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156 Ewípedes G. Faim P/Artur M de OliveiraJr.

17. sendo qualquer das multas imposta por ór- efetiva, não bastando sua mera expedição,
gão ou empresa pública ou autarquia fede- embora não se exija mão-própria
ral, a competência será deslocada para a
Justiça Federal, a teor do que está contido
22. caso o interessado pretenda receber uma
liminar em mandado de segurança ele de-
Argutnentação Jurídica e a
no art. 109, I, da Constituição Federal
18. a via judicial cabível para combater-se
verá desde logo apresentar uma certidão
negativa de notificação expedida pela auto-
Itnunidade do Livro Eletrônico
esse tipo de ilegalidade pode ser o man- ridade que aplicou a multa combatida ~

dado de segurança ou uma ação ordi- 23. em casos excepcionais o juízo pode oficiar
nária, mas aquele só será possível se determinando o envio da certidão necessá-
!}{umhe'lto Jlvila
houver direito líquido e certo ria, mas não será cabível a liminar de pron- Advogado em Porto Alegre. Prof. da PUCjRS (Grad.jMest.) e da Escola Superior da
demonstrável de pronto com a inicial, to, só após a chegada da certidão Magistratura do RGS (AJURIS).
enquanto que a ação ordinária deverá Especialista em Finanças e Mestre em Direito (UFRGS).
24. se o interessado não quiser ou não puder
ser a via eleita no caso de haver necessi- Certificado de Estudos em Metodologia e Doutorando em Direito
esperar pela resposta, poderá entrar com
dade de produção de provas, além da (Universidade de Munique, Alemànha).
ação ordinária pedindo tutela antecipada e
documental.
prestando caução
19. no mandado de segurança, que depende "Ob der Satz wahr oder falsch ist, wird dlffch die Eriàhnmg entschieden, aber nicht sein Simi'.
25. a prestação de caução também é possível,
de prova pré-constituída, o reconhecimento (A experiência decide se o enunciado é verdadeiro ou falso, mas não o seu sentido).
excepcionalmente, em alguns casos de man-
da nulidade das multas é possível
dado de segurança, de acordo com o po- LUDWIG WfiTGENSTEIN
20. no caso de falta de notificação regular, der geral de cautela do juiz
inclusive quanto ao prazo legal, a auto-
26. cabe à autoridade impetrada provar a lega-
ridade não poderá regularizar posterior- INTRODUÇÃO
lidade e veracidade do ato de imposição da SUMÁRIO
mente a situação e cobrar a multa, pois
multa quando houver alegação de falta de
ocorre decadência. Introdução. f'!a decidir pela imunidade dos "livros
notificação, não valendo aí a presunção re- 1 DISTINGUINDO OS ARGUMENTOS
21. a notificação, para ser válida, tem que ser eletrônicos", parte da doutrina percorre, das pre-
lativa a esse respeito JUlÚDICOS. A - Classificações na ciência missas até a conclusão, um processo dedutivo
do direito - B. Proposta de classiBcação - 1.
análogo a este: (a) os livros são protegidos pela
Quadro esquemático - 2. Argumentos
imunidade; (b) todas as obras que veiculam idéias
institucionais e não-institucionais - 3. Argu-
mentos institucionais - a) Argumentos e são dispostas em seqüência lógica são livros;
institucionais imanentes - (1) Argumentos (c) o chamado "livro eletrônico" consiste numa
lingüísticos - (2) Argumentos sistemáticos - obra que veicula idéias e é disposta em seqüên-
(a) Contextuais- (b)Jwisprudenciais b) Ar- cia lógica; (d) o "livro eletrônico" é um livro;
gumentos institucionais transcendentes- (1) (e) o "livro eletr~nico" é protegido pela imuni-
Históricos - (2) Genéticos - 4. Argumentos dade dos livros, jornais e periódicos.
não-institucionais-
I1 EMPREGANDO OS ARGUMENFOSJU-
Para decidir pelo não-enquadramento
RÍDICOS - A. Obstáculos à rigidez
dos "livros eletrônicos" no âmbito material da
classilicatória -B. As condições das quais de-
pende a força justificativa dos argumentos- C regra de imunidade, outra parte da doutrina
- Interação dos argumentos- 1. Quadro percorre, das premissas até a conclusão, um pro-
esquemático - 2. Interação multidirecional- cesso dedutivo semelhante ao que segue: (a) os
3. Interação unidirecional livros são protegidos pela imunidade; (b) todas
DI. VALORANDO OS ARGUMENTOSJURÍ- as obras encadernadas e ordenadas em folhas
DICOS. A. O papel dos principias constiáJcio- de papel são livros; (c) o chamado "livro eletrô-
nais- R Regraspiimafade de intepreálção. nico" não consiste numa obra encadernada e
Condusão.
ordenada em folhas de papel; (d) o "livro ele-

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trônico" não é um livro; (e) o "livro eletrônico" tem sido matéria de notáveis estudos doutrinári- impressão" afastaria da imunidade qualquer ordenamento jurídico (razões justificativas ou
não é protegido pela imunidade dos livros, jor- os. 3 Neles, torna-se evidente a inevitável objeto que não fosse feito de papel; o vocábulo objetivas). 4
nais e periódicos. discordância dos autores no tocante à conclu- "CD-ROM" teria acepção técnica diversa da de
são sobre o tema tratado: enquanto alguns con- "livro"; o Supremo Tribunal Federal já teria Para tanto, é preciso, em primeiro lugar,
Como se vê, esse processo dedutivo, que cluem pela inclusão do "livro eletrônico" no decidido só haver livro onde há papel; ao men- diferenciar os argumentos em função de seu
contém o núcleo da fundamentação racional, é conceito normativo de "livros", outros decidem cionar o papel no dispositivo constitucional, o fundamento; em segundo lugar, valorar cada
o que se convém chamar de justificação inter- pelo seu não-enquadramento. Essa disparidade legislador constituinte teria objetivado proteger um deles com base no ordenamento jurídico
na, mediante a qual se pode avaliar se o juízo de interpretação não se restringe à compreen- apenas o livro impresso em papel; a proposta brasileiro. Lá, um discurso sobre o discurso da
decorre logicamente das premissas. A justifica- são do "livro eletrônico" no gênero "livros"; a de inclusão do "livro eletrônico" teria sido rejei- ciência do direito (discurso metateórico ), na
ção interna não consiste numa fundamentação discordância vai além, para alcançar os própri- tada pelo legislador constituinte; não tributar o medida em que apresenta uma alternativa de
completa, na medida em que as premissas os argumentos que são utilizados pelos autores "livro eletrônico" traria perda significativa de qualificação dos argumentos empregados no
resolutivas nas duas hipóteses apresentadas (pre- para justificar as premissas que adotam. E são, receita para o Estado no futuro. discurso doutrinário; aqui, um discurso sobre o
missas "b"), que decidem efetivamente sobre afinal, esses argumentos que decidem pela in- ordenamento jurídico (discurso teórico), enquan-
uma interpretação - restritiva ou extensiva - clusão, ou não, do "livro eletrônico" no âmbito Que todos esses argumentos podem ser to explica coerentemente quais são as implica-
do vocábulo livro e pela inclusão do conceito material da regra de imunidade dos livros, jor- utilizados na interpretação da imunidade em ções metodológicas dos princípios constitucio-
de "livro eletrônico" no conceito de "livro", são nais e periódicos. comento, não há dúvida; hesitação existe, con- nais relativamente aos argumentos empregados
meramente aplicadas na justificação interna. Não tudo, quanto a saber se todos eles têm a mesma najustificação de premissas do raciocínio juridico.
são, porém, fundamentadas. É dizer: tanto a Com efeito, os argumentos empregados importância jurídica. Como será analisado, os,
premissa "todas as obras que veiculam idéias e para justificar a inclusão do "livro eletrônico" argumentos usados na interpretação. não são Não se pretende apenas descrever como
são dispostas em seqüência lógica são livros", na classe dos "livros" são tão variados quanto os juridicamente equivalentes. Eles têm fundamen- os argumentos estão sendo de fato aplicados pela
quanto a premissa "todas as obras encaderna- seguintes: o "livro eletrônico" seria usado, atual- tos desiguais e, por isso, valores diferentes. Não doutrina e pela jurisprudência na interpretação
das e ordenadas em folhas de papel são livros" mente, como uma espécie de "livro"; a inserção podem, por conseqüência, nem ser emprega- jurídica. O fato de eles estarem sendo emprega-
são aplicadas sem ser justificadas. É que sua jus- do "livro eletrônico" na classe dos "livros" evita- dos indistintamente, nem ser tomados um pelo dos dessa ou daquela forma não quer dizer que
tificação depende de argumentos: os argumen- ria a contradição com princípios constitucionais outro, como se fora a sua escolha e a sua não poderiam ou deveriam ser utilizados de outra
tos são elementos de justificação racional da fundamentais; o "livro eletrônico" consistiria num valoração uma manifestação de mero capricho maneira. Este trabalho pretende explicar, ou-
interpretação jurídica. 1 E a tarefa da interpreta- simples meio, equivalente ao livro, para garantir do intérprete. trossim, como os argumentos podem e devem
ção jurídica é, precisamente, fundamentar esse a liberdade de expressão e de informação; de ser utilizados na interpretação jurídica.5 Para
tipo de premissa. Esse trabalho de fundamenta- acordo com o Supremo Tribunal Federal, a O objetivo deste estudo não se circuns- alcançar esse propósito utilizou-se um verdadei-
ção da premissa escolhida convém seja qualifi- imunidade em apreço deveria ser interpretada creve aos argumentos que podem ser utilizados ro caso-limite, que proporciona a análise dos
cado de justificação externa, mediante a qual de acordo com a finalidade que visa a alcan- na interpretação jurídica (da imunidade dos "li- vários argumentos empregados na interpretação
são avaliados os argumentos empregados para çar; o "livro eletrônico" significaria, hoje, aquilo vros eletrônicos"), matéria essa já objeto de ex- jurídica.
decidir por uma interpretação em detrimento que o "livro" representou ontem. celentes publicações; ele abrange, também, o
de outra(s). 2 debate sobre a especificidade de cada argumen-
Os argumentos aplicados para fundamen- to e sobre a sua própria dimensão de peso no I- DISTINGUINDO OS ARGUMENTOS
A discussão a respeito do enquadramento tar o não-enquadramento do "livro eletrônico" direito brasileiro. Não se pretende apenas criar JURÍDICOS
do "livro eletrônico" na classe de objetos abran- da classe dos "livros" são igualmente diversifica- condições para que se saiba por que são esco-
gidos pela imunidade dos livros e periódicos dos: a expressão "e o papel destinado a sua lhidas determinadas alternativas de interpretação A. Classificações na ciência do direito
(razões explicativas ou subjetivas); intenta-se,
também, apresentar critérios para valorar as de- As classificações elaboradas pela ciência
1
MacCORMICK, Neil. SUl'JMERS, Robert Interpretaiion andjustillcation. ln: lntetpreting statutes: a comparative cisões de interpretação de acordo com o do direito, enquanto voltadas à explicação coe-
study. Org. Idem. Aldershot, Broklield, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992 p. 511.
2
ALEXY, Robert.JUiistische Interpretation.ln: Recht, Vemunft, Disk~rs: Studien zur Rechtsphilosophie. 1.
4
AuD. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 71-92. NINO, Carlos Santiago. La validez del derecho. Buenos Aires: Astrea, 1985. p. 126.
5
3
MACHADO, Hugo de Brito. Coord Imunidade tributária do livro eletrônico. São Paulo: Informações BYDLINSKI, Franz.Juristische Methodenlehre und Rechtsbegriff. 2 ed ftlen-New York: Springer, 1991. p.
Objetivas. 1998. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Imunidades Tributárias. São Paulo: Editora Revista dos 554. ALEXY, Robert.Juristische Interpretation.ln: Recht, Vemunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie.
Tribunais: Centro de Extensão Universitária, 1998 (Pesquisas tributárias, Nova série; n. 4). 1. ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 78.

