. Preencha a coluna “Condutas do
entrevistador”, nomeando os passos e as intervenções realizadas pelo psicopedagogo.

2. Escolha um museu ou um ponto histórico de sua cidade e visite-o. Exercite seu olhar. Olhe tudo, não
apenas passe pelas obras expostas ou pelo local visitado. Deixe que estes passem por dentro de você!
Olhe, admire, levante hipóteses. Busque informações a respeito da história do local que você escolheu.
Você poderá realizar esta atividade individualmente ou na companhia de outros colegas.

25
2-Dimensões pesquisadas na avaliação
psicopedagógica no âmbito clínico
Este capítulo oferece elementos para a compreensão das dimensões a serem pesquisadas e indicadas no
Quadro Auxiliar – cognitiva, funcional, afetiva e social. Apresentaremos também sugestões de
instrumentos de pesquisa utilizados em um processo de avaliação diagnóstica psicopedagógica no âmbito
clínico. Assim como no Capítulo 1, o objetivo deste capítulo é contribuir para a continuidade da
composição do seu plano teórico.

2.1
Dimensão cognitiva (ou a condição
para conhecer, para aprender)
Visca foi um professor gentil e detalhista quando se tratava do conhecimento que socializava. Contava-
nos sobre as teorias e a sua própria teoria como quem contava uma história. Relatava devagar, com uma
melodia característica de quem, tendo como língua materna o espanhol, falava em português, ou
“portunhol”, como dizia. Desculpava-se por isso e continuava a história. Não respondia a tudo o que
perguntavam a ele. Deixava espaço para a busca, para a criação, para a autoria.
Certo dia, caminhando em direção ao carro que iríamos usar, Visca encontrou um pedaço de corrente
de metal na calçada. Conversávamos enquanto eu dirigia e ele movimentava a corrente, como que num
brincar. Quando chegamos ao destino, disse-me: “Toma, isso é para você usar no diagnóstico operatório”.
Com surpresa, sorri e aceitei a corrente como quem aceita um objeto qualquer.
Algum tempo passou, mas sempre me lembro dessa cena quando me deparo com meus alunos e alunas
do módulo que ministro sobre as provas de diagnóstico operatório. Eles ficam excitados, ansiosos por
saberem, já no primeiro dia de aula, onde podem adquirir a caixa com os materiais para o diagnóstico.
Alguns ouvem quando lhes conto a história da correntinha; outros, afobadamente, como é comum
quando começamos a descobrir coisas que nos agradam e/ou assustam, já querem os endereços, os
números de telefones, o e-mail etc.
Integro o primeiro grupo que fez a formação em Psicopedagogia Clínica em Curitiba, na metade da
década de 1980. Naquela época, tínhamos pouquíssimo material sistematizado para a psicopedagogia e
para pesquisa. Ainda usávamos máquina de escrever! Comunicávamo-nos com o professor, entre um
módulo e outro, na Argentina, por cartas enviadas pelo correio ou, raramente, por telefone, pois as
ligações tinham um custo muito elevado.
Pois bem, essa aparente falta nos impulsionou para a criação que, por sua vez, implica criatividade.
Essa criatividade nos possibilitava desenvolver alternativas. Contudo, para que pudéssemos desenvolvê-
las, precisávamos estudar para compreender o que criávamos. E foi assim que uma corrente de metal
pôde ser compreendida como alternativa e ser utilizada em uma prova de diagnóstico operatório. Ela
substitui, por exemplo, o barbante na prova de conservação de comprimento.

26
Dessa forma, a frase “Toma, isso é para você usar no diagnóstico operatório” ensinou-me muito mais
do que se Visca tivesse me presenteado com uma caixa pronta de materiais para diagnóstico.
Algumas pessoas podem argumentar: “Não tenho tempo! Vou à loja e compro!”. Pode ser, afinal, não
sou contra os que fabricam as caixas; alguns desses profissionais são psicopedagogos estudiosos e
dedicados. Entretanto, ao comprarem o material já pronto, talvez os estudantes “percam” o tempo de
construir, de consultar os livros, de compartilhar descobertas, de criar alternativas. Como resultado,
temos diagnósticos operatórios sofríveis, com interpretações errôneas que chegam a ser, até mesmo, um
desrespeito com a escola de Genebra.
Outra experiência que ilustra essa ideia é a relatada no livro de
Visca e Schumacher (2011). Ao realizar um diagnóstico psico-
pedagógico para um grupo de 50 crianças repetentes de primeira série que habitavam uma província,
com o objetivo de confirmar a necessidade da criação de uma escola especial, Schumacher conta:
Necessitaba saber si disponían de representaciones mentales que admitían câmbios, es decir se podían
seguir llamando perro a cualquier perro... o si el nombre perro estava ligado a um solo ejemplar...
debería observar si desponían de nociones de conservacion. Surge uma nueva pregunta: ¿Con qué
materiales podría travajar? La respuesta está em el entorno; los materiales fueron los frutos, la flores,
los animales del lugar y los objetos conocidos por ellos. El ir a la vera del rio, se transformo en um paseo
habitual, mientras fijaban com una lanza (cazaban) el pescado, les perguntaba sobre las nociones de
longitud y distancia. (Visca; Schumacher, 2011, p. 343)7

Somente quem domina a teoria que está por detrás dos instrumentos de pesquisa poderá
compreender que qualquer material pode ser utilizado, que o importante são os conceitos que
construímos. Bem, se esse pequeno relato de Schumacher motivou sua curiosidade em saber qual o
resultado do diagnóstico, procure ler o livro indicado a seguir:
VISCA, J.; SCHUMACHER, S. Diagnóstico operatorio en la practica psicopedagogica: niños, adolescentes y
adultos. Buenos Aires: Visca & Visca, 2011.
Após essa breve introdução sobre a dimensão cognitiva e os instrumentos de pesquisa relacionados,
passaremos a nos ocupar em pensar sobre como se definem a dimensão cognitiva e as provas de
diagnóstico operatório.

2.2
Provas de diagnóstico operatório
As provas de diagnóstico operatório são instrumentos de pesquisa que nos auxiliam na investigação sobre
a qualidade do pensamento de uma pessoa, ou seja, a condição que apresenta para aprender.

7
“Necessitava saber se dispunham de representações mentais que admitiam mudanças, quer dizer, se podiam continuar
chamando cachorro a qualquer cachorro... ou se o nome cachorro estava ligado a um só exemplar... deveria observar se
dispunham de noções de conservação. Surge uma nova pergunta: Com que materiais eu poderia trabalhar? A resposta está
no entorno; os materiais foram os frutos, as flores, os animais do lugar e os objetos conhecidos por eles. Ir à beira do rio se
transformou em um passeio habitual; enquanto fixavam com uma lança o peixe, eu lhes perguntava sobre as noções de
longitude e distância.” [Tradução e grifo nosso].

27
Cognição é um vocábulo com origem no latim – cognitio –, que significa conhecimento. Assim, ao
lermos dimensão cognitiva, nos reportaremos a um adjetivo relativo à aquisição de conhecimentos, ou a
condição que uma pessoa apresenta para aprender, para conhecer: a dimensão cognitiva.
As provas de diagnóstico operatório aproxima-nos da forma como o indivíduo organiza seus processos
de aprendizagem (estrutura), como faz a adaptação de novas aprendizagens e como reorganiza a própria
inteligência.
Segundo a Teoria da Epistemologia Convergente, somente depois da Eoca, que possibilita a construção
do primeiro sistema de hipóteses, é que são selecionadas as provas consideradas necessárias para o caso
em estudo.
Podemos pesquisar os seguintes domínios com as seguintes provas de diagnóstico operatório:

1. Classificação – Mudança de critério (dicotomia); intersecção de classes; quantificação da inclusão


de classes; combinação de fichas; classificação universal.
2. Seriação – Seriação de palitos.
3. Conservação – Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos; da quantidade de
líquido; da quantidade de matéria; de peso; de volume; de comprimento; de espaços
unidimensional, bidimensional e tridimensional; de superfície, entre outras.

Não há a intenção de descrever as provas de diagnóstico operatório neste capítulo e isso se justifica
pela quantidade de livros já existentes a respeito desse assunto, sendo redundante detalhá-las aqui. No
entanto, é necessário que se façam considerações acerca da história e da utilização desse instrumento de
pesquisa, ou seja, do conjunto de provas de diagnóstico operatório que nos permite ter acesso à qualidade
do pensamento de uma pessoa, podendo ser ela criança, adolescente ou adulto.
Mas, primeiramente, para aplacar a curiosidade que esse tema desperta – talvez muito mais pela
quantidade de objetos utilizados do que propriamente pela riqueza de elementos que com eles se pode
identificar e conjecturar – apresentamos na sequência uma relação de livros que trazem a descrição das
provas. Aproveitamos também para comentar cada um deles e para contar um pouco sobre os homens e
as mulheres que contribuíram com a pesquisa científica, tendo como principal interesse o sujeito
epistêmico.
Sujeito epistêmico, ou sujeito cognoscente, ou, ainda, do conhecimento, diz respeito às estruturas
mentais comuns a todos os seres humanos. Essas estruturas possibilitam aprender fazendo relações entre
diferentes informações (classificação, comparação, dedução, seriação etc.) e são construídas desde o
início da vida por meio da ação dos indivíduos sobre o meio, num processo de interação com o objeto de
conhecimento e com o grupo social. Essa interação propicia a construção de níveis de saber cada vez mais
complexos e elaborados, sendo que são essas estruturas mentais que possibilitam que você leia este livro,
articule esses conceitos com os já existentes na sua malha de conhecimentos, classifique suas roupas, faça
a lista de supermercado, planeje seu futuro, imagine sua casa nova, idealize seu consultório
psicopedagógico etc. Isso acontece com todos os seres humanos! Era esse o principal interesse dos
pesquisadores: o sujeito epistêmico.
Por outro lado, para a psicopedagogia, a Teoria da Epistemologia Genética é norteadora, oferecendo
parâmetros de compreensão dos processos de aprendizagem; porém, o nosso interesse neste livro é pelo
sujeito psicológico, ou sujeito individual, uma vez que no âmbito clínico a psicopedagogia ocupa-se e
preocupa-se com o processo de compreensão do jeito de aprender de cada indivíduo e, para isso, faz uso

28
de vários instrumentos de pesquisa, entre eles as provas de diagnóstico operatório que tiveram origem
nos estudos sobre o sujeito epistêmico.
Vale ressaltar que a psicopedagogia no âmbito clínico também faz intervenções grupais, e não somente
individuais. No entanto, a avaliação psicopedagógica tem sido realizada, predominantemente, no plano
individual, sendo somente no momento do processo corretor, ou processo de intervenção, que a pessoa
deve ser encaminhada para um atendimento grupal, quando necessário. Isso está sendo pontuado para
que não haja a compreensão de que a psicopedagogia no âmbito clínico trata unicamente de ocupar-se
de atendimentos individuais.
Vejamos, a seguir, alguns importantes livros que tratam sobre o tema.
1. VISCA, J. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. Tradução de Simone Carlberg. São
José dos Campos: Pulso, 2008.
Esse livro é a versão traduzida para o português da obra, publicada em 1995, cujo título em espanhol
é El diagnostico operatorio em la practica psicopedagogica.
Visca traz a descrição detalhada de 14 provas, com objetivo, lista de materiais, procedimentos,
administração e avaliação de cada uma delas. Mas o que mais interessa aos estudantes de Psicopedagogia
é que, além dessa descrição detalhada, Visca incluiu exemplos de protocolos (registros de aplicação) das
provas. E vai além, pois conta o desenvolvimento histórico do método clínico e apresenta, com rigor
próprio do autor, as características gerais da aplicação desse método.
Essa obra é complementada por outra, que foi inicialmente idea-
lizada e organizada por Visca, porém corrigida e finalizada por Silvia Cora Schumacher e Susana Hilda
Rozenmacher, psicopedagogas argentinas, em decorrência do falecimento do autor em 2000. A
publicação, somente em espanhol, dessa segunda obra data de outubro de 2002. Seu título é El
diagnostico operatorio de adolescentes y adultos em la practica psicopedagogica. Da mesma forma que o
livro anterior, esse traz a descrição de 9 provas, também com protocolos ilustrativos.

2. MAC DONELL, J. J. C. Provas de diagnóstico operatório. Buenos Aires: Centro de Material Educativo,
1979.
Esse manual foi apresentado por Visca ao primeiro grupo de formação em Psicopedagogia em Curitiba.
Na época, tratava-se de uma apostila datilografada em espanhol e fotocopiada.
Mac Donell foi aluno de Visca na Argentina e, para seu estudo, organizou o documento, que Carlberg
traduziu, digitou e formatou, para estudo particular. Em 1994, a tradução (autorizada pelo autor) foi
organizada para que o manual pudesse ser utilizado em cursos de formação em Psicopedagogia, o que
ocorre até os dias de hoje.
O manual apresenta 15 provas clássicas da escola de Genebra, bem como o objetivo da utilização dos
instrumentos selecionados, sua administração, sua avaliação e suas considerações práticas. Inclui uma
tabela para a avaliação, que contém uma síntese diagnóstica e um glossário.
Em 2004, foram realizadas revisões de ortografia e de formatação do material, além de serem inclusos
dois exemplos de protocolos pela tradutora, com o objetivo de demonstrar que não há apenas uma
maneira de registrar a aplicação das provas de diagnóstico operatório e também como uma ação para
apoiar o movimento contra a utilização de protocolos previamente organizados e aplicados igualmente
para todos.

29
3. VISCA, J.; SCHUMACHER, S. Diagnostico operatorio en la practica psicopedagogica: niños, adolescentes
y adultos. Buenos Aires: Visca & Visca, 2011.
Essa obra chegou às minhas mãos no momento em que eu escrevia este livro, juntamente com o
convite para traduzi-la, e decidi incluí-la como indicação de consulta, uma vez que, em breve, o livro estará
disponível em língua portuguesa.
A primeira parte da obra reproduz na sua totalidade o livro de Visca intitulado O diagnóstico operatório
na prática psicopedagógica, já traduzido e publicado no Brasil. A segunda parte é uma reelaboração do
livro El diagnostico operatorio em la practica psicopedagogica de adolescentes y adultos, acrescido de
uma prova de classificação universal, bem como de reflexões teóricas a respeito da aplicação de provas
de diagnóstico operatório realizadas por Silvia Schumacher.

4. PIAGET, J. A construção do real na criança. 3. ed. Rio de Janeiro: Ática, 2008.


. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. 2. ed. Rio de
Janeiro: Zahar, 1975.
. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
. Seis estudos de psicologia. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990.
INHELDER, B.; PIAGET, J. A psicologia da criança. 18. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
. Da lógica da criança à lógica do adolescente: ensaio sobre a construção das estruturas operatórias
formais. São Paulo: Pioneira, 1976.
. O desenvolvimento das quantidades físicas na criança. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
Como quarto item dessa listagem, mas que talvez devesse ser o primeiro, apresentamos uma lista de
livros de Jean Piaget. É inevitável lembrarmos que Piaget escreveu 70 livros, dos quais citamos alguns que
são considerados como base de sua teoria. Vale observar que os livros A psicologia da criança e Seis
estudos de psicologia oferecem panoramas de toda a teoria, o que pode ajudar aqueles que iniciam os
estudos em psicopedagogia.
Encontraremos nesses livros a descrição do processo inicial de utilização de objetos como mediadores
da pesquisa e da compreensão do raciocínio lógico-matemático da população pesquisada. A noção de
conservação de massa, por exemplo, é apresentada em detalhes, com uma rica explicação de como se dá
seu processo de construção por uma criança, em um livro de Piaget e Inhelder intitulado O
desenvolvimento das quantidades físicas na criança.
Tratam-se de livros densos que, como diz Yves de La Taille8, “não se entregam facilmente”, mas que
não podem faltar a uma biblioteca de um psicopedagogo, como fonte de permanente consulta e estudo
para aprofundamento.
Para ilustrar, apresento uma curiosidade: num grupo de 38 alunos de um curso de especialização em
Psicopedagogia, ao colocá-los em contato com um conjunto de livros (aproximadamente 40) produzidos
por Jean Piaget e seus colaboradores, desde os mais básicos até os mais atuais sobre o construtivismo
pós-piagetiano, surpreendi-me com a constatação de que nenhum dos alunos havia lido ou conhecia um
livro sequer daqueles que lhes foram apresentados. É surpreendente em se tratando de um grupo de
profissionais, em grande parte, com formação em Pedagogia; outro percentual em Psicologia e outro,

8
Assista ao documentário intitulado Jean Piaget, da Coleção Grandes Educadores, produzido pela ATTA – Mídia e Educação,
e apresentado por Yves de La Taille.

