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A Filosofia da Religião Tomista

por Paulo Faitanin - UFF

1. Origem: O tema da Filosofia da Religião ganhou


força nos últimos anos. Desde a Escolástica, em que
a filosofia se punha ao serviço da fé,
sucessivamente, tanto no idealismo filosófico,
quanto no realismo filosófico tem-se abordado o
tema da religião, sob a análise filosófica. De
etimologia discutível, grandes pensadores tenderam
Relig derivar religião de religio, e esta dereligare, com o
ião sentido de uma nova 'ligação'. Aqui
tomamos Filosofia da Religião para significar em
Tomás de Aquino o estudo da virtude moral pela
qual o homem deve render graças a Deus [STh I-II,q60,a3,c]. Em Tomás
de Aquino encontramos uma profunda análise filosófica da religião,
enquanto virtude pela qual o homem se converte a Deus, se orienta a
Deus e rende-Lhe graças. É justamente neste sentido que aqui
tomamos Filosofia da Religião Tomista.

2. A Filosofia da Religião Tomista: Não tratamos, aqui, da religião


sob a ótica teológica. É a filosofia que abordará a religião como uma
virtude moral, uma virtude anexa à virtude cardeal da justiça. Por isso
mesmo denominamos Filosofia da Religião Tomista, a doutrina ético-
metafísica que o Aquinate traçou sobre o modo como o homem,
naturalmente, é impelido a orientar-se e render graças a
Deus. (a) Onde?: Tomás de Aquino [1225-1274] escreveu
sistematicamente um tratado sobre a religião. Em diversas obras de
sua Opera Omnia, discute a questão da religião, desde a perspectiva
filosófica de uma virtude moral. Destacamos, aqui, as principais obras
onde se referiu ao tema: Summa Theologiae II-II, q80-100; Contra
Gentiles III, 119-120; Comentários aos Livros das
SentençasIII,d9,q1,a3,c;d33,a4,qc1, no opúsculo Contra impugnantes
Dei cultum et religionem e no comentário do De Trinitate de Boécio,
q3,a2. (b) Método: Notadamente, a filosofia de Tomás de Aquino é
cristã, no sentido de que, embora o filósofo considere as criaturas
diferentemente do teólogo, a sabedoria divina parte, algumas vezes, dos
princípios da sabedoria humana: Aliás, entre os filósofos, a filosofia
primeira usa de todas as ciências para demonstrar as suas teses. Daí
também explicar-se porque as suas doutrinas não procedem segundo a
mesma ordenação. Com efeito, no ensino da filosofia, que considera as
criaturas em si mesmas, e partindo delas vai ao conhecimento de Deus,
consideram-se primeiramente as criaturas e, após, Deus. Mas na
doutrina da fé, que não considera as criaturas, senão enquanto
ordenadas para Deus, primeiramente considera-se Deus e, após, as
criaturas. E assim ela é mais perfeita, justamente por ser semelhante
ao conhecimento de Deus que, ao se conhecer, vê as outras coisas em si
mesmo [CG.II,4]. Configura-se cristã a filosofia porque serve de
instrumento e se põe ao serviço da teologia. Sem sombras de dúvidas, é
a Metafísica o instrumento básico no uso da filosofia para as
investigações teológicas. Contudo, o Angélico dá, também, importância
à dialética, ou seja, à FilosofiaRacional ou Lógica, enquanto arte da
argumentação no estudo da doutrina sagrada: As outras ciências não
argumentam em vista de demonstrar seus princípios, mas para
demonstrar a partir deles outras verdades de seu campo. Assim
também a doutrina sagrada não se vale da argumentação para provar
seus próprios princípios, as verdades de fé, mas parte deles para
manifestar alguma outra verdade, como o Apóstolo, na Primeira Carta
aos Coríntios, se apóia na ressurreição para provar a ressurreição
geral [STh.I,q1,a8,c]. E amplia confirmando que a verdade revelada não
se opõe à verdade que alcança a razão: a doutrina sagrada utiliza
também a razão humana, não para provar a fé, o que lhe tiraria o
mérito, mas para iluminar alguns outros pontos que esta doutrina
ensina. Como a graça não suprime a natureza, mas a aperfeiçoa,
convém que a razão natural sirva à fé [STh.I,q1,a8,c]. Por isso, Já no
século XIII, convicto de que a verdade revelada, o artigo de fé dado por
Deus ao homem, não poderia contrariar a natureza da própria razão
que a aceita e nela crê, sem deixar de buscar entendê-la, o Aquinate
procurou conciliar fé e razão, valendo-se, muitas vezes, dos
ensinamentos de Santo Agostinho e Aristóteles, para afirmar que a
graça e a fé não suprimem a natureza racional do homem, senão antes
a supõe e a aperfeiçoa e, a partir disso, também sustentar que é
possível a conciliação de filosofia [ratio] e teologia [fides], na medida
em que philosophia ancilla theologiae est: a filosofia é serva da
teologia. É neste sentido de aproximação entre fé e razão que o
Aquinate entende a religião como uma virtude natural ao ser humano
[STh.II-II,q80,a2,c].

