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UNIVERSIDADE ÓSCAR RIBAS

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
PSICOPATOLOGIA ESPECIAL
Turma 03 / 3º ano / Manhã

PERTURBAÇÕES DISSOCIATIVAS:
PERTURBAÇÃO DISSOCIATIVA DA IDENTIDADE E PERTURBAÇÃO DE
DESPERSONALIZAÇÃO/DESREALIZAÇÃO

Docente
___________________________
M.Sc. Mónica Justino Faria

Luanda / Angola / 2019


UNIVERSIDADE ÓSCAR RIBAS
FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE PSICOLOGIA
PSICOPATOLOGIA ESPECIAL
Turma 03 / 3º ano / Manhã

PERTURBAÇÕES DISSOCIATIVAS:
PERTURBAÇÃO DISSOCIATIVA DA IDENTIDADE E PERTURBAÇÃO DE
DESPERSONALIZAÇÃO/DESREALIZAÇÃO

Discentes:
20170917 - Ana Araújo
20170158 - Leila Moreira (coord)
20170824 - Mariana Almeida

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Luanda / Angola / 2019

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ÍNDICE GERAL
I Parte
1. INTRODUÇÃO........................................................................................................1
1.1. Caso histórico: “As Três Faces de Eva”.................................................................5
II Parte
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA..........................................................................7
2.1 Perturbação Dissociativa da Identidade.................................................................7
2.1.1. Critérios de Diagnóstico.........................................................................................8
2.1.2. Características de Diagnóstico...............................................................................9
2.1.3. Características Associadas Que Suportam o Diagnóstico....................................11
2.1.4. Prevalência...........................................................................................................11
2.1.5. Desenvolvimento e Curso....................................................................................12
2.1.6. Factores de Risco e de Prognóstico......................................................................12
2.1.7. Aspectos de Diagnóstico Relacionados com a Cultura........................................13
2.1.8. Risco de Suicídio..................................................................................................13
2.1.9. Consequências Funcionais da Perturbação Dissociativa da Identidade...............14
2.1.10. Diagnóstico Diferencial................................................................................14
2.1.11. Comorbidades...............................................................................................17
2.2. Perturbação de Despersonalização/Desrealização................................................18
2.2.1. Critérios de Diagnóstico.......................................................................................21
2.2.2. Características de Diagnóstico.............................................................................22
2.2.3. Características Associadas Que Suportam o Diagnóstico....................................23
2.2.4. Prevalência...........................................................................................................23
2.2.5. Desenvolvimento e Curso....................................................................................24
2.2.6. Factores de Risco e de Prognóstico......................................................................24
2.2.7. Aspectos de Diagnóstico Relacionados com a Cultura........................................25
2.2.8. Consequências Funcionais da Perturbação de Despersonalização/Desrealização25
2.2.9. Diagnóstico Diferencial........................................................................................26
2.2.10. Comorbidades...............................................................................................28
III Parte
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................29
4. EXPERIÊNCIAS PESSOAIS...............................................................................31
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................32
1. INTRODUÇÃO

O ser humano não é unitário nem internamente consistente, mas complexo,


contraditório e dividido. Em alguns casos, estas atitudes contraditórias e os
comportamentos podem se tornar incompatíveis, ameaçando a estabilidade e a integridade
da personalidade. Em raras ocasiões, a estabilidade apenas pode ser preservada por uma
dissociação ou por uma separação da personalidade em subunidades mais estáveis.

A dissociação pode ser definida como temporária desconexão (patológica ou não


patológica) entre módulos psíquicos e/ou motores que se encontram, em geral, sob o
controlo voluntário ou acesso directo da consciência, do repertório comportamental usual
e/ou do auto-conceito (Krippner, 1997). As perturbações dissociativas podem ser vistas
como tipos muito complexos da perturbação de stress pós-traumático, que começam na
infância e se tornam crónicas durante toda a adolescência e vida adulta. Muitas dimensões
diferentes da experiência do Eu são afectadas, já que o trauma ocorre durante os anos
fundamentais do desenvolvimento do indivíduo. O trauma produz uma dissociação, que é
uma descontinuidade da experiência (consciência) e da memória. Tais processos psíquicos
inicialmente podem funcionar como defesas adaptativas para preservar o ego. Com o
tempo, segundo Gabbard et al., a dissociação distorce o desenvolvimento da personalidade
e a integração contínua de experiências, auto-percepções e percepção das emoções das
outras pessoas, eliminando o desenvolvimento da capacidade de mentalização
(desenvolvimento de habilidades meta-cognitivas que permitem a reflexão crítica sobre o
próprio estado da mente ou das outras pessoas). As experiências dissociativas são, assim,
diferenciadas de acordo com dimensões de duração, severidade e “quantidade” de
dissociação, extensão do seu impacto no funcionamento humano, condições que as
precipitam (stress ou trauma) e a sua incidência ao longo da vida (Butler, 2004).

O estudo dos fenómenos dissociativos e perturbações mentais associadas à


dissociação é um dos grandes desafios da psiquiatria. Muito da discussão da área se deve à
formação científica distinta dos cientistas, cujos argumentos teóricos por vezes beiram
controvérsias ideológicas. Na literatura, é observável a ausência de uma definição precisa e
consensual do constructo de dissociação (Nijenhuis & van der Hart, 2011). A controvérsia
em torno da conceituação das experiências dissociativas persiste actualmente,
acompanhando mudanças teóricas e sociais. O próprio termo "dissociação" pode ser
entendido de diversas formas e dar margem a múltiplas interpretações, dependendo do

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contexto de seu uso. Não existe definição única, simples e coerente capaz de obter o
consenso dos pesquisadores da área.

Como tal, Cardeña agrupa experiências dissociativas num Domínio da Dissociação,


baseado nos diferentes usos do termo: Dissociação (ou a "desagregação" de Pierre Janet)
implica que dois ou mais processos mentais não estão associados ou integrados. Sob o
ponto de vista do estudo da personalidade e do campo da psicologia clínica, o Domínio
pode ser abrangido sob três perspectivas diferentes: 1) para caracterizar módulos mentais
semi-independentes ou sistemas cognitivos não acessados conscientemente e/ou não
integrados dentro da memória, identidade e volição (conscientes) do indivíduo; 2) como
representação de alterações da consciência do indivíduo, em situações em que certos
aspectos do Eu e do ambiente se desconectam; 3) como um mecanismo de defesa
associado a fenómenos variados, tais como amnésia psicológica, eliminação de sofrimento
físico ou emocional, e não integração crônica da personalidade (como no transtorno de
personalidade múltipla).

Pizer (1998, cit. por Howell, 2005) destaca, que a dissociação interrompe a
continuidade do ser, o funcionamento harmonioso da multiplicidade interna, ao “expor” a
ilusão de unidade do Eu. Ilusão essa que se torna inviável de ser mantida, uma vez que a
ligação anteriormente estabelecida entre as múltiplas partes do Eu (e respetivos afectos,
memórias, valores e capacidades) é catastroficamente descontinuada (Bromberg, 1993;
Pizer, 2001). O que sucede devido ao risco do Eu ser “completamente dominado” por
experiências traumáticas intoleráveis que não consegue simbolicamente processar, nem
integrar num Eu unitário, o que por sua vez conduz a um estado de conflito com o qual não
consegue igualmente lidar (Bromberg, 1993).

De acordo com Spiegel e colaboradores (2011), a dissociação compreende uma


ruptura de e/ou descontinuidade na integração normal e subjectiva de aspectos do
funcionamento psicológico – memória, identidade, consciência, percepção e controlo
motor. Esses domínios deveriam, assim, estar associados, coordenados e ligados, mas não
o estão.

A American Psychiatric Association definiu no DSM-5 as perturbações


dissociativas como uma disrupção e/ou descontinuidade na normal integração da
consciência, memória, identidade, emoção, percepção, representação corporal, controlo
motor e comportamento. Os sintomas dissociativos podem potencialmente afectar qualquer
área do funcionamento psicológico.
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A característica central das perturbações dissociativas é o distúrbio das funções
normalmente integradas de consciência, memória, identidade ou percepção do ambiente.
Tais distúrbios podem ser súbitos ou graduais, transitórios ou crónicos. Há cinco subtipos
principais, segundo o DSM-5: Perturbação Dissociativa da Identidade, Amnésia
Dissociativa, Perturbação De Despersonalização/Desrealização, Perturbação Dissociativa
Com Outra Especificação e Perturbação Dissociativa Não Especificada.

Os sintomas dissociativos são experienciados como: a) Intrusões espontâneas na


consciência e no comportamento, acompanhadas de perdas de continuidade na experiência
subjectiva (isto é, sintomas dissociativos “positivos”, como fragmentação da identidade,
despersonalização e desrealização), e/ou b) Incapacidade para aceder a informação ou para
controlar funções mentais que em regra se encontram imediatamente disponíveis para
acesso ou controlo (isto é, sintomas dissociativos “negativos”, como amnésia).

