Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UM REPUBLICANO EM PLENA
MONARQUIA.
A CONSTRUÇÃO DAS MEMÓRIAS
DE RAMIZ GALVÃO NO IHGB
Rio de Janeiro
jul./set. 2016
165
Resumo: Abstract:
Esse artigo insere-se em uma pesquisa maior, This article is part of a larger research focused
centrada no estudo de um dos membros mais on the study of one of the most influential mem-
influentes do Instituto Histórico e Geográfico bers of the Brazilian historical and Geographi-
Brasileiro na passagem do Império para a Repú- cal Institute in the transition period from empire
blica: Benjamin Franklin Ramiz Galvão. Aceito to republic, namely Benjamin Franklin Ramiz
como membro do IHGB em 1872, Galvão per- Galvão. Accepted as a member of the IHGB in
maneceu 66 anos dentro do Instituto, mantendo- 1872, Galvão served actively at the Institute for
-se bastante atuante em boa parte desse período. 66 years. Together with Count of Afonso Celso
Compôs, junto com o Conde de Afonso Celso e and Max Fleiüss, he participated in the so-
Max Fleiüss, a chamada “trindade do Silogeu”, called “Trinity of the Silogeu”, a sort of funda-
uma espécie de núcleo fundamental, responsá- mental nucleus responsible for conducting the
vel pela condução dos trabalhos dentro da insti- work within the institution He also held posi-
tuição, além de ter ocupado cargos em diversas tions in various commissions, directed the IHGB
comissões, dirigido a Revista do IHGB e assu- Magazine and assumed the role of perpetual
mido o papel de orador perpétuo da agremiação. speaker of the association. He was, therefore,
Era, portanto, um especialista em memória: a specialist in memory, not only because of his
não só porque se dedicava, como acadêmico, à devotion as an academic to the construction of
construção da memória nacional, como também the national memory, but also because of his
pelo empenho na elaboração da sua memória e commitment to piecing together his memory
de seus pares. O tema da memória e, de maneira and that of his peers. Memory and, more specifi-
mais específica, o trabalho de construção me- cally, the memory construction work he carried
morialística de Ramiz Galvão dentro do IHGB out within the IHGB is the main object of study
é justamente o nosso objeto de estudo neste arti- in this article. We will try to analyze the process
go. Buscaremos analisar o processo de “enqua- of “framing” Ramiz Galvão´s memory within
dramento” da memória de Ramiz Galvão dentro the Institute, highlighting the creation of his im-
do Instituto, evidenciando a constituição da sua age as a legitimate republican intellectual. For
imagem como um legítimo intelectual republi- this, we will focus chiefly on some of the main
cano. Para isso, selecionamos, prioritariamente, homages bestowed on him by the IHGB between
algumas das principais homenagens feitas pelo 1918 and 1946
IHGB ao acadêmico entre 1918 e 1946.
Palavras-chave: Ramiz Galvão; Instituto His- Keywords: Ramiz Galvão; Brazilian Historical
tórico e Geográfico Brasileiro; Memória; Bi- and Geographical Institute; memory; National
blioteca Nacional. Library.
30 – Ibidem. p. 560.
31 – GONTIJO, Rebeca. O “cruzado da inteligência”: Capistrano de Abreu, memória e
biografia. Anos 90, Porto Alegre, v. 14, n. 26, pp. 41-76, dez. 2007.
de o governo ter receado que “vindo nos faltar Ramiz Galvão, ninguém
mais soubesse e pudesse ensinar [essa língua] no Brasil”.34
34 – Ibidem. p. 569.
35 – Ibidem. p. 573. Os grifos constam no original.
Mas, o que teria Ramiz a dizer sobre si mesmo em 1918? Que ele-
mentos de sua trajetória ressaltaria naquela época? Após Basílio de Ma-
galhães, foi a vez do próprio Ramiz Galvão subir à tribuna. Seu discurso é
extremamente “pedagógico”, pois ali expôs publicamente a sua trajetória.
Para ele, sua vida poderia ser dividida em três fases. A primeira com-
preenderia o período em que ministrava aulas e dirigia a BN, ao momento
inicial de sua carreira, quando emergiu como o jovem e promissor diretor
da Biblioteca Nacional. A segunda fase corresponderia à época em que
cuidou da educação dos príncipes, de 1882 a 1889. E, por fim, a terceira
estaria ligada à sua volta ao ensino, dessa vez no cargo de diretor da Ins-
trução Pública. Vale observar como, na própria compreensão que Ramiz
tinha de sua trajetória, a passagem pela BN ocupava um papel de divisor
de águas em sua biografia. O outro grande evento era o exercício do ma-
gistério. Embora ele perpassasse os três períodos traçados, tornando-se o
mote condutor de sua vida, o momento da educação dos príncipes teve
especial destaque. Essa divisão não aparece sem propósito em sua fala.