30
ainda, em áreas afins. Os livros foram apresentados concretamente e os alunos puderam manuseá-los,
como se faz, por exemplo, quando se visita uma livraria ou uma biblioteca. Essa é uma prática importante,
uma vez que listas contendo as referências bibliográficas, ou a bibliografia de determinado assunto, quase
sempre acabam guardadas em uma gaveta qualquer até virar lixo para reciclagem.
Então, aqui fica o registro de uma indagação preocupante: É possível utilizar-se das provas de
diagnóstico operatório sem nunca ter lido um livro sequer sobre o tema? Será que um simples manual,
ou livro, contendo os passos de aplicação de provas de diagnóstico operatório dá conta de tamanha
profundidade?
Alguns de meus alunos exclamam: “Muito prazer, esse Piaget eu não conhecia!”.

Outras contribuições
No livro Piaget e a escola de Genebra, organizado por Luci Ranks Leite em 1987, há um capítulo muito
interessante intitulado “As provas operatórias no exame das funções cognitivas”, escrito em conjunto por
Catherine Domahidy-Dami e Luci Leite.
Os estudantes que tiverem acesso a esse artigo poderão compreender que as provas de diagnóstico
operatório não nasceram como provas, mas como instrumentos de pesquisa construídos por um grupo
de pesquisadores.
Entre 1940 e 1955, Barbël Inhelder utilizou pela primeira vez esses instrumentos com uma intenção
psicológica. Somente na década de 1950 é que uma equipe coordenada por Vinh-Bang Hue iniciou um
programa com o objetivo de padronizar as técnicas utilizadas nas pesquisas e transformá-las em provas
operatórias.
A partir de 1955, formou-se uma equipe interdisciplinar com lógicos, matemáticos, físicos, biólogos e
psicólogos que auxiliaram na formulação e na adequação de perguntas sobre os domínios a serem
pesquisados. No site da Fundação Jean Piaget
(http://www.fondationjeanpiaget.ch/fjp/site/bienvenue/index.php), criada por esse grande pesquisador
em 1976, você poderá encontrar fotografias de Piaget, bem como informações históricas
interessantíssimas, como a vida de Inhelder, que, em 1938, ao retornar à sua cidade natal, organizou o
primeiro consultório psicopedagógico do Cantão (distrito). Nesse endereço eletrônico, você também
poderá vê-la jovem e, posteriormente, já como uma senhora, de cabelos brancos.
O Professor Vinh-Bang Hue nasceu no Vietnã em 15 de novembro de 1922 e faleceu em Genebra, Suíça,
em 7 de novembro de 2008, aos 86 anos. Contam que Bang, como era chamado, adorava colocar questões
teóricas no contexto da realidade prática e quotidiana. Chegou ao Instituto Jean-Jacques Rousseau, em
Genebra, no ano de 1948 para estudar Psicologia Educacional. Terminou o doutorado em 1955. Envolveu-
se com o Centro Internacional de Epistemologia Genética como colaborador permanente desde a
fundação dessa instituição. Para visualizar a imagem desse pesquisador, acesse o site da Fundação Jean
Piaget e procure, entre as fotos, a de Vinh-Bang Hue.
Barbël Inhelder foi professora de Psicologia do Desenvolvimento e começou sua colaboração com Jean
Piaget enquanto era estudante universitária. Ela é autora de 50 artigos e escreveu mais de 9 livros em
parceria com Piaget. Foi presidente da Associação de Psicologia Científica de Língua Francesa e presidente
da Sociedade Suíça de Psicologia.

31
Inhelder nasceu em Saint Gall, na região de língua alemã da Suíça, em 1913, e faleceu em 1997, 17 anos
depois de Jean Piaget. Foi para Genebra em 1932, inscreveu-se no Instituto Jean-Jacques Rousseau de
Genebra e participou como aluna dos cursos de Claparedè, Bovet e Piaget. Além de ser colaboradora de
Piaget, foi também de Claparède. A partir de 1933, desenvolveu com Piaget um conjunto de experiências
sobre o desenvolvimento intelectual das crianças, elaborando algumas noções importantes, como as de
invariante e reversibilidade. Em 1943, entregou sua tese de doutorado baseada em estudos sobre os
processos de raciocínio de crianças “mentalmente retardadas”, que deu origem ao livro The Diagnosis of
Reasoning in the Mentally Retarded, publicado em inglês em 1968.
Outra pesquisadora importante nesse processo foi Elsa Schmid-Kitsikis, que, segundo o relato de Visca,
esteve em Buenos Aires ministrando palestras, seminários e supervisões. Elsa foi professora da
Universidade de Genebra, psicanalista e membro da Sociedade Psicanalítica de Paris.
Ter acesso à história desse processo de construção nos leva a pensar como se pretende que em
módulos de curta duração seja possível capacitar profissionais para a utilização dessas provas. A pressa
na formação tem deformado os profissionais. Portanto, muito mais que uma lista de materiais ou
exemplos de protocolos, é preciso apresentar aos estudantes e aos leitores os “bastidores”, ou seja, o
espaço, o tempo, as pessoas, as tentativas que ficam impregnadas nas páginas de um livro que temos e
não nos é possível ver nem, muitas vezes, imaginar. Quando assistimos a uma peça de teatro, por
exemplo, não vemos, mas também está lá, toda a história daquele momento a que assistimos e dos
ensaios, tanto quanto “estão” no palco aqueles que permanecem na coxia, ou seja, os profissionais que
realizam o trabalho de infraestrutura do palco.

2.3
Dimensão funcional
A dimensão funcional se refere ao funcionamento de uma pessoa para aprender. A palavra funcional diz
respeito, também, a algo que altera o funcionamento, mas não a estrutura. Com base em uma pesquisa
dessa dimensão, podemos chegar a um obstáculo funcional, por exemplo.
Quantas pessoas que você conhece usam óculos? Algo ocorre no funcionamento do órgão responsável
pela visão, mas isso não interfere na estrutura cognitiva, concorda?
A pesquisa da dimensão funcional contribui para a composição de uma hipótese auxiliar que ajuda na
compreensão da relação entre cognição e afeição – a cognição como a estrutura e a afeição como a
“argamassa” que sustenta essa estrutura, em um movimento de interdependência.
Um obstáculo funcional pode estar situado em dois níveis:

1. Nível biológico/orgânico (neurológico, metabólico, fisiológico, genético etc.) – Nesse nível, cabe
ao psicopedagogo levantar hipóteses acerca dos sintomas para posterior encaminhamento ao
profissional necessário ou, ainda, como ocorre muitas vezes, o psicopedagogo recebe desses
profissionais o encaminhamento para proceder à avaliação e/ou ao atendimento psicopedagógico.
2. Nível estrutural – Refere-se ao funcionamento da estrutura cognitiva e à representação desta.

É possível investigar obstáculos funcionais por meio de testes padronizados, do exame do


funcionamento familiar e também da aplicação de provas de diagnóstico operatório.

32
Diferenças funcionais
Para a escola de Genebra, as pesquisas das diferenças funcionais aprofunda a compreensão das
particularidades, das peculiaridades e do modo de funcionamento do pensamento em certas patologias.
Barbël Inhelder pôde constatar as particularidades do funcionamento do pensamento de crianças que,
na época, eram chamadas de débeis mentais, por meio da padronização e da aplicação das provas de
diagnóstico operatório. Inhelder e sua equipe se basearam no resultado das pesquisas acerca do sujeito
epistêmico (o que há de comum a todos os sujeitos de um mesmo nível de desenvolvimento) para chegar
ao sujeito psicológico e, para isso, investigaram os processos de descobertas das crianças em seus
mínimos detalhes. Esses resultados nos levam a ampliar a compreensão do como ocorre a aprendizagem
e, consequentemente, auxiliar aqueles que apresentam algum grau de dificuldade para aprender.
As diferenças funcionais também podem ser pesquisadas por meio das provas de diagnóstico
operatório.
Converse com os integrantes de um grupo e pergunte-lhes como é que cada um faz um laço em uma
fita ou em um cadarço. Além de fazer essa pergunta a várias pessoas, observe as crianças enquanto
amarram os cadarços de seus tênis, por exemplo. Pergunte, também, qual o caminho que fazem para
acessar a internet, ou como utilizam um programa específico, como o PowerPoint®, ou como seguram um
lápis ou uma caneta, ou, ainda, como utilizam um abridor de latas.
Você constatará que a grande maioria faz caminhos semelhantes e utiliza os instrumentos conforme o
padrão cultural em que vivem. No entanto, você perceberá que haverá grupos de pessoas que têm um
funcionamento muito particular, que usam os mesmos instrumentos de maneira, às vezes, inusitada.
O importante de tudo isso é que, apesar de utilizarem caminhos diferentes, todos chegam a um
resultado semelhante. Um exemplo clássico é a predominância da lateralidade, que, num passado não
muito distante, causou tantos sofrimentos àqueles que tinham a dominância esquerda. Nos contextos
histórico, político, religioso e social da época, escrever com a mão esquerda era proibido.
Nas provas de diagnóstico operatório no domínio da conservação, por exemplo, podemos encontrar,
na análise cuidadosa e qualitativa das respostas formuladas pelo entrevistado diante dos argumentos e
contra-argumentos do entrevistador, algumas diferenças funcionais, como respostas que contemplam
argumentos por identidade, por compensação e/ou por reversibilidade.
Mas o que significa cada um desses conceitos? Tratam-se da qualidade de uma resposta ou argumento
utilizado pelo entrevistado.

• Argumento de identidade – Indica que a quantidade é a mesma porque não se incluiu nem retirou
nada: “A quantidade é a mesma porque não colocamos nem retiramos massa”, por exemplo.
• Argumento de reversibilidade – Indica que o entrevistado considera que, se o objeto modificado
(massa, líquido etc.) voltar ao estado anterior, é possível comprovar que tem a mesma quantidade.
“Há a mesma quantidade porque, se voltarmos a juntar os pedaços, teremos duas bolas de massa
com o mesmo tanto”. É o mesmo procedimento que usamos para conferir se uma operação
matemática está correta – se a operação é uma adição, usamos a subtração para conferir, não é
mesmo? É o pensamento inverso.
• Argumento de compensação – Indica que o entrevistado identifica que não existe diferença porque
há uma equivalência: “Esse copo é mais fino, e é também mais alto, e este é mais baixo, mas é mais
largo”.

33
Após a aplicação do diagnóstico operatório e com os resultados das provas do domínio de conservação,
podemos estudar a qualidade do conjunto das respostas obtidas e, então, encontrar a qualidade de
pensamento que predomina naquele momento, chegando a uma particularidade do funcionamento do
pensamento da pessoa avaliada.
Podemos identificar também o que predomina no jeito de aprender – se o aprendiz
predominantemente assimila o mundo, acomoda o mundo ou, ainda, assimila-o de maneira a deformá-
lo. Todos esses conceitos encontram-se nas obras da escola de Genebra. Vejamos, a seguir, como estes
são definidos.

• Assimilação, segundo Piaget (1980, p. 12),


É muito simples. Um organismo absorve substâncias para alimentar-se. Transforma estas substâncias
e integra-as, transmitindo a elas sua própria estrutura. Um coelho que come couve não se torna couve.
Transforma a couve em coelho. Do mesmo modo, o conhecimento não é nunca simples cópia, mas a
integração a uma estrutura. Isto é assimilação.

Piaget utiliza o conceito de assimilação da biologia, sua área de formação inicial. Assim, é possível dizer
que assimilar é interpretar, é tornar suas as informações que você “retira” de determinado objeto do
conhecimento. Isso implica pensar que, ao “retirarmos” informações de um determinado objeto do
conhecimento, deixamos outras de lado, assim como o coelho que, ao comer a couve, “retira” dela os
nutrientes de que necessita e exclui os que não aproveitará naquele momento.

• Quanto à acomodação, assim se refere Piaget (1980, p. 12):


Em toda situação nova, os esquemas de assimilação devem ser modificados em vista da situação
exterior. Para o bebê que aprendeu a pegar tudo o que vê, tudo o que vê torna-se “um objeto para
pegar”, em lugar de “um objeto simplesmente para olhar” Mas se o objeto for grande, os movimentos
a fazer são necessariamente diferentes dos usados para pegar um objeto pequeno. É a acomodação.

Cada um de nós tem uma estrutura mental, ou seja, uma organização mental que nos permite conhecer
o mundo. Esta modifica-se em função do novo conhecimento, para dar conta das singularidades do
objeto. A isso se denomina, na teoria de Piaget, acomodação.
Por outro lado, temos de compreender que há uma interdependência entre assimilação e acomodação,
sendo esse um processo dinâmico que resulta numa necessidade de equilibração (também um conceito
da escola de Genebra).
Na assimilação deformante, se assimilar o mundo é um modo de interpretação, sem dúvida é possível
realizar essa interpretação de maneira “deformada”, buscando ver no objeto algo que o deforma para dar
conta do esquema já existente na estrutura interna. Assim, podemos analisar, também por meio das
provas de diagnóstico operatório, mas não somente, se no jeito de aprender da pessoa há o predomínio
da assimilação ou da acomodação ou, ainda, se há sinais de uma assimilação deformante.
No predomínio da assimilação, o meio está subordinado à estrutura interna. No predomínio da
acomodação, o esquema geral é modificado para uma situação particular.
Ressaltamos que essas características de pensar o mundo não trazem em si diagnósticos patológicos;
elas apenas nos auxiliam na compreensão da maneira como funciona o pensamento de uma pessoa, do
jeito de aprender de determinado indivíduo que está em processo de avaliação psicopedagógica.

34
Podemos observar e analisar, ainda, os resultados das provas de diagnóstico operatório,
qualitativamente falando, em relação a resultados em uma prova (intraprova); em um conjunto de provas
de um mesmo domínio (intradomínio), ou seja, domínio da classificação, por exemplo; em várias provas
de diferentes domínios (interdomínios), isto é, entre os domínios da conservação, da classificação e da
seriação, por exemplo; entre outras possibilidades.
Essas são algumas das muitas diferenças funcionais existentes; porém, o mais importante, além do
estudo dessas diferenças, é o uso que o psicopedagogo pode fazer dessas informações. É possível usá-las
para orientar a família, a escola, bem como para eleger intervenções no decorrer do processo corretor.
Por exemplo: um jovem que responde às provas de conservação indicando um estado inicial de
pensamento operatório formal, com o predomínio de argumentos de identidade, deve ser provocado a
ampliar suas possibilidades de pensar o mundo. Cabe ao psicopedagogo (no caso de um atendimento
psicopedagógico) eleger diferentes fontes sobre um mesmo tema, oferecer opiniões contrárias,
promover, portanto, o desequilíbrio “ótimo” do ponto de vista cognitivo, permitindo que esse jovem
tenha acesso a um padrão diferente de pensar e amplie o seu.
Ao fazermos relação, por exemplo, com outros dois conceitos da teoria de Piaget e seus colaboradores,
podemos dizer que cabe ao psicopedagogo promover o exercício da abstração reflexiva. Vejamos como
se definem esses conceitos.

