Você está na página 1de 6

^e

LER MICHEL PËCHEUX HOJE1

"Se, nos domínios das Ciências Humanas e Sociais o núcleo heurístico da


informatização devesse ser um combinado de ergonomia, de cibernética, de psi-
cologia cognitiva e da inteligência artificial, que lugar restaria concretamente
para a inteligência humana, já que ela se origina na incontornwel ambigui-
dade das línguas naturais, nos limites de transparência, de todo pensamento, no
surgimento do imprevisível e do nâo-reprodutível?
(Miche! Pêcheux)

Começo este livro com as epígrafes, nas primeiras páginas,


de dois autores ingleses. Dadas certas condições da produção de
M. Pêcheux, me pareceu próprio trazer algo da literatura inglesa.
Dois autores: Keats e Shakespeare. No que diz um, o sentido da
beleza, no outro, a ironia ("tongue in cheek , dizem os ingleses).
Este último está no gosto de Pêcheux, e na análise de discurso,
pelo joke e pelo Witz. O primeiro, porque não se pode pensar
a linguagem sem pensar a beleza. A língua brincando com ela
mesma.

A cada releÍtura, um sentido, insistente, se faz sempre


presente em relação a este autor, Michel Pêcheux: ele pensa
politicamente. O político - e mesmo a política - não lhe vem
por acréscimo. £ constitutivo de seu pensamento. Essa é sem

Agradeço imensamente a. sempre disponibilidade e amizade de Angélique Pêcheux,


viúva deste grande autor, que me recebe com cordíalídade e me da. acesso aos seus
textos. Do outro lado do Adântico, eía ajüdou-me a construir a disciplina no Brasil.
Outra amiga, de pensamento agi! e perspicácia iniguaiávcís sobre o sentido poli rico
da linguagem c do trabalho ac M. Pêcheux, Francine Mazièrc, a quem agradeço a
ajuda na escolha e acesso aos textos que aqui craduzünos, A eÍas meu reconhecimento
e meu afero.

11
ANÁLISE DE DiSCURSO - MiCHEL PÊCHRU^ ANÁLISE DH DiSCURSO - MlCHEL PÈCHEUX

dúvida uma qualidade marcante da sua autoria. Mas não fica a linguagem: mexer com os automatismos, com a ilusão de
aí. Ha muitas outras qualidades e vou mencionar apenas mais transparência, fazer se movimentar a relação dos sujeitos com os
umï, que me impressiona: com a leitura de Michel Pêcheux, nós sentidos e, quem sabe?, com o mundo. Pelas palavras que tenho
temos um método para pensar a língua, as línguas, as linguagens, ouvido, isso acontece inúmeras vezes. O prazer em ouvir isso
os sentidos, os sujeitos, o mundo. Por mais que os positivistas é parte da relação com este autor com a qual pude constituir
queiram diminuir o tamanho dessa autoria, ela resiste. Mudou um discurso que me permite produzir o conhecimento que me
o pensamento sobre a linguagem. Fez deslocar-se o quadro das fascina: o da linguagem, em que o político e o sujeito são partes
ciências humanas e sociais em sua relação com a linguagem, com dele. Na análise de discurso pratico uma relação de consistência
o sujeito, com os sentidos. Incomodo. Difícil. Sempre ainda a com minha própria história. Mais do que isso: encontrei as
ser relido. Inacabado. No entanto, foi o que aconteceu de mais condições para produzir além do lido, desenvolver esse campo
importante na relação da linguística com as ciências humanas e de análise abrindo sempre novas possibilidades para o presente
sociais no século XX, na França. Alarga-se o escopo da reflexão e o futuro, no conhecimento da linguagem.
inaugurada pela linguística. Põe-se o acento sobre o processo de
Este livro, portanto, é mais uma das homenagens cotidÍa-
significação: a teoria do discurso é a determinação histórica dos
nas que tenho feito a Michel Pêcheux, o fundador da análise
processos de significação" (Langages,37,1975), diz M. Pêcheux.
de discurso. E não é outro o sentido de minha homenagem:
E daí, seus efeitos se espraiaram para as ciências em geral. A
conhecer, e fazer conhecer â linguagem, conhecendo textos de
partir dele sabe-se que nada, nenhum campo de conhecimento,
Michel Pêcheux.
é Indiferente à- linguagem.
A perspectiva que tomo, ao trazer estes textos para uma
Nunca fíz um encontro sobre a análise de discurso, nunca fiz
leitura hoje, é a que tenho proposto em meu trabalho sobre a
uma homenagem a este autor. Minha homenagem, desde que li
história das ideias linguísticas, quando critico os que falam em
seus textos e os de seu grupo, é, no entanto, cotidiana: ler com o
"recepção do autor x no Brasil". Na perspectiva, que é a minha,
empenho da compreensão, com o entusiasmo de quem sabe estar
não se "recebe" simplesmente um autor. Estabelece-se uma re-
entrando em um lugar novo de reflexão, uma outra compreensão
laçao com a obra deste autor, sempre a partir de uma posição
da linguagem, dos sujeitos, dos sentidos. E, mais importante,
nossa em nossa tradição de reflexão e na história do conhecimento
que permite sempre a abertura para novas reflexões. Como ele
que produzimos no Brasil. É trabalho intelectual constante, que
mesmo diz, em linguagem, as questões nunca estão Já sempre
não parte desses autores mas vai a eles para olhar nosso próprio
respondidas. Elas retomam. Não só as questões retornam, como
trabalho em perspectiva. Nos relacionamos com os autores para
a análise de discurso proposta por Pêcheux é um campo aberto
elaborarmos, avançando, o que estamos construindo com nossa
à reflexão, a uma praxis teórica não servil. Minha homenagem
autoria. Descolonizar a vida intelectual não é uma minha preo-
é conseguir mostrar em minhas aulas, em meus escritos, o que
cupaçao menor. Porque temos a colonização em nossa história,
faço do que compreendo lendo este autor e o que daí desenvol-
não é pequeno o risco, quando olho à minha volta, dos que
vi e desenvolvo. Socializar aquilo a que tenho acesso. Tocar o
estabelecem com o que vem de fora uma relação de adulaçao
narcisismo pela via da crítica ideológica. Ser consequente com
intelectual e de submissão, próprias à ideologia do colonizado.
o objetivo que persigo com a prática do conhecimento sobre

