Você está na página 1de 93

ABRIL 2017 | hbrbr.com.

br GESTÃO PESSOAL 84 TECNOLOGIA 72


Como enfrentar A verdade sobre
suas decisões a Blockchain
mais difíceis Marco Iansiti e Karim R. Lakhani

Joseph L. Badaracco GESTÃO ORGANIZACIONAL 64

GESTÃO PESSOAL 44
Você está
O efeito do resolvendo
escândalo os problemas
Boris Groysberg, Eric Lin, George certos? Editores

Serafeim e Robin Abrahams Thomas Wedell-Wedellsborg

OCÊ NÃO PODE


CONSERTAR
A CULTURA
ORGANIZACIONAL CO EO
ABRIL 2017

ARTIGOS
GESTÃO DE MUDANÇA
A culpa não é da cultura
organizacional
Quando uma empresa está
em crise, em geral é
20
ENTREVISTA HBR
“Precisamos intensificar
o nosso senso de urgência”
Os problemas dos clientes
não se resolvem com
ECONOMIA
Lições da
neurociência
Como construir uma
cultura organizacional
GESTÃO PESSOAL
O efeito do escândalo
Quando as empresas
cometem delitos, os
executivos são prejudicados
porque o negócio está o tempo, mas sim com de resiliência. pelo mercado de trabalho
quebrado. correções. George S. Everly Jr., Ph.D. — mesmo que não tenham
Jay W. Lorsch e Meg Whitman, CEO da envolvimento no caso.
Emily McTague Hewlett Packard Enterprise.
Entrevistada por 38 Boris Groysberg, Eric Lin,
George Serafeim e
20 Adi Ignatius. Robin Abrahams

30 44
GESTÃO DE PESSOAS GESTÃO ORGANIZACIONAL TECNOLOGIA
O ecossistema de Você está resolvendo A verdade sobre
valor compartilhado os problemas certos? a Blockchain
É necessário que as Reformulá-los pode revelar Serão necessários anos para
empresas se associem soluções inesperadas. transformar os negócios.
com governos, ONGs e até Thomas Wedell-Wedellsborg A jornada começa agora.
mesmo com concorrentes Marco Iansiti e
para distribuir e colher os
benefícios econômicos do 64 Karim R. Lakhani

progresso social
Mark R. Kramer e Marc W. Pfitzer 72
JAMIE CHUNG

54
4 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
ABRIL 2017

12 PEDIDO DE DEMISSÃO
RADAR Pegue esse trabalho e…
As empresas devem prestar
Novas ideias e pesquisas atenção ao modo como tratam
em andamento o funcionário demissionário.
16 DEFENDA SEU ESTUDO
“Consultar seu travesseiro”
não leva a decisões melhores
Novas descobertas surpreendentes
sobre como o sono pode afetar
os processos mentais.

90
83 GESTÃO PESSOAL
EXPERIÊNCIA
Administre seu
Como enfrentar suas
decisões mais difíceis
Cinco questões práticas podem
DECORPOEALMA
MIKE KRZYZEWSKI
crescimento profissional ajudar a tomar a decisão certa
quando as escolhas são dúbias.
Joseph L. Badaracco

6 Carta ao leitor
SEÇÕES 88 Resumo da edição
CHRISTOPHER DELORENZO, STREETER LECKA/GETTY IMAGES

FIQUE CONECTADO CONOSCO


HBR BRASIL www.hbrbr.com.br
Email: contato@rfmeditores.com.br
Twitter: @hbrbrasil
Facebook: Harvard Business Review Brasil
LinkedIn: Harvard Business Review Brasil

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 5 


CARTA AO LEITOR
ANTES DE MUDAR A CULTURA
ORGANIZACIONAL, MUDE
DE ESTRATÉGIA
A reestruturação da cultura organizacional é constantemente apontada por
grandes executivos como a melhor solução para resolver os problemas de
uma empresa. A matéria de capa da HBR deste mês traz uma outra visão
sobre a questão.
Jay W. Lorsch, professor da Harvard Business School, e Emily McTague,
pesquisadora associada da mesma instituição, entrevistaram quatro gestores
reconhecidos pelo mercado que garantem que não é possível “consertar” a
cultura de uma empresa. Doug Baker, CEO da Ecolab, Richard Anderson, ex-
CEO da Delta Air Lines, Alan Mulally, ex-CEO da Ford e Dan Vasella, ex-CEO
da Novartis, acreditam que a cultura organizacional só pode ser mudada com
a implantação de novos modelos estratégicos para enfrentar os problemas.
As experiências compartilhadas por eles demonstram que a cultura ideal não
é um alvo fixo a ser atingido, mas sim um ambiente transitório que pode ser
estabelecido caso os gestores tomem as decisões corretas.
Ainda nesta edição, os professores Boris Groysberg, Eric Lin, George Serafeim
e Robin Abrahams, todos da Harvard Business School, analisam os efeitos que
escândalos de grande proporção exercem sobre as carreiras de executivos —
ainda que eles não estejam pessoalmente envolvidos.
O levantamento realizado pelos professores aponta que a empregabilidade
de executivos é drasticamente afetada quando escândalos envolvendo as
empresas em que trabalharam vêm à tona. Mesmo quando já estão desligados
da organização há anos, oportunidades são mais escassas e os salários
menores. Mulheres sofrem ainda mais com este “estigma organizacional”.
Em um momento que exige tanta transparência e compliance das
grandes corporações, o tema não poderia ser mais relevante.

OS EDITORES

6 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


O INGLÊS QUE VAI IMPULSIONAR SUA
CARREIRA PODE LEVÁ-LO AINDA MAIS LONGE.
Certificado de Autorização CAIXA nº 1-0251/2017

Matricule-se no curso Classic e CONCORRA A DUAS BOLSAS DE ESTUDO no


curso intensivo de julho, no Centro de Língua Inglesa e Cultura Americana
da Universidade do Novo México, NOS EUA, COM TUDO PAGO.

Saiba mais e confira o regulamento:


MATRICULE-SE JÁ! alumni.org.br/matriculapremiada ¦ (11) 5644-9700

Promoção válida para matrículas realizadas nos cursos Classic das unidades Alumni, até o dia 07/05/2017. Consulte condições no regulamento.
Apresenta

2¿RFRQGXWRU
GDLQRYDomR
Na revolução digital, novos modelos de negócios devem
se basear na segurança cibernética
Há temas corporativos que, com o tempo, recebem um tratamento As distrações, no caso, traduzem-se no enorme volume de
mais restrito. A segurança cibernética, por exemplo, é sempre tempo, recursos e valor de mercado que se perde ao cair
afng[Y\YhYjYYd]jlYj]ehj]kYkkgZj]jak[gk]kh][ŠÕ[gk\] nas mãos de criminosos virtuais – cada vez mais organizados
fraudes, invasões e roubo de dados no mundo virtual. Até aí, ]kgÕkla[Y\gk&Gim]Yk]ehj]kYkZjYkad]ajYklˆe^]alg^j]fl]
nada de errado – muito pelo contrário. Ocorre que os tempos a essa realidade? “Pouco, ainda”, antecipa Carrión. No
atuais, de transformação digital, alçaram esse assunto a um Brasil, 39% dos executivos dizem que ao menos metade dos
orçamentos para segurança cibernética serão investidos em
patamar decisivo para a estratégia das empresas – e boa parte
ferramentas de monitoramento proativas, de acordo com
delas ainda não se deu conta. “Ninguém mais inova sem uma
o estudo Global Forensic Data Analytics Survey 2016, da EY.
postura proativa de segurança cibernética”, diz Demetrio
Globalmente, a porcentagem é de 63%.
Carrión, sócio de Cybersecurity da EY. “Ela faz a diferença
]flj]l]j^g[g$]Õ[aˆf[aY]hjg\mlana\Y\]]Õ[Yj]fngdna\g Não é difícil conceber por que o resultado no Brasil é
com distrações o tempo todo.” insatisfatório. Quando modelos de negócios, além de processos
Ainda é pouco
Empresas em que ao menos metade dos recursos para
segurança cibernética serão investidos em ferramentas
de monitoramento proativas.

Fonte: EY, Global Forensic Data Analytics Survey 2016

e sistemas internos, passam a se basear em tecnologias como


big data, data analytics, computação em nuvem, robótica,
afl]jf]l \Yk [gakYk$ afl]da_ˆf[aY YjlaÕ[aYd$ aehj]kkƒg +< ]
tantas outras ferramentas digitais e conectadas, a empresa
afl]ajY Õ[Y ]phgklY& ÉEmalYk [gehYf`aYk ljY\a[agfYak Yaf\Y lˆe
\aÕ[md\Y\] \] da\Yj [ge dafck eYda[agkgk im] [`]_Ye hgj ]%eYad
Ygk ^mf[agfjagkÊ$ \ar ;Yjjaf& ÉAeY_af]%Yk$ ]flƒg$ fY `gjY \]
detectar, resistir e reagir com exatidão a ameaças complexas
em meio à Indústria 4.0?”

É alarmante – mas não deve ser má notícia. Há uma série


de novas abordagens à disposição, como aponta o relatório
Will your brand survive in a digital word?, da EY. Elas passam
hgj ]fngdn]j dŠ\]j]k \Yk j]Yk \] eYjc]laf_$ n]f\Yk$ h]kkgYk
e desenvolvimento na cultura da segurança cibernética. Entre
as prioridades na proteção, estão propriedade intelectual,
estratégias de mercado e dados de clientes – temas altamente
k]fkŠn]ak& HdYfgk \] [gflaf_ˆf[aY jgZmklgk ] afl]_jY\gk [ge
os demais riscos, análises preditivas e políticas incisivas para
toda a cadeia de valor também entram na cultura a fomentar. Acesse ey.com.br/digital
“É uma questão de solidez”, diz Carrión. “A segurança
[aZ]jf†la[Y †$ Y_gjY$ g Õg [gf\mlgj \Y afgnY…ƒgÊ&
EDITOR-CHEFE CONSELHO EDITORIAL
Adi Ignatius Elaine Saad
EDITORA José Guimarães Monforte
Amy Bernstein José Luiz Bichuetti
PUBLISHER Murilo Portugal
Joshua Macht Pedro Parente
DIRETOR-GERAL
Edward Crowley PUBLISHER
EDITORA EXECUTIVA Roberto Müller Filho
Sarah Cliffe rmuller@rfmeditores.com.br
DIRETORA DE ARTE EDITORA-CHEFE
Karen Player Ana de Magalhães
EDITORA ESPECIAL ana@rfmeditores.com.br
Julia Kirby EDITORA DE ARTE
EDITORES SENIORES Débora de Bem
Alison Beard, Ania Wieckowski, Daniel debora@rfmeditores.com.br
McGinn, David Champion, Gardiner Morse, MÍDIAS SOCIAIS
Jeff Kehoe, Lisa Burrell, Maureen Hoch, Victor Matioli
Melinda Merino, Scott Berinato, victor@rfmeditores.com.br
Steven Prokesch GERENTE DE PUBLICIDADE
EDITORES ASSOCIADOS SENIORES Marcelo Levenstein
Andrew O Connell, Kate Adams, marcelo@rfmeditores.com.br
Sarah Green Carmichael, Walter Frish EXECUTIVAS DE NEGÓCIOS
Heloisa Ortiz
EDITORES ASSOCIADOS heloisa@rfmeditores.com.br
Courtney Cashman, Gretchen Gavett,
Susan Francis Karin Hetschko
karin@rfmeditores.com.br
EDITORAS DE ARTIGOS
Amy Meeker, Christina Bortz, DIRETORA DE MARKETING/EVENTOS
Martha Lee Spaulding, Susan Donovan Carolina Martinez
EDITORES CONTRIBUINTES carolina@rfmeditores.com.br
Amy Gallo, Anand P. Raman, GERENTE DE ASSINATURAS E CIRCULAÇÃO
Bronwyn Fryer, Karen Dillon, Mariana Monné
Jane Heifetz, John Landry, mariana.monne@rfmeditores.com.br
Lew McCreary, Richard Hornik ANALISTA FINANCEIRA
DIRETORA DE PRODUÇÃO EDITORIAL Geni Pinheiro de Brito
Dana Lissy geni@rfmeditores.com.br

DIRETORA DO HBR BRASIL CHANNEL


Christine Salomão
christine@hbrbr.com.br

NOTA AOS LEITORES Rua Cunha Gago, 412, 1 andar, cj. 13


Pinheiros, São Paulo, SP, CEP 05421-001
As opiniões expressas nos artigos são as
de seus autores e não necessariamente as (11) 3094-8404
da Harvard Business Review, da Harvard www.hbrbr.com.br
Business Review Brasil, da Harvard
Business School ou da Harvard University. Harvard Business Review Brasil
Certos autores podem prestar consultoria é uma publicação da RFM Editores Ltda.
a empresas a que aludem ou com elas
possuir vínculos profissionais. Distribuição Nacional pela Dinap S.A.
REPRODUÇÃO
Copyright © 2017 Harvard Business
School Publishing Corporation. Todos
os direitos reservados. É proibida a
reprodução ou transmissão de qualquer EDITADA POR
parte desta publicação em qualquer
formato ou através de qualquer meio,
seja ele eletrônico ou mecânico, incluindo
fotocópia, gravação ou qualquer sistema Editores
de armazenamento e recuperação de
dados, sem autorização escrita.
JORNALISTA RESPONSÁVEL
Volume 95, Número 04, Abril 2017 Roberto Müller Filho
ABRIL 2017

Radar

O REAL VALOR
DAS “CURTIDAS”
PEDIDO DE DEMISSÃO
As empresas devem prestar atenção ao
modo como tratam o funcionário demissionário
VAREJO
Como encontrar a política de devolução perfeita
DEFENDA SEU ESTUDO
“Consultar seu travesseiro” não leva a decisões melhores

ILUSTRAÇÕES DE MELINDA BECK


ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 11 
RADAR

DO ARQUIVO
“Se o Dow sobe ou cai, pouco importa para as empresas o que as ações representam.

1987 O mercado de ações é irrelevante... E ainda assim continuamos a nos preocupar


com grande seriedade, como se significasse algo real.”
“THE MYSTERIOUS DISAPPEARANCE OF RETAINED EARNINGS”, POR BEN C. BALL JR. (HBR, JULHO-AGOSTO DE 1987)

PEDIDO DE DEMISSÃO
PEGUE ESTE TRABALHO E…
Idealmente, todo profissional que pretende deixar um emprego
avisaria o chefe durante um encontro franco e respeitoso —
seguido por várias semanas de trabalho até o dia da partida. Mas
não é o caso de metade das demissões, de acordo com entrevistas
com quase 450 trabalhadores e gestores dos EUA realizadas por
pesquisadores da Oregon State e da University of Oklahoma.
O maior determinante do estilo de pedido de demissão é a
opinião do trabalhador sobre o tratamento que recebeu. “Muitos
veem esse momento como a última chance de acertar as contas com
a organização ou com o gestor”, dizem os pesquisadores. Para as
empresas, a maneira como se dá a saída pode fornecer informações
úteis: se muitos trabalhadores fazem isso de forma negativa, é
provável que isso seja um sinal de insatisfação com o tratamento, o
que pode indicar problemas de gestão que devem ser abordados.

SETE ESTILOS DE PEDIDOS DE DEMISSÃO QUE FUNCIONÁRIOS DIZEM USAR E SUPERVISORES DIZEM OBSERVAR
SEGUINDO AS REGRAS.
Envolve reunião com o gestor, 31%
período de aviso prévio e
explicação do motivo da saída. 31%

MARKETING
GRATIDÃO.
A conversa gira em torno da apreciação 9
do empregado pelo trabalho/empresa,
11
o que contribui com a transição.
MARCAS QUE RECEBEM
A PAR DA SITUAÇÃO.
O funcionário diz ao chefe que 8 MUITAS “CURTIDAS” PODEM
pretende sair, eliminando o
elemento surpresa. 8 SER SUPERESTIMADAS
SUPERFICIAL.
É semelhante ao “Seguindo as regras”,
mas a discussão é mais curta e o
motivo é omitido ou pouco claro.

ESQUIVA.
17
29
P ara muitos da área de marketing, tornou-se
um símbolo de sucesso: quantas pessoas “cur-
tem” a página do Facebook da empresa? Com
o avanço desse tipo de métrica, muitas marcas co-
meçaram a gastar milhões de dólares para ten-
O empregado se demite por escrito e 9
avisa o RH ou a outros colegas e deixa tar aumentar os seguidores de mídia social — e os
que o assunto chegue ao gestor. 17
gestores tentam esclarecer algo que muitas vezes
é ilusório quando se trata de gastos com marketing:
IMPULSIVO.
O funcionário sai sem premeditação 4 qual é o retorno sobre o investimento?
ou aviso, deixando que a empresa se Ao longo dos últimos anos, acadêmicos utili-
vire para fazer a transição. 9
zaram vários métodos para quantificar o valor dos
“SAIR QUEIMADO”. seguidores de mídias sociais, sem resultados con-
O funcionário tenta prejudicar a 10
organização ou seus membros, muitas sistentes. Em um novo estudo, pesquisadores da
7
vezes com agressões verbais. Harvard Business School realizaram cinco experi-
mentos envolvendo milhares de temas para explorar
FONTE “SAYING GOODBYE: THE NATURE, CAUSES, AND CONSEQUENCES OF EMPLOYEE RESIGNATION STYLES”, duas perguntas: será que o fato de alguém curtir
POR ANTHONY C. KLOTZ E MARK C. BOLINO (JOURNAL OF APPLIED PSYCHOLOGY, 2016)
uma marca sugere que é mais propenso a comprá-la?

12 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


Mulheres empreendedoras têm mais sucesso nas plataformas de crowdfunding que homens. Sua linguagem
emocional e inclusiva, em vez de jargões do negócio, lhes dá essa vantagem, apontam os pesquisadores.
“THE NARRATIVE ADVANTAGE: GENDER AND THE LANGUAGE OF CROWDFUNDING,”
BY ANDREEA GORBATAI AND LAURA NELSON

E as curtidas de uma pessoa influenciam os


amigos?
Os experimentos, com marcas bem conhe-
cidas, como Coca-Cola, Pepsi e Burt’s Bees, se
basearam em várias técnicas para avaliar ati-
tudes e comportamentos ao longo de períodos
curtos e longos. Alguns visavam descobrir se
curtir uma marca era simplesmente um sinal
de gosto (um indicador fraco) ou de maior pro-
pensão para comprar. (Os resultados apontam
para o primeiro.) Em um experimento, por
exemplo, anúncios de uma marca criavam
impressões semelhantes favoráveis entre as
pessoas que tinham aceitado um convite para
curtir a marca e outras que não haviam recebi-
do tal convite. Em outro, pessoas que tinham
curtido uma marca forneceram nome e ende-
VAREJO
reço de email de três amigos, que foram infor- COMO ENCONTRAR A PERFEITA
mados que seu amigo havia “curtido a mar-
ca” (sem menção dos meios de comunicação
POLÍTICA DE DEVOLUÇÃO
social) ou que ele tinha “curtido a marca no
Facebook”. As mensagens que não citavam
o Facebook levavam mais pessoas a reivin-
dicar um produto gratuito — um resultado
que sugere que curtir algo numa mídia so-
E nquanto os varejistas batalham por parti-
cipação de mercado, as políticas de devo-
lução constituem uma importante arma. A
teoria é que as devoluções flexíveis podem in-
fluenciar os consumidores que estão em cima do
de devolução podem influenciar os comprado-
res. O resultado mais importante: apesar de a
política branda aumentar as vendas e as devo-
luções, o salto na primeira é significativamen-
te maior do que o aumento na última. Assim, os
cial é visto como um gesto simbólico e carre- muro, porque reduzem o risco na compra. Mas varejistas geralmente se beneficiam de políticas
ga menos peso do que curtir em sentido mais há uma desvantagem: quando há muitas devo- flexíveis, mesmo depois de levar em conta os
convencional. luções das compras, a rentabilidade cai. Então, custos de devolução.
Os pesquisadores argumentam que as os varejistas olham para o lado positivo — uma Os pesquisadores observaram que ajustar
descobertas não significam que o marketing política que pode aumentar as vendas sem levar os cinco componentes de políticas de devolu-
de mídia social não vá produzir retornos, mas a excessivas devoluções. ção pode afetar consideravelmente o compor-
talvez sejam necessárias medidas adicionais Para ajudá-los a encontrá-la, os pesquisa- tamento do consumidor. Políticas de leniência
para alavancar as “curtidas” como um com- dores da University of Texas realizaram uma monetária e leniência no esforço tendem a es-
portamento rentável. (Por exemplo, estu- meta-análise de 21 artigos de periódicos sobre timular compras. Já a permissão de devolução
dos anteriores mostram que muitos que pos- políticas de devolução. Eles identificaram cin- por um período longo e a leniência na troca po-
tam conteúdo na página da marca começam co componentes: tempo de leniência (o perío- dem reduzir as devoluções. “É preciso analisar
a comprar mais.) “O ato de curtir uma marca do durante o qual devoluções são aceitas — por com cuidado os fatores de leniência porque os
no Facebook — que exige apenas alguns se- exemplo, 30 dias); leniência monetária (quan- efeitos na compra e na devolução são diversos”,
gundos de atenção e um clique — pode ser um do o varejista deve reembolsar todo o preço de alertam. “Dependendo dos objetivos, os varejis-
sinal de predileção do consumidor simples- compra ou cobrar uma taxa de reabastecimen- tas podem se beneficiar mais das políticas de de-
mente muito fraco para inferir aumento na to); leniência no esforço (o aborrecimento envol- volução complexas que variam em diversas di-
preferência pela marca”, escrevem os pesqui- vido, como precisar mostrar um documento ou mensões do que das simples que mudam pou-
sadores. preencher um formulário); alcance da leniência co”, concluem os pesquisadores.
(é tudo retornável ou os itens em liquidação fi- HBR Reprint F1704A–P
SOBRE A PESQUISA “Does ‘liking’ lead cam de fora?); leniência na troca (a devolução é
to loving? The impact of joining a brand’s em forma de dinheiro, crédito na loja ou somen- SOBRE A PESQUISA “The effect of return
social network on marketing outcomes”, por te de troca?). policy leniency on consumer purchase and
Leslie K. John, Oliver Emrich, Sunil Gupta return decisions: a meta-analytic review”, por
e Michael I. Norton (Journal of Marketing Os pesquisadores analisaram outras teo- Narayan Janakiraman, Holly A. Syrdal e Ryan
Research). rias em relação às formas pelas quais as políticas Freling (Journal of Retailing, 2016)

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 13 


O
trabalho
na era
da automação
Há um temor de que a automação 22 países, para entender o que elas
elimine empregos. E ele é pensam sobre muitos dos temas que
acompanhado de um nervosismo abordamos com os CEOs em nossas
ainda maior em relação ao impacto pesquisas. Do total, 79% acreditam
da tecnologia. Há 20 anos, havia que a tecnologia provocará redução
menos de 700 mil robôs industriais de emprego nos próximos cinco
em todo o mundo, segundo a anos. Especialistas dizem que a
International Federation of Robotics; tecnologia poderá substituir os seres
hoje, há 1,8 milhão, e o número humanos em todos os setores.
pode chegar a 2,6 milhões até
Porém, há várias razões para
2019. A produção manufatureira
as organizações continuarem
também cresceu, mas o emprego
precisando de pessoas. Uma
no setor caiu em várias economias
delas é o tempo necessário para a
avançadas. A tecnologia foi uma
adoção das novas tecnologias, seja
causa dessas mudanças, mas não
porque as mais antigas ainda são
a única.
rentáveis ou porque o esforço e
Atualmente, os robôs estão os recursos necessários são muito
entrando no segmento de grandes. Além disso, a tecnologia
serviços; a impressão 3-D pode não consegue reproduzir, pelo
ser usada na fabricação de carros menos hoje, todos os trabalhos
e aeronaves; a biotecnologia vai ou os aspectos de uma função
mudar a forma como cultivamos, específica. As tarefas em risco
produzimos alimentos e fabricamos são aquelas rotineiras, repetitivas
medicamentos; e a nanotecnologia e padronizadas – assim como
e a inteligência artificial afetarão atividades não rotineiras sobre as
várias indústrias. Tudo isso pode quais existem dados suficientes
acontecer muito mais rápido do para que a máquina aprenda,
que esperamos. interaja e detecte anomalias. Em
geral, as atividades complexas e
Não surpreende que as pessoas
as intuitivas serão mais difíceis
estejam apreensivas. Em 2016,
de serem substituídas. E mesmo
a PwC entrevistou mais de 5 mil
alguns dos trabalhos que poderiam
pessoas do público em geral, em
ser totalmente automatizados
permanecerão em mãos mudará. Computadores
humanas porque as
A tecnologia teve menos impacto superam os seres humanos em
empresas precisam que do que os CEOs globais previram larga escala quando se trata
as pessoas entendam de analisar grandes volumes
a experiência dos P (1998): Até que ponto, na sua opinião, o comércio de dados brutos. Mas eles
consumidores e como eletrônico transformará a concorrência na sua indústria? não têm intuição, empatia e
preferem interagir com a P (2017): Até que ponto a tecnologia mudou a
criatividade, características
tecnologia e os produtos e concorrência na sua indústria nos últimos 20 anos? necessárias para dar sentido
serviços que desejam. a esses dados. Juntos, homem
59% e máquina podem gerar
A tecnologia também cria
1998 mais valor para as empresas
empregos: para pessoas
do que de forma isolada. A
entusiasmadas ou então 2017
interação deles também pode
preocupadas com a evolução
tornar muitos trabalhos mais
da própria tecnologia para
interessantes e úteis.
os setores que se beneficiam
indiretamente dela (como No fim das contas, o que as
o de lazer, no qual surgem empresas mais precisam é
novas oportunidades à 33% de talentos: 69% dos CEOs
medida que as pessoas têm 30% brasileiros e 77% no mundo
mais tempo livre); e até 27% temem que a escassez
mesmo novas versões de de talentos prejudique o
“antigos” trabalhos. 20% 20% crescimento de suas receitas,
segundo nossas pesquisas.
Em última análise, foi a
É difícil encontrar líderes
capacidade de adquirir
criativos, inovadores e com
novas habilidades que 8% inteligência emocional. Na
manteve as pessoas
verdade, eles estão ainda mais
empregadas em outros
1% escassos do que em 2008,
momentos de grande
quando fizemos uma pergunta
transformação, como a
Transformação Impacto Impacto Nenhum semelhante.
Revolução Industrial.
total da indústria significativo moderado impacto
Alguns trabalhos Na era da revolução
desaparecerão. Outros Fonte: PwC, 1ª e 20ª Pesquisa Anual Global com CEOs
tecnológica, os talentosos,
não, mas a natureza deles Base: Todos os participantes como sempre, triunfarão.

Cinco questões relevantes:

1 2 3 4 5

Quais elementos O RH da sua Como você Você já analisou Você redesenhou


do seu modelo de empresa está pronto encontrará habilidades como a inteligência seus processos para
negócios serão para gerenciar homens mais escassas, como artificial, a análise que os funcionários
beneficiados e máquinas? Que liderança, criatividade de dados e a estejam em uma
pelo aumento da capacidades estão e adaptabilidade, automação ajudarão posição vantajosa
automação? faltando e como você necessárias para a a criar vantagem para trabalhar de
pretende corrigir isso, empresa inovar e construir competitiva em seus forma integrada com
da maneira ágil? uma diferenciação mercados-chave? a automação e
de marca? gerar valor?

Baixe gratuitamente PwC Brasil @PwCBrasil @PwCBrasil


o aplicativo PwC BR
na Apple Store. PwC Brasil PwC Brasil PwC Brasil

© 2017 PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda. Todos os direitos reservados. Neste documento, “PwC” refere-se à PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda., firma membro do network da
PricewaterhouseCoopers, ou conforme o contexto sugerir, ao próprio network. Cada firma membro da rede PwC constitui uma pessoa jurídica separada e independente. Para mais detalhes
acerca do network PwC, acesse: www.pwc.com/structure
RADAR

DEFENDA SEU ESTUDO

A pesquisa: Rebecca Spencer, da University of


Massachusets, Amherst, e seus colaboradores Uma
Karmarkar, da Harvard Business School, e Baba Shiv,
da Stanford Business School, realizaram um estudo
em que solicitaram aos participantes que avaliassem
pastas de laptop para uma possível compra. Os
respondentes foram informados dos prós e contras dos
produtos a serem examinados. Alguns receberam as
informações à noite, pouco antes de dormir, enquanto
outros receberam de manhã, quando tinham o dia
todo pela frente. Doze horas depois, foram solicitados
a escolher uma pasta e entrevistados sobre os produtos
e o grau de satisfação com as escolhas. As pessoas que
tinham “consultado o travesseiro” sobre essa decisão
tendiam a se sentir pior com sua opção.
O desafio: Uma boa noite de sono ajuda a pensar mais
claramente é mito? Será que, na verdade, pode piorar
o seu poder de decisão?