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rente do ordenamento jurídico, submetem-se a ferenciação entre eles inserem, na interpretação de de discernir os argumentos com a importân- no sentido de reduzir o raciocínio jurídico
limites dele decorrentes. Com efeito, será a com- jurídica, o germe da ambigüidade e, com ele, a cia de não os separar por completo, diminuin- ã pura lógica ou ã pura interpretação lite-
patibilidade com o ordenamento jurídico que fonte da arbitrariedade. Isso porque a mera do a inevitável subjetividade da interpretação ral, quer no sentido de circunscrever a ati-
permitirá avaliar a procedência da classificação, menção a argumentos, sem a sua necessária jus- sem enrijecer o raciocínio para o futuro. Com vidade interpretativa ao mero decisionismo
por exemplo, da eficácia das normas constituci- tificação, não só exclui a elucidação das pre- isso, poder-se-á abandonar qualquer ou ã simples ponderação de valores de na-
onais, dos efeitos das decisões judiciais ou das missas, como permite conclusões díspares-e até simplismo na. argumentação jurídica, quer tureza inexplicada. 8
espécies tributárias; o exame do ordenamento mesmo inconciliáveis entre si.
jurídico poderá confrrmar ou infirmar a existên-
B. Proposta de classificação
cia de normas de eficácia limitada, a subsistên- Como será demonstrado, não basta men-
cia de decisões sem nenhum efeito declaratório cionar qual o argumento que está sendo em-
1 - Quadro esquemático
ou mesmo a possibilidade de exclusão da fina- pregado para justificar a escolha das premissas
lidade e da destinação da arrecadação como utilizadas na interpretação. Dizer que a lingua-
critérios para a divisão dos tributos em espécies. gem, o sistema., o legislador constituinte ou re-
A nomenclatura e a variedade de divisões e sultados práticos decidem determinada interpre-
subdivisões dos objetos classificados irá, porém, tação é simplesmente pretender sejam
variar de acordo com a finalidade e o critério a unidirecionais argumentos que fluem em várias
que serve o agrupamento. Nesse quadro, as clas- direções.
sificações serão mais ou menos adequadas ã
explicação de determinado objeto. 6 Classificações dos argumentos êmprega-
dos na interpretação jurídica existem várias, e
É verdade que fazer as distinções entre de consistência. Há mais discordância com re-
os argumentos pode conduzir ã rigidez lação ã nomenclatura da distribuição em clas-
classificatória; e a rigidez classificatória pode le- ses do que disparidade com relação ã constru-
var ã desconsideração da multiplicidade de re- ção dos grupos. Divergências fundamentais exis-
lações entre os argumentos diferenciados, bem tem quanto ã relação entre os argumentos e
como pode deixar de fazer frente ao caráter quanto às regras atinentes à prevalência de um
prático-institucional do Direito. Não é menos sobre outro. A proposta aqui defendida vai além
verdade, no entanto, que deixar de fazer as das obras que lhe serviram de alicerce. 7 Pro-
devidas distinções entre os argumentos pode levar põe-se uma reclassificação dos argumentos jurí-
ã arbitrariedade argumentativa; e a arbitrarieda- dicos integrada com uma utilização e valoração
de argumentativa conduz ã não-fundamentação móvel e flexível desses mesmos argumentos. ordenamento jurídico. Possuem, nesse sentido,
2- Argumentos institucionais e não-
das premissas utilizadas na interpretação jurídi- maior capacidade de objetivação. Os argumen-
institucionais
ca. Com efeito, tanto a ausência de definição O objetivo deste estudo é construir uma tos não-institucionais são decorrentes ape-
dos argumentos utilizados quanto a falta de di- síntese superadora que harmonize a necessida- nas do apelo ao sentimento de justiça que
A primeira grande divisão dos argumen-
tos empregados na interpretação jurídica é aque- a própria interpretação eventualmente evo-
la entre os argumentos institucionais e os não- ca. 9 Po,ssuem, por isso, menor capacidade
6
Sobre cla.ssiBcações em geral, ver: CARVAlHO, Paulo de Banos. !PI- Comentários sobre a.s Regras Gerais Institucionais. Os argumentos institucionais são de objetivação.
de Interpretação da Tabela NB.M";SH (FIPijTAB). Revista Dialética de Direito Tributário (12): 53 e ss., São aqueles que, sobre serem determinados por atos
Paulo, 1996. Os argumentos institucionais subdividem-
institucionais - parlamentares, administrativos,
7
ALEXY, Robert.JUiistische Interpretation. ln: Recht, Vemunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie. 1. judiciais -, têm como ponto de referência o se em imanentes e transcendentes ao
ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 71-92 MtJi.L.ER, Fiiediich.Juristische Methodik. 7. ed Berlin:
Duncker und Humblot 1997. p. 216-303. BYDLINSKI, Franz.]uristische Methodenlehre und Rechtsbegriff.
8
2. ed U'Jen-New York: Spiinger, 1991. p. 553-566. GUASTINI, Riccardo. Distinguendo: studi di teoria e BYDIJNSKI, Franz.Juristische Methodenlehre und Rechtsbegriff. 2 ed U'Jen-New York: Springer, 1991.
metateoria del diritto. Torino: Giappichelli, 1996. p. 173-190. MacCORMICK, Neil. SUMMERS, Robert. p. 553.
lnterpretation andJustilication.ln: lnterpreting statutes: a comparative study. Org. Idem. Aldersho~ BrokBeld, 9
ALEXY, Robert.JUiistische Interpretation.ln: Recht, Vemunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie. 1.
Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992 ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 87.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março/2001
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ordenamento jurídico positivo. 10 Os argumen- Se as normas são inteligíveis no contex- tucional não configuram livros (e. g. livros em dispositivo constitucional não decide a questão
tos institucionais imanentes são aqueles que são to da linguagem ordinária, elas devem ser inter- branco, caderno em espiral, livro ponto, livro de saber se o "livro eletrônico" se enquadra na
construídos a partir do ordenamento jurídico pretadas de acordo com o significado que um de atas). 14 imunidade dos "livros". Ele corre em várias di-
vigente, assim da sua linguagem textual e cidadão médio iria atribuir-lhe como sendo o reções.
contextuai como dos seus valores e da sua es- significado mais imediato, ao menos que exis- É dizer: o significado comum das expres-
trutura. Os argumentos institucionais transcen- tam razões suficientes para uma interpretação sões contidas no dispositivo constitucional não No mesmo sentido, utilizando o
dentes são aqueles que não mantêm relação com diversa. 12 resolve a questão de saber se o "livro eletrôni- argumentum e contrario, pode-se sustentar tan-
o ordenamento jurídico vigente, mas dizem res- co" se enquadra na imunidade dos "livros". O to que o dispositivo, porque contém a expres-
peito ou a sua formação ou ao sentido dos dis- Na análise da linguagem, pode-se uti- significado de livro é complexo e ambíguo. 15 são "e o papel destinado a sua impressão", teria
positivos que ele antes continha. lizar o argumentum e contrario, mediante o Isso porque a relação entre a linguagem e a restringido a imunidade às obras feitas de papel,
qual se entende que o dispositivo, ao regu- realidade a qual ela se refere não é natural (cau- quanto que o dispositivo, ao utilizar a referida
3 - Argumentos institucionais lar somente um caso, silenciou quanto aos sal), mas convencional: é resultado de conven- expressão, teria deixado de regular as obras fei-
outros ou os excluiu do seu âmbito de apli- ções lingüísticas. 16 Além disso, a significação da tas com outros materiais. Lá, é afastada a imuni-
A. Argumentos institucionais imanentes cação. comunicação legislada não preexiste ao ato dade dos "livros eletrônicos"; aqui, pelo menos
interpretativo: ela deve ser construída pelo in- não excluída.
(1) Argumentos lingüísticos Pode-se interpretar a imunidade do "li- térprete.17
vro eletrônico" com base em argumentos
Os argumentos institucionais imanentes lingüísticos. De acordo com o significado co- O mesmo ocorre com os argumentos, li- (2) Argumentos sistemáticos
ao sistema jurídico, apesar de unidos numa to- mum das expressões constantes do dispositivo gados ao significado técnico das expressões cons-
talidade de sentido, podem ser teoricamente constitucional (argumento semântico relativo à tantes do dispositivo (argumento semântico re- Os argumentos sistemáticos, a despeito
discernidos em lingüísticos e sistemáticos. linguagem ordinária), pode-se, focalizando a lativo à linguagem técnica). De acordo com ele, de serem fundados na estrutura do sistema jurí-
palavra "livro eletrônico", sustentar que ela é pode-se, esquadrinhando o significado técnico dico, dizem respeito aos seus elementos ou a
Os argumentos lingüísticos dizem respei- usada como sinônimo de "livro". Nesse sentido, atribuído ao vocábulo "CD-ROM" por especia- sua aplicação. Eles são decorrência das condi-
to ao significado dos dispositivos ou enuncia- enquadra-se o "livro eletrônico" na imunidade listas em informática, excluir do abrigo da imu- ções formais de interpretação do próprio siste-
dos prescritivos. Eles podem ser qualificados dos "livros'~. Ocorre que o significado comum nidade qualquer objeto que não seja tecnica- ma jurídico: relação entre parte e todo (consis-
como semânticos, quando referentes ao signifi- das expressões igualmente se presta para inter- mente chamado de "livro". 18 Ocorre que o sig- tência e coerência), e entre norma e fato (gene-
cado das expressões; e sintáticos, quando rela- pretar o dispositivo constitucional noutra dire- nificado t~cnico das expressões também se presta ralização e individualização). Por meio delas,
cionados a sua estrutura gramatical. Os argu- ção. É que se pode, agora voltando a atenção para atribuir outro sentido ao dispositivo consti- evita-se e supera-se a contradição entre os ele-
mentos semânticos podem, ao seu turno, fazer para o vocábulo "papel" e com o reforço da tucional. É que se pode, desta feita perscrutan- mentos do sistema, ganhando-se, pela combina-
referência tanto ao uso comum da linguagem própria estrutura sintática da frase, excluir do do o significado técnico do vocábulo "livro", ção entre os elementos e pela superação das
(linguagem ordinária) quanto a sua utilização abrigo da imunidade qualquer objeto que não sustentar que sua acepção técnica inclui o pró- contradições, em consistência, e pelo significa-
técnica ~inguagem técnica). A utilização técni- seja feito com esse material. 13 É possível, no prio "livro em CD-ROM". Vale dizer: também do advindo do conjunto de todos os elemen-
ca da linguagem pode decorrer tanto de uma entanto, sustentar que a palavra "papel" não é o significado técnico das expressões contidas no tos, em coerência.
definição legislativa ou doutrinária quanto do decisiva, na medida em que existem obras que
uso por especialistas na matéria. 11 são feitas de papel, mas que na acepção consti- 14
CARRAZZA, Roque Antonio. Livro eletrónico- Imunidade Tributária- Exegese do art. 150, VT, "d'~ da
Constituição Federal. ln: Jl.1A CHADO, Hugo de Brito. Coord Imunidade tributária do livro eletrônico. São
Paulo: lnfonnações Objetivas. 1998. p. 233.
1o BORGES,josé Souto Maior. O Direito como fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciência 15
TORRES, Ricardo Lobo. Imunidade tributária nos produtos de infonnática. ln: Jl.1ACHADO, Hugo de
jurídica, sua base empírica e o método hipotético-dedutivo. ln: Ciênda Feliz. Recife: FLmdação de Cultura da
Brito. Coord Imunidade tributária do livro eletrônico. São Paulo: Infonnações Objetivas. 1998. p. 200.
Cidade do Recife. 1994. p. 135. 16
BULYGIN, Eugenio. SuU'interpretazione giuridica. ln: Analisi e Diritto 1992: recerche di giurisprudenza
11 GUASTINI, Riccardo. Distinguendo: studi di teoria e metateoria del diritto. Todno: Giappichelli, 1996. P· 175. analítica. Org. Paolo Comanducci eRiccardo Guastini. Torino: Giappiche.lli, 1992.
12 MacCOR.ll1ICK, Neil. SUJl1l\;/ERS, Robert. lnteipretalion andjustilication. ln: Interpreting statutes: a comparative 17
CARVALHO, Paulo de Barros. Proposta de modelo interpretativo para o direito tributá.rio. ln: Revista de
study. Org. Idem. Aldersho~ BrokBeld, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992 p. 513. Direito Tributário (70):42, São Paulo: Malheiros.
18
13 TORRES, Heleno Taveira. GARCIA, Vanessa NobeU. Tributação e imunidade dos chamados ''livros SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Imunidade tributá.ria como limite objeüvo e as diferenças entre "livro" e
eletrónicos'~ ln: Jl.1A CHADO, Hugo de Brito. Coord. Imunidade tributária do livro eletrônico. São Paulo: "livro eletrônico'~ ln: Jl.1ACHADO, Hugo de Brito. Coord Imunidade tributária do livro eletrônico. São
Infonnações Objetivas. 1998. p. 86. Paulo: lnfonnações Objeüvas. 1998. p. 54.