13
ANALÍSE DÊ DISCURSO - MiCHEL PÊCHEUX ANÁLISE DE DISCURSO - MiCHEL PËCHËUX

Este conjunto de textos que reunimos neste livro, apresenta, do revisÍonismo já era uma questão muito presente. Presente
em grande medida, as reflexões necessárias a Míchel Pêclieux para no tema da leitura, da interpretação, elaborado por diferentes
produzir a mudança de terreno que ele se propunha para elaborar intelectuais (Althusser, Lacan, Barthes e outros).
a análise de discurso. Para isso, ele movimenta o tempo todo os
É essencial ler o Capital, dizia então Althusser (2007). Con-
discursos de diferentes campos científicos — em torno da noção
tínuando, dizia ele: ^ devo acrescentar que é necessário e essencial ler
de sujeito, de ciências humanas, de ideologia, de sociedade, de
e estudar Lênin e todos os grandes textos, novos ou antigos, aos quais
política, etc — e de diferentes teorias. Nesse sentido, este livro
se deve a experiência dá luta de classes do movimento operário inter-
torna-se um excelente observatório da constituição e elaboração
nacional, Ê essencial estudar os textos práticos do movimento operário
de uma teoria, de um método e da caracterização teórica de um
revolucionário em sua realidade, seus problemas e contradições: seu
objeto. Desse modo, podemos considerar, nessa leitura, também
passado e, acima de tudo, sua história presente (grifo meu)".
a importância desses textos para os que se dedicam à história das
ideias e especificamente à história das ideias linguísticas. Não Pois é disto que se trata quando colocamos a questão do
correrão assim o risco - tão comum aos que colocam sua mochila revisionismo; do passado, mas também do presente, da leitura.
nas costas e saem à procura de uma origem perdida - de fazerem Propomos pois ler esses textos em sua história presente. E o que
uma história sem a leitura do arquivo, ou seja, sem a consulta significa isso: significa confrontar-se com o revÍsionlsmo. Ler
do discurso documental. (Michel Pêcheux) lentamente, como diria Nietszche.