“CONSULTAR SEU
TRAVESSEIRO” NÃO LEVA
A DECISÕES MELHORES
PROFESSORA SPENCER,
DEFENDA SEU ESTUDO
SPENCER: Ficou bem claro que as pessoas os produtos nos levaria a crer que estariam tomada de decisão. Sabemos que quando
que tomaram a decisão no mesmo dia mais felizes com suas decisões, o que de dormimos, o cérebro está realizando
se sentiram melhor a respeito dela do fato não ocorreu. algum processamento que nos permite
que aquelas que tinham decidido após começar do zero. No nível neurológico,
uma noite de sono. Todavia, aquelas que Parabéns, sua pesquisa invalida o dito a informação começa a ser removida da
“consultaram o travesseiro” se lembravam popular sobre tomar grandes decisões. memória de curto prazo passando para
mais dos atributos das pastas. Isso nos Eu não diria isso. Não diria que o sono o espaço da memória de longo prazo.
surpreendeu. O fato de saberem mais sobre não tem nenhum valor em relação à Então o dito popular de que o sono nos

ILUSTRAÇÃO DE SODAVEKT
16 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
proporciona um novo começo é verdade. prejudicial à memória e ao processamento com a falta de sono é ruim. Nesse estudo
O sono não só tem impacto na assimilação de informações, então aparentemente a combinação que analisamos era menos
de novas informações, mas também são elas que mais se beneficiariam. Nesse tóxica.
parece ter uma influência surpreendente estudo em particular, eliminamos pessoas
sobre informações passadas. no grupo da vigília que tinham tirado uma Algumas pessoas consideram a insônia
soneca, então não poderei ajudá-lo uma medalha de honra. Acho que
Como o sono influencia nessa questão. você diria que um bom sono é mais
informações passadas? importante.
Não é só que as pessoas Escolher uma pasta Sabemos muito sobre isso atualmente,
que tiveram uma boa
DESCOBERTA de laptop não é e não se pode negar a necessidade do
noite de sono se O ESTRESSE exatamente um sono. Virar a noite não ajuda. A tendência
lembraram de mais PREJUDICA O SONO. problema em que é aguentar o quanto puder e ficar se
informações. Quando E A PRIVAÇÃO DE muita coisa está vangloriando por isso, mas as pesquisas
controlamos o número em jogo. Quando demonstram que sua atenção aos detalhes
de atributos positivos e
SONO TRAZ TODOS OS falamos em “consultar será prejudicada e seu tempo de reação
negativos em um estudo EFEITOS NEGATIVOS o travesseiro”, será mais tardio. Sua resposta a estímulos
subsequente, constatamos POSSÍVEIS. geralmente estamos negativos também será mais emocional.
que os indivíduos que lutando com uma grande O sono o mantém estável, e quando
tinham desfrutado do sono escolha na vida, ou, não se dorme, as coisas degringolam
eram mais propensos a se digamos, uma decisão sobre rápido. Podemos observar isso em
lembrar das características positivas quem demitir. É possível que uma estudos de RMF (ressonância magnética
e menos inclinados a se lembrar das boa noite de sono seja melhor nessas funcional). Novas informações chegam
negativas. situações? ao hipocampo; se forem emocionais, a
É verdade que nossos sujeitos estavam amígdala é ativada também, e isso pode
O sono nos torna mais positivos? provavelmente um pouco em dúvida por desencadear uma reação exagerada.
Foi isso que tanto nos surpreendeu. não estarem de fato num ambiente de Mas o sono remove informações do
Muitos estudos demonstraram que compra, escolhendo pastas de laptop. hipocampo de modo que, quando você
lembramos mais coisas negativas depois O que desejamos fazer agora é colocar as acorda, começa zerado, e você está menos
de dormir. O que acontece é que muitos pessoas em situações reais — por exemplo, carregado para experimentar novos
daqueles estudos estavam comparando flagrá-las quando estão realmente fazendo desafios emocionais.
negativo com neutro, e não negativo com uma compra online de uma câmera
positivo. Assim, no contexto de tomada de —, em que há necessidades E tudo aquilo que se fala
decisão, talvez o sono faça com que nos concretas e informações da luz azul das telas? Ela
concentremos no lado bom. que podem afetar a está prejudicando nosso
qualidade da decisão. DESCOBERTA sono?
Por que as pessoas que se lembraram Mas o quadro é mais O SONO REMOVE Há um pouco de
mais das coisas boas estariam menos complicado quando INFORMAÇÕES DO exagero. Quando se
tratamos de decisões dorme, toda luz é
satisfeitas com suas escolhas?
Pode ser mais difícil tomar decisões mais relevantes, como
HIPOCAMPO, ASSIM ruim; só que a azul é
quando se compara coisas boas do demitir pessoas. Talvez ACORDAMOS um pouco pior. Mais
que quando se compara o bom com uma decisão ocorra após ZERADOS. importante é a ideia
o ruim. Suspeito que as pessoas se várias noites de sono. É de que a luz solar é boa.
sintam ambivalentes, pois após terem muito processamento e Quando você está sentado
decidido, pensam nas coisas boas que muita mudança para a memória numa sala de reunião sem
não escolheram. Pode ser — e isso é algo de longo prazo. Mas se é verdade janelas, está perdendo melatonina
a investigar — que quando perguntamos que a tendência é lembrar-se mais das ao poucos. Está esgotando seu estoque,
a elas, sentiam que tinham tomado uma coisas positivas depois do sono, pensemos de modo que, no fim do dia, ela não
má decisão, mas com o tempo poderiam na decisão de demitir alguém. Ela se torna estará lá e você não sentirá sono. Se você
chegar à conclusão de que era uma boa cada vez mais estressante, pois estamos trabalha num escritório, precisará se
decisão. comparando coisas positivas. Posso expor a mais luz solar durante o dia.
imaginar como isso pode levar a uma
Gostaria de achar um jeito de utilizar satisfação menor com a decisão. Não decidi ainda se vamos usar ou
sua pesquisa para instituir sonecas não esta entrevista. Acho que vou
compulsórias no expediente de E se for acrescentado um prazo para consultar meu travesseiro.
trabalho.  tomar a decisão? Ótimo! Quando acordar, se lembrará de
Estudamos muito as sonecas. Tirar uma Bem, o estresse prejudica o sono. E a todas as partes boas.
soneca é benéfico para adultos, assim privação de sono traz todos os efeitos
como para crianças pequenas. A diferença negativos possíveis. A combinação do Entrevistado por Scott Berinato
é que, nas crianças, a vigília é mais estresse causado por prazos e decisões HBR Reprint F1704B–P

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 17 


ABRIL 2017

Artigos

A CULPA NÃO É DA CULTURA ORGANIZACIONAL


Quando uma empresa está em crise, em geral é
porque o negócio está quebrado.
“PRECISAMOS INTENSIFICAR O NOSSO SENSO DE URGÊNCIA”
Meg Whitman, CEO da Hewlett Packard Enterprise.
LIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA
Como construir uma cultura organizacional de resiliência.
O EFEITO DO ESCÂNDALO
Quando as empresas cometem delitos, os executivos são
prejudicados pelo mercado de trabalho — mesmo que
não tenham envolvimento no caso.
O ECOSSISTEMA DE VALOR COMPARTILHADO
É necessário que as empresas se associem com governos,
ONGs e até mesmo com concorrentes para distribuir e
colher os benefícios econômicos do progresso social.
VOCÊ ESTÁ RESOLVENDO OS PROBLEMAS CERTOS?
Reformulá-los pode revelar soluções inesperadas.
A VERDADE SOBRE A BLOCKCHAIN
Serão necessários anos para transformar os negócios.
A jornada começa agora.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 19 


R1704A–P

QUANDO UMA EMPRESA


ESTÁ EM CRISE, EM GERAL
É PORQUE O NEGÓCIO
ESTÁ QUEBRADO

20 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


JAY W. LORSCH E EMILY MCTAGUE

Quando uma organização enfrenta grandes dificuldades, a prescrição


costuma ser tentar consertar a cultura. Foi o que muitos aconselharam
a General Motors (GM) após a crise de recall em 2014 — desde
então, a CEO Mary Barra tem apostado na criação de “um ambiente
propício” para promover a responsabilidade e evitar futuros problemas.
Especialistas de todos os lugares indicaram a mesma saída quando veio
à tona que o U.S. Department of Veterans Affairs (VA), considerado por
investigadores federais um órgão extremamente burocrático, deixava
veteranos na fila de espera durante meses, mesmo em casos críticos
de saúde. A reforma na cultura foi sugerida também como solução
para controlar o uso excessivo da força nos departamentos de polícia,
comportamentos antiéticos em bancos e todo tipo de dificuldade
organizacional que se possa imaginar. Todos os olhos costumam se
voltar para o clima organizacional como a causa e como a cura.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 21 


A CULPA NÃO É DA CULTURA ORGANIZACIONAL

Masoslíderes corporativos que entrevistamos (atuais e ex-presidentes


que conduziram grandes transformações com sucesso) garantem
que a cultura não é algo que se possa “consertar”. Em vez disso, de
acordo com a experiência deles, a mudança de hábitos e crenças de
uma empresa é o resultado da implantação de novos processos e novas
estruturas para enfrentar desafios, como refazer uma estratégia ou um
modelo ultrapassado de negócio. A cultura evolui de acordo com o
andamento desse importante trabalho.
Embora essa ideia contrarie a sabedoria corrente so- não é um destino final. Ela se transforma juntamente
bre como mudar as coisas na GM, no VA e em tantos ou- com o ambiente e os objetivos competitivos da organi-
tros lugares, faz sentido do ponto de vista intuitivo en- zação. De fato, é mais um local de desembarque tempo-
carar a cultura como um resultado — e não como causa rário, onde a empresa deverá estar, naquele momento,
ou algo que precise ser corrigido. Organizações são sis- se as alavancas adequadas de gestão forem puxadas.
temas complexos com muitos efeitos em cascata. Rees-
truturar práticas fundamentais tende a conduzir a novos
valores e comportamentos. Assim, os funcionários têm
a chance de ver, de outra perspectiva, suas contribui- DOUG BAKER
ções para a sociedade como um todo. Isso aconteceu na Assumiu como CEO da Ecolab, empresa de produtos de
Ecolab quando o CEO Doug Baker permitiu que funcio- limpeza industrial, em 2004. Na época, a receita da em-
nários das linhas de frente tomassem mais decisões no presa era de US$ 4 bilhões. Ele decidiu triplicar esse nú-
intuito de fortalecer a relação com o cliente. Assim, os mero, uma meta bastante audaciosa. Em 2014, Baker
empregados tendem a se opor menos aos executivos se- havia feito aproximadamente 50 aquisições — dentre
niores — foi o que ocorreu com os funcionários da Nor- as mais notáveis, a da Nalco, empresa de tratamento
thwest depois que o CEO Richard Anderson, da Delta Air de água com sede em Naperville, Illinois. As vendas ti-
Lines, adquiriu a companhia e fez a integração dos em- nham crescido para US$ 14 bilhões e a força de trabalho
pregados considerando suas necessidades do dia a dia. mais do que duplicado.
Os líderes com quem conversamos adotaram abor- As aquisições permitiram que a Ecolab ofereces-
dagens distintas para diferentes fins. Por exemplo, se aos seus clientes um conjunto mais diversificado
Alan Mulally trabalhou para romper as barreiras entre de produtos e serviços relacionados a limpeza. Mas a
as unidades da Ford, enquanto Dan Vasella investiu na complexidade crescia a cada nova aquisição. As cama-
descentralização para liberar energia criativa na Novar- das organizacionais se multiplicavam e os gerentes se
tis. Mas, em todos os casos, quando os líderes optaram isolavam em diferentes escritórios e unidades. Os que
por utilizar ferramentas, como direito de decisão, ava- tomavam as decisões-chave gastavam cada vez menos
liação de desempenho e sistemas de recompensa para tempo na interação com os clientes e uns com os ou-
enfrentar desafios de negócios específicos, a cultura tros. A burocracia em expansão corroía a cultura cen-
organizacional evoluiu de maneira interessante como trada no cliente e começava a prejudicar o negócio.
resultado, o que reforçou a nova orientação. Baker queria restaurar o foco no consumidor como
Revisitar a história desses líderes permite uma com- uma força central da Ecolab. O modelo da empresa era
preensão mais rica da transformação corporativa e do fornecer avaliações e treinamento no local para os clien-
papel da cultura nesse processo. Compartilhamos des- tes e construir portfólios personalizados de produtos e
taques das nossas conversas aqui. A maioria das histó- serviços com base nas visitas aos clientes. Muitos consu-
rias envolve alguns aspectos da integração no processo midores trabalhavam com a empresa havia anos, por isso
de fusão, uma das transições mais difíceis de gerir pa- era essencial fortalecer essas relações.
ra as empresas. E todos os entrevistados revelam, em Baker acreditava que a resposta era incentivar
uma grande variedade de configurações, que a cultura as tomadas de decisão na linha de frente treinando

22 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


Desafio comercial:
permanecer conectado com os clientes
enquanto triplicava de tamanho
Alavancas puxadas:
incentivou a linha de frente a tomar
decisões e instituiu um sistema de
recompensa mais meritocrático
Mudança cultural:
de gestão “papai sabe tudo”
para força de trabalho
colaborativa e independente

DOUG
BAKER
CEO DA ECOLAB

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 23 


A CULPA NÃO É DA CULTURA ORGANIZACIONAL

DESAFIO COMERCIAL: INTEGRAÇÃO RÁPIDA DE UMA AQUISIÇÃO GIGANTE


DURANTE PERÍODO DE DESACELERAÇÃO
ALAVANCAS PUXADAS: DIVIDIU O PODER EXECUTIVO, CONSTRUIU RELACIONAMENTOS
MAIS DIRETOS COM OS FUNCIONÁRIOS E FOCOU EM ACOMODAR AS NECESSIDADES
DE DESENVOLVIMENTO E DE REMUNERAÇÃO NO LOCAL DE TRABALHO
MUDANÇA CULTURAL: DE RELAÇÃO DE OPOSIÇÃO ENTRE CHEFES E EMPREGADOS
PARA LEALDADE E CONFIANÇA MÚTUA

RICHARD ANDERSON

EX-CEO DA DELTA

FOTOGRAFIA DE ANDREW HARRER/GETTY IMAGES


24 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
cuidadosamente os funcionários mais próximos aos a qualidade de vida dos consumidores. No entanto, as
consumidores. Quanto mais os empregados aprendiam mudanças levaram tempo. Cada aquisição exigia um
sobre os produtos e serviços fornecidos pela empresa, novo processo.
mais bem equipados ficavam para descobrir por conta “Quando compramos um negócio, existe um perío-
própria as soluções que atendiam às necessidades dos do de adaptação, que não é imediato”, diz Baker. “As
clientes. relações demandam tempo.”
Pode parecer arriscado delegar decisões, mas Baker
descobriu que os problemas eram percebidos e resolvi-
dos mais rápido dessa forma. Eventualmente, os ges-
tores começaram a relaxar e confiar mais nos funcio- RICHARD ANDERSON
nários — uma grande mudança cultural. Levou tempo Logo depois que se tornou CEO da Delta Air Lines, Ri-
para treinar os empregados. Foram necessários ajustes chard Anderson supervisionou, em 2008, a aquisição
e avaliações constantes enquanto as preferências dos da Northwest Mutual, que criou a maior companhia
consumidores e a dinâmica dos negócios mudavam. aérea do mundo, com aproximadamente 70 mil em-
Mas, em última análise, atribuir responsabilidades à li- pregados. Na época, ambas as empresas emergiam de
nha de frente permitiu à Ecolab permanecer conectada uma concordata e entravam em uma grande recessão
com seus clientes. do transporte aéreo.
Baker também enfatizou a importância da meritocra- Ao contrário de Baker, que não apressou a integra-
cia para motivar os funcionários a realizar os objetivos do ção pós-fusão, Anderson sentiu que a aquisição exigia
negócio. “As pessoas percebem quem é promovido”, diz. força e velocidade. Ele não tinha nem tempo nem incli-
Aumentos e outras recompensas eram utilizados para si- nação para tentar troca de favores. “Não existe fusão de
nalizar o tipo de comportamento valorizado na empresa. iguais”, afirma. “Tomamos todas as rédeas. A base seria
Baker percebeu que o reconhecimento público importa- em Atlanta, se chamaria Delta, e não haveria nenhuma
va mais do que incentivos financeiros ao longo do tempo. marca conjunta. Foi bem ditatorial”.
“Como você elogia seus funcionários? O que parabeniza? Para integrar sistemas, processos e pessoas rapida-
De que maneira favorece o reconhecimento entre pares? mente em um setor altamente complexo, Anderson
O bônus é importante, claro, mas deve ser entregue no precisou capacitar os que estavam ao seu redor para
privado”, ressalta. Ele conversou com os gestores que liderar. Ele acredita firmemente na ideia de ter um
não só delegavam decisões para os funcionários que in- presidente não executivo, que supervisiona agendas e
teragiam com os clientes como também os encorajavam processos do conselho, e um presidente independente,
a assumir a liderança quando mostravam iniciativa. que administra ofertas de forma autônoma. “O presi-
Isso era ainda mais essencial para as organizações dente e eu temos a mesma autoridade, assim podemos
menores que a Ecolab havia adquirido, como várias fazer o dobro”, diz Anderson. “Ele pode lidar com a
empresas privadas cujo estilo de gestão era “papai sabe transação da Virgin Atlantic enquanto estou na China
tudo”, ou seja, cujos fundadores dão ordens e as pes- tentando fechar um acordo com dois parceiros chi-
soas obedecem. Apesar de isso funcionar em pequenas neses.” Anderson delegou bastante responsabilidade
organizações, impedia o crescimento da Ecolab e a co- também ao diretor de operações e de marketing.
laboração entre suas divisões. Ele já havia trabalhado como CEO da Northwest por
Os funcionários da linha de frente eram recompen- três anos e meio, por isso tinha uma visão privilegiada
sados por manter o relacionamento com os clientes e da empresa e sabia dos grandes obstáculos que iria en-
entre si. Assim, uma cultura de autonomia surgia. (Isso contrar por lá. A Northwest era fortemente sindicalizada,
liberou tempo para gestores seniores, permitindo-lhes o que, na sua opinião, reforçava a dinâmica de disputa
se concentrar em questões mais amplas.) Os empre- entre empregados e administradores, além de dificultar
gados começaram a se sentir mais seguros e, com isso, a comunicação entre os dois grupos. A gerência convo-
passaram a ter mais confiança na empresa e a enxergar cava os sindicatos para compreender melhor as necessi-
o trabalho e a missão (tornar o mundo mais limpo, se- dades dos funcionários em vez de interagir com eles di-
guro e saudável) como uma contribuição real para a so- retamente. Administradores e empregados tinham um
ciedade. Dessa perspectiva ampliada, tinham a chance intermediário, o que consumia mais tempo para tratar
de ver em primeira mão como podiam colaborar com as questões.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 25 


A CULPA NÃO É DA CULTURA ORGANIZACIONAL

Por isso, uma parte essencial dessa integração rápi- na organização, de segunda ou terceira geração”, diz
da (considerando que Anderson havia definido clara- ele. “Não temos regras em relação ao nepotismo, por-
mente que a Delta estava no comando) foi construir re- que gosto que indivíduos da mesma família trabalhem
lações sólidas com os empregados. Assim, ele procurou aqui”. Sua filosofia é que ter parentes de funcionários
maneiras de satisfazê-los e motivá-los a estar a serviço na Delta tende a aumentar a fidelidade. As pessoas con-
da empresa e dos clientes. E decidiu se concentrar em tratadas já chegam com certa compreensão e visão po-
atender às necessidades deles, tanto profissionais co- sitiva de como a empresa opera.
mo pessoais. A Delta ofereceu excelente treinamento,
horários flexíveis, aeronaves bem equipadas e de pri-
meira linha e bons hotéis para a tripulação. Os custos
eram relativamente baixos, principalmente em compa- ALAN MULALLY
ração com o combustível — e valeram a pena: ajudaram Quando ele assumiu o comando da Ford, em 2006, a
a reforçar a lealdade e a confiança. empresa estava à beira da falência e tinha perdido qua-
Compensar bem os empregados fez muita diferen- se 25% de sua cota de mercado desde 1990. Mas a ex-
ça — motivou o desempenho. “Você quer que sejam periência de gerir a Boeing durante um duro período
produtivos, trabalhem bastante e façam as coisas da de declínio permitiu que aprendesse a tomar decisões
melhor forma”, diz Anderson. “Mas em troca você tem difíceis e agir decisivamente durante uma crise. Em sua
de oferecer um sistema de benefício e de remuneração primeira reunião financeira na Ford, ele percebeu que a
realmente suficiente”. A Delta destinava por ano 10% organização tinha apenas alguns meses até que ficasse
dos seus lucros (antes de impostos e da remuneração sem dinheiro. Mulally inverteu o curso da empresa: no
de administradores) para bonificação dos funcionários. momento em que saiu, em 2014, a Ford relatava lucros
Um ano após a fusão, a companhia aérea decidiu inves- por cinco anos seguidos e o preço das ações havia sal-
tir 15% do capital da empresa em um plano de ações tado significativamente.
(Esop, na sigla em inglês) para pilotos, tripulações de Contudo, o desafio que enfrentou não foi apenas fi-
voo e equipe de suporte e de solo. A compensação mais nanceiro. Para restabelecer a empresa, ele decidiu levar
elevada indicava que a gestão se preocupava com os a equipe de gestão a trabalhar de forma mais colabo-
empregados, o que alimentava ainda mais a cultura de rativa. Agressividade e crueldade eram notórias entre
confiança. os funcionários. Executivos de diferentes unidades es-
Ele também reconheceu que os funcionários têm condiam informações uns dos outros. Mulally afirma
necessidades específicas. Considere quem trabalha que, quando assumiu, a Ford era como um “grupo de
com equipamentos no segundo turno. “Está 10 graus empresas separadas”. As unidades produziam diferen-
abaixo de zero, e com nevasca, agora de manhã em Mi- tes carros, direcionados a mercados distintos, e ope-
neápolis, e eles têm de fazer seu trabalho”, diz Ander- ravam de forma independente — isso reforçava uma
son. “Precisam subir no carro de degelo, tirar a neve da mentalidade defensiva e gerava enorme desperdício.
aeronave e passar pelo portão”. Com base em sua experiência na Boeing, Mulally
A aposta de Anderson de atender às necessidades instituiu reuniões periódicas em que executivos de vá-
dos empregados parece ter transformado a preocupan- rios níveis se reuniam para compartilhar atualizações
te dinâmica “nós contra a gestão”. Dois anos depois que de suas unidades. Eles usaram um sistema de cores
assumiu o cargo de CEO, os trabalhadores votaram pela (verde para adequado, amarelo para cautela e verme-
dispensa dos sindicatos (exceto os pilotos, que ganham lho para problema) para avaliar o desempenho global da
influência do setor por fazer parte de um sindicato, o Ford em diversas iniciativas, de forma rápida e holística.
que os deixa em pé de igualdade com os seus pares em No auge das dificuldades da empresa, o grupo se
outras companhias aéreas). Hoje a Delta é a única gran- reunia diariamente. Mulally esperava que as reuniões
de empresa aérea fora do Oriente Médio que permanece pudessem ajudar a identificar problemas antes de se
pouquíssimo sindicalizada. tornarem irreversíveis e incentivar executivos a com-
Quanto mais felizes estão os funcionários, mais partilhar ideias e apoiar uns aos outros. Ele queria tam-
tempo querem ficar. A cultura de carreira ficou ain- bém promover a responsabilidade pessoal. Os gerentes
da mais forte, o que Anderson enxerga como algo po- tinham de explicar os contratempos que enfrentavam
sitivo. “Temos diversos empregados de 40 ou 45 anos e o progresso que faziam.

FOTOGRAFIA DE JOCK FISTICK/GETTY IMAGES


26 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
alan mulally
EX-CEO DA FORD

Desafio comercial:
recuperar um fabricante global
à beira da falência

Alavancas puxadas:
aumentou a transparência entre os chefes de
unidade e simplificou processos de negócios

Mudança cultural:
de unidades de negócio defensivas e
discrepantes para cooperativas e conectadas

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 27 


A CULPA NÃO É DA CULTURA ORGANIZACIONAL

DAN
VASELLA
EX-CEO DA NOVARTIS

DESAFIO COMERCIAL: GESTÃO DE PORTFÓLIO MAIS DIVERSIFICADO DE PRODUTOS E CLIENTES ALAVANCAS PUXADAS: FORMULOU
VISÃO, METAS E EXPECTATIVAS CLARAS E DESCENTRALIZOU A TOMADA DE DECISÃO MUDANÇA CULTURAL: DE FOCO LIMITADO E
BUROCRÁTICO PARA UMA ORGANIZAÇÃO CENTRADA NO CLIENTE, ENXUTA E VOLTADA PARA A EFICIÊNCIA

FOTOGRAFIA DE ADRIAN MOSER/GETTY IMAGES


28 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
Mulally lançou a “One Ford”, estratégia para inte- e levar aos pacientes os melhores medicamentos conti-
grar unidades da Ford em todo o mundo, permitin- nuamente”) casou com o desafio de ampliar a oferta da
do que a empresa evitasse desperdícios e adiantasse empresa. Para chegar a isso, Vasella decidiu aumentar
processos. Ele selecionou chefes globais para a fabri- os gastos com pesquisa e desenvolvimento durante o
cação, o marketing e o desenvolvimento de produtos seu mandato.
para liderar a colaboração internacional e simplificar Nesses encontros, ele falava abertamente sobre as
as operações. suas expectativas em relação aos funcionários. Para
Todos os executivos trabalhavam abertamente, em começar, precisavam ser flexíveis. Considerando uma
equipe. Assim, Mulally pôde identificar mais facilmen- empresa em crescimento que desenvolvia novos me-
te as marcas de baixo desempenho. Ele vendeu várias dicamentos, a Novartis iria enfrentar desafios que difi-
marcas de veículos de luxo da Ford para se concentrar cilmente alguém poderia antecipar. A equipe teria de
na produção de carros menores e eficientes em ter- se adaptar às dificuldades que surgissem. E se compro-
mos energéticos, como o Fiesta e o Focus, que tinham meter e agir de acordo com os interesses dos clientes.
potencial para expandir. A Ford voltou à sua missão Para isso, Vasella definiu métricas claras para me-
original de produzir automóveis de qualidade para as dir o desempenho e garantir a qualidade da crescente
massas. diversidade de unidades da organização e dos grupos
No início, os executivos tinham receio de falar so- de produtos. A Novartis estava em expansão. Ele sabia
bre os problemas, temiam que os colegas criticassem que mais pessoas precisavam assumir o comando. Um
qualquer sinal de vulnerabilidade. Nas primeiras reu- sistema adequado de gestão de desempenho ajudaria
niões, todas as cartas eram verdes, mas Mulally ques- a manter os empregados focados no essencial. “Você
tionava: “Perdemos bilhões no ano passado e vocês também precisa deixar claro o que não vai tolerar”, diz
me dizem que não há problema?”. Aos poucos, alguns ele. “Não vou permitir suborno. Não vou tolerar confu-
corajosos começaram a falar e ser elogiados pela fran- sões internamente.”
queza. (Um deles foi Mark Fields, mais tarde suces- Vasella acredita que a colaboração e o alinhamento
sor de Mulally como CEO.) Com o tempo, as pessoas entre as divisões não devem ser forçados em uma em-
perceberam que falar abertamente permitia trabalhar presa em crescimento. Por isso, decidiu descentralizar
em conjunto e encontrar soluções mais rapidamente. a tomada de decisão e capacitar as pessoas para fazer
Além disso, os gráficos refletiam o que realmente acon- o melhor em benefício de suas próprias unidades. Ele
tecia nas unidades. sentiu que isso permitiu que as equipes se movessem
mais rapidamente e pensassem e agissem de forma
mais criativa.
“Minha visão era me concentrar no lado de fora —
DAN VASELLA na concorrência e nos clientes”, diz ele. “Não se sin-
Depois que orquestrou a fusão entre a Sandoz e ta inibido nem desacelere só porque acha que está
Ciba-Geigy, em 1996, ele foi nomeado presidente exe- sendo colaborativo com quem não vai interferir nos
cutivo da empresa recém-formada, a Novartis. Ela se resultados.”
tornou a maior fabricante de produtos farmacêuticos Depois que as novas práticas foram implantadas,
do mundo. os funcionários da Novartis se tornaram mais eficien-
Para atender a uma ampla gama de necessidades tes e centrados no cliente. “Primeiro é preciso entregar
dos clientes — e separar melhor a empresa — Vasella aos consumidores o que esperam (melhores medica-
conduziu a mudança de um negócio com base na pres- mentos e vacinas)”, diz Vasella, “e, depois, pedir um
crição de drogas para um portfólio diversificado de pro- retorno deles.” Com cada mudança organizacional que
dutos de saúde. Esta grande transformação exigiu uma fez, ele percebeu que a cultura da empresa começava a
organização muito mais complexa. coincidir com a visão que tinha esboçado em seus pri-
O primeiro passo de Vasella foi esclarecer o propó- meiros encontros com os executivos seniores.
sito para quem estava no topo. Ele teve diversas dis- HBR Reprint R1704A–P Para pedidos, página 10
cussões iniciais com um pequeno grupo de gestores
JAY W. LORSCH ocupa a cátedra Louis E. Kirstein de relações
seniores para estabelecer a visão e os objetivos da orga- humanas da Harvard Business School. EMILY MCTAGUE é
nização. O propósito principal (“descobrir, desenvolver pesquisadora associada da Harvard Business School.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 29 


ENTREVISTA HBR

Meg Whitman, CEO da Hewlett Packard Enterprise

FOTOGRAFIA DE ANDREW BURTON/GETTY IMAGES


30 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
“Precisamos
intensificar
o nosso
senso de
urgência”

QUANDO SE TORNOU CEO da Hewlett-


Packard (HP), em 2011, Meg tomava as
rédeas de uma empresa com muitos
prejuízos. Whitman era a terceira
executiva no topo em apenas três
anos. A gestão de seus antecessores
imediatos, Mark Hurd e Léo Apotheker,
havia sido um fracasso. Modelo de
inovação e sucesso no passado, a
HP havia perdido o seu caminho.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 31 


“PRECISAMOS INTENSIFICAR O NOSSO SENSO DE URGÊNCIA”

Whitman não era uma candidata óbvia para o Whitman conversou com o editor-chefe da HBR,
cargo. Ela havia sido CEO da eBay entre 1998 e 2007, Adi Ignatius, sobre liderança, gênero e os desafios de
época em que ganhou muitos elogios pela condu- reviver um ícone instável. Confira trechos da conversa.
ção bem-sucedida da empresa, que passou de uma
startup de 30 pessoas para uma potência de capital HBR: A divisão da HP envolveu grandes custos e mui-
aberto. Mas, então, ela migrou para a política, gas- tas demissões. Como saber que valeu a pena?
tando grande parte de sua fortuna numa infrutífera Whitman: A separação será considerada um sucesso
corrida para governadora da Califórnia. Ela também se as duas empresas prosperarem e se tornarem líde-
participou de alguns conselhos, incluindo o da HP. res no setor. Já posso ver diferença na forma de exe-
Quando Apotheker foi demitido após apenas 11 meses cução. Dion Weisler, CEO da HP Inc., está focado em
no cargo, em parte devido à sua desastrosa decisão de seu negócio; e eu no meu. Eu costumava subestimar
comprar a empresa britânica de software Autonomy os benefícios de manter o foco, porque não se pode
(o que resultou em uma perda de US$ 8,8 bilhões), colocá-lo em um modelo de fluxo de caixa. Mas che-
o conselho da HP pediu a intervenção de Whitman. guei à conclusão de que é um notável acelerador.
Em seus quatro anos e meio no cargo, Whitman
conseguiu recuperar a estabilidade. Mas a um alto Alguns investidores parecem céticos. O que não con-
preço. Ela presidiu as demissões de mais de 80 mil fun- seguem ver? Quando anunciamos a divisão, o preço
cionários. No fim de 2015, liderou a divisão da HP em das ações, na verdade, subiram, porque os investido-
duas novas sociedades de US$ 50 bilhões. Agora, ela é res entenderam que havia sido negociado com um
CEO da Hewlett Packard Enterprise, que se concentra desconto conglomerado. Mais recentemente, os valo-
em prestação de serviços e softwares, e presidente da res das ações ficaram sob pressão, como todos os ou-
HP Inc., que cuida dos computadores pessoais e dos tros. Mas não avalio o sucesso da separação de acordo
negócios de PC. com o preço atual das ações ou o valor da próxima

A era Whitman na HP
A Hewlett-Packard tem passado por grandes mudanças desde
que Meg Whitman assumiu o comando, há menos de cinco anos.

SET DE 2011: OUT DE 2011: ABR DE 2012: MAI DE 2012: FEV DE 2013: ABR DE 2013:
Whitman é Conclui a Introduz Divulga seu Lança a nova série Introduz o
nomeada compra da reciclagem primeiro centro HP Officejet Pro X, Moonshot,
CEO Autonomy por gratuita de de dados reconhecida pelo primeiro
US$11,1 bilhões eletrônicos na net-zero-energy Guinness World servidor
Staples para Records pelo definido por
todas as Anuncia os tempo mais rápido software
marcas planos de demitir de impressão do mundo
aproximadamente entre impressoras
27 mil desktop coloridas
funcionários de escritório

2011 2012 2013

32 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


semana. O que importa é saber se as duas organiza- empresa foi ter muitos CEOs em um período muito
ções serão bem-sucedidas no longo prazo, indepen- curto. Eu era a terceira em poucos anos. Isso é real-
dentemente se vão ficar juntas. mente complicado para uma organização. E os três
CEOs tinham estratégias bem diferentes.
Você é CEO da Hewlett Packard Enterprise e tam- Quando fazemos alterações no centro, elas che-
bém presidente da HP Inc. Por que não fazer uma gam à base, em Cingapura, em Berlim, no Rio. A em-
divisão do zero, com equipes completamente dife- presa não tinha certeza sobre sua estratégia, portanto,
rentes no topo? Daria muito trabalho. Primeiro, na era difícil que todos a executassem.
hora de fazer uma separação como esta é preciso ter
alguém que seja capaz de tomar decisões justas que É um início do zero para as duas empresas em ter-
beneficiem ambas as partes. Nem sequer dissemos mos de cultura? Nada jamais é um começo do zero.
aos membros do conselho a empresa para a qual Quando assumi, tínhamos mais de 300 mil pessoas
iriam um mês e meio antes da data para que assim e um legado de 72 anos. Mas acredito que fizemos
pudessem me ajudar a fazer escolhas no melhor in- um grande progresso na evolução da cultura antes
teresse de todos os acionistas pré-divisão. Segundo, da divisão, o que causou aceleração. Agora temos
estas duas empresas precisam estar bem próximas duas empresas, cada uma do tamanho da antiga, com
— trabalhar juntas nos negócios, tanto quanto par- liderança e real prestação de contas para negócios
ceiras quanto no foco no cliente. E oferecer apoio menores.
mútuo. Parte do meu papel como presidente da
HP Inc. é ter certeza de que estão trabalhando juntas. Que tipo de impacto tentou causar na HP? Quando o
conselho me pediu para assumir, aceitei porque aos
A HP enfrentou alguns desafios ao longo dos anos. meus olhos a HP era um ícone mundial e não havia
Por que isso aconteceu? A maior dificuldade para a nada de fundamentalmente errado com a estrutura

MAI DE 2014: JUN DE OUT DE 2014: ABR DE 2015: MAI DE 2015: SET DE OUT DE 2015: NOV DE 2015:
Lança o Helion, 2014: Revela a fusão entre Anuncia a Adquire a Aruba 2015: Faz a Faz a divisão
um portfólio Sprout e Multi Jet alienação Networks para a Anuncia desapropriação entre Hewlett PREÇO
Aumenta DAS AÇÕES
de produtos de a meta de como parte de seu da Snapfish rede de campus e a 30 mil da Tipping Packard DA HP INC.
computação em demissão novo “ecossistema (adquirida ConteXtream para novas Point Enterprise e A PARTIR DE
18 DE
nuvem de código para 50 mil de realidade em 2005) virtualização de demissões HP Inc. MARÇO:
aberto e serviços misturada” função de US$ 12,20
para empresas rede

HEWLETT
PACKARD
ENTERPRISE:
US$ 17,35

2014 2015 2016

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 33 


“PRECISAMOS INTENSIFICAR O NOSSO SENSO DE URGÊNCIA”

da empresa. Tínhamos algumas chances de fazer de 5%. Quando há declínio das receitas, precisamos
uma transformação. Então, partimos nessa jornada, gerenciar a estrutura de custos de maneira bem agres-
que, segundo minhas previsões, levaria cinco anos. siva para expandir as margens e economizar o neces-
Eu disse: “Quais os valores centrais da empresa? sário para investir e corrigir as falhas da empresa. Em
Devemos identificar o que fazemos de melhor e con- seguida, tivemos de reacender o motor da inovação.
tinuar fazendo — essa será a nossa âncora de trans- Estávamos para trás em algumas das tecnologias mais
formação. Daí em diante, vamos elaborar uma lista do recentes, porque pesquisa e desenvolvimento (P&D)
que precisa ser corrigido”. Então, nós nos voltamos vinha sendo cortado ano após ano. Nos últimos qua-
para nossos princípios fundamentais e fundadores e tro anos, embora tenhamos reduzido o número de
a empresa respondeu. pessoas e feito difíceis escolhas estratégicas, aumen-
tamos os gastos com P&D.
Você mencionou o papel do conselho. Mas um dos
maiores problemas foi a compra malfadada da Que inovações específicas a HP desenvolveu nos úl-
Autonomy, que os conselheiros tinham aprovado. timos anos? Nosso Gen9 é o servidor mais vendido
Até que ponto eles foram responsáveis pela mesma do mundo e tem significativamente mais funções e
situação que tentavam consertar? O conselho mu- funcionalidades do que o Gen8. Nosso armazena-
dou muito após a saída de Mark Hurd, em 2010. mento all-flash, o 3PAR, cresce a três dígitos. Além
Aproximadamente metade dos conselheiros atuais é disso, somos um reconhecido líder de inovação
nova. É verdade que estão a serviço da empresa, fa- em redes. A máquina é o maior projeto de pesquisa
zendo sua supervisão. Mas, se você não tiver o CEO do Laboratório da Hewlett Packard, que pretende
certo, não há nenhuma chance. Assim, o conselho reinventar a computação em termos de desempe-
sentiu que precisava substituir Léo depois de apenas nho, eficiência energética e segurança. E no lado da
11 meses. Foi muito difícil: metade dos diretores não HP Inc., recentemente a equipe introduziu a nossa
o havia escolhido, metade sim. visão para o futuro da computação e impressão 3-D
com o ecossistema de realidade misturada.
Como se explica o desastre com a Autonomy? Não
havia nenhum sinal de perigo? Foi uma deturpação fi- A HP recebeu crédito suficiente por ser inovadora?
nanceira. Trata-se de uma organização que havia sido Talvez não na imprensa generalista, mas olhe para
auditada por uma empresa muito respeitável. Um dos a Gartner e IDC. A Gartner produz o relatório Magic
benefícios de comprar uma empresa pública é saber
que as finanças foram auditadas. Mas, se os registros
são mal representados, fica muito difícil descobrir
isso, talvez até mesmo para um escritório de auditoria.