• Abstração empírica (com base na experiência e na observação) – Cada objeto de conhecimento


contém informações, portanto, um aprendiz retira (abstrai) daquele objeto informações. Por
exemplo: o peso de uma cadeira, a cor de um sapato etc.
• Abstração reflexiva – É justamente o exercício de pensar sobre a maneira de se relacionar com as
informações abstraídas do objeto, de pensar a própria ação sobre o objeto e, portanto, sobre o
mundo e as ações.

Instrumentos de pesquisa para a dimensão funcional


Para a pesquisa da dimensão funcional, podem ser utilizados testes padronizados variados, sondagens
relativas à construção da leitura e da escrita e qualquer instrumento que responda às hipóteses
funcionais, ou seja, às hipóteses auxiliares para a compreensão das demais dimensões, está lembrado?
Ou seja, é feita a verificação de como está a escrita, a leitura, a motricidade, entre outros aspectos.
Porém, como qualquer outra dimensão, a funcional também requer uma escolha teórica, um
aprofundamento em relação ao instrumento utilizado e, assim como aconteceu com a dimensão
cognitiva, também não serão aqui descritas informações que podem ser facilmente encontradas em
outras produções.
É preciso cautela na escolha e na utilização de instrumentos de pesquisa. Neste livro, recomendamos
que se dê prioridade a uma escolha coerente com os princípios teóricos que norteiam a tarefa
psicopedagógica. Para isso, destacaremos alguns dos instrumentos que têm sido construídos dentro da
pesquisa na área da psicopedagogia, identificando os textos da literatura da área em que aparecem
descritos.
Não é possível deixar de ressaltar que existem inúmeros instrumentos, por exemplo, dentro da psicologia
que também podem ser utilizados para a pesquisa da dimensão funcional e das demais dimensões.
Entretanto, é necessário respeitar o código de ética da área e, portanto, instrumentos psicológicos devem

35
ficar a cargo de psicólogos. Se você fez a graduação em Psicologia e está se especializando em
Psicopedagogia, então você tem a autorização legal para fazer uso do Wechesler Intelligence Scale for
Children IV (Wisc IV), por exemplo. É importante lembrarmos que a legislação brasileira proíbe outros
profissionais, que não os psicólogos, de administrar tais testes.
Outra escolha que fizemos foi a de não incluir neste livro a descrição de aplicação de instrumentos de
pesquisa, porque há manuais, artigos de revistas especializadas e livros publicados com considerações
sobre cada instrumento, sendo necessário consultar essas fontes originais. Do contrário, estaríamos
colaborando para o barateamento da ação psicopedagógica, o que tem, e muito, atrapalhado a
compreensão social do que é a psicopedagogia, entre outras consequências.
Você, leitor, encontrará, com toda a certeza, indicações de onde localizar tais informações, podendo,
dessa forma, exercitar a pesquisa e a curiosidade e compreender, por si só, que a aprendizagem é um
processo.
Seguem, então, algumas sugestões:

1. Eoca Psicomotora
WINKELER, M. S. B.; OLIVEIRA, M. Â. C. O papel do corpo na
psicopedagogia. In: CONGRESSO LATINO AMERICANO DE PSICOPEDAGOGIA, 2., 2003, São Paulo. Anais... São
Paulo: Mackenzie, 2003. p. 1.
Esse artigo apresenta um instrumento que resulta da integração dos aportes teóricos da Teoria da
Epistemologia Convergente, da psicomotricidade e da psicomotricidade relacional. Ambas as autoras têm
formação em Psicopedagogia.
A Eoca Psicomotora é conduzida da mesma maneira que a Eoca proposta por Jorge Visca, porém, com
uma consigna de abertura e materiais relativos aos aspectos psicomotores. A consigna é a seguinte: “Eu
gostaria que você me mostrasse como é que podemos brincar com estes materiais”.
Muito embora as autoras, nesse artigo, não apresentem uma sugestão clara quanto aos materiais
utilizados, após o estudo do documento em questão, entendemos que esses materiais podem ser: arco,
bolas grande, média e pequena (por exemplo, bolas de gude), corda, tecido (um lençol de solteiro, por
exemplo), bilboquê, pião, raquetes, caixa de papelão, entre outras possibilidades que “disparem” na
pessoa que se encontra em situação de avaliação o desejo ou a necessidade de movimentar-se e de
interagir com os materiais propriamente ditos e/ou com o entrevistador.
Do ponto de vista funcional, esse instrumento possibilita o levantamento de hipóteses relativas ao
movimento corporal, à participação na resolução de problemas práticos, ao planejamento de ações, às
ações propriamente ditas, entre outros aspectos.
A Eoca Psicomotora também possibilita a verificação de hipóteses que auxiliam na compreensão da
articulação entre cognição e emoção, além de oferecer a possibilidade da confirmação de hipóteses
acerca de questões da dimensão social, uma vez que o brincar implica não somente brincar sozinho, mas
também com o outro. Isso interessa ao pesquisador que valoriza, por exemplo, o processo de construção
da moralidade infantil, descrita belamente por Jean Piaget em seu livro O julgamento moral na criança,
publicado em francês em 1932 e traduzido para o português em 1977. Há uma segunda edição dessa obra,
datada de 1994, com prefácio de Yves de La Taille, estudioso do tema na Universidade de São Paulo (USP)
e especialista em psicologia moral. Esse especialista brindou os educadores com o livro A ética para meus
pais, publicado em 2011.

36
2. Questionário metacognitivo
PORTILHO, E. Como se aprende? Estratégias, estilo e metacognição. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
Essa obra apresenta outros instrumentos que podem ser utilizados para a verificação do primeiro
sistema de hipóteses na dimensão funcional – os questionários metacognitivos –, que foram selecionados
por corresponderem às concepções filosófica e teórica propostas pelo que chamamos de pano de fundo
da ação avaliativa psicopedagógica proposta neste livro: a Teoria da Epistemologia Convergente.
Nessa obra, Portilho descreve as teorias da aprendizagem, conceitua e explica as modalidades de
aprendizagem, esclarece o significado de metacognição, discorre a respeito de estratégias e propõe
instrumentos de pesquisa. Sobre metacognição, Portilho (2009, grifo nosso) diz:
A metacognição é relativa ao conhecimento que uma pessoa tem do próprio funcionamento cognitivo
(condição de apreender a realidade) e da sua capacidade de planejar as tarefas a serem realizadas,
controlar o seu fazer e avaliar os resultados. É a consciência de como aprender. É a capacidade de
autorregulação.

Os instrumentos metacognitivos descritos pelo autor são:

a) Instrumento metacognitivo para crianças do ensino fundamental com dificuldades de


aprendizagem em matemática.
b) Instrumento metacognitivo para adultos, que objetiva identificar as metas e os procedimentos
que alunos universitários, professores ou profissionais utilizam quando aprendem ou trabalham
intelectualmente.
c) Avaliação das estratégias metacognitivas no processo de alfabetização, que se propõe a investigar
quais são as estratégias metacognitivas utilizadas pela criança. Esse instrumento teve sua origem
em uma ampla pesquisa, citada no Item 6 desta listagem de instrumentos de pesquisa para a
dimensão funcional.
d) Questionário Honey-Alonso de Estilos de Aprendiza-
gem – Adultos – que se constitui em um instrumento elaborado inicialmente por Peter Honey,
na Inglaterra, em 1994, e posteriormente adaptado por Catalina Alonso, na Espanha, em 2003,
e adaptado e traduzido por Portilho, no Brasil.

3. Inventário Portilho/Beltrami
BELTRAMI, K.; PORTILHO, E. M. L. Inventário Portilho/Beltrami de estilos de aprendizagem para crianças da
educação infantil. Disponível em:
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/711_921.pdf>. Acesso em: 28 nov.
2011.
Esse instrumento9 foi normatizado e publicado. É um instrumento pedagógico que, segundo as autoras,
contribui para a identificação do estilo predominante de aprendizagem de crianças entre 5 e 8 anos.
Porém, pode auxiliar também no processo de avaliação psicopedagógica quando se levantam hipóteses

9
Para saber mais sobre o Inventário Portilho/Beltrami, acesse: <http://www.you
tube.com/watch?v=8818ku7Xkml>.

37
acerca desse domínio e contribuir na reflexão sobre o processo de intervenção psicopedagógica para a
escolha, por exemplo, do tipo de recurso externo10 a ser utilizado em cada caso.

4. Consciência fonológica – instrumento de avaliação sequencial (Confias)


MOOJEN, S. (Coord.). Confias: consciência fonológica – instrumento de avaliação sequencial. São Paulo:
Casa do Psicólogo, 2007.
Esse instrumento possibilita a investigação das capacidades fonológicas e leva em consideração a
relação com as hipóteses de escrita elaboradas por Ferreiro e Teberosky (1985). Por sua fundamentação
teórica, esse livro foi escolhido para compor esta listagem de sugestões, uma vez que responde a alguns
dos princípios teóricos propostos pela Teoria da Epistemologia Convergente, notadamente a escola de
Genebra.
Trata-se de um material construído e elaborado por uma equipe de profissionais coordenada pela
psicopedagoga Sônia Moojen. A reflexão que deu origem à construção do Confias teve início em 1998, em
um grupo de supervisão psicopedagógica que se constituía de psicopedagogos, fonoaudiólogos e
psicólogos.
Essa característica, por si só, já revela a interdisciplinaridade inerente à psicopedagogia. Trabalha-se
sempre em parceria, valoriza-se o saber de outras áreas do conhecimento e existe o reconhecimento de
que a aprendizagem é processual e interacional.
De 1998 até 2007 (ano da publicação da obra), passaram-se nove anos de estudos e trabalho.
Justamente pelo respeito que se tem por esse processo é que se justifica ainda mais a nossa escolha em
não “resumir” indicações instrumentais, mas sim contextualizá-las, indicando a fonte original na qual
devem basear-se os estudantes que pretendem se formar como psicopedagogos comprometidos com o
objeto de estudos da área: o ser cognoscente11.
Tendo acesso à fonte original, podemos ler e estudar sobre o que é consciência fonológica e sua relação
entre o processo de aquisição da leitura e da escrita.
Esse instrumento é indicado para a avaliação de crianças não alfabetizadas e em processo de
alfabetização, assim como nos casos de suspeita de dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem.
Portanto, quando temos hipóteses relativas a essas questões levantadas com base na Eoca, podemos
selecionar esse instrumento de pesquisa na dimensão funcional.
Por outro lado, nos casos de dificuldade de acesso a esse material, podemos utilizar outras
possibilidades de pesquisa do processo de aquisição da leitura e da escrita. Contudo, isso implica um
conhecimento substantivo a respeito dos estudos sobre essa aquisição realizados por Emília Ferreiro, Ana
Teberosky e colaboradores.

5. Instrumentos de pesquisa sobre o processo de aquisição da leitura e da escrita

10
Visca (1994) criou a Caixa de Trabalho como recurso externo voltado ao processo corretor (assim chamado por Visca –
1994 – o momento pós-avaliação psicopedagógica, nos casos em que há a necessidade de atendimento psicopedagógico),
mas há outras possibilidades. Você pode aprofundar seus conhecimentos sobre esse tema com a leitura do livro Intervenção
psicopedagógica no espaço da clínica, organizado por Laura Monte Serrat Barbosa e publicado pela Editora Ibpex em 2010.
Nesse livro, há um capítulo intitulado “Caixa de trabalho”, escrito por Simone Carlberg.

11
Maria Cecília Almeida e Silva, psicopedagoga, apresenta a expressão ser cognoscente como objeto de estudos da
psicopedagogia em seu livro Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica, publicado em 1998. Vale a pena
pensar sobre as questões propostas pela autora nessa obra.

38
BARBOSA, L. M. S. Psicopedagogia: um diálogo entre a psicopedagogia e a educação. 2. ed. Curitiba: Bolsa
Nacional do Livro, 2010.
Na segunda edição revisada desse livro, da psicopedagoga Laura Monte Serrat Barbosa, há um capítulo
intitulado “Leitura complementar – contribuições em psicopedagogia para o estudo da linguagem
escrita”, que pode sustentar o estudo inicial do tema com foco na aquisição do processo da leitura e da
escrita sob o olhar psicopedagógico. Nele, Barbosa retoma a história da evolução da escrita na
humanidade, bem como os resultados da pesquisa coordenada por Emília Ferreiro, e as contribuições de
Vygotsky e Luria sobre o desenvolvimento da escrita. A autora também apresenta sugestões de
instrumentos a serem utilizados no processo investigativo.
É importante frisarmos que, do mesmo modo que as provas de diagnóstico operatório nasceram como
resultantes de instrumentos de pesquisa do sujeito epistêmico – e depois passaram a ser formatadas e
utilizadas em pesquisas sobre o sujeito psicológico (individual) –, os instrumentos organizados por
Ferreiro, Teberosky e colaboradores também passaram por processo semelhante.
Ao estudarmos o livro A psicogênese da língua escrita (Ferreiro; Teberosky, 1985), encontramos a
descrição detalhada dos instrumentos de pesquisa hoje conhecidos como sondagem de leitura e escrita na
psicopedagogia. O psicopedagogo que já construiu a sua matriz de pensamento diagnóstico facilmente
identifica elementos desse domínio na própria Eoca.
O livro de Barbosa é acompanhado de um DVD com comentários da autora a respeito dos temas
tratados por ela nos artigos que compõem a obra.

6. Instrumento A: histórias infantis; instrumento B: gravuras e manchetes


PORTILHO, E. M. L. Alfabetização: aprendizagem e conhecimento na formação docente. Curitiba:
Champagnat, 2011.
O Grupo Aprendizagem/Ensino (GAE) iniciou sua atividade de pesquisa científica em 2004. O primeiro
tema eleito foi O aprendente do seu aprender e do aprender do outro12. O grupo começou com seis
integrantes: Arlete Zagonel Serafini, Isabel Parolin, Laura Monte Serrat Barbosa, Simone Carlberg, Sonia
Küster e Evelise Labatut Portilho, que coordenou o projeto. Todas as integrantes têm em comum a opção
pelo trabalho no campo da psicopedagogia, nos âmbitos clínico, institucional e/ou docência e, a partir de
2004, na pesquisa sistematizada.
Em 2006, para ajustes relativos ao programa de mestrado, a pesquisa passou a ter como tema
Aprendizagem e conhecimento na formação docente.
O livro traz resultados e reflexões obtidos com uma pesquisa realizada em 25 escolas da Rede Municipal
de Curitiba, com 403 crianças, 82 professoras alfabetizadoras e 77 ambientes educativos, resultando na
formulação de instrumentos de pesquisa. Como a população pesquisada também incluiu crianças da série
inicial do ensino fundamental, obteu-se – sem uma intenção inicial, mas como consequên-
cia dos estudos – um riquíssimo material que serve de auxílio no processo de pesquisa a respeito da
construção da leitura e da escrita, muito utilizado, especialmente, pela equipe da Síntese – Centro de
Estudos, Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem.

12
Para conhecer mais sobre o grupo GAE, acesse: <http://www.metacognicao.
com.br>.

39
O Capítulo 1 – “As construções” –, de autoria de Portilho, Serafini, Parolin, Barbosa e Carlberg,
apresenta a descrição dos instrumentos, dos materiais e dos protocolos utilizados, bem como a história
relativa à construção de cada instrumento.