Não falaremos só em homenagem. Nosso objeto de reflexão Se tomamos Rancière3, comentando alguns aspectos da
aqui são os textos de MÍchel Pêcheux, o fundador da chamada posição de Vidal-Nacquet em sua crítica ao negatÍvísmo^, ele dirá
Escola Francesa de Análise de Discurso2. Textos estes menos li- que uma das características da cultura contemporânea é taxar
dos porque menos conhecidos, publicados em revistas de pouca de inexistentes as realidades sociais, políticas, ideais, culturais,
circulação, ou apresentados em colóquios e mesmo em jornais. biológicas que se acreditava serem as mais bem estabelecidas
Textos raros publicados lia mais tempo que outros. Textos que (Rancière, 1995). Mas eu vejo isso como uma constante. Sempre
eram antes de tudo textos de reuniões de trabalho. Textos de há um momento em que ser moderno, ser atual, é criticar o já
invenção: "Qual é esta situação de pensamento em que se visa o estabelecido como inexistente5. E é nesse engano que se instala o
que não se vê? . Textos de tornada de posição. E queremos aqui revísionísmo. De um lado, o relativo, de outro a não transparên-
mostrar a importância da leitura desses textos. Propomos uma cia do real. Eu diria: entre eles, e em todo lugar, a interpretação.
retomada. Mas como está na própria análise de discurso, retomar O risco da leitura: o revisionismo.
não é repetir. Repetir não é reproduzir.
3 ].R.incicíç{l99'5)PolHi£as da Escrita, editoïa. 34, Rio de Janeiro.
Não esqueçamos que, já nos anos 1960, anos da entrada em 4 Forma que toma o revisionismo quando nega a existência ao Holocausto.
cena da análise de discurso proposta por M. Pêcheux, a questão 5 Nessa direção, de outro modo, Melman (2002) diz que a situação atual instala a
congruência enere uma economia liberai desenfreada c uma subjetiviáade que se
A esse respeito é preciso lembrar que não é de Pêcheux essa denominação, é áe acredita liberada de qualquer dívida com as gerações precedentes - eu diria que
Gucspin, e tampouco era muito a seu gosto adjécivar a análise de discurso ("fran- aí está funcionando o apagamenro da. história, a de-significaçâo das fíliações - em
cesa"). Peruo a ciência em sua universalidade. Nomeá-la uítílizando o nome do
outras palavras, diz Melman (iáem), produzindo um sujeito que acredita poder
país ou sua localização geográfica nào é um modo científico mas apenas descritivo fazer dbua rasa de seu passado. Crise de referências, diz ele. Falta de reflexão, eu
áe dizer a ciência.
acrescentaria.

15
ANÁLISE DE DISCURSO - MlCHEI. PÊCHEUX ANÁLISE DE DlSCIIKSO - MlCHEL PÊCHEUX
. 'ycw/^/"^

Pensando a leitura, como a estou propondo, o revisionismo Por outro lado, em vários desses seus textos, que eu chamaria
está em, ao ler um autor fundador como Pêcheux (poderia ser de textos de trabalho, veremos desenvolvida a sua crítica a uma se-
Saussure ou qualquer outro,) interpretá-lo como já estâbele- mântíca universal nao-ambígua, língua "ideal" suscetível de regular a
cÍdo e, portanto, hoje, inexistente. A pergunta, na verdade, é: produção e a interpretação dos enunciados". Partindo daí nos indica,
como significar a leitura desses textos na atualidade? Como em múmeras de suas formulações, a afirmação do não estabilizado e
refiro acima, na fala de Althusser, como eles significam na sua do sujeito a equívoco, quando olhamos com os olhos do analista de
história presente? Como produzem uma história de reflexão? discurso. Seguida de uma elaboração fina dos efeitos da política na
Como os lemos hoje? Como significamos o que lá está posto linguagem, retomando sempre a conjuntura histórica. Não se pode
se sabemos que os sentidos não têm origem assinalável e tam- falar das massas populares, de mudança política, da revolução, enfim,
pouco estão já lá? como diz ele, da história, como algo natural, em termos de pessoas e
coisas, de sujeitos e objetos, de intenções e de estado das coisas.
Ele tem seu lugar na história do conhecimento do discurso.
Mas ele e também texto disponível à leitura para os que trabalham Essas não são distinções transparentes que aparecem na lín-
hoje na análise de discurso. E é este modo de ler que nos interessa. gua sem qualquer ambiguidade: não se pode, segundo Pêcheux,
Ler Michel Pêcheux hoje. E acrescentamos um complicador; desconsiderar a constituição essencialmente ideológica do discurso
hoje, no Brasil. Porque os sentidos em que ele fez/faz sentidos e do sentido. Mas se tenta, e então falamos do político, apagando
não é na história lá mas na nossa história aqui que se apresenta o político, ou simplesmente nem falamos dele, nos contentando
como relevante. com uma posição formalista ou logicista, ou então, socÍologÍsta.

