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MEMÓRIAS MAPEADAS: RELATO DE EXPERIÊNCIA SOBRE UMA

INTERVENÇÃO ARTÍSTICA

Cristhian Lucas (CESUMAR) cristhianuniverse@gmail.com


Larissa Damaris Lorena de Oliveira (CESUMAR) larissaalorenaoliveira@gmail.com
Érica Dias Gomes (DEART/UNICENTRO) ericaunicentro@gmail.com
Resumo: O projeto ‘Memórias mapeadas’, produzido pelo coletivo 4’33’’, utilizou o lambe-lambe como
técnica para uma intervenção na UNICENTRO, tendo como temática as memórias pessoais de
frequentadores do Campus universitário Santa Cruz. A materialidade resultante deste projeto possui um
caráter efêmero, intervencionista e aberto, tendo sido feitos registros fotográficos para hospedagem na
rede social Instagram criando uma espécie de portifólio on-line. O presente resumo pretende analisar o
processo criativo, principalmente na sua parte inicial, na formação da poética, dentro da perspectiva das
poéticas do espaço, na sua relação com pertencimento e memória afetiva.
Palavras-chave: Processos criativos; Lambe-Lambe; Arte urbana.

Introdução
“Memórias Mapeadas” consistiu em projeto artístico realizado no primeiro
semestre de 2018, ao longo da disciplina de Espaços Limiares, do quarto ano do curso
de Arte da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).
A construção do projeto se deu a partir da discussão do conceito de “Espaços
Limiares”, a partir do entendimento destes espaços limítrofes como, principalmente,
espaços de crises de percepção, como destaca Capra (1982). O autor descreve mudanças
ocasionadas ao longo da história, destacando como nosso modo de viver pautado na
dinâmica do pragmatismo e do hedonismo acabaram por contribuir para uma crise
multifacetada na sociedade. Essa crise foi acentuada, sobretudo a partir das últimas duas
décadas do século XX, afetando desde então todas as esferas da nossa vida.
Fase Inicial do Projeto
As discussões acerca de espaços limiares durante a disciplina trouxeram à tona
apontamentos sobre o estado de caos em que os membros do coletivo se percebem
imersos, em que as pessoas estariam cada vez mais perdendo suas capacidades de
sensibilização.
Em meio à decisão de partirmos da realidade local, representada pelo campus
universitário, o grupo levantou a hipótese de que existe essa falta de sensibilização –
com o outro, com o espaço – e, consequentemente, sentimento de não pertencimento. A
impressão do coletivo é de que a maioria das pessoas - tanto comunidade interna
(estudantes, professores, pessoal dos serviços terceirizados) quanto externa
(ocasionalmente de passagem pelo campus) - não possui uma relação de pertencimento
com a universidade, já que muitos espaços de convivência como o jardim de inverno, os
arredores do quiosque de alimentação e o anfiteatro próximo ao restaurante
universitário, normalmente ficam vazios ou são ocupados apenas quando se há um
afazer acadêmico ou programação especial. Nas falas dos acadêmicos foi constatada
também a falta de mais ambientes no campus construídos com a finalidade de
convivência, sendo que os existentes apresentam mais caráter improvisado e provisório.
É comum que espaços públicos sejam planejados de forma utilitária, pensando
na praticidade das funções e das atividades finais ali a serem realizadas, ignorando-se o
caráter afetivo, as interações vivenciadas pelos seus sujeitos. Duarte Júnior (2010)
discorre sobre esse processo que leva a uma desumanização dos espaços, com a
desvalorização de seus espaços sensoriais e afetivos. Entretanto, por mais que este
espaço universitário tenha sido criado com finalidade prática e utilitária, voltada apenas
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para as atividades fundamentais de seu funcionamento, o convívio e a socialização
acontecem. E como seres emotivos, formamos memórias afetivas (positivas e negativas)
relacionadas aos lugares em que a rotina do campus ocorre. Pensando nisto, o coletivo
4’33” começou pelas histórias coletadas dentre os próprios integrantes que remetessem
aos diferentes espaços da Universidade e, após socialização, cada um escolheu de dois a
três relatos e ou frases que retratassem as 29 memórias vivenciadas.
A técnica do lambe-lambe e as etapas do processo criativo
Pelo fato de se escolher trabalhar com as memórias e estas serem justamente
uma maneira de se conservar lembranças, a técnica escolhida para o processo criativo
foi o lambe-lambe, por abordar tanto a questão da permanência como também da
intervenção nos espaços e sua efemeridade, atribuindo novos significados a estes locais,
que mudam no tempo, assim como mudam as pessoas que ali passam. A intenção do
coletivo 4’33”1 é de buscar a ressignificação dos espaços rotineiros pelo público, no
encontro com as memórias espalhadas, não só através de cada lambe-lambe exposto,
mas também por meio do compartilhamento de novas memórias sobre os ambientes.
A primeira etapa do coletivo foi a escolha das memórias dos próprios integrantes
do coletivo e a produção dos lambe-lambes. Ficou decidido que cada frase estaria em
uma pequena tira de papel, acompanhado de um desenho relacionado à memória
descrita; a escrita seria em fonte semelhante à fonte de máquina de escrever, e todos os
lambe-lambes seriam feitos em preto e branco, a partir de imagens selecionadas na
internet (transformadas digitalmente ou não) ou desenhadas. Após a colagem das
primeiras memórias selecionadas (Figura 1), a segunda etapa do projeto era a própria
divulgação para participação e envolvimento de toda comunidade que usufrui do
campus. Para isso foi reproduzido um lambe-lambe em tamanho maior do mapa do
prédio universitário e sinalizado nele todos espaços que já continham lambe-lambes
com memórias. Juntamente com o mapa, foi colocado uma urna e pequenas fichas para
que as pessoas preenchessem descrevendo uma memória e o local que ela aconteceu.
Fixou-se o lambe-lambe do mapa no hall de entrada principal, pela maior visibilidade e
trânsito de pessoas. Com o mapa foi fixada breve explicação sobre o Projeto Memórias
Mapeadas e um convite à participação da comunidade em geral através do
preenchimento das fichas (Figura 2). Houve boa participação e as memórias coletadas
foram divididas e distribuídas entre o coletivo para a produção de novos lambe-lambes.