As perturbações dissociativas são frequentemente encontradas na sequência de um


trauma e muitos desses sintomas, incluindo o embaraço e a confusão acerca desses
sintomas ou o desejo de os esconder, são influenciados pela proximidade do trauma. No
DSM-5, as perturbações dissociativas estão postas como próximas, mas não como fazendo
parte, das perturbações relacionadas com trauma e factores de stress, reflectindo a relação
de proximidade entre estas classes diagnósticas. Tanto a perturbação aguda de stress como
a perturbação de stress pós-traumático contêm sintomas dissociativos como amnésia,
flashbacks, embotamento e despersonalização/desrealização.

No presente estudo, pretende-se explorar os elementos que classificam a


perturbação dissociativa da identidade e também a perturbação de
despersonalização/desrealização, que são alguns subtipos das perturbações dissociativas. O
objectivo geral é conhecer dentro das Perturbações Dissociativas, a perturbação
dissociativa da identidade e a perturbação de despersonalização/desrealização. Para tal,
traçamos como objectivos específicos fazer a identificação dos critérios de diagnósticos
destas duas perturbações, as suas características de diagnóstico e as características
associadas que suportam o diagnóstico e, também, identificar a prevalência,
desenvolvimento e curso, os principais factores de risco e de prognóstico, alguns aspectos
de diagnósticos que estão relacionados com a cultura, as consequências funcionais, os
aspectos a ter em conta no diagnóstico diferencial e as comorbilidades destas perturbações
dissociativas.
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O trabalho está estruturado conceptualmente por três partes, sendo que, a primeira
parte consiste numa introdução onde se faz um resumo acerca dos tópicos que serão
apresentados e em que também apresentamos a história de Eva White, um caso real muito
famoso de uma paciente com perturbação dissociativa da identidade e, também, traçamos o
objectivo geral e os específicos do nosso trabalho.

A segunda parte do trabalho consiste na fundamentação teórica, composta pela


apresentação das características das perturbações dissociativas da identidade e da
perturbação de despersonalização/desrealização, os critérios de diagnóstico segundo o
DSM-5 e outros aspectos relacionados ao diagnóstico e prognóstico destas duas
perturbações.

A terceira parte do nosso trabalho comporta as considerações finais, as


considerações sobre as experiências pessoais e as referências bibliográficas.

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1.1. Caso histórico: “As Três Faces de Eva”
(Um caso real de diagnóstico de Perturbação Dissociativa da identidade)

Eva White, cujo nome verdadeiro mais tarde soube-se ser Chris Costner
Sizemore, foi considerado o caso clínico mais famoso de perturbação dissociativa da
identidade que se transformou em livro e mais tarde em filme. Em 1952, Eva foi
encaminhada a Thigpen e Cleckley  (psiquiatras), queixando-se de fortes dores de cabeça e
ocasionalmente perda de consciência.

Eva era uma pacata mulher que havia sofrido um aborto espontâneo há 4 meses e
lutava para criar sua filha de 4 anos e meio e manter a paz no seu casamento tipicamente
em declínio. Com o passar do tempo, Eva experiencia dores de cabeça excêntricas, lapsos
de memória,  e o que parece ser uma mudança em sua personalidade, decidindo assim,
procurar um terapeuta. Após consultas com o terapeuta, notou a melhora de ausências e
diminuição da frequência de dores de cabeça, a princípio as dores de cabeça é como se
fossem a passagem de uma personalidade para outra, mais aconteceram coisas diferentes
até completar um ano com o terapeuta. Comprou muitos vestidos e sapatos caros e
“ousados”, e quando o marido chegou ela não lembrava que tinha os comprado. Eva White
relata que, em várias ocasiões, ouve uma voz. A princípio ela reconhece mais não consegue
identificar, mas no decorrer da terapia ela reconhece que a voz é a dela. Descobre-se
durante uma hipnose uma outra personalidade de Eva, apresentando-se como Eva Black.
Trata-se de uma face com temperamento forte, gostos extravagantes e paciência escassa
para a família. Canta num clube noturno, por isso os vestidos caros comprados. Leva uma
vida completamente desvirtuosa, sai com outros homens, bebe, fuma, nega o casamento
com o marido e nega ter uma filha, é sedutora, ousada, vulgar, provocativa e sensual. Eva
Black se aproveita de momentos frágeis de Eva White para vir a tona com seu
comportamento transgressor e irreverente, totalmente diferentes dos da Eva original.

Esse seu comportamento abala todo mundo ao seu redor, que não conseguem
entender como uma mulher tão calma e simples, pode também ser tão exagerada e atraente.
Mas aí é que está: sempre que Eva White é acometida das dores de cabeça, e dos lapsos de
memória-abrindo espaço pra Eva Black, sua segunda persona (Eva Black), está ciente do
sofrimento que causa à White com suas escapadas e transgressões, e até faz piada com o

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que pode acontecer com ela quando esta voltar a consciência. Em tratamento para sufocar
as aparições de Eva Black, o médico de Eva descobre uma terceira face de sua múltipla
personalidade. Uma que parece ser de uma rapariga simples, requintada, educada e
confusa. Ela apresentou-se como Jane, apenas.  Jane, ao contrário das outras Evas, não
conhece nada sobre si. Alguns aspectos que são revelados nas sessões de Eva com seu
psiquiatra, mostram como ela chegou à externar (mesmo que inconscientemente) essas
personalidades tão divergentes da que ela estava habituada a mostrar.

As características das três faces de Eva: Eva White: formal, reservada, tímida,
reprimida, compulsiva. Não sabia da existência de Eva Black e nem de Jane. Eva Black:
instável, áspera, irresponsável, frívola e histérica. Sabia da existência de Eva White, mas
não tinha consciência de Jane. Jane: audaciosa, madura, capaz, interessante, habilidosa,
compassiva. Quando despertou, ela sabia da existência das suas Evas. Após várias terapias,
descobre-se que quando tinha 6 anos, a mãe obrigou- a se despedir da avó que estava
dentro do caixão com um beijo na boca. Os terapeutas sendo capazes de trabalhar com as
três personalidades por vários meses chegaram a conclusão de que se Jane conseguisse
apoderar-se das duas outras personalidades, era possível que a paciente recuperasse a sua
saúde plena e encontrasse o seu caminho para uma vida feliz. Jane aprende as tarefas de
Eva White em casa e mostra compaixão para com a sua filha. Torna-se a face definitiva de
Eva e se recorda de tudo, desde a sua infância. Dois anos depois do tratamento, Jane manda
uma carta para o psiquiatra relatando que não há vestígios das outras então extintas
identidades.

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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Perturbação Dissociativa da Identidade

No âmbito das Perturbações Dissociativas, a Perturbação Dissociativa da Identidade


destaca-se como uma entidade nosológica de difícil ou mesmo moroso diagnóstico,
elevada comorbilidade e sintomatologia diversificada. Ao longo da história, a perturbação
dissociativa da identidade adquiriu facetas muito diferente, conforme a época analisada,
desde sendo chamada de possessão demoníaca, histeria, até alcançar o conceito de
múltiplas personalidades (Ellemberger, 1970) que, por fim, passou recentemente à noção
de perturbação dissociativa da identidade.

No extremo clínico do espectro das Perturbações Dissociativas, a perturbação


dissociativa da identidade é entendida como uma perturbação pós-traumática
desenvolvimentista complexa, iniciada antes dos 5 ou 6 anos (Loewenstein & Punam,
2004; Simeon & Loeweinstein, 2009). Perturbação Dissociativa da Identidade ilustra, em
extremo, um assunto intolerável, não resolvido, e temporariamente impossível entre partes
do Eu, que transportam experiências traumáticas relacionais não simbolizadas. O
isolamento entre as partes do Eu, sob a forma de dissociação, emerge como uma “falsa
solução em crise” do tal assunto, o qual é posteriormente mantido pela ausência de
conhecimento consciente entre as diferentes partes do Eu e pela ausência de diálogo,
ligação, e sintonia/coordenação entre estas.

Esta perturbação é caracterizada pela presença de duas ou mais identidades ou


estados de personalidade distintos que, recorrentemente, determinam o comportamento do
sujeito, acompanhado pela incapacidade de recordar informação pessoal importante,
demasiado vasta para ser explicada por vulgar esquecimento. O diagnóstico da perturbação
dissociativa da identidade está associada quase universalmente com uma história prévia de
trauma mais significativo que ocorre frequentemente na infância.

Segundo o DSM-5 (2014), a perturbação dissociativa da identidade é caracterizada


pela presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou por uma experiência de
possessão e episódios recorrentes de amnésia. A fragmentação da identidade pode variar
com a cultura (por exemplo, apresentações na forma de possessão) e circunstâncias. Assim,
os indivíduos podem experienciar descontinuidades na identidade e memória, que podem

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não ser de imediato evidentes para os outros ou ser encobertas por tentativas de esconder a
disfunção.

