Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Benjamin Moser - Cemitérios Da Esperança PDF
Benjamin Moser - Cemitérios Da Esperança PDF
www.cesarea.com.br
Recife, 2014
Be n j a m i n M o s e r
Cemitério da Esperança
Tradução
Eduardo Heck de Sá
4 Cemitério da Esperança
*
“Iremos à Europa num aterro de café.” Noel Rosa cantava em
1931. O samba comemorava a decisão do governo de despejar
milhões de sacas de café no mar. Por duas gerações, a elite bra-
sileira teve a esperança de que o café traria ao Brasil o tão de-
sejado desenvolvimento. Como muitos outros, esses sonhos fo-
ram destroçados no crash de 1929, quando o café de São Paulo
integrou-se a uma longa lista de commodities que prometeram
modernidade européia e deixaram ruínas em seu rasto.
Todos concordavam que o país precisava parar de pular de
um boom extrativista para o outro. Carecia voltar seu olhar para
dentro, para si mesmo. A chance veio em 1954, quando seu du-
radouro líder, Getúlio Vargas – ele mesmo um caso clássico da
tristeza brasileira – suicidou-se com um tiro no coração, ainda
de pijama, no palácio presidencial. Dois anos de governos ins-
táveis e interinos seguiram-se antes que o governador de Mi-
nas Gerais, Juscelino Kubitschek, fosse eleito por pouco, e em-
possado por menos ainda. O novo presidente deparou-se com
Brasília quase acidentalmente. Durante um comício, um cida-
dão inquiriu se a promessa do candidato de implementar es-
crupulosamente a constituição incluía um compromisso com o
encargo de transferir a capital para o interior, um compromis-
so por muito tempo negligenciado.
18 Cemitério da Esperança
*
“No Rio, em São Paulo, você não é forçada a encarar sua pró-
pria solidão”, diz-me uma mulher. Depois de viver por todo o
mundo, ela se satisfaz de estar de volta a Brasília. “Em outros
lugares há tantas coisas para fazer, há tantas distrações, que
você nem mesmo é forçado a confrontar a si mesmo. As pessoas
aqui são extremamente criativas, porque têm que ser. Aqui, ou
você faz alguma coisa ou enlouquece.”
Nada para fazer: Brasília parece-se ou com um ashram ou
com um asilo gigante. “Não precisamos, você sabe, de exposi-
ções de arte”, uma embaixatriz, Dorothy de Meira Penna, conta-
-me num almoço em seu adorável jardim. “Já vimos tudo isso!
O que queremos é um clima bom, paz e tranquilidade.” Como
muitas pessoas em Brasília, com sua sofisticada população de
diplomatas e oficiais de alto escalão, ela e seu marido já tinham
de fato visto tudo aquilo. E agora, aposentados, viviam numa
sociedade fechada, como uma estação de esqui, onde todos se
conhecem e as recomendações certas representam tudo. Eu tive
algumas recomendações, que alguns almoços e jantares rapida-
mente exauriram; e o projeto da cidade, tão estranho ao Brasil,
assegurava que eu não me encontraria com mais ninguém. Eu
poderia jogar golfe, ou meditar, ou começar uma companhia de
teatro experimental, tarefas para as quais eu não tinha nem o
tempo nem a inclinação. Em vez disso, sentei-me no Hotel Ku-
bitschek Plaza e fitei a paisagem árida, tentando desesperada-
mente inventar alguma coisa para fazer.
Foi nesse ponto, quando fracassei, que Brasília revelou a sua
verdadeira característica. Sua arquitetura insignificante, suas
Benjamin Moser 21
*
Como em 1907, o lustro na nova capital não tardou a esmo-
recer. Quatro anos depois da inauguração de Brasília, o Brasil
passou por uma ditadura militar. O presidente Bossa Nova em
si, Juscelino Kubitschek, símbolo do novo otimismo brasileiro,
foi preso, exilado em Portugal, e depois, quando finalmente au-
torizado a retornar, proibido de botar os pés em sua nova ca-
pital. A hiperinflação devorou a classe média, e a cidade que
deveria reconciliar um país dividido começou a se despedaçar
antes mesmo de estar completa.
Em 2006, o ex presidente do Paraguai, Alfredo Stroessner,
outrora o ditador mais duradouro do mundo, foi enterrado no
Cemitério da Esperança de Brasília. Era um lugar apropriado
para seu fim. Stroessner estivera lá quando a capital fora inau-
gurada, e morava em Brasília desde 1989, quando o Paraguai
finalmente se livrou dele. Stroessner (“Paz, Trabalho e Bem-
-Estar”) era o último representante vivo – com a perene exce-
ção de Fidel Castro – de uma geração lendária. As paredes dos
hotéis estão cobertas de visitantes célebres, pessoas cujos no-
mes – Fidel, Golda, Sukarno, Ike, Salazar, Haile Selassie entre
eles – descrevem um momento. Muitos dos seus países acaba-
vam de conquistar a independência; muitos mais o fariam nos
anos seguintes.
Quando vieram admirá-la, Brasília era o símbolo de um ter-
ceiro mundo em ascensão, um farol para todos aqueles países
que estavam expurgando os elos do colonialismo e tentando
subir no palco das nações. Se parte da história dos Estados
Unidos foi sua busca por um passado proveitoso, a história da
Benjamin Moser 29