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Atitude humana na empresa … Por que não?

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7 de janeiro de
2017

Tiane Corso Graziottin

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL


FACULDADE DE PSICOLOGIA
SEM. DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM PSICOLOGIA DO TRABALHO
por:
Tiane Corso Graziottin

Supervisora acadêmica:
Nádia Borges

Supervisor local:
João Carlos Karling

Porto Alegre, junho de 2001

“É tempo de superarmos nosso ceticismo e assumirmos os riscos e a responsabilidade


de nos tornarmos os autores do nosso próprio ser e fazer…”

Carl Ransom Rogers

INTRODUÇÃO

Quando comecei a pensar num assunto para desenvolver como encerramento do meu
estágio de Psicologia do Trabalho, logo veio-me à mente o óbvio: desenvolvê-lo falando
da proposta e do desafio que coloquei para mim, desde os primeiros momentos que
comecei a pensar em como gostaria de ser, trabalhando nesta área da psicologia.

Desde quando entrei na psicologia tinha em mente um tipo de atitude e postura


profissional que reflete minha visão de homem e de mundo. Aos poucos, fui constatando
que há uma corrente teórica com o nome de Psicologia Humanista que vai ao encontro
disto e nesta, encontrei Carl Rogers um psicólogo que desenvolveu a Abordagem
Centrada na Pessoa (ACP). Então, comecei realmente a criar e construir minha
identidade profissional.

De lá para cá, estou constatando, dentro e fora da faculdade, na teoria e na prática, que
é possível eu como profissional da psicologia me relacionar com as pessoas, nos vários
contextos que trabalho, de uma forma humana e que, na verdade, somos, acima de
qualquer papel que possamos estar representando, pessoas nos relacionando com
pessoas.

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Na Psicologia do Trabalho, muitas vezes escutei e ainda escuto que é muito difícil ter na
prática uma atitude humana devido as peculiaridades que envolvem o ambiente
organizacional. Por mais que escuto isto, nunca perdi minha convicção de que é possível.

No hospital no qual realizei meu estágio curricular, pude encontrar um ambiente


propício para ir em busca desta minha convicção. É uma empresa com todas
características que envolvem uma organização hospitalar e tem no setor de psicologia
um coordenador que está envolvido com a ACP e com a visão humanista de homem e de
mundo. Entrei no hospital disposta a ir ao encontro do que sempre acreditei ser possível
inclusive na Psicologia do Trabalho. E são minhas reflexões, experiências e como foi
minha caminhada durante o ano que permaneci trabalhando na organização, que
apresento no decorrer deste trabalho, juntamente com as idéias e opiniões trazidas por
autores preocupados com o aspecto humano nas organizações.

FALANDO SOBRE O ASSUNTO…

Atitude humana e empresa… esta é uma questão antiga, mas que nem sempre esteve
presente de forma efetiva no meio empresarial, econômico, acadêmico, enfim, entre as
pessoas que pensam e desenvolvem formas de se trabalhar nas empresas e que
determinam as prioridades de atenção para esta área.

A preocupação científica com as relações humanas no ambiente de trabalho é


relativamente nova. Cordeiro (1979, p.78) citando Cunha, comenta que em 1945, no final
da 2ª Guerra Mundial, a mesma era praticamente ignorada. Isto nos mostra que ainda
tem muito a ser desenvolvido neste sentido. Faz 56 anos que a 2ª Guerra Mundial
terminou, os Estados Unidos, que é um dos países mais bem sucedidos do mundo,
conforme o autor, até 1940 utilizava muito pouco a expressão “relações humanas no
trabalho” e, para não ficar falando só do que está distante, em termos de Brasil, ao folhar
revistas específicas da área e procurar livros que enfoquem mais a questão humana na
empresa, são poucos os que encontramos, comparado com a vastidão de material
existente.

O ser humano é responsável por fazer funcionar uma estrutura que enfatiza em quase
nada o próprio ser humano… Esta é uma incongruência que particularmente é difícil
conseguir compreender.

Numa retrospectiva histórica, Cordeiro (1979) traz Keith Davis comentando sobre Robert
Owen e Andrew Ure, duas pessoas que na época da Revolução Industrial começaram a
chamar atenção ao fator humano e que segundo Davis, representaram uma filosofia
pioneira neste sentido.

Robert Owen foi um industrial galês que, de acordo com o autor, foi talvez o primeiro
homem de empresa a se preocupar com a questão das necessidades dos trabalhadores,
isto por volta de 1800. Andrew Ure, por sua vez, em 1835 publicou um livro intitulado
“Filosofia da Indústria”, no qual apontava aos industriais da época o fator humano como
merecedor de considerações especiais, pela sua importância para o processo produtivo.
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Nesse período, as idéias de Owen e Ure, tiveram, segundo Cordeiro (1979, p. 79), “fria
acolhida” e foram em muito confundidas com um “paternalismo exagerado”, distorcendo
a intenção de dar a necessária atenção à importância dos trabalhadores para o processo
produtivo. Sim, pois este foi o grande foco da Revolução Industrial que ocorria na época:
a produção. O homem, quando surgem as idéias de Owen e Ure, nada mais era, para os
olhos dos empresários, do que “uma máquina que operava outra máquina”, um recurso
produtivo sem considerações especiais. A era industrial, como coloca Figueiredo (2000),
robotizava o ser humano, desprezando e eliminando sua capacidade produtiva natural,
sua criatividade empreendedora e sua capacidade de realização pessoal e profissional.

Eu, particularmente, acredito que desde que começou a existir o trabalho humano,
pessoas, nas mais diferentes culturas e épocas, devem ter se importado com o ser
humano fonte do trabalho. Não acredito que Owen e Ure tenham sido realmente os
primeiros a se preocuparem com a questão do ser humano, talvez tenham sido os
primeiros a levarem estas idéias aos ouvidos de uma maior quantidade de pessoas a
ponto de serem reconhecidas. Tenho certeza que sempre houveram pessoas buscando
olhar para estes aspectos e desenvolver atitudes, relações e ambientes mais humanos
para os trabalhadores desde a existência do trabalho.

