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Profª Carla Figueiredo

Ficha Informativa - Língua Portuguesa


9ºAno

Percurso cénico: Cais > Barca do Diabo> Barca do Anjo> Barca do Diabo > embarca aí.

Caracterização do Sapateiro

- Caracterização directa : nas acusações feitas pelo Diabo e pelo Anjo e por si
próprio, quando se autocaracteriza.

- Caracterização indirecta:

 Através dos símbolos:

- Formas – foram as formas de roubar o povo no exercício da sua profissão;


- Avental – simbolicamente serve para ocultar os pecados do Sapateiro.

 Através da linguagem - O sapateiro é:


- confiante “Mandaram-me vir assi”
- trocista “Se é esta a boa traquitana”
- persistente (ao longo de toda a cena)
- resignado “Vamos venha a prancha logo”
- decidido “Não nos detenhamos mais”

Composição e formulação
A personagem ao entrar em cena traz consigo os símbolos próprios de um
grupo socioprofissional frequentemente acusado de roubar o povo em “solas e
cabedais”.
Verificamos que esses elementos acompanham o sapateiro durante a sua
permanência no cais.
Verificamos, ainda, que o seu comportamento religioso o transforma numa
personagem com representatividade mais ampla, englobando todos aqueles que
julgam ser a prática do culto externo - missa, confissão e comunhão – suficiente para a
sua vivência de fé, mesmo que vivam de expedientes desonestos.

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno


De salientar que o avental e as formas são elementos distintivos e
caracterizadores do seu tipo socioprofissional, para além de servirem como
“elementos de prova”
Assim, não havendo modificação no seu comportamento e representando quer
os da sua classe quer os que recorrem à religião para encobrir a desonestidade, o
Sapateiro poderá ser classificado como personagem plana e tipo social.

ARGUMENTAÇÃO:
DEFESA ACUSAÇÃO
– Diabo Anjo
(Junto do Diabo) – “os -“Como vens tão - “leva quem rouba de
que morrem confessados” carregado” praça

- “confessado e - “E tu morreste - “Se tu viveras dereito”


comungado” escomungado”
-
Quantas missas eu ouvi” - “calaste dous mil
- as ofertas que darão” enganos”

- “E as horas dos finados -“Tu roubaste bem trinta


anos/ o povo com o teu
mester”

Comentário final (intenção crítica)

O Diabo e o Anjo acusam o Sapateiro de haver roubado “bem trinta anos” o


povo e de não viver direito, calando “dous mil enganos” . A condenação do Anjo que
reafirma a do Diabo, tira qualquer hipótese de salvação à personagem que de imediato
se apressa a chamar o barqueiro do Inferno.
 Crítica aos preços praticados;
 Denúncia do enriquecimento de certas classes sociais à custa do povo;
 Denúncia da prática religiosa não vivida interiormente;
 Crítica às falsas atitudes religiosas
O carácter moralista desta cena é reforçado se verificarmos que a condenação
da personagem assenta mais na ausência de uma vida moral em conformidade com os
preceitos religiosos do que nos roubos praticados. O autor tem como objectivo a
crítica à falsa religiosidade do Sapateiro, porque é nas práticas religiosas que o
Sapateiro busca argumentos para a salvação. Confessar-se ouvir missa, comungar e dar

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno


esmolas são actos religiosos que só fazem alcançar o céu àqueles que levam uma vida
honesta e não era certamente o caso do Sapateiro.

A linguagem e o estilo
Nível de língua
- popular
- gíria na utilização de vocábulos relacionados com a actividade
- corrente sobretudo na fala do Anjo

Processos de Cómico
a) de linguagem – “se esta é boa traquitana”
b) de carácter – “Como poderá isso ser, / confessado e comungado?”
c) de situação – “Ora eu me maravilho/ haverdes por grão peguilho/ quatro
forminhas cagadas/ que podem bem ir chantadas/ num cantinho desse leito.”

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno

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