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Esquemas em adolescente vítima de violência

Como citar este artigo: Lima, A. B. (2019). Dinâmica familiar e esquemas formados
em adolescente vitima de violência sexual: um estudo de caso. Revista Psicologia,
Diversidade e Saúde, 8(1), 17-27. doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.1787
Relato de experiência

Dinâmica familiar e esquemas formados em adolescente vitima de


violência sexual: um estudo de caso
Family dinamics and schemes formed in teenager victim of sexual
violence: case study
Amanda Boaventura Lima
Universidade Federal do Recôncavo. Faculdade da Região Sisaleira. Centro de Referência Especializado de Assistência Social de Conceição do Coité.
Conceição do Coité, Bahia, Brasil. ORCID: 0000-0002-2884-0349. amandaboaventura@gmail.com

RESUMO | OBJETIVO: A violência sexual é caracteriza- ABSTRACT | OBJECTIVE: Sexual violence is characterized
da por uma relação heterossexual ou homossexual, que by a relationship heterosexual or homosexual, that part
parte de um agente em estágio de desenvolvimento mais of an agent in the development earlier and/or more
adiantado e/ou de mais poder e tem por finalidade a power and aims to sexual stimulation or use of another for
estimulação sexual ou a utilização do outro para obtenção obtaining sexual pleasure. The schemes are developed as
de prazer sexual. Os esquemas se desenvolvem como re- a result of harmful experience of childhood, for example,
sultado de experiências nocivas de infância, por exemplo, abuse situations. Considering the therapy focused on
situações de abuso. Considerando a terapia focada em schemes and the literature on sexual violence in children
esquemas e a literatura sobre violência sexual em crian- and adolescents, this study aimed to evaluate a 14 year old
ças e adolescentes, objetivou-se avaliar uma adolescente victim of sexual violence during childhood in the following
de 14 anos vítima de violência sexual durante a infância aspects: 1. identify the initial technical maladaptative
nos seguintes aspectos: 1. Identificar os esquemas iniciais socially; 2. Identify the maladaptive schemes derived from
socialmente desadaptados decorrente do abuso sexual; family dynamics; 3. Check current behaviors and forms of
2. Identificar os esquemas mal adaptativos provenientes confrontation by establishing a relation with violation of
da dinâmica familiar; 3. Verificar os comportamentos e as ringts and family structure. There was a semi-structured
formas de enfrentamento atuais estabelecendo uma re- interview and were applied to the Questionnaire from
lação com a violação de direitos e sua estrutura familiar. Young Questionnaire and Questionnaire of parenting
Realizou-se uma entrevista semiestruturada e foram apli- styles. Found in the participant schemas of abandonment/
cados Questionário de Esquemas de Young e Questionário instability, mistrust/abuse and dependence/incompetence
de estilos parentais. Constataram-se na participante os with predominant coping strategies of resignation and
esquemas de abandono/instabilidade, desconfiança/ “hypercompensation”. As a result can help in understanding
abuso e dependência com predomínio de estratégias de their family dynamics, psychological adjustment and
enfrentamento, resignação e “hipercompensação”. Como investigation of the prevalence of EIDs in sexually abused
consequência observou-se retração das relações sociais children and the consequences for the victim.
e distanciamento afetivo da mãe. Os resultados auxiliam
na compreensão de sua dinâmica familiar, do ajustamen- KEYWORDS: Schemes cognitive. Family dynamic. Sexual
to psicológico e investigação da prevalência dos EIDs em violence. Schema therapy.
crianças abusadas sexualmente bem como das consequên-
cias para a vítima.

PALAVRAS-CHAVE: Esquemas cognitivos. Dinâmica fami-


liar. Violência sexual. Terapia do esquema.

Submetido 07/01/2018, Aceito 22/01/2019, Publicado 08/02/2019


Rev. Psicol. Divers. Saúde, Salvador, 2019 Março;8(1):17-27
Doi: 10.17267/2317-3394rpds.v8i1.1787 | ISSN: 2317-3394
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Introdução tipos de atos com contato físico, dentre eles, estupro,