A grande questão que observo é que muitas vezes são trabalhos solitários, “mosquitos”,
fazendo uma analogia com o que traz Jostein Gaarder no seu livro Mundo de Sofia, que
inquietam as pessoas e buscam chamar a atenção para as questões que as cercam. Na
grande maioria das vezes, pelo que constato nas reflexões que faço sobre tudo isto,
essas pessoas fazem e transformam o que está ao seu alcance, influenciando mais
algumas que, coincidentemente ou não, se aproximam e unem forças ou levam suas
idéias para outros lugares, mas não divulgam ou não conseguem divulgar estas
experiências de forma mais ampla no meio empresarial e social.

George Elton Mayo, foi uma dessas pessoas, porém conseguiu disseminar mais
efetivamente suas idéias e os resultados que alcançou. Como expõe Cordeiro (1979),
Mayo foi um psicólogo que, em 1924, começou a desenvolver uma pesquisa com sua
equipe na Western Eletric Company, uma fábrica em Chicago, sobre a relação entre a
eficiência do trabalhador e a iluminação do ambiente de trabalho. Sua linha de
pensamento, inicialmente, também teve influência das premissas da época, que
estavam baseadas em muito sobre as idéias de Taylor, um americano que foi o pioneiro
da organização racional do trabalho e que tinha como meta e principal foco a produção,
considerando o homem um meio “técnico” de chegar a este fim.

Entretanto, à medida que Mayo começou a desenvolver sua pesquisa, começaram a


aparecer fatores significativos nos experimentos que faziam com que fosse para outro
caminho ou desse mais atenção a outros aspectos. Isso fez com que realizasse mais
pesquisas e, depois de permanecer anos pesquisando na fábrica da Western Eletric
Company, seus achados lhe levaram, juntamente com sua equipe, a constatar que
o operário não era simples peça do processo, mas sim um indivíduo com personalidade

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complexa, relacionando-se com os demais numa situação de grupo, motivado não só
pela busca do conforto material, mas também por necessidades de natureza social e
psicológica. (Cordeiro, 1979, p.82)

Essas constatações, foram as responsáveis por trazer à tona a importância de ver o


trabalhador como algo muito além de um recurso produtivo ou uma peça para alcançar
produção. Elas chamaram a atenção de muitos empresários e estudiosos para a questão
que atualmente conhecemos como “relações humanas no trabalho” (Cordeiro, 1979).

Como pode-se verificar do recém exposto, Mayo e sua equipe passaram anos
pesquisando dentro de uma fábrica e seus resultados foram conduzindo para novas
pesquisas que, no final, chegaram a conclusão do quanto é importante considerar o ser
humano que trabalha, não apenas o “recurso humano”. Ele foi uma pessoa que parou,
pesquisou, partindo de uma premissa que relacionava a importância do recurso-homem
com a produção, observou que havia mais a ser visto no processo produtivo, seguiu os
sinais de seus resultados, e chegou aonde chegou: na importância de considerar as
diferentes necessidades do homem, enxergando-o como um ser que possui muito mais
do que “parafusos” e um sistema que quando acionado por meio de um botão começa a
funcionar.

Agora vem novamente minha grande questão, como pode existir este funcionamento
tão dissociado? É óbvio que o ser humano é muito mais do que um conjunto de peças e
parafusos. Eu sou um, tu és um e todas as pessoas que administram empresas desde
sua existência, também são seres humanos. Qual a dificuldade de se olhar para este ser
e ver o universo que o envolve, constatar o óbvio: que são pessoas e como pessoas,
sentem, vivem – não só o trabalho – e que tudo isto trazem junto consigo no momento
que estão trabalhando.

Se não olharmos para estes aspectos e se não os considerarmos, eles não vão deixar de
existir. O trabalhador terá que fazer alguma coisa com isto e provavelmente a energia
despendida tentando “deixar de lado” seu mundo individual, paralelo e imenso que a
empresa ignora, para corresponder às necessidades e às exigências, poderia ser melhor
empregada se essa mesma empresa respeitasse a vida do indivíduo e este pudesse estar
no ambiente de trabalho de forma mais inteira e autêntica.

Para Figueiredo (2000), os novos tempos, fortemente influenciados pela globalização da


economia mundial, pedem novas técnicas do ativo humano nas organizações, sendo o
cliente interno o protagonista principal neste contexto. Como coloca, não basta mais
contratar os braços e as pernas dos profissionais como era feito na era industrial. A nova
era, também considerada da informação, pede que se contrate a mente e o coração das
pessoas. De pouco adiantarão os modernos equipamentos e sistemas se não houver
mentes emocionalmente equilibradas para fazê-los funcionar (p.20).

Assim sendo, traz que nasce o conceito do ativo humano, aquele que empresta vida aos
demais ativos da organização.

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Ormezzano (2000, p.22), igualmente se referindo à transformação exigida pelo novo
milênio, diz que neste não há mais lugar para o velho paradigma cartesiano ou
newtoniano e chama a atenção, dizendo que “a alma da empresa são as pessoas, seres
multidimensionais”. E, ressaltando isto, Neto (2000) expressa a importância de trabalhar-
se com este ser integral; com uma pessoa que necessita de equilíbrio entre o racional, o
emocional, o social e, inclusive, o espiritual. Expõe que não há mais como deixar de
buscar a integração cada vez maior desses aspectos, pois não é mais possível pensar
numa vida compartimentada, com o trabalho separado da casa e da família e vice-versa.

Estas são visões utópicas e muito complexas para ser possível realmente colocá-las em
prática e terem viabilidade nos dias de hoje? Bem, pelo que observo para a grande
maioria dos administradores é.

Como coloca Eboli (2000), quando o assunto é formar e desenvolver talentos nas
empresas, todas as opiniões convergem no sentido da necessidade extrema de
desenvolverem os talentos humanos para que as empresas alcancem um maior grau de
competitividade e melhores resultados. No entanto, a autora chama a atenção para o
fato de, em geral, esta não ser a “realidade percebida e vivenciada no dia-a-dia pelo
cidadão comum, funcionário normal e mortal da maioria das organizações” (p.12).