Indivíduos com perturbação dissociativa da identidade experienciam: intromissões


inexplicáveis, recorrentes no seu funcionamento consciente e no seu sentido do Eu (por
exemplo, vozes; acções e discurso dissociados; pensamentos, emoções e impulsos
intrusivos), alterações no sentido do Eu (por exemplo, atitudes, preferências e sentimento
de que o próprio corpo ou acções não são seus), alterações estranhas da percepção (por
exemplo, despersonalização ou desrealização, como sentir-se distanciado do próprio corpo
enquanto se corta) e sintomas neurológicos funcionais intermitentes. O stress produz
muitas vezes exacerbação dos sintomas dissociativos, tornando-os mais evidentes.

2.1.1. Critérios de Diagnóstico

O DSM-5 (2014) define a perturbação dissociativa da identidade de acordo com os


seguintes critérios de diagnóstico (p.350-351):

A. Disrupção da identidade caracterizada por dois ou mais estados da


personalidade distintos, os quais podem ser descritos nalgumas culturas como
experiências de possessão. A disrupção na identidade envolve uma marcada
descontinuidade no sentido do Eu e de agência, acompanhada por alterações
relacionadas no afecto, comportamento, consciência, memória, percepção,
cognição e/ou funcionamento sensoriomotor. Estes sinais e sintomas podem ser
observados por outros ou relatos pelo indivíduo;

B. Lacunas recorrentes na recordação de eventos do dia-a-dia, informação pessoal


importante e/ou eventos traumáticos que são inconscientes com o vulgar
esquecimento;

C. Os sintomas causam mal-estar ou incapacidade clinicamente significativos a


nível social, ocupacional ou noutras áreas importantes do funcionamento;

D. A perturbação não é uma parte normal de uma prática cultural ou religiosa


largamente aceite. Nas crianças, os sintomas não são mais bem explicados por
amigos imaginários ou outros jogos de faz-de-conta;

E. Os sintomas não são atribuíveis aos efeitos fisiológicos de uma substância (por
exemplo, black-out ou comportamento caótico durante uma intoxicação

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alcoólica) ou outra condição médica (por exemplo, crises convulsivas parciais
complexas).

2.1.2. Características de Diagnóstico

Segundo o DSM-5 (2014), a característica essencial da perturbação dissociativa da


identidade é a presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou uma
experiência de possessão (Critério A). A Evidência ou dissimulação destes estados de
personalidade variam em função da motivação psicológica, do nível actual de stress,
cultura, conflitos e dinâmicas internos e resiliência emocional. Períodos sustentados de
disrupção da identidade podem ocorrer quando as pressões psicossociais são graves e/ou
prolongadas. Em muitos casos da forma de possessão da perturbação dissociativa da
identidade e numa pequena proporção de casos de não possessão, as manifestações de
identidade alternadas são altamente patentes. A maioria dos indivíduos com formas não
possessivas da perturbação dissociativa da identidade não apresenta de forma evidente a
sua descontinuidade de identidade por longos períodos de tempo; só uma pequena minoria
se apresenta à atenção clínica com alternâncias observáveis da identidade. Quando os
estados de personalidade alternados não são directamente observáveis, a perturbação pode
ser identificada por dois grupos de sintomas: 1) alterações súbitas ou descontinuidades no
sentido do Eu ou de agência (Critério A); 2) amnésias dissociativas recorrentes (Critério
B).

Os sintomas do Critério A estão relacionados com descontinuidades da experiência


que podem afectar qualquer aspecto do funcionamento de um indivíduo. Indivíduos com
perturbação dissociativa da identidade podem relatar que repentinamente se sentiram
observadores despersonalizados do “seu próprio” discurso e acções, podendo sentir-se
incapazes de os parar (sentido do Eu). Estes indivíduos podem também relatar percepções
de vozes (por exemplo, a voz de uma criança; choro; a voz de um ser espiritual). Nalguns
casos, as vozes são experienciadas como múltiplas, causadoras de perplexidade, fluxos
independentes de pensamento sobre os quais o indivíduo não sente controlo.

Podem subitamente emergir emoções fortes, impulsos e mesmo discurso e outras


acções, sem um sentimento de posse ou controlo (sentido de agência). Estas emoções e
impulsos são frequentemente relatados como egodistónicos e enigmáticos. Atitudes,
perspectivas e preferências pessoais (por exemplo, acerca de comida, actividades,
vestuário) podem subitamente mudar e depois mudar de volta.

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Os indivíduos podem relatar que sentem o seu corpo diferente (por, exemplo, como
uma criança, como alguém do sexo oposto, enorme e musculado). As alterações no sentido
do Eu e a perda de agência pessoal podem ser acompanhadas por um sentimento de que
estas atitudes, emoções, comportamentos e até o próprio corpo, “não são meus” e/ou “não
estão sob meu controlo”. Embora a maioria dos sintomas do Critério A sejam subjectivos,
muitas destas descontinuidades repentinas no discurso, afecto e comportamento podem ser
testemunhadas por família, amigos ou pelo clínico. As convulsões não epiléticas e outros
sintomas conversivos são proeminentes nalgumas apresentações da perturbação
dissociativa da identidade, especialmente em contextos não ocidentais.

A amnésia dissociativa dos indivíduos com perturbação dissociativa da identidade


manifesta-se de três formas principais: 1) lacunas na memória remota para eventos da vida
pessoal (por exemplo, períodos da infância ou adolescência; alguns eventos de vida
importantes como a morte de um avô, casar, nascimento de um filho); 2) lapsos na
memória confiável (por exemplo, o que aconteceu hoje, capacidade bem apreendidas como
fazer o seu trabalho, usar o computador, ler, conduzir); 3) descoberta de evidências de
tarefas e acções do dia-a-dia que não recordavam de ter realizado (por exemplo, encontrar
objectos inexplicados nos seus sacos de compras ou posses; encontrar escritos ou desenhos
que teriam de ter sido por eles criados; descobrir ferimentos; “dar de caras com algo”
quando se encontram a meio de uma tarefa).

As fugas dissociativas, em que a pessoa descobre estar numa viagem dissociada,


são comuns. Assim, os indivíduos com perturbação dissociativa da identidade podem
relatar que repentinamente se aperceberam de que se encontravam numa praia, no trabalho,
num clube nocturno ou num local da casa (por exemplo, na despensa, na cama ou sofá,
num canto), sem memória de como chegaram até ali. A amnésia em indivíduos com
perturbação dissociativa da identidade não é limitada a eventos stressantes ou traumáticos;
estes indivíduos também com frequência não conseguem recordar eventos do dia-a-dia.

Indivíduos com perturbação dissociativa da identidade variam na sua consciência


e atitude perante a sua amnésia. É comum para estes indivíduos minimizarem os seus
sintomas amnésicos. Alguns dos seus comportamentos amnésicos podem ser aparentes
para os outros – como quando estas pessoas não conseguem recordar algo que foram vistas
a fazer ou dizer, quando não conseguem recordar o próprio nome ou quando não
conseguem reconhecer o seu cônjuge, filhos ou amigos próximos.

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As identidades na forma de possessão da perturbação dissociativa da identidade
manifestam-se tipicamente como comportamentos em que um “espírito”, um ser
sobrenatural ou uma pessoa externa parece ter tomado o controlo, de tal forma que o
indivíduo começa a falar e a agir de forma distintamente diferente. Por exemplo, um
comportamento do individuo pode dar a aparência de que a sua identidade foi substituída
por um “fantasma” de um rapariga que cometeu suicídio na mesma comunidade anos
antes, falando e agindo como se ela estivesse viva. Ou um indivíduo pode ter sido
“possuído” por um demónio ou divindade, resultando num profundo comprometimento
exigindo que o indivíduo ou familiar seja punido por um acto passado, seguindo-se
períodos de alteração de identidade mais subtis.

No entanto, a maioria dos estados de possessão no mundo são normais,


habitualmente fazendo parte de práticas espirituais, não cumprindo critérios para
perturbação dissociativa da identidade. As identidades que surgem na forma de possessão
da perturbação dissociativa da identidade apresentam-se recorrentemente, são involuntária
e não desejadas, causam mal-estar e incapacidade clinicamente significativos (Critério C) e
não são parte normal de uma prática cultural ou religiosa largamente aceite (Critério D).

2.1.3. Características Associadas Que Suportam o Diagnóstico

Segundo o DSM-5 (2014), os indivíduos com perturbação dissociativa da


identidade apresentam tipicamente depressão comórbida, ansiedade, abuso de substâncias,
automutilações, convulsões não epiléticas ou outros sintomas comuns, flashbacks
dissociativos, comportamentos suicidas e muitas das vezes escondem ou não têm noção de
disrupções na consciência, amnésia ou outros sintomas dissociativos. Alguns indivíduos
experienciam fenómenos ou episódios psicóticos transitórios. Várias regiões cerebrais têm
sido implicadas na patofisiologia da perturbação dissociativa da identidade, incluindo o
córtex orbitofrontal, o hipocampo, o giro para-hipocampal e amígdala.

2.1.4. Prevalência

A prevalência a doze meses da perturbação dissociativa da identidade, nos adultos,


num pequeno estudo de comunidade nos EUA foi de 1,5%. A prevalência por sexo neste
estudo foi de 1,6% para o sexo masculino e 1,4% para o feminino (DSM-5, 2014).