Restaurando o espírito empreendedor


Quando você assumiu, Rosabeth Moss Kanter escre-
veu um artigo para a HBR dizendo que a cultura da
HP, que havia sido admirada por tanto tempo, estava
“Nos últimos quatro
morta. Que a empresa não era mais “agressiva” ou
“empreendedora”. E estava uma década atrás da IBM
anos, mesmo quando
em relação à mudança do modelo de negócio. Ela es- reduzimos o número
tava certa? Você foi capaz de mudar isso? Ela tinha ra-
zão em dizer que a HP havia passado por muita coisa.
de funcionários e
Há uma razão para uma organização mudar o CEO tão fizemos escolhas
frequentemente e apresentar resultados fracos. Mas
minha ideia não era gastar muito tempo pensando
estratégicas difíceis,
sobre como chegamos até aqui. Eu estava determi- aumentamos os
nada a mudar a direção do barco. O primeiro passo foi
decidir se dividiríamos o negócio de PC. O segundo gastos com P&D.”
era deixar nossa estrutura de custos em linha com a
trajetória de receita, porque em 2012 havia caído mais

34 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


Quadrant todo ano sobre o que pensa da estratégia e reorientar a empresa e voltar para o caminho do su-
das ofertas de várias empresas. Durante anos, perma- cesso. Fomos bem diretos com todos. Quando con-
necemos no quadrante inferior esquerdo. Passamos corri para governadora da Califórnia, em 2010, aprendi
de basicamente não ter produtos no canto superior di- que a repetição é nossa amiga. Então, soltamos o
reito (o que a Gartner chama de Magic Quadrant) para mesmo comunicado diversas vezes. Estabelecemos
tê-los em 26 categorias, em cada unidade de negócio e também os marcos da viagem de retorno para que to-
no segmento de produto principal, onde competimos. dos soubessem que não teriam de esperar cinco anos
para que algo acontecesse. E tentamos ser autênticos
Por que a imprensa generalista não vê isso? Acre- como líderes, dizendo às pessoas: “Este é o desafio,
dito que é porque as pessoas se perguntam: o que a isso é o que estamos fazendo e esta é a maneira de
HP fez de tão surpreendente? avaliar como temos nos saído”.

Quer dizer, qual é o seu “iPhone”? Sim, qual é o “A autêntica liderança” é uma expressão bastante
nosso iPhone? Qual é o nosso Amazon Web Services? utilizada. O que ela significa para você? Você deve
Inovações como essa são poucas e distantes entre si. ser exatamente quem você é, porque no fim das
Minha opinião é que temos de construir nossa repu- contas as pessoas vão perceber se sua liderança é ge-
tação a cada produto e serviço — temos de bloquear, nuína. Para mim, trata-se de comunicação muito sim-
combater e entrar no quadrante líder. Não há nenhum ples e direta. Nosso setor tende a usar muito jargão
big bang nem produto que vai gerar US$ 30 bilhões tecnológico, o que torna as coisas mais complicadas
em receitas em curto prazo, mas fizemos um enorme do que o necessário. Numa empresa deste tamanho,
progresso em cada um dos nossos negócios. é preciso falar claramente e explicar os objetivos de
modo que as equipes possam dizer o que acontece
Como você definiria os princípios fundamentais da HP, aos clientes e parceiros e uns aos outros.
pelo menos antes da divisão? É muito difícil destruir o
DNA fundador. E isso é uma coisa boa para a HP. Dave Você precisa ser você mesmo, claro, mas precisa
Packard e Bill Hewlett permaneceram na empresa por também desempenhar o papel de líder, não? Você
muitos anos. Houve muitas aquisições, mudanças. deve deixar claro que acredita que vai alcançar seu
Mas os valores fundamentais ainda se revelam pela objetivo. E eu realmente acreditava nisso. Às vezes
capacidade de fazer incrível inovação; paixão pelo era difícil. Mas você precisa transpirar confiança.
suporte e serviço ao cliente; pelo retorno para a comu- Você deve celebrar as vitórias ao longo do caminho.
nidade. Dave e Bill eram líderes de responsabilidade Aprendi isso na eBay, que criou valor em torno da
social e ambientalistas quando esses termos sequer transparência. Pierre Omidyar, seu fundador, disse
existiam. Podemos ter passado por alguns momentos que devemos operar no mercado de forma clara e que
difíceis, mas vamos reforçar esses valores. a cultura organizacional precisa ser a mesma, porque
os compradores e os vendedores percebem quando
O que ainda precisa ser mudado? Há coisas que que- operamos internamente de forma diferente.
remos melhorar. Precisamos intensificar o nosso
senso de urgência. A empresa perdeu parte de sua ou- A reviravolta na HP terminou? Parcialmente. A divi-
sadia, como se envolver com as dificuldades, atender são só foi possível por causa do sucesso da reviravolta
em 24 horas, resolver em 48. Então decidimos traba- na nossa jornada. E a decisão de separar tem o obje-
lhar muito duro para resgatar o senso de urgência e tivo de causar aceleração. Ficamos assim por quatro
agir com audácia. Nosso negócio não é nada fácil. Em anos e agora temos duas empresas. Há mais trabalho
geral, os problemas dos clientes não melhoram com a a fazer em ambas. A Hewlett Packard Enterprise vai
idade, mas sim quando decidimos corrigi-los. crescer em vários mercados este ano. A HP Inc. tem
alguns desafios porque os mercados de PC e impres-
LIDERANDO UMA REVIRAVOLTA sora são difíceis. Mas está ganhando participação. E
Você teve dificuldade para liderar e inspirar quando tudo que podemos pedir de uma empresa em um
presidia uma virada que incluiu a demissão de deze- mercado em declínio é ganhar quota.
nas de milhares de pessoas? A primeira coisa a fazer
era afirmar que isso era uma reviravolta. Eu disse UMA FILOSOFIA DE LIDERANÇA
qual era o problema e expliquei o que faríamos para Vamos falar mais sobre a sua experiência na eBay.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 35 


“PRECISAMOS INTENSIFICAR O NOSSO SENSO DE URGÊNCIA”

Você conduzia uma empresa relativamente peque- conduzem uma organização de US$ 110 bilhões. Tudo
na, ainda no começo, em crescimento. O que levar leva mais zeros, é mais complexo, há mais países en-
dessa experiência? Acredito muito na liderança de volvidos, mais jurisdições fiscais. Aprendi a enfrentar
acordo com a situação. No caso da HP, foi uma re- esta complexidade. Segundo: comunicação. Não sei
viravolta. E na eBay, uma história de crescimento. se teria sido bem-sucedida na Hewlett-Packard se ti-
O desafio na eBay foi descobrir uma forma de nos vesse vindo direto da eBay. Esses dois anos e meio em
manter com uma taxa de crescimento mensal com- que me envolvi com a candidatura para governadora
posta de 70%. Mas os princípios de liderança eram os fizeram uma grande diferença. Minhas habilidades
mesmos: estratégia clara, bem comunicada e calcu- de comunicação melhoraram muito. Quando você
lada. Celebrar as vitórias e manter as pessoas respon- tenta fazer uma reviravolta e liderar pessoas, não se
sáveis pelos resultados. Quando você é CEO de uma trata apenas de fatos e números. Tendemos a encarar
empresa com 30 pessoas que cresce para 15 mil, como o cenário com racionalidade: este é o mercado total
a eBay, precisa continuar a se reinventar durante a disponível, aqui está a nossa quota de mercado, este é
expansão. o retorno sobre o capital investido. Mas quando você
faz uma reviravolta numa empresa desta dimensão,
Soa como se você tivesse uma filosofia de liderança. trata-se das histórias que você conta. Aprendi isso na
De onde vem isso? A Harvard Business School pro- campanha eleitoral — talvez tarde demais, alguém
vocou um grande impacto em mim. Mas devo isso poderia dizer. Há sempre a possibilidade de ser can-
principalmente à experiência. Hoje, ainda continuo didata a governadora. Acho que não.
a fazer o que aprendi na Procter & Gamble há 30
anos. Trabalhei na Bain, Disney, Hasbro, FTD, Stride O que mais precisou aprender? Fiquei muito mais
Rite, eBay e Hewlett-Packard. Sou o produto de uma resistente, o que me ajudou bastante porque recebi
grande variedade de experiências, em diversos seto- muitas críticas quando fui nomeada CEO da HP. Você
res e em situações de negócio bem diferentes. passa por testes. Em comparação com a época em
que concorria a um cargo público, lidar com críticas
Cite algumas regras básicas que aprendeu ao longo na HP era fácil.
do caminho. Primeiro, é preciso entregar resultados.
Você deve cumprir promessas para ganhar credibili- Você costuma ler notícias a seu respeito? Tenho uma
dade dentro da organização, com clientes e parceiros. equipe que me diz se há algo que preciso saber. Se há
Segundo, você precisa das pessoas certas, nos lugares um tema recorrente, é preciso prestar atenção. Mas,
certos, na hora certa e com a atitude certa. Isso parece de fato, não tenho o hábito de ler isso. Quando con-
fácil, mas não é. Na eBay, alguém que era excelente corri para governadora, costumava acompanhar a im-
quando a empresa valia US$ 40 milhões não era tão prensa. Um erro, provavelmente.
bom quando ela cresceu para US$ 4 bilhões. E a ati-
tude faz uma diferença enorme: você quer ver aquele Do que um CEO realmente precisa para se concen-
entusiasmo que faz enxergar o copo meio cheio. trar? Primeiro, a estratégia certa. Uma execução não
Foram muitos anos para construir a dinâmica que eu tão perfeita, mas com a estratégia certa, provavel-
queria na equipe da Hewlett-Packard. mente vai funcionar. Uma excelente execução com
uma estratégia errada, não. O próximo passo é colo-
O que não compreendeu bem inicialmente? Já disse car as pessoas certas. E em grande escala, você não
isso muitas vezes, mas você sempre pode se mover tem escolha a não ser instrumentar o negócio. Era
mais rápido do que pensa para deixar a equipe no lu- diferente na eBay. Eu estava com 30 funcionários e
gar. Aprendi esta lição muitas vezes na minha carreira. por fim tive uma intuição — eu quase podia sentir o
Alguns CEOs podem querer uma dinâmica diferente que estava errado no negócio. Eu podia ter algumas
da minha, mas o ponto é acertar rápido. Costumamos conversas, analisar alguns números de alto nível
ficar hesitantes para nos mover com a agilidade ne- e, então, eu saberia. Mas na HP você precisa ter um
cessária. Eu gostaria de ter me movido com maior plano e mensurar. Você não consegue o que espera,
rapidez. mas o que verifica. Em expansão, você não pode sim-
plesmente sentir, necessita de métricas. Monitoramos
Que novas habilidades de liderança aprendeu na HP? tudo. Assim, quando algo sai do trilho, temos condi-
Primeiro, a empresa é enorme. Pouquíssimas pessoas ção de identificar com rapidez.

36 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


Como aumentar as chances de permanecer no ca- influenciar o modo como você conduz, mas nem
minho estratégico certo? Aprendi como delinear a sempre. Somos produtos de nossa educação e de nos-
estratégia durante os nove anos em que fiquei na sas experiências. Estou focada no fato de que devo
Bain, o que me deixou numa boa posição, pois não entregar resultados e ser autêntica. E alguns elemen-
há uma fórmula para isso. Tem a ver com quem são tos da minha personalidade — pontos fortes e fracos
seus clientes, seus concorrentes, a estrutura de custos — brilham por meio da minha liderança. Há muitos
necessária e aquilo que não será feito. Essa é a deci- anos desisti de pensar no fato de ser uma mulher no
são mais difícil para as empresas, porque todos temos local de trabalho, porque não posso mudar esse fato.
olhos maiores do que a boca. Deus me deu sabedoria para saber o que posso ou não
alterar. E posso mudar a forma de abordar as finanças
Qual é o seu objetivo estratégico para a nova Hewlett ou a comunicação.
Packard Enterprise? Queremos fornecer soluções de
ponta que ajudem os clientes a aperfeiçoar sua tra- A barra fica mais alta para as mulheres no topo?
dicional TI, enquanto constroem um futuro seguro, Você deve ser muito bom no que faz, seja homem,
como por exemplo estarem prontos e habilitados para seja mulher. Talvez, antigamente, elas fossem
nuvem, que se adapte às suas necessidades. forçadas a ser um pouco melhores. Em 1979, por
exemplo, havia apenas quatro mulheres em meu
O que gostaria que o mundo dissesse sobre a HP grupo na Procter & Gamble. Mas nunca me senti
quando tiver terminado? Adoraria que nossos clien- muito desfavorecida. Eu deveria entregar resulta-
tes dissessem que a Hewlett Packard Enterprise dos, ser divertida, flexível e entusiasta. Praticava es-
ajudou suas empresas a transformar uma infraes- porte na infância, por isso sabia como fazer parte de
trutura de TI rígida e antiga em um ambiente que um time.
os levou a vencer no mercado. Eu adoraria que a
HP Inc. continuasse sendo reconhecida como líder Muitos líderes, homens e mulheres, citam a experi-
mundial em impressoras e PCs e, talvez, por ter cap- ência de participar de uma equipe de esporte como
turado algumas novas áreas adjacentes, como a im- uma habilidade importante. Pode falar um pouco
pressão 3-D. mais sobre isso? O mais importante nos esportes de
equipe é que não ganhamos a menos que todos assu-
CEO DO SEXO FEMININO mam sua posição. Você já viu um grupo de crianças
Algumas CEOs se sentem à vontade para falar sobre de cinco anos jogando futebol? Todas correm em di-
questões de gênero, outras não. Você se vê como reção à bola, algo nada eficaz. A capacidade de jogar
“CEO do sexo feminino” ou simplesmente CEO? E na defesa e no ataque, saber a posição, as respon-
há questões de gênero em uma posição como a sabilidades — isso se aprende na prática. O que não
sua? Eu sou CEO do sexo feminino. O gênero pode significa que não existem executivos bem-sucedidos
que nunca praticaram esportes de equipe, mas, para
mim, a abordagem “um por todos e todos por um”,
liderada por um coach, foi parte do meu aprendizado
como líder.

Você teve uma carreira de sucesso, ganhou dinheiro.


“É necessário ter as O que a mantém no jogo? Aceitei o trabalho por-
que acredito que organizações como a HP são a es-
pessoas certas, nos sência do que faz este país grande, além de causar
um impacto muito positivo no mundo. Eu me im-
lugares certos, na hora porto com o que acontece com a empresa. Tam-
certa e com a atitude bém gosto de desafios. E este é um dos grandes. Tem
sido muito divertido. Há dias em que quero arran-
certa. Isso parece fácil, car os cabelos, mas a empresa tem algo a desempe-
mas não é.” nhar no setor. E acredito que estamos redefinindo
esse papel.
HBR Reprint R1704B–P Para pedidos, página 10

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 37 


Lições da
neurociência
COMO CONSTRUIR UMA CULTURA
ORGANIZACIONAL DE RESILIÊNCIA
GEORGE S. EVERLY JR., PH.D.

FOTOGRAFIA DE MIKE GRANDMAISON/GETTY IMAGES


38 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 39 
LIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA

Muitas pessoas entenderam o impacto resiliência é a capacidade de se recuperar do estresse


e da adversidade.
revolucionário que a tecnologia exerceu no Contudo, levando em conta 30 anos de pesqui-
mundo nos últimos 25 anos. No entanto, sas conduzidas com meus colegas Kenneth Smith e
Michael Kaminsky, nós propusemos e consequente-
duas outras revoluções estão em curso e mente descobrimos que a resiliência não era um fenô-
se desenvolvem em relativo anonimato. meno monolítico reativo, mas, na verdade, consistia
em dois fatores interligados: 1) resistência preventiva
Ainda assim, seu impacto vai ofuscar o da revolu- (imunidade) e 2) resiliência reativa (capacidade de se
ção tecnológica. Tais revoluções têm a ver com a ge- recuperar da adversidade). A resiliência de dois fatores
nética e a neurociência. Neste artigo descreverei como pode ser aplicada às pessoas, às agremiações esporti-
descobertas recentes da neurociência podem, e devem, vas e às organizações. Certamente todos nós conhece-
nos instruir a planejar e gerir organizações para que, ao mos pessoas, equipes esportivas e empresas de grande
enfrentarem situações de adversidade, sejam resilien- potencial que, no entanto, nunca atingiram os pata-
tes. Mostrarei como os líderes empresariais podem mares previstos por suas aptidões. Acreditamos que o
usar os segredos da neurociência para criar uma cul- motivo mais comum de um enorme potencial não se
tura organizacional resiliente, capaz de se tornar um transformar em uma grande realização é a falta de re-
mecanismo autossustentável que fomente a satisfação siliência em uma situação de adversidade.
no trabalho, a retenção de talentos e a honestidade. E Por outro lado, histórias notáveis de sucesso
ao mesmo tempo previna a fadiga profissional de tal ocorridas após momentos de grandes desafios e fra-
forma que possa ser usada como uma vantagem em re- cassos são incontáveis. A vida de pessoas lendárias
lação aos competidores dentro de praticamente qual- como George Washington (que teve desempenho
quer organização. catastrófico na Guerra Franco-Indígena — uma das
frentes de batalhas que deu origem à Guerra dos Sete
CULTURA ORGANIZACIONAL DE RESILIÊNCIA Anos —para depois se tornar comandante-chefe do
A cultura organizacional de resiliência é um ambiente exército americano e presidente dos Estados Unidos),
no qual adaptabilidade e resiliência não são apenas Abraham Lincoln (enfrentou depressão crônica, fra-
incentivadas, mas estão no cerne da estrutura da pró- casso político e a perda de um filho, e ainda assim é
EM RESUMO
pria cultura. É aquela em que há uma atmosfera que constantemente visto como um dos maiores presiden-
O IOM afirma que a criação promove o crescimento, no qual o apoio é incessante tes americanos de todos os tempos), Thomas Edison
de resiliência em empresas
e as crises são vistas como oportunidades. Essa descri- (que fracassou milhares de vezes na tentativa de criar
é fundamental. Pesquisas
demonstram que a ção pode ser aplicada às Forças Especiais do Exército uma lâmpada que acendesse de maneira consistente
resiliência protege da fadiga dos Estados Unidos, às agências de segurança, às agre- até por fim conseguir produzir a primeira lâmpada in-
profissional, depressão,
insatisfação profissional, miações esportivas de ponta, e até às universidades candescente do mundo), Harland Sanders (inventor do
vontade de largar o emprego de maior prestígio; porém, o mais importante é que Kentucky Fried Chicken, KFC, já com mais de 60 anos,
e talvez até de possível tal cultura pode ser criada em qualquer empresa, em vindo de uma fracassada carreira como advogado), Al
desonestidade. Graças ao
estudo do cérebro — seu qualquer segmento. Neuharth (com inúmeras tentativas frustradas na área
modo de funcionamento Antes de mais nada, quero rever, de maneira fun- editorial antes de fundar o USA Today), Bill Clinton
e suas necessidades
cional, o conceito de resiliência humana. A resiliên- (que cresceu em um ambiente tomado pela violência
cognitivas — podemos criar
organizações que sejam cia humana é, merecidamente, um dos tópicos mais doméstica, foi vencido em uma eleição para governa-
verdadeiramente resilientes. comentados nas ciências comportamentais e pode dor, perdeu apoio do Congresso durante seu segundo
E além disso treinar gestores
para se tornar líderes ser considerada o maior determinante de felicidade mandato como presidente dos Estados Unidos e so-
resilientes capazes de criar e sucesso do ser humano. É ela que permite tanto freu processo de impeachment), e Steve Jobs (que teve
um “momento decisivo” que aos indivíduos quanto às empresas conquistar a vi- a Apple tirada de si por uma diretoria hostil para, de-
transforme uma organização
em dificuldade em uma tória em uma situação que parecia completamente pois, retomar o controle da empresa e alcançar sucesso
resiliente. perdida. Fiando-nos na denotação original do termo, ainda maior) — e de milhões de outras pessoas menos

40 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


conhecidas — é marcada por momentos fundamentais
de grande resiliência.
Por que criar culturas organizacionais de resili-
É A RESILIÊNCIA QUE PERMITE
ência? Há várias razões. A geopolítica parece incerta,
na melhor das hipóteses. As dinâmicas nos Estados
Unidos, Rússia, Coreia do Sul, Coreia do Norte,
TANTO AOS INDIVÍDUOS QUANTO
Filipinas e no Oriente Médio adicionam tensão ao
mercado internacional e em particular aos acordos de
ÀS EMPRESAS CONQUISTAR
comércio internacional. À medida que os mercados
mundiais enfrentam incertezas e reações hostis pres-
sionam a globalização, as empresas precisam mudar
A VITÓRIA EM UMA SITUAÇÃO
para conseguir se adaptar e, com sorte, prosperar.
O espectro do terrorismo paira sobre boa parte do
globo, e muitos países estão reavaliando o papel dos
QUE PARECIA COMPLETAMENTE
sindicatos sobre os trabalhadores. Alguns defendem
a ideia de que existe uma rebeldia cultural dentro da
PERDIDA.
geração Y no que diz respeito às atitudes em relação
ao trabalho. Em uma escala menor, aproximadamente
30% de todas as empresas familiares sobrevivem até a
segunda geração e apenas 12% resistem até a terceira.
Somente 3% das empresas familiares estão ativas na
quarta geração ou nas seguintes.
Talvez dito de forma um tanto provocativa, no
mundo corporativo e industrial a noção de que o cres-
cimento, como a maré alta, levanta todos os barcos é
ouvida com desdém por aqueles que desenvolveram
resiliência porque sabem que a maré alta levantou
tanto as empresas que mereciam como aquelas que
não fizeram por merecer. As organizações cuja cultura
organizacional é de resiliência aceitam as flutuações
de mercado e até as adversidades, pois entendem que
os infortúnios podem ser usados para aumentar sua
participação no mercado, eliminar competidores e po-
tencializar fusões e compras.
Por fim, o relatório publicado em 2013 pelo emi-
nente Institute of Medicine (IOM) indica que desen-
volver uma organização resiliente deve ser prioridade.

A CRIAÇÃO DA CULTURA
ORGANIZACIONAL DE RESILIÊNCIA
Dada a importância geralmente reconhecida de criar
culturas organizacionais de resiliência, a pergunta que
surge é como isso pode ser feito.
O IOM considerou a questão e afirmou que, entre
outras táticas, culturas organizacionais de resiliência
podem ser criadas por meio de práticas de liderança

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 41 


LIÇÕES DA NEUROCIÊNCIA

(que fomentem a resiliência nos demais). O relatório maior, polegares opositores e esse impulso biológico
afirma que: por coesão social, isto é, o impulso por pertencer a um
1. “Líderes resilientes podem criar o ‘momento de- grupo (ser parte de algo maior que o indivíduo). A his-
cisivo’ que muda toda uma cultura”. tória nos ensina que há segurança, força e criatividade
2. “Desenvolver líderes resilientes aumentará a re- superior derivadas de grupos sinergéticos.
siliência da mão de obra que eles administram”. Nos seres humanos, o impulso por afiliação/co-
3. “Práticas de liderança resiliente servem como cata- nexão pode se manifestar em diferentes maneiras de
lisadores que inspiram os demais a demonstrar resistên- colaboração e confiança interpessoais, treinamentos,
cia e resiliência e a superar suas próprias expectativas”. realizações coletivas, e até mesmo brincadeiras. Esse
impulso é descrito por Henry e Stephens como o “ci-
FATORES QUE CRIAM UMA CULTURA mento da sociedade”. Eu o vejo como o cimento bioló-
ORGANIZACIONAL DE RESILIÊNCIA gico da organização.
O estudo da neurociência oferece insights acerca de Ao que parece, a resiliência dentro de uma empresa
como líderes/gestores podem promover a resiliência é primordialmente estimulada pela coesão organiza-
naqueles que fazem parte de sua organização. A neuro- cional. Coesão organizacional é o grau que demonstra
ciência nos dá insights que nos auxiliam não só a supe- quanto cada membro da organização está “ligado” a
rar as barreiras para atingir a resiliência, mas a fortale- ela como um todo. Afiguram-se sete elementos-chave
cer os laços de dedicação, confiança e lealdade, fatores de conexão que servem como uma “cola” para a coe-
que tipificam culturas organizacionais de resiliência. são organizacional.
1. A dificuldade de conseguir permissão pro-
move uma ideia de exclusividade. A dificuldade de
ÀMEDIDAQUEOSMERCADOS se tornar membro de uma organização faz com que as
pessoas se sintam especiais.

MUNDIAISENFRENTAMINCERTEZAS 2. Identidade. A demonstração de quanto a identi-


dade de uma pessoa está ligada à organização.
3. Objetivos compartilhados. O quanto os mem-
EREAÇÕESHOSTIS PRESSIONAM bros da empresa compartilham objetivos e valores.
4. Interdependência colaborativa. A avaliação

AGLOBALIZAÇÃO,ASEMPRESAS de que o sucesso do indivíduo está entrelaçado ao


sucesso geral da organização, e o sucesso só pode ser
atingido por meio de colaboração.
PRECISAMMUDARPARACONSEGUIRSE 5. Confiança. A colaboração permanente é base-
ada na confiança. De acordo com Paul Zak, as pessoas

ADAPTAR E,COM SORTE, PROSPERAR. que trabalham em organização “bastante confiável”


têm 74% menos problemas com estresse, 106% mais
energia, são 50% mais produtivas, faltam por motivos
Para começar, líderes resilientes têm a capacidade de de doença 13% menos, e contam com 76% mais cone-
melhor promover culturas organizacionais de resiliên- xões interpessoais e 29% mais satisfação pessoal em
cia por meio do entendimento de como tal cultura é comparação com os que trabalham em empresa onde
criada em nível biológico. os níveis de confiança são baixos.
Henry e Stephens, em seu genial tratado sobre 6. Orgulho. O quanto os funcionários se sentem or-
sociobiologia, afirmam que um dos impulsos socio- gulhosos da organização, o que isso representa, e quais
biológicos centrais do cérebro humano é o impulso suas contribuições para a empresa.
para integração social e conexão (a necessidade de 7. Tamanho. Quanto maior o grupo, mais difícil é
pertencimento). Os fatores que permitiram à espécie promover a coesão. Assim, a criação de subgrupos fun-
humana dominar todas as demais foram inteligência cionalmente interligados pode compensar isso.

42 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


SETE BARREIRAS BIOLÓGICAS incansavelmente obcecado por problemas. Valendo-se
E COMO SUPERÁ-LAS de modelagem de equações estruturais, nossa pesqui-
Após identificarem os fatores que permitem a cria- sa mostrou que a tendência de se preocupar constan-
ção de uma cultura organizacional de resiliência, os temente é incrivelmente tóxica para a saúde humana,
líderes resilientes devem estar atentos aos obstáculos para a satisfação e para a estabilidade profissional. A
à formação de tal cultura. solução a ser adotada pelo líder é, frequentemente, a
1. O cérebro é naturalmente negativo. O cérebro comunicação precisa.
é dotado de grande sensibilidade para notícias desagra- 5. Quando em dúvida, o cérebro hesita. O proces-
dáveis. A predisposição é tão automática que pode ser so cognitivo ao qual nos referimos como dúvida é, mais
detectada nos estágios mais precoces do processamento comumente, resultado da falta de informação adequada
de informações do cérebro (já no primeiro ano de vida). para tomar uma decisão; ou resultado de informações
O cérebro codifica experiências negativas em memórias conflitantes sobre como agir. Procedimentos, métodos
de longa duração em um segundo no máximo. A codi- e algoritmos operacionais amplamente divulgados e fre-
ficação de experiências positivas leva 10 a 12 segundos. quentemente avaliados podem reduzir as dúvidas.
Existem mais palavras para emoções negativas (62%) 6. O cérebro procura por associações. Como
do que positivas (32%) no dicionário de língua inglesa. É descrevi anteriormente, Henry e Stephens afirmam
preciso cinco a dez resultados positivos para igualar um que um dos impulsos centrais do cérebro humano é
negativo. Para manter um casamento “feliz”, é necessá- o impulso para a integração social. Os líderes podem
rio que a cada interação negativa correspondam cinco fomentar a resiliência facilitando conexões e o sen-
positivas. Desse modo, os líderes precisam moldar um timento de pertencimento. Agremiações esportivas
otimismo ativo e promovê-lo nos demais, concentran- fazem isso como uma maneira de manter uma base
do-se em “avaliações construtivas” destinadas a melho- de seguidores. Marcas comerciais se valem disso para REFERÊNCIAS
rar o desempenho e na noção de que se aprende com os assegurar um grupo de compradores fiéis (fidelização Everly, GS, Jr., et al.
erros, em vez de simplesmente criticar e pressupor que da marca). Universidades, para garantir doadores. Par- (2015). Stronger. Develop
um aprendizado corretivo vai ocorrer. tidos políticos utilizam tal estratégia na busca por uma the resilience you need to
succeed. NY: AMACOM.
2. O cérebro é preguiçoso por natureza. Daniel base sólida de eleitores. Países, para incentivar a fideli-
Kahneman, vencedor do Nobel de Economia, sinteti- dade e o patriotismo. Everly, GS, Jr., et al. (2011).
Resilient leadership. New
za décadas de pesquisas que demostram, entre outras 7. O cérebro precisa de previsibilidade. O mer- York: DiaMedica.
coisas, que quando se trata de resolver um problema, cado de ações gosta de situações previsíveis; o cérebro
o cérebro é preguiçoso, preferindo se fiar na “tendên- também. Uma das condições cognitivas mais tóxicas Henry, J. P. e Stephens, P.,
(1977). Stress, health, and
cia cognitiva” e regressando a um raciocínio intuitivo ocorre quando a realidade experimentada é incom- the social environment.
frequentemente incorreto. Portanto, os líderes devem patível com a esperada. Quando tal incompatibilidade
desencorajar as tomadas de decisão de maneira intuiti- acontece, aparece a dúvida, a ansiedade e a incapaci- New York: Springer – Verlag.
va e incentivar a procrastinação deliberada como tática dade de tomar decisões (paralisia cognitiva). Por isso Institute of Medicine (IOM).
antes de decisões irrevogáveis ser tomadas. os líderes precisam fazer esforços extraordinários para (2013). A ready and resilient
workforce for the Department
3. O cérebro faz suposições. Não existe vácuo realinhar as expectativas. O uso da singela fórmula dos of Homeland Security:
de informação; se o cérebro não recebe informações 3Ps é útil: planejamento, preparação e prática ajudam a Protecting America’s front
importantes, ele mesmo as cria. Assim, os líderes têm enfrentar potenciais desafios ou ameaças. line.
de se comunicar com precisão e frequência. Se sua HBR Reprint R1704C–P Para pedidos, página 10 Washington, DC: The
comunicação é falha, principalmente na era das redes National Academies Press.
sociais, você perderá sua liderança para aquele que es-
GEORGE S. EVERLY JR. é professor associado de Psiquiatria e Kahneman, D. (2011).
tiver, de fato, se comunicando. Ciências do Comportamento na Johns Hopkins School of Thinking fast, thinking slow.
4. O cérebro está programado para se preo- Medicine. É professor afiliado do Departamento Internacional New York: Farrar, Straus and
de Saúde na Bloomberg School of Public Health, da Johns Giroux.
cupar. Até mesmo Freud reconheceu a propensão re-
Hopkins University. Professor de Psicologia da Loyola
petitiva do cérebro humano quando confrontado com University, em Maryland e professor honorário na Universidad Zak, PJ. (2017). The trust
a adversidade e despertado por ela. O cérebro ficará de Flores, Buenos Aires. factor. New York: AMACOM.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 43 


O EFEITO DO ESCÂNDALO

O
EFEITODO
ESCÂNDALO
Quando as empresas cometem delitos, os executivos
são prejudicados pelo mercado de trabalho —
mesmo que não tenham envolvimento no caso.
BORIS GROYSBERG, ERIC LIN,
GEORGE SERAFEIM E ROBIN ABRAHAMS

FREDRIK BRODEN
44 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 45 
O EFEITO DO ESCÂNDALO

EM
setembro de 2015 , houve uma denúncia de que,
intencionalmente, a Volkswagen havia colocado dispositivos
de controle em seus motores diesel para adulterar os níveis de
emissões. Cerca de 11 milhões de veículos no mundo tinham um
programa “subversivo” instalado. A descoberta levou a uma imediata queda
no preço das ações da Volkswagen, a investigações do governo na América do
Norte, Europa e Ásia, à renúncia do CEO e suspensão de outros executivos, uma
perda recorde em 2015 e uma conta estimada em US$ 19 bilhões para corrigir
o problema. O escândalo causou um dano incalculável à marca Volkswagen.