3. A Religião: (a) Religião natural: Desde os primórdios o homem


revelou-se ordenado naturalmente ao que é sagrado, enquanto isso
significa um bem absoluto, infinito, perfeito, transcendente e inviolável
a que naturalmente busca a razão como o fim de sua operação, cujo
efeito de sua posse é a felicidade. Diz-se sagrado o que é em si mesmo
perfeito e transcendente ou o que possui alguma qualidade pela qual se
diz sacra. Ela existe, se realiza e se manifesta no sujeito, não como
princípio essencial, senão acidental. Ao que é em si sagrado e
transcendente a tradição denominou Deus. O ser humano é um caso
especial, pois o seu espírito, dom de Deus, criado à imagem e
semelhança de Deus, se une a carne vivificando-a e sacralizando-a, já
que é pelo mesmo espírito que o homem diz-se partícipe do que é santo
e transcendente. Corpo e espírito no homem são sagrados pela íntima e
cúmplice relação com Deus. Pois bem, Deus é o que é em si mesmo
santo e transcendente. A consciência da necessidade da existência de
um ser sagrado em si mesmo que transcenda as nossas vidas, não
resulta ou é efeito da convivência em comunidade ou em sociedade,
mas é exigência natural da própria razão humana. Ao longo da história
o homem foi tomando consciência, em diversos períodos e culturas, da
necessidade da existência e demonstração do sagrado. Indo da
mitologia à teologia, passando pela filosofia, o homem percebeu que o
sagrado era o que lhe transcendia e que não poderia alcançá-lo
absolutamente por suas próprias forças naturais se o sagrado não se
revelasse ao próprio homem e dinamizasse nele, para além de sua
disposição natural, a potencialidade de conhecê-lo. Neste sentido Deus
é inevitável ao coração humano, que O busca incessantemente, como a
razão última de sua própria perfeição. Foi este mesmo ardor natural
pelo sagrado que revelou ao homem sua ordenação ao seu culto e o que
foi denominado religião, que nada mais significa senão a ordenação
natural do homem a Deus. Oriunda da natureza humana, a consciência
do sagrado dispõe-se como hábito na natureza humana, pelo qual o
homem desenvolve a virtude da religião, acerca da qual gera
uma ciência pautada naturalmente nos invioláveis princípios da razão.
Podemos, deste modo, naturalmente conhecer Deus [pela razão],
porque Deus antes nos conhece e permite-nos [pela revelação] conhecê-
Lo. Portanto, a consciência do sagrado nos conduz à inevitável
experiência de Deus, cujo efeito é a religião e cujo fundamento é o
próprio Deus, que quis inscrever na natureza humana uma ordenação
natural a Ele, dispondo-a a constituir uma religião que indo de
percepções míticas, fosse gradativamente se estruturando em rito e
leis, nas quais revelassem o próprio Deus. Tomás de Aquino ciente da
possibilidade de que o homem pela razão natural poderia chegar ao
conhecimento de Deus e convicto da necessidade de conhecê-Lo,
desenvolveu criteriosamente uma Teologia Natural que, por um lado,
investiga racionalmente a existência de Deus e, por outro lado, o modo
como pela razão podemos conhecer algo da essência de Deus.