Há uma incongruência entre teoria e prática. Realmente, hoje, percebe-se um


movimento ascendente no sentido da valorização maior do ser humano que trabalha e
faz funcionar a organização. Porém, a realidade prática da grande maioria das empresas
não é essa. Inclusive das que falam sobre o assunto.

É muito mais fácil lidar com aquilo que eu quero do que dar espaço para os funcionários
serem verdadeiramente o que são e, depois, ter que lidar com um ser humano que age
autenticamente e que pode gerar “aborrecimentos” com a expressão de suas
potencialidades. No momento que vejo o que quero e digo o que espero, não aceitando
formas diferentes de ser e de fazer, “tudo” está “controlado” e vejo a “harmonia” do
funcionamento. Só que, pessoalmente, esta é a harmonia do faz de conta, pois não
concede harmonia interna para as pessoas que estão trabalhando, o que gera
diretamente insatisfação, que influenciará os relacionamentos, o dia-a-dia da empresa e
a eficiência e eficácia do trabalho.

Na minha introdução, no início deste trabalho, trouxe minha identificação com a visão de
Rogers sobre os processos relacionados ao ser humano. Ele fala muito, em sua teoria,
sobre a importância de respeitar o potencial do ser humano e de oferecer um ambiente
facilitador aonde este possa sentir-se seguro e livre para ser o que realmente é e
desenvolver-se plenamente.

Foi em Rogers que encontrei o “chão” fértil para desenvolver minhas idéias. E sua
postura frente aos processos humanos, me estimulou, em grande parte, para ir em
busca do que acredito, inclusive em relação à área administrativa.

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Bem, mas deixa eu parar de falar da importância de Rogers para minha caminhada, se
não me empolgo e vou fugir do objetivo que tracei para esta exposição, e começar a
trazer suas idéias, as quais considero estimulantes para quem se propõe a desenvolver a
atitude humana dentro de empresas.

Rogers começou a construir sua abordagem em psicologia, na década de 30. Aos poucos,
ele foi constatando, na prática clínica e nas experiências interpessoais que vivenciava,
seu jeito singular de considerar e se relacionar com o ser humano. Acreditou nessas
constatações e desenvolveu, a partir delas, o que mais tarde denominou Abordagem
Centrada na Pessoa (ACP).

A hipótese central de sua abordagem corresponde à crença de que toda pessoa possui
dentro de si potencial e vastos recursos para ir ao encontro de um desenvolvimento
integral saudável. A isto, Rogers (1983, p.40) denominou “tendência realizadora”. Ou seja,
a “fluidez diretiva e construtiva” (Rogers, 1987, p.69) existente em todo ser humano, para
um desenvolvimento mais complexo e para a realização de seus potenciais.

É desta premissa básica de Rogers, resultado de sua experiência, que se fundamenta o


jeito de relacionar-se com as pessoas por ele proposto para as mais diversas áreas. E em
relação à Administração de Empresas não é diferente.

Rogers (1989) considera que o importante para quem administra uma empresa é se
permitir criar e fornecer um ambiente aonde o trabalhador possa desenvolver seus
potenciais plenamente e não ser controlado e dirigido.

Se o ser humano, como coloca Rogers (1992), possui uma tendência inerente de mover-
se na direção de uma independência e auto-responsabilidades maiores, é inevitável,
dentro desta linha de pensamento, que se considere este homem como alguém digno de
confiança e possuidor de um potencial transformador. Não um homem passivo, mas
sim, com potencial ativo que será expresso quando experiencia um ambiente facilitador.

McGregor (in Cordeiro, 1979, p.55) também chama atenção para estes fatores e diz que
a motivação, o potencial de desenvolvimento e a capacidade de assumir
responsabilidade e dirigir o comportamento para os objetivos da organização, estão
todos presentes nas pessoas; não são criados nelas pela administração. A esta, cabe
responsabilizar-se por proporcionar condições para que as pessoas reconheçam e
desenvolvam, por si próprias, essas características.

Na mesma linha de pensamento, Eboli (2000) traz a importância e a necessidade de


criar-se no cotidiano do trabalho um ambiente aonde os membros da equipe se sintam
motivados a utilizar toda sua potencialidade e a buscar permanentemente padrões mais
elevados de desempenho. Dessa forma, conforme a autora, as pessoas se sentem
estimuladas e realimentam sua motivação, construindo novos sonhos e objetivos.
Crescendo com isto a pessoa e a organização conseqüentemente.

Para Kanaane (1994), na abordagem proposta por Rogers, o sujeito é o centro do


trabalho. E, devido a isto, as lideranças que administram neste tipo de abordagem
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precisam ter uma visão mais ampla, considerando tanto os aspectos subjetivos –
necessidades, expectativas, sentimentos dos funcionários – como as ações
desempenhadas por sua equipe, como parâmetro, por exemplo, para a eficácia do
desempenho profissional dos colaboradores.

Essa é uma forma de administrar que descentraliza o poder e vai ao encontro da busca
do desenvolvimento das potencialidades das pessoas que integram a equipe
organizacional. O próprio Rogers, falando de sua experiência pessoal, coloca que
procura ter influência e impacto sobre as atitudes das pessoas não através da imposição
de suas opiniões ou do exercício do controle e diz:
Minha influência tem sempre aumentado quando compartilho meu poder e autoridade.
Recusando-me a coagir ou dirigir, penso que tenho estimulado a aprendizagem,
criatividade e autodireção. (Rogers, 1989, p.95)

Neste depoimento de Rogers, podemos observar outro aspecto presente em sua


proposta de administração. É a não detenção do conhecimento, a busca de uma
construção grupal aonde todos tenham espaço para se expressar e contribuir com suas
idéias e sugestões, de forma a descentralizar não só o poder, mas como já exposto
acima, também a responsabilidade sobre o processo e a iniciativa em toda organização.
“As bases do poder e controle são sentidas, por cada indivíduo, como se estivessem
dentro dele próprio” (Rogers, 1989, p.105). A liderança está em cada um e no grupo
como um todo.

