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P E N S A M E N TO N AC I O N A L

A arte de demitir
Em entrevista exclusiva, o consultor José Augusto Minarelli
explica como a demissão pode tornar-se uma boa ferramenta
se for conduzida de modo eficaz

V
i na recepção um quadro com uma carta em que você era demitido. Como boa parte da
nossa conversa é sobre demissão, gostaria de começá-la perguntando por que essa carta
está exposta com tanto destaque?
Essa carta foi decisiva para a mudança do rumo da minha carreira. No início, eu a escon-
di no fundo do armário, mas agora a ampliei e expus, para que as pessoas percebam que
meu negócio começou com a perda de um emprego de que eu gostava muito.
Posso dizer que essa carta de demissão foi uma carta de alforria, porque ampliou meus
horizontes e me permitiu passar de empregado a empreendedor. Sou muito grato a ela.

A demissão sempre é uma oportunidade camuflada de ameaça ou isso acontece apenas em casos
raros?
Tudo tem dois lados e a demissão também é assim. Num primeiro momento, minha demis-
são fez meu mundo desabar, mas depois representou enormes possibilidades. A rigor, a gente só
faz coisas extraordinárias quando realmente precisa fazê-las –ou seja, quando não pode adiar,
delegar ou ignorar. É por isso que a demissão funciona como um fator mobilizador das pessoas.
A demissão é curiosa: ela lhe tira muita coisa, mas dá pelo menos dois grandes presentes
em troca, imprescindíveis para fazer mudanças radicais: tempo livre e necessidade de agir, a
mãe da criatividade, que é a mais poderosa ferramen-
ta de todos nós...
Sinopse Com esses presentes, uma pessoa consegue fazer coi-
sas extraordinárias. Descobre valor em si; percebe que
Hoje a relação de trabalho se tornou mercadológica. Isso o mundo é maior que seu ex-empregador; encontra
quer dizer que a demissão passou a ser parte oportunidades de desenvolver suas atividades; conhece
do dia-a-dia dos negócios, utilizada não apenas para reduzir mais gente; recupera as pessoas com quem perdeu con-
custos durante crises, mas também para transformar o tato; revisa a forma de encarar a vida, a carreira e o tra-
perfil das pessoas a fim de ganhar competitividade, enfren- balho, e até revê sua escala de valores e prioridades.
tar mudanças, aproveitar novas oportunidades etc. Por isso,
é fundamental gerenciar demissões com eficácia –algo que Em outras palavras, você está dizendo que demissão é igual
não se ensina nas faculdades de administração. a motivação?
O consultor José Augusto Minarelli é um dos maiores A demissão motiva você a procurar solução, sim.
especialistas em demissão do País. Muitas vezes, as pessoas não aproveitam as enormes
Em entrevista exclusiva a Carlos Alberto Júlio, presidente facilidades que têm quando estão empregadas, como
da HSM do Brasil, ele aborda os pontos essenciais desse rito os programas de treinamento e desenvolvimento, por
de passagem, da preparação e prevenção de riscos para não terem motivação, por não precisarem daquilo.
o demissor à fase de luto e à recuperação do demitido. Com a demissão, isso muda: a gente vai à luta e um
Minarelli fala com conhecimento de causa. Na recepção mundo imenso se abre.
de sua firma de consultoria, a Lens & Minarelli, há
uma carta de demissão com seu nome, ampliada e emol- Isso é válido mesmo em épocas de crise econômica?
durada. Tratou-se, segundo ele, de uma carta de alforria, Por mais que exista crise, sempre há pessoas com
porque a demissão lhe abriu as portas para o “auto- necessidades que podem ser atendidas. Basta achar um
empresariado” e contribuiu para que ele se tornasse um jeito diferente de olhar para seu entorno e descobrir
melhor conselheiro para os demitidos. os serviços de que as pessoas precisam.

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Como fazer para que o demitido enxergue esse lado bom e vá à luta? É preciso haver um gerencia-
mento eficaz da demissão, digamos assim?
O demitido tem de superar o período de luto causado pela demissão para começar a ver
as coisas. Um gerenciamento eficaz pode abreviar esse período de luto, especialmente se a
pessoa for assessorada depois.