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Os argumentos sistemáticos subdividem- "livro eletrônico" com base em argumentos ção teleológica (redução do sentido do disposi- Constituição Federal, seus acórdãos exercem
se em argumentos contextuais e jurisprudenciais. contextuais. Com base nos princípios constitu- tivo por ser ele muito amplo em relação a sua papel fundamental na construção do significa-
cionais, pode-se sustentar que os "livros eletrô- finalidade) e da extensão teleológica (amplia- do de qualquer norma constitucional. Na avali-
(a) Argumentos contextuais nicos" estão abrangidos pela imunidade, na ção do sentido do dispositivo por ser ele muito ação da relevância do precedente para o senti-
medida em que a tributação poderá envolver restrito em relação a sua finalidade). 26 do da norma objeto de interpretação, é impres-
Os argumentos contextuais dizem respei- atentados à livre manifestação do pensamento; cindível ater-se às características da decisão, se
to às outras normas que, juntamente com a nor- valor que a Constituição de 1988 buscou pre- Pode-se interpretar a imunidade do "li- de mérito ou de não-conhecimento, se proveni-
ma objeto da interpretação, fazem parte do sis- servar.24 Ocorre que os argumentos contextuais vro eletrônico" com base em argumentos ente de uma das Turmas ou do Tribunal Pleno,
tema jurídico e devem ser consideradas na in- se prestam para interpretar o dispositivo consti- teleológicos. Utilizando a extensão teleológica, se por unanimidade ou por maioria, se em con-
terpretação. Variados são os argumentos tucional também noutra direção. É que se po- é possível sustentar que a palavra "livro", se en- trole difuso ou em controle concentrado de
contextuais. deria interpretar as imunidades combinando-as tendida como obra encadernada, é muito restri- constitucionalidade. Mais relevante ainda é a
com as regras de competência, para concluir, ta em relação à finalidade da imunidade, que é identidade das normas já analisadas às normas
Em primeiro lugar, os relativos aos prin- mediante uma interpretação restritiva, que a a de garantir a liberdade de informação dos ci- objeto de interpretação.
cípios que possam ser combinados, lógica ou única exceção ao poder impositivo constitucio- dadãos; pode-se também sustentar que o senti-
teleologicamente, com a norma objeto de inter- nalmente atribuído ao Estado é a tributação dos do comum da palavra "papel" é muito restrito Pode-se interpretar a imunidade do "li-
pretação.19 A concretização dos princípios cons- livros de papel. Isso significa que os argumentos relativamente à garantia de liberdade de acesso vro eletrônico" com base em argumentos
titucionais - enquanto normas imediatamente contextuais também não decidem, a rigor, a à informação, razão por que deve ser interpre- jurisprudenciais. Nesse sentido, é possível sus-
finalísticas - conduz a técnicas específicas de questão de saber se o "livro eletrônico" se en- tada de modo a abranger qualquer material tentar a imunidade em comento com base na
argumentação. 20 Por exemplo: em razão do quadra na imunidade dos "livros". Eles podem adequado à produção de uma obra cultural. interpretação da jurisprudência do Supremo
princípio da igualdade, e mediante o emprego ser utilizados em vários sentidos, embora se pos- Seja lá como for, o exposto já basta para de- Tribunal Federal, se analisadas aqueJas decisões
do argumento a simili ou analógico, atribui-se a sa notar uma certa convergência dos argumen- monstrar que os argumentos teleológicos, de- que interpretam de maneira sistemática e exten-
mesma conseqüência normativa estabelecida tos contextuais principiais no sentido de garan- pendendo da finalidade e da técnica siva as imunidades.
para determinado caso a outro caso semelhan- tir a imunidade do "livro eletrônico". interpretativa, também não decidem a questão
te.21 É também nesse âmbito que são aplicados de saber se o "livro eletrônico" se enquadra na A Primeira Turma do Supremo Tribu-
os critérios para solucionar as antinomias. 22 Quando a finalidade do dispositivo for imunidade dos "livros", embora reste evidente, nal Federal interpreta de modo sistemático e com
obtida levando-se em consideração os princípi- quanto a eles, a existência de uma confluência base no elemento teleológico as imunidades
Também se incluem nesse grupo os ar- os constitucionais a cuja concretização serve a em direção ao enquadramento dos "livros ele- quando, ao examinar o dispositivo constitucio-
gumentos relativos ao lugar onde o dispositivo regra objeto de interpretação, pode-se falar em trônicos" na imunidade em pauta. nal que menciona a imunidade das "instituições
se encontra no documento legislativo (argumen- uma interpretação teleológico-sistemática. Nes- de educação e de assistência social, sem fins
to topográfico) e à constância terminológica. 23 sa hipótese, não se pode separar a interpreta- (b) Argumentos jurisprudenciais lucrativos", incluiu na imunidade a eventual
ção sistemática da teleológica. 25 Sua considera- renda obtida pela instituição de assistência soci-
É possível interpretar a imunidade do ção pode levar à utilização da técnica da redu- Os argumentos jurisprudenciais dizem al mediante cobrança de estacionamento de
respeito aos precedentes do Poder Judiciário veículos em área interna da entidade, destinada
relativamente à norma objeto de interpretação. ao custeio das atividades desta; 27 e também
19
ALEXY, Robert Theorie der juristischen .Argumentation. 2 ed. Frankfi.ut am Main: Suhrkamp, 1991. p. 295. A pertinência dos precedentes depende da nor- quando entendeu que a palavra 'patrimônio'
m ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
ma objeto de intepretação. deve ser interpretada de maneira a abranger o
proporcionalidade. RDA, 215.-151-179. 1999. imposto de importação e o imposto sobre pro-
21 Tratando-se de norma constitucional, e dutos industrializados, apesar deles não serem
GUASTINI, Riccardo. Distinguendo: studi di teoria e metateoria dei diritto. Torino: Giappichelli, 1996. p. 1EIJ.
sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão classificados pelo Código Tributário Nacional
FREITAS,Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 57.
como impostos sobre o patrimônio. 28
:&
constitucionalmente incumbido de interpretar a
21
GUASTINI, Riccardo. Distinguendo: studi di teoria e metateoria dei diritto. Torino: Giappichelli, 1996. p. 190.
24
BORGES,José Souto Maior. Imunidade tributária dos produtos de informática (ICMSjiP.fi1SS), Repertório
IOB de Jurisprudência, ng 24;96, p. 545. CARRAZZ4, Roque Antonio. Livro eletrónico - Imunidade
21
CANARIS, (,"Jaus- Wilhelm. Die Feststellung von Lücken im Gesetz. 2. ed Berlin: Duncker und Humblo~
Tributária- Exegese do art. 150, vz; "d'~ da Constituição Federal. ln: MACHADO, Hugo de Brito. Coord 1983. pp. 82 e ss.
27
Imunidade tributária do livro eletrônico. São Paulo: Informações Objetivas. 1998. p. 230. Recurso Extraordinário n. 1449004, Primeira Turma, Rel Min. Omar Gaivão, DJ 26.09.97.
27
ENGISH, Karl Einfiihrung in das juristische Denken. 8. ed. Stuttgart; Berlin; Kõln: Kohlhammer, 1983. p. 79. :B Recurso Extraordinário ng 89.590, Primeira Turma, Relator.· Ministro Rafàel Mayer. DJ 10.09.79.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, Março;2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001
166 Humberto Ávila ArgumentaçãoJurfdica e a Imunidade doLivroEletrônico 167