Desse modo, e que colocamos à disposição do leitor brasi- Não deixa de enfrentar a difícil tarefa, sujeita a deslizes, de
leiro esses textos de M. Pêcheux. tematizar a questão da teoria marxista. Mas não o faz para apon-
tar meramente uma simples deficiência teórica, ou para Uvrar-se
E podemos assim refletir sobre a atualidade de sua leitura
da teoria. Firme em sua fundamentação na análise de discurso,
desde o que diz sobre propagandas governamentais que nos permite
refiete a respeito da forma pela qual o "socialismo existente" (são
ver, em nosso presente, no que foi no Brasil a campanha eleitoral,
palavras dele) inscreve sua relação na história do desenvolvimento
o descolamento do discurso, pela propaganda (marketíng), de tal
do capitalismo. Não deixa nunca de pensar o sujeito, a história,
modo que o que realmente deveria ser significado fica sem signi-
a língua, a linguagem, o discurso. E é, por essa via, que critica
ficaçao política real. "Se é bom para eles por que não seria bom
os que procedem a uma aplicação metafórica, da linguística que
para nós? . Só é dito aquilo que antedpa-se como o que se quer
serviria de caução a um empreendimento de análise geral do
ouvir. E Pêcheux, em seu texto, nos faz compreender isso, falando
inteligível humano, a uma impossível ciência da realidade, a
de propaganda política sem se esgotar, como se tem visto hoje em
ciência das ciências existentes. Daí sua proposta, tão presente
vários trabalhos que giram em torno do mesmo, no discurso sobre
em seu trabalho teórico, da mudança de terreno .
a mídia e publicidade. Ele faz isso, elegantemente, propondo-nos
pensar essa questão olhando as formas históricas do assujeitamento Com uma clareza e uma insistência admiráveis, Michel
do indivíduo que se desenvolveram com o capitalismo, como uma Pêcheux, como se poderá ler também nestes textos, reflete, dis-
maneira nova de gerir os corpos e as práticas. cute, tira conclusões sobre a relação d-a linguística e as ciências

16 17
ANALISE DE DiSCURSO - MIGUEL PÉCNEUX
ANÁLISE DÊ DISCURSO - MKKEL PËCHEUX

humanas e sociais. Analisa o estado atual (anos 70 do século XX Por isso, de meu ponto de vista, não se Justificam as posições

apenas?) dessas ciências, analisa as suas bases científicas, produz restritivas nem os toma lá dá cá de pesquisadores que disputam "seus'

pontos de referência heurístícos, aprofunda-se no que é discurso e objetos de análise como propriedades privadas: esses são os objetos
ciência. Não podemos esquecer que um dos seus objedvos iniciais da análise de discurso. São materiais de reflexão para todo analista de
era pensar a questão da linguagem e do simbólico na psicologia. discurso: os escritos, as imagens, os ditos, as novas tecnologÍas, fotos,

Este assunto estará aqui presente em vários de seus textos. Ele se o silêncio e muitos outros, cada qual com suas especificidades, seus
recusa a prender a questão da linguagem, e é ele que o diz, entre dispositivos analíticos e sua contribuição para a compreensão dos

o campo da biologia e o espaço da lógica em uma fenomenologia processos de significação, como já afirmava eu em 1994, no texto

psico-biológica de estratégias pragmáticas do sujeito falante, con- sobre os efeitos do verbal sobre o não verbal. A análise de discurso

tornando ao mesmo tempo a existência do simbólico e do real da trabalha com, trabalha a abertura do simbólico. Mas não de qualquer
língua, e a do imaginário onde se reconhece o sujeito. Desconhecer, forma, e é esta a questão real para o analista de discurso.