Como um processo de demissão pode ser gerenciado de maneira eficaz pela empresa?
Sugerimos 11 regras básicas (veja quadro nas páginas 10 e 11). São determinados procedi-
mentos a seguir antes, durante e depois do fato consumado.

Certo, abordaremos isso mais adiante. Já falamos da demissão do ponto de vista do funcionário;
agora, quero tomar o partido da empresa e fazer o advogado do diabo. Diante dos pesados custos
trabalhistas de uma demissão, por que as empresas devem investir também em fazer uma demissão
eficaz e em acompanhar os funcionários demitidos? Afinal, o bom tratamento ao funcionário que se
vai ainda não as faz ganhar pontos aos olhos dos clientes…
As empresas devem investir nisso como meio de prevenir riscos. Uma demissão conduzida
de forma equivocada às vezes custa muito caro, embora possa trazer alguma economia de
dinheiro num primeiro momento.

Quão cara é a demissão malfeita?


Para começar, no âmbito das relações do trabalho, sempre há algum “pêlo em ovo”, e se
a pessoa quiser procurar, vai achar horas extras, férias não-gozadas e motivos para muitas
reclamações.
De modo geral, o ex-funcionário pode se tornar um inimigo da empresa e falar mal
dela tanto com os colegas que continuarão na empresa como no mercado de trabalho.
Por exemplo, depois de receber a
notícia de sua demissão, o demitido
Saiba mais
acaba fazendo seu desabafo à equipe
Minarelli é um dos maiores especialistas em demissão com que trabalha, que pode ser bem
prejudicial para a empresa e para o
Estudante de pedagogia na Uni- 1982. Hoje, a Lens & Minarelli é con- ânimo geral.
versidade de São Paulo, José Augus- siderada a responsável pela introdu-
to Minarelli acabou ingressando na ção do conceito de recolocação (out- A demissão malfeita é comum?
área de recursos humanos quase por placement é sua marca registrada) no Ouvimos muitas reclamações sobre
acaso. Ele teve de trabalhar logo no mercado brasileiro e uma das três a falta de respeito ao funcionário de-
primeiro ano da faculdade, envolveu- principais empresas do país em sua mitido. Vou dar um exemplo bem ob-
se com seleção e treinamento no especialidade –atende exclusiva- jetivo: muitos profissionais que cuidam
Centro de Integração Empresa-Esco- mente presidentes, diretores e geren- do dinheiro ou acompanham a empre-
la (CIEE) e gostou da área. Depois foi tes seniores, sempre patrocinados sa certamente são pessoas de confian-
demitido e pendurou a carta de de- por empresas. ça. No entanto, quando são demitidos
e voltam para sua sala, já encontram
missão em seu escritório. Minarelli Em 21 anos, a Lens & Minarelli as-
seu computador bloqueado. As pesso-
costuma dizer, aliás, que a demissão sessorou mais de 3 mil executivos e
as ficam indignadas com essa mudan-
completou a trinca de “ências” que o 600 empresas clientes, entre as quais
ça drástica de tratamento no item con-
tornaram um bom conselheiro em 3M, Aché, Agip, São Paulo Alpargatas, fiança.
seu ramo: ciência, experiência e “so- ABN-Amro Real, Banco Itaú, Bardella, Todos sabemos que as pessoas de-
frência”. “Acho que só entendemos Basf, C&A, Carrefour, Casas Pernam- mitidas precisam ser desabilitadas da
bem o que as pessoas estão passan- bucanas e Unilever. rede de computadores, mas há o
do quando já vivemos uma situação José Augusto Minarelli escreveu modo correto de fazer isso. Na hora
parecida”. quatro livros: Empregabilidade, que de comunicar a demissão, o chefe
O especialista começou a traba- está já na 19a edição, Trabalhar por pode dizer: “Olha, nós temos algu-
lhar por conta própria em 1979 e fun- Conta Própria, Venda Seu Peixe! e Net- mas coisas práticas a tratar: a devo-
dou sua firma de consultoria em working (ed. Infinito e Gente). lução do carro, a retirada da procu-
ração para você representar a com-