Outras considerações pertinentes


à dimensão funcional
Cabe, neste capítulo, esclarecer que a Teoria da Epistemologia Convergente não prevê a utilização de
instrumentos denominados provas pedagógicas, dimensão que não é abordada por Visca em sua teoria.
Entretanto, em determinado momento histórico, pedagogos e psicólogos (não somente, mas
predominantemente) precisaram recorrer aos seus saberes anteriores para compor a matriz de
pensamento diagnóstico e, não contando (ou não conhecendo) com outros instrumentos que
possibilitassem o acesso às informações que desejavam, recorreram às provas pedagógicas.
Provas pedagógicas são instrumentos de avaliação no âmbito escolar e, nessa condição, parece fora
de contexto utilizá-las em uma avaliação psicopedagógica por vários motivos, entre os quais destacamos
dois:

1. Uma prova pedagógica é organizada com o intuito de medir a quantidade de conteúdos aprendidos
por um grupo de alunos em determinado momento do processo de aprendizagem sistemática.
2. Quem organiza a prova é um professor, ou um conjunto de professores, e essa prova corresponde
à concepção da escola em que esse professor, ou esse conjunto de professores, atua, seja pública,
seja privada.

Dessa forma, pode-se perguntar: Por que a necessidade de “entrar” no fazer escolar para avaliar uma
pessoa do ponto de vista psicopedagógico? Ou ainda: Será que não estamos revelando com isso um estado
de confusão, fazendo uso de instrumentos que não pertencem ao fazer psicopedagógico? O que fazer com
o resultado encontrado?
Nas inúmeras supervisões realizadas para equipes que efetuam a prática diagnóstica psicopedagógica,
quando estas são indagadas sobre o tema, elas explicam que escolhem uma dentre as provas de
determinada escola a que têm acesso e que corresponde à série em que o cliente avaliado está
matriculado, solicitando-lhe que responda às questões dessa avaliação.
Mas que prova é essa? Qual é o parâmetro utilizado para identificar o grau de afastamento ou não do
padrão esperado?
Talvez faça algum sentido se forem utilizadas provas formuladas pelo Ministério da Educação. Com
isso, o parâmetro é o próprio sistema educacional brasileiro. Será correto?
Com a insistência do uso desse material, talvez muitos psicopedagogos estejam confundindo sua ação
profissional com a de um professor particular. Será que isso é o que realmente acontece? E como será o
processo corretor ou o processo de intervenção psicopedagógica? Será sustentado por um trabalho sobre
o material escolar do cliente? Se for assim, qual a diferença entre a psicopedagogia e a aula particular?
Em virtude de tudo isso, devemos evidenciar que a Teoria da Epistemologia Convergente não contempla
e não avalia a dimensão pedagógica. Também cabe lembrar que a psicopedagogia, no âmbito institucional,
pode, sim, avaliar uma escola, por exemplo, como uma instituição em funcionamento; entretanto, esse é

40
assunto para outro livro. Esta obra trata especificamente da atuação psicopedagógica no âmbito clínico e,
mais pontualmente, do processo de avaliação diagnóstica.
Para um psicopedagogo, não é prioridade saber se o cliente domina ou não conteúdos escolares, pois
a investigação é relativa à estrutura, ao funcionamento para aprender tais conteúdos.
Entretanto, se ainda assim o estudante de Psicopedagogia ou o psicopedagogo entende como
necessária a utilização desse instrumento, talvez possa incluí-lo na dimensão funcional e com ele
investigar respostas para as seguintes perguntas:

• Qual a conduta (expressa na temática e na dinâmica) do cliente diante de uma situação de avaliação
semelhante à situação vivida na escola?
• Os resultados obtidos (produto) condizem com a sua condição cognitiva atual? (Essa é uma pergunta
bem interessante, pois com um instrumento da dimensão funcional é possível compreender essa
dimensão como hipótese auxiliar na articulação das dimensões cognitiva e afetiva.)
• Na produção escrita, aparecem falhas gráficas, ortográficas, semânticas, espaciais, entre outras? Se
aparecem, qual a frequência e a intensidade dessas falhas?
• Qual a qualidade do grau de compreensão de um enunciado escrito? Este coincide com o grau de
compreensão de uma instrução acadêmica oral?

Outros instrumentos também utilizados são os desafios lógicos, ou desafios matemáticos, encontrados
até mesmo em publicações de jogos, como sudoku, ou em revistas destinadas à população infantojuvenil,
como a revista Recreio, ou, ainda, em livros didáticos de Matemática.
O interessante é que o psicopedagogo possa selecionar alguns instrumentos e classificá-los por séries,
faixa etária ou, ainda, condição cognitiva. Com esse banco de dados organizado, ele pode fazer uso repetidas
vezes do mesmo instrumento para construir critérios comparativos, assim como se faz em pesquisa
científica. Quando mudamos muito os instrumentos que utilizamos, perdemos a possibilidade de analisar,
avaliar e comparar e ficamos sem parâmetros, correndo o risco de analisar as respostas encontradas numa
condição de senso comum.
O importante é escolher e saber utilizar instrumentos que nos auxiliem na compreensão do jeito de
aprender do aprendiz que procura nosso auxílio.
Quanto aos sintomas relativos à visão, à audição e à dicção, por exemplo, é aconselhável encaminhar
o indivíduo para fazer exames complementares com os profissionais responsáveis por essas áreas –
oftalmologistas, otorrinolaringologistas e fonoaudiólogos. Assim, em caso de uma ação integrada, é
possível identificarmos com maior clareza a semiologia (nível semiológico – conjunto de sintomas), a
patogenia (nível patogênico – obstáculos) e a etiologia (nível etiológico – possíveis causas), de modo que
seja possível priorizar o tipo de tratamento ou processo corretor ou, ainda, o processo de intervenção
mais adequado ao caso estudado.

2.4
Dimensão afetiva
Para a pesquisa dessa dimensão, Jorge Visca propõe as técnicas projetivas psicopedagógicas no livro
indicado a seguir:

41
Visca, J. Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráficas para sua interpretação. Tradução de
Jacqueline Andréa Glaser. Buenos Aires: Visca & Visca, 2008.
Essas técnicas foram reunidas por Visca no livro Técnicas proyectivas psicopedagogicas, publicado na
Argentina em janeiro de 1994.
Em setembro de 1998, Visca publicou Pautas gráficas para la interpretacion de las técnicas proyectivas
psicopedagogicas, ambos com edição do próprio autor. Em 2008, os dois livros foram reunidos em um só
para a edição brasileira, a qual foi traduzida por Jacqueline Andréa Glaser (pedagoga e psicopedagoga).
Essa é a referência principal para o estudo de instrumentos para a dimensão afetiva, segundo a Teoria da
Epistemologia Convergente.
Quando Jorge Visca começou a ministrar cursos no Brasil (década de 1980), ele se deparou com a
legislação brasileira em relação à utilização de instrumentos de testagem de uso exclusivo de psicólogos.
Como o curso de Clínica Psicopedagógica, ministrado por Visca nos Centros de Estudos Psicopedagógicos
fundados no Brasil, era de formação livre para graduados em Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiologia e
áreas afins, havia obstáculos legais que impediam a utilização de alguns instrumentos por estudantes não
graduados em Psicologia. A maneira encontrada pelos alunos para superar essa limitação foi estabelecer
parcerias entre duplas de pedagogo e psicólogo, fonoaudiólogo e psicólogo, e assim por diante, formando
equipes de avaliadores. Embora essa prática tenha sido muito bem aproveitada na época, aproximando
profissionais de diferentes áreas, não se mostrava muito eficiente no cotidiano dos atendimentos por
questões até mesmo geográficas.
Ao ler toda a realidade brasileira, Visca mobilizou-se e, possivelmente, sentiu-se provocado a transpor
o obstáculo sem desrespeitar a nossa legislação. Passou a estudar a temática, o que o levou a organizar
uma obra interessantíssima e uma ferramenta diagnóstica eficaz e criativa, que promove muitas reflexões
e discussões.
Segundo Visca (2008), as técnicas projetivas psicopedagógicas têm como objetivo investigar a rede de
vínculos que um sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: o escolar, o familiar e o consigo
mesmo. Em todos estes, o que interessa ao psicopedagogo é o vínculo com as situações de aprendizagem.
No Quadro 2.1, apresentamos as dez técnicas projetivas psicopedagógicas descritas por Visca.

Quadro 2.1 – Técnicas projetivas psicopedagógicas descritas por Visca


DOMÍNIO TÉCNICA O QUE INVESTIGA IDADE

Escolar Par educativo O vínculo de aprendizagem. 6/7 anos

Escolar Eu com meus colegas O vínculo com os colegas de sala de aula. 7/8 anos

A planta da sala A representação do campo geográfico da sala e as


Escolar 8/9 anos
de aula localizações, real e desejada, da mesma.

A planta da A representação do campo geográfico do lugar em que


Familiar 8/9 anos
minha casa mora e a localização real dentro do mesmo.

As quatro partes
Familiar Os vínculos ao longo de um dia. 6/7 anos
de um dia

42
DOMÍNIO TÉCNICA O QUE INVESTIGA IDADE

Família O vínculo de aprendizagem com o grupo familiar e cada


Familiar 6/7 anos
educativa um dos integrantes do mesmo.

Consigo A delimitação da continuidade da identidade psíquica em


O desenho em episódios 4 anos
mesmo função da quantidade de afetos.

A representação que se tem de si e do contexto físico e


Consigo O dia do meu
sociodinâmico em um momento de transição de uma -
mesmo aniversário
idade a outra.

Consigo Nas minhas As atividades escolhidas durante o período de férias


mesmo férias escolares. 6/7 anos

Consigo Fazendo o que mais


O tipo de atividade de que mais gosta. 6/7 anos
mesmo gosto

Fonte: Visca, 2008, p. 22.

Optamos por reproduzir esse quadro para que você tenha a oportunidade de visualizar quantas
possibilidades existem e também para que possamos enfatizar que não se aplicam todas as técnicas em
um único estudo de caso. Visca, aliás, escreveu um capítulo intitulado “Advertência”, em que lembra,
entre outras coisas:
que o total de técnicas aqui expostas não significa a necessidade de utilização de todas, mas que o
adequado é usar só aquelas consideradas necessárias em função das interrogações que o
psicopedagogo tenha formulado, o que pode significar: a) que seja aplicada só uma prova, b) que sejam
utilizadas algumas provas de algum domínio, c) que sejam aplicadas todas as provas de um único
domínio ou d) que sejam aplicadas todas as provas, o que não é comum e tem mais um sentido de
investigação do que de diagnóstico. (Visca, 2008, p. 33)

No livro indicado, Visca conta um pouco da história da construção de cada uma das técnicas, a autoria
de cada uma delas, o objetivo, os materiais, os procedimentos, os fundamentos, os indicadores mais
significativos e um exemplo de cada técnica ilustrado com um desenho e sua análise.
Em relação ao item “Idade” que aparece no Quadro 2.1, cabe assinalar que se trata de uma referência
de idade inicial para a aplicação da técnica. Leia-se: “a partir de tal idade já é possível aplicar a técnica e
obter resultados significativos”.
Outra contribuição para a pesquisa dessa dimensão pode ser encontrada nos estudos da
psicopedagoga Ana Maria Zenícola, autora do artigo “O efeito da força da imagem visual sobre a
construção simbólica da criança e do adolescente nos tempos atuais”, incluído no livro Psicopedagogia:
saberes/olhares/fazeres.
ZENÍCOLA, A. M. O efeito da força da imagem visual sobre a construção simbólica da criança e do
adolescente nos tempos atuais. In: ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia:

43
saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007.
p. 283-301.
Nesse artigo, Zenícola faz um estudo sobre a construção do simbólico e chega à televisão como fonte
de aprendizagens na atualidade. A autora apresenta suas reflexões críticas a respeito dessa temática e as
ilustra com desenhos que foram realizados por seus clientes em atendimento psicopedagógico no âmbito
clínico.
Zenícola solicita que a criança ou o adolescente desenhe o seu personagem favorito da televisão e,
depois, analisa as relações existentes entre o personagem desenhado e a condição de aprendizagem
simbólica da pessoa que fez o desenho.
Com base nesse estudo, a equipe da Síntese integra essa ideia aos princípios apresentados pelas
técnicas projetivas psicopedagógicas organizadas por Visca, o que resulta na seguinte consigna e nos
seguintes procedimentos:

• Material: Lápis preto, folha sulfite branca, borracha e apontador.


• Consigna: Desenhe o seu personagem predileto.

Depois de realizado o desenho, promove-se um diálogo sobre o personagem: de onde o conhece; por
que o prefere; quais as características que o personagem apresenta que chamam a atenção; o que o
personagem faz ou tem que ele/ela também gostaria de ter ou fazer ou se já tem; se ele/ela faz algo
semelhante. Esses comentários são registrados, conduzindo-se o momento com uma atitude clínica.
Para a análise, conforme proposto por Visca (2008), utilizam-se indicadores como posição na folha,
tamanho do desenho, perspectiva, âmbito, detalhes, relato e pesquisam-se as características do
personagem desenhado, entre outras possibilidades.
Destacamos que, diferentemente de Zenícola, não limitamos a escolha do personagem predileto à
televisão. Isso possibilita que o cliente faça sua opção entre outras influências que recebe em sua realidade.
Em um dos casos estudados, o adolescente elegeu o seu tio como o seu personagem favorito – um baterista
de uma banda de rock.
A pesquisa das características do personagem desenhado tem também propiciado à equipe da Síntese
o acesso às mais diversas temáticas ofertadas para as crianças e para os jovens por meio da televisão, do
cinema, do teatro, da literatura, do esporte, da internet etc. Assim, como consequência, podemos nos
manter informados e acompanhamos o processo de transformação pelo qual passam as gerações, além
das diferentes influências que atuam sobre elas.

2.5
Dimensão social
Para essa dimensão, sugerimos a entrevista, a observação e/ou a análise do material escolar.
No Capítulo 8 do livro Avaliar para nós é..., Serafini e Carlberg contribuem com o artigo intitulado
“CRSEscutar e olhar: a entrevista e a observação no âmbito escolar” (Serafini; Carlberg, 2011, p. 139-
-151). Nesse artigo, as autoras registram suas reflexões sobre o que é observar, o que observar e como
observar. Observar implica olhar, mas olha-se o quê?

44
Toda a fundamentação teórica que a Teoria da Epistemologia Convergente propõe para essa dimensão
é relativa, predominantemente, aos aportes teóricos da escola de psicologia social de Enrique Pichon-
Rivière. As autoras, bem como todas as demais integrantes da equipe da Síntese, realizaram a sua
formação em Teoria e Técnica de Grupo Operativo, o que lhes dá sustentação para aprofundar a temática
da observação.
Na técnica de grupo operativo, a capacidade ou a habilidade de observar recebe muita ênfase, e o
exercício constante dessa prática leva ao aprimoramento do olhar. A proposta não é olhar para espionar;
é olhar para acolher, para compreender, na tentativa de eliminar qualquer tendência de busca pelo
negativo, pelo errado, do ponto de vista de quem observa.
A observação na escola só pode ocorrer quando:

• a pesquisa no âmbito escolar puder oferecer respostas às hipóteses levantadas na Eoca (e isso nem
sempre ocorre);
• é autorizada pelos pais e/ou responsáveis;
• é previamente agendada e contratada com a escola em questão.