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2.1.5. Desenvolvimento e Curso

De acordo com o DSM-5 (2014), a perturbação dissociativa da identidade encontra-


se associada a experiências opressivas, eventos traumáticos e/ou abusos ocorridos na
infância.

A perturbação completa pode manifestar-se pela primeira vez em qualquer idade.


Nas crianças a dissociação pode originar problemas na memória, concentração, vinculação
e brincadeiras traumáticas. No entanto, as crianças em regra não apresentam mudanças de
identidade; em vez disso, apresentam-se primariamente com sobreposição e interferência
entre estados mentais (fenómenos do Critério A), com sintomas relacionados com a
descontinuidade da experiência.

Mudanças súbitas na identidade durante a adolescência podem parecer só a


confusão da adolescência ou os estádios precoce de outra perturbação mental. Indivíduos
mais velhos podem apresentar-se no tratamento com quadros que parecem ser perturbações
do humor tardias, perturbação obsessivo-compulsivo, paranoia, perturbações psicóticas do
humor ou mesmo perturbações cognitivas devido a amnésia dissociativa. Nalguns casos,
com o avançar da idade, as memórias e os afectos disruptivos podem intrometer-se cada
vez mais na consciência.

Descompensação psicológica e mudanças claras na identidade podem ser


desencadeadas pela remoção da situação traumática (por exemplo, após mudar de casa), os
filhos chegarem à mesma idade na qual o indivíduo foi originariamente abusado ou
traumatizado, experiências traumáticas tardias, mesmo que pareçam inconsequentes, como
um pequeno acidente rodoviário e a morte ou o início de uma doença fatal no abusador.

2.1.6. Factores de Risco e de Prognóstico

No DSM-5 (2014) são apontados dois factores de risco e de prognóstico:

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Ambientais. O abuso físico e sexual interpessoal encontra-se associado a um risco
aumentado de perturbação dissociativa da identidade. Outras formas de experiências
traumatizantes incluindo procedimentos médicos e cirúrgicos na infância, guerra,
prostituição infantil e terrorismo, formam reportados.

Modificações de curso. Abuso mantido, reexposição ao trauma, comorbilidade


com outras perturbações mentais, doença médica grave e atraso no tratamento apropriado
estão associados com pior prognóstico.

2.1.7. Aspectos de Diagnóstico Relacionados com a Cultura

De acordo com o DSM-5 (2014), muitas características da perturbação dissociativa


da identidade podem ser influenciadas pelo enquadramento cultural do indivíduo.
Indivíduos com esta perturbação podem apresentar-se com sistemas neurológicos
medicamente inexplicáveis como convulsões não epiléticas, paralisia ou perda sensorial,
em contextos culturais em que estes sintomas são comuns. Similarmente, em contextos
onde a possessão normativa é comum (por exemplo, áreas rurais em países em
desenvolvimento, entre certos grupos religiosos nos EUA e Europa), as identidades
fragmentadas podem tomar a forma de espírito, divindade, demónios, animais ou figuras
míticas.

A aculturação ou contacto intercultural prolongado pode moldar as características


das outras identidades (por exemplo, as identidades na Índia podem falar inglês
exclusivamente ou usar vestuário ocidental). A forma de possessão da perturbação
dissociativa da identidade pode ser distinguida de estados de possessão culturalmente
aceites por esta ser involuntária, causar mal-estar, ser incontrolável e frequentemente ser
recorrente ou persistente; envolve conflito entre o indivíduo e o seu ambiente familiar,
social e ocupacional; manifesta-se em locais e tempo que violam as normas da cultura ou
religião.

2.1.8. Risco de Suicídio

O DMS-5 (2014) aponta que mais de 70% dos doentes de ambulatório com
perturbação dissociativa da identidade tentaram o suicídio; múltiplas tentativas são comuns

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e os comportamentos autolesivos, frequentes. A avaliação do risco do suicídio pode ser
complicada quando existe amnésia para comportamentos suicidários passados ou quando a
identidade apresentada não se sente suicida e não tem consciência de que outras
identidades dissociadas o sentem.

2.1.9. Consequências Funcionais da Perturbação Dissociativa da Identidade

De acordo com o DMS-5 (2014), o comprometimento varia largamente, desde


aparentemente mínimo (por exemplo, em profissionais de elevado nível de funcionamento)
a profundo. Independentemente do nível de incapacidade, os indivíduos com perturbação
dissociativa da identidade em regra minimizam o impacto dos seus sintomas dissociativos
e sintomas pós-traumáticos.

Os sintomas em indivíduos de elevado nível de funcionamento podem comprometer


mais as suas funções relacionais, maritais, familiares e parentais do que a sua vida
profissional e ocupacional (embora esta também possa ser afectada). Com tratamento
apropriado, muitos indivíduos incapacitados mostram melhorias marcadas no
funcionamento ocupacional e pessoal. No entanto, alguns mantêm-se muito incapacitados
na maioria das actividades da vida. Estes indivíduos podem apenas responder ao
tratamento muito lentamente, com redução gradual ou tolerância melhorada aos seus
sintomas dissociativos e pós-traumáticos.

Tratamento de suporte de longo prazo pode lentamente melhorar a capacidade


destes indivíduos para lidar com os seus sintomas e diminuir o uso de níveis de cuidados
mais restritivos.

2.1.10. Diagnóstico Diferencial

No DSM-5 (2014) são referenciados vários aspectos que comportam o diagnóstico


diferencial da perturbação dissociativa da identidade ater em conta:

Perturbação dissociativa com outra especificação. O núcleo da perturbação


dissociativa da identidade é a divisão da identidade, com disrupções recorrentes do
funcionamento consciente e do sentido do Eu. Esta característica central é partilhada com
umas das formas de perturbação dissociativa com outra especificação, a qual pode ser

14
distinguida da perturbação dissociativa da identidade pela presença de sintomas
dissociativos crónicos ou recorrentes mistos que não cumprem o Critério A de perturbação
dissociativa da identidade ou que não são acompanhados por amnésia recorrente.

Perturbação depressiva major. Os indivíduos com perturbação dissociativa da


identidade estão muitas vezes deprimidos e os seus sintomas podem parecer cumprir
critérios para episódio depressivo major. A avaliação rigorosa indica que esta depressão
nalguns casos não cumpre os critérios para episódio depressivo major. A perturbação
depressiva com outra especificação em indivíduos com perturbação dissociativa da
identidade com frequência têm outra característica importante: o humor e as cognições
depressivas flutuam porque são experienciadas nalguns estados de identidade e noutros
não.

Perturbações bipolares. Indivíduos com perturbação dissociativa da identidade


são muitas vezes erradamente diagnosticados com perturbação bipolar, sobretudo
perturbação bipolar tipo II. As mudanças relactivamente rápidas do humor nos indivíduos
com esta perturbação - tipicamente em minutos ou horas, contrastando com as mudanças
lentas de humor tipicamente vistas nos indivíduos com perturbações bipolares – são
devidas as mudanças rápidas e subjectivas do humor em regra registadas transversalmente
aos estados dissociativos, acompanhadas por vezes de flutuação nos níveis de activação.
Além disto, na perturbação dissociativa da identidade, o humor deprimido ou elevado pode
ser exibido em conjunto com entidades evidentes, podendo um ou outro humor dominar
por um período relactivamente longo (muitas vezes dias) ou mudar em minutos.

Perturbação de stress pós-traumático. Alguns indivíduos traumatizados


apresentam tanto perturbação de stress pós-traumático (PTSD) como perturbação
dissociativa da identidade. Assim, é crucial distinguir entre indivíduos apenas com PSPTs
e indivíduos que apresentam ambas as perturbações. Este diagnóstico diferencial requer
que o clínico estabeleça a presença ou a ausência de sintomas dissociativos que não são
característicos de perturbação de stress pós-traumático, ou PTSD. Alguns indivíduos com
PTSD manifestam sintomas dissociativos que também ocorrem na perturbação dissociativa
da identidade: 1) amnésia para alguns aspectos do trauma, 2) flashbacks dissociativos (por
exemplo, reviver do trauma, com consciência reduzida da sua orientação actual) e 3)
sintomas de intrusão e evitamento, alterações negativas na cognição e humor e
hiperactivação que se concentram à volta do evento traumático. Por outro lado, indivíduos
com perturbação dissociativa da identidade manifestam sintomas dissociativos que não são

15
uma manifestação de PTSD: 1) amnésia para muitos eventos do dia-a-dia (isto é, não
traumáticos), 2) flashbacks dissociativos que podem ser seguidos de amnésia para o
conteúdo do flashback, 3) intrusões disruptivas (não relacionadas com o material
traumático) por estados de identidade dissociados no sentido do Eu e de agência do
indivíduo, e 4) mudanças abruptas, infrequentes, entre diferentes estados de identidades.