(b) Religião no contexto Tomista: Tomás de Aquino considera a religião


sob o seu aspecto natural: a religião é uma virtude moral e não teologal.
A religião é uma virtude anexa da virtude cardeal da justiça. Por ser
anexa não é uma virtude secundária, pois sua essência é ordenar toda a
vida moral em torno das quatro virtudes cardeais. Neste sentido, não a
analisa meramente como Instituição Social, caracterizada pela
existência de uma comunidade de indivíduos unidos pelo cumprimento
de ritos regulares, pela crença num valor absoluto, ou pela relação do
indivíduo com um poder espiritual superior ao homem, poder seja
difuso, múltiplo ou único. Nem mesmo considera a religião como
um Sistema individual de sentimentos, de crenças e de ações habituais,
tendo Deus como objeto. Por Religião Natural entende-se, em seu
sentido amplo, o conjunto das crenças na existência e na bondade de
Deus, na espiritualidade e imortalidade da alma, no caráter obrigatório
da ação moral, considerados como uma revelação da consciência e
da luz interior que ilumina o homem.

3.1. Conceito: (a) Definição etimológica: Etimologicamente, essa


palavra significa provavelmente 'obrigação', mas segundo Cícero,
derivaria de relegere [De nat. deor. II,28,72]. Para Lactâncio [Inst. Div.
IV,28] e Santo Agostinho [Retract. I,13], essa palavra deriva
de religare. Conhecedor da etimologia da palavra latina religio, que era
corrente em seu tempo, o Aquiante faz derivar religio tanto de relegere,
quanto de religare. Se ela deriva de relegere, oprtunas são as suas
palavras que notam a religião parecer significar o reler aquilo que
pertence ao culto divino [STh.II-II,q81,a1,c]. Se ela deriva
dereligare são, também, adequados os seus ensinamentos que dizem
que a religião estabelece uma forteligação do homem com Deus [Contra
impug. Dei cultum, parte 1,c]. (b) Definição real: Quanto à definição
real de religião, o Aquinate diz que significa aquilo que pertence ao
culto divino e quer a religião se refira à freqüente leitura, quer à
reeleição daquilo que por negligência se perdeu, quer à religação, ela
propriamente implica orientação para Deus [STh.II-II,q81,a1,c].

3.2. A religião como virtude moral: Nem um ato humano bom ou um


mau, isolados, constituirá, respectivamente, hábitos bom e mal. O
hábito moral dá-se pela constância e repetição de um ato, com relação a
virtude ou ao vício [STh.I-II,q49,a1,c]. Assim, um ato bom, na
constância e na repetição, dispõe o hábito bom e um ato humano mau, o
hábito mau. Decorrente de um hábito bom, a ação boa, constitui-se
como força e perfeição da natureza. Decorrente de um hábito mau, a
ação má, constitui-se como uma deficiência ou privação de perfeição da
natureza. A virtude é o ato bom. O Aquinate entende a religião como
uma virtude moral, parte anexa da virtude moral da justiça, que orienta
o homem para o culto divino, na medida em que procura dar a Deus o
que Lhe é de direito.