Suponha que você é engenheiro no México, executivo dez anos antes do início do problema. O cliente da
de RH nos Estados Unidos ou expert em logística na Po- headhunter, relutou durante algum tempo em mar-
lônia. Você trabalhou na Volkswagen de 2004 a 2008, car uma entrevista com o candidato. “É arriscado
antes de os novos controles de emissões serem instala- demais”, declarou finalmente. “Mesmo que o candida-
dos, e nunca trabalhou nas divisões que criaram o pro- to tenha ficado fora do banco por dez anos, não posso
grama fraudulento. Tempos depois, você começou a se incluí-lo nessa prospecção.”
sentir insatisfeito no emprego e pensou na possibilida- Uma porcentagem surpreendentemente alta de pro-
de de mudar. Sua associação de tanto tempo com a VW fissionais está vulnerável a esse tipo de viés. Em nossa
não seria um problema — certo? amostra de executivos que mudaram de emprego, 18%
Errado. Nossa pesquisa mostra que executivos em tinham trabalhado em empresas envolvidas em escân-
cujo currículo aparecem empresas contaminadas com dalos financeiros. Obviamente, se as empresas que não
um escândalo são prejudicados no mercado de traba- se envolveram em escândalos financeiros — questões
lho, mesmo que, claramente, não estejam envolvidos de segurança de produto, disputas trabalhistas, relacio-
no problema (ver quadro “Sobre a pesquisa”.) Em geral, namentos vergonhosos com clientes e assim por dian-
a remuneração desses executivos é aproximadamente te — fossem incluídas, a proporção seria ainda maior.
4% menor que a de seus colegas de mesmo nível. Con- Como o efeito do escândalo é duradouro, ele pode im-
siderando que a remuneração inicial num emprego in- pactar negativamente a mobilidade de emprego atual e
flui fortemente na remuneração futura, a diferença po- futura, mesmo que a pessoa esteja desligada da empre-
de se tornar muito significativa ao longo da carreira. sa há muito tempo. Esse risco não pode ser controlado,
Entrevistas com líderes seniores de empresas in- mas você pode e deve se preparar para ele.
ternacionais de colocação de executivos complemen- A imprensa especializada destaca vários escân-
taram nossa análise quantitativa e validaram nos- dalos que podem afetar a reputação de uma empre-
sos resultados. Uma empresa de headhunter euro- sa. Na lista da Fortune dos cinco maiores escândalos
peia relatou a dificuldade em recolocar um executivo de 2015, constam o da Volkswagen, a acusação da Fi-
que antes havia trabalhado num banco recentemen- fa pelo FBI, os problemas contábeis da Toshiba, o re-
te envolvido num escândalo, apesar de ele ter saído lacionamento secreto da Valeant com a empresa

46 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


farmacêutica Philidor e a prisão de Martin Shkreli,
CEO da Turing Pharmaceuticals (já denunciado na mí- Como o efeito do escândalo
dia por especulação de preços), por fraude acionária.
A Inc. também publicou uma lista, que incluía o uso de
é duradouro, ele poderá
informação confidencial pela Goldman Sachs, o indi-
ciamento por corrupção de nove empresas de energia
impactar negativamente
da cidade de Nova York, o raqueamento da VTech, que
expôs seus dados desprotegidos, e a revelação de que a
sua empregabilidade atual
Exxon Mobil “enganou deliberadamente o público so- e futura, mesmo que você
bre as mudanças climáticas”.
No nosso estudo, definimos “empresas de escânda-
tenha saído da empresa há
lo” as que foram citadas nas bases de dados da Agên-
cia de Responsabilidade Fiscal do Governo dos Esta-
muito tempo. Não se pode
dos Unidos (GAO, na sigla em inglês) ou nas Declara-
ções Retificadoras da Auditoria e Contabilidade da Co-
controlar esse risco, mas é
missão de Valores Mobiliários dos EUA (AAER, na si- possível preparar-se.
gla em inglês) por ganhos fraudulentos. Nos últimos
anos, o número absoluto de empresas que preenche-
ram declarações retificadoras tem se mantido estável incapacidade física), consideramos a marginalização EM RESUMO
em aproximadamente 800 a 850. No entanto, as em- injusta. Mas quando o atributo é percebido como con-
presas aumentaram de tamanho, o que significa que trolável e imoral, é socialmente aceitável discriminar o A DESCOBERTA
Executivos que trabalharam
um número maior de funcionários está vulnerável ao estigmatizado. em empresas que se
efeito do escândalo. Para entender como um escândalo corporativo envolveram em escândalo são
pode prejudicar a carreira de um profissional, apli- prejudicados pelo mercado
de trabalho — mesmo
ESTIGMA ORGANIZACIONAL camos o conceito de estigma organizacional, isto é, a que não tenham nenhum
O conceito moderno de estigma está mais fortemente conduta da empresa é percebida de forma generali- envolvimento com o delito.
associado ao sociólogo Erving Goffman, que, em 1963, zada como basicamente incorreta ou imoral. Os pes-
o definiu como o “fenômeno segundo o qual uma pes- quisadores passaram a se interessar cada vez mais O MOTIVO
O estigma decorrente do
soa com um atributo profundamente depreciado pela pelo estigma organizacional desde o colapso finan- escândalo desempenha um
sociedade é rejeitada por causa dele”. Um estigma, que ceiro de 2008. Um setor inteiro de negócios pode papel desproporcional nas
decisões de contratação
pode ser tanto favorável como desfavorável, destrói a ser estigmatizado por toda a sociedade por causa de
porque é difícil julgar outra
credibilidade no papel social que o indivíduo tenta de- suas funções centrais — como fabricação de armas, ati- pessoa com precisão e
sempenhar. Você não pode censurar sua agente imobi- vidades relacionadas ao sexo ou produção de tabaco, porque quem contrata os
executivos costuma ser
liária se descobriu que ela foi jogadora semiprofissio- por exemplo. As pessoas que decidem trabalhar nes- d r
nal de pôquer nas horas vagas, mas a mesma revelação ses setores estão cientes do risco, diferentemente dos
sobre a professora de catecismo de seus filhos pode ser executivos de nosso estudo. Empresas não controver-
desconcertante. sas incorrem em estigma organizacional simplesmente
As dinâmicas do estigma são vigorosas em diversas por causa de maus passos ou fracassos — é preciso ha-
situações: o “quê” pode mudar, mas o “como” é cons- ver uma percepção de que elas estão realmente envol-
tante. Uma pessoa estigmatizada — muitas vezes, tam- vidas em delitos, transgredindo normas e valores im-
bém a família e amigos — é isolada, humilhada, evitada portantes de seu setor.
ou não é levada a sério na função escolhida. Se alguém Empresas atingidas por escândalo são estigmatiza-
é estigmatizado por um atributo irrelevante, incontro- das da mesma forma que os profissionais. Outras or-
lável, eticamente indiferente (como raça, gênero, ou ganizações podem romper relações com elas ou tentar

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 47 


O EFEITO DO ESCÂNDALO

tirar vantagem financeira da situação. Empresas estig- — uma espécie de culpado por associação. E, no caso
matizadas podem ser ridicularizadas na mídia, ter suas da pesquisa, os participantes se mostraram menos dis-
doações assistenciais rejeitadas, ver o moral dos fun- postos a aceitar um agasalho que pertenceu a um as-
cionários despencar e vivenciar um êxodo de talentos. sassino serial.
E o estigma organizacional é contagioso, não só para É difícil julgar os outros com precisão. O estigma or-
os funcionários, mas às vezes até para outras empre- ganizacional pode também afetar negativamente pes-
sas do mesmo setor corporativo que não cometeram soas inocentes porque é muito difícil avaliar com preci-
nenhum deslize. são alguém que você não conhece. Os recrutadores ge-
Por que o estigma é tão pegajoso — tão difícil de der- ralmente utilizam atalhos cognitivos, heurística e es-
rubar e tão fácil de disseminar entre pessoas e grupos? tereótipos — consciente ou inconscientemente — para
Eis alguns motivos. avaliar os candidatos. A informação negativa e os este-
reótipos exercem influência desproporcional.
Uma gestora de contratação pode utilizar o proces-

As mulheres são mais so trabalhoso de avaliar primeiro os traços e habilida-


des do candidato e depois julgar como eles estão rela-
prejudicadas pelo efeito do cionados com as realizações exibidas no currículo. Ou
construir uma aproximação do caráter do candidato
escândalo que os homens: utilizando o conhecimento que tem de todas as ins-
tituições em que ele trabalhou. A última abordagem
sua remuneração é 7% — criar um modelo mental de uma quantidade desco-

menor, enquanto a dos nhecida usando várias quantidades conhecidas retira-


das do currículo — é mais fácil, e quase automática. “A
homens é somente 3% imagem da empresa é mais forte que a imagem do pro-
fissional”, observou um recrutador.
menor. E ter estudado Por isso, não é de admirar que gestores de recru-
tamento geralmente avaliem os candidatos de acordo
em universidade de elite com suas organizações anteriores — conscientemente

aparentemente protege ou não. Um headhunter revelou que um cliente, CEO


de um grande banco, afirmou que não entrevistaria ne-
contra esse efeito. nhum candidato de dois bancos, que haviam cometi-
do delitos.
Há motivos para ser conservador. O estigma or-
ganizacional resulta do julgamento de vários grupos,
O estigma nem sempre é racional. Os cientistas so- que os pesquisadores denominam “árbitros”. Os ár-
ciais concordam que o processo de estigmatização é bitros legais são agências reguladoras e sistemas ju-
produto da evolução. Bos et al. (2013) descreveram-no diciais. Os árbitros sociais ou formadores de opinião
basicamente como “manter as pessoas desanimadas... incluem acadêmicos, jornalistas e grupos de advoga-
manter as pessoas entrando (e) ... saindo”. Em outras dos. E os árbitros econômicos são a comunidade de
palavras, o estigma serve para manter os status hierár- negócios, incluindo empresas de colocação de exe-
quicos, reforçar normas e valores internos da empresa cutivos e empresas que estão em processo de contra-
e ajudar os funcionários a evitar contato com pessoas tação. Esses grupos são responsáveis por investigar e
contaminadas. Na mente humana, a transmissão de in- explicar os escândalos corporativos e por assumir as
fecções, delitos morais e outras “disparidades” inacei- consequências.
táveis estão associados à repugnância. A natureza complicada da maioria dos escândalos
Psicólogos experimentais oferecem inúmeras evi- corporativos torna as tarefas dos árbitros intrinseca-
dências de que ao julgarmos outras pessoas, e até mente difíceis. Além disso, cada grupo de árbitros es-
objetos, muitas vezes nos baseamos menos na avalia- tá preocupado não só com a verdade objetiva da situa-
ção racional e mais numa espécie de pensamento má- ção, mas também com o tipo de evidência e narrativa
gico que procura evitar contágio moral ou físico. Al- que sua plateia está disposta a aceitar. Os advogados
guém fotografado com pessoas indesejáveis é com precisam preparar argumentos que os júris possam
frequência ele próprio julgado como menos desejável entender. Os repórteres precisam escrever histórias

48 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


plausíveis para os leitores. Os negócios precisam tomar
decisões que os clientes e acionistas considerem razoá-
Ingressando numa “empresa
veis. Se a verdade for complexa demais, ela poderá não
marcada por um escândalo”
ser perseguida. Alguns headhunters relatam ser inca- Quando empresas estigmatizadas contratam executivos, o
pazes de “vender” candidatos de empresas que se en- equilíbrio de poder é transferido para eles. As pessoas que
volveram em escândalos porque não conseguem ofe- procuram ingressar numa empresa que sobreviveu a um
recer uma narrativa convincente aos clientes. Depois escândalo podem ter uma vantagem. Segundo um headhunter,
de alguns incidentes como esse, muitos headhunters “quando uma empresa associada a um escândalo sobrevive,
decidem que não vale a pena investir tanta energia — as pessoas que nela ingressam são compensadas mais
mesmo acreditando que o candidato é inocente e qua- positivamente que aquelas que nela se mantiveram”.
lificado. E como sua própria credibilidade está em jogo,
os árbitros são naturalmente motivados a ser conser- No entanto, a remuneração é um em busca de uma oportunidade de
vadores. Defender o estigmatizado pode levar a uma instrumento fraco, e os consultores se tornar CEO — se tudo der certo,
estigmatização. preferem procurar candidatos cujas serão elogiados, e se não der, não
Feitas estas considerações cognitivas, emocionais habilidades ou experiência fazem é culpa deles, e provavelmente
e de mercado, é praticamente um milagre que algum deles uma boa opção para aquelas se recuperarão. Outros vão nessa
executivo de empresa estigmatizada encontre empre- determinadas circunstâncias. direção porque estão no fim da
“As empresas que passaram por carreira. E outros porque sua
go posteriormente. Então, como eles conseguem se
algum tipo de publicidade negativa empresa foi vendida e, assim, não
recuperar?
certamente deverão desembolsar há muito risco pessoal.
mais”, reconhece um recrutador, “no
FATORES DIFERENTES, EFEITOS DIFERENTES entanto, não é simplesmente dizer Alguns candidatos podem ser
Numerosos são os fatores que determinam se, e quan- a elas ‘Ei, você tem de desembolsar atraídos pelo desafio de administrar
to, um escândalo corporativo pode afetar a carreira de 40% a mais’. O candidato pode ser uma reviravolta. Um recrutador
um funcionário ou de um ex-funcionário inocente. mais sutil, dizendo por exemplo, eu mencionou que uma “mistura de
Cultura nacional. Descobrimos que penalidades sabia que fulano viveu na Europa ego e humildade” pode levar um
associadas ao escândalo são mais pronunciadas em pa- antes, e sua família realmente queria executivo a ingressar numa empresa
íses com sistemas reguladores e de governança mais se mudar de volta. Poderíamos usar envolvida em escândalo: “é o
fortes, como Estados Unidos e Dinamarca, onde os isso a nosso favor.” reconhecimento da extensão da due
diligence a ser feita, muito mais
executivos que trabalharam em empresas envolvidas
Um recrutador observou que assumir detalhada do que você normalmente
em escândalos recebem remuneração 6% menor que
um emprego numa empresa marcada faria para aceitar o cargo. E é
outros executivos de mesmo nível (os níveis de remu-
por um escândalo pode ser uma uma predisposição (da empresa
neração anteriores são mantidos constantes para todos mudança bem-vinda para um líder contratante) de estar aberta para que
os executivos). Em países de legislação mais permis- no início — ou no fim da carreira —, a questão possa ser completamente
siva, como Rússia, Espanha, Colômbia e Bahrein, as ou seja, uma atividade temporária resolvida. Se você for a pessoa a fazer
diferenças de remuneração não são estatisticamente com um alto nível de tolerância: isso, será considerado especial. Não
perceptíveis. Países com leis fortes dispõem de meca- “Alguns jovens muito agressivos e seria maravilhoso se você pudesse
nismos reguladores de fiscalização, sistemas de audi- talentosos costumam aceitar um ser a pessoa que salvou a Lehman
toria e contabilidade bem desenvolvidos, sistemas de emprego como esse porque estão Brothers?”.
governança corporativa sólidos e intermediários que
garantem disseminação eficiente da informação. Es-
ses fatores indicam que o país tem tanto capacidade
de investigar e punir crimes como motivação e vonta-
de de fazê-lo. O exercício da função. Os prejuízos decorrentes
O tamanho do país tem também papel importan- de escândalos financeiros são obviamente mais acen-
te. Num país pequeno, a probabilidade de as pessoas tuados nas carreiras relacionadas a finanças: execu-
do mesmo setor se conhecerem é maior, por isso pode tivos que trabalharam anteriormente em empresas
ser mais difícil esconder a verdade sobre um escândalo envolvidas em escândalo recebem remuneração ini-
corporativo. Em países grandes como Índia e Estados cial quase 10% menor que seus pares — e a diferen-
Unidos, as notícias de um escândalo se espalham ins- ça aumenta com o tempo. Se, por exemplo, um espe-
tantaneamente, mas é menos provável que os envolvi- cialista em finanças com um escândalo em seu currí-
dos se conheçam pessoalmente. culo encontra uma posição numa nova empresa que

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 49 


O EFEITO DO ESCÂNDALO

importante. Elas simplesmente se mantêm afastadas

Sobre a pesquisa de qualquer mancha.”


Gênero. As mulheres são mais prejudicadas pe-
Usando dados coletados por uma empresa global de lo efeito do escândalo que os homens: sua remune-
ração é 7% menor, enquanto a dos homens é apenas
recolocação de executivos e histórias detalhadas de carreiras,
3%. A razão pode ser a maior visibilidade de líderes fe-
analisamos 2.034 casos de mudança de emprego de
mininas. É mais fácil para as empresas contratarem
executivos em várias funções, setores, níveis de senioridade um funcionário com reputação duvidosa que fique no
e geografias, de 2004 a 2011. Em cada mudança, coletamos a escritório do fundo que um executivo de grande visi-
geografia, cargo, setor, nome da empresa, atributos pessoais bilidade. E mulheres que trabalharam em empresas
como gênero e nível de instrução e níveis de salário tanto do envolvidas em escândalo, principalmente as de seto-
cargo anterior como dos novos cargos. Praticamente a metade res dominados por homens, sentem que eles se apro-
das colocações não era para cargos de presidente, vice- ximam da mesa de negociação com duas pedras na
presidente ou nível de chefia. mão e não costumam pressionar por melhor remune-
ração com o mesmo ímpeto que geralmente teriam, ou
Os empregos anteriores e os novos e a base de dados da AAER coleta
como fazem seus colegas do sexo masculino igualmen-
tinham uma remuneração média notificações de fiscalização da
total anual de US$ 294 mil e US$ 331 Comissão de Títulos e Câmbio te estigmatizados.
mil, respectivamente. Em média, a apontadas pela AAER. Os empregos Educação. Educação de elite parece proteger do
experiência profissional dos executivos desses executivos eram claramente efeito do escândalo. Graduados procedentes de em-
era de quase 19 anos. Dos executivos anteriores a qualquer ato ilícito e eles presas envolvidas em escândalo que cursaram univer-
recolocados, 18% eram mulheres (uma nunca foram legalmente implicados no sidades da Ivy League recebem ofertas moderadamen-
proporção significativamente mais alta escândalo. te mais baixas (2%) que seus colegas sem escândalo
que dos dados baseados exclusivamente corporativo no currículo, enquanto graduados que não
em executivos de nível de chefia). Medimos o impacto na remuneração cursaram a Ivy recebem quase 4% menos.
total do primeiro ano, de um executivo Consultores que prospectam executivos indi-
Dos executivos estudados, 18% tinham que tinha em seu currículo uma
cam que os seguintes fatores podem ser também
trabalhado em empresas marcadas por empresa associada a um escândalo e
importantes:
declaração de lucros falsa detectadas foi recolocado por uma empresa de
nas bases de dados da GAO ou da prospecção de executivos. A referência Cultura da indústria. Alguns setores são mais
AAER. A base de dados da GAO coleta para cada executivo foi o último ano de tolerantes sobre o mérito do estigma organizacional.
somente declarações retificadoras remuneração na empresa anterior. A falência pode destruir a reputação de uma institui-
ção financeira, mas não de uma empresa de software,
pelo menos não no século 21. Quando um segmento
inteiro é atingido por vários escândalos ou insucessos,
como foram os bancos, a reação das companhias que
normalmente paga US$ 200 mil por ano, e sua remune- sobrevivem pode ser híbrida. Um entrevistado obser-
ração aumenta 3% ao ano durante os próximos 20 anos, vou que empresas não estigmatizadas podem relutar
a remuneração do primeiro ano será reduzida em cer- mais em proteger sua reputação: “Mesmo as pessoas
ca de 10% (US$ 20 mil) e, ao longo dessas duas déca- que talvez não sejam completamente honestas ou ino-
das, sua perda salarial pode chegar a quase US$ 540 mil. centes não querem se aproximar de ninguém que se-
Senioridade. O ônus de associações anteriores ja desonesto ou culpado, pois não querem se apoderar
com uma empresa marcada por um escândalo é apa- de problemas alheios ou não querem herdar um escân-
rentemente maior para executivos seniores, cuja re- dalo de ninguém”. Outro recrutador, no entanto, argu-
muneração é mais de 6,5% inferior à de colegas sem mentou que o setor bancário tornou-se mais toleran-
esse revés. Para os executivos juniores os efeitos te: “As pessoas geralmente têm a mente mais aberta.
são diferentes, e alguns procuram se livrar de qual- Talvez, em parte, porque tivemos muito mais escân-
quer impacto negativo. “Quanto mais alto as pes- dalos em serviços financeiros que em qualquer outro
soas ascendem na estrutura de liderança ou de po- setor, por causa da crise financeira. Mas, neste mo-
der em geral, mais elas continuarão sendo punidas por mento, acredito que há um sentimento de que todos
suas associações”, observa um recrutador. “No ní- nós fomos atingidos”.
vel de conselho, as pessoas estão muito absorvi- Setores, ou nichos dentro de setores, podem ter
das pela óptica de que a essência deixou de ser diferentes padrões em relação ao risco e sua resposta

50 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


ao estigma. De acordo com um recrutador, “o pesso- a emprego. E neste caso ele pode transcender ao infor-
al das empresas de capital privado são os que mais túnio maior da empresa”.
perdoam. Sua maior preocupação é a competência Especialistas em nichos têm duas grandes vanta-
da pessoa e quanto ela é realmente capaz de produ- gens: não são facilmente substituíveis e — mais impor-
zir. Eles se empenham cada vez mais em entender tante — preferem ser conhecidos pessoalmente pelos
as particularidades do que a pessoa fez versus o que executivos contratadores. “Em certos nichos, a repu-
a instituição fez — qual sua política interna”. Lem- tação individual é mais importante que a opinião pú-
bre-se de que ser estigmatizado significa ser alija- blica”, explicou um recrutador, “porque essas pessoas
do do sistema de valor dominante. Se o sistema de não necessariamente sairiam de seus setores, e assim
valor de um setor enfatiza a presunção de inocência, não teriam de encarar a visão de leigos sobre os acon-
o pensamento não conformista e a pesquisa empí- tecimentos”. Foi o que aconteceu com especialistas de
rica independente, o indivíduo injustamente estigma- um banco de investimentos malsucedido. Ele era co-
tizado pode ser beneficiado. nhecido por ser rápido e descontraído e por tacitamen-
Subgrupos internos da empresa estigmatiza- te encorajar o mau comportamento. Mas “o talento in-
da. Algumas organizações funcionam — e assim são terno era muito apreciado”, observa um recrutador, “e
percebidas — como um todo mais unificado que ou- muitos desses talentos, devido à forma como a empre-
tras. Mas se um escândalo foi claramente produzido sa era estruturada, eram muito voltados para a especia-
por uma pessoa, grupo ou divisão, pode ser mais fá- lização. As pessoas podiam trabalhar no mesmo nicho
cil para os funcionários de outras partes da organiza-
ção escapar do estigma. Como observou um consultor
de pesquisa, “a Enron dos Estados Unidos e a Enron
da Europa eram empresas muito diferentes. Não havia
Alguns setores são mais
problemas, até onde me lembro, com a operação euro-
peia, cujos executivos continuam a ter carreira sólida,
tolerantes com o estigma.
porque a Enron europeia era considerada muito inova- A falência pode destruir a
dora na época em que os mercados de energia estavam
sendo desregulamentados”. reputação de uma instituição
Temos um fenômeno semelhante no escândalo da
Milken Drexel Burnham Lambert. A Milken foi indicia-
financeira, mas não a de
da em 98 acusações de fraude e extorsão em 1989, e
a Drexel declarou falência no início de 1990. A divi-
uma empresa de software.
são funcional e geográfica da Drexel West (Califórnia,
onde estavam sediados a Milken e seu departamen-
to de títulos de alto risco) e da Drexel East (Nova York, por anos a fio. Esse talento foi capturado num piscar
que concentrava o departamento de ativos) ajudou os de olhos. Eu diria que nenhuma mancha atinge experts
nova-iorquinos a sobreviver, e a carreira deles não so- técnicos em sua área de especialidade”.
freu nenhum abalo. “Na Drexel East, o departamen- O olho do observador. Uma declaração de ren-
to de pesquisa era tido em alta conta pela Wall Stre- dimentos falsa (o tipo de escândalo que examinamos
et e era um grupo razoavelmente benquisto e indivi- em nosso estudo) constitui um abuso de confiança
dualmente confiável”, recorda o analista Abby Joseph pública, confirmado e claramente definido pelo sis-
Cohen. A geografia, função e liderança podem contri- tema jurídico. Mas além desses exemplos escanca-
buir para a existência de subculturas distintas dentro rados, a extensão do estigma organizacional tam-
de uma empresa. bém depende do grupo de stakeholders que é afetado.
Habilidades do nicho. Analistas da Drexel se A Walmart e a Amazon, por exemplo, são estigma-
saíram bem depois da falência, em parte porque al- tizadas por alguns grupos por seu trabalho e outras
guns tinham habilidades especializadas ou um foco práticas de negócios, apesar de serem populares com
profissional bem definido. Essas pessoas geralmen- os acionistas e clientes. Um caso recente fascinante
te saem ilesas de um escândalo. Como afirmou um é o da Blue Bell Creameries, cujo sorvete sofreu um
headhunter, “acredito que em nichos estreitos de um recall devido à má qualidade em 2015, depois que
setor onde as pessoas conhecem profundamente seus um surto de listeriose causou a morte de três pes-
concorrentes, há muita investigação sobre o candidato soas. Apesar das alegações de que a empresa sabia dos

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 51 


O EFEITO DO ESCÂNDALO

problemas de segurança dos alimentos havia anos, dessas referências diretamente. Além disso, eu certa-
muitos clientes permaneceram absolutamente fiéis ao mente recomendaria uma checagem do background
produto. Considerando que o desejo de evitar uma do- por terceiros, bem como um atestado padrão de ante-
ença é uma razão psicológica fundamental para a estig- cedentes criminais.”
matização, a fidelidade dos clientes da Blue Bell sugere Como eles entendem as preocupações de seus
que ainda temos muito a aprender sobre como as orga- clientes, recrutadores podem ajudar os candidatos
nizações se tornam estigmatizadas ou não. a montar uma história completa, clara e sucinta para
facilitar a contratação. Um headhunter que recrutou
A RECUPERAÇÃO o CFO de uma empresa associada a um escândalo pa-
Como sobreviver a um escândalo corporativo? Os ra outra instituição financeira descreveu o processo:
insights de nossa pesquisa de campo sugerem três “O candidato passou um tempo enorme me ajudando a
passos: entender e esclarecer que os escritórios sobre os quais
Honestidade. A verdade é a melhor amiga do ino- ele era responsável não estavam entre os que, em ou-
cente. A transparência e completa exposição dos fatos tros países, inflaram o balancete da empresa”.
são elementos-chave para sobreviver a um escândalo Reputação. De acordo com Goffman, o estigma
corporativo. Recrutadores afirmaram que os funcioná- funciona como uma espécie de falência da reputação,
rios de empresas envolvidas em escândalos são os que na qual o eu real não consegue cumprir as promessas
devem trazer a questão à tona. implícitas do eu virtual. O melhor caminho para um
Em geral, recrutadores fazem uma due diligence executivo estigmatizado pelo escândalo é se apropriar,
maior com candidatos de empresas envolvidas em por assim dizer, da reputação e legitimidade de outra
escândalo. “Além de fazer o processo padrão 360, é pessoa. Os executivos com grandes redes externas de
provável que conversemos também com outras pes- relacionamento, ou que atuam em campos que enfati-
soas”, comentou um recrutador. “Em média, num zam as reputações individuais, conseguem obter essa
processo regular, conversamos com cinco a oito refe- cobertura graças aos seus relacionamentos.
rências. Talvez precisemos consultar de oito a dez pa- Para muitos outros, a empresa de prospecção de exe-
ra ficarmos seguros em relação a profissionais ligados cutivos pode servir tanto como referência como de ga-
a uma empresa envolvida em escândalo. Se eu for rantia. Na verdade, a importância da pesquisa que essas
cliente, posso até querer conversar com algumas companhias fazem está não só em explorar informação,

52 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


mas também no tempo e energia envolvidos na cap- background (alguns membros do conselho fizeram o
tação de toda essa informação. As empresas de pros- mesmo), para garantir que, além de culpa, não houves-
pecção são contratadas por companhias, não por quem se também nenhuma sombra sobre sua reputação — o
procura emprego, e elas não investirão numa checagem que de fato não havia. Acredito que ele precisava des-
profunda do background a menos que já acreditem na se emprego intermediário. Não era possível retirá-lo de
inocência e no valor do candidato no mercado de traba- uma vez de onde estava e empregá-lo como CEO em
lho. A investigação fornece uma espécie de garantia de qualquer outro lugar”.
boa reputação.
Reabilitação. Depois de provar sua inocência e
estabelecer relacionamentos com pessoas que pos-
sam afiançar seu caráter, o passo final pode ser acei-
Em geral, recrutadores
tar um “emprego reabilitador”. Um headhunter obser-
vou que, embora alguns executivos — principalmen-
fazem uma due diligence
te os que contam com um recrutador dedicado e uma maior com candidatos de
empresa de contratação “esclarecida” — possam em-
preender uma mudança no mesmo nível de responsa- empresas envolvidas em
bilidade e remuneração, muitos candidatos de empre-
sas estigmatizadas precisam “procurar um emprego de
escândalo.
nível inferior que possa ser executado com uma mão
nas costas”. Ele prossegue: “Assim, você parece bem
mais fascinante que outros candidatos e poderá con- A tática para sobreviver a um escândalo organizacio-
seguir o emprego”. nal depende de vários fatores: da fase da carreira do can-
A finalidade do emprego de reabilitação, quer isso didato, do arcabouço de suas habilidades, do setor, da
represente um passo atrás em remuneração ou res- situação geral do mercado de trabalho e da vontade do
ponsabilidade, quer não, é criar uma história persua- indivíduo de fazer a mudança. Mas a estratégia básica é
siva para competir com a narrativa do escândalo. Sua a mesma: coloque os fatos sobre a mesa, tome empres-
meta final é fazer do emprego de reabilitação o primei- tado o bom nome de alguém e procure um emprego que
ro item a ser associado a você. lhe permita provar novamente seu valor. Nem sempre
Um recrutador comentou o caso de um executi- o efeito do escândalo pode ser previsto ou controlado,
vo da área financeira cujo empregador tinha sido apa- mas é possível sobreviver a ele.
nhado numa fraude. O executivo conseguiu encontrar HBR Reprint R1704D–P Para pedidos, página 10
uma posição de reabilitação numa instituição menor e
finalmente tornou-se o líder. “Para ele foi uma oportu- BORIS GROYSBERG é professor de administração da Harvard
Business School e coautor, com Michael Slind, de Talk,
nidade de dar um passo atrás para assumir um cargo me- Inc. (Harvard Business Review Press, 2012). ERIC LIN é professor
lhor, numa empresa menor, num mercado onde ele assistente do Departamento de Ciências Comportamentais e
ainda mantinha boa reputação”, lembrou o recrutador. Liderança da Academia Militar dos Estados Unidos (West
Point). GEORGE SERAFEIM é professor de administração da Harvard
“Mais tarde, nós o recrutamos como CEO. Fizemos to- Business School. ROBIN ABRAHAMS é pesquisador associado da
do nosso processo de due diligence para examinar seu Harvard Business School.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 53 


O ECOSSISTEMA DE
VALOR COMPARTILHADO
É necessário que as empresas se associem com governos,
ONGs e até mesmo com concorrentes para distribuir e
colher os benefícios econômicos do progresso social
MARK R. KRAMER E MARC W. PFITZER

FOTOGRAFIA DE JAMIE CHUNG


ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 55 
O ECOSSISTEMA DE VALOR COMPARTILHADO

No passado, as organizações raramente se percebiam como agentes de mudança


social. No entanto, a relação entre o progresso social e o sucesso do negócio é cada
vez mais clara. Considere estes exemplos: o primeiro programa de grande escala
para diagnosticar e tratar HIV/Aids na África do Sul foi introduzido pela empresa
global de mineração Anglo American para proteger sua força de trabalho e reduzir
o absenteísmo. A empresa de energia italiana Enel, avaliada em € 76 bilhões, agora
gera 45% de sua energia de fontes renováveis e de carbono neutro, evitando 92
milhões de toneladas de emissões de CO2 por ano.
E a MasterCard trouxe a tecnologia de banco móvel frequentemente trabalham mais na oposição do que
para mais de 200 milhões de pessoas de países em de- no alinhamento. Um movimento conhecido como
senvolvimento, as quais não tinham acesso a serviços “impacto coletivo” (introduzido em 2011 por John Ka-
financeiros. nia e Mark Kramer na Stanford Social Innovation Re-
Se o negócio pode estimular o desenvolvimento view) tem facilitado colaborações bem-sucedidas na
social em todas as regiões do globo, a pobreza, a po- área social e pode orientar os esforços das empresas
luição e as doenças podem cair e os lucros corpora- para reunir os vários agentes, cada um em seu respec-
tivos aumentar. Nos últimos anos, criar valor compar- tivo sistema para catalisar as mudanças.
tilhado (sucesso financeiro combinado com benefícios As organizações que recorrem ao impacto coleti-
sociais) se tornou um imperativo para as organizações. vo não só promovem o progresso social, mas também
A legitimidade do negócio é duramente colocada em encontram oportunidades econômicas que seus con-
xeque, pois numerosas empresas prosperam à custa correntes deixam passar. Neste artigo, vamos analisar
da comunidade em geral. Ao mesmo tempo, muitos os princípios do impacto coletivo e explorar cada ele-
dos problemas mundiais, de desigualdade de renda mento básico. Primeiro vamos ver como duas empre-
a alterações climáticas, são tão amplos que as solu- sas muito diferentes — a Yara, líder global em vendas
ções exigem o conhecimento e a capacidade de ex- de fertilizantes, e o gigante do varejo Walmart — usa-
pansão dos modelos de negócio do setor privado. ram princípios do impacto coletivo para melhorar seus
Até mesmo empresas conhecidas pela intransigência respectivos ecossistemas em todas as questões.
decidiram empreender iniciativas significativas de va-
lores compartilhados. REMODELANDO O ECOSSISTEMA
Mas, enquanto buscam estratégias de valor com- A norueguesa Yara enfrentou numerosos obstáculos
partilhado, as empresas inevitavelmente enfrentam em seu esforço para alcançar pequenos agricultores
barreiras. Nenhuma organização opera de forma isola- africanos na Tanzânia. Os fertilizantes tinham o po-
da. Todas existem em um ecossistema cujas condições tencial de aumentar a colheita no país atingido pela fo-
sociais podem reduzir os mercados e restringir a pro- me. Mas a corrupção no porto controlado pelo gover-
dutividade de seus fornecedores e distribuidores. As no atrasava o descarregamento de remessas por vários
próprias políticas do governo têm limitações, e as nor- meses. As estradas eram inadequadas para o transpor-
mas culturais influenciam a demanda. te de fertilizantes e, assim, a produção voltava para o
Essas condições estão além do controle da socieda- porto; um terço da colheita geralmente apodrecia por
de — ou de um único agente. No intuito de promove- falta de transporte refrigerado. Os agricultores eram
rem o compartilhamento de valores, portanto, as or- pobres. Muitos, analfabetos e pouco acostumados a
ganizações devem favorecer e participar de coalizões usar fertilizantes. Também não tinham acesso ao cré-
multissetoriais — para isso, precisam de uma nova es- dito. O governo proibia exportar a safra principal para
trutura. Governos, ONGs, empresas e membros comu- proteger o consumo local; consequentemente o mer-
nitários têm um papel essencial a desempenhar, mas cado e o investimento de capital encolhiam.