A Segunda Turma do Supremo Tribu- papéis fotográficos. 32 Segundo o mesmo Tribu- o produto acabado, mas o conjunto de serviços dade aqueles que repercutem sobre o contribu-
nal Federal segue a mesma interpretação nal Pleno, é de se entender que "não estão ex- que o realiza, desde a redação, até a revisão de inte de fato, como no caso de ICMS na venda
ampliativa, quando não afasta da imunidade a cluídos" da imunidade os 'periódicos' que cui- obra, "sem restrição" dos valores que o formam de bens fabricados por entidade de assistência
renda obtida pelo SESC na prestação de servi- dam apenas e tão somente de informações ge- e que a Constituição protege. 38 social. 40
ços de diversão pública, mediante a venda de néricas ou específicas, sem caráter noticioso,
ingressos de cinema ao público em geral, que é discursivo, literário, poético ou filosófico, mas Em todos esses casos, o Supremo Tribu- A Segunda Turma do Supremo Tribu-
aproveitada em suas finalidades assistenciais 29 , de 'inegável utilidade pública', como é o caso nal Federal, em vez de se ater isoladamente aos nal Federal também interpreta de modo mais
ou quando inclui na imunidade até mesmo os das listas telefônicas. 33 Ainda: o Pleno do Tri- vocábulos constantes dos dispositivos constitu- declaratório as imunidades quando, ao analisa'.r
imóveis utilizados como residência dos mem- bunal entendeu que a razão de ser da imunida- cionais, buscou seu sentido em consonância o dispositivo constitucional que menciona a
bros da entidade beneficiente. 30 No mesmo sen- de prevista no texto constitucional está no inte- com o princípio constitucional do livre acesso à imunidade de "impostos", entendeu que a imu-
tido, a Segunda Turma entendeu ser imperti- resse da sociedade em ver afastados procedi- informação. Embora controvertida essa qualifi- nidade alcança "apenas" os impostos; não, as
nente a característica de generalidade dos parti- mentos capazes de inibir a produção material e cação, a interpretação da Alta Corte nesses ca- contribuições; 41 também interpreta literalmen-
cipantes e beneficiários para atribuir natureza intelectual de livros, jornais e periódicos, razão sos pode ser qualificada como "corretiva" ou te, quando entende que não há livro, periódico
pública a uma instituição, sendo importante por que a imunidade alcançaria não só o papel "ampliativa". Nesse sentido, a imunidade dos ou jornal, sem papel, por ter a Constituição pre-
apenas os fins sociais aos quais a entidade aten- utilizado diretamente na confecção dos bens "livros" deveria abranger também os "livros ele- visto um dos elementos destinados à obtenção
de. 31 Em todos esses casos, a interpretação da referidos, como também insumos nela consumi- trônicos": o "livro eletrônico", também, é meio do produto final assegurado pela imunidade. 42
imunidade levou em conta a finalidade de ga- dos como são os filmes e papéis fotográficos. 34 para melhorar o acesso à informação. A mesma Segunda Turma interpreta de modo
rantir a prestação de serviços de assistência restritivo as imunidades, quando cria distinções
social. No mesmo sentido, a Primeira Turma Ocorre que é igualmente po&sível defen- que não estão previstas no conteúdo mais ime-
entendeu que a imunidade é de ser entendida der o não-enquadramento do "livro. eletrônico" diato dos dispositivos constitucionais: embora o
Especificamente com relação à imuni- como abrangente de qualquer material suscetí- na imunidade dos livros com base na mesma significado prima fàcie do dispositivo não con-
dade dos livros e periódicos, o Supremo Tribu- vel de ser assimilado ao papel utilizado. no pro- jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tenha uma distinção, a Segunda Turma
nal Federal tem adotado uma interpretação que cesso de impressão. 35 se analisadas aquelas outras decisões que inter- dissociou, para efeitos de imunidade, os ca.Sos
modifica o sentido mais imediato do dispositivo pretam de maneira "restritiva" ou "literal" as em que há violação a outro princípio funda-
(interpretação corretiva) com utilização do ar- Em direção análoga a Segunda Turma: imunidades. mental, a exemplo do princípio do livre exercí-
gumento a simili. ainda que o dispositivo constitucional tenha fei- cio de concorrência, como ocorre na hipótese
to menção ao vocábulo "periódico", a revista Mesmo que a Constituição exclua da de exercício de atividade alheia às finalidades
Mesmo que o dispositivo constitucional técnica foi incluída no seu campo de aplica- imunidade apenas as atividades com fmalidade essenciais da autarquia43 . Apesar de a Consti-
tenha utilizado o vocábulo "papel", o Pleno do ção;36 mesmo que o dispositivo constitucional lucrativa, entendeu a Primeira Turma não ha- tuição excluir da imunidade apenas as ativida-
Supremo Tribunal incluiu no seu campo de tenha mencionado os objetos "livros, jornais e ver imunidade no caso de produção e venda des com finalidade lucrativa, entendeu a Segun-
aplicação, não só o papel utilizado diretamente periódicos", "estendeu-se" a proteção constitu- de pães. 39 Embora o dispositivo constitucional da Turma não haver imunidade, se houver exer-
na confecção dos bens referidos, mas também cional à fase de comercialização; 37 o livro, como não faça distinções relativamente à imunidade cício de atividade atípica pelas instituições de
insumos nela consumidos como são os filmes e objeto da imunidade tributária, não é "apenas" quanto ao contribuinte de direito e de fato, a educação, como no caso de exploração de li-
Primeira Turma circunscreveu a imunidade aos vros e outros artigos. 44
tributos que repercutem economicamente sobre
:.BAgravo Regimental em Agravo de Instrumento nQ 155822-0, Primeira Tunna, Relator: Ministro limar o contribuinte de direito, excluindo da imuni- Relativamente à imunidade dos livros e
Gaivão, DJ02.06.95. RecursoExtraordinán"onQ 116.1884-SP, Primeira Tunna, Relator: Ministro Sydney
Sanches, DJ 16.03.1990. :B Recw-so Extraordinário nQ 102.141, Segunda Tunna, Relator: Ministro Carlos Madeira, DJ 29.11.85.
31
Recurso Extraordinário nQ 221.395-8, Segunda Tunna, Relator: Ministro Marco Aurélio, DJ 12.05.2000. .P Recurso Extraordinário nQ134.573, Primeira Tunna, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ 29. 09.95.
31
Recurso Extraordinário nQ 108.796, Segunda Tunna, Relator: l'vfinistro Carlos Madeira, DJ 12.09.86. 40
32
Recurso Extraordinário n. 191.067-4, Primeira Tunna, Relator: Ministro Moreira Alves, DJ 03.12.99.
Recurso Extraordinário n. 190.761-4, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Marco Aurélio, DJ 12.12.97. 41
33 Recurso Extraordinário nQ 129.930, Segunda Tunna, Relator: Ministro Mário Guimarães, DJ 16.08.91.
Recurso Extraordinário nQ 101.441, Tribunal Pleno, Relator: Ministro Sydney Sanches, DJ 19.08.88.
42
34 Recurso Extraordinário nQ 238.570, Segunda Tunna, Relator: Ministro Néri da Silveira. Revistra Trimestral
Recurso Extraordinário nQ 174.476, Tribunal Pleno, Relatorpara o Acórdão: Ministro Marco Aw-élio, DJ 12.12.97.
35 dejurispmdência do STFnQ 171.;356.
Recurso Extraordinário n. 193.883-8, Primeira Tunna, Relator: Ministro Omar Gaivão, DJ 01.08.97.
43
~ Recurso Extraordinário nQ 77.867, Segunda Tunna, Relator: Ministro Leitão de Abreu, DJ 08.01.75. Recurso Extraordinário nQ 74.032, Segunda Tunna, Relator: Ministro Bilac Pinto, DJ 16.02.73.
44
37
Recurso Extraordinário nQ 109.484, Segunda Tunna, Relator: Ministro Célia B01ja, DJ' 27.05.88. Recurso Extraordinário nQ 71.(109, Segunda Tunna, Relator: Ministro Antônio Neder, DJ 08.03.74.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001
168 Humberto Ávila ArgumentaçãoJurídica e almunidade doLivroEletrônico 169