(a) O que é virtude? Denomina-se virtude o hábito operativo bom


[STh.I-II,q55,a3,c] e vício o hábito operativo mau [STh.I-II,q71,a1,c]. A
virtude como disposição habitual reveste a natureza de quem opera de
tal modo que imprimi nela uma força, daí virtude, de difícil remoção,
que torna melhor a natureza e a operação de quem a possui
[CG.I,37,n2;STh.I-II,q20,a3,obj2;STh.II-II,q55,a3,sc]. Por isso, a virtude
torna melhor quem a possui e dispõe quem a possui para a boa
operação [CG.IV,7;STh.I-II,q55,a1,c;STh.II-II,q144,a1,c;CG.I,92; In III
Sent.d23,qq1,a2,qc1,c]. Mas o mesmo se diz do vício, que sendo um
hábito mau imprime na natureza de quem o possui uma má disposição,
enquanto lhe priva de alguma perfeição e que é de difícil remoção, que
torna pior o ser e a operação de quem a possui. De qualquer maneira, é
mais fácil adquirir um hábito bom do que remover um hábito mal,
justamente por causa da influência das paixões sobre o voluntário; e
isso se confirma ao constatarmos que as paixões são iminentes e muito
dependentes frente àquilo que as experiências sensíveis,
rotineiramente, nelas causam inclinação ou aversão. São propriedades
das virtudes: (1) ser o justo meio termo entre o excesso e a deficiência;
(2) tornar a ação fácil e deleitável; (3) relacionar-se com outras virtudes
e com o fim último e (4) não se verter em mal. As virtudes morais são
adquiridas pela repetição dos atos. Regra que, também, vale e se aplica
aos vícios. Neste sentido temos: o ato repetido gera o hábito e o hábito,
segundo o bem ou o mal, gera ou a virtude ou o vício. E porque a ação
humana pode ser a nível especulativo e prático, há, por isso, hábitos
especulativos e práticos e, do mesmo modo, virtudes e vícios
especulativos e práticos. Falemos, pois, das virtudes. As virtudes se
dividem em virtudes intelectuais, que pelo hábito dos princípios da
razão teórica, aperfeiçoam o intelecto e em virtudes morais, que pelo
hábito dos princípios da razão prática, aperfeiçoam a vontade e os
apetites sensíveis concupiscível e irascível. As virtudes
intelectuais se dividem em especulativas e práticas. A virtude
intelectual especulativa inclina o intelecto, perfeitamente, para a
verdade universal e são três: o intelecto (hábito dos primeiros
princípios especulativos, que inclina o homem para a verdade, evitando
o erro e o engano), a sindéresis (hábito dos primeiros princípios
práticos, que inclina o homem para a busca do bem, na medida em que
evita o mal) e a sabedoria (hábito de considerar a realidade por sua
causalidade última, na medida em que não procura o conhecimento das
coisas pelas coisas, mas pelo que elas indicam para além de si, para o
que o transcende). A virtude intelectualprática inclina o intelecto para o
reto juízo, aqui e agora, acerca da ação particular. São virtudes
intelectuais práticas a arte (a reta razão do fazer) e a prudência (a reta
razão do agir). As virtudes morais se dividem em quatro virtudes,
ditas cardeais, visto que sobre elas se fundam outras virtudes:
a prudência, que é virtude racional por essência e se dispõe a
aperfeiçoar a razão; a justiça, que é racional por participação e dispõe
ordenar a vontade; a fortaleza, que modera o apetite sensitivo irascível
e atemperança, que modera o apetite sensitivo concupiscível. Como
regra geral, a importância da virtude está em que ela torna bom quem
a possui e boa a obra que ele faz [STh. II-II,q47,a4,c]. Como regra geral,
a importância da virtude está em que ela torna bom aquele que a
possui e boa a obra que ele faz [Sum. Theo. II-II,q47,a4,c].