Madalena Freire, em seu livro Educador, educa a dor, de 2008, também contribui para a reflexão sobre
o olhar e nos ensina:
Esse aprendizado de olhar estudioso, curioso, questionador, pesquisador envolve ações exercitadas do
pensar: o classificar, o selecionar, o ordenar, o comparar, o resumir, para, assim, poder interpretar os
significados lidos. Assim, o olhar e a escuta envolvem uma AÇÃO altamente movimentada, reflexiva,
estudiosa. (Freire, 2008, p. 130, grifo do original)

No entanto, apesar de existir a possibilidade de observarmos um estudante em situação autêntica de


aprendizagem, são poucas as escolas que permitem essa observação. O mais comum é ocorrer a
entrevista com o coordenador pedagógico, o orientador educacional, a psicóloga escolar, a professora
e/ou professores.
Nessa entrevista, pensando-se novamente que o pano de fundo é a Teoria da Epistemologia
Convergente, a consigna utilizada é: “Estou realizando a avaliação psicopedagógica de Julieta e gostaria
que você (ou vocês) me contasse(m) tudo aquilo que considera(m) importante que eu saiba sobre a
aprendizagem de Julieta”.
Por que essa condução? Porque o momento é de pesquisa, de reunião de informações acerca do caso
estudado, e os comentários ou conclusões devem ficar destinados ao momento em que a devolutiva for
realizada na escola e para a escola. Mais adiante falaremos sobre a devolutiva.

Análise do material escolar


A análise do material escolar é outro instrumento que pode contribuir para a composição do segundo
sistema de hipóteses. Trata-se de uma ação aparentemente simples, que começa com um pedido à
pessoa que está em processo de avaliação, ou aos seus responsáveis, para que traga à sessão os
materiais da escola que serão apresentados.
O psicopedagogo deve solicitar que a própria pessoa os apresente e, à medida que isso acontece, ele
pode observar qual é o primeiro material apresentado, qual é o último e quais são os comentários
realizados que evidenciam os vínculos estabelecidos com os materiais propriamente ditos, mas também

45
com a disciplina estudada, com o resultado obtido em uma produção acadêmica, com o professor que
ministra o estudo e com os colegas. Além disso, o profissional pode analisar a organização possibilitada
pela escola, bem como o resultado dessa organização pelo próprio estudante.
Dessa maneira, é possível conhecer a concepção da escola, seus graus de exigência e de pertinência,
sempre tendo como parâmetros a pessoa avaliada em seu contexto socioeconômico e o conjunto de
valores e referenciais com os quais opera diante da realidade.
Outro recurso é a leitura do portfólio do aluno, prática cada vez mais comum entre as escolas, que
possibilita ao estudante ser apresentado e se apresentar com base numa coletânea de produções escritas,
desenhadas, fotografadas, entre outras alternativas.
De qualquer modo, independentemente de para onde direcionarmos o olhar, este sempre deve ser
cuidadoso, respeitoso, e buscar respostas às indagações elaboradas no primeiro sistema de hipóteses que
teve origem na Eoca e que se liga à pergunta: Como será que ele/ela aprende?
Tendo acesso aos materiais escolares, é possível, ainda, confirmar ou não hipóteses da dimensão
funcional relativas à produção escrita. Por exemplo: nos casos em que a queixa, ou motivo da procura,
está relacionada a questões de leitura e escrita, é importante ter em mente que a análise da produção
escrita pode ser realizada também por meio do material escolar e não ficar restrita somente aos cadernos.
Então, devemos ficar atentos aos seguintes aspectos:

• se a escrita é espontânea; se parte de um enunciado ou consigna; se é um ditado, uma cópia, um


bilhete ou uma lista;
• se os sintomas listados como motivos da procura estão presentes no contexto analisado e, se
estiverem, qual a
frequência e a intensidade com que aparecem.

Assim, voltamos a enfatizar: o que está em processo de avaliação não é a escola, mas sim o aluno que
estuda naquela escola.

Síntese
Este capítulo ofereceu elementos para a compreensão das dimensões a serem pesquisadas e indicadas
no Quadro Auxiliar – cognitiva, funcional, afetiva e social. Foram apresentadas também sugestões de
instrumentos de pesquisa utilizados em um processo de avaliação diagnóstica psicopedagógica no âmbito
clínico em cada uma das dimensões.

Atividades de autoavaliação
1. Qual era o principal interesse dos pesquisadores da escola de Genebra quando começaram a utilizar o
método clínico como instrumento de suas pesquisas?
a) Pesquisar sobre o sujeito epistêmico.
b) Pesquisar sobre o sujeito psicológico.
c) Produzir testes para medir a quantidade de inteligência.
d) Criar instrumentos para utilização pela psicopedagogia.

46
2. Muitos foram os pesquisadores que contribuíram com o legado da escola de Genebra. Indique os três
nomes que estão diretamente relacionados com o uso que se faz, na psicopedagogia, das provas de
diagnóstico operatório nos dias de hoje:
a) Vinh-Bang; Barbël Inhelder; Elsa Schmid-Kitsikis.
b) Jean-Jacques Rousseau; Jorge Visca; Vinh-Bang.
c) Jorge Visca, Mac Donell; Barbël Inhelder.
d) Bärbel Inhelder; Elsa Schmid-Kitsikis; Silvia Schumacher.

3. A pesquisa sobre as diferenças funcionais para a escola de Genebra possibilita:


a) compreender as diferenças entre as pessoas.
b) medir o tanto de inteligência que cada um apresenta.
c) o aprofundamento e a compreensão das particularidades, das peculiaridade e do modo de
funcionamento do pensamento em certas patologias.
d) criar testes padronizados.

4. As técnicas projetivas psicopedagógicas foram organizadas por Jorge Visca e têm como principal
objetivo:
a) investigar como o afeto circula no processo de aprendizagem do sujeito pesquisado.
b) investigar a rede de vínculos que um sujeito pode estabelecer em três grandes domínios: o escolar,
o familiar e o do sujeito consigo mesmo.
c) investigar como está a sua condição de representação gráfica.
d) confirmar hipóteses levantadas.

5. Na dimensão social, podemos utilizar como instrumento de pesquisa a observação na escola ou a


observação em situação autêntica de aprendizagem. No entanto, esse instrumento só poderá ser
utilizado quando:
a) o psicopedagogo tiver disponibilidade de ir até a escola.
b) a escola entrar em contato e solicitar uma entrevista.
c) o cliente, seus pais e/ou os responsáveis solicitarem.
d) for um instrumento que auxiliará na pesquisa de hipóteses levantadas após a Eoca e também
quando for autorizada pelos pais e/ou responsáveis, além de previamente agendada e contratada
com a escola em questão.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Após assistir ao filme El Circo de la Mariposa (2009), dirigido por Joshua Weigel e interpretado por Nick
Vujicic, responda: Por que escolhi fazer uma especialização em Psicopedagogia?
EL CIRCO de la Mariposa. Direção: Joshua Weigel. EUA: The Doorspost Film Project, 2009. 20 min.
Disponível em: <http://www.youtube,cim/watch?v=wpey7ace294>. Acesso em: 29 mar. 2012.

2. Após responder a essa questão, faça uma reflexão, a qual poderá ser realizada em dupla; portanto,
escolha um colega de sua sala. Peguem um de seus cadernos e apresente um ao outro, explicando o

47
modo de sua organização. Formulem perguntas um para o outro, observem os registros e anotem o
que mais chama a atenção. Busquem entender por que cada um faz do jeito que faz... Enfim, conduzam
as descobertas como se vocês fossem psicopedagogos. Reflitam, então, sobre como se sentiram, o que
descobriram, o que poderiam fazer de um jeito diferente, entre outros aspectos que desejarem
contemplar.

Atividades aplicadas: prática


1. Para realizar essa atividade, você irá precisar:
• do registro da Eoca de nº 2 (Apêndice 2);
• do Quadro Auxiliar em branco, preferencialmente impresso.
Com esses recursos em mãos, sua tarefa será a de ler o registro da Eoca e levantar hipóteses. Registre
suas hipóteses na coluna destinada a esse fim. Em seguida, preencha, no Quadro Auxiliar,
a coluna intitulada Primeiro sistema de hipóteses, classificando as hipóteses que você levantou. Em
seguida, eleja instrumentos de pesquisa que você considera que responderão às suas hipóteses.
Priorize os instrumentos indicados neste livro.

2. Reúna-se com dois ou três colegas do curso. Apresentem um ao outro o Quadro Auxiliar preenchido
na atividade anterior. Identifiquem as diferenças, discutam seus pontos de vista e tentem chegar a um
consenso, buscando responder à seguinte questão: Se esse cliente fosse de vocês, quais instrumentos
escolheriam para aplicar, tendo como base o que aprenderam neste capítulo?

48
3-O segundo sistema de hipóteses, a
anamnese e o terceiro sistema de
hipóteses
Este capítulo contempla aspectos sobre o segundo sistema de hipótese, a linha de pesquisa para a anamnese
e a hipótese diagnóstica. Além desses assuntos, você também encontrará considerações acerca da
elaboração de um informativo psicopedagógico.

3.1
Segundo sistema de hipóteses
Vamos relembrar o processo de avaliação diagnóstica visto até este ponto: iniciamos pelo conjunto de
hipóteses elaboradas com base na Eoca, selecionamos os instrumentos de pesquisa que consideramos que
responderão às hipóteses levantadas, aplicamos todos os instrumentos e os resultados vão compor o
chamado segundo sistema de hipóteses.
O Quadro Auxiliar é utilizado para ilustrar o que vem sendo exposto. Assim, faremos uso do registro da
Eoca realizada com Yuca, apresentada anteriormente como fonte autêntica de hipóteses. Observe, a seguir,
o Quadro 3.1, que é um exemplo de Quadro Auxiliar preenchido com as primeiras hipóteses classificadas e
os instrumentos de pesquisa selecionados. Feito isso, a próxima tarefa é preencher a coluna destinada ao
segundo sistema de hipóteses com os resultados dos instrumentos aplicados.
Observe que foram selecionados instrumentos entre os vários apresentados neste livro, que
correspondem ao conjunto de hipóteses pensadas. Para cada caso estudado, o conjunto de instrumentos
sofrerá variações.
Com esses dados organizados, já é possível partir para a anamnese. Porém, caso ainda haja algumas
dúvidas, o psicopedagogo pode selecionar instrumentos de pesquisa complementares (outros instrumentos
que ele considere necessários). Tal fato é raro de acontecer, mas há espaço para essa necessidade no Quadro
Auxiliar, em caso de ela ocorrer.

3.2
Linha de pesquisa para a anamnese
A Teoria da Epistemologia Convergente concebe a anamnese de uma maneira diferente da tradicional. A
primeira diferença é que essa proposta de avaliação psicopedagógica começa pela Eoca; já na maneira
tradicional de avaliação, começa-se pela anamnese.
Outra diferença é a forma de condução da entrevista, que oferecerá informações acerca da história da
pessoa avaliada. Parte-se de uma consigna aberta que solicita que os pais e/ou responsáveis relatem para o
psicopedagogo aquilo que consideram importante que ele saiba a respeito da aprendizagem do avaliado.

49
Na forma tradicional, há um roteiro com perguntas organizadas, igual para todos que buscam a avaliação.
Na Teoria da Epistemologia Convergente, também há um roteiro, mas este é construído no decorrer do
processo de avaliação; é por isso que no Quadro Auxiliar há uma coluna intitulada “Anamnese” ou “Linha de
pesquisa da anamnese”. É nessa coluna que o psicopedagogo registra os aspectos que necessita esclarecer
com fatos da história de vida do sujeito, porém esses aspectos não precisam ser direcionados na entrevista,
pois, na maioria das vezes, com a consigna de abertura, os pais e/ou responsáveis já contemplam em seu
discurso muitos dos pontos selecionados pelo psicopedagogo. No entanto, é possível também direcionar
aqueles aspectos não contemplados no relato, uma vez que a anamnese serve como um momento de
confirmação do segundo sistema de hipóteses, que leva à organização da hipótese diagnóstica.
Veja no Quadro 3.2 como poderia ser a linha de pesquisa para a anamnese com os responsáveis por Yuca.
Salientamos, entretanto, que os aspectos contemplados na coluna da linha de pesquisa para a anamnese
são apenas alguns exemplos para ilustrar as indagações que podem ser feitas por um psicopedagogo desde
o momento da Eoca. Para não perdê-la de vista, o profissional pode registrá-las no Quadro Auxiliar, de modo
que, no momento da realização da anamnese, tenha-se o roteiro organizado, ou, como se prefere dizer,
tenha-se a linha de pesquisa pela qual norteará a entrevista.
Em um capítulo intitulado “Entrevista histórica: integração da horizontalidade e da verticalidade”, no livro
Avaliar para nós é..., já referenciado neste estudo, Serafini (2011, p. 165-171) tece ideias a respeito da
anamnese e nomeia esse momento de entrevista histórica, para, justamente, diferenciar a prática tradicional
do uso da anamnese (instrumento utilizado em várias especialidades) da prática psicopedagógica. Embora a
matriz de pensamento diagnóstico de Serafini (2011) também esteja apoiada na Teoria da Epistemologia
Convergente, seus estudos a levou, juntamente com a equipe da qual é integrante, a renomear esse valioso
momento.
Sobre esse aspecto, Serafini (2011, p. 168) contribui com a seguinte reflexão:
José Bleger (1991, p. 12) nos traz uma diferença que é fundamental entre a entrevista e a anamnese. A
anamnese trabalha com a hipótese de que o entrevistado conhece a sua vida, e, assim, pode trazê-la e
discorrer sobre ela. Já no que denominamos Entrevista Histórica, acredita-se que cada um tem uma
história da sua vida, isto é, tem sua vida do seu ponto de vista. O que tentamos captar desta história é o
que ele não sabe – tornar explícito o que está implícito. Vamos procurando entender as afirmações, as
contradições, as dissociações, as omissões, a forma como é trazido o conteúdo e as atitudes perante esta
história que caracteriza o processo de comunicação e da aprendizagem. Acreditamos que a chave
fundamental para realizar uma entrevista que propicie uma investigação calcada nas hipóteses que vão
sendo levantadas, confirmadas ou abandonadas, baseia-se no conceito de atitude operativa que promove
ao entrevistador e ao entrevistado, uma atitude de agentes da história que se constrói durante a
entrevista.

Apesar de Visca (1994) denominar esse momento de anamnese, o conceito de entrevista histórica,
construído justamente como decorrência dos estudos sobre a teoria de Visca, auxilia o estudante a
compreender a diferença entre uma anamnese com roteiro prévio e igual para todos de uma linha de
pesquisa e uma anamnese particular e específica.
Outro ponto importante refere-se à condução da entrevista de anamnese (ou entrevista histórica), que,
como já foi assinalado, parte de uma consigna aberta. No entanto, falta assinalar que a ordem com que os

50
fatos são relatados, lembrados ou até mesmo omitidos, e a emoção com que são apresentados também
interessam ao psicopedagogo, que deve ter uma escuta acolhedora, atenta e cuidadosa.
No caso de Yuca, as perguntas levantadas no exemplo são apenas ilustrativas, uma vez que, na sequência
da aplicação dos instrumentos de pesquisa, outras curiosidades podem mobilizar o psicopedagogo.
Apresentamos um bom exercício para você e seu grupo: Com base nos registros de Yuca, quais perguntas
vocês formulariam? Ou melhor, quais outros aspectos vocês abordariam como importantes para compor a
linha de pesquisa para a entrevista de anamnese ou, como Serafini (2011) denomina, para a entrevista
histórica?

Quadro 3.1 – Quadro Auxiliar: instrumentos de pesquisa


Etapas do
Processo
Primeiro sistema de hipóteses
Dimensões

Pré-operatório global indo para o articulado?


COGNITIVA Intuitiva?
Necessidade de modelo?

Material determina a ação?


Faz ligações entre o discurso e a ação?
Boa capacidade de observação?
Atenção descentrada?
Necessidade de modelo? Aprendizagem por imitação?
Analisa o próprio produto?
Escreve o próprio nome?
Conhece o alfabeto, mas não faz relação entre som e letra?
FUNCIONAL
Algumas inversões – algo perceptivo?
Tentativas aleatórias de escrita e leitura com controle de quantidade?
Pré-silábica?
A palavra é a etiqueta do desenho?
Assimilação deformante?
Vocabulário amplo?
Pronúncia sem falhas com sinais de trabalho
fonoarticulatório?