56 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


Tudo isso somado a uma clássica falha de merca- Ainda que a reciclagem tivesse rendido novas receitas
do que perpetuava a fome e a pobreza, além de reduzir e poupanças significativas, os municípios com pouco
o crescimento da Yara. O problema estava profunda- dinheiro não podiam pagar o investimento inicial ne-
mente enraizado. cessário para os equipamentos de coleta e separação
Os agricultores tinham pouco poder para influen- nem para campanhas destinadas a mudar o comporta-
ciar a política do governo. E desconfiavam de qualquer mento do consumidor. Assim, em abril de 2013, a Wal-
alteração nos métodos tradicionais. A ajuda interna- mart, da mesma forma que a Yara, decidiu convocar
cional aliviou temporariamente a fome, mas deixou um grupo intersetorial de ONGs, gestores municipais,
as questões subjacentes intocadas. Nenhuma inter- recicladores e grandes empresas de marca de consumo
venção isolada tinha força para prevalecer. Era preciso (incluindo concorrentes diretos, como Unilever e P&G),
que todos os obstáculos interligados fossem tratados além de especialistas de financiamento da Goldman Sa-
ao mesmo tempo. chs. Muitos participantes haviam passado anos tentan-
A partir de outubro de 2009, a Yara começou a traba- do lançar seus próprios programas de reciclagem. No
lhar para reunir 68 empresas, incluindo multinacionais, momento em que se encontraram, reconheceram que
grupos da sociedade civil, agências de ajuda internacio- o problema só poderia ser resolvido se o desafio fosse
nais e o governo da Tanzânia, numa parceria conheci- abordado coletivamente. Juntas, dez empresas investi-
da como Southern Agricultural Growth Corridor of Tan- ram US$ 100 milhões no Closed Loop Fund (um fundo
zania (SAGCOT, na sigla em inglês), iniciada na cúpula fechado), com a finalidade de catalisar investimentos
do World Economic Forum na África, em 2010. A mis- para infraestruturas de reciclagem dos Estados Unidos.
são era construir um corredor agrícola totalmente de- O fundo é governado por um comitê independente de EM RESUMO
senvolvido, de US$ 34 bilhões, do Oceano Índico à fron- especialistas em finanças, meio ambiente, reciclagem,
teira ocidental do país, cobrindo uma área do tamanho cadeia de suprimentos e gestão municipal. Embora em- O IMPERATIVO
Criar valor compartilhado
da Itália. Isso envolveu investimento em infraestrutura, preste aos municípios e a empresas privadas a taxas de — excelentes resultados
como um porto, um terminal de fertilizantes, estradas, juros abaixo do mercado, exige que toda proposta de- financeiros que beneficiem
também a sociedade
ferrovias e energia elétrica; criação de cooperativas de monstre o potencial para retornos comercialmente vi- — tem sido a meta das
agricultores bem geridas; concessionárias agrícolas e áveis, para que o modelo possa eventualmente ser ace- empresas que buscam novas
prestadores de serviços financeiros; suporte de instala- lerado por meio de mercados de capital convencionais. oportunidades econômicas
e tentam recuperar a
ções de processamento agrícola; e serviços de transpor- Até agora o fundo financiou dez projetos que tota- confiança do público.
te. As fontes públicas são responsáveis por um terço do lizaram US$ 80 milhões: US$ 20 milhões de seu pró-
financiamento do SAGCOT. O restante vem das empre- prio capital e US$ 60 milhões com coinvestidores. Co- AS BARREIRAS
sas privadas participantes. Embora originalmente con- mo resultado de um dos projetos, cada casa em Mem- As organizações não operam
cebido como um projeto de 20 anos, o corredor estava phis — cidade do estado de Tennessee que não tinha isoladamente. Fazem parte
de um ecossistema cujas
bem estabelecido dentro de três anos e já aumentou os nenhum tipo de coleta de lixo reciclável — agora tem condições sociais podem
rendimentos de centenas de milhares de agricultores. A acesso a práticos carrinhos de reciclagem. Espera-se reduzir mercados e restringir
a produtividade. As políticas
Yara foi decisiva nesse esforço, embora não tenha lide- que os dez projetos reduzam o desperdício anual no do governo e as normas
rado nem controlado nada. O investimento da empre- aterro em mais de 800 mil toneladas e diminuam as culturais acrescentam novas
sa (US$ 60 milhões) também não foi a maior parte do emissões de gases do efeito estufa em mais de 250 mil limitações.
financiamento. No entanto, o projeto impulsionou as toneladas, enquanto criam centenas de empregos. E os
vendas da Yara na região em 50%, além de aumentar o benefícios para a Walmart são consideráveis: o aumen- O CAMINHO A SEGUIR
As empresas devem iniciar
Ebitda da empresa em 42%. to da disponibilidade de material reciclado fortalece a os esforços de “impacto
Restrições sociais não se limitam a mercados emer- sua cadeia de fornecimento e reduz o custo da embala- coletivo” que envolvem
gentes, claro. Em 2012, a Walmart se esforçava para eli- gem. Novamente, como a Yara, a Walmart não liderou todos os agentes, cada
qual em sua área de
minar 20 milhões de toneladas de emissões de gases de nem controlou o esforço intersetorial — mas ofereceu atuação. Cinco elementos
efeito estufa de sua cadeia de suprimento e reduzir os o impulso necessário. são necessários: agenda
comum, sistema de
custos de embalagem, quando encontrou um obstácu-
medição compartilhada,
lo inesperado: seus fornecedores não tinham plástico O QUE É IMPACTO COLETIVO? atividades que se reforçam
reciclado suficiente para usar como embalagem. Ocor- O impacto coletivo se baseia na ideia de que os pro- mutuamente, comunicação
constante e apoio de base de
re que 45% da população dos Estados Unidos vivia em blemas sociais surgem e persistem por causa de uma uma ou mais organizações
cidades que ainda jogavam lixo em aterros sanitários. combinação complexa de ações e omissões em todos independentes.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 57 


O ECOSSISTEMA DE VALOR COMPARTILHADO

os setores — portanto, só podem ser resolvidos por es- social. E podem ganhar muito quando novas oportu-
forços coordenados de empresas, agências governa- nidades econômicas surgem como resultado do pro-
mentais, organizações de caridade e populações afeta- gresso social.
das. Isso exige nada menos do que uma mudança na
forma como o sistema opera. Esforços de impacto co- OS ELEMENTOS DE IMPACTO COLETIVO
letivo mostram progressos significativos em diversas Para que um esforço de impacto coletivo alcance seu
questões, como educação, moradia, delinquência ju- objetivo de mudança social em grande escala, é pre-
venil, drogas, obesidade infantil, criação de emprego ciso que haja cinco elementos: agenda comum, siste-
e poluição. ma de medição partilhada, atividades que se reforçam
Antes de fazer parte de alguma iniciativa de impac- mutuamente, comunicação constante e suporte de ba-
to coletivo, cada participante já terá vivenciado, em se de uma ou mais organizações independentes. Exa-
sua esfera individual, algum problema referente às minemos cada um.
questões acima apontadas. Ao reunir todas as partes Agenda comum. Os participantes devem chegar
relevantes e assegurar que os dados sejam recolhidos a uma visão comum para a mudança e uma aborda-
com rigor e compartilhados com cuidado, as iniciati- gem conjunta para uma solução. Isso não só ajuda a
vas de impacto coletivo permitem uma compreensão alinhar os esforços, mas também a definir o compro-
comum dos problemas sociais — eis o primeiro passo misso de cada organização, além de determinar como
para resolvê-los. Se uma iniciativa é bem-sucedida, ca- os dados serão compartilhados dentro e fora do grupo.
da entidade deve ser representada por altos dirigentes A agenda deve considerar a perspectiva e os interesses
com autoridade para executar a mudança dentro de de cada participante. Não surpreendentemente, che-
sua organização. É necessário incluir todas as comu- gar a um acordo entre as diversas partes interessadas
nidades afetadas e lhes dar poder. Qualquer análise de pode ser extremamente desafiador e exigir seis, 12 me-
dados ou ações propostas devem levar em conta suas ses de intenso trabalho, ou até mais.
perspectivas. Assim como as empresas não devem liderar ou
As empresas colaboram, e muito, com os esforços controlar esforços de impacto coletivo, não devem
de impacto coletivo. Elas sabem como definir e atin- tampouco impor uma agenda. Mas podem iniciar o
gir determinados objetivos dentro de sua limitação processo para chegar a uma, usando as relações para
de tempo e orçamento. Entendem gestão de mudan- reunir participantes-chave. O Closed Loop Fund, por
ça e a arte da negociação. E o pragmatismo empresa- exemplo, surgiu de uma longa campanha — incluindo
rial, a prestação de contas e a tomada de decisão orien- um encontro inicial de 30 empresas de bens de con-
tada por dados podem ajudar a lidar com a burocra- sumo — para alinhar vários partidos em torno de um
cia e com os desacordos ideológicos entre governos e entendimento comum do problema e de sua solução.
ONGs que não raro emperram iniciativas desta natureza. A ideia de um fundo de impacto social com capital de
Além dessas vantagens consideráveis, as empre- empresas participantes surgiu no primeiro encontro.
sas com flexibilidade e crescimento limitados por pro- No entanto, o desenvolvimento do business case le-
blemas sociais têm um motivo poderoso para iniciar vou oito meses de trabalho. Doug McMillon, CEO da
a mudança social. O senso comum diz que os gover- Walmart, desempenhou papel fundamental no lan-
nos e as ONGs são os catalisadores mais fortes do pro- çamento do fundo. Ele pediu a parceiros de grandes
gresso social, mas isso nem sempre é verdade. Em ge- empresas, como Procter & Gamble, PepsiCo, Unilever,
ral, os governos respondem apenas aos interesses dos Johnson & Johnson, Keurig Green Mountain e Coca-
mais poderosos e frequentemente ficam paralisados
por divisões partidárias. Algumas ONGs têm recursos
e poder para comandar a atenção de governos e cor-
porações globais, cujo envolvimento é essencial. Mas EMPRESAS QUE RECORREM AO IMPACTO COLETIVO
isso não significa que as empresas devam tentar con-
duzir ou controlar um esforço, mas sim dar o pontapé
PODEM TANTO COLABORAR COM O PROGRESSO
inicial. O impacto coletivo mobiliza recursos de mui- SOCIAL COMO ENCONTRAR OPORTUNIDADES
tas entidades, por isso as organizações não têm de ar-
car sozinhas com os enormes custos de transformação ECONÔMICAS ATÉ PARA OS CONCORRENTES.
58 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
Cola, que se comprometessem publicamente com a resultados serão medidos e relatados. Isso ajuda a
participação. Outros oito meses de trabalho definiram formalizar a agenda comum e a estabelecer uma base
o modelo — uma estrutura limitada de parceria com coesa de metas e estratégias.
uma equipe de gestão de fundos no comando da re- CocoaAction, um grupo semelhante ao SAGCOT,
visão e do aconselhamento das aplicações na cidade, reuniu nove empresas de chocolate e numerosas orga-
além de um comitê de investimento independente e nizações parceiras para aumentar a produtividade agrí-
responsável por decisões de financiamento. Em outu- cola e o apoio comunitário na Costa do Marfim e em
bro de 2014, 18 meses após o impulso inicial, o fundo Gana. Levou dois anos para a criação da agenda, das
fechou sua primeira rodada de financiamento e come- metas e das medições. Assim como para o SAGCOT, o
çou a emitir pedidos de propostas. primeiro passo era reconhecer os desafios sistêmicos
Sistema de medição compartilhado. Os par- enfrentados pelos agricultores que operavam em ní-
ticipantes devem concordar com uma única e pe- veis de subsistência — e eram incapazes de investir
quena lista de indicadores que determinem como os em inovações e em práticas de saúde comunitária e

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 59 


O ECOSSISTEMA DE VALOR COMPARTILHADO

educação em prol da referida produtividade agrícola. projetos realizados. Que vão desde a coleta seletiva su-
Uma vez que o grupo concordou com o imperativo de pervisionada por municípios à fabricação e processa-
abordar tanto a produtividade agrícola como os proble- mento de material por operadores privados. E em re-
mas comunitários, foi possível construir um consenso lação à CocoaAction, os governos nacionais aprovam
sobre as medidas de desempenho. Em maio de 2016, as e ajudam a financiar intervenções específicas. Mars,
nove empresas lançaram um guia de métricas de prá- Nestlé e outros fabricantes de chocolate se beneficiam
ticas agrícolas e de avaliação de fertilidade do solo rico de décadas de pesquisas sobre botânica e dissemina-
em informações sobre material de plantio. Nesse guia ção. Cargill, Olam, Barry Callebaut e outros processa-
consta o número de crianças na escola e de mulheres dores de cacau e exportadores investem na capacidade
que participam de atividades de geração de renda. das cooperativas. E a International Cocoa Initiative, a
Fortalecimento de atividades mútuas. É claro CARE e outras ONGs cuidam dos sistemas de monito-
que o impacto coletivo não exige que todos os partici- ramento de mão de obra infantil.
pantes façam as mesmas coisas. Os diversos interessa- Comunicação constante. A construção da con-
dos se envolvem em atividades inter-relacionadas. Ca- fiança entre ONGs, governos e empresas concorrentes
da empresa se concentra no que pode fazer melhor. não é fácil, mas é imprescindível para coordenar ob-
A experiência com cadeias de fornecimento e dis- jetivos comuns. Deve ter, como base a comunicação
tribuição contribui para um fecundo intercâmbio en- constante e a consistência nos compromissos. Ambas
tre empresas das mais diferentes áreas, o que permite possibilitam superar até mesmo desconfianças de lon-
uma excelente coordenação de numerosas atividades. ga data, além de consolidar a legitimidade, intensificar
No SAGCOT, a visão de longo prazo determinou a o poder de ação e estimular a aprendizagem.
sequência dos investimentos e das atividades, come- Empresas são especialistas em mandar mensa-
çando com amplas melhorias de infraestrutura. Me- gens de forma eficaz para diversos públicos e contam
lhores estradas e um porto mais eficiente precederam com sofisticadas equipes de comunicação interna. O
os investimentos em transporte refrigerado para au- SAGCOT, o Closed Loop Fund e a CocoaAction se be-
mentar a produtividade. O governo da Tanzânia dei- neficiaram de eventos de alto nível criados por gran-
xou de proibir a exportação, cortou impostos sobre des empresas.
equipamentos de irrigação, eliminou taxas de colheita, O SAGCOT, membro do World Economic Fo-
gerou novos planos de uso da terra e gastou US$ 211 mi- rum, ganhou exposição e compromisso na conferên-
lhões na modernização do porto. As agências de apoio cia anual do fórum em Davos, Suíça. A Walmart usou
financiaram a reparação de estradas e facilitaram a a posição privilegiada do CEO na Sustainable Pro-
abertura de cooperativas de agricultores. A Yara cen- duct Expo, de 2014, em Bentonville, Arkansas, pa-
trou seu investimento direto em infraestrutura portuá- ra recrutar fornecedores para o Closed Loop Fund. E
ria e redes de agronegócio — suas áreas de especialida- a CocoaAction usou a Barry Callebaut’s Annual
de. Para ajudar a coordenar a iniciativa, baseou-se em Chocovision para mobilizar parceiros e exercer pressão
sua experiência com os mercados agrícolas mundiais e para diversas iniciativas rumo às mudanças.
em seu trabalho na Tanzânia e em outros países africa- No nível operacional, cada grupo emite atualiza-
nos em conjunto com a UN Millennium Project’s Hun- ções regulares e agenda de reuniões com seus grupos
ger Task Force e a Tanzanian Agricultural Partnership. de trabalho e investidores. O SAGCOT promove um
Para o Closed Loop Fund, os problemas na cadeia fórum de parcerias anual e reuniões de grupos regio-
de valor da reciclagem das cidades determinaram os nais mais frequentes, enquanto o Closed Loop Fund e a
CocoaAction convocam esses tipos de encontro a cada
trimestre. A comunicação do fundo costuma utilizar
os conhecimentos técnicos das empresas. Por exem-
NOS ESFORÇOS DE IMPACTO COLETIVO, OS plo, na medida em que os investimentos possibilitam

DIVERSOS INTERESSADOS SE ENVOLVEM EM o processamento de novos fluxos de material de emba-


lagens recicladas, as empresas participantes discutem
ATIVIDADES ALTAMENTE SINÉRGICAS, E CADA UM como promover mercados que podem lançar o material

SE CONCENTRA NO QUE PODE FAZER MELHOR. em cadeias de fornecimento de embalagem — o que re-
quer profunda compreensão não só das especificações

60 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


A CRIAÇÃO DE VALOR
COMPARTILHADO
No artigo “Criação de valor dimensão atual mais importante lançando produtos e criando
compartilhado”, (HBRBR, janeiro de da estratégia corporativa e o mercados, redefinindo a
2011), Michael Porter e Mark Kramer caminho mais poderoso para o produtividade na cadeia de valor
argumentam que as empresas progresso social. e beneficiando grupos locais.
podem ir além da responsabilidade O valor compartilhado resulta de Os três requerem um ecossistema
social corporativa e ganhar políticas e práticas que contribuem de mercado suficientemente
vantagem competitiva ao incluir para a vantagem competitiva robusto. Nem sempre é preciso
questões sociais e ambientais em enquanto beneficia as comunidades uma abordagem de impacto coletivo
suas estratégias. Eles sugerem que em que a empresa atua. As para as duas primeiras atividades,
lidar com desafios sociais como organizações criam valor mas no nível de grupo, sim.
oportunidades de negócio é a compartilhado de três maneiras:

de qualidade e quantidade como também das barreiras Juntos, esses cinco elementos — simples de descre-
geográficas e das restrições de transporte. ver, mas imensamente desafiadores de implantar —,
Suporte de base. É preciso que uma equipe sepa- podem garantir que as centenas de organizações que
rada e financiada de forma independente e dedicada abrangem populações afetadas por determinada ques-
à iniciativa — o suporte de base — guie a visão e a es- tão social trabalhem em conjunto de forma construtiva,
tratégia, apoie atividades, estabeleça práticas de me- apesar de perspectivas, culturas e ideologias tão dife-
dição comuns, influencie a vontade pública, promova rentes. Para concretizar esse potencial, o impacto cole-
a política e mobilize recursos. Essas atividades podem tivo requer um novo tipo de liderança, às vezes chama-
ser geridas por uma única organização ou divididas en- do de liderança de sistema. Nunca há apenas um líder
tre várias com diferentes competências. A função do de sistema. Vários representantes de diferentes círcu-
suporte de base garante que todos os grupos de traba- los eleitorais lideram em conjunto.
lho permaneçam alinhados e informados. As empresas Os líderes de sistema devem delinear suas próprias
não podem ser o suporte de base — elas não são agen- intenções e avaliar a situação geral para motivar todos
tes neutros. os participantes e criar confiança entre eles. Mesmo que
Entretanto, podem financiar o lançamento, dar su- sejam responsáveis perante suas próprias organizações
porte tecnológico para a comunicação online e ofere- e mantenham suas prioridades em mente, devem ajudar
cer mentoring ou coaching e, em alguns casos, introdu- os outros no grupo a entender como a saúde de todo o
zir Six Sigma e outros processos de melhoria contínua. sistema beneficia cada uma das partes. Ser líder de sis-
Embora a Yara tenha iniciado o corredor agrícola da tema requer persistência e capacidade de ouvir, além de
Tanzânia, ela teve o cuidado de evitar tomar posse ou ver a realidade pelos olhos de outros stakeholdes.
se responsabilizar pelos esforços. O suporte de base é Ron Gonen e Rob Kaplan são os cofundadores do
um departamento independente (o Centro SAGCOT) Closed Loop Fund. Gonen liderou o programa de reci-
cujo primeiro CEO era um ex-chefe do National Busi- clagem da cidade de Nova York. Antes disso, lançou a
ness Council, da Tanzânia, e cujo vice-CEO era um di- Recyclebank, empresa que já promoveu a reciclagem em
retor associado do World Economic Forum. Também mais de 4 milhões de lares dos Estados Unidos. Kaplan
cuidado e organizado de forma independente era o liderou os esforços da Walmart para reduzir as emissões
Closed Loop Fund. Os especialistas de reciclagem ti- de gases do efeito estufa de sua cadeia de fornecimen-
nham profundo entendimento da economia e das tec- to. Foi responsável também pelas embalagens sustentá-
nologias relevantes. A CocoaAction permitiu que a veis. Juntos, os dois são experientes em todos os aspec-
World Cocoa Foundation desse o suporte de base — os tos da cadeia de reciclagem e fornecimento de produtos
membros também eram muito experientes no desen- (da coleta municipal à de varejo, além do conhecimen-
volvimento agrícola e na política. As empresas líderes to relativo a negócios, organizações sem fins lucrativos e
mantêm a supervisão estratégica através da associação política). Isso lhes dá credibilidade e discernimento pa-
ao conselho da fundação. ra envolver todas as partes. A experiência intersetorial é

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 61 


O ECOSSISTEMA DE VALOR COMPARTILHADO

essencial aos líderes de sistema, pois permite falar a lín- contínuas vantagens. Considere a Novo Nordisk, líder
gua de cada setor e apreciar suas motivações. mundial na fabricação de insulina para controlar o dia-
A escolha da empresa pelo líder de sistema é funda- betes. Na década de 1980, a doença praticamente não
mental, tanto para trazer a empresa para a ação quanto era diagnosticada na China, portanto não era tratada,
para manter os outros parceiros focados na agenda co- apesar de quase 10 milhões de indivíduos afetados. Em
mum. Por exemplo, Kaplan, antes de tudo, fez a Wal- 2002, a empresa criou a World Diabetes Foundation e
mart entender a relação entre suas emissões e as fa- trabalhou com o Chinese Ministry of Health, a Chine-
lhas mais amplas do sistema de reciclagem. Em segui- se Academy of Sciences e outras entidades para treinar
da, fez entre os compradores de produtos da empre- mais de 200 mil profissionais de saúde e levar informa-
sa um trabalho de conscientização para que percebes- ção a mais de 2 milhões de pacientes. Também finan-
sem a economia que podiam fazer utilizando material ciou a pesquisa médica e uma campanha mediática pa-
reciclado. Isso foi fundamental para ajudar McMillon, ra combater o estigma social associado ao diabetes. Os
o CEO, a assegurar compromissos públicos de CEOs e esforços ajudaram a reverter o cenário de aproximada-
presidentes de outras corporações. mente 500 mil “anos de vida de incapacidade”.
Sem sombra de dúvida, as ações da Novo Nordisk
POR QUE AS EMPRESAS PERDEM A OPORTUNIDADE melhoraram as condições para todo fornecedor de in-
Apesar dos poderosos incentivos e da capacidade úni- sulina na China. Além disso, ao iniciar a mudança e a
ca para apoiar a mudança social em grande escala, as construção de um relacionamento próximo com for-
organizações raramente aceleram. Nossa pesquisa in- necedores, distribuidores, governo e outros agentes,
dica três obstáculos. a empresa garantiu um mercado de US$ 1,3 bilhão pa-
Questões de legitimidade. A confiança é uma ra si e ganhou vantagem de comando até hoje não en-
condição prévia para uma colaboração bem-sucedida. fraquecida por quem chegou depois. Atualmente, sua
E, embora muitas empresas sejam respeitadas, a pro- participação de mercado na China é de 59%. Os maio-
babilidade maior é que despertem desconfiança. Afi- res concorrentes globais, Eli Lilly e Sanofi, têm apenas
nal, estão em busca de lucro. Assim, podem ser consi- 15% e 5%, respectivamente. Da mesma forma, embora
deradas ilegítimas para iniciar o progresso social. a participação da Yara no SAGCOT tenha melhorado as
No entanto, organizações que têm como uma das condições para qualquer empresa de fertilizantes que
metas compartilhar valores e se envolver nos esforços opere na Tanzânia, a organização viu a sua participa-
do impacto coletivo reconhecem que a rentabilidade ção de mercado crescer de 35% para 52%.
de longo prazo depende de uma sociedade saudável. Justificativa de investimento. A maioria das em-
As estratégias visam alcançar resultados sociais rela- presas relega questões sociais à filantropia, à cidadania
cionados com as prioridades públicas, como os Objeti- ou aos departamentos de responsabilidade social, per-
vos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização petuando a separação dos problemas sociais do núcleo
das Nações Unidas (ONU). das operações e da estratégia. Raramente examinam
E, como já dissemos, não lideram em nenhum sen- mudanças nas condições do ecossistema pelas rigoro-
tido convencional. Os participantes determinam cole- sas lentes de negócios que revelariam o seu significa-
tivamente a agenda e as ações a tomar. do para as perspectivas financeiras da empresa. Criar
A carona na competitividade. Quando uma em- valor compartilhado é uma estratégia que requer ex-
presa aperfeiçoa o ecossistema de mercado, acaba periência com questões sociais e negócios. Os projetos
aperfeiçoando também as condições para os seus con- devem estar sujeitos à mesma análise como qualquer
correntes. A Nestlé passou 40 anos trabalhando para outro investimento de capital. Se as empresas não ava-
aumentar a produtividade dos produtores de leite em liam com precisão o business case para esses projetos,
Moga, na Índia — os esforços que têm como uma das podem perder a justificativa para investir o financia-
metas compartilhar valores produziram um conjunto mento necessário e ter a atenção da gestão, o que po-
de prósperos concorrentes locais. Muitas empresas re- de exceder em muito os projetos filantrópicos ou a res-
lutam, compreensivelmente, em arcar com os custos ponsabilidade social corporativa comuns. No entanto,
quando os concorrentes também colhem os benefícios. se os projetos de valores compartilhados são bem-su-
Apesar da oportunidade de carona, as empresas cedidos, os retornos das mudanças nos ecossistemas
que criam valor compartilhado costumam gozar de podem ultrapassar os de investimentos equivalentes

62 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


BARREIRAS NO
ECOSSISTEMA
As organizações estão acostumadas em seu ecossistema. Intermediários própria cadeia de valor à procura
a pensar a estratégia na esfera do setor público ou privado podem das causas das falhas de mercado
das atividades que ficam sob seu não ser capazes de fornecer (situações em que as condições
controle direto. Elas reconhecem infraestrutura e serviços básicos socioeconômicas emperram os
a importância de um ecossistema para os usuários finais — talvez modelos de negócio convencionais),
de mercado mais amplo, mas as os intermediários nem sequer menos exercem controle e menos
pesquisas têm se concentrado no existam. Políticas governamentais percebem sua própria legitimidade.
ecossistema da concorrência, em desalinhadas ou regras informais E maiores são os custos, a
vez de nos fatores sociais que perpetuam dificuldades. E normas complexidade e o prazo de mudança.
afetam os mercados. No entanto, culturais e comportamentos Esses fatores podem enfraquecê-las
toda organização que busca valor enraizados não raro impedem a a ponto de torná-las incapazes até
compartilhado em mercados adoção de novas soluções. Quanto mesmo de vislumbrar uma alternativa
inóspitos vai encontrar barreiras mais as empresas olham além da sua que altere o contexto externo.

que as organizações não hesitariam em fazer em pes- empresas. O custo não deve ser um problema se o
quisa e desenvolvimento ou de marketing. business case é bem compreendido: em todos os exem-
O impacto coletivo também requer visão de longo plos mencionados aqui, a empresa que deu o ponta-
prazo e compromisso com os recursos isolados da revi- pé inicial teve retornos econômicos substanciais e ge-
são trimestral ou mesmo anual. Flutuações orçamen- rou benefícios significativos para a sociedade com in-
tais intercalares podem minar o progresso constante e vestimentos de capital relativamente modestos. Mas
a confiança necessária para os esforços de impacto co- muitos executivos não têm a coragem e a visão de per-
letivo. Embora os custos totais do projeto possam ser correr o setor social, envolver-se abertamente com a
grandes, são arcados por muitos participantes, assim sociedade civil, compreender o business case e buscar
geralmente não aparecem como um fator significati- uma estratégia de longo prazo em cooperação com em-
vo nas demonstrações financeiras de qualquer grande presas, governo, instituições e outros agentes.
empresa e não devem afetar o desempenho de curto Liderar a mudança social trazendo valor para os
prazo, pelo qual os acionistas rigidamente responsabi- acionistas é imensamente desafiador. Resolver esses
lizam as empresas. No entanto, estas devem adaptar problemas pode levar anos. E os resultados não vão
seus investimentos à natureza e ao calendário das mu- aparecer nas metas de desempenho trimestrais, o que
danças que buscam. Se procuram resultados de lon- os gestores geralmente visam. Governos e ONGs nem
go prazo, por exemplo, os fundos separados para fins sempre são receptivos à liderança corporativa. No en-
especiais (como o Fundo de Ecossistemas da Danone) tanto, as empresas são atores essenciais, capazes de
pode ser o canal mais adequado para o investimento. despertar possibilidades de mudança em questões
que, por muito tempo, têm sido impermeáveis à inter-
PROBLEMAS SIMPLES devem ser passíveis de soluções venção. Sem essa participação, não vamos atender às
simples. Parcerias binárias com outras empresas, agên- expectativas de crescimento dos acionistas nem reme-
cias governamentais ou ONGs, muitas vezes podem diar as falhas sociais mais urgentes do mundo.
superar um ou alguns obstáculos no ecossistema local. HBR Reprint R1704E–P Para pedidos, página 10
No entanto, as principais empresas começaram a per-
ceber que a resolução de problemas sociais complexos MARK R. KRAMER é cofundador e diretor administrativo da
na raiz de falhas de mercado é frequentemente a úni- FSG, empresa global de consultoria de impacto social.
Membro sênior da Harvard Kennedy School e professor
ca forma de alcançar estratégias de valor compartilha- visitante da Harvard Business School. MARC W. PFITZER é diretor
do ambiciosas. Nessas situações, a capacidade de com- da FSG e coautor de “Inovação para o valor compartilhado”
preender e catalisar o impacto coletivo é essencial. (HBRBR, setembro de 2013). Nina Reichert, Helge Mahne,
Flynn Lund e Lolita Castrique, da FSG, ajudaram a conduzir a
Os maiores obstáculos a essa promessa de pro- pesquisa para este artigo. Algumas empresas aqui menciona-
gresso social e econômico têm origem nas próprias das são clientes da FSG.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 63 


VOCÊ ESTÁ
RESOLVENDO
OS PROBLEMAS
CERTOS?
REFORMULÁ-LOS PODE REVELAR
SOLUÇÕES INESPERADAS.
THOMAS WEDELL-WEDELLSBORG

FOTOGRAFIA DE FREDRIK BRODEN


64 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
VOCÊ ESTÁ RESOLVENDO OS PROBLEMAS CERTOS?