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“[As empresas panhia e desabilitá-lo da rede. Se você tem coisas pessoais em seu computador, por favor,
faça um back-up ou, então, procure fulano de tal do setor de tecnologia, para ele que
brasileiras] até possa ajudá-lo”.

têm procedimentos Novo emprego ou auto-empresariado?

estruturais de Vamos discutir, então, os caminhos para o demitido. Ocorre com freqüência de ele não ir necessaria-
mente para um novo emprego?
demissão, mas a Sim. Nós estamos assistindo a uma redução brutal do número de empregos convencio-
nais e a um aumento de oportunidades para o auto-empresariado. Foi por isso que eu disse
realidade não que as oportunidades de trabalho para o que nós chamamos de “candidatos” são infinitas,
hoje e sempre.
corresponde ao
Os candidatos já chegam com sonhos de ter um negócio próprio?
discurso. Cometem Alguns chegam com esses sonhos e até já têm um projeto em mente. Mas, de modo
geral, quem perde o emprego quer encontrar um posto semelhante àquele com que está
muitos erros” familiarizado, e no mesmo padrão de remuneração. A rotina é tão forte que muitas pesso-
as procuram até o mesmo perfil de empregador: se trabalhavam num grupo asiático, que-
rem outro empregador da mesma origem. A causa disso é o conservadorismo, pelo medo
do desconhecido.
Para a maioria, o novo cargo tem de vir no menor tempo possível, porque muita gente
não sabe viver sem emprego, até porque elegeu o trabalho como seu papel principal.
Procuramos mostrar que o mundo do trabalho é muito mais amplo que o mundo do
emprego, pois inclui uma faixa larga de oportunidades de auto-empresariado, como consul-
tor ou dono de seu negócio.

Imagino que isso seja especialmente interessante para pessoas mais velhas…
Sem dúvida, pessoas mais maduras tendem a ter mais vivência, fôlego financeiro e po-
dem, então, oferecer sua experiência de forma pontual a várias empresas, atuando como
conselheiros, orientadores e implementadores de projetos.

E qual é a maior dificuldade em se tornar empreendedor (ou consultor)?


Eu noto que as pessoas, mesmo as que vêm do RH ou do marketing, têm grande dificul-
dade em fazer marketing pessoal e em usar seu próprio networking.

Há também trajetórias radicalmente distintas, de uma pessoa que trabalhava como gerente finan-
ceiro se tornar artista, por exemplo?
Sim, chamamos isso de “conversão profissional”. Tem uma história muito interessante de
um diretor tesoureiro de banco, com carreira de 20 e poucos anos. E, por força
de sua ocupação ligada a dinheiro, ele acabou se condicionando a ser uma pessoa muito
sóbria, séria. Quando ele chegou aqui, ele disse que, se pudesse, faria alguma coisa diferen-
te, mas não tinha a menor idéia do quê.
Então, nós começamos a explorar que coisas lhe haviam dado prazer na vida. E ele
lembrou que gostara de supervisionar as atividades do grêmio dos funcionários do banco,
que organizava exposições, festivais, viagens, concursos literários, competições esportivas
e assim por diante. Seus olhos brilhavam enquanto ele contava isso.
A conversa foi avançando e ele acabou me contando que apresentava e editava um pro-
grama numa rádio FM, com música e folclore do Norte e Nordeste do País, além de entrevis-
tas. Ele comprava um horário semanal e vendia patrocínio quando possível –se não, o banca-
va do próprio bolso.
Resumindo a história, ele percebeu que era isso que queria da vida. Apareceu uma
oportunidade e ele montou uma empresa de assistência a grêmios empresariais, que
deu certo e hoje tem quase dez anos de vida. É um dos casos de sucesso de conversão
profissional.