Perturbações psicóticas. A perturbação dissociativa da identidade pode ser


confundida com esquizofrenia ou outras perturbações psicóticas. As vozes interiores
personificadas, internamente comunicativas, da perturbação dissociativa da identidade, em
especial de uma criança (por exemplo, “ouço uma rapariguinha a chorar num armário e um
homem a gritar com ela”), podem ser confundidas com alucinações psicóticas.
Experiências dissociativas de identidade fragmentada ou possuída e de percepção e perda
de controlo sobre os pensamentos, sentimentos, impulsos e actos, podem ser confundidas
com sinais de perturbação formal do pensamento como inserção ou roubo do pensamento.

Os indivíduos com perturbação dissociativa da identidade podem também relatar


alucinações visuais, tácteis, olfativas, gustativas e somáticas, as quais são habitualmente
relacionadas com factores pós-traumáticos e dissociativos como flashbacks parciais.
Indivíduos com perturbação dissociativa da identidade experimentam estes sintomas como
causados por identidades alternadas, não tendo explicações delirantes para estes fenómenos
e, com frequência, descrevem os sintomas de uma forma personificada (por exemplo,
“sinto que alguém quer chorar com os meus olhos”). Vozes internas persecutórias e
derrogatórias na perturbação dissociativa da identidade associada a sintomas depressivos
podem levar ao diagnóstico errado de depressão major com características psicóticas.
Mudanças caótica da identidade e intrusões agudas que rompem os processos do
pensamento podem ser distinguidas da perturbação psicótica breve pela predominância de
sintomas dissociativos e amnésia para o episódio. A avaliação diagnóstica após a cessação
da crise pode ajudar a confirmar o diagnóstico.

Perturbações induzidas por substâncias / medicamentos. OS sintomas


associados aos efeitos fisiológicos de uma substância podem ser distinguidos da
perturbação dissociativa da identidade se a substância em questão é tida como
etiologicamente responsável pela alteração.

Perturbações da personalidade. Indivíduos com perturbação dissociativa da


identidade apresentam muitas vezes identidades que encapsulam uma variedade de
características graves de perturbação da personalidade, sugerindo o diagnóstico diferencial
16
de perturbação da personalidade, em especial o tipo estado-limite. No entanto, e
importante, a variabilidade longitudinal do indivíduo no estilo de personalidade (devido a
inconsciências entre identidades) difere da disfunção persistente e global na gestão de
afectos e relações interpessoais típica daqueles com perturbação da personalidade.

Perturbação conversiva (perturbação de sintomas neurológicos funcionais).


Esta perturbação pode ser distinguida da perturbação dissociativa da identidade pela
ausência de uma disrupção da identidade caracterizada por dois ou mais estados de
personalidade distintos ou uma experiência de possessão. A amnésia dissociativa na
perturbação de conversão é mais limitada e circunscrita (por exemplo, amnésia para
convulsões não epiléticas).

Perturbações convulsivas. Indivíduos com perturbação dissociativa da identidade


podem apresentar sintomas tipo convulsões e comportamentos que se assemelham a crises
parciais complexas com focos no lobo temporal. Estes incluem déjà vu, jamais vu,
despersonalização, desrealização, fenómenos “fora do corpo”, amnésia, disrupções da
consciência, alucinações e outros fenómenos de intrusão de sensações, afectos e
pensamentos. Achados normais eletrencefalográficos, incluindo telemetria, diferenciam as
convulsões não epiléticas de sintomas tipo convulsivos da perturbação dissociativa da
personalidade. Adiccionalmente, indivíduos com perturbação dissociativa da identidade
obtêm resultados muito altos de dissociação, enquanto indivíduos com crises parciais
complexas não.

Perturbação factícia e simulação. Os indivíduos que fingem perturbação


dissociativa da identidade não relatam os sintomas subtis de intrusão característicos da
perturbação; em vez disso, têm tendência a relatar exageradamente os sintomas da
perturbação mais divulgados, como a amnésia dissociativa, relatando menos sintomas
comorbidos pouco divulgados, como a depressão. Os indivíduos que fingem perturbação
dissociativa da identidade tendem a estar relactivamente pouco perturbados ou parecem
mesmo apreciar “ter” a perturbação. Contrastando, os indivíduos com perturbação
dissociativa da identidade genuína tendem a estar envergonhados ou sobrecarregados pelos
seus sintomas, relatando insuficientemente os sintomas ou negando a sua condição. A
observação sequencial, que corrobore a história, e avaliações psicométricas e psicológicas
intensivas podem ser úteis na avaliação.

Os indivíduos que simulam perturbação dissociativa da identidade criam em regra


identidades alternadas limitadas e estereotipadas, com amnésia fingida, relacionadas com
17
eventos nos quais são procurados ganhos. Por exemplo, podem apresentar uma identidade
“totalmente boa” e uma “totalmente má” na esperança de ganhar desculpa por um crime.

2.1.11. Comorbidades

Muitos indivíduos com perturbação dissociativa da identidade apresentam-se com


uma perturbação comórbida. Se não forem avaliados e tratados especificamente para a
perturbação dissociativa, estes indivíduos muitas vezes apenas recebem tratamento
prolongado para o diagnóstico comórbido, com resposta ao tratamento em geral limitada,
resultando em desmoralização e incapacidade (DSM-5, 2014).

Segundo o DSM-5 (2014), os indivíduos com perturbação dissociativa de


identidade em regra exibem um largo número de perturbações comórbidas. Em particular,
a maioria desenvolve PTSD. Outras perturbações que são altamente comórbidas com a
perturbação dissociada da identidade incluem as perturbações depressivas, perturbações
relacionadas com trauma e factores de stress, perturbações da personalidade
(especialmente perturbações da personalidade evitante e estado-limite), perturbação
conversiva (perturbação de sintomas de sintomas neurológicos funcionais), perturbação de
sintoma somático, perturbações do comportamento alimentar, perturbações relacionadas
com o uso de substâncias, perturbação obsessivo-compulsivo e perturbações do sono. As
alterações dissociativas na identidade, memória e consciência podem afectar a
apresentação de sintomas das perturbações comórbidas.

2.2. Perturbação de Despersonalização/Desrealização

A designação de despersonalização engloba várias perturbações da vivência do Eu.


A manifestação mais frequente de despersonalização é o sentimento de afastamento de si
próprio, de surgir perante si próprio como estranho, não familiar, como uma sombra, sem
vida, irreal. Um «eu observador» assiste vivenciando a transformação, quase sempre sem
se perguntar como ela ocorreu. A estranheza do Eu (despersonalização) corresponde uma
estranheza para com as pessoas e o ambiente (desrealização), independentemente de ser um
(o pessoal), ou o outro (o do meio que o rodeia), o tipo de distanciamento que o indivíduo
experimenta. A apresentação em conjunto é consequência da unidade do Eu com o seu
mundo. No DSM-5 (2014) crê-se não existir uma forte divergência entre o quadro

18
sintomático de um doente com Despersonalização ou Desrealização. À medida que a
capacidade de se compreender a si próprio diminui, aumenta o sentimento de estranheza e
a falta de confiança para com o meio ambiente.

A despersonalização deve ser categorizada como uma Perturbação Dissociativa de


Despersonalização/Desrealização aquando os sintomas de Despersonalização e/ou
Desrealização são persistentes, dolorosos e causadores de sofrimento social e ocupacional
na vida do doente. Estes não devem ser atribuíveis ao efeito de substâncias, a outra
patologia médica como epilepsia ou enxaquecas (Kenna e Sedman, 1965; Simeon et al.,
1997; Phillips et al., 2001; Lambert et al., 2002) e nunca melhor explicados por outra
patologia mental. Dissociação é a quebra na conexão dos vários componentes da
Consciência: a memória, a identidade e a percepção, daí a Despersonalização ser uma
roptura ou fragmentação do Eu (DSM-5, 2014).

Esta é um dos três mais prevalentes sintomas psiquiátricos vivenciados ao longo da


vida de um indivíduo - 80-90% vive pelo menos um episódio - (Gershuny e Thayer, 1999),
em conjunto com a ansiedade e o humor depressivo (Simeon et al., 1997). Inicia-se
usualmente insidiosa ou abruptamente pela adolescência, em média aos 16 anos, num ratio
de género de 1:1 (Simeon, 2004). Manifesta-se como uma resposta fisiológica adaptativa
reaccional em adultos face a stress agudo e ansiedade, o estado emocional mais geralmente
associado a despersonalização (Simeon, 2003). Todos os eventos durante o curso da vida
de um indivíduo que englobem uma forte carga emocional ou trauma tem a capacidade de
originar experiências dissociativas. (Terr, 1991; Cardeña e Spiegel, 1993).

Infância perturbada por abuso emocional e eventos traumáticos pode ser um factor
predisponente e relevante no mecanismo patogénico da despersonalização. O seu trajecto
normalmente inicia-se por episódios esporádicos que evoluem em persistência e severidade
até cumprirem os requisitos da perturbação de despersonalização/ desrealização. O seu
diagnóstico é difícil, demorado e usualmente oficializado com recurso a Escalas de Auto-
avaliação, como a CDS (Cambridge Depersonalization Scale). Esta normalmente associa-
se a Perturbações da Ansiedade, Esquizofrenia, Depressão, Perturbações da Personalidade
e abuso de substâncias psicotrópicas. A co-existência destas entidades não se
correlacionam diretamente com a severidade do quadro clínico.