Antes, confirma a imagem de “velho batalhador da causa do ensino”, que
atribuiu fortemente a si mesmo e que, com certeza, queria estender para
além de 1918.36
Nesse ponto de sua fala, Afrânio Peixoto lançou mão de uma ex-
pressão que nos chama a atenção: ele chamou Galvão de homem de ação.
Uma espécie de administrador diligente e eficiente que organizou – e, na
verdade, fez – a Biblioteca Nacional. Um antes e um depois para a BN e
para Ramiz. Ainda de acordo com ele, apesar desse fato decisivo, Galvão
jamais teria deixado de lado a eloquência, sendo, portanto, um homem
da palavra – um professor e orador – ao mesmo tempo em que era um
homem de ação.
entre ação e palavra não deve ser tomada de forma rígida. No caso do
discurso de Afrânio Peixoto, o orador parece representar Ramiz Galvão
como um homem que circulava entre as duas esferas, a da eloquência e
a da ação.
toriográficos. Não por acaso, ele o inseriu na evolução dos estudos histó-
ricos no Brasil a partir da sua passagem pela Biblioteca Nacional. Afinal
foi ali que Ramiz executou sua maior ação como mediador cultural. Pa-
trocinou a construção do Catálogo da Exposição de História e Geografia
do Brasil, que, para Rodrigues, forneceu ferramentas para a elaboração
de inúmeros novos estudos acerca da história brasileira.
bidas ao livro, objeto que deu sentido à sua existência. Em sua fala, ele
mesmo percorreu sua biografia:
Essa foi a última vez que Ramiz esteve presente a uma homenagem
no IHGB. Dois anos depois, quando morreu, sua imagem de homem das
letras, que viveu boa parte de seus 92 anos em meio aos livros e aos alu-
nos, movido por um profundo sentimento patriótico, parecia consolidada,
tal como ele mesmo gostava de ser lembrado.
48 – Ibidem. p. 310.
49 – VALADÃO, Alfredo. Discurso do Sr. Alfredo Valadão, fazendo o necrológio dos srs.
Conde de Afonso Celso, Ramiz Galvão, barão de Studart... R.IHGB, v. 173. p. 882, 1938.
50 – Ibidem. p 877.
51 – GOMES, Angela de Castro. A República, a História e o IHGB. Belo Horizonte: Ar-
gumentum, 2009.
52 – TURIN, Rodrigo. Uma nobre, difícil e útil empresa: o ethos do historiador oitocen-
tista. História e Historiografia, n. 2, 2009, p. 21.
53 – Ibidem. p. 22.
Referências bibliográficas
ALBERTI, Verena. Ouvir e Contar. Textos em história oral. Rio de Janeiro: FGV,
2007.
BONNET, Jean-Claude. Naissance du Panthéon. Essai sur le culte des grands
hommes. Paris: Fayard, 1998.
BOURDIEU, Pierre. A Ilusão Biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes e
AMADO, Janaína. Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 2002. pp.183-191.
CATROGA, Fernando. Nação, Mito e Rito. Religião civil e comemoracionismo.
Fortaleza: Museu do Ceará, 2005.
CHARTIER, Roger. O homem de letras. In: VOVELLE, Michel. O Homem do
Iluminismo. Lisboa: Editorial Presença, 1997.
CLOT, Yves. La outra ilusion biografica. Historia y Fuente Oral, Barcelona, n.
2, pp. 5-9, 1989.
DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes Literários da República. História e iden-
tidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier. Belo Horizonte: UFMG,
2005.
ENDERS, Armelle. O Plutarco brasileiro. A produção dos vultos nacionais no
Segundo Reinado. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 14, v.25, pp.
41-62, 2000.
FAVERO, Maria de Lourdes Albuquerque. A Universidade Federal do Rio de
Janeiro: origens e construção (1920 a 1965). Disponível em http://www.sibi.ufrj.
br/Projeto/artigo_mariadelourdes.pdf. Acessado em 16 de março de 2015
____. A Universidade no Brasil: das origens à Reforma Universitária de 1968.
Educar, Curitiba, n. 28, pp. 17-36, 2006.
FLEIUSS, Max. Ramiz Galvão. R.IHGB, v. 171, p. 314, 1936.
FREIXO, André de Lemos. A arquitetura do novo: ciência e história da História
do Brasil em José Honório Rodrigues. Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ,
2012.
GALVÃO, Ramiz. Discurso de Benjamin Franklin Ramiz Galvão agradecendo
as homenagens que lhe foram prestadas por ocasião da comemoração dos cin-
quenta anos de seu ingresso no IHGB. R.IHGB, t. 92, v. 146, pp. 506-16, 1922
[publicado em 1926].
____. Gratas reminiscências. R.IHGB, t. 75, v. 152, pp. 859-61, 1925.
____. Necrológios de.... R.IHGB, 1932, v. 166, p. 749.