(b) A religião como virtude anexa da justiça: A religião orienta o homem


só para Deus, pois ela é a virtude segundo a qual se oferecem culto e
cerimônias à natureza superior, que chamam divina [STh.II-
II,q80,a1,sed contra;In III Sent.d33,q3,a4,qc1,a1,ad2;Contra Impug.
Dei, parte 1]. Neste sentido, a religião não se aplica a outro que não
seja o culto a Deus [STh.II-II,q81,a1,ad2]. Os gregos
denominavam latria a servidão especial devida a Deus o que aqui, no
contexto tomista, denomina-sereligio [STh.II-II,q81,a1,ad3]. A religião é
tão natural e visceral ao homem que ela está enumerada entre as
virtudes morais [STh.II-II,q81,a2,sed contra;I-II,q60,a3,c;In III
Sent.d9,q1,a1,ac1,1]. Acima foi dito que virtude é o ato que torna bom
quem a tem e boa a sua obra, por isso, é necessário afirmar que todos
os atos bons pertencem à virtude. Ora, é evidente que pagar o devido a
alguém tem a razão de bem, porque o fato de alguém pagar o devido a
outro restabelece uma relação conveniente com o outro, ordenando-se
convenientemente com ele. Mas pertence à religião prestar a devida
honra a Deus, por isso, também é evidente que a religião é uma virtude
[STh.II-II,q81,a2,c]. É conveniente não confundir o dom do temor com
a virtude da religião. O temor é um dom, do qual se segue duplo ato: o
ato de reverenciar a Deus - ato de temor - e o ato de praticar ações boas
que concretizem o ato de temor - a virtude da religião -, por cujo ato, na
prática, se reverencia a Deus [STh.II-II,q81,a2,ad1]. A virtude que
orienta o homem a reverenciar a Deus é uma só virtude, porque um só é
o Deus princípio da criação e do governo das coisas [STh.II-II,q81,a3,c].
A religião, pelo que dela é dito, é uma virtude especial, já que o
essencial dela consiste em dar a Deus a honra devida, tributada a
alguém por causa da sua excelência [STh.II-II,q81,a4,c]. Ora, se o fim
da religião é oferecer a Deus o que Lhe é devido o que Lhe é de direito,
ela é parte da justiça, pois a virtude da justiça consiste na constante
vontade de dar a cada um o seu direito [STh.II-II,q58,a1,c]. A justiça é,
como vimos acima, uma das quatro virtudes morais, denominadas
cardeais, cujo fim é tornar o ato bom e a obra boa dos homens. Pelo
fato de que o fim da virtude da religião é tributar a Deus o que Lhe é
devido, ela, mesmo sendo parte anexa da virtude cardeal da justiça, ela
ademais de ser uma virtude especial, impera sobre todas as outras
virtudes [STh.II-II,q81,a4,ad1;a6,c]]. E porque a religião é virtude
moral, anexa à justiça, como temos afirmado acima, ela não é uma
virtude teológica como a fé, a esperança e a caridade, pois Deus não
está para tais virtudes como fim, mas como objeto e como fim só para a
religião [STh.II-II,q81,a5,c; ad1]. A virtude da religião, enquanto orienta
o homem para Deus, possui duas categorias de atos: atos interiores que
lhe pertencem essencial e principalmente, como a oração, que são
manifestações do coração e da intenção, e atos exteriores como
a latria - culto por meio de atos exteriores - que pertencem à ação e são
secundários e ordenados para os atos interiores [STh.II-II,q81,a7,c].
Ora, diz-se que o que se ordena ao culto divino é santo. A religião
ordena-se ao culto divino. Por isso, a santidade é inerente à religião e
com ela se identifica, como uma virtude especial decorrente da justa
aplicação da virtude da religião [STh.II-II,q81,a8,c]. Concluindo, pode-
se dizer que a religião é natural, porque é virtude moral que se obtém
por uma disposição de um hábito natural. Por isso, pode-se
perfeitamente confirmar a religião como uma instituição natural [STh.I-
II,q103,a1,ad1 e2].

3.3. Os atos da religião: tendo visto o que é a virtude da religião,


cabe agora analisar os atos desta virtude, bem como as suas espécies
ou tipos.

(a) Tipos de atos da religião: Enquanto virtude moral a religião orienta


todo o agir humano para Deus. De fato, o homem é chamado a
reconciliar-se com Deus, a unir-se a Ele novamente, seja por meio
deatos interiores, seja por meio de atos exteriores,
seja individual ou socialmente. Em qualquer caso, isso se dá pela parte
mais nobre e superior do homem, ou seja, por meio de sua alma
racional, na medida em que a ela se subordina a sua parte menos
nobre, isto é, o corpo. A união interior se realiza, sobretudo, mediante
as virtudes teologais: a fé, a esperança e a caridade, que se traduz
em oração, meditação e pregação. A união exterior se realiza,
sobretudo, mediante as virtudes morais: a prudência, a temperança,
a fortaleza, a justiça e especialmente com a virtude da religião que
dispõe o corpo a prestar a devida reverência a Deus, por meio de atos
externos, como a prostração, a mortificação e o sacrifício [In III
Sent.d9,q1,a3,qc3;Contra Impug. Dei, parte 1;II-II,q81,a7,c].
Consideremos, pois, os atos internos e os atos externos da virtude da
religião.