sexo oral, penetração dos dedos ou objetos, inter-
A violência sexual contra crianças e adolescentes é curso genital ou anal.
um tema bastante amplo e considerado um grave
problema de saúde pública no Brasil que ainda vem Já o abuso sexual, salienta Reis (2009), pode ser
acompanhado de grande tabu e silêncio. extrafamiliar, quando envolve pessoas estranhas ao
núcleo familiar, ou intrafamiliar/incestuoso, quando
É crescente o número de vítimas atendidas na rede é perpetrado por alguém com laços significativos
pública acompanhadas de sérios prejuízos que en- com a vítima, sejam esses laços consanguíneos ou
volvem aspectos físicos, cognitivos, psicológicos e afetivos, sendo mais frequente a segunda que pode
sociais e tanto para a vítima, como para a família. ser ocasional ou frequente ao longo da infância.
Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de
83% nas notificações gerais de violências sexu- O Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
ais contra crianças e adolescentes (Ministério da Yves de Roussan - CEDECA (2013) ressalta que a
Saúde, 2018). violência sexual pode vir, ou não, acompanhada de
violência física. É considerada uma violência, por-
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA que parte-se do princípio de que uma criança ou
(1990), em seu artigo 7º caracteriza a violência adolescente ainda não tem maturidade biopsicose-
sexual por atos praticados com finalidade sexual, xual para consentir este tipo de atividade sexual.
sendo lesivos ao corpo e a mente do sujeito violado Segundo o Código Penal Brasileiro, considera-se
(crianças e adolescentes), desrespeitando os direitos crime sexual toda e qualquer relação de caráter
e as garantias individuais como liberdade, respeito sexual com pessoas menores de 14 anos.
e dignidade previstos na Lei nº 8.069/90.
Considerando a teoria da terapia focada em es-
Rodrigues (2009) reforça ainda que uma em cada quemas e a literatura sobre violência sexual em
quatro meninas e um em cada 10 meninos é víti- crianças e adolescentes, o presente trabalho ob-
ma de violência sexual em todo o mundo. Ressalta jetiva avaliar uma adolescente que foi vítima de
também que o problema pode ser agravado pelo violência sexual durante a infância nos seguintes
medo e vergonha das vítimas que, indefesas, sofrem aspectos: 1. Identificar os esquemas iniciais desa-
abusos reiterados por longo período de tempo. E daptativos; 2. Identificar as consequências pós-
muitas vezes, quando finalmente denunciam o abu- -trauma; 3. Verificar os comportamentos e as for-
sador, padecem pela pressão da família e de pes- mas de enfrentamento atuais estabelecendo uma
soas próximas que desacreditam em suas versões ou relação com a violência sexual sofrida.
as acusam de terem “provocado” os abusos.
O impacto da violência sexual
De acordo com Habigzang (2012), o abuso sexual
é todo ato ou envolvimento numa relação heteros- Reis (2009) aponta que os episódios de violência
sexual ou homossexual, que parte de alguém num sexual tendem a provocar na criança ou no jovem,
estágio de desenvolvimento mais adiantado e/ou sentimentos de culpa, baixa autoestima, problemas
de mais poder e tem por finalidade a estimulação com a sexualidade, dificuldade em construir rela-
sexual ou a utilização do outro para obtenção de ções duradouras, e falta de confiança em si e nos
prazer sexual. Essas práticas libidinosas e sexuais outros.
são impostas, em geral, por meio de violência física,
ameaças ou indução da vontade da vítima. Mais especificamente, Borges e Dell’ Aglio (2008)
avultam que as consequências psicológicas incluem
Azevedo & Guerra (1989) afirmam que a violência baixa autoestima, sentimento de medo e desampa-
sexual varia desde atos em que não existe contato ro, choro frequente, embotamento afetivo, irritabili-
físico (por exemplo, toques, comentários e elogios dade, pesadelos, comportamento hipersexualizado,
com conteúdo sexual sedutor, assédio, voyeurismo, isolamento social e queixas psicossomáticas.
telefonemas obscenos, exibicionismo), aos diferentes