SUA
EMPRESA
RESOLVE
BEM OS
PROBLEMAS?

Provavelmente sim, se seus gestores são como os das Em parte porque tendemos a complicar os proces-
empresas que estudei. Acontece que eles estão sem- sos de diagnóstico além do necessário. Muitos sistemas
pre pelejando não para resolver os problemas, mas para existentes — TRIZ, Six Sigma, Scrum e outros — são
descobrir quais são. Numa pesquisa em 17 países com bastante abrangentes. Quando adequadamente aplica-
106 executivos do C-level que representavam 91 em- dos, costumam ser poderosos. Mas sua própria eficácia
presas do setor público e do setor privado, descobri que os torna complexos e extremamente demorados para
85% concordavam plenamente que sua empresa diag- ser processados num dia de trabalho. As pessoas pre-
nosticava mal os problemas, 87% concordavam plena- cisam ser exímios diagnosticadores de problemas, não
mente ou apenas concordavam que essa falha implica- no seminário anual de estratégia, mas nas reuniões di-
va custos significativos e menos de 10% afirmaram que árias — por isso necessitamos de ferramentas que não
sua empresa não era afetada por essa questão. O padrão paralisem toda a organização num programa de treina-
é claro: movidos por uma tendência para a ação, os ges- mento durante semanas.
tores tendem a mudar rapidamente para o modo solu- Porém, mesmo quando são aplicados mecanismos
ção, sem verificar se realmente entenderam o problema. mais simples de diagnóstico, as pessoas, não raro, per-
Já se passaram 40 anos desde que Mihaly cebem que estão se aprofundando exageradamente no
Csikszentmihalyi e Jacob Getzles demonstraram, empi- problema que tinham definido em vez de tentar obter
ricamente, o papel central da reformulação do proble- outra solução. Isso pode ser útil, mas as soluções cria-
ma na criatividade. De Albert Einstein a Peter Drucker, tivas quase sempre provêm de uma descrição alterna-
muitos sábios enfatizaram a importância de diagnosticar tiva do problema.
adequadamente os problemas. Então por que as organi- Em boa parte de minha pesquisa sobre inovação
zações ainda não conseguem fazer um bom diagnóstico? corporativa, que realizei com meu colega Paddy Miller,

66 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


passei quase dez anos trabalhando e estudando refor- EM RESUMO Observe que a reformulação inicial do problema não
mulação — primeiro no contexto restrito da mudança está necessariamente errada. Instalar um novo eleva-
organizacional e depois de forma mais genérica. Nas O PROBLEMA dor provavelmente seria a solução. A questão da refor-
próximas páginas apresento uma nova abordagem de Muitos executivos do mulação não é descobrir o “verdadeiro” problema, mas
fácil aplicação para o diagnóstico de problemas que, co- C-level (85% dos verificar se existe um problema melhor para resolver.
pesquisados) afirmam
mo descobri, costuma levar a soluções criativas, reve- que sua empresa luta com Na verdade, a própria ideia da existência de um proble-
lando reformulações radicalmente diferentes de pro- problemas de diagnóstico ma de raiz única pode ser enganadora. Os problemas
blemas comuns e persistentes. Para introduzir a refor- que acarretam custos normalmente são multicausais e podem ser resolvidos
mulação no contexto explicarei mais detalhadamente significativos. de várias formas. A questão do elevador seria reformu-
somente o que essa abordagem está tentando alcançar. lada como um problema de pico de demanda — muitas
POR QUE ACONTECE pessoas precisam usá-lo ao mesmo tempo. Uma solu-
Em parte porque tendemos
ção plausível seria focar na diluição da demanda — es-
O PROBLEMA DO ELEVADOR LENTO a projetar o processo
de diagnóstico além do calonar o horário de almoço dos usuários, por exemplo.
Imagine o seguinte: você é proprietário de um edifício necessário — mas a maioria Às vezes identificar um aspecto diferente do pro-
de escritórios e os locatários estão reclamando do ele- dos problemas é enfrentada blema produz melhorias extraordinárias — e até inspi-
vador. Ele é velho e lento, e eles perdem muito tempo nas reuniões, diariamente. ra soluções para problemas que, por décadas, pareciam
esperando. Vários inquilinos estão ameaçando romper insolúveis. Recentemente presenciei um fato dessa na-
o contrato de locação se você não resolver o problema.
A SOLUÇÃO tureza ao estudar um problema frequentemente des-
Apresentamos uma
Quando consultadas, em sua maioria as pessoas já abordagem na forma percebido no setor de animais de estimação: o número
têm alguma solução: substituir o elevador, instalar um de sete práticas para de cães em abrigos.
motor mais potente ou, talvez, melhorar o algoritmo reformular problemas com
que comanda o funcionamento da máquina. Essas su- sucesso e buscar soluções
gestões se enquadram no que chamo “espaço de solu-
criativas.
O PROBLEMA DA ADOÇÃO DE CÃES NOS ESTADOS UNIDOS
ção”: um conjunto de soluções que partilham hipóteses Os cães são muito populares entre os americanos. Esta-
sobre a natureza do problema — nesse caso, o elevador tísticas do setor sugerem que mais de 40% dos lares ame-
está lento. Essa formulação é ilustrada a seguir. ricanos têm um. Mas essa predileção tem um lado ne-
No entanto, quando o problema é apresentado aos gativo: de acordo com estimativas da ASPCA — um dos
administradores do prédio, eles sugerem uma solução maiores grupos que cuidam do bem-estar de animais no
muito mais elegante: colocar espelhos próximos aos ele- país — mais de 3 milhões de cães são recolhidos em abri-
vadores. Essa medida simples se mostrou extremamente gos todos os anos e depois colocados para adoção.
Os abrigos e outras organizações que se dedicam a cui-
REFORMULAÇÃO DO PROBLEMA ESPAÇO DE SOLUÇÃO dar de animais de estimação trabalham incessantemente
para conscientizar o público em geral sobre o problema.
“O ELEVADOR ESTÁ
“TORNAR O ELEVADOR
MAIS RÁPIDO”
Um cartaz ou um anúncio típico mostra um cão abando-
MUITO LENTO” BUSCA DA Instalar um novo elevador nado, com ar triste, cuidadosamente escolhido para des-
SOLUÇÃO Trocar o motor
Melhorar o algoritmo pertar compaixão, e a frase “Salve uma vida, adote um
cão”, ou talvez um pedido de doação. Por meio dessas e
de outras iniciativas, esse sistema, notoriamente despro-
eficiente na redução das reclamações porque, em geral,
vido de recursos financeiros, consegue que cerca de 1,4
as pessoas não se preocupam com o tempo ocioso quan-
milhão de cães sejam adotados todos os anos. Mas isso
do lhes é oferecida alguma coisa muito interessante para
ainda deixa mais de 1 milhão de cães fora da adoção — e
admirar — por exemplo, elas mesmas.
não contabiliza os inúmeros gatos e outros pets na mesma
A alternativa do espelho é particularmente interessan-
situação. O arcabouço de compaixão disponível é insufi-
te porque, na verdade, não é uma solução para o problema
ciente para atender a todos. Por isso, apesar dos esforços
identificado: ele não torna o elevador mais rápido. Mas
inesgotáveis dos abrigos e de grupos de resgate, a falta de
propõe uma compreensão diferente do problema.
pessoas dispostas a adotar um pet persiste há décadas.
Lori Weise, fundadora da Downtown Dog Rescue, em
REFORMULAÇÃO DO PROBLEMA ESPAÇO DE SOLUÇÃO Los Angeles, mostrou que a adoção não é a única manei-
“TORNAR O ELEVADOR
ra de formular o problema. Weise é uma das pioneiras
“O ELEVADOR ESTÁ
MAIS RÁPIDO” de uma abordagem que está se espalhando atualmente
Instalar um novo elevador
MUITO LENTO” BUSCA DA
SOLUÇÃO Trocar o motor no setor — o programa de intervenção do abrigo. Em vez
Melhorar o algoritmo de batalhar para que mais cães sejam adotados, Weise
procura mantê-los na família de origem, e de tal forma
Reformulando o problema
que eles nunca precisarão recorrer a um abrigo. Verifi-
“ABREVIAR A ESPERA” ca-se que cerca de 30% dos cães acolhidos em abrigos são
“A ESPERA É ENTEDIANTE”
Colocar espelhos
Tocar música
“abandonados pelos donos”, num ato de desistência de-
Disponibilizar desinfetante liberada. Em comunidades cujos voluntários são unidos
para as mãos
pelo amor aos animais, essas pessoas são severamente

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 67 


VOCÊ ESTÁ RESOLVENDO OS PROBLEMAS CERTOS?

criticadas por abandonarem cruelmente seus animais de dida como um rápido processo iterativo. Você deve
estimação como se eles fossem apenas uma mercadoria pensar nela como um contraponto cognitivo para uma
de consumo. Para evitar que os cães acabem nas mãos de prototipagem rápida.
“maus” donos, muitos abrigos, apesar da superpopula- As práticas aqui descritas podem ser usadas de uma
ção crônica, exigem que os potenciais adotantes passem de duas formas, dependendo de até que ponto você
por elaborados escrutínios de background. controla a situação. Uma delas é aplicar metodicamen-
A visão de Weise é um pouco diferente. “O abando- te as sete práticas ao problema. Isso pode ser feito em
no não é uma questão de ser mau dono”, ela ressalta, cerca de 30 minutos, e tem a vantagem de que todos se
“mas sim um problema de pobreza. Essas famílias ado- familiarizam com o processo.
ram seus cães tanto quanto nós, mas são extremamen- A outra forma pode ser aplicada quando você não
te pobres. Estamos falando de gente que não sabe se- tem o controle da situação e precisa dimensionar o pro-
quer como vai alimentar os filhos no fim do mês. Por is- cesso dependendo do tempo de que você dispõe. Um
so, quando um novo dono, de repente, exige um depó- membro da equipe pode interpelá-lo no corredor e você
sito para aceitar o animal, elas simplesmente não têm dispõe de apenas cinco minutos para ajudá-lo a repensar
como pagar. Em outros casos, o cão precisa de uma va- um problema. Se isso acontecer, simplesmente selecio-
cina contra raiva de US$ 10, mas a família não tem aces- ne uma ou duas práticas que pareçam mais adequadas.
so ao veterinário, ou pode ter medo de vir a enfrentar Cinco minutos pode parecer pouco tempo para des-
as autoridades. Deixar seu pet num abrigo geralmente crever o problema, e menos ainda para reformulá-lo. Des-
é a última opção que lhe resta”. cobri que, surpreendentemente, intervenções assim tão
Weise iniciou o programa em abril de 2013, colabo- curtas são suficientes para despertar uma nova ideia — e
rando com um abrigo na parte norte da cidade de Los de vez em quando podem até disparar um momento aha!
Angeles. A ideia é simples: sempre que uma família che- e mudar radicalmente sua visão do problema. A convi-
ga para entregar seu pet, um membro do staff pergunta, vência com seus próprios problemas pode ajudá-lo a se
sem outros questionamentos, se a família gostaria de perder em elucubrações, ruminando incansavelmente
continuar com o animal. Se a resposta for sim, o atenden- por que um colega, o cônjuge ou os filhos não o ouvem. Às
te tenta ajudar a resolver o problema recorrendo à sua re- vezes, você só precisa que alguém lhe diga “bem, quem
de social e recursos do sistema. sabe o problema não é você que não sabe ouvi-los?”.
No primeiro ano já foi notável o sucesso do programa. Obviamente, nem todos os problemas são tão simples.
Nos primeiros anos a organização de Weise gastou uma Muitas vezes são necessárias várias rodadas de reformula-
média de US$ 85 por pet que ajudou. O novo programa ção — intercaladas com observações, discussões e prototi-
reduzia esse custo para US$ 60 e ainda liberava mais es- pagem. E, em alguns casos, a reformulação não ajuda em
paço no abrigo para outros animais que necessitassem. E nada. Mas você não saberá quais problemas serão resolvi-
Weise comentou que esse foi apenas o impacto imedia- dos se não tentar reformulá-los. Quando você dominar a
to: “O mais importante foi o efeito abrangente sobre a co- versão dos cinco minutos, poderá aplicar a reformulação
munidade. O programa ensina as famílias a resolver pro- a praticamente qualquer problema que surgir.
blemas, explica seus direitos e responsabilidades e mos- Apresentamos a seguir as sete práticas.
tra à comunidade que a assistência está disponível. Ele 1. Crie legitimidade. É difícil usar a reformulação
mudou a percepção dos donos de pets: descobrimos que se você for a única pessoa que entende o método. Ou-
quando se oferece assistência, 75% gostariam de conti- tras pessoas, movidas pela vontade de encontrar solu-
nuar com seus animais de estimação”. ções, podem sentir que sua insistência em discutir o
Até o momento, o programa de problema é contraproducente. Se
Weise ajudou cerca de cinco mil pets no grupo há um desequilíbrio de
e famílias, e recebeu o apoio formal poder, como quando você enfren-
da ASPCA. Weise lançou um livro,
First home, forever home, que expli-
ca a outros grupos de resgate como
Você não saberá ta clientes ou colegas seniores, elas
podem muito bem calar sua boca
antes mesmo de você começar a fa-
montar um programa de interven-
ção. Graças à sua reformulação do
problema, abrigos superlotados po-
q i problemas
quais p bl s lar. E pode ser difícil, até para exe-
cutivos poderosos, utilizar o méto-
do quando as pessoas já estão acos-
derão algum dia ser coisa do passado.
Como você reformularia seu
problema com um insight similar?
serãoã resolvidos
l id s tumadas a ouvir de seus líderes res-
postas em vez de perguntas.
Sua primeira tarefa, portanto, é

SETE PRÁTICAS PARA UMA se nãoã tentar


t t r estabelecer a legitimidade do mé-
todo dentro do grupo, criando o es-
paço necessário para discutir a uti-
REFORMULAÇÃO EFETIVA lização da reformulação. Para fazer
Minha experiência mostra que a re-
formulação é mais bem compreen- f
reformulá lálos.
reformulá-los.l s. isso, sugiro duas formas. A primei-
ra é compartilhar este artigo com as

68 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


pessoas com quem está se reunindo. Mesmo que elas funcionários da linha de frente da empresa para saber
não o leiam, simplesmente vê-lo pode persuadi-las a ou- como eles realmente se sentiam, mas também estava
vir você. A segunda é contar a história do elevador lento, perto o suficiente da administração para entender su-
que é o meu exemplo preferido, quando tenho menos de as prioridades e falar sua língua, tornando-se a pessoa
30 segundos para explicar o conceito. Descobri que ela é ideal para a tarefa. Por outro lado, chamar um especia-
uma forma poderosa e rápida de explicar a reformulação lista em inovação teria desviado ainda mais os mem-
— como ela difere de um problema meramente diagnós- bros da equipe do caminho da inovação em vez de ins-
tico, pode criar resultados significativamente melhores. pirá-los a repensar seu problema.
2. Convide pessoas externas para participar da Escolha alguém que fale francamente. Devido à sua
discussão. Esta é a prática mais útil de reformulação. Eu longa permanência no cargo e à proximidade com o di-
testemunhei como ela funciona há oito anos, quando a retor-geral, Charlote se sentiu à vontade para desafiar a
equipe de gestão de uma pequena empresa europeia es- equipe da direção e ao mesmo tempo manter-se com-
tava sofrendo com a falta de inovação de suas equipes prometida com os objetivos dos gestores. Essa sensação
operacionais. Os gestores tinham acabado de descobrir de segurança psicológica, como Amy C. Edmondson,
uma técnica específica de treinamento em inovação de da Harvard, costuma chamar, foi importante para o
que todos tinham gostado, por isso começaram a discu- aprimoramento do desempenho dos grupos. Escolha
tir qual a melhor forma de introduzi-la na organização. alguém cujo progresso na carreira não tenha sido de-
Percebendo que faltava no grupo uma voz externa, terminado pelo grupo em questão ou alguém que no-
o diretor-geral pediu que sua assistente pessoal, Char- toriamente conversa com os poderosos de forma cons-
lotte, participasse da discussão. “Eu trabalho aqui há trutiva e de igual para igual.
12 anos”, começou ela dizendo ao grupo, “e nesse Espere input, não soluções. Charlotte não tentou for-
período vi três equipes diferentes de gestão tentar re- necer ao grupo uma solução. Ao contrário, sua observa-
formular a inovação. Nenhuma delas conseguiu. Não ção levou os próprios gestores a repensar o problema.
acredito que as pessoas reagiriam bem à introdução de Esse é o padrão. Por definição, as pessoas externas não
mais uma série de frases empolgantes”. são especialistas na situação e, portanto, raramente são
A observação de Charlotte fez os gestores perce- capazes de resolver o problema. Essa não é a função de-
ber que eles tinham se apaixonado por uma solução las. Elas estão lá para estimular os donos do problema
— apresentando a reformulação de uma inovação — a pensar de forma diferente. Por isso, quando você in-
antes de entender completamente o problema. Eles, cluí-las na discussão, peça-lhes especificamente que de-
imediatamente, concluíram que seu diagnóstico ini- safiem a forma de pensar do grupo e forcem os donos do
cial estava errado: muitos de seus funcionários já sa- problema a ouvir e procurar mais input que respostas.
biam como inovar, mas não se sentiam muito engaja- 3. Solicite descrições por escrito. É comum as
dos na empresa, por isso não estavam dispostos a se pessoas saírem de uma reunião, depois de uma vaga
envolver na iniciativa. O que inicialmente os gestores exposição oral, pensando que todas estão de acordo
haviam considerado como um problema de uma com- quanto à natureza do problema e só semanas ou meses
binação específica de habilidades foi mais bem aborda- depois perceberem que sua visão era outra, bem dife-
do como um problema de motivação. rente. Além disso, uma dessas perspectivas pode mui-
Eles eliminaram todas as palestras sobre inovação to bem esconder uma reformulação bem-sucedida.
nos workshops e focaram em melhorar o engajamento Uma equipe de gestão, por exemplo, pode concor-
dos funcionários (entre outras coisas), dando às pes- dar que o problema da empresa seja a falta de inova-
soas mais autonomia, introduzindo horas flexíveis de ção. Mas, se você pedir que cada membro da equipe re-
trabalho e implantando um estilo de tomada de deci- suma numa ou duas frases o que está errado, perceberá
são mais participativo. Funcionou. Em 18 meses, os es- de imediato como as reformulações diferem. Algumas
cores de satisfação no local de trabalho tinham dobra- pessoas argumentarão: “Nossos funcionários não es-
do, e a rotatividade dos funcionários diminuído verti- tão motivados a inovar” ou: “Eles não entendem a ur-
ginosamente. E à medida que as pessoas começaram gência da situação”. Outros dirão: “As pessoas não têm
a contribuir com suas habilidades criativas, os resulta- a combinação de habilidades específicas desejadas”,
dos financeiros melhoraram significativamente. Qua- “Nossos clientes não querem pagar pela inovação” ou
tro anos depois, a empresa recebeu um prêmio por ser “Não recompensamos as pessoas pela inovação”. Pres-
o melhor lugar do país para trabalhar. te muita atenção às expressões usadas, porque mesmo
Como mostra essa história, contar com a perspectiva palavras aparentemente inconsequentes podem reve-
de uma pessoa externa ajuda a repensar o problema rápi- lar uma nova perspectiva do problema.
da e adequadamente. Para fazer isso com mais eficiência: Presenciei esse comportamento quando trabalhei
Procure “extensores de horizontes”. Como mostrou com um grupo de gestores do setor de construção ex-
a pesquisa desenvolvida por Michael Tushman e ou- plorando como eles, individualmente, poderiam con-
tros colaboradores, o input mais proveitoso tende a vir tribuir para melhorar seus resultados. Enquanto ten-
de pessoas que entendem, mas não participam de seu távamos identificar os obstáculos que cada um preci-
mundo. Charlotte estava suficientemente próxima dos sava transpor, pedi que descrevessem seus problemas

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 69 


VOCÊ ESTÁ RESOLVENDO OS PROBLEMAS CERTOS?

em flip charts, depois analisamos em conjunto suas (A observação não veio do especialista em finanças da
reivindicações. O primeiro comentário do grupo foi o equipe, mas de um executivo de RH.)
mais impactante: “Praticamente nenhuma das descri- 5. Considere vários tipos. Como mostra a histó-
ções incluía a palavra ‘eu’”. Com apenas uma exceção, ria de Lori Weise, pode surgir uma mudança radical
os problemas foram consistentemente redigidos de for- quando se transforma a percepção das pessoas sobre
ma a diluir a responsabilidade individual, por exemplo: determinado problema. Uma forma de provocar essa
“Minha equipe ...”, “o mercado ...”, e em alguns pou- mudança de paradigma é solicitar que a pessoa identi-
cos casos “nós ...”. Bastou essa observação para mudar- fique especificamente o tipo de problema que ela acre-
mos o tom da reunião, forçando os participantes a se dita que o grupo está enfrentando. É um problema de
responsabilizar mais pelos desafios que enfrentavam. estímulo? De expectativa? Um problema de atitude?
Seria bom que essas descrições individuais dos pro- Tente sugerir outros tipos.
blemas fossem apresentadas antes da reunião por es- Jeremiah Zinn, um gestor meu conhecido, fez isso
crito, por isso, se for possível, peça que os participantes quando liderou a equipe de desenvolvimento de pro-
lhe enviem algumas linhas num email confidencial, e duto do popular canal de entretenimento infantil Ni-
insista para que escrevam na forma de texto corrido — ckelodeon. A equipe estava lançando um novo aplica-
questões itemizadas geralmente são resumidas demais. tivo promissor, que muitas crianças baixaram. Mas era
Depois transcreva todas as descrições que recebeu num meio difícil fazê-lo rodar porque exigia que o interes-
flip chart para que todos possam lê-las e discuti-las na sado se logasse no serviço de TV a cabo da casa para se
reunião. Não adicione nenhuma forma de identificação inscrever. Nesse ponto do processo de inscrição, quase
para garantir que os julgamentos sobre uma descrição todas as crianças desistiam.
não sejam afetados pela identidade ou status do autor. Percebendo a questão como um problema de usabi-
Essas descrições poderão sensibilizá-lo sobre as lidade, a equipe colocou sua expertise para funcionar e
perspectivas de outros stakeholders. Em princípio, rodou centenas de testes A/B em vários modelos de ins-
apreciamos que outros possam vivenciar um problema crição, tentando simplificar o processo. Nada ajudou.
de forma diferente (ou simplesmente não percebê-lo). A mudança só ocorreu quando Zinn percebeu que
Mas como foi demonstrado num estudo recente rea- os membros da equipe estavam pensando no proble-
lizado por Johannes Hattula, do Imperial College, de ma de forma muito bitolada. Eles tinham focado no
Londres, quando os gestores tentam imaginar a pers- comportamento das crianças, acompanhando cuida-
pectiva do cliente, normalmente formam uma ideia dosamente cada clique e cada comentário — mas não
equivocada. Para entender o que os stakeholders pen- analisaram como as crianças se sentiam durante o pro-
sam, é preciso ouvir o que eles têm a dizer. cesso de inscrição. Isso acabou se mostrando crítico.
4. Pergunte o que estiver faltando. Muitas ve- No momento em que a equipe começou a observar as
zes, ao se defrontar com a descrição de um problema, reações emocionais, percebeu que a solicitação da se-
as pessoas tendem a se aprofundar nos detalhes do que nha do provedor de TV a cabo deixava as crianças com
foi exposto, e prestam menos atenção no que a descri- medo de arrumar encrenca: para uma criança de 10
ção possa estar deixando de lado. Para evitar que isso anos, pedir senha sinaliza território proibido. Munido
ocorra, pergunte explicitamente o que não foi entendi- desse insight, a equipe de Zinn simplesmente adicio-
do ou mencionado. nou um vídeo curto explicando que não havia proble-
Trabalhei recentemente com uma equipe de executi- ma em pedir a senha aos pais — e imediatamente as ta-
vos seniores no Brasil que deveriam fornecer a seu CEO xas de adesão do aplicativo decuplicaram.
ideias para melhorar a percepção do mercado sobre o Ao mostrar explicitamente como o grupo pensa o
preço das ações da empresa. A equipe havia analisado problema — processo conhecido como metacognição,
habilmente os componentes que afetavam o valor das isto é, a tomada de consciência dos próprios processos
ações — a previsão da razão preço/ganho, a razão total de cognitivos —, você ajuda a reformulá-lo, mesmo que
débitos sobre o capital, lucros por ação, e assim por dian- não tenha outras formulações a sugerir. E é muito útil
te. É claro que nada disso era novidade para o CEO, como escolher entre descrições escritas se você conseguir
também não era exatamente fácil alterar esses fatores, o obtê-las antecipadamente.
que acabou provocando certo desânimo na equipe. A história de Zinn revela uma armadilha comum na
Mas quando instei os executivos a analisar a situa- solução de problemas, expressa pela primeira vez por
ção de forma mais genérica e pensar no que estava fal- Abraham Kaplan em sua famosa lei do instrumento: “Dê
tando na descrição do problema, surgiu algo novo. Ve- um martelo a um garoto, e ele descobrirá que tudo que
rificou-se que, quando os analistas financeiros exter- vê pela frente precisa ser martelado”. Na Nickelodeon,
nos pediam para falar com os executivos da empresa, a como os membros da equipe eram especialistas em usa-
tarefa de responder, normalmente, era delegada a líde- bilidade, logo imaginaram que o problema seria esse.
res menos experientes, sem nenhum treinamento pré- 6. Analise exceções positivas. Para chegar a ou-
vio sobre como dialogar com os analistas. Assim que tras reformulações do problema, procure situações
esse ponto foi levantado, o grupo percebeu que havia em que o problema não ocorreu e pergunte: “O que foi
descoberto uma potencial recomendação para o CEO. diferente nesse caso?”. Explorar exceções positivas,

70 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


chamadas bright spots (pontos bri- estabelecidos pela equipe de gestão,
lhantes), pode revelar fatores ocul- desde ensinar habilidades de inova-
tos cujos efeitos o grupo talvez não ção até estimular o engajamento dos
tenha levado em consideração.
Um advogado com quem con-
versei comentou que os sócios de
seu escritório se reuniam ocasional-
ddi g i r
diagnosticar funcionários.
Como escreveu Fred Kaplan em seu
livro The insurgents, um exemplo con-

p bl s temporâneo famoso é a mudança na


mente para discutir iniciativas que
poderiam fazer seus negócios pro-
gredir no longo prazo. Mas, para sua
problemas doutrina militar dos Estados Unidos
iniciada pelo general David Petraeus,
entre outros. Na guerra, o objetivo de
frustração, quando essas reuniões
terminavam, ele e os outros sócios
voltavam a focar em apoiar o próxi-
tendem
d aa
tendem uma batalha é vencer as tropas inimi-
gas. Mas Petraeus e seus aliados argu-
mentavam que quando se tratava de
mo projeto de curto prazo. Quando
foram estimulados a pensar nas ex-
ceções positivas, ele se lembrou de
d ti l r
desestimular insurgências, o exército precisava per-
seguir um objetivo diferente e mais
abrangente para evitar que novos ini-
uma iniciativa de longo prazo que,
na verdade, tinha vingado.
“O que houve de diferente nesse
d dia
a verdadeira migos surgissem — ou seja, trazer a po-
pulação para o seu lado, eliminando
assim uma fonte de recrutas e outras
caso?”, perguntei. Foi que a reunião,
excepcionalmente, tinha incluído
não só os sócios, mas também uma
id ia.
ideia.
deia.
formas de apoio local que os insurgen-
tes precisavam para agir na área. Essa
abordagem foi finalmente adotada pe-
colega que era considerada um es- los militares — porque um pequeno
trela em ascensão — e foi ela quem insistiu na ideia. grupo de pensadores rebeldes se encarregou de questio-
Isso sugeriu imediatamente que colegas talentosos nar os objetivos predefinidos e de longa data.
fossem incluídos nas futuras reuniões. Os colegas se
sentiram privilegiados e entusiasmados por serem EMBORA A REFORMULAÇÃO seja uma arma poderosa, ob-
convidados para as discussões estratégicas e, ao con- ter bons resultados leva tempo e requer prática. Um
trário dos sócios, tinham um claro incentivo de curto executivo sênior da indústria de defesa observou: “Fi-
prazo para fazer avançar os projetos de longo prazo quei chocado por perceber como é difícil reformular
— isto é, impressionar os sócios e ganhar projeção na problemas, mas também como pode ser eficaz refor-
competição com os colegas. mulá-los”. À medida que você começa a trabalhar mais
Analisar as exceções positivas torna as discussões com o método, obriga sua equipe a confiar no processo,
menos agressivas. Principalmente num grupo grande e a se preparar para ele.
ou em outros contextos públicos, dissecar uma série de Depois de liderar sucessivas discussões sobre refor-
falhas pode se transformar rapidamente num conflito mulação, talvez você se sinta tentado a criar um checklist
e tornar as pessoas extremamente defensivas. Se, ao de diagnóstico. Insisto em adverti-lo contra isso — ou
contrário, você solicitar que os membros do grupo ana- pelo menos contra tornar evidente o checklist para o
lisem um resultado positivo, será mais fácil para eles grupo com o qual está envolvido. Checklists para diag-
analisar o próprio comportamento. nóstico de problemas tendem a desestimular a verdadei-
7. Questione o objetivo. No livro clássico sobre ne- ra ideia, o que, naturalmente, faz malograr o verdadeiro
gociação Como chegar ao sim, Roger Fisher, William L. propósito de se engajar na reformulação.
Ury e Bruce Patton partilham a história da especialista Finalmente, associe a reformulação a um teste práti-
em administração Mary Follett: duas pessoas discutem co. No final das contas, o método é limitado pelo conhe-
se devem manter a janela aberta ou fechada. Aparente- cimento e pelas perspectivas das pessoas envolvidas —
mente o objetivo subjacente de cada uma é diferente: e como mostrou Steve Blank, de Stanford, é fatal pensar
uma quer ar fresco, a outra quer evitar correntes de ar. que você sabe tudo dentro dos limites confortáveis de seu
Só quando esses objetivos sub-reptícios são trazidos à escritório. Da próxima vez que enfrentar um problema,
luz pela argumentação de uma terceira pessoa o proble- comece reformulando-o — mas não espere muito antes
ma é resolvido — abre-se a janela do quarto adjacente. de sair do prédio para iniciar o produto, observar os clien-
Essa história destaca outra maneira de reformu- tes e criar protótipos de suas ideias. Não se trata somente
lar um problema — prestando atenção explicitamente de pensar ou testar, mas de um casamento dos dois, que
nos objetivos das partes envolvidas, primeiro esclare- guarda a chave de resultados radicalmente melhores.
cendo-os, depois desafiando-os. O programa de inter- HBR Reprint R1704F–P Para pedidos, página 10
venção do abrigo de Weise, por exemplo, dependia de
uma mudança de objetivos, desde aumentar a adoção THOMAS WEDELL-WEDELLSBORG é consultor independente, e conferen-
até manter mais pets com o dono. E a história de Char- cista e coautor de Innovation as usual: how to help your peo-
lotte incluía igualmente uma mudança nos objetivos ple bring great ideas to life (Harvard Business Review Press, 2013).