Isto para mim é fundamental para a verdadeira administração. Não adianta fechar os
olhos para as capacidades individuais de cada ser humano. Cada pessoa é única e
diferente da outra e isto, particularmente, considero ser um “baú de ouro” para uma
equipe organizacional. Pena, que na maioria das vezes, as pessoas que possuem cargos
de liderança não se dão conta disto. E perdem, dessa forma, a grande oportunidade de
estarem utilizando diferentes potencialidades e idéias para o desenvolvimento
organizacional e a conquista de resultados mais positivos e produtivos para a empresa.

Quando em contato com as organizações, na prática, a sensação que tenho é de


realmente as empresas estarem sentadas encima do “baú de ouro”, criando estratégias
para encontrarem riquezas. As empresas, nas diferentes épocas e realidades
econômicas experienciadas, buscam alcançar sucesso e lucro de diversas formas e
constantemente estão em busca disto, só esquecem de olhar para dentro de si e de
reconhecer o “baú” que reside em seu próprio “umbigo”.

Thomas Gordon (1992), escrevendo sobre liderança e administração centradas no grupo,


chama a atenção para o fato de que se a empresa utilizar os recursos máximos de todos
seus membros, o que significa a participação máxima e a contribuição mais efetiva de
cada um, alcançará inclusive um funcionamento e comportamento mais adequado por
parte de sua equipe. Porém, para que isto ocorra, como Rogers (1989) coloca, é
necessário não simplesmente a disposição da alta direção das empresas, mas sim, o
desejo autêntico de criar oportunidades para que os indivíduos que trabalham na
organização maximizem seu desenvolvimento pessoal.
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Entretanto, sem precisar fazer muito esforço, podemos observar que no dia-a-dia da
grande maioria das empresas as tendências construtivas dos colaboradores são
freqüentemente sufocadas pela detenção do poder por parte da gerência e pelo desejo
do aumento do lucro. Aspectos estes, que acabam sendo prioridade frente ao
crescimento das pessoas, o qual deveria ser considerado o verdadeiro objetivo principal
(Rogers,1989). É a política da prevalência do interesse individual sobre o grupal. E, mais
uma vez, não é preciso fazer esforço para imaginar a conseqüência disto: muitas
pessoas, no mesmo espaço, trilhando caminhos diferentes, pensando em “vender seu
próprio peixe”. Fica difícil o sucesso de uma organização com esta realidade. Quanta
energia desperdiçada…

Outra questão envolvida nesse contexto, que McGregor (in Cordeiro, 1979, p.50) chama
a atenção, e que de certa forma já foi comentada anteriormente, é o temor, por parte
dos administradores, frente as conseqüências que podem vir ao fornecerem um
ambiente no qual o trabalhador possa opinar e ter um maior grau de autonomia. Os
empresários consideram estas atitudes certa ameaça à organização. Isto é um erro
conforme o autor. E eu assino embaixo. Para mim, frente a isto, resulta um
questionamento óbvio: Que consistência e qualidade tem a empresa que teme a opinião
e a atitude de seus próprios colaboradores?

Estudos e pesquisas de diferentes épocas, como a já citada de Mayo, de quase cem anos
atrás, demonstram que a empresa só tem a ganhar fornecendo um local de trabalho
aonde as pessoas sintam suas necessidades satisfeitas e possam estar presente de
forma mais autêntica. Reginatto (2000, p.22), por sua vez, é direto ao dizer: “Forme uma
equipe de autênticos”, quando fala sobre a chave do sucesso para profissionais de
muitas áreas neste milênio. Ou seja, muda a década, muda o século, muda o milênio… E
as pessoas continuam em busca da valorização da pessoa no ambiente de trabalho. Algo
tão simples, mas que se torna tão complexo…

McGregor (in Cordeiro, 1979, p.50), chamando a atenção, expõem que quando as
necessidades do homem são negadas e/ou contrariadas, ele tende a comportar-se de
maneira resistente e hostil, impedindo que sejam atingidos os objetivos da organização.
É um processo natural. E, como coloca o autor, esse comportamento é conseqüência e
não causa. A quietação gera inquietação. Allport, citado por Gordon (1992, p.377), diz
que
uma pessoa só deixa de ser reativa e contrária a um curso desejável de conduta quando
ela própria tomou parte na declaração de que aquele curso de conduta é desejável.

Para Rogers (1989), a política de uma organização centrada na pessoa é diametralmente


oposta à organização tradicional que busca controlar e manipular o ser humano. E,
como pode-se perceber até agora, fica explícito que ela se baseia em valores diferentes,
trabalha com princípios diferentes e, conseqüentemente, alcança a eficiência e a eficácia
através de operações e estratégias diferentes.

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Fazendo um paralelo entre os dois tipos de organização e suas conseqüentes posturas
de liderança, afim de clareá-las e mostrar mais objetiva e diretamente suas diferenças,
temos na visão de Rogers (1989, p.94):

ORGANIZAÇÃO CENTRADA NA PESSOA

ORGANIZAÇÃO TRADICIONAL

Influência e impacto Poder e controle


Dar autonomia a pessoas e grupos
Tomar decisões
Liberar o pessoal para “fazer suas coisas”
Dar ordens
Expressar idéias e sentimentos próprios como um aspecto dos dados do grupo
Dirigir o comportamento dos subordinados
Facilitar a aprendizagem
Conservar as próprias idéias e sentimentos “no bolso”

Estimular a independência, em pensamento e ação


Exercer autoridade sobre as pessoas e a organização
Aceitar as criações inovadoras “inaceitáveis” que surgem
Dominar quando necessário
Delegar, dando plena responsabilidade
Coagir quando necessário
Oferecer feedback e recebê-lo
Ensinar, instruir, aconselhar
Encorajar e confiar na auto-avaliação
Avaliar os outros
Encontrar recompensas no desenvolvimento e realização dos outros
Dar recompensas
Ser recompensado pelas próprias realizações
Frente a isto, considero que ficam mais do que claro os extremos aonde reside cada
atitude administrativa e penso que é inevitável, no mínimo, questionamentos sobre o
que estamos fazendo e fazem da administração na grande maioria das empresas. Não
consigo acreditar que estas idéias expostas assim, de forma tão discrepantes, não
mexam até com o mais tradicional dos administradores.