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Em um nível mais grave, podem surgir desordens Harding, & Jacksoon (2011) perceberam que crian-
psíquicas severas como: níveis significativamente ças que sofreram de abuso sexual parecem estar
aumentados de depressão, combinados com sentimentos em risco para o desenvolvimento de esquemas mal
de vergonha e culpa, ansiedade social, distúrbios de adaptativos devido às suas experiências como ví-
conduta, abuso de substâncias, distúrbios alimentares, timas e características familiares associadas. Além
transtorno do pânico, transtorno de humor, enurese, disso, elas compreendem um grupo grande de indi-
encoprese, transtorno de personalidade borderline, víduos em risco de TEPT e outras formas de psicopa-
transtorno dissociativo e transtorno de estresse pós- tologia. Neste trabalho serão enfocados os esque-
traumático (TEPT), sendo que o TEPT é a psicopatologia mas desadaptativos decorrentes da violência sexual
mais citada como decorrente do abuso sexual Além e da dinâmica familiar.
disso, também podem ser observados sintomas de déficit
de atenção, hipervigilância e distúrbios de aprendizado
Terapia de esquemas
(Habigzang & Koller, 2012 p.71).
Young, et.al.(2008) precursor da terapia do esque-
Habigzang (2012) ainda afirma que o abuso sexu-
ma, defende que esta é uma abordagem sistemá-
al também afeta o comportamento social das víti-
tica e que envolve elementos das escolas cognitiva,
mas, incluindo dificuldades de relacionamento com
comportamental, da teoria do apego, da Gestalt,
os colegas, abuso de substâncias, fugas do lar, fur-
de relações objetais construtivistas e psicanalíticas
tos, isolamento social, agressividade, mudanças nos
reunidas em um modelo conceitual de tratamento
padrões de sono e alimentação, comportamentos
rico e unificador. Esta terapia pode ser breve, de
autodestrutivos, tais como se machucar e tentativas
médio ou longo prazo, dependendo do paciente e
de suicídio.
da demanda apresentada e basicamente é utiliza-
da para interpretar informações e resolver proble-
Florentino (2015) disse que as consequências dessa
mas. É aplicável especialmente aos casos que envol-
forma de violência para as vítimas podem variar
vem transtornos de personalidade.
devido às suas características pessoais, ao apoio so-
cial e afetivo recebido por pessoas significativas e
Paul & Arruabarrena (2005) ressaltam que as dis-
órgãos de proteção, e ainda, das características do
torções estão associadas com os esquemas cogniti-
abuso sexual em si. Assim, as alterações no desen-
vos e que esses sistemas ou estruturas de informação
volvimento cognitivo, emocional e comportamental
influenciam as percepções em relação à criança e
podem variar desde efeitos menores até transtornos
atividades cognitivas em outras etapas do processo.
psicopatológicos graves.
James et.al., (2004) conceitua os esquemas desa-
Além disso, Santos (2010) considera que algumas
daptativos como temas ou padrões psicológicos am-
consequências negativas são exacerbadas em crian-
plos, difusos e fundamentais, formados por memó-
ças que não dispõem de uma rede de apoio social
rias, emoções e sensações corporais, relacionados
e afetiva. Outros fatores que podem influenciar o
à percepção de si mesmo e dos outros. Têm início
impacto da violência sexual, diminuindo ou aumen-
precoce na vida da criança e se repetem ao longo
tando seus efeitos, são os seguintes: saúde emocional
do tempo por se configurarem como padrões au-
prévia; tipo de atividade sexual; duração e frequ-
toderrotistas (desadaptativos) de perceber e inter-
ência dos episódios abusivos; reação dos outros, ou
pretar as experiências de vida. Além disso, vão se
seja, a resposta negativa da família ou dos pares à
tornando rígidos e inflexíveis (lutam por sua sobre-
descoberta do abuso acentua efeitos negativos (fa-
vivência) de forma que toda tentativa de mudar o
mília, amigos e juízes atribuindo a responsabilidade
esquema será vista como ameaçadora.
à criança); rompimento de relações familiares depois
da revelação; criança responsabilizando-se pela in-
No modelo proposto por Young (2003) constam
teração sexual; recompensa pelo abuso e negação
18 esquemas que foram agrupados em 5 cate-
do autor de que o abuso aconteceu. A interação des-
gorias amplas de necessidades emocionais não
ses fatores intrínsecos e extrínsecos pode minimizar ou
satisfeitas, nas quais, denominou-se “domínios de
potencializar os efeitos negativos dessa experiência.
esquemas”. O autor hipotetiza ainda cinco tarefas

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desenvolvimentais primárias que a criança neces- um esquema inicial desadaptativo (EID) em um ou


sita realizar para se desenvolver de forma sadia: mais domínios do esquema. Por exemplo, proble-
conexão e aceitação, autonomia e desempenho, mas no estabelecimento de conexão com outras
auto-orientação, limites realistas e autoexpressão, pessoas e um sentimento de aceitação por parte
espontaneidade e prazer. Quando não consegue dos outros, levam a desenvolver um EID no domínio
avançar de forma sadia, em função de predispo- Desconexão e Rejeição.
sições temperamentais e experienciais parentais e
sociais inadequadas, a criança pode desenvolver Portanto, ainda de acordo com Young et.al., (2008),
os EID são agrupados em seus domínios, sendo:
Quadro 1. Esquemas iniciais desadaptativos

De acordo com Leahy (2016), todos os organismos esquemas incondicionais, refletindo crenças fixas
apresentam basicamente 3 respostas quando per- acerca de si próprio e dos outros. Desta forma, dos
cebem uma ameaça: luta (supercompensação), fuga 18 EIDs identificados, 13 são considerados incon-
(subordinação) e congelamento/freezing (evitação). dicionais em relação a fatores, como o medo do
A ameaça é entendida aqui como a frustração de abandono, desconfiança, fracasso e sentimento de
uma necessidade emocional profunda no desenvol- se ser defeituoso. Tendo em conta as suas carac-
vimento afetivo da criança ou medo das intensas terísticas, estes tendem a levar a um aumento da
emoções que o esquema desencadeia e a criança vulnerabilidade a numerosas formas de psicopato-
responde com um estilo de enfrentamento que em o logia. Por outro lado, considera-se que os esquemas
princípio pode ser adaptativo, mas torna-se disfun- condicionais se desenvolvem mais tarde, podendo
cional com a mudança das condições que ocorre à reduzir as consequências negativas dos esquemas
medida em que a criança cresce. Sendo assim, o que incondicionais, apesar de temporariamente, através
era adaptativo para a criança, torna-se desadap- de padrões de comportamento envolvendo subju-
tativo para o adulto e o mesmo fica aprisionado na gação, auto sacrifício, busca de aprovação, inibição
rigidez de seu estilo de enfrentamento. emocional ou a criação de padrões elevados.