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 71 


A TRANSFORMAÇÃO DOS
NEGÓCIOS LEVARÁ ANOS, MAS
O PERCURSO COMEÇA AGORA.
MARCO IANSITI E KARIM R. LAKHANI

ILUSTRAÇÕES DE GUEDDA HASSAN MOHAMED


72 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
A VERDADE SOBRE A BLOCKCHAIN

C
ontratos, transações e seus registros são
algumas das estruturas básicas que formam
os sistemas econômicos, legais e políticos.
Elas protegem os ativos e estabelecem
fronteiras organizacionais; estabelecem e
verificam identidades; registram eventos;
governam as interações entre nações,

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 73 


A VERDADE SOBRE A BLOCKCHAIN

organizações, comunidades e indivíduos; e orientam PADRÕES DE ADOÇÃO DE TECNOLOGIA


a atuação gestora e social. Antes de mergulhar na estratégia de blockchain e seus
No entanto, essas ferramentas fundamentais e a investimentos, vamos refletir sobre o que já sabemos
burocracia formada para gerenciá-las não acompa- a respeito da adoção de tecnologias e, em particular,
nharam a transformação digital da economia. São co- o processo de transformação típico de outras tecno-
mo um engarrafamento no horário de pico aprisionan- logias de base. Um dos exemplos mais relevantes é a
do um carro de Fórmula 1. No mundo digital, a forma adoção do TCP/IP (protocolo de controle de transmis-
como regulamos e mantemos o controle administrati- são/protocolo de internet), que estabeleceu as bases
vo precisa mudar. para a tecnologia em rede de computadores e o desen-
A blockchain, a tecnologia bitcoin e de outras mo- volvimento da internet.
edas virtuais, promete resolver esse problema. A Introduzido em 1972, o primeiro avanço do TCP/
blockchain é um registro contábil aberto e distri- IP foi em uma única funcionalidade: como a base do
buído capaz de gravar transações entre duas partes email entre pesquisadores no ARPAnet, o precursor
de forma permanente e eficiente. O próprio regis- da internet comercial desenvolvido pelo departamen-
tro pode ser programado para disparar as transações to de Defesa dos Estados Unidos. Antes do TCP/IP, a
automaticamente. (Ver barra lateral “Como funciona arquitetura de telecomunicações era baseada na “co-
a blockchain”.) mutação de circuitos”, na qual as conexões entre du-
A blockchain permite imaginar um mundo em que as partes ou máquinas deveriam ser preestabelecidas
os contratos seriam embutidos em código digital e ar- e sustentadas durante toda a troca. Para garantir que
mazenados em bancos de dados transparentes, com- dois pontos pudessem se comunicar, os provedores de
partilhados e protegidos de exclusão, adulteração e re- serviços de telecomunicações e os fabricantes de equi-
visão. Cada acordo, processo, tarefa e pagamento te- pamentos investiram bilhões na construção de linhas
riam um registro digital e uma assinatura possível de dedicadas.
ser identificada, validada, armazenada e compartilha- O TCP/IP virou esse modelo de ponta-cabeça. O no-
da. Advogados, corretores, banqueiros e outros inter- vo protocolo transmite informações digitalizando-as e
mediários já não seriam necessários. Indivíduos, or- dividindo-as em pacotes muito pequenos, todos com
ganizações, máquinas e algoritmos fariam transações informações de endereço. Uma vez liberados na rede,
livremente com pouco ou nenhum conflito. Esse é o os pacotes podem tomar qualquer rota até o destinatá-
imenso potencial da blockchain. rio. Pontos inteligentes de recepção e envio nas extre-
Quase todo mundo já ouviu dizer que a blockchain midades da rede conseguem desmontar e remontar os
vai revolucionar os negócios e redefinir as empresas e pacotes e interpretar os dados codificados. Não havia
a economia. Embora compartilhemos do entusiasmo necessidade de linhas privadas dedicadas ou infraes-
pelo seu potencial, nós nos preocupamos com a propa- trutura maciça. O TCP/IP criou uma rede pública aber-
EM RESUMO ganda excessiva. Não são apenas questões de seguran- ta e compartilhada, sem nenhuma autoridade central
ça (como o colapso, em 2014, de uma plataforma de ne- ou parte responsável pela sua manutenção e melhoria.
A EXPECTATIVA gociação de bitcoins e as recentes invasões de outras) Os setores tradicionais de telecomunicações e
Todos já ouviram dizer
que nos preocupam. Nossa experiência em inovação computação olharam o TCP/IP com ceticismo. Poucos
que a blockchain vai
revolucionar os negócios, tecnológica nos diz que, se a blockchain causar uma re- imaginavam que conexões robustas de dados, mensa-
mas vai demorar muito volução, muitas barreiras — tecnológicas, governa- gens, voz e vídeo poderiam ser estabelecidas na nova
mais tempo do que mentais, organizacionais e até mesmo sociais — deve- arquitetura, ou que o sistema associado poderia se tor-
muitos afirmam. rão cair. Seria um erro se jogar de cabeça nas inovações nar seguro e ser expandido. Porém, no fim da década
blockchain sem entender como elas vão se estabelecer. de 1980 e da de 1990, um número crescente de empre-
O MOTIVO Acreditamos que a verdadeira transformação dos sas, como Sun, NeXT, Hewlett-Packard e Silicon Gra-
Como o TCP/IP (no qual
a internet se baseia), negócios e do governo gerada pela blockchain ainda phics, usaram o TCP/IP em parte para criar redes pri-
a blockchain é uma está muito distante. Isso ocorre porque a blockchain vadas restritas dentro das organizações. Para isso, de-
tecnologia de base que não é uma tecnologia “disruptiva” que possa atacar senvolveram ferramentas e blocos de construção que
exigirá ampla coordenação. um modelo de negócio tradicional com uma solu- ampliaram seu uso para além do email, substituindo
O nível de complexidade ção de menor custo e pegar as empresas de surpresa. gradualmente tecnologias e padrões de redes locais
— tecnológico, regulatório
e social — não terá A blockchain é uma tecnologia de base: ela tem poten- mais tradicionais. À medida que as organizações ado-
precedentes. cial para criar novos alicerces para nossos sistemas taram essas ferramentas e esses blocos de construção,
econômicos e sociais. Mas, embora o impacto seja tiveram enormes ganhos de produtividade.
A VERDADE enorme, levará décadas para que a blockchain se infil- Em meados da década de 1990, o TCP/IP irrompeu no
A adoção do TCP/IP tre em nossa infraestrutura econômica e social. O pro- uso público amplo com o advento da World Wide Web. As
sugere que a blockchain cesso de adoção não será repentino, mas sim gradu- empresas de novas tecnologias emergiram rapidamen-
seguirá um caminho
bastante previsível. O al e estável, à medida que as ondas de mudança tec- te para fornecer a estrutura necessária — o hardware, o
processo levará anos, mas nológica e institucional ganhem impulso. São esses software e os serviços — à conexão com a rede, agora pú-
as empresas já devem insights e suas implicações estratégicas que explorare- blica, e à troca de informações. A Netscape comerciali-
começar a se planejar. mos neste artigo. zou navegadores, servidores web e outras ferramentas

74 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


e componentes que auxiliaram no desenvolvimento e
adoção de serviços e aplicativos de internet. A Sun lide-
rou o desenvolvimento da linguagem de programação A BLOCKCHAIN
de aplicativos Java. Como as informações na web aumen-
taram exponencialmente, a Infoseek, a Excite, a AltaVis-
ta e a Yahoo nasceram para guiar os usuários.
Uma vez que essa infraestrutura básica ganhou
PODE REDUZIR
massa crítica, uma nova geração de empresas aprovei-
tou a conectividade de baixo custo através da criação de
serviços de internet que eram substitutos atraentes para DRASTICAMENTE O
as empresas existentes. A CNET levou as notícias para
a internet. A Amazon ofereceu uma variedade de livros
maior que a de qualquer livraria. A Priceline e a Expe-
dia tornaram mais fácil — além de extraordinariamente
CUSTO DAS TRANSAÇÕES
transparente — comprar passagens aéreas. A capacida-
de dos recém-chegados de arrebanhar clientela nume-
rosa a um custo relativamente baixo impactou negócios E — SE ADOTADO
UNIVERSALMENTE
tradicionais, como jornais e lojas físicas de varejo.
Baseando-se na ampla conectividade com a inter-
net, a próxima onda de empresas criou aplicações no-
vas e transformadoras que mudaram fundamental-
mente a maneira como as empresas geravam e captu-
ravam valor. Essas empresas foram construídas sobre
uma nova arquitetura ponto a ponto e criaram valor — REABILITAR A
ECONOMIA.
coordenando redes distribuídas de usuários. Pense
em como a eBay mudou o varejo online por meio de
leilões, a Napster mudou a indústria musical, a Skype
mudou as telecomunicações e a Google, que explorou
os links gerados pelo usuário para fornecer resultados
mais relevantes, mudou a pesquisa na web.
Em última análise, levou mais de 30 anos para o
TCP/IP passar por todas as fases — uso único, uso lo-
calizado, substituição e transformação — e remodelar
a economia. Hoje, mais de metade das empresas de ca- em todo o mundo mantém o software principal. E as-
pital aberto mais valiosas do mundo tem modelos de sim como o email, a bitcoin floresceu primeiro em uma
negócio baseados na internet e em plataformas. A pró- comunidade relativamente pequena de entusiastas.
pria base da nossa economia mudou. Escala física e pro- O TCP/IP desbloqueou um novo valor econômico
priedade intelectual diferenciada já não conferem van- reduzindo drasticamente o custo das conexões. Da
tagens imbatíveis: hoje os líderes econômicos são em- mesma forma, a blockchain pode reduzir drasticamen-
presas que atuam como “pedras fundamentais”, orga- te o custo das transações. Ele tem o potencial para se
nizando, promovendo e coordenando proativamente tornar o sistema de registro de todas as transações. Se
redes de comunidades, usuários e organizações. isso acontecer, a economia voltará a sofrer uma mu-
dança radical à medida que surjam novas fontes de in-
fluência e controle baseadas em blockchains.
A NOVA ARQUITETURA Considere como os negócios funcionam agora. Man-
A blockchain — uma rede ponto a ponto apoiada na ter registros contínuos de transações é função básica de
internet — foi introduzida em outubro de 2008 como qualquer empresa. Eles rastreiam ações passadas e de-
parte de uma proposta para a bitcoin, um sistema de sempenho e guiam o planejamento para o futuro. Refle-
moeda virtual que dispensava uma autoridade cen- tem o modo como a organização trabalha internamen-
tral para emitir moeda, transferir propriedades e con- te, mas também suas relações externas. Toda empresa
firmar transações. A bitcoin é a primeira aplicação da mantém seus próprios registros, que são privados. Mui-
tecnologia blockchain. tas não têm um livro de registro principal de todas as
Os paralelos entre a blockchain e o TCP/IP são cla- suas atividades. Em vez disso, os registros são distribu-
ros. Assim como o email possibilitou a troca de mensa- ídos entre unidades e funções internas. O problema é
gens bilaterais, a bitcoin permite transações financei- que comparar transações entre livros de registro indivi-
ras bilaterais. O desenvolvimento e a manutenção de duais e privados leva muito tempo e tende a gerar erros.
blockchains são abertos, distribuídos e compartilhados Uma transação típica de ações, por exemplo, po-
— assim como o TCP/IP. Uma equipe de voluntários de ser executada em microssegundos, muitas vezes

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 75 


A VERDADE SOBRE A BLOCKCHAIN

76 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


sem intervenção humana. No entanto, a liquidação —
a transferência de propriedade das ações — pode le-
var até uma semana. Isso ocorre porque as partes não
têm acesso mútuo aos livros de registro e não podem
COMO AS TECNOLOGIAS DE BASE SE
verificar automaticamente o proprietário dos ativos e
se estes podem ser transferidos. Em vez disso, muitos
ESTABELECEM
Geralmente, a adoção de tecnologias de base ocorre
intermediários atuam como garantidores de ativos, já em quatro fases. Cada fase é definida pela novidade
que o registro de transações atravessa organizações e das aplicações e pela complexidade dos elementos
os livros de registros são atualizados individualmente. de coordenação necessários para torná-las viáveis.
No sistema de blockchain, o livro de registro é repli- Aplicações com pouca novidade e complexidade ganham
cado em um grande número de bancos de dados idên- aceitação primeiro. Aplicações com muita novidade e
ticos, cada um hospedado e mantido por uma parte in- complexidade levam décadas para evoluir, mas podem
transformar a economia. A tecnologia TCP/IP, introduzida
teressada. Quando as alterações são inseridas em uma no ARPAnet em 1972, já atingiu a fase de transformação,
cópia, todas as outras cópias são atualizadas simultane- mas as aplicações blockchain (em vermelho) estão em
amente. Assim, conforme as transações ocorrem, os re- seus primórdios.
gistros do valor e dos ativos trocados são permanente-
mente inseridos em todos os livros de registro. Não é ne- ALTO
cessário que intermediários verifiquem ou transfiram a SUBSTITUIÇÃO TRANSFORMAÇÃO
propriedade. Transações de ações, por exemplo, são fi-
nalizadas em segundos, com segurança e veracidade. (Os CARTÕES DE PRESENTE CONTRATOS
GRAU DE COMPLEXIDADE E COORDENAÇÃO

infames hackers que atacaram a plataforma de negocia- DO VAREJISTA INTELIGENTES


BASEADOS EM BITCOINS AUTOEXECUTÁVEIS
ção de bitcoins expuseram as fragilidades não da própria
blockchain,masdeoutrossistemasusuáriosdablockchain.) LIVRARIA ONLINE DA SKYPE
AMAZON

UMA METODOLOGIA PARA ADOÇÃO DA BLOCKCHAIN


Se a bitcoin é como o primeiro email, será que a USO ÚNICO LOCALIZAÇÃO
blockchain está longe de atingir seu pleno potencial?
Em nossa opinião, a resposta é um sim qualificado. PAGAMENTOS LIVROS DE REGISTRO
Não podemos prever exatamente em quanto tempo EM BITCOINS PRIVADOS ONLINE PARA
PROCESSAMENTO DE
se dará a transformação, mas podemos adivinhar que EMAIL NA ARPANET OPERAÇÕES
tipos de aplicação avançarão primeiro e como vai ser a
REDES INTERNAS DE
futura e ampla aceitação da blockchain. EMAIL CORPORATIVO
Em nossa análise, a história sugere que duas di-
mensões afetam a forma como uma tecnologia de BAIXO GRAU DE NOVIDADE ALTO
base e seu uso nos negócios evoluem. A primeira é a
novidade — o grau em que uma aplicação é nova pa-
ra o mundo. Quanto mais nova for, mais esforço será
necessário para garantir que usuários entendam que de blockchain ajudará executivos a compreender os ti-
problemas ela resolve. A segunda dimensão é a com- pos de desafio que ela apresenta e o nível necessário de
plexidade, representada pelo nível de coordenação do colaboração, consenso e esforços legislativos e regula-
ecossistema envolvido — o número e a diversidade de tórios. O mapa vai sugerir o tipo de processos e infraes-
partes que precisam trabalhar juntas para produzir trutura devem ser implantados para facilitar a adoção
valor com a tecnologia. Por exemplo, uma rede social da inovação. Os gerentes podem usá-lo para avaliar o
com apenas um membro é de pouca utilidade. Uma re- estado de desenvolvimento da blockchain em qualquer
de social só tem valor quando muitos de seus próprios setor, além dos investimentos estratégicos envolvidos.
contatos participam dela. Outros usuários do aplica- Uso único. No primeiro quadrante ficam as aplica-
tivo devem ser trazidos para gerar valor para todos os ções menos atuais e que exigem menos coordenação,
participantes. O mesmo será verdadeiro para muitas capazes de criar soluções melhores, menos dispendio-
aplicações de blockchain. E, à medida que a escala e sas e altamente focadas. O email, uma alternativa ba-
o impacto dessas aplicações aumentarem, sua adoção rata para chamadas, fax e correio tradicional, era uma
exigirá mudanças institucionais significativas. aplicação de uso único para TCP/IP (mesmo que seu
Desenvolvemos uma metodologia que mapeia ino- valor tenha aumentado com o número de usuários). A
vações de acordo com essas duas dimensões contex- bitcoin fica nesse quadrante. Mesmo em seus primór-
tuais, dividindo-as em quadrantes. (Ver quadro “Como dios, a bitcoin oferecia valor imediato às poucas pesso-
as tecnologias de base se estabelecem”.) Cada quadrante as que a usavam simplesmente como método alterna-
representa uma fase de desenvolvimento da tecnolo- tivo de pagamento. (Veja-o como um email complexo
gia. Identificar em qual delas se enquadra a inovação que transfere não apenas informações, mas também

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 77 


A VERDADE SOBRE A BLOCKCHAIN

78 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


valor real.) No fim de 2016, esperava-se que o valor das
transações em bitcoins atingiria US$ 92 bilhões — uma

COMO A BLOCKCHAIN FUNCIONA minúscula fração do total de US$ 411 trilhões em paga-
mentos globais, mas a bitcoin está crescendo rapida-
Os cinco princípios fundamentais mente e é cada vez mais importante em pagamentos
da tecnologia. instantâneos e negociações de moedas estrangeiras e
ativos, que são contextos nos quais o atual sistema fi-

1 BASE DE DADOS DISTRIBUÍDA nanceiro tem limitações.


No sistema blockchain cada parte Localização. O segundo quadrante inclui inova-
tem acesso a toda a base de dados ções que precisam apenas de um número limitado de
e a sua história completa. Nenhuma usuários para criar valor imediato, por isso ainda são re-
parte isolada controla os dados ou as lativamente fáceis de adotar. Se a blockchain seguir o
informações. Todas as partes podem caminho das tecnologias de rede nos negócios, pode-
verificar os registros de seus parceiros mos esperar que as inovações decorrentes se desenvol-
de transação diretamente, sem vam a partir de aplicações de uso único para criar re-
intermediários. des privadas locais nas quais várias organizações estão
conectadas através de um livro de registro distribuído.

2 TRANSMISSÃO PONTO A PONTO


A comunicação ocorre diretamente
entre os pares e não através de um
ponto central. Cada ponto armazena
informações e as encaminha a todos os
outros pontos.
Grande parte do desenvolvimento privado inicial de
blockchain está ocorrendo no setor de serviços financei-
ros, muitas vezes dentro de pequenas redes de empre-
sas, de modo que os requisitos de coordenação são rela-
tivamente modestos. A Nasdaq está trabalhando com a
Chain.com, um dos muitos fornecedores de infraestru-

3 TRANSPARÊNCIA COM PSEUDÔNIMOS tura de blockchain, para fornecer tecnologia para pro-
Cada transação e seu valor associado cessar e validar transações financeiras. O Bank of Ame-
são visíveis para qualquer pessoa rica, o J. P. Morgan, a New York Stock Exchange, a Fide-
com acesso ao sistema. Cada ponto, lity Investments e a Standard Chartered estão testando
ou usuário, em uma blockchain tem um a tecnologia blockchain como substituta do processa-
endereço alfanumérico exclusivo de 30 mento de transações manuais e em papel em áreas co-
caracteres que o identifica. Os usuários mo financiamento de comércio internacional, câmbio,
podem optar por permanecer anônimos liquidação internacional e liquidação de títulos. O Ban-
ou fornecer prova de sua identidade para co do Canadá está testando uma moeda digital denomi-
outras pessoas. As transações ocorrem nada CAD-coin para transferências interbancárias. Pre-
entre endereços blockchain. vemos uma proliferação de blockchains privados que
servem a fins específicos de vários setores.

4 IRREVERSIBILIDADE DOS REGISTROS


Uma vez que uma transação é
inserida no banco de dados e as
contas são atualizadas, os registros
não podem ser alterados por estarem
vinculados a cada registro de transação
que veio antes deles. Vários algoritmos
Substituição. O terceiro quadrante contém apli-
cações que, embora pouco inovadoras porque se ba-
seiam em aplicações existentes restritas e de uso úni-
co, têm necessidades de coordenação elevadas por
envolver usos cada vez mais amplos e públicos. Essas
inovações visam substituir por completo formas de fa- LEITURA ADICIONAL
de abordagens computacionais são zer negócios. Enfrentam grandes barreiras à adoção:
implementados para garantir que não só necessitam de mais coordenação, mas os pro- Para saber mais sobre a
a gravação no banco de dados seja cessos que pretendem substituir podem estar plena- adoção de tecnologia,
permanente, cronologicamente ordenada consulte estes artigos no
mente desenvolvidos e profundamente incorporados hbrbr.com.br:
e dis onível para todos na rede. nas organizações e instituições. Exemplos de substitu- “Onipresença digital”,
tos incluem cripto-moedas — sistemas monetários no- de Marco Iansiti e Karim

5 LÓGICA COMPUTACIONAL
A natureza digital do livro de
registro implica que as transações
blockchain podem ser ligadas à
lógica computacional e, em sua essência,
programadas. Assim, os usuários
podem configurar algoritmos e regras
vos e totalmente desenvolvidos que cresceram a partir
da tecnologia simples de pagamento com bitcoins. A
diferença crítica é que uma criptografia exige que to-
das as partes que fazem transações monetárias a ado-
tem, desafiando governos e instituições que há muito
tempo lidam com tais transações e as supervisionam.
R. Lakhani, HBRBR,
novembro de 2014.

“Estratégia como ecologia”,


de Marco Iansiti e Roy
Levien, HBRBR, março
de 2014.
que desencadeiam automaticamente Os próprios consumidores precisam mudar o compor-
“Tecnologia certa,
transações entre pontos. tamento e entender como implementar a nova capaci- hora errada”,
dade funcional da cripto-moeda. de Ron Adner e Rahul
Uma experiência recente no Massachusetts Insti- Kapoor, HBRBR, novembro
tute of Technology (MIT) destaca os desafios futuros de 2016)

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 79 


A VERDADE SOBRE A BLOCKCHAIN

para os sistemas de moeda digital. Em 2014, o MIT exemplo, sem apoio institucional. Será necessário um
Bitcoin Club forneceu a cada um dos 4.494 graduados tremendo grau de coordenação e clareza sobre como os
do do instituto US$ 100 em bitcoins. Curiosamente, contratos inteligentes são projetados, verificados, im-
30% dos alunos nem sequer se inscreveram para rece- plementados e cumpridos. Acreditamos que as institui-
ber o dinheiro gratuito, e em poucas semanas 20% dos ções responsáveis por essas assustadoras tarefas leva-
inscritos converteu a bitcoin em dinheiro. Até mesmo rão muito tempo para evoluir. E os desafios tecnológi-
aqueles com experiência em tecnologia tiveram difi- cos — especialmente de segurança — são assustadores.
culdade de entender como ou onde usar as bitcoins.
Uma das mais ambiciosas aplicações substitutas de
blockchain é a Stellar, organização não lucrativa que vi- COMO ABORDAR O INVESTIMENTO EM BLOCKCHAIN
sa prestar serviços financeiros a quem nunca teve aces- Como os executivos devem pensar a blockchain nas
so a eles, incluindo serviços bancários, micropagamen- empresas? Nossa metodologia pode ajudá-las a iden-
tos e remessas de valores. A Stellar oferece sua própria tificar as oportunidades certas.
moeda virtual, o lumens, e permite que os usuários Para a maioria, o lugar mais fácil de começar são as
guardem no seu sistema uma gama de ativos: outras aplicações de uso único, que minimizam o risco porque
moedas, minutos de telefone e créditos de dados, por não são novas e envolvem pouca coordenação com ter-
exemplo. A Stellar inicialmente focou a África, especial- ceiros. Uma estratégia é fazer da bitcoin um mecanis-
mente a Nigéria, a maior economia do continente. Ela mo de pagamento. A infraestrutura e o mercado para
foi adotada significativamente por sua população-alvo a bitcoin já estão bem desenvolvidos, e adotar a moe-
e provou sua efetividade de custo e benefício. Mas seu da virtual vai forçar uma ampla variedade de funções,
futuro não é, de forma alguma, seguro, pois as dificul- como TI, finanças, contabilidade, vendas e marketing a
dades de coordenação do ecossistema são altas. Embo- construir capacidades de blockchain. Outra abordagem
ra a adoção popular tenha demonstrado a viabilidade de baixo risco é usar a blockchain internamente como
da Stellar, para se tornar um padrão bancário ela preci- um banco de dados para gerenciar ativos físicos e di-
sará influenciar a política governamental e persuadir os gitais, registrar transações internas, verificar identida-
bancos centrais e grandes organizações a usá-la, o que des e outras aplicações. Essa pode ser uma solução es-
pode levar anos de trabalhosas negociações. pecialmente útil para as empresas que têm dificuldade
Transformação. No último quadrante, ficam apli- de conciliar múltiplos bancos de dados internos. Testar
cações completamente novas que, se bem-sucedidas, aplicações de uso único haverá de ajudá-las a desenvol-
podem mudar a própria natureza dos sistemas econô- ver as habilidades de que precisam para aplicações ain-
micos, sociais e políticos. Elas envolvem a coordenação da mais avançadas. E graças ao surgimento de serviços
da atividade de muitos atores e a obtenção de um acor- em blockchain na nuvem, tanto em start-ups quanto em
do institucional para padrões e processos. Sua adoção grandes plataformas como a Amazon e a Microsoft, a
exigirá grandes mudanças sociais, legais e políticas. experimentação está ficando cada vez mais fácil.
“Contratos inteligentes” talvez seja a aplicação As aplicações restritas são, naturalmente, o próximo
mais transformadora de blockchain no momento. Eles passo para as empresas. Neste momento, grandes in-
automatizam pagamentos e a transferência de moe- vestimentos são feitos em redes privadas de blockchain,
da ou outros ativos conforme as condições negociadas e os projetos envolvidos, aparentemente, estão prepa-
são atendidas. Por exemplo, um contrato inteligente rados para um impacto real de curto prazo. As empre-
pode enviar um pagamento a um fornecedor assim sas de serviços financeiros, por exemplo, descobriram
que uma remessa é entregue. Uma empresa pode si- que as redes privadas de blockchain que criaram com
nalizar via blockchain que um bem específico foi re- um número limitado de contrapartes confiáveis podem
cebido — ou o produto pode ter funcionalidade GPS, reduzir significativamente os custos de transação.
com registro automático de local atualizado que, por As empresas podem ter de enfrentar também pro-
sua vez, aciona o pagamento. Já vimos algumas expe- blemas específicos em transações transnacionais com
riências iniciais com tais contratos autoexecutáveis aplicações restritas. As que já usam a blockchain para
nas áreas de financiamento de risco, bancária e de ge- rastrear itens através de cadeias de suprimentos com-
renciamento de direitos digitais. plexas, por exemplo. Isso está acontecendo na indús-
As implicações são fascinantes. As empresas são tria de diamantes, onde gemas são rastreadas das mi-
construídas com base em contratos, seja na fundação, nas até os consumidores. A tecnologia para tais expe-
nas relações entre compradores e fornecedores, ou nas rimentos está agora disponível para compra.
relações com os funcionários. Se os contratos forem au- O desenvolvimento de aplicações alternativas re-
tomatizados, que dirá as estruturas, processos e inter- quer um planejamento cuidadoso, uma vez que pode
mediários como advogados e contadores? E os gesto- ser difícil remover as soluções existentes. Uma pos-
res? Seu papel mudaria radicalmente. Antes de ficar- sibilidade é focar em substituições que, embora não
mos muito animados, porém, é preciso lembrar que exijam dos usuários finais mudar muito seu modo de
estamos a décadas da adoção generalizada de contra- operar, são caras ou pouco atrativas. O ideal é que ofe-
tos inteligentes. Eles não podem ser efetivados, por reçam funcionalidade tão boa quanto uma solução

80 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


tradicional e ser facilmente absorvidas e adotadas pe-
lo ecossistema. A incursão da First Data em cartões de
presente baseados na blockchain é um bom exemplo MUITAS EMPRESAS
JÁ ESTÃO USANDO A
de um substituto bem elaborado. Os varejistas que os
oferecem aos consumidores podem reduzir drastica-
mente os custos por transação e aumentar a seguran-

BLOCKCHAIN PARA
ça usando a blockchain para rastrear o fluxo de moe-
da entre as contas — sem depender de processadores
de pagamento externos. Esses novos cartões-presente
permitem até transferências de saldos e de capacidade

RASTREAR ITENS
de transação entre os comerciantes por meio do livro
de registro comum.
Aplicações transformadoras ainda são uma reali-
dade distante. Mas faz sentido avaliar suas possibili-
dades agora e investir no desenvolvimento de tecno-
logias que possam capacitá-las. Serão mais poderosas
quando ligadas a um novo modelo de negócio em que
a lógica da criação de valor e da captura se afaste das
ATRAVÉS DE CADEIAS
abordagens existentes. Embora seja difícil adotar mo-
delos de negócio desse tipo, eles poderão, futuramen-
te, destravar o crescimento das empresas.
COMPLEXAS DE
Imagine como escritórios de advocacia terão de mu-
dar para tornar viáveis os contratos inteligentes. Eles
precisarão desenvolver novos conhecimentos em pro-
gramação de software e blockchain. Precisarão também
repensar o modelo de pagamento por hora e conside-
FORNECIMENTO.
rar a ideia de cobrar taxas de transação ou de hospeda-
gem por contrato, só para citar duas abordagens possí-
veis. Seja ela qual for, os executivos devem ter certeza
de que entenderam e testaram as implicações do mode-
lo de negócio antes de efetuar qualquer mudança.
Aplicações transformativas se propagarão por últi-
descobrir onde devem começar a construir suas capacida-
mo, mas agregarão enorme valor. Poderiam ter um im-
des organizacionais para a blockchain. Certificar-se de que
pacto profundo, por exemplo, em duas áreas: sistemas
seus funcionários aprendam tudo o que puderem sobre a
públicos de identificação em larga escala para funções
blockchain, para desenvolver aplicações específicas para
como controle de passaportes; e tomada de decisão ba-
a empresa ao longo dos quadrantes que identificamos. E
seada em algoritmos na prevenção da lavagem de di-
investir em infraestrutura de blockchain.
nheiro e em transações financeiras complexas. Não
Contudo, considerando os horizontes temporais,
acreditamos que essas aplicações levem menos de uma
as barreiras à adoção e a alta complexidade envol-
década ou até mais para ser amplamente adotadas.
vida para chegar aos mesmos níveis de aceitação do
As aplicações transformativas darão origem a no-
TCP/IP, os executivos devem avaliar cuidadosamen-
vos atores no âmbito das plataformas que hão de co-
te os riscos envolvidos em fazer experiências com a
ordenar e governar os novos ecossistemas. Serão as
blockchain. Começar com algo pequeno é uma boa ma-
Googles e Facebooks da próxima geração. Será preciso
neira de desenvolver o know-how para crescer depois.
muita paciência para concretizar tais oportunidades.
Mas o nível de investimento depende do contexto da
Embora possa ser prematuro fazer investimentos sig-
empresa e do setor. Empresas de serviços financeiros
nificativos nelas agora, vale a pena desenvolver, desde
já avançaram rumo à adoção da blockchain. A manu-
já, as bases necessárias, como as ferramentas e os pa-
fatura ainda não.
drões a ser adotados.
Independentemente do contexto, há uma forte
possibilidade de que a blockchain venha a afetar sua
ALÉM DE FORNECER UM BOM MODELO para a adoção da
empresa. A grande questão é quando.
blockchain, o TCP/IP provavelmente preparou o terreno
HBR Reprint R1704G–P Para pedidos, página 10
para ele. O TCP/IP tornou-se onipresente e as aplicações
de blockchain estão sendo construídas sobre a infraes-
trutura de dados digital, comunicação e infraestrutura MARCO IANSITI é professor da cátedra David Sarnoff da
Harvard Business School. KARIM R. LAKHANI é professor de
computacional, o que reduz o custo da experimentação administração da Harvard Business School e o pesquisador
e permitirá o surgimento de novos exemplos de uso. principal do Laboratório de Inovação Coletiva do Harvard
Com a nossa metodologia, os executivos já podem Institute for Quantitative Social Science.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 81 


PROGRAMAS
Harvard Business Review Brasil

Para você colocar


em prática não no
ano que vem, mas
na semana que vem.

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO PESSOAL PARA LÍDERES


Você sabe o que é preciso para se tornar um líder verdadeiramente eficaz?

Programa de desenvolvimento para líderes - LIDERANÇA EMOCIONAL


Da inteligência emocional à liderança emocional: O caminho que leva ao sucesso

Programa de desenvolvimento pessoal - NEGOCIAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS


Do confronto destrutivo à cooperação construtiva

PROGRAMA ADVANCED DE METODOLOGIA DE VENDAS EM AMBIENTES COMPLEXOS.


Transforme metas impossíveis em sucesso garantido

PROGRAMA ADVANCED EM TREINAMENTO E DESENVOLVIMENTO. As ferramentas para estruturar


e implantar um robusto processo de desenvolvimento de líderes em todos os níveis da empresa
presa

Reserve já sua vaga.