Gordon (1992, p. 386) coloca que a liderança centrada no grupo


é uma abordagem na qual o líder valoriza duas metas: o desenvolvimento da
independência e da auto-responsabilidade do grupo e a liberação das capacidades
potenciais do grupo.

Isto, pois parte da crença de que a pessoa, quando sente uma atmosfera não-
ameaçadora e de aceitação, sentindo segurança e confiança, coloca em ação as forças
positivas e construtivas existentes dentro de si e, dessa forma, divide e constrói com

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seus colegas, ocorrendo uma facilitação mútua, aonde o papel de líder é dissolvido entre
todos.

Assim sendo, para Gordon (1992, p.387), o líder centrado no grupo acredita no valor dos
membros do grupo e respeita-os como indivíduos diferentes dele próprio, não os
considerando como pessoas para serem usadas, influenciadas ou dirigidas em função de
alguma meta, nem para serem “conduzidas” (aspas colocadas pelo autor) por alguém
com qualidades “superiores” (idem) ou valores mais importantes.

Cada pessoa é uma pessoa. Não existe pessoa melhor ou pior, inferior ou superior e sim,
pessoas diferentes. E é aqui que está, particularmente, uma das grandes sementes que
há num grupo para ser fertilizada: a possibilidade de construir com as diferenças. Isto é
naturalmente potencializado num ambiente como o proposto pela ACP. Há valorização,
não subestimação. Há respeito.

Respeito… talvez seja esta a palavra que está por trás da motivação que faz com que
todas as pessoas citadas até agora nesta exposição, como eu, busquem, mesmo dentro
desse contexto capitalista que vivemos, tantas vezes extremamente rígido e mecanicista,
continuar sendo “mosquitos” que chamam a atenção para mostrar que somos seres
humanos.

Certamente, é essa a palavra que está por trás da atitude humana na empresa. Para mim
não há como ser diferente. Sou uma pessoa e isto, não tem como eu deixar de sentir.
Ser humana com outras pessoas é o mínimo que posso fazer para ter respeito, antes de
tudo e inclusive, comigo mesma.

Penso que a questão sobre a atitude humana na empresa é simples. Porém, não sou
ingênua para não admitir que é uma das atitudes mais difíceis de se praticar para a
quase totalidade das pessoas. Claro que tem motivos para isto. Até porque, se não, já
estaria bem mais concretizada na prática das nossas organizações.

Mas também tem motivo, e muitos, para esta atitude não ser esquecida. Hoje em dia,
como já exposto, está havendo um movimento ascendente na direção de valorizar a
pessoa que compõem o quadro funcional das organizações. Pelo menos observa-se isto.

Neto (2000, p.40) traz que as grandes empresas que vem se destacando no contexto
mundial e liderando seus setores de negócio,
priorizam o bem estar de seus funcionários, a educação corporativa, a integração de
pessoas, a interconectividade das relações humanas, a transparência, a flexibilidade e
outros aspectos relacionados ao bom ambiente de trabalho.

E, ainda em relação a elas, o autor comenta que o que permeia o sucesso empresarial
dessas organizações é a valorização do ser humano como principal bem das instituições.

Fico feliz de ler isto num artigo de uma das revistas, específicas da área administrativa,
mais bem conceituadas de nosso país. Isto significa que realmente o movimento está
acontecendo. A responsabilidade por ele continuar e se ampliar é de cada um de nós.
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Quem sabe as pessoas estão conseguindo ver que não adianta ir longe procurar o
tesouro… que o “ouro” que garantirá o sucesso da empresa está em cada pessoa que faz
parte do corpo dessa empresa.

Rogers (1989, p.10) falando sobre a ACP, coloca: “Não é que esta abordagem dê poder à
pessoa, ela nunca o tira”.

Para mim aqui encontra-se o óbvio e o grande desafio da administração e, mais


particularmente, do nosso trabalho como psicólogos organizacionais. Buscar fazer com
que as empresas parem de subestimar o poder das pessoas e percebam que há nelas
muito mais do que estão buscando freneticamente fora de suas organizações.

Facilitar que deixem de olhar para longe, saiam de cima do “baú de ouro”, abram sua
tampa a e descubram o tesouro que já possuem.

É um desafio que, antes de mais nada, deve começar pela facilitação deste processo em
cada um de nós…

ALGUNS COMENTÁRIOS E
REFLEXÕES SOBRE MINHA CAMINHADA

Atualmente, está completando um ano que estou trabalhando no HDP, na área de


Psicologia do Trabalho. Um estágio que me proporcionou muito aprendizado pessoal e
profissional e que me possibilitou experienciar situações e relações que serviram para
fortalecer minhas convicções de que é possível sim ter e desenvolver uma atitude
humana em um contexto empresarial.

Pude constatar que, primeiramente, é preciso existir a disposição interna e o desejo de


construir relações e um ambiente de trabalho mais humanos. A partir disso, o lema é:
abertura à experiência. E então, é ir para a prática e viver.

Parece muito simples de se falar e é. Como é muito simples também de se viver. A


dificuldade existe se buscarmos o fruto antes de buscarmos a semente. Quero dizer com
isto que senti, neste tempo que estou vivendo a realidade de trabalhar numa empresa,
que a atitude humana é desenvolvida principalmente no dia-a-dia, em cada relação, em
cada grupo que se reúne para determinada atividade. Está no simples, não na busca de
grandes feitos. Estes serão conseqüências.

Aprendi isto, depois de observar o efeito positivo que resulta de relações nas quais
tenho uma atitude de respeito, valorização e consideração com as pessoas. É algo
natural e inevitável. Quando me relaciono verdadeiramente assim, a outra pessoa sente
essa postura e isto muda nossa relação. Esta atitude é uma atitude que aproxima.