Segundo Young (2003), os primeiros EIDs a serem Tem-se verificado um reconhecimento crescente da
desenvolvidos pela criança são considerados como importância dos esquemas cognitivos e do seu pa-

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pel no desenvolvimento e manutenção de problemas a respeito de como vivem, constroem seus artefatos
psicológicos na vida adulta. De fato, a importância e a si mesmos, sentem e pensam. As abordagens
dos esquemas cognitivos no desenvolvimento de psi- qualitativas se conformam melhor a investigações
copatologia, constitui um dos pilares subjacentes à de grupos e segmentos delimitados e focalizados,
teoria dos esquemas sugerida por Young e colabo- de histórias sociais sob a ótica dos atores, das rela-
radores (Neufeld, 2017). ções e para análises de discursos e documentos” (p.
57). Trata-se de um estudo de caso individual.
Retomando, os EIDs resultam de necessidades emo-
cionais não satisfeitas na infância. São elas: víncu- Participante
los seguros com outros indivíduos (inclui segurança,
estabilidade, cuidado e aceitação); autonomia, Foi convidada a participar deste estudo uma ado-
competência e sentido de identidade; liberdade lescente de 14 anos, sexo feminino, com histórico
de expressão, necessidades e emoções válidas; de abuso sexual na infância. A mesma foi vítima
espontaneidade e lazer e limites realistas e auto- desta violação por três vezes. Abuso três vezes de
controle (Wainer, 2015). Nesse sentido, ao sofrer forma intrafamiliar e extrafamiliar. Os episódios
violência sexual, algumas necessidades emocionais aconteceram aos 04, 09 e 11 anos. A adolescen-
são violadas como: a segurança, pois os cuidado- te iniciou o acompanhamento psicossocial no Centro
res deveriam ter cuidado ou estarem atentos a si- de Referência Especializado de Assistência Social-
tuações ruins com as crianças; a criança também CREAS de Conceição do Coité- BA com a pesqui-
pode se sentir incapaz de criar vínculos seguros sadora psicóloga e está até o presente o momento.
com outros indivíduos devido ao receio de que os Vale ressaltar que a coleta de dados constantes na
mesmos irão violar seus direitos. A liberdade de entrevista foi realizada a partir do agendamento
expressão é outra necessidade violada, haja vista prévio com a referida participante, após a aprova-
que a criança teme expressar seus sentimentos por ção do Comitê de Ética. Desta forma, tanto a ado-
conta das ameaças do abusador. O lazer também lescente quanto sua responsável assinaram os Termo
pode ficar comprometido, pois pode haver isola- de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e/ou
mento da criança após do abuso. Termo de Assentimento.

Harding et.al., (2011) ressaltam como consequência Instrumentos


que o não atendimento dessas necessidades básicas
pode levar ao desenvolvimento de esquemas como: Inicialmente foram utilizadas as informações rele-
desconfiança/abuso, defeito/vergonha ou vulne- vantes contidas no prontuário da participante: com-
rabilidade a danos e limites prejudicados. Estes es- posição familiar, aspectos da violência, identifica-
quemas são particularmente relacionados ao início ção do agressor e tipo de violência sofrida.
de experiências traumáticas ou vitimização. Assim, a
experiência abusiva durante a infância pode iniciar, Após preenchimento e análise da ficha citada ante-
reforçar ou fortalecer tais esquemas maladaptativos. riormente, foi aplicado o questionário de esquemas
de Young (QEY-L2; Young e Brown, 1990) sendo
uma medida para autoavaliação de esquemas que
auxiliou com o foco na narrativa do sujeito. A par-
Método ticipante se autoavaliou em relação ao quão bem
cada item a descrevia em uma escala Likert de 6
Este estudo apresentou uma abordagem qualitativa pontos. Por fim, foi aplicado também o inventário
que se constitui como um fenômeno que é construído parental de Young (IPY; Young, 1994 ; Young et al.,
pela subjetividade humana e pelos significados cul- 2008), que se trata de um dos meios básicos para
turais e afetivos, particulares e coletivos. Segundo identificar as origens dos esquemas na infância. No
Minayo (2007), se conceitua como um “método apli- mesmo, 72 itens foram respondidos, classificando
cado ao estudo da história, das relações, das re- seus pais segundo uma série de comportamentos que
presentações, crenças, percepções e das opiniões, puderam contribuir para o desenvolvimento de es-
produtos das interpretações que os humanos fazem quemas. Assim como o QEY, o IPY utiliza uma escala