O quadro sintomático da despersonalização é descrito em variáveis situações,


segundo diversas características e intensidades, inclui um conjunto de características
típicas: o embotamento emocional que o doente tem perante as suas vivências e
19
relembrança de memórias; o disembodiment – nada mais do que a sensação de estar
afastado do corpo, de não ser o verdadeiro autor dos seus actos e pensamentos, à
semelhança de um robot. É portanto uma sensação transformadora de suposta perda da
integridade ou unidade do Eu, daí o doente sentir que não se conhece, não se sente o
mesmo. Além disso, a situação complica-se com a sensação de um mundo exterior
diferente, estranho, artificial e pouco familiar.

Os episódios de despersonalização podem ocorrer por associação a um grande


período de stress e ansiedade, por abuso de substâncias psicotrópicas (cannabis, ecstasy,
quetamina), por co-morbilidade com Depressão, Perturbação do Pânico ou Perturbação da
Ansiedade Social. Em outros casos pode manifestar-se sem aparente causa. Um episódio
pode durar de minutos, horas a dias. Usualmente, o curso da despersonalização começa
com episódios curtos que vão agravando e aumentando em duração por anos, até culminar
num ponto da vida do doente em que esta passa a ser contínua e incapacitante. O curso
desta depende muito se a despersonalização é primária ou não, se existem co-morbilidades
presentes, como é a situação de vida do indivíduo ao longo deste tempo. É bastante comum
os indivíduos mencionarem os seus episódios de despersonalização com o uso de
metáforas “como se houvesse um véu, um nevoeiro entre mim e o mundo”, “como se fosse
um sonho”, “como se eu fosse um robot”, “como se parte do meu cérebro estivesse morto”.
Peculiar também a constante utilização da expressão “como se” para descrever o evento,
que distancia a alteração psicopatológica das psicoses. (Mayer-Gross, 1935; Shorvon,
1946; Socco, 2010; Nestler et al., 2015).

É uma área ainda pouco explorada, com muito ainda por se entender,
nomeadamente os mecanismos neurobiológicos e a sua relação ou comorbilidade com
Perturbações da Ansiedade (Seguí et al., 2000), Esquizofrenia (Maggini et al., 2002; Sierra,
Gomez, et al., 2006; Bergé, 2009), Depressão (Sedman, 1966; Baker et al., 2003; Simeon,
Knutelska, et al., 2003) e abuso de substâncias como ecstasy (Mcguire et al., 1994).
(Trueman, 1984; Spiegel et al., 2011; Nestler et al., 2015).
Sentir-se estranho, afastado ou desconectado de si mesmo. Sentir-se como se
estivesse dentro de um filme, ou como se você e tudo ao redor não fossem reais. Ver-se
fora do próprio corpo ou ver-se a si mesmo duplicado (fenómenos autoscópicos). Sentir-se
como um autômato, acompanhando o fluxo dos acontecimentos, mas sem ser capaz de
perceber plenamente sob o controlo de seu corpo ou pensamentos. Olhar sua imagem num
espelho e não se reconhecer, ou ver sua imagem esquisitamente distorcida ou diferenciada.

20
Sentir-se emocionalmente “sedado”, “anestesiado”, como se as coisas e as pessoas
tivessem perdido o sentido ou se tornado mecânicas. Sentir que as pessoas e os objectos à
sua volta já não soam familiares, parecendo mudados ou estranhos.

Pode-se dizer assim, em resumo, que as experiências de despersonalização /


desrealização envolvem duas características básicas: 1) uma impressão subjectiva de
ausência ou restrição das emoções e 2) uma impressão subjectiva de ausência de realidade
ou de familiaridade consigo e com o mundo. Outros exemplos de experiências deste tipo
são alterações na noção do tempo, como a impressão de que os acontecimentos parecem
estar a ocorrer muito lentamente ou muito rapidamente em relação ao fluxo habitual dos
eventos (Simeon, 2009).

2.2.1. Critérios de Diagnóstico

O DSM-5 (2014) define a perturbação de despersonalização / desrealização de


acordo com os seguintes critérios de diagnóstico (p.362-363):

A. Presença de experiências persistentes ou recorrentes de despersonalização,


desrealização ou ambas:

1. Despersonalização: Experiências de irrealidade, distanciamento ou sentir-


se um observador externo em relação aos seus pensamentos, sentimentos, sensações,
corpo ou acções (por exemplo, alterações da percepção, sensação de tempo distorcida,
sentido do Eu ausente ou irreal, embotamento emocional e/ou físico).

2. Desrealização: Experiências de irrealidade ou distanciamento em relação


ao ambiente envolvente (por exemplo, os indivíduos ou objectos são experienciados
como irreais, como num sonho, nebulosos, sem vida ou visualmente distorcidos).

B. Durante as experiências de despersonalização ou desrealização, o teste da


realidade mantém-se intacto.

C. Os sintomas causam mal-estar clinicamente significativo ou défice no


funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas importantes do funcionamento.

D. A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância


(por exemplo, uma droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica (por
exemplo, convulsões).

21
E. A perturbação não é mais bem explicada por outra perturbação mental como
esquizofrenia, perturbação de pânico, perturbação depressiva major, perturbação aguda
de stress, perturbação de stress pós-traumático ou outra perturbação dissociativa.

2.2.2. Características de Diagnóstico

As características essenciais da perturbação de despersonalização/desrealização são


episódios persistentes ou recorrentes de despersonalização, desrealização ou ambos. Os
episódios de despersonalização são caracterizados por um sentimento de irrealidade,
distanciamento de, ou não familiaridade com partes ou todo o sentido do Eu (Critério A1).
O indivíduo pode sentir-se inteiramente desligado do seu ser (por exemplo, “não sou
ninguém”, “não tenho identidade/Eu”). Pode também sentir-se subjectivamente distanciado
de aspectos do seu Eu, (por exemplo, hipoemocionalidade: “Eu sei que tenho sentimentos
mas não os sinto”), pensamentos (por exemplo, “os meus pensamentos não parecem
meus”, “tenho a cabeça cheia de algodão”), todo o corpo ou partes do corpo ou sensações
(por exemplo, tacto, propriocepção, fome, sede, libido). Pode também haver diminuição do
sentido de agência (por exemplo, sentir-se robotizado, com um autómato; falta de controlo
do seu discurso ou movimentos) (DSM-5, 2014).

A experiência de despersonalização pode algumas vezes ser um Eu dividido, com


uma parte observando e outra participando, conhecido na sua forma mais extrema como
“experiência fora do corpo”. O sintoma unitário de “despersonalização” consiste em vários
factores sintomáticos: experiências corporais anómalas (isto é, irrealidade do Eu e
alterações perceptuais); embotamento emocional ou físico; distorções temporais com
recordação subjectiva anómala (DSM-5, 2014).

Episódios de desrealização são caracterizados por um sentimento de irrealidade ou


distanciamento de, ou falta de familiaridade com, o mundo, seja relactivamente a
indivíduos, objectos inanimados ou todos os ambientes envolventes (Critério A2). Os
indivíduos podem sentir-se como se estivessem numa névoa, sonho, bolha ou como se
houvesse um véu ou vidro entre o indivíduo e o mundo à volta. Os ambientes envolventes
podem se experienciados como artificiais, sem cor ou sem vida (DSM-5, 2014).

22
A desrealização é em regra acompanhada por distorções visuais subjectivas como
manchas, acuidade aumentada, alargamento ou estreitamento dos campos visuais, visão
bidimensional ou aplanada, tridimensionalidade exagerada, distância ou tamanho dos
objectos (por exemplo, macropsia ou micropsia). As distorções auditivas podem também
ocorrer, as vozes e sons apresentam um volume diminuído dou aumentado.
Adicionalmente, o Critério C requer a presença mal-estar clinicamente significativo ou
incapacidade no funcionamento social, ocupacional ou noutras áreas do funcionamento e
os Critérios D e E descrevem diagnósticos de exclusão (DSM-5, 2014).

2.2.3. Características Associadas Que Suportam o Diagnóstico

De acordo o DSM-5 (2014), indivíduos com perturbação de despersonalização /


desrealização podem ter dificuldade em descrever os seus sintomas e pensar que estão
“loucos” ou “a enlouquecer”. Outra experiência comum é o medo de danos cerebrais
irreversível. Um sintoma usualmente associado é o sentido de tempo alterado (por
exemplo, demasiado rápido ou lento), bem como uma dificuldade subjectiva em recordar
vividamente memórias passadas ou em possuí-las como pessoais ou emocionais.

Sintomas somáticos vagos, como sensação de “cabeça cheia”, formigueiros ou


sensação de “cabeça leve” não são incomuns. Os indivíduos podem sofrer de obsessivas ou
ruminação extrema (por exemplo, obsessão constante sobre se realmente existem ou
verificação das suas percepções para determinar se parecem reais). Graus variáveis de
ansiedade ou depressão são também características associadas comuns. Foi descoberto que
os indivíduos com esta perturbação têm hiporreactividade aos estímulos emocionais.
Substractos neuronais de interesse incluem o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, lóbulo
parietal inferior e circuitos corticolímbicos pré-frontais (DSM-5, 2014).