Busca de equilíbrio?
Busca de vínculos anteriores?
Vínculo positivo com figuras masculinas?
Vínculo dissociado?
AFETIVA Vínculo simbiótico representado pela necessidade de colagem?
Aceita a novidade com facilidade?
Permanece no já conhecido?
Deseja corresponder à expectativa?
O êxito a potencializa para seguir adiante?

Necessidade de definição de seu espaço?


SOCIAL Ecro religioso?
Com mediação, avança na aprendizagem?

51
Segundo sistema de
Instrumentos de pesquisa
hipóteses

Classificação: classificação de objetos


Seriação: seriação de palitos
Conservação: de pequenos conjuntos discretos de elementos.

Confias
GAE
Inventário Portilho/Beltrami

Par educativo
Família educativa
Dia do meu aniversário
Personagem predileto

Entrevista e observação escolar


Análise do material escolar

52
Quadro 3.2 – Quadro Auxiliar: linha de pesquisa da anamnese
Etapas do
Processo
Primeiro sistema de hipóteses
Dimensões

Pré-operatório global indo para o articulado?


COGNITIVA Intuitiva?
Necessidade de modelo?

Material determina a ação?


Faz ligações entre o discurso e a ação?
Boa capacidade de observação?
Atenção descentrada?
Necessidade de modelo? Aprendizagem por imitação?
Analisa o próprio produto?
Escreve o próprio nome?
Conhece o alfabeto, mas não faz relação entre som e letra?
FUNCIONAL
Algumas inversões – algo perceptivo?
Tentativas aleatórias de escrita e leitura com controle de
quantidade?
Pré-silábica?
A palavra é a etiqueta do desenho?
Assimilação deformante?
Vocabulário amplo?
Pronúncia sem falhas com sinais de trabalho fonoarticulatório?

Busca de equilíbrio?
Busca de vínculos anteriores?
Vínculo positivo com figuras masculinas?
Vínculo dissociado?
AFETIVA Vínculo simbiótico representado pela necessidade de colagem?
Aceita a novidade com facilidade?
Permanece no já conhecido?
Deseja corresponder à expectativa?
O êxito a potencializa para seguir adiante?

Necessidade de definição de seu espaço?


SOCIAL Ecro religioso?
Com mediação, avança na aprendizagem?

53
Segundo
sistema Linha de pesquisa
Instrumentos de pesquisa para a anamnese
de
hipóteses

Classificação: classificação de objetos


Seriação: seriação de palitos
Yuca brinca? Do quê?
Conservação: de pequenos conjuntos
discretos de elementos.

Já fez avaliação e/ou atendimento


fonoaudiológico?
Confias
Como foi o seu início de vida?
GAE
Inventário Portilho/Beltrami Já fez algum exame com neurologista?
Qual a posição do pediatra
de Yuca em relação ao desenvolvimento dela?

Par educativo
Onde está a mãe de Yuca?
Família educativa
Quais as figuras masculinas com quem convive?
Dia do meu aniversário
Personagem predileto Com quem Yuca brinca?

Qual o endereço residencial de Yuca?


Além da escola, ela faz alguma outra atividade?
Entrevista e observação escolar
Qual a opinião da escola diante do processo de
Análise do material escolar
aprendizagem de Yuca?
Com quem e do que Yuca brinca?

3.3
Hipótese diagnóstica
A hipótese diagnóstica reflete o resultado de todo o estudo realizado. Segundo a Teoria da Epistemologia
Convergente, o resultado de uma avaliação psicopedagógica é uma hipótese diagnóstica por se tratar de um
jeito de olhar, determinado pelo Esquema Conceitual Referencial Operativo (Ecro) do psicopedagogo que
realizou a avaliação, podendo haver outras hipóteses não contempladas pelo psicopedagogo,
especificamente.
Esperamos que a hipótese diagnóstica contemple as explicações a-histórica (momento atual) e histórica
para o conjunto de sintomas apresentados, inicialmente, na primeira entrevista com os pais e/ou

54
responsáveis ou até mesmo pelo próprio cliente. Uma hipótese diagnóstica tenta responder aos três níveis
de abordagem: o semiológico (conjunto de sintomas), o patogênico (possíveis obstáculos) e o etiológico
(causas ou conjunto de causas).
O nível semiológico é o conjunto de sintomas, isto é, aquilo que se “vê”, aquilo que, geralmente, faz parte
do discurso dos pais no momento da apresentação da queixa ou dos motivos da procura.
O nível patogênico se refere a quatro obstáculos possíveis descritos por Visca (1994):

1. obstáculo epistêmico (dimensão cognitiva);


2. obstáculo funcional (dimensão funcional);
3. obstáculo epistemofílico (dimensão afetiva);
4. obstáculo epistemológico (dimensão social).

Ao final de um processo diagnóstico, é possível identificar os obstáculos e suas combinações possíveis. O


nível etiológico indica as causas prováveis que dão ou deram origem aos obstáculos e, consequentemente,
aos sintomas. A Figura 3.1 é muito utilizada para ilustrar esses níveis.

Figura 3.1 – Os três níveis de abordagem da hipótese diagnóstica

Imagine que o que se vê é somente o que está na ponta do triângulo (sintomas – nível semiológico). A
pesquisa psicopedagógica deve levar à compreensão do que está obstaculizando (obstáculos –
nível patogênico), do que está na base (causas – nível etiológico) e do que dá “sustentação” para que os
sintomas se manifestem.

3.4
Devolutiva – informativo psicopedagógico
O informativo, ou informe psicopedagógico, nada mais é que a forma escrita da devolutiva.
No livro Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres (Zenícola; Barbosa; Carlberg, 2007), há um capítulo
intitulado “Contribuições – composições teórico/práticas”, de autoria de Carlberg, no qual há um subitem
interessante que nos ajuda no estudo desta seção: “Considerações sobre a elaboração de informes
psicopedagógicos”.
Como a própria palavra indica, informe é o momento de informar, de relatar, de contar aos interessados
os resultados obtidos no decorrer do processo. Essa informação pode ser oferecida por escrito e/ou
oralmente. Quando é possível realizar as duas formas, a integração das informações será melhor e maior.
Inicialmente, a devolutiva é feita para os pais e/ou responsáveis, para o próprio cliente avaliado, quando
isso é possível, e para a escola, desde que isso seja autorizado pelos pais e/ou responsáveis.
“Uma devolutiva não trata de dizer ao outro o que ele deve ou não fazer, mas, sim, oferecer ideias,
sugestões e um olhar que poderá contribuir, algumas vezes, não só com o aluno em questão, mas também
com outras situações semelhantes no momento atual ou no futuro” (Serafini; Carlberg, 2011, p. 149). Essa
citação ilustra a preocupação que se tem com o momento de devolutiva para uma escola, por exemplo.
A organização de uma devolutiva (oral ou escrita), além dos aspectos já citados, é também o momento
de concluir se a pessoa avaliada necessita ou não de atendimento psicopedagógico, ou, ainda, no caso de

55
não necessitar desse atendimento, se pode necessitar de outro tipo de avaliação que complemente a já
realizada. Por vezes, pode ser necessário algum exame complementar, como uma avaliação neuropediátrica,
oftalmológica, fonoaudiológica, familiar ou outra possibilidade qualquer.
Na devolutiva, também é momento de delimitar as constantes do enquadramento nos casos em que há
a necessidade de atendimento psicopedagógico. Se houver, será necessário apresentar o objetivo do
atendimento, a metodologia, a duração, a frequência, os honorários, entre outras constantes.
Visca (1994) também sugere que nesse momento, além das indicações, seja contemplado o prognóstico
que diz respeito ao que pode vir a acontecer com a realização do atendimento, a não realização ou, ainda, a
realização possível das orientações sugeridas.
Com isso, encerra-se o processo de diagnóstico psicopedagógico e, nos casos de continuidade, passa-se
à próxima etapa: o processo corretor ou processo de intervenção psicopedagógica.
A devolutiva é realizada em uma entrevista com os pais e/ou responsáveis e pode-se iniciá-la com a
seguinte consigna de abertura: “É chegado o momento de conversarmos sobre os resultados de todos os
encontros realizados e, para iniciá-lo, eu gostaria de lhes fazer uma pergunta: O que vocês acham que será
dito sobre seu(sua) filho(filha)?”.
Essa maneira de iniciar a entrevista devolutiva tem sido muito interessante, uma vez que promove nos
entrevistados um movimento de reflexão, tirando-os da posição passiva. À medida que apresentam suas
ideias a respeito do que vão ouvir, ou do que desejam ouvir, ou, ainda, do que fantasiam ouvir, o
psicopedagogo os auxilia, com exemplos oriundos do próprio estudo de caso, a compreender o jeito como a
pessoa avaliada aprende.
Uma das características da entrevista devolutiva é justamente promover um movimento de recambiar
(dar uma volta inteira com o corpo), olhar para todos os ângulos possíveis, articular sintomas, obstáculos e
suas causas, e isso só será possível se o psicopedagogo possibilitar um ambiente de reflexão e não
simplesmente um momento de escuta de uma verdade apresentada.
Outra característica da entrevista devolutiva é a valorização das conquistas e das habilidades evidenciadas
no decorrer do processo. Se nosso objetivo é identificar o jeito de aprender do avaliado, não só o que o
afasta do parâmetro esperado deve ser apresentado.
A maneira como o psicopedagogo conta o que estudou também reflete o modo como é escutado. Por
outro lado, nem sempre o que se diz é ouvido com a intenção com que foi dito e, portanto, é preciso contar
com os ruídos que a comunicação guarda em sua subjetividade.
O momento da entrevista devolutiva deve ser compreendido pelo psicopedagogo como um momento de
intervenção, assim como todo o processo diagnóstico. É muito comum ouvirmos depoimentos de pais e/ou
responsáveis em que “só com a avaliação já foram constatadas mudanças”. Isso ocorre, principalmente, nos
casos em que há uma demanda genuína de ajuda.
Outra forma de conduzir uma entrevista devolutiva é iniciar com a leitura, em conjunto ou compartilhada
(responsáveis e psicopedagogo), do informativo psicopedagógico. Essa é uma maneira que dá segurança aos
psicopedagogos iniciantes e, à medida que as ideias são apresentadas, são também esclarecidas e
exemplificadas.
Outra situação comum é a necessidade de mais de um encontro para a entrevista devolutiva. Às vezes,
pela complexidade do caso, é necessário mais tempo para ouvir, falar, pensar e elaborar as estratégias
pertinentes ao caso estudado. Muitas vezes, um tempo entre uma sessão e outra (espaço para integração e

56
formulação de outros questionamentos) é muito eficaz; no entanto, a decisão de se realizar mais de um
encontro para a entrevista devolutiva só pode ser tomada no decorrer da primeira. Não há como prever.
Geralmente, essas entrevistas são mais longas do que as sessões de aplicação de instrumentos de
pesquisa, por exemplo. Estas ocorrem com a duração média de 50 minutos e as entrevistas de devolutiva
podem ser previstas com a duração de 75 a 90 minutos. Tudo depende das constantes do enquadramento
propostas pelo próprio psicopedagogo e que refletem a organização da sua agenda profissional.
O informativo, ou informe psicopedagógico escrito, que nada mais é do que a forma escrita da devolutiva
oral, como já mencionamos, pode ser entregue aos responsáveis e somente pode ser entregue a outros
profissionais, como os da escola, com a autorização dos pais e/ou responsáveis. Essa é uma atitude que
expressa um cuidado ético, em uma situação que podemos facilmente compreender quando nos colocamos
no lugar da mãe, do pai ou do próprio cliente.

Síntese
Este capítulo contemplou aspectos sobre o segundo sistema de hipótese, a linha de pesquisa para a
anamnese, ou entrevista histórica, e a hipótese diagnóstica. Além desses assuntos, também apresentamos
considerações acerca da elaboração de um informativo psicopedagógico.

Atividades de autoavaliação
1. Para a Teoria da Epistemologia Convergente, a anamnese tem as seguintes características:
a) Segue um roteiro predeterminado encontrado em livros da área.
b) É uma entrevista que ocorre após a aplicação dos instrumentos de pesquisa selecionados pelo
psicopedagogo, sendo que sua condução operativa não prevê um roteiro igual para todos, mas uma
linha de pesquisa construída pelo próprio psicopedagogo no decorrer da sua ação avaliativa.
c) É uma entrevista conduzida pelo psicopedagogo, com base em perguntas feitas por ele e respondidas
pelos pais e/ou responsáveis.
d) É o momento da descrição pormenorizada da história da dificuldade de aprendizagem.

2. O nível semiológico refere-se:


a) ao estado cognitivo semiológico.
b) ao conjunto de sintomas.
c) àquilo que se vê.
d) à queixa dos pais.

3. O nível patogênico refere-se:


a) aos possíveis obstáculos que poderão ser encontrados no fim de um processo de avaliação
psicopedagógica.
b) a um conjunto de dificuldades de aprendizagem.
c) aos possíveis obstáculos que poderão ser encontrados no fim de um processo de avaliação
psicopedagógica. São eles: epistêmico, funcional, epistemofílico e epistemológico.
d) às dificuldades encontradas pelo cliente na escola.

57
4. O nível etiológico refere-se:
a) ao momento da origem.
b) às causas prováveis dos sintomas descritos.
c) a uma só causa dos sintomas observados e descritos.
d) às diversas causas.

5. Qual das afirmativas a seguir define melhor o que é um informativo psicopedagógico?


a) É a forma escrita da devolutiva oral.
b) É um documento oficial.
c) É o registro do processo de avaliação psicopedagógica.
d) É um documento entregue para a escola.

Atividades de aprendizagem
Questões para reflexão
1. Assista ao filme Minhas tardes com Margueritte, de 2010, sob a direção de Jean Becker. Relacione a
emocionante história com o objeto de estudos da psicopedagogia – o ser cognoscente. Como esse filme
pode ajudá-lo a compreender mais profundamente o que é aprender?
MINHAS TARDES com Marguerite. Direção: Jean Becker. França: Imovision, 2010. 82 min.

2. Para realizar essa tarefa, você precisará de um recipiente de vidro transparente relativamente grande,
talvez algo em torno de 20 cm de altura e 20 cm de diâmetro, bem como de 3 ou 4 tubos de anilina para
doces com cores diferentes (por exemplo, verde, vermelho, azul e marrom ou, ainda, as cores que você
desejar ou conseguir). Você deverá também preencher o recipiente com água (não precisa deixá-lo
totalmente cheio). Depois do material providenciado e organizado, comece a pingar gotas de anilina na
água e observe o que acontece, mantendo uma distância suficientemente boa. Bem, divirta-se!13

Atividades aplicadas: prática


1. Pesquise em dicionários o significado de informe, informativo e devolutiva. Construa o seu conceito sobre
informativo psicopedagógico.

2. Escreva o seu memorial, ou seja, escreva a respeito de si mesmo, suas aprendizagens, sua história de
aprendizagem, suas dificuldades no processo, quais as intervenções realizadas que o fizeram superar as
dificuldades ou, ainda, permanecer com elas.

13
Essa atividade é um dos resultados dos estudos da equipe da Síntese, de Curitiba, e foi utilizada em dois momentos principais:
como disparador de uma das Cirandas de Educadores (realizada em 3 de junho de 2010) e para o lançamento oficial do livro
Avaliar para nós é..., em 8 de agosto de 2010, de autoria da mesma equipe, cuja referência completa se encontra ao final desta
obra. Para saber mais sobre a Ciranda de Educadores, encontro realizado desde 1999, acesse:
<http://www.sinteseaprendizagens.com.br>.