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Likert de 6 pontos. A participante foi informada de priado fisicamente e utilizado pelo pesquisador e
que os seus resultados têm um caráter confidencial. por ter um apoio claro na sequência das questões.
A entrevista semiestruturada facilita a abordagem
Procedimentos e assegura, sobretudo aos investigadores menos ex-
perientes, que suas hipóteses ou seus pressupostos
Inicialmente foi solicitada autorização ao CREAS serão cobertos na conversa (p. 267).
para coleta dos dados provenientes do prontuário
da paciente. Após autorização da instituição, a co- Tanto a paciente, quanto a responsável legal da me-
leta ocorreu a partir dos dados existentes no pron- nor, assinaram o TCLE autorizando a publicação dos
tuário da participante arquivado no CREAS, bem dados desta pesquisa. Esta pesquisa apresenta-se
como da anamnese (entrevista semiestruturada) re- em conformidade com a resolução 466 do CNS de
alizada. De acordo com Minayo (2007) 12 de dezembro de 2012 publicada no dia 13 de
junho de 2013.
“a entrevista semiestruturada obedece a um roteiro que
é apropriado fisicamente e utilizado pelo pesquisador Análise de dados
e por ter um apoio claro na sequência das questões.
A entrevista semiestruturada facilita a abordagem O referido trabalho foi construído a partir da análi-
e assegura, sobretudo aos investigadores menos se de conteúdo que pode ser entendido como:
experientes, que suas hipóteses ou seus pressupostos
serão cobertos na conversa” (p. 267). “Um conjunto de técnicas de análise das comunicações
visando a obter, por procedimentos sistemáticos e
Coleta de dados objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
Inicialmente foi realizado um levantamento do refe- inferência de conhecimentos relativos às condições
rencial teórico acerca da violência sexual, dinâmica de produção/recepção (variáveis inferidas) destas
familiar dessas vítimas e esquemas mal adaptativos mensagens” (BARDIN,2011, p.47)
de adolescentes vítimas de violação de direitos deste
tipo. Posteriormente, foi solicitada a autorização da A primeira fase constou na operacionalização das
Prefeitura Municipal de Conceição do Coité para o ideias iniciais, através das informações colhidas nos
acesso aos prontuários da participante que estava prontuários do Centro de Referência Especializado
armazenado no Centro de Referencia Especializado de Assistência Social (CREAS) para identificação do
de Assistência Social (CREAS), local onde esta é perfil da participante. A segunda fase referiu-se a
acompanhada pela pesquisadora psicóloga. entrevista semiestruturada e a leitura exaustiva do
material, orientando-se inicialmente pelas hipóteses e
A coleta dos dados constantes no prontuário e dos referencial teórico, classificando e categorizando-o.
dados adicionais foi realizada a partir do agen-
damento prévio com a referida participante. Foram O QEY e o IPY foram corrigidos de forma qualita-
necessários três encontros, de 50 minutos cada, para tiva verificando as questões em que a participante
a coleta das informações. marcou os valores “5” (em grande parte verdadei-
ra) e “6” (descreve perfeitamente). Foi considerado
Assim, após a autorização do CREAS, do responsá- um esquema relevante marcações de mais de três
vel legal pela paciente e anuência da mesma em questões do mesmo esquema com os números “5”
participar da pesquisa, a coleta contou com dois mo- ou “6”. Vale ressaltar que no IPY foram considera-
mentos: no primeiro momento foi realizada consulta das questões assinaladas como um e dois para o
ao prontuário para coleta dos dados já obtidos nos esquema de privação emocional, pois este esquema
atendimentos; no segundo momento ocorreu a en- apresenta afirmações em sentido reverso.
trevista semiestruturada para identificar os aspectos
relevantes para a pesquisa ainda não abordados Por fim, foi realizada a interpretação inferencial
nos atendimentos. De acordo com Minayo (2007), dos resultados obtidos, afim de torna-los significa-
esta entrevista obedece a um roteiro que é apro- tivos e válidos.