diz ele, a existência de relações ideológicas em que este imaginário Tampouco separa o emotivo do cognitivo. Nem deixa de
vem se investir e denegar o vínculo entre ideologia, desejo de saber criticar a análise de conteúdo. Tudo isso, pensando a materiali-
e desejo do sujeito. Faz larga crítica á psícolinguístíca e ao debate dade discursiva.
Piaget/Chomsky. E lembremos que, no Brasil, na época em que
Mas não são só questões teóricas mais amplas que o ocupam
também nascia e se desenvolvia a análise de discurso, eram estes
e que nos instÍgam na leitura de MÍchel Pêcheux: a questão sin-
os autores da psicolÍnguística, da aquisição da linguagem, domi-
d-Ícal e o papel das ciências no desenvolvimento das lutas sociais,
nantes, e que se enriqueceram com os trabalhos de Bakhtine.
por exemplo, nos leva, com ele, a pensar a defesa da pesquisa
Falando da memória, Pêcheux nos mostra a necessidade de em ciências humanas e sociais. Ou ainda, no campo das ciências
refletir sobre o estatuto social da memória como condição de seu humanas, a uma análise extremamente criteriosa, pensando-se
funcionamento discursivo a partir da produção e interpretação de a teoria do materialísmo histórico, que nos esclarece que não
redes de traços. Assunto que será retomado, em especial quando bastam somente transformações pedagógicas mas também urna
faia de interdÍscurso. Aqui merece destaque o parágrafo de um de luta política de modo direto. Em que aflora a questão da pesquisa.
seus textos - Metáfora e Interdíscurso", que tive o privilégio de
Entre suas preocupações não é menor a que o leva a refletÍr só-
traduzir: nosso empreendimento supõe, parece-me, levar a sério
bre a informática. Aliás, desde o início de seus trabalhos —AAD69
a noção de materialidade discursiva, enquanto nível de existência
- essa é uma constante e que ele toma em sua função heurística,
sócio-hlsrórica, que não é nem a língua, nem a literatura, nem
como já tivemos ocasião de referir. E, falando da informática, ele
mesmo as mentalidades de uma época, mas que remete às
não deixa de nos precaver contra o empÍrismo anglofone .
condições verbais de existência dos objetos (científicos, estéticos,
ideológicos) em uma conjuntura histórica dada". Em seguida ele Para terminar, não deixarei de mencionar a entrevista em
propõe não se restringir, a priori, o estudo do material textual aos que ele, e R Gadet, falam do livro La Langue Introuvahle. Ao
objetos literários consagrados mas a interrogar os processos de mesmo tempo em que nos situa na história da reflexão em geral
construção da referência discursiva compreendendo os discursos sobre o estruturalismo filosófico e na que nos interessa mais de
científicos, técnicos, políticos e estéticos. perto, sobre o discurso, M. Pêcheux, fala da questão da leitura. E

18 19
ANÁLISE DE DISCURSO - MIGUEL PÊCHEUX ANÁLISE DE DISCURSO - MlOIEL PÊCHEUX

aí, por um efeito de retomo a um assunto fundante da análise de


discurso, voltamos ao que nos propomos nesse livro: interrogar
a leitura, desta vez pensando o que é ler um autor hoje, dando
mais uma vez a palavra a M. Pêcheux. Também em um efeito de
retorno, retomamos o que diz o autor em nossa epígrafe: "(...)

incontornável ambiguidade das línguas naturais, nos limites de


REFLEXÕES SOBRE A SITUAÇÃO TEÓRICA
transparência de todo pensamento, no surgimento do imprevisível e
DAS CIÊNCIAS SOCIAIS E, ESPECIALMENTE,
do nâo-reprodutivel?" . As revoluções "são acontecimentos, não
substâncias
DA PSICOLOGIA SOCIAL1
(Thomas Herbert)
Assim, finalizo este prefácio lembrando que o que aqui apre-
sentei é o vestígio de uma leitura em que estão traçadas as minhas
preferências, o meu modo de ler este autor, o meu desejo de com-
As condições atuais da divisão do trabalho intelectual Índu-
preender os sujeitos, os sentidos, o político, a ideologia. Fica para o
zem a dois tipos de reflexões críticas, quando se trata de avaliar
leitor o encontro com os textos de Michel Pêcheux aqui traduzidos.
o estatuto de uma prática que pretende alcançar a categoria de
ciência, para decidir sobre seu caráfer lícito ou ilícito.
Campinas, 16 de janeiro de 2011.
A primeira crítica é efetuada pêlos que praticam a própria
Ení Pucdnelli Orlandi
ciência, que são necessariamente levados a explorar seu próprio
campo científico para separar o que é apropriado e o que não é
apropriado, para destruir o que está mal construído e reconstmí-
lo melhor. Este questíonamento interior opera de modo per-
manente em todas as práticas reputadas como científicas, tanto
entre aquelas que estão "em vias de desenvolvimento , como as
ciências sociais, quanto entre as "já desenvolvidas", como a física
e as matemáticas.

Todavia, esta crítica interna que se exerce com severa


lucidez sobre os aparelhos de uma prática científica deixa obrÍ-
gatoriamente intacto o horizonte teleológico sobre o qual esta
prática se apoia: a vigilância do território só pode ser exercida
sob a condição de não suscitar problemas de fronteiras; a prática
interna das práticas científicas deve, se quiser sobreviver como
tal, recusar-se a colocar o problema do lugar do território sobre
o qual ela tem jurisdição, em relação aos espaços exteriores que

3 TCXEO publicado em Cahierspourl'analyse, 2, 1966, p. 174-203.

20 21

Você também pode gostar