2.2.4. Prevalência

Sintomas transitórios de despersonalização/desrealização, durando horas a dias, são


comuns na população geral. Pensa-se que a prevalência a 12 meses da perturbação de
despersonalização/desrealização seja marcadamente menor que a dos sintomas transitórios,
embora estimativas precisas para a perturbação não estejam disponíveis. Em geral,
aproximadamente metade de todos os adultos experienciou durante a vida um episódio de
despersonalização/desrealização. No entretanto, a sintomatologia que cumpra

23
completamente os critérios para perturbação despersonalização/desrealização é muito
menos comum que os sintomas transitórios. A prevalência ao longo da vida nos EUA e
países que não os EUA é de cerca de 2% (variando dos 0,8% aos 2,8%). O rácio por sexo
da perturbação é de 1:1. (DSM-5, 2014).

2.2.5. Desenvolvimento e Curso

Segundo o DSM-5 (2014), a idade média de início da perturbação de


despersonalização/desrealização é aos 16 anos, embora a perturbação possa começar na
primeira ou segunda infâncias; uma minoria não consegue recordar nunca de ter tido os
sintomas. Menos de 20% dos indivíduos experiencia o início depois dos 20 anos e 5%
depois dos 25 anos. É altamente incomum o início após a quarta década de vida. O início
pode variar desde extremamente súbito a gradual.

A duração dos episódios da perturbação de despersonalização/desrealização varia


grandemente, desde breves (horas ou dias) a prolongados (semanas, meses ou anos). Dada
a raridade do início da doença após os 40 anos de idade, nestes casos o indivíduo deve ser
examinado mais cuidadamente para condições médicas subjacentes (por exemplo, lesões
cerebrais, perturbações convulsivas, apneia dos sono). O curso da perturbação é muitas
vezes persistentes. Cerca de um terço dos casos envolvem episódios discretos; outro terço,
sintomas contínuos desde o início; e ainda outro terço, um curso inicial episódico que
eventualmente se torna contínuo (DSM-5, 2014).

Enquanto nalguns indivíduos a intensidade dos sintomas pode aumentar e diminuir


recorrentemente, outros relatam um nível constante de intensidade que em casos extremos
pode estar constantemente presente durante anos ou décadas. Os factores internos e
externos que afectam a intensidade dos sintomas variam entre os indivíduos; ainda assim,
são relatados alguns padrões típicos. As exacerbações podem ser desencadeadas pelo
stress, agravamento dos sintomas do humor ou ansiedade, contextos novos ou com
estimulação excessiva e factores físicos como iluminação ou falta de sono (DSM-5, 2014).

2.2.6. Factores de Risco e de Prognóstico

24
Com base no DSM-5 (2014), os factores de risco e prognóstico são:

Temperamentais. Os indivíduos com perturbação de despersonalização /


desrealização são caracterizados por temperamento de evitamento de riscos, defesas
imaturas e tanto esquemas de desconexão como de sobreconexão. Defesas imaturas como
idealização/desvalorização, projecção e acting out resultam em negação da realidade e
fraca adaptação. Os esquemas de desconexão cognitiva envolve imperfeição e inibição
emocional, subordinando temas de abuso, negligência e privação. Os esquemas de
sobreconexão envolvem uma autonomia comprometida nos temas de dependência,
vulnerabilidade e incompetência.

Ambientais. Existe uma associação clara entre a perturbação e traumas


interpessoais na infância numa parcela substancial de indivíduos, embora esta associação
não seja tão prevalente ou tão extrema na sua natureza como nos traumas de outras
perturbações dissociativas, como a perturbação dissociativa da identidade. Os abusos
emocionais e a negligência emocional têm sido associados com a perturbação de forma
mais forte e consistente. Outros factores de stress incluem abuso físico; testemunho de
violência doméstica; crescer com um dos pais seriamente incapacitado ou com doença
mental; ou morte ou suicídio não esperados de um membro da família ou amigo próximo.
O abuso sexual é um antecedente muito menos comum, mas pode ser encontrado. Os
precipitantes mais comuns da perturbação são o stress grave (interpessoal, financeiro,
profissional), depressão, ansiedade (particularmente ataques de pânico) e uso de drogas
ilícitas. Os sintomas podem ser especificamente induzidos por substâncias como o tetra-
hidrocanabinol, alucinogénios, quetamina, MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina,
ecstasy) e sálvia. O uso de marijuana pode precipitar o reinício de ataques de pânico e
sintomas de despersonalização/desrealização simultaneamente.

2.2.7. Aspectos de Diagnóstico Relacionados com a Cultura

Experiências de despersonalização/desrealização induzidas de forma voluntária


podem fazer parte de práticas de meditação que são prevalentes em muitas religiões e
culturas, não devendo ser diagnostica como uma perturbação. No entretanto, existem
indivíduos que de início induzem estes estados intencionalmente mas, com o tempo,
perdem o seu controlo e podem desenvolver medo e aversão a práticas relacionadas (DSM-
5, 2014).

25
2.2.8. Consequências Funcionais da Perturbação de Despersonalização /
Desrealização

Sintomas da perturbação de despersonalização/desrealização são altamente


stressantes e estão associados a morbidade grave. O comportamento afectivo aplanado e
robótico que estes indivíduos muitas vezes demonstram pode parecer incongruente com a
extrema dor emocional relatada. O défice é muitas vezes experienciado tanto na esfera
interpessoal como na ocupacional, sendo largamente devido à hipoemocionalidade com os
outros, às dificuldades subjectivas em focar e reter informação e a um sentimento geral de
desconexão da vida (DSM-5, 2014).

2.2.9. Diagnóstico Diferencial

De acordo com o DSM-5 (2014), o diferencial pauta-se pelo despiste das seguintes
perturbações:

Perturbação de ansiedade de doença. Embora indivíduos com perturbação de


despersonalização/desrealização possam apresentar queixas somáticas vagas, bem como
medo de dano cerebral permanente, o diagnóstico de perturbação de
despersonalização/desrealização é caracterizado pela presença de uma constelação de
sintomas típicos de despersonalização/desrealização e pela ausência de outras
manifestações de perturbação de ansiedade de doença.

Perturbação depressiva major. Sentimentos de embotamento, entorpecimento,


apatia e de estar num sonho não são incomuns em episódios depressivos major. No
entanto, na perturbação de despersonalização/desrealização, tais sintomas estão associados
a sintomas adicionais da perturbação. Se a despersonalização/desrealização preceder
claramente o início de um episódio depressivo major ou claramente continua após a sua
resolução, aplica-se o diagnóstico de perturbação de despersonalização/desrealização.

Perturbação obsessivo-compulsiva. Alguns indivíduos com perturbação de


despersonalização/desrealização podem ficar obsessivamente preocupados com as suas
experiências subjectiva ou desenvolver rituais de verificação acerca do estado dos seus
sintomas. No entretanto, outros sintomas de perturbação obsessivo-compulsiva não
relacionados com a despersonalização/desrealização não estão presentes.

26
Outras perturbações dissociativas. De forma a diagnosticar perturbação de
despersonalização/desrealização, os sintomas não podem ocorrer no contexto de outra
perturbação dissociativa, como perturbação dissociativa da identidade. A diferenciação de
amnésia dissociativa e de perturbação conversiva (perturbação de sintomas neurológicos
funcionais) é mais simples, já que os sintomas destas perturbações não se sobrepõem aos
de perturbação de despersonalização/desrealização.

Perturbações de ansiedade. A despersonalização/desrealização é um dos sintomas


de ataques de pânico, cada vez mais comuns à medida que a gravidade dos ataques de
pânico aumenta. Desta forma, a perturbação de despersonalização/desrealização não deve
ser diagnosticada quando os sintomas ocorrem apenas durante os ataques de pânico que
fazem parte da perturbação de pânico, perturbação de ansiedade social fobia específica.

Adiccionalmente, não é incomum que sintomas de despersonalização /


desrealização primeiro comecem no contexto do início de novo de ataques de pânico ou à
medida que a perturbação de pânico progride e se agrava. Em tais apresentações, o
diagnóstico de perturbação de despersonalização/desrealização pode ser feito se 1) a
componente de despersonalização/desrealização da apresentação é muito proeminente
desde o início, claramente excedendo em duração e intensidade a ocorrência de ataques de
pânico efectivos; 2) a despersonalização/desrealização continua após a perturbação de
pânico ter remitido ou ter sido tratada com êxito.

Perturbações psicóticas. A presença de teste de realidade intacto, especificamente


em relação com os sintomas de despersonalização/desrealização, é essencial para
diferenciar a perturbação de despersonalização/desrealização das perturbações psicóticas.
Raramente, os sintomas positivos de esquizofrenia podem constituir um desafio
diagnóstico quando estão presentes delírios niilistas. Por exemplo, um indivíduo pode
queixar-se de que está morto ou que o mundo não é real; isto pode ser tanto uma
experiência subjectiva que o indivíduo sabe que não é verdadeira quanto uma convicção
delirante.