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Os 11 mandamentos da boa demissão


Uma demissão pode ser boa ou ruim. A firma de consultoria Lens & Minarelli, dirigida por José Augusto Minarelli,
sugere a seus clientes um conjunto de procedimentos que podem constituir subsídios para qualquer empresa que quei-
ra criar uma boa “política de dispensa de colaboradores”.
Uma regra essencial é elaborar uma política que aumente o grau de dificuldade para demitir funcionários. Ela
tende a reduzir a arbitrariedade e estimular a prevenção de problemas –por exemplo, as chefias irão preocupar-se mais
em contratar bem, treinar em serviço e fazer avaliações de desempenho mais criteriosas. Lembre-se: funcionários são
colaboradores da empresa, não propriedade de seu chefe imediato.

1. A demissão deve ser um recurso extremo. Promover a reposição de um funcionário demitido é algo que consome tempo e
dinheiro, assim como as tarefas de recrutar, selecionar, treinar e desenvolver executivos. Portanto, a demissão deve ser tratada
como último recurso, utilizado apenas quando se esgotarem todas as alternativas de transferir, retreinar e superar crises de
carreira, relacionamento, motivação e desempenho.

2. A decisão de demitir deve ser colegiada. A recomendação é de que se monte, para tanto, um comitê de três membros: o
chefe imediato, o chefe mediato e o responsável maior pela área de recursos humanos. O esforço do comitê sempre deve ser
no sentido de preservar o funcionário e a decisão tem de ser unânime –após evidenciada a impossibilidade de reaproveita-
mento interno. Para maior segurança, sugere-se que o presidente da empresa endosse a decisão tomada pelo comitê.

3. A demissão deve ser tratada individualmente. Além disso, o tratamento de cada caso deve ser cuidadoso e responsável. A
situação pessoal do potencial demitido deve ser levada em consideração, para que a empresa não seja responsável por
desestruturar as pessoas, a ponto de inviabilizá-las ou dificultar a continuidade de suas carreiras. Por exemplo, idade avan-
çada, doença pessoal ou familiar e o fato de o emprego em questão ser a única fonte de renda de toda a família podem levar
ao adiamento da decisão ou ao maior acompanhamento depois dela.

4. A decisão deve ser comunicada pelo chefe imediato. A conversa deve ser um-a-um, em local, dia e horário adequados. Por
exemplo, jamais faça isso numa sexta-feira no final do expediente. Além de transmitir a decisão, o chefe deve explicar as
razões –reais e justificáveis– pelas quais ela foi tomada e as tentativas feitas para encontrar uma solução alternativa. Ele
deve agradecer a colaboração do funcionário e informar o que a empresa providenciou para atenuar o impacto da demis-
são. É importante que ele ouça o que o demitido tem a dizer, inclusive seus desabafos, mas não entre em polêmicas.

5. O demitido deve ter chance de falar com outras pessoas. Ele pode querer falar com o diretor e até com o presidente da
empresa, e isso precisa ser permitido. Afinal, se o processo foi conduzido com responsabilidade e contou com o aval do presi-
dente, não há razão para que ele não se disponha a ouvir as reclamações do demitido.

6. O público interno também deve ser informado. Como demissões abalam a segurança de um grupo de trabalho e até sua
produtividade, quem demite precisa preocupar-se com as repercussões. É fundamental evitar boatos, informando a todos
rapidamente sobre o ocorrido. Para isso, devem ser utilizados meios formais e informais, sempre tratando o demitido de
forma elegante. Telefonistas, recepcionistas e secretárias devem ser orientadas sobre o que dizer quando o demitido for
procurado.

7. O demitido deve ser tratado com dignidade. Ao sair, ele deve receber um tratamento tão respeitoso e cordial quanto aquele
recebido em seu ingresso na empresa. Os momentos críticos são a passagem que o demitido faz de seu trabalho a outra
pessoa, a desocupação da sala e a retirada dos pertences. Uma pessoa com nível hierárquico similar ao do demitido deve ser
designada para ajudá-lo nessas tarefas, de maneira informal –esquemas formais tendem a constrangê-lo. Lembre-se: se for
bem tratado, o demitido tende a ser mais cuidadoso com as informações que possui sobre a empresa e até a ajudar a formar
uma boa opinião sobre ela no mercado de trabalho.
Continua na próxima página