Entre em contato conosco e conheça os programas completos.
11 3097-8476
atendimento@casaeducacao.com.br | casaeducao.com.br | facebook.com/c.educacao
o

Mais um curso Casa Educacão com


alto impacto na sua vida profissional
ABRIL 2017

Experiência

COMO ENFRENTAR
SUAS DECISÕES
MAIS DIFÍCEIS
JOSEPH L. BADARACCO

DE CORPO E ALMA Mike Krzyzewski

ILUSTRAÇÃO DE CHRISTOPHER DELORENZO


ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 83 
GESTÃOPESSOAL

T
84 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017
Todo gestor precisa fazer escolhas nada fá-
ceis — faz parte do trabalho. E as escolhas
mais difíceis dizem respeito a áreas nebu-
losas — situações em que, apesar de você e
sua equipe trabalharem duro para reunir os
fatos e fazer a melhor análise possível, nem
sempre dominam a situação. É fácil ficar
paralisado diante desses desafios. No en-
tanto, todo líder precisa tomar decisões e ir
em frente. Seu julgamento é essencial.
Não é simples fazer uma escolha. Envol-
ve uma fusão de pensamentos, sentimentos,
experiência, imaginação e caráter. Mas cin-
co questões práticas podem aumentar suas
chances de fazer julgamentos mais adequa-
dos, mesmo quando os dados são incomple-
tos ou pouco claros, as opiniões estão dividi-
das e as respostas estão longe de ser óbvias.
De onde vêm essas perguntas? Ao longo
de muitos séculos e muitas culturas, elas
surgiam à medida que homens e mulheres
com grandes responsabilidades lutavam pa-
ra lidar com problemas complexos. Elas ex-
pressam insights das mentes mais perspica-
zes e dos espíritos sensíveis da humanidade.
Tenho contado com elas há anos ao traba-
lhar com candidatos a MBAs e no coach com
executivos. E acredito que podem ajudar
você, sua equipe e sua organização a nave-
gar pelas áreas mais confusas e nebulosas.
Este artigo mostra as cinco perguntas e as
ilustra com um estudo de caso sobre uma ges-
tora que precisa decidir o que fazer com um
funcionário com persistente baixo desempe-
nho que não consegue responder a sugestões
de melhoria. Ele merece perder pontos na re-
visão, talvez até ser demitido, mas os superio-
res fazem vista grossa para suas falhas.
Como a gestora deve abordar a situa-
ção? Não se trata de seguir o instinto. Nem
Em um estudo de seis meses com funcionários de call center, aqueles com mesa ajustável, que permite
ao usuáro ficar em pé ou sentar da maneira que desejar, eram aproximadamente 46% mais produtivos
(como medido por chamadas completadas por hora) do que os que tinham mesa tradicional.
“CALL CENTER PRODUCTIVITY OVER 6 MONTHS FOLLOWING A STANDING DESK INTERVENTION,” POR GREGORY GARRETT ET AL.

simplesmente se conformar. Mas traba-


lhar sistematicamente com a ajuda de cinco
perguntas:
Quais são as consequências finais das mi-
nhas escolhas?
Quais são as minhas obrigações
fundamentais?
O que trará bons resultados?
Quem somos nós?
Com o que posso viver?
Para respondê-las, é preciso dispor das
ÀS VEZES É DIFÍCIL PENSAR CLARAMENTE SOBRE
melhores informações e conhecimentos. QUESTÕES NEBULOSAS. VOCÊ PRECISA ABRIR SUA
E é você mesmo que deve respondê-las.
Quando se trata de decisões em áreas nebu- MENTE, MONTAR A EQUIPE CERTA E ANALISAR
losas, em geral não temos certeza da melhor
escolha. Mas com a ajuda desse processo,
SUAS OPÇÕES COM LENTES HUMANISTAS.
temos a chance de saber que trabalhamos
de forma correta — não apenas como bons pensar claramente sobre questões nebulosas. de que todo ser humano tem responsabili-
gestores, mas como bons seres humanos. O importante é ter tempo para abrir a mente, dades para com todos os outros”.
montar a equipe certa e analisar suas opções De que maneira você pode descobrir, es-
CONSEQUÊNCIAS FINAIS com lentes humanistas. Faça um esboço de pecificamente, o que esses deveres o obri-
A primeira pergunta o leva a considerar cuida- uma árvore de difíceis decisões listando to- gam a fazer em uma situação particular?
dosa e analiticamente cada curso de ação dis- dos os potenciais movimentos e resultados Confiando no que os filósofos chamam de
ponível, juntamente com as consequências prováveis. Ou designe certas pessoas para “imaginação moral”. Isso envolve sair da zo-
do mundo real de cada um. Problemas nebu- atuar como advogados do diabo e encontrar na de conforto, reconhecer preconceitos e
losos raramente são resolvidos com a ajuda falhas em seu pensamento e impedilo de ti- pontos cegos e se colocar no lugar de todos
de um flash intuitivo. Como me disse um CEO rar conclusões precipitadas ou sucumbir ao os stakeholders, principalmente os mais
muito bem-sucedido: “O líder solitário do pensamento de grupo. vulneráveis. Como você se sentiria no lugar
Olimpo é realmente um modelo ruim”. Por- Quando se trata de tomar decisões di- deles? Com o que ficaria mais preocupado
tanto, o seu trabalho é deixar de lado a sua su- fíceis e importantes, não se deve esquecer ou o que mais temeria? Como gostaria de
posição inicial sobre o que deve fazer e reunir que elas podem afetar a vida e os meios de ser tratado? O que enxergaria como justo?
um grupo de consultores e especialistas con- subsistência de muitas pessoas. A primei- Que direitos acredita que teria? O que consi-
fiáveis e perguntar: “O que podemos fazer? E ra pergunta é um chamado para você lidar deraria detestável? Fale diretamente com as
quem vai se beneficiar ou se prejudicar, em com essa dura realidade. pessoas que serão afetadas por sua decisão
curto ou longo prazo, por cada escolha?”. ou peça, da maneira mais persuasiva possí-
Não confunda isso com a análise de cus- OBRIGAÇÕES FUNDAMENTAIS vel, a um membro de sua equipe que finja
to/benefício, nem se concentre apenas no Todos nós temos deveres — como pais, fi- ser um estranho ou uma vítima.
que pode contar ou avaliar. Claro, você deve lhos, cidadãos, empregados. Gestores tam- Mais uma vez, você deve ter em mente
obter os melhores dados que puder e aplicá- bém têm obrigações para com os acionistas tanto a história da economia quanto a sua
-los corretamente. Mas os problemas nebu- e outros stakeholders. Mas a segunda ques- formação acadêmica. Sim, os gestores têm
losos exigem que você pense de forma mais tão diz respeito a algo mais profundo: os o dever legal de servir à corporação — mas
ampla, profunda, concreta, imaginativa e deveres que temos de proteger e respeitar isso é um mandato muito amplo, que inclui
objetiva sobre o impacto de suas escolhas. a vida, os direitos e a dignidade de nossos o bem-estar dos trabalhadores, dos clientes
Nas palavras do antigo filósofo chinês Mozi, companheiros, homens e mulheres. e da comunidade em que se inserem. Você
“O homem benevolente é aquele que procu- Todas as grandes religiões do mundo — tem sérias obrigações com todos simples-
ra promover o que é benéfico e eliminar o islamismo, judaísmo, hinduísmo, cristia- mente porque você é humano. Quando pre-
que é prejudicial para o mundo”. nismo — enfatizam esse princípio. O espe- cisar decidir algo nebuloso, reflita seria-
No mundo complexo, fluido e interde- cialista em ética contemporânea Kwame mente, por um bom tempo e de um ponto
pendente atual, nenhum de nós pode pre- Anthony Appiah diz: “Nenhuma lealdade de vista pessoal sobre qual desses direitos é
ver o futuro com precisão. E às vezes é difícil local pode jamais justificar o esquecimento primordial.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 85 


GESTÃO PESSOAL COMO ENFRENTAR SUAS DECISÕES MAIS DIFÍCEIS

O MUNDO COMO ELE É persistência, dedicação, criatividade, toma- disse uma vez: “Não iria em frente só por-
A terceira questão o leva a olhar para o pro- da de risco prudente e habilidade política à que o meu cérebro me disse que era a coisa
blema de uma forma clara e pragmática — tarefa. certa a fazer. Também preciso sentir. Se isso
ou seja, enxergar o mundo não como gos- não acontece, procuro deixar meu cérebro e
taria que fosse, mas como ele é. Em última QUEM SOMOS NÓS? minhas emoções em harmonia”.
análise, você precisa de um plano que fun- De acordo com um antigo ditado africa- Em última análise, você precisa esco-
cione — que pode tirar um indivíduo, uma no, “Eu sou porque nós somos”. Em outras lher, comprometer-se, agir. E viver com as
equipe, um departamento ou uma organi- palavras, nosso comportamento e nossa consequências de sua escolha. Por isso, o
zação inteira da zona nebulosa de forma identidade são influenciados pelos grupos que decidir deve refletir suas preocupações
responsável e a contento. com quem trabalhamos e convivemos. Co- genuínas, como gestor e como ser huma-
A frase “o mundo como ele é” aponta mo disse Aristóteles (e como um vasto cor- no. Depois de considerar resultados, fun-
para o pensamento de Nicolau Machiavel po de literatura científica desde então tem ções, aspectos práticos e valores, decida o
— uma perspectiva, talvez surpreendente, confirmado), “O homem é por natureza um que importa mais e o que importa menos.
num artigo sobre tomadas de decisão animal social”. Esta questão, portanto, o le- Esse sempre foi o desafio de assumir qual-
responsáveis. A opinião de Maquiavel é va a parar e pensar sobre suas decisões em quer grande responsabilidade no trabalho
importante, pois reconhece que não vive- termos de relações, valores e normas. O que e na vida.
mos em um ambiente calmo, previsível realmente importa para a sua equipe, em- Como você vai descobrir com o que
e cercado por pessoas virtuosas. O mundo presa, comunidade, cultura? Como você po- pode viver? Deixe as conversas de lado,
descrito por ele é imprevisível, difícil de agir de uma forma que reflita e expresse feche a porta, silencie os eletrônicos e pare
e moldado pelo interesse próprio. Bons esses sistemas de crenças? Se há conflito, o para refletir. Imagine a si mesmo explican-
planos podem acabar mal, assim como que deve prevalecer? do sua decisão a um amigo ou a um men-
projetos ruins podem funcionar. Muito do Para responder a estas perguntas, pense tor — alguém em quem confia e respeita
que acontece está simplesmente fora do nas histórias que definem determinado gru- profundamente. Você se sentiria confortá-
nosso controle. Os líderes raramente têm po — as decisões e os incidentes que todos vel? Como essa pessoa reagiria? Também
liberdade e recursos ilimitados, por isso, citam ao explicar os ideais com os quais vo- pode ser útil escrever a sua decisão e suas
muitas vezes, devem fazer escolhas dolo- cê está coletivamente comprometido, aqui- razões: isso favorece a clareza de pensa-
rosas. E muitos indivíduos e grupos segui- lo pelo qual você tem lutado e as consequ- mento e serve como uma forma de compro-
rão seus próprios planos, de forma hábil ências que tenta evitar. Imagine que você misso pessoal.
ou não, se não forem influenciados a fazer está escrevendo uma frase ou um capítulo
de outro modo. da história da sua empresa. De todos os ca- NA PRÁTICA
É por isso que, após considerar as con- minhos que pode escolher nesta área nebu- Agora vamos voltar para o nosso estudo de
sequências e os deveres, você precisa levar losa, o que melhor expressaria aquilo que caso. Becky Friedman era uma gestora de
em conta os aspectos práticos: dentre as sua organização representa? 27 anos de um grupo de tecnologia com 14
possíveis soluções para o problema, quais Ao contrário das três primeiras ques- pessoas responsáveis pelas vendas de rou-
têm maiores chances de funcionar? Qual é tões, que exigem uma perspectiva externa pas em uma loja online. Um dos membros
mais resistente? E quão resiliente e flexível à situação e o mais objetiva possível, esta o da equipe, Terry Fletcher, 15 anos mais ve-
você é? trata como um insider, com o risco de ado- lho que ela, com bastante tempo de casa,
Para responder a estas perguntas, ma- tar uma visão limitada e isolada na hora de não estava fazendo a sua parte. Apesar de
peie o campo de força em torno de você: considerar normas e valores, porque nossa o chefe anterior lhe atribuir continuamente
quem quer o quê; quão duro e quão frutife- inclinação natural é cuidar de nós mes- 3,5 numa escala de desempenho de 5 pon-
ramente cada um pode lutar por seus obje- mos. Por isso, procure contrabalançar essa tos, Friedman não acreditava que o traba-
tivos. Prepare-se para ser ágil e até mesmo tendência com o pensamento utilizado nas lho dele merecia tudo isso. E sempre que
oportunista — desviando de obstáculos questões anteriores. ela lhe dava a oportunidade de desenvolver
ou surpresas — e, quando a situação exigir, suas habilidades e aumentar suas contribui-
jogue duro, afirmando a sua autoridade e VIVENDO COM A SUA DECISÃO ções, Fletcher não ia adiante. Então, Fried-
lembrando aos demais quem é o chefe. Um bom julgamento se baseia em duas coi- man decidiu baixar a classificação dele para
É fácil interpretar mal a terceira questão sas: uma tem a ver com a melhor compre- 2,5 e colocá-lo em um plano de melhoria de
como uma “saída” — uma desculpa para ensão e análise possível da situação. A outra desempenho (PIP, na sigla em inglês) — o
fazer o que é seguro e conveniente em vez envolve os valores, os ideais, as vulnerabi- passo seguinte seria a demissão. No entanto,
da coisa certa. Mas trata-se, realmente, do lidades e as experiências de quem vai to- não demorou muito para que dois dos vice-
que vai dar certo se for possível infundir mar a decisão. Um executivo experiente me presidentes da empresa, bons amigos de

86 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


Fletcher, soubessem dos planos dela e lhe
fizessem uma visita. Eles perguntaram se
ela tinha certeza do que planejava fazer e
sugeriram que o verdadeiro problema era
sua gestão.
De repente, a situação já não era tão cla-
ra. Friedman tinha entrado em uma zona
cinzenta e se sentia presa. Para encontrar
uma saída, lançou mão das cinco perguntas.
E considerou algumas opções — manter
IMAGINE A SI MESMO EXPLICANDO SUA DECISÃO
seu plano, abandonálo ou encontrar um
meiotermo — e as consequências. A gesto-
PARA UM AMIGO OU UM MENTOR, ALGUÉM EM
ra se lembrou de seus deveres básicos para QUEM CONFIA E RESPEITA PROFUNDAMENTE.
com seus companheiros, incluindo Fletcher,
a equipe e os vice-presidentes. Avaliou VOCÊ SE SENTIRIA CONFORTÁVEL?
questões práticas da organização. Pesou
as normas definidoras e os valores de
COMO ESSA PESSOA REAGIRIA?
seus diversos grupos sociais. E refletiu
cuidadosamente sobre o que realmente marginalizada (como Fletcher, entre jovens continuou a prosperar. Ela teve sorte,
importa na vida. habilidosos em seu departamento) e se sen- claro. Não havia nenhuma garantia de
Friedman suspeitava que, se fosse tiu compelida a ajudá-lo. Ao mesmo tempo, que Fletcher responderia tão positivamen-
adiante e desse a Fletcher a classificação seu grupo se orgulhava de seu desempe- te ao seu feedback. Mas ela se colocou
que merecia, ela e sua equipe poderiam nho excepcionalmente profissional, e a em- numa boa posição e conduziu o processo
sofrer represálias: os vice-presidentes po- presa, apesar de jovem, defendia o regime da melhor maneira, o que a preparou para
deriam reter recursos ou mesmo forçá-la a meritocrático (e, em geral, o adotava), com tentar outras táticas prudentes se a primei-
sair da empresa. Ela também se preocupa- padrões elevados e forte foco nas necessi- ra não funcionasse.
va com Fletcher, que parecia fora do eixo e dades do cliente.
com problemas pessoais. De que maneira Depois de muita deliberação, Friedman QUANDO ENFRENTAR UM PROBLEMA nebulo-
uma má avaliação e uma possível perda de decidiu tentar uma sessão de aconselha- so, responda sistematicamente a todas as
emprego poderiam afetá-lo, não só finan- mento com Fletcher. Ela começou dizendo cinco perguntas, assim como Becky Fried-
ceira, mas também psicologicamente? Se que havia decidido lhe dar um 2,5, mas man. Não basta escolher sua favorita. Cada
Friedman escolhesse a opção B, no entanto, que não o colocaria num PIP, porque se- pergunta é uma voz importante nas longas
ela ainda teria um peso morto em sua equi- ria humilhante demais. Então, a gestora conversas sobre o que conta para tomar
pe, o que impediria o grupo de alcançar su- pediu a ele que considerasse as pessoas uma boa decisão sobre um problema difícil
as metas ambiciosas e desmoralizaria seus contratadas recentemente no departamen- e com grandes riscos para outras pessoas.
membros mais talentosos e diligentes. E to (todos tinham fortes habilidades técni- A liderança pode ser um fardo. E
os vice-presidentes entenderiam sua rea- cas) e avaliasse honestamente se ele se também um atraente e importante desafio.
valiação como sinal de fraqueza, o que sentiria feliz e bem-sucedido trabalhando Seu trabalho não é encontrar soluções em
manteria a recém-chegada longe das filei- ao lado deles. áreas cinzentas, mas criá-las com a ajuda
ras de liderança. Ela terminou sugerindo que ele traba- de seu julgamento. Certa vez, um executivo
Opções de meio-termo, como apresentar lhasse nos próximos meses e ao mesmo que respeito muito me disse: “Realmente
a Fletcher mais oportunidades de desen- tempo procurasse outra função, dentro queremos alguém ou alguma regra para nos
volvimento ou lhe dar outro aviso, pare- ou fora da empresa. Friedman ficou sur- dizer o que fazer. Mas às vezes não há, e
ciam mais promissoras, mas carregavam presa e aliviada quando a raiva imediata você precisa decidir quais são as regras ou
seus próprios riscos: seriam eficazes para dele em relação à má classificação dimi- os princípios mais relevantes em cada caso.
modificar o seu comportamento? Como is- nuiu e ele concordou em considerar o Você não pode escapar dessa responsabili-
so repercutiria aos olhos dos vice-presiden- plano; na verdade, Fletcher já tinha pensa- dade”.
tes? Friedman também considerava o que do em partir. Ele passou as semanas se- HBR Reprint R1704H–P Para pedidos, página 10
importava mais para ela, sua equipe e sua guintes procurando outras posições, den- JOSEPH L. BADARACCO é professor da cátedra
organização. Sendo mulher na área de ciên- tro e fora da empresa, e logo ingressou John Shad de ética empresarial da Harvard
cia da computação, ela sabia o que era ser em outra empresa. Friedman, entretanto, Business School.

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 87 


RESUMO DA EDIÇÃO

ARTIGOS
GESTÃO DE MUDANÇA ENTREVISTA HBR ECONOMIA GESTÃO PESSOAL GESTÃO DE PESSOAS
A CULPA NÃO “ PRECISAMOSINTENSIFICAR LIÇÕES DA O EFEITO DO O ECOSSISTEMA
É DA CULTURA O NOSSO SENSO DE NEUROCIÊNCIA ESCÂNDALO DE VALOR
ORGANIZACIONAL URGÊNCIA” George S. Everly Jr., Ph.D.
pág. 38
Boris Groysberg, Eric Lin,
George Serafeim e
COMPARTILHADO
Jay W. Lorsch e Meg Whitman, CEO da Robin Abrahams | pág. 44 Mark R. Kramer e
Emily McTague | pág. 20 Hewlett Packard Enterprise Marc W. Pfitzer | pág. 54
pág. 30

Quando uma organização Quando se tornou CEO da Em setembro de 2015, No passado, as


enfrenta grandes Hewlett-Packard (HP), em COMO CONSTRUIR houve uma denúncia de organizações raramente se
dificuldades, a prescrição
costuma ser tentar
2011, Meg tomava as rédeas
de uma empresa com UMA CULTURA que, intencionalmente, a
Volkswagen havia colocado
percebiam como agentes
de mudança social. No
consertar a cultura. Foi o
que muitos aconselharam a
muitos prejuízos. Whitman
era a terceira executiva
ORGANIZACIONAL dispositivos de controle
em seus motores diesel
entanto, a relação entre
o progresso social e o
General Motors (GM) após
a crise de recall em 2014 —
no topo em apenas três
anos. A gestão de seus
DE RESILIÊNCIA para adulterar os níveis
de emissões. Cerca de
sucesso do negócio é cada
vez mais clara. Considere
desde então, a CEO Mary antecessores imediatos, 11 milhões de veículos estes exemplos: o primeiro
Barra tem apostado na Mark Hurd e Léo Apotheker, Muitas pessoas entenderam no mundo tinham um programa de grande escala
criação de “um ambiente havia sido um fracasso. o impacto revolucionário programa “subversivo” para diagnosticar e tratar
propício” para promover Modelo de inovação e que a tecnologia exerceu instalado. A descoberta HIV/Aids na África do Sul foi
a responsabilidade e sucesso no passado, a no mundo nos últimos 25 levou a uma imediata introduzido pela empresa
evitar futuros problemas. HP havia perdido o seu anos. No entanto, duas queda no preço das global de mineração Anglo
Especialistas de todos caminho. outras revoluções estão em ações da Volkswagen, a American para proteger
os lugares indicaram a Whitman não era uma curso e se desenvolvem em investigações do governo sua força de trabalho e
mesma saída quando candidata óbvia para relativo anonimato. na América do Norte, reduzir o absenteísmo. A
veio à tona que o U.S. o cargo. Ela havia sido Ainda assim, seu Europa e Ásia, à renúncia empresa de energia italiana
Department of Veterans CEO da eBay entre 1998 impacto vai ofuscar o da do CEO e suspensão de Enel, avaliada em € 76
Affairs (VA), considerado e 2007, época em que revolução tecnológica. Tais outros executivos, uma bilhões, agora gera 45%
por investigadores federais ganhou muitos elogios pela revoluções têm a ver com a perda recorde em 2015 de sua energia de fontes
um órgão extremamente condução bem-sucedida genética e a neurociência. e uma conta estimada renováveis e de carbono
burocrático, deixava da empresa, que passou Neste artigo descreverei em US$ 19 bilhões para neutro, evitando 92 milhões
veteranos na fila de espera de uma startup de 30 como descobertas corrigir o problema. O de toneladas de emissões
durante meses, mesmo em pessoas para uma potência recentes da neurociência escândalo causou um de CO2 por ano.
casos críticos de saúde. de capital aberto. Mas, podem, e devem, nos dano incalculável à marca E a MasterCard trouxe a
A reforma na cultura foi então, ela migrou para a instruir a planejar e gerir Volkswagen. Suponha tecnologia de banco móvel
sugerida também como política, gastando grande organizações para que, que você é engenheiro para mais de 200 milhões
solução para controlar o parte de sua fortuna numa ao enfrentarem situações no México, executivo de de pessoas de países
uso excessivo da força nos infrutífera corrida para de adversidade, sejam RH nos Estados Unidos em desenvolvimento, as
departamentos de polícia, governadora da Califórnia. resilientes. Mostrarei como ou expert em logística na quais não tinham acesso a
comportamentos antiéticos Ela também participou de os líderes empresariais Polônia. Você trabalhou serviços financeiros.
em bancos e todo tipo de alguns conselhos, incluindo podem usar os segredos na Volkswagen de 2004 a HBR Reprint R1704E–P
dificuldade organizacional o da HP. Quando Apotheker da neurociência para criar 2008, antes de os novos
que se possa imaginar. foi demitido após apenas 11 uma cultura organizacional controles de emissões
Todos os olhos costumam meses no cargo, em parte resiliente, capaz de se serem instalados, e nunca
se voltar para o clima devido à sua desastrosa tornar um mecanismo trabalhou nas divisões
organizacional como a decisão de comprar a autossustentável que que criaram o programa
causa e como a cura. empresa britânica de fomente a satisfação no fraudulento. Tempos
HBR Reprint R1704A–P software Autonomy trabalho, a retenção de depois, você começou a
(o que resultou em uma talentos e a honestidade. se sentir insatisfeito no
perda de US$ 8,8 bilhões), E ao mesmo tempo previna emprego e pensou na
o conselho da HP pediu a a fadiga profissional de tal possibilidade de mudar.
intervenção de Whitman. forma que possa ser usada Sua associação de tanto
HBR Reprint R1704B–P como uma vantagem em tempo com a VW não seria
relação aos competidores um problema — certo?
dentro de praticamente HBR Reprint R1704D–P
qualquer organização.
HBR Reprint R1704C–P

88 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017


GESTÃO PESSOAL
GESTÃO ORGANIZACIONAL TECNOLOGIA COMO ENFRENTAR SUAS Todo gestor precisa fazer escolhas nada fáceis — faz
parte do trabalho. E as escolhas mais difíceis dizem
VOCÊ ESTÁ RESOLVENDO A VERDADE SOBRE DECISÕES MAIS DIFÍCEIS respeito a áreas nebulosas — situações em que, apesar
OS PROBLEMAS CERTOS? A BLOCKCHAIN Joseph L. Badaracco | pág. 83 de você e sua equipe trabalharem duro para reunir os
fatos e fazer a melhor análise possível, nem sempre
Thomas Wedell-Wedellsborg | Marco Iansiti e dominam a situação. É fácil ficar paralisado diante
pág. 64 Karim R. Lakhani | pág. 72 desses desafios. No entanto, todo líder precisa tomar
decisões e ir em frente. Seu julgamento é essencial.
Não é simples fazer uma escolha. Envolve uma fusão
de pensamentos, sentimentos, experiência, imaginação
e caráter. Mas cinco questões práticas podem
aumentar suas chances de fazer julgamentos mais
adequados, mesmo quando os dados são incompletos
ou pouco claros, as opiniões estão divididas e as
respostas estão longe de ser óbvias.
De onde vêm essas perguntas? Ao longo de muitos
séculos e muitas culturas, elas surgiam à medida que
homens e mulheres com grandes responsabilidades
Sua empresa resolve bem lutavam para lidar com problemas complexos. Elas
os problemas?
Provavelmente sim, se
A TRANSFORMAÇÃO expressam insights das mentes mais perspicazes e dos
espíritos sensíveis da humanidade. Tenho contado com
seus gestores são como os
das empresas que estudei.
DOS NEGÓCIOS elas há anos ao trabalhar com candidatos a MBAs e no
coach com executivos. E acredito que podem ajudar
Acontece que eles estão
sempre pelejando não para
LEVARÁ ANOS, você, sua equipe e sua organização a navegar pelas
áreas mais confusas e nebulosas.
resolver os problemas, MAS O PERCURSO Este artigo mostra as cinco perguntas e as ilustra
com um estudo de caso sobre uma gestora que precisa
mas para descobrir quais
são. Numa pesquisa COMEÇA AGORA. decidir o que fazer com um funcionário com persistente
em 17 países com 106 baixo desempenho que não consegue responder a
executivos do C-level que sugestões de melhoria. Ele merece perder pontos na
representavam 91 empresas Contratos, transações e revisão, talvez até ser demitido, mas os superiores
do setor público e do seus registros são algumas fazem vista grossa para suas falhas.
setor privado, descobri das estruturas básicas Como a gestora deve abordar a situação? Não
que 85% concordavam que formam os sistemas se trata de seguir o instinto. Nem simplesmente se
plenamente que sua econômicos, legais e conformar. Mas trabalhar sistematicamente com a
empresa diagnosticava políticos. Elas protegem ajuda de cinco perguntas:
mal os problemas, 87% os ativos e estabelecem Quais são as consequências finais das minhas
concordavam plenamente fronteiras organizacionais; escolhas?
ou apenas concordavam estabelecem e verificam Quais são as minhas obrigações fundamentais?
que essa falha implicava identidades; registram O que trará bons resultados?
custos significativos e eventos; governam as Quem somos nós?
menos de 10% afirmaram interações entre nações, Com o que posso viver?
que sua empresa não era organizações, comunidades Para respondê-las, é preciso dispor das melhores
afetada por essa questão. e indivíduos; e orientam a informações e conhecimentos. E é você mesmo que
O padrão é claro: movidos atuação gestora e social. deve respondê-las. Quando se trata de decisões em
por uma tendência para a No entanto, essas áreas nebulosas, em geral não temos certeza da melhor
ação, os gestores tendem ferramentas fundamentais escolha. Mas com a ajuda desse processo, temos a
a mudar rapidamente e a burocracia formada chance de saber que trabalhamos de forma correta —
para o modo solução, sem para gerenciá-las não não apenas como bons gestores, mas como bons seres
verificar se realmente acompanharam a humanos.
entenderam o problema. transformação digital da HBR Reprint R1704H–P
Já se passaram 40 anos economia. São como um
desde que Mihaly engarrafamento no horário
Csikszentmihalyi e Jacob de pico aprisionando
Getzles demonstraram, um carro de Fórmula
empiricamente, o papel 1. No mundo digital, a
central da reformulação do forma como regulamos
problema na criatividade. e mantemos o controle
De Albert Einstein a Peter administrativo precisa
Drucker, muitos sábios mudar.
enfatizaram a importância HBR Reprint R1704G–P
de diagnosticar
adequadamente os
problemas. Então por que
as organizações ainda não
conseguem fazer um bom
diagnóstico?
HBR Reprint R1704F–P

ABRIL 2017 HARVARD BUSINESS REVIEW 89 


DE CORPO E ALMA
O TREINADOR
MIKE KRZYZEWSKI Nunca se sentiu esgotado? Você se durante quatro anos. Por isso precisa
afastou este ano por causa de uma se esforçar muito mais para manter o
cirurgia? mesmo nível de exelência.
Infelizmente, não podia esperar
mais, mas deixei a equipe em boas Quando os jogadores não aceitam
mãos e planejo retornar depois de seus padrões, como você os
recuperado. A única vez que me disciplina?
senti esgotado foi depois de minha Tento não ter um modelo padrão.
primeira cirurgia nas costas, em Eu faço o que a situação exige. E não
meados da década de 1990. Voltei concordo em fazer o que as pessoas
ao trabalho depois de dois dias. acham que eu devo fazer. Como
Porém, mais ou menos no primeiro professor, respeito os direitos das
terço da temporada, perdi minha pessoas de aprenderem por si só o
força física e emocional e precisei mais que puderem.
me afastar por alguns meses. Nos
nove anos anteriores, chegamos Como você ajustou seu estilo para
a sete semifinais. Minha vida era treinar os melhores da equipe
uma loucura. E nunca parei para nacional?
analisar como eu estava lidando Como um grupo universitário, estou
com as coisas. Eu apenas seguia ensinando e eles estão aprendendo.
em frente. Mas aquele revés me Estou mudando os limites do que eles
motivou a mudar muito: delegar são capazes de atingir, acelerando o
mais responsabilidades, não ser passo, ajudando-os a jogar juntos.
controlador, ser um tipo diferente Na equipe nacional, algumas das
“SE VOCÊ JUNTAR Por mais de quatro décadas como
treinador de basquete masculino —
de líder. Desde então, minha energia
e garra nunca esmoreceram.
melhores práticas deles são melhores
ou mais adequadas que as minhas.
DISPOSIÇÃO COM incluindo uma temporada em sua Por isso nos adaptamos uns aos
A PAIXÃO PARA alma mater, a academia de West
Point, 36 temporadas completas na
Como você recruta jogadores de
primeira linha no basquete?
outros e todos nós assumimos a
responsabilidade. Num de meus
VENCER, HÁ UMA Duke University, e simultaneamente Tenho um ótimo produto a oferecer: primeiros treinamentos olímpicos,
BOA CHANCE 11 anos com a equipe nacional dos um background de excelência. Mas Jason Kidd, um dos melhores
DE SER BEM- Estados Unidos —, Krzyzewski,
70 anos, acumulou mais de mil
isso vale para outros programas.
Logo, não se trata de persuadir
armadores, me perguntou o que
eu queria que ele fizesse. Eu disse
SUCEDIDO.” vitórias, cinco campeonatos da ou vender. Trata-se de dizer a “simplesmente seja você”. Você
Associação Atlética Universitária verdade — quem você é e qual é não quer que eles mudem, apenas
Nacional e três medalhas olímpicas. seu modus operandi —, tentar quer que eles combinem o próprio
O “treinador K” é um exímio entender o jogador e descobrir se é talento com o talento dos outros.
recrutador, mentor e administrador isso o que ele realmente quer. Nós
de talentos. Entrevistado por Alison também procuramos três coisas — Quando você pretende se
Beard o talento para estar numa equipe aposentar?
que disputa um campeonato, uma Não quero planejar nada. Se você
HBR: Como você manteve o paixão de adolescente e vontade de planeja, chega a hora, e você não
sucesso no mesmo cargo por tanto trabalhar — que eles necessitam na está pronto, é muito ruim. Por
tempo? Duke. E o mais importante: caráter. isso, a hora planejada por você é
KRZYZEWSKI: Eu amo o que faço. Os jogadores da equipe são bons justamente aquela em que você já
Quando tinha 16 anos, sonhava ser rapazes? Como eles interagem com deve estar fora. Estou envolvido em
professor e treinador de basquete, e os familiares, colegas de equipe, ensino, palestras e coisas que posso
ainda estou perseguindo essa paixão, professores? Felizmente encontramos fazer. Mas não estou preparado para
numa instituição extraordinária — a garotos que se encaixam nesse perfil. abandonar a carreira neste momento.
Duke — com pessoas fantásticas. Isso Obviamente, você não dispõe de Ainda estou muito animado com esse
garante ótimos resultados. jogadores de excelente qualidade comando. HBR Reprint R1704I–P

FOTOGRAFIA DE LANCE KING/GETTY IMAGES


90 HARVARD BUSINESS REVIEW ABRIL 2017

Você também pode gostar