Figura 1: Uma das memórias fotografadas. Fonte: Registro dos Autores. Disponível em:
https://www.instagram.com/memoriasmapeadas/

1
O coletivo é composto pelos acadêmicos do quarto ano de licenciatura em arte (turma 2015-2018), sob
orientação da professora Érica Dias Gomes.
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Com a permanência da caixa durante duas semanas neste local, a etapa seguinte
consistiu na divisão do coletivo em duplas para se responsabilizar por locomover seis
caixas durante três semanas em locais previamente estabelecidos pelo próprio coletivo.
A cada semana novas fichas preenchidas eram coletadas, passando pela triagem de
equipe responsável para ver se as respostas condiziam com as perguntas e o objetivo do
projeto. Em seguida distribui-se as fichas da triagem para a produção de novos lambe-
lambes. Além das caixas espalhadas o coletivo também criou uma página na rede social
Instagram®; atualizando com as fotos de novos lambe-lambes e estimulando a
participação de outras pessoas nas publicações.

Figura 2: Fichas para coleta de memórias. Fonte: Registro dos autores. Disponível em:
https://www.instagram.com/memoriasmapeadas/

Considerando que as redes sociais fazem parte da rotina de uma enorme parcela
da nossa sociedade, dessa maneira, podemos utilizar o que está presente no nosso
contexto e averiguar as possibilidades de penetração nesses espaços, para utilizar das
suas características para a humanização, uma vez que papel do artista é ser o catalisador
das mudanças do contexto histórico, o mesmo deve se valer para o uso das redes sociais
nos processos criativos em arte (MACHADO, 2010).
Considerações finais
Com o encerramento do processo de colagem, o coletivo organizou os dados coletados
para produção textual com reflexões sobre o projeto. A partir deste breve relato, conclui-se que
o Projeto ‘Memórias Mapeadas’ contribuiu tanto para uma ressignificação do sentimento de
pertencimento dos próprios integrantes do coletivo, e acredita-se que tenha influenciado ao
menos em parte da comunidade acadêmica, tendo em vista o número de contribuições com
memórias. O objetivo do coletivo foi gerar a sensibilização e, também estimular a valorização
da expressão artística no campus, partindo de um tema que interessa e se relaciona com a
comunidade inserida neste espaço, contribuindo por fim para sensibilização e educação estética.

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Referências
CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. Tradutor: Álvaro Cabral. São Paulo: Cultrix,
1982.

DUARTE JÚNIOR, João Francisco. A montanha e o videogame: escritos sobre


educação. Campinas: Papirus, 2010.

MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. 3. ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2010.

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