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8. O demitido deve ser avisado com antecedência, sempre que possível. O ideal é que funcionário possa “cuidar de sua
vida” enquanto ainda estiver trabalhando, por duas razões principais: a) o valor de mercado de um profissional emprega-
do é maior que o de um desempregado com o mesmo perfil –embora não admitam, selecionadores e headhunters são
muito mais rigorosos com os desempregados; b) o demitido pode montar seu plano de contingência, evitando gastos
postergáveis. Esse procedimento, contudo, só pode ser utilizado com profissionais maduros e equilibrados, capazes de
continuar trabalhando seriamente mesmo sem ter futuro na organização. Uma alternativa é manter o funcionário na
folha de pagamento por um período sem que ele efetivamente trabalhe e, em paralelo, iniciar de imediato um programa
de recolocação.

9. O demitido deve ser recompensado. Profissionais que tenham dado contribuição significativa à empresa, fidelidade e dedi-
cação merecem um tratamento diferenciado ao deixá-la. Tem sido comum a atribuição de bônus em dinheiro, ajuda na aber-
tura de um negócio próprio, indenizações adicionais etc. Nos casos mais generosos, calcula-se um salário por ano trabalhado,
mas não há regras.

10. O demitido deve ser amparado. Em geral, o demitido perde vários benefícios junto com o emprego, tais como planos de
assistência médica, seguros, alimentação, automóvel, fundo de pensão e até escola para os filhos em certos casos. Tem sido
usual estender a assistência médica e o seguro de vida, além de ceder o carro, até a recolocação ou por determinado período.
Para profissionais perto da aposentadoria, a tendência é garantir o recolhimento previdenciário até completar o período aqui-
sitivo. A retirada de outros benefícios, como o pagamento da mensalidade da escola dos filhos, deve ser negociada. O princípio
a seguir é oferecer condições facilitadoras sempre que possível.

11. O demitido deve ser apoiado na continuação de sua carreira. Os funcionários de empresas parecem pássaros
criados em cativeiro; não sabem voar livremente pelo mercado de trabalho. Por isso, precisam de ajuda para aprender a “ven-
der-se”, a fim de conseguir um novo emprego ou montar seu empreendimento. Esse é o fundamental de uma política de apoio
à continuação de carreira financiada pela empresa, que pode incluir desde cursos até o pagamento de uma secretária e facili-
dades de escritório.

Outro executivo foi ser fazendeiro no sul de Minas Gerais, um terceiro deixou de ser
controller numa multinacional inglesa e, além de criar coragem para romper um casamen-
to que ia mal, comprou uma fazenda em Santa Catarina para criar peixes e cultivar flores
comestíveis.

Demissão no Brasil

As empresas brasileiras são boas demissoras? Elas têm demitido em hora errada ou a maioria dos
processos é realmente necessária?
De modo geral, as empresas demitem porque precisam mesmo: elas têm de economizar
ou modificar o perfil das pessoas. Mas o fenômeno da demissão estratégica é relativamente
novo, tanto que o pessoal de recursos humanos ainda não está bem preparado para enfren-
tá-lo e nenhuma escola de administração ensina a demitir.
Fizemos uma pesquisa sobre práticas de demissão nas maiores e melhores empresas do
Brasil, com demissores e demitidos: elas até têm procedimentos estruturais de demissão, mas,
na prática do dia-a-dia, a realidade não corresponde ao discurso. As empresas cometem mui-
tos erros na hora H, tornando o processo desagradável, porque fazem tudo às pressas, não
planejam, não têm habilidade desenvolvida para isso.

Uma comparação: as empresas brasileiras são melhores ou piores do que as multinacionais na


hora de demitir?
Como as empresas estrangeiras têm relações mais formais com seus colaboradores, a
demissão nelas costuma ser menos complicada. As empresas nacionais têm donos, que

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“Nós damos criam com os funcionários vínculos estreitos além das relações de trabalho. Fica difícil
demitir alguém que é muito próximo de você, que às vezes é seu afilhado de casamento ou
alguns conselhos padrinho de seu filho.