Em todas minhas atividades, busquei ser a Tiane antes de qualquer papel ou função que
pudesse estar representando. Busquei mostrar, através de minhas atitudes, que
também estava me relacionando com a “Maria” ou o “Pedro”, antes de ser com a
candidata ou o funcionário. Tentei construir relações de pessoa para pessoa, por mais
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que a partir delas, tivesse, como membro da psicologia, que lidar com vagas, cargos e
funções. Não precisamos nos distorcer para sermos úteis para as empresas. Jogo de
cintura é necessário e fundamental, mas não significa abrir mão de nossas convicções.

Bem, mas deixa eu exemplificar isto com meu dia-a-dia…

No recrutamento de pessoal, por exemplo, quando entro na sala aonde as pessoas estão
esperando para serem entrevistadas, as cumprimento com: bom dia ou boa tarde; não
passo direto para a sala de entrevista sem olhar para elas. Ali já começo a construir
nossa relação. No momento da entrevista, busco deixar claro alguns aspectos que
considero fundamentais nesse tipo de processo, por exemplo, de que se o hospital não
entrar em contato com ela, no período de duração de seu cadastro, não quer dizer que
consideramos que não possui condições pessoais, pois condições todos tem e só ela
pode saber realmente qual é. Será devido a fatores do hospital que estão influenciando
no processo, como característica da vaga, da equipe que esta abrindo a vaga, etc.

No final da entrevista, também agradeço a pessoa por ter vindo até o HDP oferecer seu
serviço. Considero o mínimo que podemos fazer para com as pessoas nesta situação.
Independente do que faremos com sua ficha, se seus dados fecham os pré-requisitos e o
perfil do cargo ou não, são pessoas que estão oferecendo seu trabalho para o hospital.
Como elas vêm porque precisam do emprego que o hospital pode vir a oferecer, o
hospital também precisa que elas venham para ter à disposição um cadastro de pessoas
que possam preencher as vagas que surgem.

É incrível como uma postura de respeito e valorização frente à pessoa dissipa a tensão,
os receios e os medos até mesmo em situações como estas, de recrutamento, que as
pessoas já vêm “condicionadas” a serem de tal e tal forma e não se portarem de “x” jeito,
pois assim “psicólogos não gostam”.

É triste se deparar com esta realidade. Pessoas se distorcendo para irem ao encontro de
uma postura que dizem ser a correta; e observar que muito disso é responsabilidade da
postura de colegas da psicologia que estimulam estas fantasias.

Pude vivenciar momentos bem curiosos devido minha atitude “diferente”. Digo
“diferente’, pois era assim que muitas pessoas denominavam meu jeito de tratá-las na
entrevista. Várias delas sentiam-se, inclusive, à vontade para perguntar-me sobre as
avaliações em geral, os testes psicológicos, me contavam situações que viveram em
relação a seleções e traziam muitos sentimentos vinculados a tudo isso. Foram nestes
momentos, principalmente, que eu sentia que realmente estava fazendo diferente e que
estava conseguindo ser aquilo que tinha me proposto como pessoa que trabalha com
psicologia do trabalho. E claro, já aproveitava para facilitar que desfizessem muitas
fantasias em relação ao recrutamento e seleção de pessoal.

Falando em seleção, nesta atividade também aprendi muito sobre o quanto facilitadora
é a atitude humana para as pessoas. Em todas seleções que facilitei, busquei ao máximo
oferecer um ambiente livre de ameaças, aonde cada participante não precisasse se
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sentir tenso e nervoso e pudesse se mostrar como realmente é.

Considero este ambiente facilitador, o fator mais importante para ser desenvolvido por
nós da psicologia em seleções. Pode-se utilizar testes, dinâmicas e outras muitas
técnicas. Mas se o participante estiver nervoso e ansioso, não conseguiremos conhecê-lo
verdadeiramente, apenas conheceremos seu nervosismo e sua ansiedade e as atitudes
influenciadas por eles.

Acredito que quem poderá nos fornecer mais dados sobre como realmente o
participante é, é o próprio participante. O desafio está em criarmos um ambiente o mais
facilitador possível para que as pessoas se sintam respeitadas e seguras para que,
mesmo numa situação de seleção, se mostrem como realmente são.

Busco, semelhante ao recrutamento, deixar claro para as pessoas que não estamos
avaliando quem tem e quem não tem condições pessoais para trabalhar, pois todas têm.
E, sim, quem será mais indicada para exercer a função que requer a vaga em questão,
com suas características respectivas e no contexto que a envolve.

Foram muito gratificantes, para mim, as experiências com as seleções que facilitei. Em
cada uma delas, pude aprender e desenvolver-me um pouco mais no meu desafio de
criar um ambiente facilitador, de respeito e segurança, inclusive em momentos como
esses de avaliação. E, claro, as atitudes dos próprios participantes, resultantes deste
ambiente, também me facilitaram, e muito, nesse aprendizado e desenvolvimento.

As demais atividades, realizadas por mim no hospital, são com os colaboradores. Nas
relações com as pessoas que trabalham no hospital, igualmente, posso aprender muito
sobre o valor da atitude humana na empresa. São eles que me dão o retorno no dia-a-
dia, de que o caminho realmente é por aqui.

São pessoas especiais que em muitos momentos dividem comigo seus mundos. Pessoas
únicas, de diversas classes socioculturais, que tenho o prazer de poder entrar em
contato e aprender mais um pouco sobre a vida. O mínimo que posso fazer é respeitá-
las e valorizá-las.

Busquei ao longo deste ano, passar para as pessoas o que sou e criar relações nas quais
se sentissem à vontade para serem também naturais comigo. E, tanto pessoalmente
como profissionalmente, ganhei muito por isso.

Em atividades de grupo que experienciei, como Grupos Operativos, feedbacks para a


equipe sobre acompanhamentos do setor e treinamentos, sempre procurei não assumir
uma postura de detentora do saber e/ou de alguém superior. Busquei estar com o
grupo, facilitar que todos pudessem se expressar e que houvesse uma construção em
equipe, não um movimento estimulado apenas por interesses individuais.