58
Considerações
finais
Este é um momento de encerramento e de resgate do conceito de matriz, que contribuirá com elementos para
a reflexão acerca do plano filosófico necessário para a composição de uma matriz de pensamento diagnóstico
psicopedagógico, objetivo principal deste livro.
Embora muito se tenha dito sobre avaliação e instrumentos de avaliação psicopedagógica, integro um
grupo de resistência! Um grupo que resiste à ideia de patologização da infância e que tem se mobilizado
para proteger a infância e a juventude das excessivas quantidades de avaliações diagnósticas e de rótulos.
E, por esses motivos, oferecemos mais duas sugestões. A primeira é assistir ao vídeo Etiquetas
psiquiátricas de transtornos inventados (Etiquetas..., 2012), encontrado para exibição no YouTube (veja a
referência completa nas referências finais). As imagens falarão muito mais do que palavras que possam ser
escritas.
A segunda é ler o capítulo “Avaliação psicopedagógica: panorâmica ou focada?”, que integra o livro
Avaliar para nós é... (Barbosa, 2011), já indicado anteriormente como complemento de outro subtema desta
obra.
É o momento também de relembrar que a escolha da Teoria da Epistemologia Convergente como pano
de fundo de toda esta obra se justifica por considerarmos que essa teoria auxilia a construção da matriz de
pensamento diagnóstico psicopedagógico, uma vez que organiza e classifica uma quantidade de informações
que podem facilitar o processo de aprendizagem daqueles que buscam um aprofundamento em
psicopedagogia.
Matriz é um vocábulo que comporta muitos significados, alguns dos quais reproduzimos a seguir, como
se apresentam no Dicionário Houaiss (Houaiss, Villar, Franco, 2001, p. 1870, grifo do original):
matriz s.f. 1 órgão das fêmeas dos mamíferos, na cavidade pélvica, onde o embrião e posteriormente o
feto se desenvolvem; [...] 8 AGR planta da qual se retiram mudas para reprodução; [...] adj. 28 que está
na base (de algo) ou que tem grande relevância; primordial, básico, principal. ETIM lat. matrix,icis ‘fêmea
que está criando os filhos, que amamenta; galinha parideira; árvore que deita rebentos; mãe, tronco,
origem; útero, ventre; [...].

Dessa maneira, esperamos que, ao chegar ao final deste livro, você possa ter alimentado seus pensamentos
para ampliá-los, modificá-los, transformá-los, multiplicá-los, reproduzi-los (no sentido de “perpetuar”), enfim,
que você possa fazer uso desses conhecimentos para fortalecer a sua base, a sua árvore, os seus planos
filosófico, teórico e prático em relação à psicopedagogia.
Por outro lado, também é preciso dizer que existem outras abordagens e a possibilidade da integração
dessa teoria com outras ou dessa metodologia avaliativa com outras já existentes. É isso o que ocorreu em
um município do Estado do Paraná – que tem em seu quadro psicopedagogos concursados e contratados –
no qual foi realizado um encontro de reflexão e estudos, cujo resultado foi a construção de uma matriz de
pensamento diagnóstico psicopedagógico daquele município, considerando-se a história daquele grupo, as
características do trabalho ali desenvolvido, o tempo disponível que a equipe teria para fazer avaliação e a

59
demanda existente, sem perder a qualidade. O processo foi belíssimo, pois contou com a discussão operativa
de grande parte dos psicopedagogos integrantes desse projeto.
Outra experiência é a da equipe da Síntese, a qual também construiu uma matriz de pensamento
diagnóstico que reflete a integração da Teoria da Epistemologia Convergente com a Teoria Sistêmica, o que
inclui a família no processo avaliativo. Para isso, organizou um instrumento de pesquisa para esse fim,
denominado Entrevista Operativa Familiar (Eofa), que contou com a supervisão do Professor Jorge Visca no
processo de construção, e que foi apresentado à comunidade científica, em 1991, nas 1ªs Jornadas de La
Fundación para Asistencia, Docência e Investigación Psicopedagogica e 3ª Jornada del Centro de Estúdios
Psicopedagogicos – Propuestas Psicopedagogicas para el 2000, ocorridas em Buenos Aires, Argentina.
A história da construção e da utilização dessa entrevista pode ser consultada no livro Avaliar para nós é...
(Barbosa, 2011), no Capítulo 9, de autoria da psicóloga e terapeuta familiar Vera Lucia Germano Sicuro.
É preciso evidenciar que não há somente um jeito de fazer, mas há apenas um jeito de exercer a
psicopedagogia – estudando, experimentando, observando, conversando, participando de encontros
vinculados à área, articulando saberes, avaliando-se e, por que não dizer, filiando-se à Associação Brasileira
de Psicopedagogia (ABPp), para, então, continuar a tecer as malhas de conhecimentos individual e coletivo.
Malha de conhecimentos que tem fios muito coloridos, diversos, oriundos da filosofia, das teorias que
explicam o ser cognoscente e da prática de tantos estudiosos.
Para contribuir com esses fios, escolhemos encerrar esta obra com fragmentos de um conto chinês, de
forma que você, leitor e estudante de Psicopedagogia, alimente-se da objetividade e subjetividade das
palavras reproduzidas a seguir. Como sempre, “quem conta um conto aumenta um ponto”, e que esse ponto
amplie sua malha simbólica.

CONFÚCIO E O MENINO SEM NOME


Dong Sizhang[14]

Confúcio estava muito cansado de ler e decidiu descansar um pouco. Mas o que fazer? Mesmo quando
descansava, ele queria fazer alguma coisa. Resolveu então sair num carro de búfalo para ir até o monte
Jing.
Enquanto os búfalos negros avançavam pela estrada, ele admirava a primavera que havia chegado. E,
pouco depois, avistou a montanha, enfeitada com um colar de neblina. Confúcio ficou muito contente.
Ele tinha certeza de que do alto poderia avistar toda a planície, a se perder de vista, com a crista das
colinas perfiladas mais adiante, uma depois da outra, até o horizonte.
Estava tão distraído que não percebeu um menino fazendo barro com um balde d’água para erguer
uma muralha de brinquedo no meio da estrada.
O menino que construía a miniatura da muralha virou a cabeça, avistou os búfalos puxando a carroça
e depois o condutor. Em seguida, pegou mais um pouco de barro e completou a obra, sentando-se
atrás dela, como se assim estivesse protegido. Confúcio ficou bravo:
— Ei, não vê que estou passando? Saia do caminho, quero chegar logo ao monte Jing.
O menino caiu na risada:

14
Dong Sizhang (1587-1628). Poeta e literato, dedicou a vida aos livros.

60
— É o carro de búfalo que tem de contornar a muralha. Onde já se viu uma muralha sair do lugar para
dar passagem ao carro!
— Quantos anos você tem?
— Sete – foi a resposta.
— Só sete? Apesar de ter só sete anos, você me deu há pouco uma boa resposta. Qual é o seu nome?
— Não tenho nome algum.
— Sem nome, me diga uma coisa: você conhece montanha sem pedra? Pé sem dedo? Céu sem
passarinho? Água sem peixe? Porta que não fecha? Égua sem potrinho? E fogo sem fumaça, conhece?
Conhece homem sem mulher? Mulher sem marido? Macho sem fêmea? Árvore sem galho? Cidade
sem governo? Gente sem nome?
— Uma montanha de terra não tem pedras. Pé de mesa não tem dedo nem unha para cortar. No céu
da boca, pássaro não voa. A água do poço é sem peixe. Porta sem batente não fecha, e um cavalo de
madeira não dá cria. Além disso, fogo-fátuo não solta fumaça. Imortal não tem mulher. Fada não
tem marido. Solteiro vive sem mulher. Árvore seca não dá galho. Uma cidade abandonada não tem
prefeito. E um menino, como eu, não tem nome.
Confúcio engoliu em seco. O menino tinha resposta para tudo...
E Confúcio continuou a lhe fazer perguntas e o menino a respondê-las até que o menino falou:
— Respondi a todas as suas perguntas. Agora, peço que responda às minhas. Como os marrecos e os
patos conseguem nadar? Como os grous e os gansos selvagens conseguem gritar? Como os pinheiros
e os ciprestes conseguem ficar sempre verdes? Tanto no verão quanto no inverno?
Confúcio respirou fundo. As perguntas eram fáceis. Muito fáceis.
— Porque eles têm as patas espalmadas.
O menino balançou a cabeça:
— Não é uma boa razão. Primeiro, pata não pode ser espalmada, porque palma existe é na mão. E as
tartarugas também nadam, mas não têm as patas “espalmadas”.
Pego de surpresa, Confúcio disse:
— Pois é... – mas se recuperou logo, passando para a pergunta seguinte: – Como têm um pescoço
comprido, os grous e os gansos selvagens podem gritar.
O menino sacudiu a cabeça:
— Também não é uma boa resposta. As rãs também gritam e elas não têm pescoço comprido.
De novo Confúcio ficou mudo. E depois conseguiu dizer:
— Pois é... – e fez uma observação –, como têm um cerne duro, os pinheiros e os ciprestes ficam
sempre verdes, tanto no verão quanto no inverno.
Mais uma vez o menino sacudiu a cabeça:
— O senhor nunca dá a razão nem a resposta certa: o bambu também fica sempre verde, no inverno
e no verão, e ele nem cerne tem, pois é oco por dentro.
E Confúcio, confuso, falou:
— Melhor não falar nem do céu, nem da terra. Vamos falar das coisas que estão diante dos nossos
olhos.
O menino riu novamente:
— Ah, certo – disse –, vamos falar das coisas que estão diante de nossos olhos: quantos cílios o senhor
têm nas pálpebras?

61
Confúcio pareceu cansado e suspirou:
— Desisto, não consigo ganhar, nem fazendo perguntas, nem respondendo àquelas que você me faz.
Acho agora que temos de temer uma criança. Você quer ser meu mestre?
O menino continuou a brincar em silêncio na estrada e não respondeu.
É um belo conto, não é? Ele foi escolhido para encerrar a Fonte: Schmaltz; Capparelli, 2010, p. obra
porque nele ganha ênfase o processo dialógico estabelecido entre os personagens, que ilustra muito bem a
11-17.
atitude esperada de um psicopedagogo diante de seus clientes, ao levá-los a exercitar a abstração reflexiva,
a pensar sobre o mundo e sobre a sua ação no mundo, conceito apresentado no Capítulo 2 deste livro.
Ambos, psicopedagogo e cliente, portanto, aprendem.
Ao iniciarmos o livro, dissemos que o intuito da obra era oferecer elementos que possibilitassem ao leitor,
ao estudante de Psicopedagogia, a organização de uma matriz de pensamento diagnóstico psicopedagógico
no âmbito da ação clínica. Tal matriz, apoiada na Teoria da Epistemologia Convergente, pode ser um dos
caminhos, mas não o único e, assim como o menino do conto, possivelmente você também tenha
argumentos e contra-argumentos diante do exposto neste livro. Portanto, continue o processo de formação
profissional (que também é pessoal) e aprofunde-se nos conceitos aqui abordados procurando as fontes
originais.
Possivelmente, você sentirá falta de alguns conceitos e exemplos e de algumas informações. Que bom
que seja assim! A sensação de que algo está faltando nos mobiliza a ir em busca da compreensão daquilo
que sentimos falta e promove um movimento de criação, de diálogo, de visita a bibliotecas, a sites. Ao
procurarmos meios de nos aprofundar no assunto, achamos, muitas vezes, o que pro-
curamos e nos encontramos com outras “faltas” que nem tínhamos ainda reconhecido como tais.
Neste ponto de nossas considerações, ainda é possível oferecer-lhe um esquema para sintetizar os planos
necessários para a composição de uma matriz de pensamento diagnóstico. Observe a seguir o Quadro A:

Quadro A
PLANO FILOSÓFICO PLANO CIENTÍFICO/TEÓRICO PLANO DA PRÁTICA

Concepção de Descrição e explicação acerca do ser cognoscente Instrumentos de pesquisa


homem e de mundo; – do ser que aprende. Acervo que nos auxilia a psicopedagógica propriamente ditos,
portanto, concepção compor os parâmetros de “normalidade” e seus concernentes à ação no âmbito clínico.
de aprendizagem. desvios.

A organização desse quadro está inspirada em um quadro síntese, resultado das discussões realizadas por
um grupo de 18 psicopedagogas de Curitiba (do qual a autora desta obra é integrante) que se reuniu com a
tarefa de pensar acerca da epistemologia da psicopedagogia para apresentar algumas reflexões sobre o
tema no VI Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, realizado em julho de 2003.
A sistematização e a apresentação das ideias foram realizadas por Barbosa (2007), que ampliou os estudos
sobre o tema e registrou a totalidade dos resultados no artigo “A epistemologia da psicopedagogia:
reconhecendo seu fundamento, seu valor social e seu campo de ação. Comemorando os 15 anos da ABPp –
Paraná Sul, 2006”, publicado na Revista Psicopedagogia, da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp.
A leitura desse artigo, assim como de outros publicados nas revistas da ABPp, muito contribuirão para
que você compreenda o que é a psicopedagogia e qual é o seu objeto de estudos.

62
Referências
BARBOSA, L. M. S. (Org.). Avaliar para nós é... Pinhais: Melo, 2011.
BARBOSA, L. M. S. A epistemologia da psicopedagogia: reconhecendo seu fundamento, seu valor social e seu
campo de ação. Comemorando os 15 anos da ABPp – Paraná Sul, 2006. Revista Psicopedagogia, v. 24, n.
73, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S010384862007000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 29
fev. 2012.
_ . Primeira entrevista... é momento de quê? In: BARBOSA, L. M. S. (Org.). Avaliar para nós é... Pinhais: Melo,
2011. p. 131-137.
Barbosa, L. M. S. Psicopedagogia: um diálogo entre a psicopedagogia e a educação. 2. ed. Curitiba: Bolsa
Nacional do Livro, 2006.
BELTRAMI, K.; PORTILHO, E. M. L. Inventário Portilho/Beltrami de estilos de aprendizagem para crianças da
educação infantil. Disponível em:
<http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/711_921.pdf>. Acesso em: 28 nov.
2011.
Carlberg, S. A epistemologia da psicopedagogia: contributo ao plano da prática. In: ABPp – Associação
Brasileira de Psicopedagogia. Seção Paraná Sul (Org.). Aprendizagem na diversidade: a psicopedagogia
agregando formadores. São José dos Campos: Pulso, 2008.
_ . Contribuições: composições teórico/práticas. In: ZENÍCOLA,
A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes
/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007.
p. 107-115.
_ . Quadro Auxiliar. Curitiba, 1994. Material não publicado.
CONGRESSO BRASILEIRO PIAGETIANO, 1., 1980, Rio de Janeiro. Uma conversa com Jean Piaget e Bärbel Inhelder: o
nascimento da inteligência. Centro Experimental e Educacional Jean Piaget/E.P.U.,1980 Material
distribuído gratuitamente no evento.
ETIQUETAS psiquiátricas de transtornos inventados. Spot del CCHRNT. Disponível em:
<http://www.youtube.com/watch?v=P_X500l2rhQ>. Acesso em: 29 mar. 2012.
FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
FREIRE, M. Educador, educa a dor. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
GALEANO, E. O livro dos abraços. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 2010.
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do Psicólogo, 2007.