periódicos, o Supremo Tribunal Federal tem Em todos esses outros casos, o Supremo ma objeto de interpretação, os argumentos ge- de dos livros: de um lado, pode-se, focalizando
decisões que adotam semelhante interpretação Tribunal Federal fixou-se nos vocãbulos cons- néticos dizem respeito a textos não-normativos o pretenso significado que o legislador teria li-
literal e restritiva. tantes no dispositivo constitucional, sempre com (discussões parlamentares, projetos de lei, dis- gado à proposta aprovada, sustentar que o "li-
a finalidade de restringir a imunidade. A inter- cursos legislativos, exposições de motivos), e se vro eletrônico" teria tido sua imunidade rejeita-
A Primeira Turma do Supremo Tribu- pretação da Alta Corte poderia ser qualificada referem à formação do próprio dispositivo obje- da; de outro, pode-se, aqui voltando a atenção
nal Federal interpreta de modo restritivo as imu- como "restritiva". Nesse sentido, poder-se-ia sus- to de interpretação. 5° O argumento histórico faz para a suposta finalidade que o legislador cons-
nidades, quando ao examinar o vocãbulo "pe- tentar que a jurisprudência do Supremo Tribu- normalmente apelo à "natureza das coisas", na tituinte teria pretendido atingir, defender a imu-
riódicos" contido no dispositivo, criou uma dis- nal estaria direcionada a não englobar os "li- medida em que procura demonstrar que, em nidade apenas dos livros feitos em papel. Em-
tinção nele inexistente, na medida em que ex- vros eletrônicos" na imunidade dos "livros". decorrência das mutações históricas, o significa- bora sejam ambos argumentos genéticos, eles
cluiu da imunidade as publicações técnicas pe- do literal do dispositivo não mais se molda à são de espécies diferentes: enquanto o primeiro
riódicas com periodicidade fixada pelo Ministé- Como se vê, não é a rigor possível falar realidade do momento da aplicação. 51 avalia o pretenso significado do projeto (argu-
rio das Comunicações, como as listas telefôni- de uma jurisprudência unidirecional do Supre- mento genético semântico-subjetivo), o segun-
cas (entendimento ultrapassado pelo Pleno). 45 mo Tribunal Federal relativamente às imunida- Os argumentos históricos suscitam vãrias do examina a pressuposta finalidade da propos-
Relativamente à imunidade dos livros, a Primei- des, em especial à imunidade dos livros. O que questões no que diz respeito à imunidade do ta (argumento genético teleológico-subjetivo). É
ra Turma entende que a tinta especial para jor- se pode notar é apenas uma cumulação de ar- "livro eletrônico". Com efeito, pode-se sustentar dizer: simplesmente fazer menção à vontade do
nais não estã abrangida pela imunidade. 46 gumentos em favor de uma interpretação ex- que o "livro eletrônico" significa, hoje, o que legislador não é bastante para justificar nenhu-
tensiva das imunidades pelas Turmas e, sobretu- "livro" significou no momento da constituinte. ma conclusão.
A Segunda Turma do Supremo Tribu- do, pelo Tribunal Pleno. Do ponto de vista histórico-evolutivo, pode:..se
nal Federal interpreta de modo literal as imuni- até mesmo afirmar que o "livro eletrônico" nada
dades, quando, ao analisar o vocãbulo "papel", mais significa que a interpretação de acordo com 4 - Argumentos não-institucionais
entendeu que apenas os materiais a ele relacio- (h )Argumentos institucionais transcen- o sentido do vocãbulo "livro" mencionado pela
nados (papel fotogrãfico; papel telefoto; filmes dentes Constituição no momento da interpretação (in- Os argumentos não-institucionais não
fotogrãficos, sensibilizados, não impressionados, terpretação diacrônica). fazem referência aos modos institucionais de
para imagens monocromãticas; papel fotogrãfi- (1) Argumentos históricos existência do Direito. Eles fazem apelo a
co para fotocomposição por laser) é que estão qualquer outro elemento que não o pró-
abrangidos pela imunidade tributãria do art. 150, Os argumentos históricos dizem respeito (2) Argumentos genéticos prio ordenamento jurídico. São argumen-
VI, d, da Constituição FederalY Essa interpre- à investigação do problema objeto de regulação tos meramente prãticos que dependem de
tação focaliza a linguagem ordinãria do disposi- pelas normas hoje válidas, de modo a recom- Os argumentos genéticos dizem respeito um julgamento, feito pelo próprio intérpre-
tivo, utilizando o argumento a contrario; não, por o sentido que a norma tinha ao ser editada, à vontade do legislador, tanto no que se refere te, sob pontos de vista econômicos, políti-
porém, no sentido de entender que a menção atualizando-a no tempo. 49 ao significado que o legislador teria ligado a cos ejou éticos. 52 As conseqüências dano-
apenas ao "papel" indicaria existir uma lacuna determinada expressão (argumento genético sas de determinada interpretação e a neces-
a respeito de outros materiais (argumento Os argumentos históricos não se confun- semântico-subjetivo), quanto à finalidade que sidade de atentar para os planos de gover-
interpretativo com declaração de lacuna), mas dem com os argumentos genéticos: enquanto ele teria pretendido atingir (argumento genético no enquadram-se aqui.
no sentido de que a menção a "papel" teria os argumentos históricos fazem referência a tex- teleológico-subj etivo).
positivamente excluído outros materiais (argu- tos normativos anteriores, e com semelhante Pode-se interpretar a imunidade do "li-
mento produtivo com técnica de integração). 48 âmbito de incidência relativamente ao da nor- Da mesma forma, com base na vontade vro eletrônico" com base em argumentos mera-
·do legislador constituinte, pode-se tanto incluir t
mente prãticos. possível sustentar que seria
quanto ~xcluir o "livro eletrônico" da imunida- absurdo aceitar a incidência de impostos sobre
45
Recurso Extraordinário nQ 104.563, Primeira Turma, Relator: Ministro Oscar Correa, DJ 05.09.86.
46
Recurso Extraordinário nQ 215.435, Primeira Turma, Relator Moreira Alves. m MÜLLER, Friedrich.Juristische Methodik. 7. ed Berlin: Duncker und Humblot 1997. p. 245.
47
Recurso Extraordinário n. 177657-9, Segunda Turma, Rel Min. Carlos VeUoso, DJ 30.05.97. 51
GUASTINI, Riccardo.Distinguendo: studi di teoria e metateoria dei diritto. Torino: Giappichelli, 1996. p.178.
48
GUASTINI, Riccardo. Distinguendo: studi di teoria e metateoria del diritto. Torino: Giappichelli, 1996. p. 52
MacCORMICK, Neil. SUMMERS, Robert. Interpretation andJustillcation. ln: lnterpreting statutes: a
176. comparative study. Org. Idem. Aldersho~ Bro.kDeld, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992. p.
49
ALEXY, Robert.Juristische Interpretation.ln: Recht, Vemunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie. I. 521. ALEXY, Robert.Juristische Interpretation. ln: Recht, Vemunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie.
ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 87. 1. ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 89.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2()()1 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001
170 Humberto Ávila ArgumentaçãoJurídica e almunidade doLivroEletrônico 171

"livros eletrônicos" e sobre quaisquer meios não seja totalmente predizível antes mesmo da B. As condições das quais depende a mas nem sempre é assim. É que o contexto é
modernos de comunicação e de comércio. interpretação. força justificativa dos argumentos variado; e os precedentes, nem sempre unifor-
Noutro giro, porém, é possível afirmar que a mes. O decisivo, no entanto, é que as relações
não-incidência de impostos sobre "livros eletrô- Em segundo lugar, a classificação dos A pertinência e a relevância de cada entre os elementos do sistema não estão prede-
nicos", exatamente por serem eles o mecanis- argumentos não pode ser inflexível, porque, antes argumento para a interpretação depende da terminadas; devem ser construídas num verda-
mo moderno de comunicação e de comércio, da interpretação, também não se sabe qual dos implementação de determinadas condições. deiro "esforço de contextualização".56 Isso per-
irá excluir a maior fonte de receita estatal nos argumentos será mais seguro ou mesmo qual Como já exposto, e inclusive demonstrado pelo mite uma variedade de composições que irão
dias atuais. Os argumentos não-institucionais não deles será pertinente à decisão de interpretação. 54 exemplo da imunidade aqui tratado, embora constituir o que só ao final poderá ser chamado
são conclusivos relativamente à imunidade do Em alguns casos, serão os elementos lingüísticos sejam implementadas as condições de aplica- de "contexto". Além disso, somente no proces-
"livro eletrônico". Aliás, justamente pela falta de e sistemáticos que irão decidir qual das alterna- ção de um argumento, ele pode não ser sufici- so de interpretação é que se poderá perceber a
referência a pontos de vista objetivos ..,.gu tivas interpretativas deverá ser escolhida; em ente para justificar uma interpretação. relevância dos elementos que compõem o con-
objetiváveis, os argumentos não-institucionais outros, pela vagueza desses elementos, só os ar- texto normativo: há elementos e elementos no
nunca serão conclusivos, porque manipuláveis gumentos históricos é que poderão resolver a Os argumentos lingüísticos podem ser ordenamento jurídico.
arbitrariamente conforme os interesses em jogo. questão interpretativa. E assim sucessivamente. satisfatoriamente empregados na interpretação
É dizer: a pertinência dos argumentos depende se a norma for inteligível no contexto da lingua- Os argumentos transcendentes ao
do próprio problema posto à prova. gem ordinária. Ocorre que a linguagem ordiná- ordenamento jurídico passam a ser relevantes
II. EMPREGANDO OS ARGUMENTOS ria pode, como visto, apresentar várias caracte- na interpretação no momento em que a lingua-
JURÍDICOS Em terceiro lugar, a classificação dos ar- rísticas que se contrapõem àquela inteligibilidade gem e o sistema já não proporcionam uma jus-
gumentos não pode ser rija, porque, apesar de mais imediata: vagueza, ambigüidade, varieda- tificação para a interpretação. Se o intérprete
A. Obstáculos à rigidez classificatória ela ser elaborada em razão da plausibilidade da de de uso, falta de especificidade aplicativa, fal- consegue construir um significado de acordo
recondução de cada argumento ao ordenamento ta de atualidade. 55 Não é por outro motivo que com argumentos lingüísticos e sistemáticos, não
Diante do que foi acima exposto, resta jurídico, essa recondução não está predefinida; as normas semanticamente mais abertas, e quais- há razão suficiente para o recurso a outros argu-
evidente a necessidade de especificar, tanto ela deve ser construída. Isso suscita, evidente- quer outras em menor medida, não podem ter mentos .57 Não é noutro sentido que a doutrina
quanto possível, cada um dos argumentos em- mente, dúvidas a respeito da qualificação desse seu significado determinado com apelo apenas constrói as etapas na argumentação jurídica: só
pregados na interpretação jurídica. A particula- ou daquele argumento como sendo lingüístico, à linguagem, como é o caso dos princípios jurí- se recorre à próxima etapa se a anterior for in-
rização de cada argumento encontra, porém, sistemático, histórico, genético ou meramente dicos e das cláusulas gerais. O recurso aos ou- suficiente para a justificação da interpretação. 58
soberbas dificuldades. prático. tros argumentos é imprescindível.
De acordo com a tese aqui defendida,
Em primeiro lugar, a classificação dos Em quarto lugar, a classificação dos ar- Os argumentos sistemáticos podem ser os argumentos lingüísticos estão unidos aos sis-
argumentos não pode ser rígida, pois ela não gumentos não pode ser austera, na medida em satisfatoriamente empregados na interpretação temáticos. Minal, como lembra FREITAS, a
cobre o número de argumentos que podem ser que os argumentos não são estanques entre si; se o contexto e os precedentes apontarem para interpretação jurídica ou é sistemática ou não é
utilizados na justificação da interpretação, que eles, inversamente, interagem reei procamente. uma só direção. Isso, como visto, pode ocorrer, interpretação. 59 Em razão disso, poder-se-ia for-
é fundamentalmente ilimitado. 53 V ale dizer: aos Algumas vezes, serão os próprios argumentos
que foram aqui mencionados poderiam ser sistemáticos que irão demonstrar a insuficiência
51
aditados ainda outros, concernentes à eficiên- dos argumentos lingüísticos; noutras situações, MacCORMICK, Neil. SUMMERS, Robert Interpretation andJusti/Jcation. ln: lnterpreting statutes: a
cia, praticabilidade, justiça, razoabilidade, etc. somente os argumentos históricos é que irão comparative study. Org. Idem. Aldersho~ Bro.kfield, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992 p.
516.
Isso não significa que a classificação aqui pro- revelar a deficiência dos argumentos sistemáti-
56
posta seja despicienda. Bem ao contrário: ela é cos, pela alteração das circunstâncias temporais CAR VAUIO, Paulo de Barros. Proposta de modelo interpretativo para o direito tributário. ln: Revista de
Direito Tributário (70):42, São Paulo: Malheiros.
fundamental como projeto móvel de agrupa- ou espaciais. Nessas hipóteses, não será sequer
57
mento segundo o fundamento de cada argu- racionalmente demonstrável a desunião de ar- IARENZ, Karl CANARIS, Claus- Wilhelm. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. 3. ed Berlin: Springer,
gumentos que se encontram amalgamados. 1995. p. 163 ess. BYDLINSKI, Franz.Juristische Methodenlehre und Rechtsbegriff. 2. ed Jtlen-New York:
mento, ainda que as nuanças de cada um deles
Spnnger, 1991. p. 553.
58
IARENZ, Karl CANARIS, aaus- Wilhelm. Methodenlehre der Rechtswissenschaft. 3. ed Berlin: Springer,
S:J KAUF.MANN, Arthur. Rechtsphilosophie. 2. ed Miinchen: Beck, 1997. p. 47. 1995. p. 163 e ss. LOOSCHELDERS, Dirk. ROTH, Woffgang. Juristische Methodik im Prozess der
54 Rechtsanwendung. Berlin: Duncker und Humblo~ 1996. p. 175.
LOOSCHELDERS, Dirk. ROTH, Woffgang. Juristische Methodik im Prozess der Rechtsanwendung.
Berlin: Duncker und Humblo~ 1996. p. 194. $ FREITAS,Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 49.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001
172 Humberto A vila ArgumenmçãoJurídica e almÚnidade doLivroEletrônico 173