Perturbações relacionadas com o uso de substância/medicamento.


Despersonalização/desrealização associada aos efeitos fisiológicos de substâncias durante
intoxicações agudas ou abstinência não é diagnosticada como perturbação de
despersonalização/desrealização. As substâncias precipitantes mais comuns são as drogas
ilícitas marijuana, alucinogénios, quetamina, ecstasy e sálvia,

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Em cerca de 15% de todos os casos de perturbação de
despersonalização/desrealização, os sintomas são precipitados pela ingestão de tais
substâncias. Se os sintomas persistirem por algum tempo na ausência de uso adiccional de
substâncias ou medicamentos, o diagnóstico de perturbação de
despersonalização/desrealização aplica-se. Este diagnóstico é em regra fácil de estabelecer,
já que a vasta maioria dos indivíduos com esta apresentação se torna altamente fóbica e
aversiva à substância desencadeante e não a volta a usar.

Perturbações mentais devidas a outra condição médica. Características como o


início depois dos 40 anos de idade ou a presença de sintomas e curso atípicos sugerem em
qualquer indivíduo a possibilidade de uma condição médica subjacente. Em tais casos, é
essencial conduzir uma avaliação médica e neurológica completa, que pode incluir exames
laboratoriais de rotina, testes virais, um eletrencefalograma, testes vestibulares, testes
visuais, estudos do sono e/ou imagiologia cerebral. Quando a suspeição de uma
perturbação convulsiva subjacente se torna difícil de confirmar, pode estar indicado um
eletrencefalograma ambulatório; embora a epilepsia do lobo temporal seja implicada mais
usualmente, podem também estar associadas epilepsias do lobo parietal e temporal.

2.2.10. Comorbidades

Numa amostra de conveniência de adultos recrutados para um número de estudos


de despersonalização, as comorbilidades ao longo da vida foram altas para depressão
unipolar e para qualquer perturbação de ansiedade, com uma proporção significativa da
amostra a ter ambas as perturbações. A comorbilidade com perturbação de stress pós-
traumático foi baixa. As três perturbações da personalidade que mais ocorreram de forma
comuns foram evitante, estado-limite e obsessivo-compulsiva (DSM-5, 2014).

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para um entendimento consistente das Perturbações Dissociativas, em particular das


Perturbação Dissociativa da Identidade e Perturbação de Despersonalização /
Desrealização é importante levar em consideração uma série complexa de factores que
podem estar na origem destas perturbações, como eventos traumáticos na infância ou
adolescência, abusos na infância, negligência nos cuidados por parte dos cuidadores,
situações de stress agudo e/ou de grande ansiedade, muito como um mecanismo de defesa
face ao evento traumático.

A perturbação dissociativa da identidade é caracterizada principalmente pela


presença de dois ou mais estados de personalidade distintos ou uma experiência de
possessão que geralmente causam no indivíduo sofrimento, sentimentos de vergonha e
medo de estar com algum dano cerebral, evidenciando-se amnésias, fuga dissociativa,
fortes dores de cabeça. As alterações destes estados são normalmente intrusivas,
espontâneas que se não tratadas tendem a ser cada vez mais persistentes ou recorrentes. Em
alguns contextos culturais elas podem ser confundidas com possessões espirituais ou como
presenças de entidades espirituais que podem ser demoníacas ou ancestrais. Esta
perturbação é de difícil diagnóstico porque os seus sintomas podem muito facilmente
serem associados aos de outras perturbações como por exemplo, a perturbação depressiva
major, perturbações bipolares, perturbação do stress pós-traumático, perturbações
psicóticas, etc..

A perturbação de despersonalização/desrealização é um tipo de perturbação que


consiste em sentimentos recorrentes ou persistentes de distanciamento do próprio corpo ou
processos mentais, geralmente com uma sensação de ser um observador externo da própria
vida (despersonalização) ou de estar desconectado de um ambiente (desrealização). Esta
perturbação é quase sempre desencadeado por stress grave, mudanças repentinas no

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contexto pessoal, laboral ou social, entre outros factores, e encontra-se intimamente
relacionada com a ansiedade. O diagnóstico se baseia nos sintomas depois que outras
causas possíveis forem descartadas, porque, o mesmo pode ser um sintoma de outras
desordens como perturbação bipolar, perturbação de personalidade borderline, depressão,
esquizofrenia, stress pós-traumático e ataques de pânico. A despersonalização pode ainda
surgir com o consumo de drogas.

Conclui-se que cada uma destas perturbações é de difícil diagnóstico por estes
fazerem parte de outras perturbações mentais que possuem os mesmos sintomas. Vários
factores desencadeantes que ocorrem na infância podem estar na base do seu surgimento,
este por sua vez, ocorre geralmente na adolescência. Tendo em referência as nossas
pesquisas, as perturbações dissociativas, apesar de difícil diagnóstico, parecem ser muito
mais frequente e comuns do que imagina.

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4. EXPERIÊNCIAS PESSOAIS

Com unanimidade, consideramos que o presente trabalho foi bastante desafiante, pela
falta de bibliografia actualizada e diversificada que abordassem o tema das perturbações
dissociativas e, também, por ter sido para nós um tema sensivelmente novo, aspecto este
que dificultou-nos literalmente quanto à elaboração do trabalho, bem como, na questão do
discernimento de que precisávamos para a selecção da informação, atendendo ao facto de
que a mesma deve ser a mais pertinente possível, a fim de garantir um trabalho com
relactiva qualidade teórica e de fácil compreensão.

Por outro lado, pelo facto de ter sido um trabalho desafiante, promoveu maior
engajamento e aproximação entre os membros do grupo e, de igual modo maior
comunicação e dinâmica de grupo, afecto e parceria nos momentos mais frustrantes e
desoladores, o que de certa forma contribuiu para o fortalecimento dos membros enquanto
grupo e individualmente.

A elaboração do presente trabalho possibilitou-nos compreender as perturbações


abordadas, seus critérios de diagnóstico, factores desencadeantes e outros aspectos
inerentes ao seu diagnóstico.

Contudo, esta experiência provocou-nos um grande interesse no sentido de


querermos conhecer ainda mais acerca das perturbações dissociativas, do mesmo modo
que, suscitou-nos o reconhecimento da sua importância na prática clínica.

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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

American Psychiatric Association. (2014). Manual de Diagnóstico e Estatística das


Perturbações Mentais. (5ª ed.). Lisboa: Climepsi Editores.

Collin, C., Benson, N., Ginsburg, J.,et al. (2014).O Livro da Psicologia. Lisboa: Marcador.

Scharfetter. C. (2005). Introdução à Psicopatologia Geral. (3ª ed.). Lisboa: Climepsi


Editores.

Feldman, R., S. (2007). Introdução à Psicologia. (6ª ed.). São Paulo: McGraw-Hill.

Maraldi, E., O. (2014). Dissociação, Crença e Identidade: Uma Perspectiva Psicossocial.


São Paulo: Universidade de São Paulo.

Endereços da Internet

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http://www.medicinanet.com.br/conteudos/revisoes/2325/histeria_somatizacao_conversao_
e_dissociacao.htm.

Artigo retirado no dia 25 de Abril, 10h21, do site:


http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbtcc/v16n1/v16n1a07.pdf.

Artigo retirado no dia 25 de Abril, 10h29, do site:


https://melkberg.com/2018/05/07/conheca-as-tres-faces-de-eva-transtorno-dissociativo-de-
identidade/.

Artigo retirado no dia 25 de Abril, 10h31, do site:


https://tosoopinandosite.wordpress.com/2016/07/09/as-tres-faces-de-eva/.

Artigo retirado no dia 25 de Abril, 10h36, do site:


http://apicedapsicologia.blogspot.com/2016/05/as-tres-faces-de-eva-esse-filme-trata.html.

Artigo retirado no dia 02 de Maio, 14h28, do site:


http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/8068/1/ulfpie043083_tm.pdf.

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Artigo retirado no dia 02 de Maio, 14h30, do site:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-
55452014000100007.

Artigo retirado no dia 02 de Maio, 14h36, do site:


https://www.researchgate.net/profile/Mario_Louza/publication/262555589_Dis
sociation_and_dissociative_disorders_theoretical_models/links/551020110cf27
52610a1f254/Dissociation-and-dissociative-disorders-theoretical-models.pdf.

Artigo retirado no dia 02 de Maio, 14h38, do site:


https://pt.scribd.com/document/315822158/Dissociacao-e-Transtornos-
Dissociativos.

Artigo retirado no dia 02 de Maio, 14h41, do site:


https://docplayer.com.br/17723636-Transtorno-dissociativo-de-identidade-
multiplas-personalidades-relato-e-estudo-de-caso.html.

Artigo retirado no dia 02 de Maio, 14h53, do site:


http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31195/1/DanielaRPMorgado.pdf.

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