[ao demitido, no As empresas que enxugam pessoal têm ficado mesmo mais competitivas, ou acabam engordando
de novo para recuperar capacidade de operação?
dia da demissão]: Os cortes acabam levando a uma redistribuição de funções e quem fica na empresa
muitas vezes pega pedaços do trabalho de quem saiu. Empresas que reduziram sua força
‘Não faça nada de trabalho criteriosamente acabaram ganhando qualidade e velocidade, além de regis-
trar custos menores, porque as pessoas que permaneceram passaram a trabalhar mais. Até
imediatamente. 1980, quando esse fenômeno começou a aparecer, certamente os profissionais trabalha-
vam 60%, 70% de seu tempo disponível; hoje todo mundo trabalha pelo menos 120% do
Prepare-se para tempo, pelo menos.
Quem está empregado carrega duas ou três ocupações. Quem assume um emprego após
um novo papel’ ” a recolocação acaba trabalhando por dois ou três –e trabalha mais tempo e com maior inten-
sidade. Isso aumenta a produtividade e economiza dinheiro para a empresa.
Por outro lado, quem tem muito tempo de casa pode estar custando caro e talvez nem
atinja a produtividade desejada. Por isso, essa pessoa tende a ser substituída.

A questão ética

Qual é maneira ética de demitir?


Sempre se deve contar qual é a razão real da demissão e dizer isso de modo objetivo.
Mentira tem perna curta.
Na verdade, tudo é uma questão de coerência na gestão das pessoas. Se a empresa trata
bem as pessoas sempre, na hora da demissão ela age assim também –e a pessoa entende
que a decisão não foi um ato intempestivo. Agora, quando a empresa normalmente não
trata bem o funcionário, há sempre uma desconfiança de que a razão não é aquela.
Os chefes costumam ter mais dificuldades de dizer a verdade quando a demissão está
associada a uma questão de estilo, perfil ou desempenho, e principalmente se isso não foi
sinalizado com antecedência.

Um funcionário tem muito tempo de casa e custa caro, como você disse. Nesse caso, onde acaba a
ética e onde começa a busca da competitividade? Quais são os limites?
Nós todos fomos educados para ter relacionamentos fraternos –ou paternalistas, no que
se refere aos subordinados. Valorizamos, por muito tempo, a lealdade.
Acontece que a lealdade não é um atributo suficiente para sustentar alguém num
emprego em organizações pressionadas pela necessidade de reduzir custos, aumentar a
qualidade, ser criativa, inovar, atender melhor o cliente. Profissionais leais podem não
saber fazer essas coisas.
O fato é que hoje a relação de trabalho é uma relação mercadológica. Se você tem muitas
alternativas e pode atrair um colaborador mais bem qualificado ou que produza mais por me-
nos, você acaba fazendo a troca.

Existe também uma ética do demitido? Como o demitido pode ser correto e colaborativo com a
empresa?
O que encontramos, muitas vezes, são situações em que o próprio demitido acompanha
objetivamente seu processo de demissão.
Recentemente recebi um rapaz que representa uma empresa estrangeira com a seguinte
história: “Examinei qual era a melhor situação para reduzir custos para a empresa que eu
represento e concluí que o melhor é que eu fosse o demitido, pois tenho um salário maior e
minhas funções podem ser redistribuídas para dois técnicos que já trabalham comigo. Pro-
pus isso, a empresa aceitou e me recompensou com uma indenização adicional e com esse
programa de outplacement”.

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O processo de demissão: antes, durante e depois do dia D