mular o seguinte quadro explicativo das etapas da argumentação jurídica, da seguinte forma: 2. lnteração multidirecional No caso da imunidade dos livros, a con-
sideração dos argumentos relativos à linguagem
Os argumentos podem entrar em confli- ordinária poderia levar ao entendimento de que
Lingüísticos
to. Em primeiro lugar, quando um argumento a imunidade só protege o livro em papel; a aná-
Sistemáticos aparenta ter suas condições de justificação pre- lise dos princípios constitucionais, em especial
Históricos enchidas, mas a análise sob o ângulo de outros da liberdade de comunicação, e a interpreta-
logo revela que aquelas condições para que o ção teleológica preconizada pelo Supremo Tri-
Genéticos
argumento pudesse justificar uma dada bunal Federal logo retrucam a força justificativa
Práticos intepretação não estão presentes. É o caso dos potencialmente imediata dos argumentos mera-
argumentos lingüísticos que têm evidenciada sua mente lingüísticos.
Segundo a proposta aqui defendida, es- gumentos ligados à linguagem ordinária, para o ambigüidade e vagueza. 61
sas etapas argumentativas não são estanques. intérprete que possui a adequada dimensão da Os argumentos podem entrecruzar-se.
Trata-se, na verdade, de um modelo que, em estrutura do sistema jurídico, e analisa qualquer No caso da imunidade dos livros, a con- Esse entrecruzamento dos argumentos impõe o
vez de negar a ultrapassagem aos argumentos caso "a partir" do sistema, poderão ser supera- sideração dos argumentos relativos à linguagem estabelecimento de regras de prevalência. Pode
transcendentes ao ordenamento jurídico para a dos por argumentos sistemáticos. 60 Os argumen- ordinária aparenta permitir a construção de um ocorrer que já existam regras de prevalência
configuração dos argumentos lingüísticos e sis- tos históricos poderão alertar para uma altera- significado unívoco a respeito da consideração previamente instituídas pelo sistema, quer pela
temáticos, admite-a, mas a condiciona à demons- ção na situação de fato que motivou a edição de que só há livros de papel; um exame mais jurisprudência, quer pelo próprio direito positi-
tração de que existem razões suficientes para a da norma, alterando, nesse sentido, o significa- aprofundado logo evidencia a existência de vo, na hipótese de contar uma disposição de
superação da força justificativa desses argumentos. do imediatamente obtido por meio da análise obras que, apesar de serem feitas de plástico ou princípios constitucionalmente estabelecida. 62
de outros argumentos. E assim por diante. de papel, como aquelas destinadas às crianças, Nessa hipótese, a convergência de argumentos
A ausência de limites precisos entre as não deixam de serem consideradas livros; tam- numa direção também funcionará como crité-
etapas mencionadas fica evidente naqueles ca- Justamente porque os argumentos bém indica a existência de encadernações que, rio para a criação de regras de prevalência: o
sos em que só se pode mesmo verificar a insufi- não são autônomos entre si, mas interagem apesar de feitas de papel, não são havidas como peso relativo a favor de uma interpretação em
ciência justificativa da etapa anterior se se recor- de diversas formas, é preciso aprimorar um livros para efeitos de imunidade, como é o caso relação a outra é condicionada pela força, ou
re a posterior. V ale dizer: circunscrever a inter- modelo de etapas sucessivas e subsidiárias do livro de registro ou dos livros em branco. O força cumulativa, dos argumentos que a supor-
pretação aos elementos lingüísticos, a pretexto na interpretação, que pressupõe autonomia importante é que essa ambigüidade é apenas tam, como se demonstra a seguir. 63
de que eles fornecem uma interpretação dos argumentos entre si, em favor de um revelada por uma interpretação teleológico-sis-
satisfatória, é desconhecer que outros elemen- modelo de interação e de valoração dos temática. Pode ocorrer, no entanto, que não haja
tos podem inverter a primeira impressão. Os ar- argumentos. qualquer regra de prevalência previamente
Em segundo lugar, quando um argu- estabelecida. Nesse caso, diante das circunstân-
C. Interação dos argumentos mento, apesar de ter suas condições de justifica- cias do caso concreto, é preciso atribuir uma
1. Quadro esquemático ção implementadas, tem sua força justificativa dimensão maior de peso a um deles.
refutada pela consideração de outros argumen-
tos. Esse é o caso da relação entre os argumen-
tos lingüísticos e os sistemáticos: o sentido ime- 2. Interação tinidirecional
diato da linguagem ordinária é desde logo refu-
tado pela consideração do contexto normativo. Os argumentos dificilmente são empre-

61
MacCORMICK, Neil. SUMMERS, RobeJt lnteJ:pretafion andJustiDcalion. ln: Interpreting statutes: a comparative
study. Org. Idem. Aldersho~ Brokfleld, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992 p. 528.
62
A VILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de
proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo, (215):168, 1999.
61
MacCORMICK, Neil. SUMMERS, RobeJt lrlfelpretafion andJustiDcalion. ln: Interpreting statutes: a comparative
m AARMO, Aulis. Denkweisen der Rechtswissenschaft. JíWen, New York: Springer, 1979. p. 140. study. Org. Idem. Aldersho~ Brokfleld, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992. p. 528.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, Marçof2001 Revista, da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Marçoft001
Uf8S3
~MlUlJ\AII ee mft~
174 Humberto Ávila ArgumentaçãoJurídica e almunidade doLivroEletrônico 175

gados separadamente. Mesmo que possam ser potencialmente multidirecionais, não é apenas dos cidadãos nas decisões políticas mediante B. Regras prima facie de interpretação
agrupados, os argumentos pertencentes a um a distinção dos argumentos que irá decidir so- representantes que atuam por meio do procedi-
grupo podem apontar para várias alternativas bre uma alternativa de interpretação. Isso só será mento legislativo; o princípio da separação dos Diante da relação existente entre os ar-
de interpretação. Pode ocorrer, no entanto, que feito se for atribuída a cada argumento uma di- poderes estabelece que cada um dos Poderes gumentos empregados na interpretação e os
a interpretação logo revele que os argumentos mensão de peso. Mas como atribuir uma di- deve exercer suas funções com independência princípios constitucionais fundamentais, pode-
pertencentes ao mesmo agrupamento, ou mes- mensão de peso? e harmonia. 69 se formular algumas regras prima facie de inter-
mo mutuamente independentes, seguem ames- pretação.Primafacieno sentido de que podem
ma direção. Quando isso ocorrer, a interpreta- Nesse sentido, há dois caminhos com- Diante dessas considerações, logo se vê ser vencidas por razões contrárias. 70 Nessa hi-
ção ganha uma força justificativa acumulada. 64 plementares a serem seguidos para saber o peso que os argumentos imanentes ao sistema jurídi- pótese, porém, as maiores razões deverão ser
de cada argumento na interpretação jurídica. co têm sua força justificativa fundada no princí- seguidas de uma fundamentação justificativa.
Essa unidirecionalidade normalmente De um lado, é preciso analisar quais são as im- pio da separação dos poderes (art. 2º da CFj88)
surge em função de determinados argumentos plicações metodológicas que decorrem dos ele- e no princípio democrático (art. 1º, parágrafo Como conseqüência do princípio da
serem suportados por princípios. Nessa hi póte- mentos essenciais da idéia de Direito -justiça, único, e art. 5º, inciso I, da CFj88). Isso porque· separação dos poderes e do princípio democrá-
se, entra em cena a idéia de coerência do siste- segurança jurídica, adequação - e das condi- o poder parlamentar tem representatividade tico, é adequado afirmar que os argumentos
ma jurídico: um sistema jurídico é tanto mais ções formais de conhecimento do próprio siste- democrática para tomar decisões; e o respeito a institucionais devem prevalecer sobre os argu-
coerente quanto maior for a cadeia de funda- ma jurídico - unidade, consistência e coerência66 essas decisões é um elemento necessário ao prin- mentos não-institucionais. Os argumentos
mentação que ele contiver, e quanto mais pro- cípio da separação dos poderes. Os argumentos institucionais possuem como ponto de referên-
posições forem suportadas pelo menor número De outro, faz-se necessário verificar quais sistemáticos decorrem da idéia de coerência do cia o próprio ordenamento jurídico. É precisa-
de princípios. 65 A idéia de coerência, justamen- são as determinações que resultam das próprias sistema jurídico, que se deixa reconduzir aos mente o ordenamento jurídico que permite uma
te por que se relaciona com a concepção de normas constitucionais- sobretudo das normas- princípios fundamentais do Estado Democráti- argumentação intersubjetivamente controlável.
racionalidade e generalidade inerente ao Esta- princípios - no que se refere ao peso dos argu- co de Direito (art. 1ºda CFj88), sem os quais, Os argumentos não-institucionais, ao invés de
do de Direito, reforça a justificação de uma mentos utilizados na interpretação. 67 A idéia é em vez de controle jurídico do Estado, permitirem um debate objetivamente concebí-
determinada interpretação. Quando maior a simples: os argumentos têm sua força justificati- racionalidade do Direito pela clareza e vel, apóiam-se exclusivamente em opiniões sub-
cadeia de fundamentação, maior a estrutura de va na medida em que eles são fundados em previsibilidade e tutela plena dos direitos, há jetivas e individuais, contrapondo-se, portanto,
estabilidade dos valores, e maior a força justifi- valores constitucionalmente instituídos. 68 arbitrariedade. às exigências de racionalidade e de
cativa dos argumentos. determinabilidade da argumentação, ínsitas ao
Nesse sentido, é preciso inicialmente Os argumentos institucionais transcenden- princípio do Estado Democrático de Direito.
analisar os princípios imanentes ao princípio do tes (argumentos genéticos e históricos), por sua
III- VALORANDOS OS ARGUMEN- Estado Democrático de Direito (art. 1º da CFf vez, não decorrem da força vinculativa do Po-.r- Em decorrência do princípio da separa-
TOS JURÍDICOS 88). O princípio do Estado de Direito estabele- der Legislativo. Eles apenas indiretamente po- ção dos poderes e do princípio democrático, e
ce a ligação estrutural entre a atividade do Esta- dem ser a ele reconduzidos, na medida em que também por razões de segurança jurídica, pode-
A. O papel dos princípios constitucionais do e o Direito; o princípio republicano institui exploram os trabalhos preparatórios ao conteú- se afirmar que os argumentos imanentes ao sis-
a representatividade com responsabilidade; o do final dos atos legislativos ou visam a recons- tema jurídico (argumentos lingüísticos e sistemá-
Se todos os argumentos jurídicos são princípio democrático determina a participação truir um momento histórico anterior. Os argu- ticos) devem ter prevalência sobre os argumen-
mentos não-institucionais ou meramente práti- tos a ele transcendentes (argumentos genéticos
61
cos nem mesmo indiretamente fazem referência e históricos), na medida em que aquilo que foi
MacCORMICK, Neil. SUMlv.!ERS, Robert lnteipretaiion andJustillcaüon. ln: lnterpreting statutes: a comparative
à força vinculativa do Poder Legislativo; eles não finalmente estabelecido pelo Poder Legislativo
study. Org. Idem. Aldershot, Brokfleld, Hong Kong, S'ingapore, Sydney: Dartmouth, 1992 p. 516.
se deixam reconduzir, por conseqüência, aos princí- deve prevalecer sobre aquilo que deixou de ser
fi> ALEXY, Robert. Juristische Begriindung, System und Kohiirenz. ln: Rechtsdogmatik und praktische
Vernunft. Symposium zum 80. Geburtstag von Franz Jtí'eacker. Org. von Okko Behrends. Gõttigen:
pios imanentes ao Estado Democrático de Direito. estabelecido. 71 Além disso, a própria
Vandenhoeck und Ruprecht, 1989. p. 99.
tii BYDLINSKI, Franz.Juristische Methodenlehre und Rechtsbegriff. 2 ed Jtí'en-New York: Springer, 1991. m Á V7LA, Humberto Bergmann. Medida Privisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio Fabris,
p. 557. FREITAS,Juarez. A interpretação sistemática do Direito. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 105. 1997. p. 48 e 51.
67
ALEXY, Robert.Juristische Interpretation. ln: Recht, Vernunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie. 1. iU ALCHOURRÓN, Carlos. Condicionalidady la representation de las nonnasjurídicas. ln: Analisis logico y
ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 90. derecho. Alchourrón y Bulygin. Madrid· Centro de Estudios Constitucionales, 1991. p. 270.
71
fB MacCORMICK, Neil. SUMlv.!ERS, Robeit.lnteipretaiion andJustillcaüon. ln: lnterpreting statutes: a comparative ALEXY, Robert.Juristische Interpretation. ln: Recht, Vernunft, Diskurs: Studien zur Rechtsphilosophie. 1.
study. Org. Idem. Aldershot, Brokfleld, Hong Kong, Singapore, Sydney: Dartmouth, 1992 p. 532 ed Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1995. p. 90.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001
176 Humberto A vila ArgumentaçãoJUIÍdica e almunidade doLivroEletrônico 177