63
PORTILHO, E. M. L. (Org.) Alfabetização: aprendizagem e conhecimento na formação docente. Curitiba:
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_ . Como se aprende? Estratégias, estilo e metacognição. Rio de Janeiro: Wak, 2009.
SCHMALTZ, M.; CAPPARELLI, S. (Org.). Contos sobrenaturais chineses. Porto Alegre: L&PM, 2010.
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_ . El diagnostico operatorio de adolescentes y adultos en la practica psicopedagogica. Edição do autor.
Buenos Aires: [s.n.], 2002.
_. O diagnóstico operatório na prática psicopedagógica. São José dos Campos: Pulso, 2008.
_ . Técnicas projetivas psicopedagógicas e pautas gráficas para sua interpretação. Buenos Aires: Visca &
Visca, 2008.
VISCA, J.; SCHUMACHER, S. Diagnostico operatorio en la practica psicopedagogica: niños, adolescentes y
adultos. Buenos Aires: Visca & Visca, 2011.
WINKELER, M. S. B.; OLIVEIRA, M. Â. C. O papel do corpo na psicopedogia. Não publicado.
ZENÍCOLA, A. M. O efeito da força da imagem visual sobre a construção simbólica da criança e do adolescente
nos tempos atuais.
In: ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S.
Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007. p. 283-301.

64
Bibliografia comentada
Carlberg, S. A epistemologia da psicopedagogia: contributo ao plano da prática. In: ABPp – Associação
Brasileira de Psicopedagogia. Seção Paraná Sul (Org.). Aprendizagem na diversidade: a psicopedagogia
agregando formadores. São José dos Campos: Pulso, 2008.
Essa é a síntese da apresentação da autora no I Psicopedagogia: agregando formadores, evento
promovido pela ABPp – Seção Paraná Sul. O artigo também contribui para a ampliação dos conceitos
trabalhados neste livro. Além desse, há outros artigos de outros psicopedagogos que podem auxiliar o
estudante de Psicopedagogia a compreender a linguagem psicopedagógica.

Carlberg, S. Contribuições: composições teóricas/práticas –


considerações sobre a elaboração de informes psicopedagógicos. In: ZENÍCOLA, A. M.; BARBOSA, L. M. S.;
CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres. São José dos Campos: Pulso, 2007. p. 120-126.
Nesse artigo, você encontrará outros subsídios para a organização de informes psicopedagógicos.

Barbosa, L. M. S. A epistemologia da psicopedagogia: reconhecendo seu fundamento, seu valor social e seu
campo de ação. Comemorando os 15 anos da ABPp – Paraná Sul, 2006. Revista Psicopedagogia, v. 24, n.
73, São Paulo, 2007. Disponível em:
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S010384862007000100011&script=sci_arttext>. Acesso em: 29 fev.
2012.
Trata-se de um artigo publicado na revista da Associação Brasileira de Psicopedagogia (ABPp),
originalmente apresentado no VI Congresso Brasileiro de Psicopedagogia, em 2003, como resultado de uma
ampla discussão realizada em um grupo de psicopedagogos de Curitiba-PR. Essa discussão teve como tarefa
debater a epistemologia da psicopedagogia e apresentar uma síntese em um dos espaços científicos do
referido congresso. A leitura desse artigo contribuirá para a ampliação dos planos filosófico, científico e
prático.

Moyses, M. A. A. A institucionalização invisível: crianças que não-aprendem-na-escola. Campinas: Fapesp;


Mercado de Letras, 2001.
Esse livro é um daqueles tesouros que, quando encontramos, queremos compartilhar. Maria Aparecida é
médica pediatra e, com grande sensibilidade, oferece a nós um dos frutos de sua tese de livre-docência,
analisando como crianças normais, até entrarem em nossas escolas excludentes, tornam-se reféns de
doenças inexistentes, passando a permanecer aprisionadas em “instituições invisíveis”. Trata-se de leitura
necessária para psicopedagogos que têm como tarefa “libertar” aprendizes.

Silva, M. C. A. E. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1998.
Esse é um livro que contribui para a ampliação da compreensão da necessidade de um plano teórico para
a ação psicopedagógica de cada psicopedagogo. No entando, muito mais do que isso, essa obra possibilita o
diálogo necessário sobre o que é a psicopedagogia e o seu objeto de estudos.

Visca, J. Clínica psicopedagógica: epistemologia convergente. São José dos Campos: Pulso Editorial, 2010.

65
Essa é uma obra básica para a compreensão da Teoria da Epistemologia Convergente. Foi traduzida e
ampliada, e é um livro para consulta permanente.

66
Apêndice
OBSERVAÇÃO:
Você pode utilizar o Quadro Auxiliar15 que serve de mapa, matriz em tamanho duplo ofício nas tarefas
propostas na seção “Atividades de aprendizagem”.

APÊNDICE 1

Quadro A – Registro da Eoca de nº 1


CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR
//Yuca, eu gostaria que você me mostrasse o que você sabe fazer, o que lhe ensinaram e o que
aprendeu com estes materiais que estão sobre a mesa.//

“Eu sei equilibrar livro na cabeça!”


Fala enquanto deixa a régua em pé.

“Tô fazendo um negócio.”

Dobra o papel em quatro partes, marca com a dobra, corta.

“Cadê a mãe da Yuca grande?”


Demorei em entender que se tratava da filha de uma pessoa que se encontrava na sala de espera
e que tem o mesmo nome de Yuca.

“Ih, não tem durex, eu preciso para fazer o livro.”


Ofereço-lhe o durex.

Dobra, dobra, cola durex e faz um avião.

//Você não ia fazer um livro?//


“Eu tô fazendo, é o desenho!”

//Ah! O avião é o desenho do livro?//

“Eu tenho outra Simone, ela mora junto com a minha irmã.”
“Eu sei fazer um livro, vai ficar bem bonito!”

Enquanto fala, enrola um pedaço de papel, faz dele um tubo, um rolo.

“Lá na escola tem esse livro!”


(pega o livro – A história do gato e me mostra)

15
Para solicitar o Quadro Auxiliar no tamanho especificado, entre em contato com a autora no e-mail sicarlberg@hotmail.com.
16
O que está entre aspas foi dito por Yuca; o que está entre barras foi dito pela psicopedagoga.

67
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR
Pede ajuda para abrir a cola.
“Não tá saindo!”

Mostro-lhe em meu dedo um pingo de cola que sai.

Ela repete o que vê, coloca um pingo de cola no dedo, passa no papel e coloca o material ao lado.

“Vou desenhar!”
“Eu não sei fazer mão, só sei fazer uma asa.” (ri muito)

“Pode ser um anjo!”

“O anjo tava na praia, tinha dois sol até! Um ele fez e o outro já estava.” (mostra-me o do lado
esquerdo)
“Esse ele fez” e o do lado direito “Já estava.”

Cola o desenho no livro, pega durex e volta a desenhar o mesmo tema: “dois sol e um anjo
sapeca!” (ri novamente)
//Esse livro é só feito com lápis ou será colorido?//

“Eu vou pintar!”

Pega o lápis, não sabe abri-lo, mostro-lhe, pinta o desenho.


“Tava muito quente, ele queimou o rosto.” (pinta com lápis cor-de-rosa)

“Eu vou fazer um coração diferente, ficou tudo verde, porque ele mentiu, eu quero uma casa que
não tem mãe, ele mentiu, porque ele tem mãe, né? Pronto! Terminei o livro!”
//E o seu livro só tem desenho? Não tem palavras?//

“Não, não sei escrever!”

//Nem o seu nome? O nome da autora?//

Escreve Yuca.

“Vou fazer um coração”, dobra o papel, recorta e abre. Quando abre, constata que não deu certo.
“Ih! Parece um coelho! E esse um castelo.”

Desenha, cola com durex e diz:

“Olha, o castelinho do coelhinho!”

//Você já me mostrou que sabe dobrar, recortar, desenhar, que outras coisas você sabe fazer que
pode me mostrar?//
Recorta um papel e diz: “O que parece?”

//O muro de uma cidade, o morro, as casas.//

“É isso mesmo que parece!”

“Sabe que estou fazendo balé?”

68
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR
Pega outro papel, diz que fará um coração.

De novo, não consegue e diz:

“É um coração/coelhinho.”

Coloca olhos, nariz...

//O que você sabe fazer com o que tem nesta caixa?//
Abre a caixa e diz: “Letras!”

Retira algumas e começa a enfileirá-las:

MPMOV

Pede para que eu leia. Leio e ela ri muito.

MOJSE

Repete a conduta anterior. Pergunto-lhe: //M com O faz o quê?//

“MO”

Termino a leitura, novamente ri muito.

D XX R M (com o D e o R invertidos)
//Separe nessas caixas o que serve e o que não serve para ler.//

+ 5 (invertido) entre outros e lê:

XeG

V e o 3 – diz que ambos são números. Ri muito.

“Vou escrever o meu nome.”


“O Y o U, o C, o A.”

YUCA

Logo abaixo coloca:

Y B G (B e G invertidos)

N O 7 M (N invertido e o 7 deitado)

JQDIMIASI

“É assim que é o meu nome inteiro!”

Pega o livro.
“Eu sei ler! O gato começa com a letra ‘g’.”

Na capa interna do livro, há imagens com rótulos. Faz a leitura das imagens:

69
CONDUTAS DO
REGISTRO DE TEMÁTICA E DINÂMICA
ENTREVISTADOR

“Era um dia o gato estava muito subindo na cadeira, foi retinho pegar a comida do gato, o ratinho,
ele que pegou mais comida do gato, ele ficou muito guloso, e ficou doente porque tá sem comida.

Ta uma carta! Obrigado por sua comida! A menina pegou ele...”

//O que serve para ler aqui?//


Indico as palavras em uma das páginas.

Aponta para as letras.

//Por quê?//

“Porque tá no meio da página.”

//Onde está escrito GATO?//

Rapidamente, aponta corretamente.

//Onde começa? Onde termina?//

//Com que letra começa?//

“Com G”

//Com que letra termina?//

“Com O”

“olha! GA-TO termina com O!”, fala dando ênfase aos sons.

Continua “contando” a história. Não para de falar.

Ligou o “fofone” e/ou não “temedo”.

Indico o final da sessão, acata com tranquilidade.

APÊNDICE 2
Registro da Eoca de nº 2 – para composição do primeiro sistema de hipóteses
Nome: Julieta.
Idade: 8 anos e 11 meses.
Grau de escolaridade: 3ª série do ensino fundamental.
Queixa, ou motivo da procura: Falta de organização na escola, dificuldade de retenção da tabuada, crise
familiar.
Materiais encontrados por Julieta sobre a mesa:
• 2 folhas de papel sulfite;
• 2 folhas de papel pautado;

70
• 3 folhas de papel colorido;
• 1 conjunto de canetas hidrocor com 12 cores;
• 1 lápis preto;
• 1 apontador;
• 1 borracha;
• 1 régua;
• 1 tesoura sem ponta;
• 1 tubo de cola líquida;
• 1 livro – O livro das casas – de Liana Leão, publicado pela Cortez, em 2004.

Quadro B – Registro da Eoca de nº 2


REGISTRO DE TEMÁTICA/DINÂMICA
HIPÓTESES
E CONDUTAS DO ENTREVISTADOR

//Olá, Julieta, por que você está aqui?//

“Porque estou mal na escola.”

//No que exatamente?//

“Em Matemática.”

//Bem, eu gostaria que você me mostrasse o que sabe fazer, o que lhe ensinaram, o que
aprendeu com esses materiais que estão sobre a mesa.//

Pega um papel, dobra-o, desenha um coração.

Recorta, faz detalhes com canetinha.

//Onde aprendeu?//

“Nas aulas de Artes.”

Agora, faz detalhes no coração vazado, usa canetas brilhantes. Faz o contorno de limites e os
preenche. Trabalha um bom tempo no coração.

Cola o coração recortado, faz o contorno


com caneta.

Termina e mostra-me, sorrindo.

//Ok, você já me mostrou que sabe desenhar, recortar, pintar... que outras coisas você pode me
mostrar?//

“Nada, praticamente nada!”

71
REGISTRO DE TEMÁTICA/DINÂMICA
HIPÓTESES
E CONDUTAS DO ENTREVISTADOR

//Pode ser algo de escrever, ler ou qualquer outra coisa que você sabe fazer.//

Pega uma folha pautada e faz um


desenho a lápis.

Contorna com canetinha (4 cores).

Termina e mostra-me.

//É uma boneca, uma menina?//

“É uma menina.”

//Que tal se você escrevesse uma


história sobre ela?//

“Hum, hum. Nesse papel?”

Inicia a escrita, para e olha as janelas.

(Lá fora, um temporal está por vir.)

Fecho uma das janelas.

Julieta continua. Até agora só escreveu três linhas. Apaga, reescreve.


Puxa a folha para o seu colo, parece reler. Volta a escrever, apaga, reescreve, boceja, continua a
escrever.

Puxa o papel para o seu colo, parece reler. Coloca-o sobre a mesa. Reescreve.

Acrescenta algo no título, não consigo ler, mas parece que é a palavra mentirosa.

Continua a escrever, apaga, boceja.

(O temporal inicia com fortes


trovoadas. O céu escureceu.)

Julieta continua, às vezes olha para a janela, às vezes para mim e continua a escrever, a apagar,
a escrever.

//Ah! Já estou ficando curiosa!//

Sorri.

“Eu já estou terminando.”

72
REGISTRO DE TEMÁTICA/DINÂMICA
HIPÓTESES
E CONDUTAS DO ENTREVISTADOR

Termina e lê em voz alta.

“A menina mentirosa

Era uma vez uma menina que batia em todo mundo. E um dia uma boneca que ela queria ficou
em liquidação, mas ela não tinha o dinheiro e pediu emprestado para seus colegas, mas eles não
emprestaram porque ela batia em todos eles.

Mas ela queria dar um jeito e falou:

– Eu prometo que vou parar de bater em vocês e cruzou os dedos.

No fim da tarde, eles deram o dinheiro e foi comprar, mas continuou batendo neles.”

//E quantos anos ela tem?//

“Tem 10 anos.”

Escreve essa informação ao lado do desenho.

//Bem, Julieta, nosso tempo terminou,


voltaremos a nos encontrar, está bem?//

Acompanho-a até a sala de espera. A mãe a aguardava e, como chovia muito, decidiram esperar
o temporal passar para poderem sair.

Julieta pega um gibi, senta-se no sofá e fica lendo.

Figura A – Desenho e recorte feitos por Julieta na Eoca


Figura B – Texto e desenho feitos por Julieta na Eoca

Gabarito

1. a
CAPÍTULO 1
2. a
Atividades de autoavaliação
3. c
1. d
4. b
2. b
5. d
3. c
4. a CAPÍTULO 3
5. b Atividades de autoavaliação
1. b
CAPÍTULO 2
2. b
Atividades de autoavaliação
3. c

73
4. b 5. a

74
Nota sobre
a autora
Simone Carlberg é pedagoga formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e possui especialização
em Clínica Psicopedagógica –
Teoria da Epistemologia Convergente e Teoria e Técnica de Grupo Operativo – pelo Centro de Estudos
Psicopedagógicos de Curitiba. Foi assessora do Professor Jorge Visca em dois grupos de formação (G2 e G5).
Exerce a ação psicopedagógica no âmbito clínico e institucional. É professora convidada em cursos de
especialização em Psicopedagogia e Educação; professora em cursos de formação livre e aperfeiçoamento;
integrante do grupo de pesquisa Aprendizagem e Conhecimento na Ação Educativa, da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná (PUCPR); integrante da equipe da Síntese – Centro de Estudos,
Aperfeiçoamento e Desenvolvimento da Aprendizagem como psicopedagoga; autora e coordenadora de
livros e artigos nas áreas de psicopedagogia e educação. É sócia titular da Associação Brasileira de
Psicopedagogia (ABPp), sob o
nº 71. Vive e trabalha em sua cidade natal – Curitiba-PR.
Para contato, envie e-mail para sicarlberg@hotmail.com.

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