Gostaria que você explicasse como é o bom processo de demissão, para que as empresas possam
segui-lo...
O processo é, na verdade, um rito de passagem. Vou falar um pouco do programa de
outplacement e aconselhamento de carreira que nós fazemos como consultores, de fora. A
ajuda de alguém de fora da empresa costuma dar ao profissional demitido segurança de que
terá sua situação resolvida.
O programa completo envolve o atendimento antes, no dia e depois da demissão.
Antes, o consultor de outplacement orienta a empresa para que ela tenha a chance de
evitar que haja erros ou sofrimentos desnecessários. Também orienta diretamente o demis-
sor, fornece informações, ajuda-o em tudo, para que ele planeje, organize e faça a demissão
do modo correto.
No dia, o consultor fica na sala ao lado enquanto a demissão é comunicada ao profissio-
nal por seu chefe direto. O demissor lhe diz que ele não estará sozinho e será apoiado para
descobrir o caminho do novo emprego. O chefe também pode acompanhar a pessoa até a
sala onde se encontra o consultor e apresentá-la de um modo atencioso: “Este é fulano de
tal, que trabalhou conosco por tanto tempo e foi um bom profissional. Infelizmente, neste
momento, não podemos mais mantê-lo, mas ele é merecedor de toda a nossa consideração
e confiança, e pedimos que você cuide muito bem dele”.
E, depois, o profissional freqüenta o escritório da firma de outplacement, onde tem aces-
so à Internet e faz contatos. Ele pode eventualmente receber visitas, alimentar um network,
receber orientação dos consultores especializados, como psicólogos, economistas etc., que
o ajudam a saber o que quer e a enxergar as oportunidades de mercado. Ele é orientado
desde a revisão de seu plano de carreira até a elaboração de currículo, plano de marketing
pessoal e entrevistas de emprego. Participa de seminários e grupos de discussão que per-
mitem a troca de informações e experiências.
Em resumo, o profissional demitido é apoiado para aumentar sua empregabilidade, re-
compor a autoconfiança e a auto-estima, redescobrir seu valor. Como consultor, eu digo que
é muito gostoso acompanhar esse processo de crescimento.

O que o consultor de outplacement diz ao profissional demitido no dia D, logo depois da demissão?
O que acontece entre as quatro paredes? Deve ser um momento traumático…
É traumático, sim. O consultor é, em primeiro lugar, um ser humano, que faz compa-
nhia àquela pessoa num momento doloroso. Mas o consultor experiente já tem preparo
psicológico suficiente para entender que aquilo é uma situação transitória, que tem
solução.
O consultor costuma dizer mais ou menos o seguinte: “Seu empregador, em reconhe-
cimento a seus trabalhos, me contratou para que eu o ajude em tudo que você precisar
e até encontrar uma nova atividade em outro lugar. Esse problema tem solução e tanto
nós acreditamos nisso que estamos assumindo o compromisso –e o risco– com você de
fazer tudo que for necessário, durante o tempo necessário, para que você realmente
encontre uma solução profissional. A partir de agora, você tem um projeto especial para
desenvolver com nossa ajuda, paga por seu empregador. Nosso escritório está à sua dis-
posição”.
Depois o chefe vai embora e nós fechamos a porta. É importante esse primeiro encontro
reservado, porque a pessoa fica uma ou duas horas conversando. Naquele ambiente protegi-
do, ela pode desabafar –dizer se esperava por isso ou não, se estava preparada ou não– e
tem tempo para se recompor do impacto. As pessoas reagem de formas diferentes: algu-
mas ficam lívidas, outras choram, várias se sentem aliviadas, algumas assustadas, há as que
ficam mudas, as que falam demais, as que reclamam…
E, além de nos apresentarmos e de ouvirmos a pessoa, nós damos alguns conselhos. Um
deles é este: “Não faça nada imediatamente. Prepare-se para um novo papel, que é o de
candidato a um novo emprego ou uma nova atividade”.

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Por quanto tempo se deve acompanhar o profissional demitido?


No caso das consultorias externas, isso depende do contrato. Nós da Lens & Minarelli sempre
fazemos o assessoramento até a recolocação do profissional no mercado. Se isso levar um mês ou
dois anos, não importa.

Para terminar: qual é a diferença entre um programa de recolocação –ou outplacement– e o aconse-
lhamento de carreira?
Tudo é aconselhamento de carreira. Nos Estados Unidos, algumas firmas de consultoria
já não utilizam mais a idéia do outplacement, da recolocação. Elas passaram a oferecer um
grande guarda-chuva de aconselhamentos de carreira em seus vários momentos: início, meio,
crise, perda, interrupção e preparação para o final, tudo sob a designação genérica de career
management.

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