racionalidade imanente ao Estado de Direito pretaria de modo amplo as imunidades), como samente os contrarie. 75 Quanto mais importan- ser escolhido o significado que seja mais
conduz à idéia de previsibilidade do Direito. há argumentos contra ela (a expressão "e o pa- te for o princípio no ordenamento jurídico, pelo coerente com os princípios constitucionais
Previsibilidade essa que só é concebível se as pel destinado a sua impressão" afastaria da imu- papel fundante que ele exerce sobre os argu- axiologicamente sobrejacentes à norma in-
normas puderem ser compreendidas: não é se- nidade qualquer objeto que não fosse feito de mentos, mais será relevante o argumento a ele terpretada.
quer praticável, para que cada norma venha a papel; o vocábulo "CD-ROM" teria acepção reconduzível. Afinal, demonstrar que uma in-
ser compreendida e seguida, fazer uma pesqui- técnica diversa da de "livro"; o Supremo Tribu- terpretação se situa no âmbito de um fim cuja Aplicando essas considerações ao caso
sa histórica para ver se o legislador não preten- nal Federal já teria decidido só haver livro onde realização é determinada por um princípio, é em pauta, pode-se afirmar que há mais razões a
deu, talvez, dizer algo diferente do que acabou há papel). também revelar que a regra é valiosa. 76 favor da imunidade dos "livros eletrônicos" do
dizendo. As normas devem poder ser compre- que contra ela: os argumentos sistemáticos
endidas e seguidas pelos seus destinatários, por Como solucionar esse problema? Num Mas com qual ou quais princípios deve contextuais e jurisprudenciais suportam mais
isso mesmo que são discutidas, votadas e primeiro passo, é preciso analisar a existência a alternativa de interpretação mais intensamen- enfaticamente a interpretação que inclui o "li-
publicadas. 72 E se assim é, aquilo que foi dito de convergência de vários argumentos em de- te corresponder? Num segundo passo, é preciso vro eletrônico" na imunidade dos "livros"; os
(argumentos lingüísticos e sistemáticos) deve pre- terminada direção. A ênfase é, ela própria, uma analisar a existência de hierarquia entre os prin- princípios constitucionais estabelecem como
valecer sobre o que deixou de ser (argumentos forma de valoração. Não qualquer convergên- cípios constitucionalmente previstos. A hierar- devida a realização da liberdade de comunica-
·genéticos). cia, mas a convergência de argumentos relevan- quia é, também ela, uma forma de valoração. ção, e a imunidade dos "livros eletrônicos" ser-
tes. Mas como saber se um argumento é rele- Nesse passo, entra em cena a idéia de hierar- ve à concretização desse fim; o Tribunal Pleno
Relativamente à imunidade do "livro ele- vante? Na medida em que for plausível demons- quia axiológica: a Constituição de 1988 põe a do Supremo Tribunal Federal tem ampliado o
trônico", pode-se afirmar que os argumentos trar que ele serve de meio para a concretização lume a maior importância dos seus princípios sentido imediato do dispositivo constitucional
lingüísticos e sistemáticos dever ter prevalência de um princípio ou que ele se refere a um bem fundamentais no confronto com outros princí- que prevê a imunidade dos "livros" sempre que
sobre os argumentos genéticos (a proposta de juridicamente protegido. Ora, uma interpreta- pios, como bem expõe SOUTO MAIOR ele seja muito restrito em relação a finalidade a
inclusão do "livro eletrônico" teria sido rejeita- ção será tanto melhor fundamentada quanto BORGES. 77 cuja realização ele visa a servir.
da pelo legislador constituinte). Os argumentos maior for o apoio que receber dos princípios
institucionais devem prevalecer sobre os argu- fundamentais. 73 Isso porque, estreitando-se a Diante do exposto, pode-se formular as CONCLUSÃO
mentos não-institucionais (não tributar o "livro relação dos argumentos com os princípios fun- seguintes regras prima fácie de interpretação:
eletrônico" traria perda significativa de receita damentais de determinado sistema jurídico, afas- Diante do exposto, chega-se a duas con-
para o Estado no futuro). ta-se de uma justificação pessoal da interpreta- (1) os argumentos institucionais devem prevale- clusões. Em primeiro lugar, ao entendimento
ção baseada em sistemas de crenças individu- cer sobre os argumentos não-institucionais; de que todos os argumentos jurídicos são
O problema, contudo, é que os argu- ais, em favor de uma justificação objetiva fun- multidirecionais. A rigor, nenhum deles é, por
mentos lingüísticos e sistemáticos não fluem só damentada em pontos de vista objetiváveis e, (2) os argumentos imanentes ao sistema jurídico definição, resolutivo, no sentido de indicar uma
numa direção: há tanto argumentos a favor da portanto, de acesso intersubjetivo. O que é in- (argumentos lingüísticos e sistemáticos) de- única alternativa de interpretação. Isso permite
imunidade do "livro eletrônico" (o "livro eletrô- coerente é ininteligível, porque contraditório, vem prevalecer sobre os argumentos a ele afirmar que a interpretação jurídica não é fun-
nico" é usado como uma espécie de "livro"; a fragmentado, desconjuntado; o que é coerente transcendentes (argumentos genéticos e his- damentada completamente nem com uma justi-
inserção do "livro eletrônico" na classe dos "li- é inteligível. 74 tóricos); ficação interna (indicação da estrutura dedutiva
vros" evita a contradição com princípios consti- de raciocínio), nem com uma justificação exter-
tucionais fundamentais; o "livro eletrônico" con- Nesse sentido, dentre os significados pos- (3) na justificação com base em argumentos na (indicação dos argumentos utilizados). A jus-
sistiria num simples meio, equivalente ao livro, síveis da norma deverá ser escolhido aquele que imanentes ao ordenamento jurídico deverá tificação interna apenas permite demonstrar de
para garantir a liberdade de expressão e de in- mais intensamente corresponder aos valores es-
formação, o Supremo Tribunal Federal inter- tabelecidos pelos princípios e que menos inten- 75
BYDLINSKI, Franz. Fundamentale Rechtsgrundsãtze. WJ'en; New York: Springer, 1988. p. 127. Idem,
System und Prinzi pien des Privatrechts. WJ'en, New York: Springer, 1996. p. 41 e 43. DWORKIN, Ronald
72 BYDIJNSKI, Franz.Juristische Methodenlehre und Rechtsbegriff. 2. ed. WJ'en-New York: Springer, 1991. Law's Empire. Cambridge: Harvard, 1986. p. 219, 225. VOGEL, Klaus. Worldwide vs. source oftaxation
ofincome- A review and re-evaluaüon ofarguments. Intemational Tax Review (Org.) Fred C. de Hosson,
p. 563.
Offprint from Jntertax 8-11j1988, p. 393. GUASTINI, Riccardo. Le fonti del diritto e l'interpretazione.
73 PECZENIK, Aleksander. Grundlage der juristischen Argumentation. WJ'en; New York: Springer, 1983. p. Milano: Giuf!Ie, 1993. p. 42.
180ss. 76
MacCORMICK, Neil. Legal Reasoning and legal theory. Oxford· Clarendon, 1995. p. 152.
74 RAZ,Joseph. Tbe Relevance ofCoherence.ln: Ethics in the public domain: essays in the morality of law and 77
BORGES,José Souto Maior. Pró-dogmática: por uma hierarquização dos prindpios constitucionais. Revista
politics. Oxford: Clarendon, 1996. p. 288. de Direito Público, (1): 145, São Paulo: Malheiros, 1993.

. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Marçoj2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Março;2001
Humberto Ávila ArgumentaçãoJurídica e almunidade doLivroEletrônico 179
178

que maneira as conclusões decorrem dade? Ainda: utilizando a finalidade com que mentos jurídicos que permite saber qual a inter- que há argumentos a favor e contra a reedição
logicamente das premissas. Ela não explica, propósito, para reduzir o sentido imediato do pretação mais adequada em face de determina- e a convalidação de medidas provisórias, como
porém, de que modo essas premissas são dispositivo, ou para ampliá-lo? Mais: reduzir ou do ordenamento jurídico. Essa valoração deve há argumentos também a favor e contra a exis-
construídas. A justificação externa, a seu turno, ampliar o significado de qual dispositivo, princí- ser pautada nos próprios princípios constitucio- tência de limites materiais para sua edição. Não
apenas esclarece quais são os argumentos utili- pio ou regra de competência, ou de qua! frag- nais que fundamentam cada um dos argumen- é menos verdade, no entanto, que os argUmen-
zados na construção das premissas do raciocí- mento de dispositivo, "livros" ou "papel"? E tam- tos utilizados na interpretação jurídica. Nessa tos lingüísticos (segundo o dispositivo constitu-
nio jurídico. No entanto, como os argumentos bém perfeitamente cabível pretender justificar hipótese, mais do que metodologia do Direito, cional, a medida provisória só pode ser editada
fluem em várias direções, a justificação externa uma interpretação mediante o recurso às deci- o que se tem é metodologia "no" Direito: apre- em casos de relevância e urgência, e perde efi-
não pode explicar nem como os argumentos sões do Supremo Tribunal Federal. Nessa hi- tensão de explicar· de modo coerente o cácia caso não seja convertida em lei em trinta
devem ser construídos nem quais deles devem pótese, porém, caberá a pergunta: quais deci- ordenamento jurídico implica absorver, na ar- dias) e os sistemáticos (a Constituição dá prima-
prevalecer. Isso não quer dizer que as justifica- sões, as que interpretam restritivamente ou ex- gumentação, aqueles fins cuja realização é ele- zia funcional ao Congresso Nacional, prevê uma
ções, interna e externa, sejam desnecessárias. tensivamente as imunidades? Por último- mas vada a dever pelo próprio ordenamento jurídi- hierarquia axiológica do princípio democráti-
Bem ao contrário: sem uma estrutura racional não por fim -, pode-se lançar mão da vontade co. Descrever o ordenamento jurídico sem aten- co, estabelece a legalidade estrita e mecanismos
de pensamento e sem a especificação dos argu- do legislador para fundamentar uma decisão de tar para as implicações metodológicas decorrentes abreviadores do procedimento legislativo) ter-
mento utilizados sequer é iniciado o processo interpretação. Ainda assim, restará a dúvida: em dos seus próprios princípios fundamentais não minaram sendo suplantados, na prática consti-
de fundamentação racional das decisões de in- qual sentido? Vontade do legislador ligada ao é explicá-lo; é menosprezá-lo. tucional brasileira, por argumentos meramente
significado de determinada expressão ou relaci- práticos (o governo precisa de agilidade e flexi-
terpretação.
onada a determinada fmalidade que ele preten- Nesse sentido, é preciso dar prevalência bilidade para regular a economia, por exem-
Em segundo lugar, chega-se à conclu- dia atingir? aos argumentos que se deixam rec~mduzir aos plo).79
são de que os argumentos são multidimensionais. princípios inerentes ao Estado Democrático de
Nesse sentido, é inadequado, por insuficiente, Enfim, a mera menção a argumentos é Direito, como o são os argumentos lingüísticos Todo o exposto termina por explicar,
pretender justificar uma interpretação fazendo artificio ineficaz para justificar minimamente uma e sistemáticos. Sendo assim, a privilegiar os de um lado, a importância dos estudos de lin-
apelo meramente à linguagem, ao sistema, à interpretação. Sob as vestes de uma "fundamen- princípios fundamentais da Constituição de 1988, guagem e de teoria dos sistemas para a interpre-
história ou à vontade do legislador. Cada um tação", pode a simplificação dos argumentos deverá ser adotada uma interpretação que con- tação do ordenamento jurídico. 80 De outro,
desses argumentos se divide em subespécies que, esconder uma mera preferência. É dizer: esco- duza à imunidade dos "livros eletrônicos". porém, põe em dúvida a validade dos estudos
a seu turno, podem ser divididas também em lher uma interpretação com base no capricho doutrinários, tão comuns entre nós, que menos-
(pura preferência), em vez de o fazer com al- A proposta reclassificatória dos argumen- prezam os argumentos lingüísticos e sistemáticos
outras.
gum fundamento racional (preferência funda- tos e as regras de prevalência se aplicam, evi- em favor do exame de argumentos transcen-
Pode-se, por exemplo, pretender justifi- mentada).78 Por isso a necessidade de uma su- dentemente, à interpretação de qualquer nor- dentes ao ordenamento jurídico (genéticos, his-
car uma interpretação fazendo menção ao sig- cessiva especificação dos argumentos, sem a qual ma jurídica. É sempre necessário, porque trans- tóricos ou meramente políticos, sociais, econô-
nificado das expressões. Mas será preciso saber não há fundamentação intersubjetivamente con- parente e racionalmente demonstrável, explicar micos ou filosóficos), os quais são analisados por
qual significado: o comum ou o técnico? Co- trolável. E sem uma fundamentação quais os argumentos são utilizados. Trata-se de meio de um sincretismo metodológico pasmoso
mum ou técnico de qual expressão, de "livros" intersubjetivamente controlável não se concreti- uma tarefa por fazer. e obscurante, 'sem que o intérprete proceda à
ou de "papel"? Pode-se tentar fundamentar uma za o princípio do Estado de Direito, pela demonstração. de que todos argumentos que
alternativa de interpretação mencionando o inexistência de dois dos seus elementos essenci- Exemplo paradigmático da função utiliza podem ser, de alguma forma, reconduzidos
contexto do sistema jurídico. Ainda nesse caso, ais: racionalidade do Direito e tutela plena dos esclarecedora da especificação dos argumentos ao ordenamento jurídico que ele supostamente
caberá a pergunta: qual contexto? O relativo direitos. é o caso das medidas provisórias. É verdade pretende interpretar.
aos princípios da liberdade de expressão e do
livre acesso à informação ou o relativo às regras Mas se nem a justificação interna nem a
79
justificação externa permitem fundamentar com- Sobre a interpretação sistemática da competência para editar medidas provisóiias: Á V7LA, Humberto
de competência? Também é possível justificar a
pletamente a interpretação, o quê toma possí- Bergmann. Medida Privisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio Fabiis, 1997.
interpretação com base na finalidade da nor-
ma. Nessa hipótese, caberá indagar: qual fmali- vel fazê-lo? É a valoração dos próprios argu- fD VZLANOVA, Lourival.As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. SãoPaulo:RT, 1977. BORGE5,
José Souto Maior. O Direito como fenômeno lingüístico, o problema de demarcação da ciênciajurídica, sua
base empírica e o método hipotético-dedutivo. ln: Ciência Feliz. Recife: Fundação de Cultura Cidade do
78 WRIGHT, Georg Henrik von. N onnen, Werte und Handlungen. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994. p. Recife, 1994. p. 138. CARVAlllO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. Ii. ed São Paulo:
Saraiva, 1999. p. 1 ss.
126.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, Março;2001 Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v. 19, Marçoft001
180 Humberto A vila

A classificação e as regras de prevalência O que deve ficar claro é que não se pode
aqui propostas visam a oferecer uma estrutura tolerar, num Estado Democrático de Direito,
racional para a argumentação jurídica que seja
vinculada ao ordenamento jurídico, e com a
uma '1ustificação" que, a pretexto de fundamen-
tar uma interpretação, termine por encobri-la.
Os Danos à Pessoa no Direito
qual possa ser diminuída a subjetividade na in-
terpretação em favor de uma intersubjetividade
Ora, fundamentar é justamente proporcionar
acesso interpessoal às razões que motivaram
Brasileiro e a Natureza da sua
cada vez maior. Um resíduo, maior ou menor,
de subjetividade é inerente a qualquer interpre-
determinada decisão de interpretação. Esse es-
clarecimento é possível de ser feito; e deve ser
Reparação
tação. Quando se afirma que há uma parte ob- levado a cabo não só pelo Poder Judiciário,
jetiva e um resíduo de subjetividade na inter- mas também pela doutrina. Fundamentar é, pois,
pretação não se está pretendendo dizer que há como levar alguém para um passeio informan- !Judith 511a'Ltins-Costa
fases que são somente objetivas e fases que são do-lhe o ponto de partida e o de chegada, o Doutora em Direito Universidade de São Paulo.
somente subjetivas. Não. Desde a manipulação veículo de transporte e as razões da viagem. Professora Adjunta de Direito Civil e de Teoria Geral do_ Direito Privad? na Faculdade de
dos argumentos lingüísticos até o extremo da Deixar de informar o passageiro a respeito disso Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul .
utilização de argumentos meramente prá,ticos há é fazer aquilo que os seqüestradores fizeram com
uma insuplantável dialética entre objetividade e Maruja, personagem do romance de GABRIEL
subjetividade. O esforço do intérprete, e a fun- GARCÍA MARQUES: "No se veía ninguna luz.
'Para argumentar não basta, com efeito, possuir toda a sua razão; é preciso ver-se coagido a usá-
ção mesma da argumentação jurídica, é A Maruja le cubrieron la cabeza con una
la. O pensamento é nosso; mas a inspiração vem de outro lugar. Tu falas, logo eu penso':
intersubjetivar o subjetivo. No final, restará um chaqueta y la hicieron salir agachada, de modo
ALAIN FINKIELKRAUT, A INGRATIDÃO
quê de subjetivo na argumentação. Mas um que lo único que veía eran sus propios pies
subjetivo que se pode ver. Na verdade, a argu- avanzando, primero a través de un patio, y
mentação jurídica não aniquila a subjetividade; luego tal vez por una cocina de
mantem-na sob controle crítico. 81 baldosines''. 82 INTRODUÇÃO
SUMÁRIO
idéia de dano está no centro do ins-
Introdução. titu~ da responsabilidade civil, ligando-se muito
I- Os Danos à Pessoa como Espécies de proximamente ao valor que historicamente é
Danos Extrapatrimoniais. dado à pessoa e às suas relações com os de-
mais bens da vida. Se o mais relevante for a
A Classiflcação dos danos à pessoa; relação entre a pessoa e os bens patrimoniais,
.B. A Relação entre os Danos à Pessoa e economicamente avaliáveis, cresce em impor-
o Dano Moral; tância a responsabilidade patrimonial, na qual
II- A Satisfàção dos Danos à .Pessoa. a pessoa é vista tão só como sujeito titular de
A. A liquidação; um patrimônio que, tendo sido lesado por
outrem, deve ser recomposto. Se, ao contrá-
.B. O Caráter da Condenação: rumo à
rio, em primeiro plano está a pessoa humana
pena privada?
valorada por ~i só, pelo exclusivo fato de ser
pessoa - isto é, a pessoa em sua irredutível

1
Texto apresentado no CoDoquio Intemazionale L 'Unificazione dei Diritto in America Latina: Principie
81
GADAMER, Hans-Georg. ''Vom Wort zum Begriff. Die Aufgabe der Herrneneuük ais Philosophie'~ ln:
Regale Com uni in Materia di Responsabilità Extracontrattuale, Roma, junho de 2000 e que integra Grupo
Die Moderne und die Grenze der V ergegenstãndlichung. Org. Bemd Klüser. München: Bemd Klüser,
de Pesquisa bases para a Unificação do Direito Privado no MERCOSUL coordenado pela autora. Agradeço
1996. p. 30.
à acadêmica de Direito Ana Lúcia Aguiar, bolsista, do CNPq-PIBIC sob minha orientação, o auxilio na colem
82
MARQUES, Gabril García. No tida de un seçuestro. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, p. 16. dos subsídios jurisprudenciais e na revisão das notas.

Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, Março;2001 Revista, da Faculdade de Direito da UFRGS, v.19, Março;2001 181

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