Nas outras atividades, como aconselhamento, acompanhamento individual referente ao


setor e desligamento, igualmente procurei desenvolver a postura referida acima e ser
sempre o mais congruente e empática possível na relação. Buscando compreender o
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que a pessoa expressava e facilitar seu processo individual e/ou relacionado ao trabalho.

Nem sempre foi e é fácil manter uma postura com essas que visam o aspecto humano
dentro de uma organização. Ainda mais quando me proponho a relacionar-me com as
pessoas de igual para igual, estando inserida num contexto que apresenta níveis de
hierarquia. Para muitas pessoas esta atitude de igualdade pode facilitar e muito a
relação, mas para outras pode ser ameaçadora.

Não estou dizendo aqui que não é preciso respeitar os níveis hierárquicos das funções;
falo de uma igualdade humana. À medida que nos propomos a facilitar o
desenvolvimento das qualidades e de um ambiente de trabalho humanos, temos o
dever de ir em busca da viabilização e da concretização desses aspectos.

Procuro sempre respeitar as pessoas e olhar para elas sem me prender no que
representam e/ou, se for o caso, na situação que estão envolvidas. Não que eu ignore
isto. Mas deixo de lado, muitas vezes, essas questões, para poder compreender a pessoa
como realmente é e funciona.

Este é um movimento que aprendi ser necessário e que ajuda muito, por incrível que
possa parecer, a aproximar-me das pessoas nos mais diferentes níveis hierárquicos.

Ainda não sei explicar muito bem minha experiência prática referente à rede de aspectos
envolvidos na formação das relações e dos vínculos baseados em atitudes mais
humanas. Talvez, porque não há nada muito complexo para explicar. Tudo é muito
simples para mim.

Entrei no hospital com a certeza de que, até na complexidade de um ambiente


empresarial, há como criar espaços para atitudes humanas. Como já comentei, a
presença desta atitude não precisa estar em todas as pessoas ao mesmo tempo, nem em
amplos processos administrativos e funcionais para ter valor e surtir um efeito positivo.
Claro que se há um movimento operacional de todos os níveis hierárquicos da empresa
para o desenvolvimento de atitudes humanas, muito mais poderá ser realizado e as
conquistas provavelmente serão mais abrangentes e acontecerão mais rapidamente.
Mas todo movimento nesse sentido é válido. E foi este, um dos aprendizados que obtive
neste um ano de hospital.

Um aprendizado que não realizei de forma solitária. Num dia de trabalho, me relaciono
com muitas pessoas: no Recursos Humanos, em seus setores, nos corredores, no
almoço, em grupos de trabalho… em cada relação, independente do contexto e da
situação, busco, como já falei, ser Tiane e passo, de alguma forma, através de minhas
atitudes, minhas crenças referentes ao ser humano.

O mais incrível – e é isto que fortalece e reafirma minha convicção – é o efeito que esta
minha atitude de ser eu, simplesmente, resulta nas pessoas. Não só nas próximas, com
as quais constantemente me relaciono, como também nas pessoas que não tenho muito
contato.

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Fico feliz de colher os frutos resultantes de certezas que sempre possuí.

Não considero ser esta minha visão radical, nem a considero ingênua. Muitas vezes,
também precisei e ainda preciso entrar no “jogo”, principalmente quando o fato ou a
situação em questão envolve pessoas de níveis hierárquicos mais altos. Isto não deveria
ser assim; mas não adianta eu me revoltar. Dessa forma, não conseguirei ajudar
ninguém.

Nessas situações, jogo de cintura se torna um pré-requisito para a sobrevivência. E,


conforme já coloquei em outro momento, isto não significa abrir mão de minhas
convicções; diz respeito a ter flexibilidade e buscar compreender os motivos das
pessoas, por mais que não concorde com suas atitudes.

Bem, digamos que estou num momento tranqüilo e inquietante ao mesmo tempo.

Estou tranqüila em relação à convicção que embasa e motiva minhas atitudes frente à
vida e ao ser humano e estou inquieta diante do mundo de possibilidades que estou
levando deste um ano de experiência no HDP.

Possibilidades internas que constatei possuir e possibilidades de ação em ambientes


organizacionais que pude viabilizar e que tenho o desejo de desenvolver.

Esses sentimentos contrastantes, não me resultam um sentimento ruim. A tranqüilidade


não significa aqui acomodação, significa a certeza de que estou no caminho certo. E a
inquietação não é negativa, é uma inquietação que faz eu me sentir viva e mais eu.

Sei que tenho muitas dificuldades que ainda necessito desenvolver. Principalmente, em
relação à necessidade de controle e poder das pessoas. Por considerar essas
necessidades tão desnecessárias, muitas vezes, não lido da melhor forma com as
pessoas que agem de acordo com elas e acabo criando estratégias para me adaptar à
realidade, sem tentar facilitar que as pessoas entrem em contato com os possíveis
sentimentos que estão motivando suas atitudes. Este é um aprendizado, entre tantos
outros, que ainda necessito desenvolver interna e externamente.

Mas tenho apenas vinte e dois anos e possuo uma vida pela frente!…

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atitude humana e empresa… por que não!? Eis uma questão que possui uma resposta
cheia de detalhes, incongruências e mais tantas outras interrogações.

A dificuldade do ser humano em lidar com suas próprias questões é algo que me
impressiona. Estamos sempre buscando fora de nós aspectos para ocuparmos nossa
mente. Pois é… assim “esquecemos” de olhar para nosso próprio umbigo e não
precisamos lidar com… com o quê? Qual é o motivo dessa tamanha resistência das
pessoas, de agirem como tais com outras pessoas?

Um aspecto que observo é a forte necessidade de controle e de poder que, ao meu ver,
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muitas vezes são necessidades oriundas do desejo de preencher com uma aparência de
sucesso o buraco do insucesso interno. Mas me restrinjo a dizer “muitas vezes”, pois não
quero cair num determinismo; cada pessoa é uma pessoa e, conseqüentemente,
experiencia um processo único. O que sei e observo é que muitas vezes estes indivíduos
estão mais preocupados em criar uma aparência de sucesso, que em desenvolver
relações e valores humanos. E, nesse contexto, isto até pode ser considerado uma
ameaça.