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Resultados e discussão A partir do IPY verificou-se a presença do esquema


de privação emocional, também ligado ao domínio I:
A adolescente é a caçula de uma prole de quatro desconexão e rejeição.
filhos. Na relação entre os genitores, houve filhos ex-
traconjugais, o que levou a separação ainda quan- O esquema de abandono/instabilidade, conceitu-
do a adolescente tinha poucos meses de vida. O pai ado por Wainer (2015), refere-se à expectativa
foi morar em outro local a 1969 km da cidade da de que logo serão perdidas as pessoas com as
paciente, com outra família, o que resultou em mais quais se cria vínculo emocional. Neste, a pessoa
três filhos. Com a separação, a participante, sua acredita que de uma maneira ou outra, os rela-
mãe e seus dois irmãos foram morar na zona rural, cionamentos íntimos terminarão iminentemente. Na
onde tinham uma casa e ficava próximo dos paren- infância, esses pacientes podem ter vivenciado o
tes maternos. A mãe trabalhava o dia todo para divórcio ou a morte dos pais. Esse esquema tam-
manter a casa e enquanto isso, os filhos ficavam em bém pode surgir quando os pais foram inconsisten-
casa cuidando uns dos outros, ou na vizinhança. tes no atendimento das necessidades da criança;
por exemplo, pode ter havido muitas ocasiões em
Os abusos, motivo da busca por atendimento, ocor- que a criança foi deixada sozinha ou desatendida
reram com três pessoas próximas à mãe da ado- por períodos prolongados.
lescente. Em nenhum dos episódios houve penetra-
ção, mas as interações sexuais duraram anos. Em Em relação ao esquema de abandono/instabilida-
geral, o abuso acontecia por meio de carícias e de, verificou-se que a adolescente tende a empre-
toques. O primeiro abuso durou dois anos, acon- gar o estilo de enfrentamento hipercompensação,
teceu quando a participante tinha quatro anos, em especial, nos relacionamentos amorosos, por
por um vizinho, que também abusou de sua irmã. acreditar que o parceiro pode suprir o amor que
O segundo agressor, quando a participante tinha não recebeu em casa, se tornando muitas vezes pe-
nove anos, foi um amigo da mãe, que a ajudava gajosa e controladora.
no trabalho. Passados três meses do ocorrido, a
adolescente pediu à mãe para passar um tempo “ ele não me dá a atenção que mereço, não faz o
com o pai em outro local. A saudade da mãe a fez que eu quero, se eu mando muitas mensagens, ele não
voltar para sua cidade natal e aconteceu o último responde”.
episódio de abuso, dessa vez, por um tio da ado-
lescente, que a seguia no caminho da escola, além Pode-se perceber que a figura do pai também in-
de ir à casa da mesma, quando ela estava sozinha, fluenciou para a origem deste esquema, pois a mes-
enquanto seus irmãos iam para a escola e sua mãe ma relata que quando nasceu, os pais estavam em
trabalhar. Os abusadores a ofereciam presentes e crise conjugal devido às traições por parte do pai
doces e, quando a mesma disse que contaria para e também pelas agressões físicas que o mesmo di-
a mãe, ameaçaram matar a sua família. recionava à mãe. A partir do divórcio, o contato da
adolescente com o pai passou a ser raramente por
Young (2003) acredita que esquemas como telefone e uma vez por ano, pessoalmente, quan-
Desconfiança / abuso, defeito / vergonha ou vulne- do o mesmo vinha à cidade natal. Na percepção
rabilidade a danos tendem a ser particularmente re- da participante, o pai se esquivou das responsabi-
lacionados ao início das experiências traumáticas ou lidades. Ela acredita ainda que o abuso não teria
vitimização. Assim, a experiência abusiva durante a acontecido se o mesmo tivesse presente em sua vida.
infância pode iniciar, reforçar ou fortalecer os esque-
mas mal adaptativos. Com o QEY na forma longa, “É, meu pai fugiu da responsabilidade, o que aconteceu
pôde-se constatar que estavam presentes na partici- comigo foi muito mais culpa dele, porque ele devia
pante três dos 18 esquemas iniciais desadaptativos estar comigo e, no entanto, ele abandonou meus
investigados, sendo eles: abandono/instabilidade, irmãos, minha família e agora voltou porque viu que
desconfiança/abuso, ambos do domínio I: descone- a gente cresceu e agora ele não tem que ter mais a
responsabilidade que deveria ter antes. Aí passou a se
xão e rejeição, e dependência/ incompetência do
comunicar mais com a gente”.
domínio II: autonomia e desempenho prejudicados.