(b) Identificação da natureza dos atos da religião: Trata-se de ato ou


ação voluntária. O que é ato voluntário? Por ação voluntária entende-se
aquela que procede de um princípio intrínseco - exclui, portanto, a
violência [In III Eth, lec4,n425] - com conhecimento formal do fim
[Sum. Theo. I-II,q6,a1,c]. O voluntário pode ser livre ou necessário, em
si ou em causa, positivo ou negativo [Sum. Theo. I-II,q6,a2/q20,a5/II-
II,q64,a7/De malo, q1,a3,ad15]. Dentre aquelas coisas que influenciam
o voluntário contamos: a concupiscência - o movimento do apetite
sensitivo ao bem prazeroso [In III Eth. lec4,n.426] -, o medo - paixão
causada pela eminência de um mal difícil de evitar [In IV Sent. d.29,a1]
-, a violência - que viola o uso livre do princípio intrínseco -,
a ignorância - que tolhe o conhecimento devido [De malo, 3,8/Sum.
Theo. I-II,q76,a3]. O voluntário é ato moral. Mas o que é ação moral?
Por ação moral entende-se aquela ação voluntária, portanto livre,
acerca de um bem ou mal [De malo, q.2,a4/C.G. III,9/Sum. Theo.
I,q48,a1,ad2]. A moralidade é primeira e principalmente especificada
pelo objeto e secundariamente pelas circunstâncias - quem, o
que, onde, com o que, porque, de que modo equando - e pelo fim [In III
Eth. lec3,n414/Sum. Theo. I-II,q7,a3/I-II,q18,a4]. O ato humano, que é
sempre individual, nunca é indiferente moralmente. A indiferença moral
resulta da carência de conformidade ou da inadequação com relação à
regra moral [Sum. Theo. I-II,q18,a9/De malo, q2,a5].

3.3.1. Atos internos: O que são atos internos? São aqueles atos morais
da religião, portanto ações livres e voluntárias que são intrínsecos à
natureza da alma e que permanecem na alma como em seu sujeito. Os
atos internos são os principais atos da virtude religião. Pois bem, ato
interno é um ato moral, voluntário e livre que procede da prática
interna da virtude da religião. Os atos internos da virtude moral da
religião são dois: a devoção e a oração.

(a) A devoção: Por devoção entende-se o ato de dedicar-se, consagrar-


se a Deus, com zelo, mediante a prática de um ato interno. Em sentido
estrito, a devoção não é outra coisa que a vontade pronta para se
entregar a tudo o que pertença ao serviço de Deus. Portanto, diz-se que
a devoção é um ato interno da virtude da religião [STh.II-II,q82,a2,c],
porque é um ato especial da vontade [STh.II-II,q82,a1,c]. A devoção é,
pois, o ato da vontade do homem que se oferece a Deus, enquanto
último fim, para servi-Lo [STh.II-II,q82,a1,ad1]. O que causa a devoção?
Dupla é a causa da devoção: uma extrínseca, que é Deus e uma
intrínseca, que está em nós, que é a meditação ou contemplação
[STh.II-II,q82,a3,c]. Por meditação entende-se o processo da razão, a
partir de alguns princípios, por cuja reflexão gera-se um estudo próprio,
pertinente à contemplação de alguma verdade [STh.II-II,q180,a3,ad1].
Por contemplação entende-se o ato da sabedoria que intui a verdade, ou
seja, aquele ato do intelecto de meditar sobre as verdades divinas
[STh.I,q10,a3,ad1;q26,a4,c;q179,a1,ad3;II-II,q180,a3,ad1]. O efeito
próprio da devoção é a virtude da alegria, que neste caso é virtude
anexa à virtude da religião. Mas acidentalmente pode causar a tristeza,
enquanto condolência pelos males de outrem ou do mundo contra Deus,
como a contemplação da paixão de Cristo, pela consciência dos
próprios defeitos, como as faltas cometidas nesta vida, ante à
contemplação da bondade divina, ou mesmo a tristeza que sentem
aqueles que não fruem plenamente de Deus [STh.II-II,q82,a4,c; ad1 e
ad2]. As lágrimas brotam do sentimento de tristeza que decorre da
devoção, ante à meditação e contemplação das nossas misérias, diante
da bondade de Deus [STh.II-II,q82,a4,ad3].