São poucas as pessoas que realmente conseguem desenvolver uma atitude humana ao
longo de suas caminhadas. E, na grande maioria das vezes, por incrível que pareça, são
consideradas boazinhas e ingênuas.

Mais uma incongruência!… Quem se preocupa com as questões inerentes a todo ser
humano que habita esta Terra é “bonzinho’ e “ingênuo”. É, realmente é incrível o nível de
alienação do ser humano. Não é por nada que utilizamos apenas dez por cento da
capacidade de nosso cérebro.

Realmente admiro muito Rogers por ter conseguido se abrir para essa questão tão
simples e óbvia, mas que é a mais complexa ao mesmo tempo: a questão humana. E ter
permanecido, ao longo de sua vida profissional, desenvolvendo e chamando a atenção
para a importância de considerarmos o ser humano um ser integral, possuidor de
condições para se auto-desenvolver de forma saudável; tendo Rogers, força para ir
contra a correnteza.

Mas, como posso sentir em mim mesma, é uma questão de convicção interna. E digo
isto, pois sinto na prática, depois de um ano dentro de uma empresa, que é possível ter
uma atitude humana neste tipo de contexto. É uma questão de convicção e disposição.
De realmente ser assim e refletir isto no dia-a-dia da organização.

Não adianta ficar no discurso, num fazer sem fazer. As pessoas sentem isto. Considerar
o ser humano incapaz de sentir a incongruência das pessoas e da administração,
quando agem assim, é mais uma vez subestimar o seu potencial e a sua capacidade de
percepção e de desenvolvimento. Estes existem e, de uma forma ou de outra, serão
utilizados pelos colaboradores. Se as pessoas não sentem espaço para desenvolverem
seu potencial e suas capacidades umas com as outras, buscando o desenvolvimento
cada vez maior de suas relações e da empresa, os utilizarão na constatação das
incongruências e falhas da administração para com elas. É algo inevitável.

Para Ormezzano (2000), estamos diante de uma crise de percepção em relação à


maneira como nos percebemos, percebemos o mundo e seus problemas. Eu,
particularmente, considero necessário abrirmos os olhos para o universo que, como
seres humanos, carregamos dentro de nós e pararmos de desperdiçar esta força
fantástica de construção que é o potencial inerente que possuímos.

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Senge (2000), falando sobre sua percepção em relação aos dias de hoje, diz que muitas
empresas estão tendo uma conscientização cada vez maior e uma profunda
compreensão de que existem formas de viver que não são mecanicistas. Para ele a
verdadeira pergunta não é se vão ou não mudar, a verdadeira pergunta é como mudar.

Retomando Ormezzano (2000), penso que ela dá uma luz para a resposta a esta
pergunta de Senge, quando diz que o desafio maior está em mudar nossa visão de
mundo e nossa maneira de pensar e agir. Acho que esta é uma boa forma de começar a
desenvolver o “como” referido por Senge.

Não adianta nos propormos a desenvolver algo que não acreditamos. Conforme já falei
acima, resulta um fazer sem fazer e isto não constrói nada de positivo, pelo contrário, só
reafirma as dificuldades e a incapacidade das pessoas que lidam com pessoas.

Nossa responsabilidade, como psicólogos organizacionais, é imensa frente a esse


processo. O grande foco do nosso trabalho são as pessoas e, por isso mesmo, nossa
responsabilidade é maior que a de qualquer um, quando se trata de facilitar o
desenvolvimento dos seres humanos. Estamos aqui para isto.

Tudo que fazemos envolve as pessoas, no caso do hospital: gerentes, colaboradores e


clientes. E cada uma dessas pessoas é única. O que fazer? Procurarmos nos colocar no
lugar de cada uma delas e desenvolver as “pontes” que facilitarão suas satisfações. As
pessoas sempre são e serão nosso centro.

Já falei que não é fácil, mas também não é difícil. Como expressa Navarro (2000), o
sucesso é a soma de pequenos esforços repetidos dia sim e no outro dia também.

Temos que ter a força para abrirmos o caminho ou desenvolver o que já existe e
precisamos ser humildes para reconhecer nossas limitações e/ou nossas dificuldades
frente às limitações que a organização nos impõem. Mas, como uma colega sempre me
diz, tudo é, até não ser mais. Somos mutáveis e, conseqüentemente, experienciamos
situações potencialmente mutáveis.

Acho que o mais importante é partirmos do desejo verdadeiro de alcançarmos o que


acreditamos. A partir daí, tudo, mais dia, menos dia, acontece. Não é por nada também,
que muitos pensadores de nossa época e de épocas passados, reafirmam que quando
desejamos realmente algo o Universo conspira ao nosso favor.

A busca de atitudes mais humanas entre as pessoas em ambientes empresariais, não é


um movimento baseado numa visão inocente e boazinha de homem e de mundo. Para
levar esta atitude realmente para a prática é preciso ter muita coragem e disposição.

Visão inocente, é se auto-denominar um poder que não possuímos. Tanto, que até hoje
pessoas que administram empresas estão “correndo atrás de seus rabos”, pois buscam
algo que não têm como alcançar.

Tudo é tão óbvio…


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Mas, parando agora de olhar para “longe” e “levantando de cima de meu baú”… posso
constatar que termino meu estágio e saio da faculdade construindo algo que acredito.

Sei que sou privilegiada neste aspecto, mas sei também que lutei, e muito, para chegar
até aqui. Nesse momento, verifico mais uma vez que é possível. Minha busca, a partir
daqui, é de permanecer me abrindo à experiência para viver, aprender e continuar
construindo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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para gestão empresarial, São Paulo, ano 4, n.19, p.18-22, mar-abr. 2000.

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Trabalho apresentado no IV Fórum Brasileiro da Abordagem Centrada na Pessoa

28/10 a 03/11/2001 – Pirenópolis–GO

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