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A mãe, sem condições financeiras após a separa- “ é, minha mãe mesmo mente pra mim, me esconde
ção, buscou trabalho para prover financeiramente as coisas com medo da minha reação, mas eu não sou
a família. Em relação à mãe, a busca pelo sustento boba, eu sei a verdade”.
familiar promoveu a ausência de cuidados diretos,
uma vez que, enquanto trabalhava, a criança fica- Considerando o esquema de desconfiança/abuso, o
va sob os cuidados dos irmãos mais velhos (também principal estilo de enfrentamento da participante é
menores de idade) ou brincando na casa dos vizi- o de resignação, mantendo-se supervigilante e des-
nhos. Quando chegava em casa, a mãe cuidava dos confiada em relação aos outros. Fica claro que este
afazeres domésticos e, segundo o relato da partici- EID é decorrente dos abusos sofridos.
pante, não lhe dava atenção nem carinho, recusan-
do afeto quando a filha lhe propunha. Fica evidente “Eu sinto que as pessoas querem tirar vantagem de
que a dinâmica familiar também influenciou no sur- mim... as pessoas que eu não conheço, as pessoas
gimento deste esquema. carinhosas, aquele carinho eu logo pensando que eles
podem ter outras intenções, tenho medo que aconteça
“ ...eu sempre pedi carinho a ela, mas ela nunca queria, aquilo de novo.”
quando eu me aproximava, ela dizia que não gostava
de chamego.” “frequentemente, sinto que tenho
de me proteger dos outros”.
O esquema de desconfiança/abuso, afirma Nelfeld
(2017), refere-se à expectativa de que os outros, “Sim... porque eu não sei o que eles querem fazer,
ninguém sabe a personalidade de ninguém”.
de alguma maneira, tirarão vantagem da pessoa,
intencionalmente. As pessoas com esse esquema
Por sua vez, Young (2003) lembra o esquema de
acreditam que os outros vão magoá-la, enganá-la
dependência/incompetência refere-se à crença de
ou desprezá-las. Elas com frequência pensam em
que a pessoa não é capaz de assumir, de forma
termos de atacar primeiro ou se vingar depois. Na
competente, as responsabilidades do cotidiano. A
infância, esses pacientes muitas vezes foram abu-
pessoa com esse esquema depende excessivamen-
sados ou tratados injustamente por pais, irmãos ou
te dos outros para tomar decisões e iniciar novas
amigos.
tarefas. Os pais, em geral, não estimulam a crian-
ça a agir de forma independente e a ter confiança
Burns e Jackson (2011) concordam que a experiên-
em sua capacidade de tomar conta de si mesma. A
cia abusiva durante a infância pode iniciar, reforçar
adolescente em questão relata que sempre quis tra-
ou fortalecer os esquemas mal adaptativos. Após
balhar, mas que a mãe, apesar de passar a maior
sofrer o abuso sexual, a participante acredita que
parte do seu tempo fora de casa, não aceitava que
todas as pessoas carinhosas que se aproximam, têm
a mesma assumisse nenhuma responsabilidade como
segundas intenções, pois foi dessa maneira que os
estudar e trabalhar. Por conta disso, acredita que
abusadores se aproximaram dela, com delicadeza
sempre precisa de uma orientação em suas deci-
e dando presentes. Além disso, afirma que a mãe
sões, porque se for feita por conta própria, pode
nem sempre é honesta com ela e assim, desconfia
não dar certo. A ausência dos pais e a superprote-
muito das pessoas.
ção dos irmãos, uma vez que era a caçula da famí-
“ele me oferecia presentes, balas, dinheiro e tocava lia, pode ter influenciado a origem deste esquema.
no meu corpo, eu não tinha noção de nada, quando
passei a ter consciência, ele me ameaçou, ameaçou “ela sempre achou que eu não tinha necessidade de
matar minha família, então eu tive medo.” trabalhar porque era muito nova e na escola, nunca me
exigiu nada. Tanto fazia passar ou perder”
“...é, porque aquela pessoa pode vim oferecendo
dinheiro ou te tratando bem, ele está querendo “Ela dizia o que era errado, mas nunca disse pra
alguma coisa”. fazer ou não fazer. Nem ela, nem meu pai nunca me
instruíram a nada”.

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Referente ao esquema dependência/incompetên- conta disso, a crença de que não havia amor em
cia, o estilo de enfrentamento utilizado pela partici- casa era reforçada, consequentemente. Também é
pante é a hipercompensação, pois, ao mesmo tempo evidente o esquema de privação emocional.
em que acha que não teve instruções dos pais, a
paciente demonstra autoconfiança excessiva em si “eu me sentia bem fora de casa, mesmo sabendo que
mesma, na sua busca pela independência precoce, aquelas pessoas bebiam e fumavam,
quando fala em procurar um emprego, ainda ado- mas eu me sentia acolhida ali, porque elas eram
lescente para ter sua independência financeira e carinhosas, conversavam comigo...”
poder cuidar de sua própria vida. Novamente, este
esquema está relacionado com a dinâmica familiar. Boscardin e Kristensenz, (2011) afirmam que du-
rante os primeiros anos de vida a criança constrói
“eu sempre pedi para trabalhar, modelos funcionais de seus pais, e esses modelos
ela que nunca deixou.” tornam-se estruturas cognitivas influentes. Tais mo-
delos, por se tornarem habituais, generalizados e
Neste breve relato, pode-se perceber que o pensa- bastante inconscientes, persistem num estado mais
mento da adolescente está vinculado à ausência de ou menos imutável, até mesmo quando o indivíduo,
autoconfiança ou, ainda, à culpabilização que ela quando adulto, interage com pessoas que o tratam
dirige à mãe pelo sentimento de limitação e sofri- de formas completamente distintas daquelas pelas
mento experimentado na vida. quais os pais a trataram.

Outro esquema encontrado decorrente da dinâmica Na história de vida da adolescente, a mesma se


familiar foi o de privação emocional. O mesmo se queixa de muitas críticas da mãe, principalmente
refere à crença de que as necessidades emocionais após o abuso, sugerindo que a mesma também foi
primárias nunca serão atendidas pelos outros. Essas culpada e que era para esquecer o ocorrido.
necessidades incluem carinho, empatia, afeição, pro-
teção, orientação e interesse por parte dos outros. É “ela fala que eu poderia ter negado, que poderia ter
comum os pais privarem a criança emocionalmente contado desde a primeira vez, mas, que nada poderia
(Young, 2003). A adolescente afirma que além da ser feito, então o melhor é esquecer”
ausência do pai, a mãe não supre as necessidades
emocionais, nunca lhe deu carinho de verdade, não Além disso, sugere Gonçalves (2010) que pessoas
se interessou por seus planos e projetos de vida. com esquemas ligados ao domínio I, são incapazes
de estabelecer relações seguras de vinculação com
“ela não gosta de carinho, quando eu me aproximo, ela os outros. Geralmente, cresceram em famílias tipica-
diz que não gosta, além do mais, ela nunca foi numa mente instáveis, abusivas, frias, com comportamen-
reunião minha na escola, nunca se preocupou com o tos de rejeição ou isoladas. Fica claro na história
que eu queria ser quando crescesse...” de vida da paciente a presença de esquemas per-
tencentes a esse domínio, pois, como já foi discutido,
Neste caso, o estilo de enfrentamento principal foi foi criada num ambiente no qual a mãe sempre foi
a resignação, pois a mesma passou a ter amiza- distante afetivamente e o pai a abandonou nos seus
des consideradas más influencias para a sociedade, primeiros dias de vida.
saia de casa e voltava dias depois, como forma de
chamar atenção de sua mãe. Este comportamento O quadro 2 detalha os relatos e os esquemas pre-
sugere também a manifestação do esquema de sentes na adolescente, decorrentes da violação de
abandono e da possível revolta daí resultante. Por direitos e de sua dinâmica familiar.

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Quadro 2. Exemplos de relatos que demonstram os esquemas presentes na participante:

Considerações finais básicas da adolescente, não deu carinho e atenção


quando criança. Portanto, ambos influenciaram tam-
Buscou-se neste trabalho verificar os EIDs prevalen- bém para a formação de tais esquemas.
tes em uma adolescente vítima de violência sexual,
bem como os esquemas desadaptativos decorrentes Os resultados têm importantes implicações para
da sua dinâmica familiar. Como ficou evidente, dos uma melhor compreensão dos EIDs presentes no
04 esquemas encontrados, 03 são provenientes da esquema mental de uma adolescente vítima de
estrutura familiar da participante e 01 tem relação violação de direitos, podendo lançar luz sobre po-
com a violação de direitos sofrida. Com a aplica- tenciais EIDs mais prevalentes em crianças e ado-
ção dos questionários que avaliam os esquemas e lescentes que sofreram abuso sexual. O presente
investigação clínica dos resultados obtidos nestes in- estudo revelou uma limitação importante que consis-
ventários, constataram-se na participante os seguin- te no número reduzido de participantes, diminuindo
tes esquemas iniciais desadaptativos: abandono/ a possibilidade de generalização de resultados à
instabilidade, desconfiança/abuso e dependência/ população. Assim, não se pretendeu esgotar as pos-
incompetência. Estes esquemas estão de acordo com sibilidades de discussão acerca dos esquemas for-
as experiências precoces vivenciadas pela partici- mados em crianças vítimas de violência sexual. Aqui
pante. Os EIDs podem gerar prejuízos na adapta- foram disponibilizadas contribuições que podem co-
ção e desenvolvimento de relações saudáveis ao laborar para reflexões e questionamentos acerca
longo da vida, fazendo-se necessária a identifica- do assunto, assim como, contribuir para a formação
ção e flexibilização dos mesmos. e a atuação de psicólogos e de profissionais que
trabalham com pessoas vítimas de violência sexual.
Pôde-se perceber também que o pai é uma figu- Dessa forma, sugere-se que novas pesquisas sobre
ra ausente, abandonou a família quando a ado- os esquemas iniciais desadaptativos em pessoas víti-
lescente ainda era criança e nunca participou das mas de violência sexual sejam conduzidas, amplian-
decisões famílias. A mãe é uma figura que desde do o tamanho amostral, o gênero e a faixa etária
criança a critica muito, sempre preocupada com o dos participantes.
trabalho e, apesar de suprir todas as necessidades

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