(b) A oração: Vimos, acima, que a devoção é um ato da vontade.


Veremos, agora, que a oração é um ato da razão prática.
Por oração entende-se o ato da razão prática, pelo qual se diz pedindo,
agradecendo algo, convenientemente a Deus [STh.II-II,q83,a1,c]. Por
isso, a oração é a ascensão do intelecto para Deus [STh.II-
II,q83,a1,ad2]. É, pois, conveniente orar, porque as coisas humanas são
dirigidas pela providência divina, não que a oração provoque mudanças
na disposição da providência divina ou que tudo que ela rija seja
imutável ou necessário a tal ponto de ser dispensável a oração. A
oração é útil não porque muda a providência divina ou inútil porque
todas as coisas humanas aconteceriam por necessidade. Não se ora
para mudar o que foi disposto pela providência divina, mas para que se
faça o que Deus dispôs para ser realizado devido à oração dos santos
[STh.II-II,q83a2,c]. Por isso, ao orar, o homem merece receber o que
Deus onipotente determinou conceder-lhe desde a eternidade [STh.II-
II,q83,a2,c]. Ora, se pela oração o homem presta reverência a Deus,
segue-se que a oração é ato da virtude da religião, pois por tal virtude
busca-se reverenciar a Deus e honrá-Lo [STh.II-II,q83,a3,c]. Orando, o
homem entrega a sua alma a Deus, submetendo-a por reverência a Ele
[STh.II-II,q83,a3,ad3]. Orar é pedir. Mas orar pode ser pedir
diretamente a quem pode conceder o pedido e neste caso a oração é
direta só a Deus ou a alguém que pode interceder pelo pedido, neste
caso a algum santo, não que Deus conheça o pedido mediante a
intercessão do santo, mas para que devido à sua intercessão e mérito, a
oração seja eficaz [STh.II-II,q83,a4,c]. Se orar é agradecer ou pedir
algo a Deus, ninguém agradece o que não conhece e ninguém pede o
que não saber, portanto na oração deve-se agradecer ou pedir a Deus
algo determinado [STh.II-II,q83a5,c], coisas convenientes à salvação
[STh.II-II,q83,a5,ad2] e mesmo as coisas que sejam bens temporais, se
estes forem lícitos e necessários para a manutenção e santificação da
vida do homem [STh.II-II,q83,a6,c]. A oração pelos demais homens é
conveniente e salutar para a salvação, posto que assim como é lícito
pedir bens para si mesmo também o é para os demais. Orar para si,
obriga a necessidade, mas orar para os outros, exorta-nos a caridade e
é mais agradável a Deus a oração movida pela caridade fraterna que a
por necessidade [STh.II-II,q83,a7,c]. E na oração pelos demais, inclui-se
a oração pelos inimigos, esta que se dirige ao próximo pelo amor à
pessoa e não à culpa [STh.II-II,q83,a8,c] e não está excluído da oração
pelo inimigo pecador a licitude do pedido por males temporais, para
que se corrija [STh.II-II,q83,a8,ad3]. Na oração do Pai Nosso, ou seja,
na oração dominical, estão convenientemente consignados os pedidos
que traduzem os nossos desejos junto a Deus [STh.II-II,83,a9,c]. A
oração deve brotar do mais profundo do coração, do interior da alma
racional direcionada para Deus, já que orar é próprio da criatura
racional que se liga a Deus, pois, como já se disse, se devotar é ato da
vontade, orar é ato da razão, pelo qual alguém pede ao superior alguma
coisa [STh.II-II,q83,a10,c]. Mesmos as almas santas separadas dos
corpos, os santos que estão no céu, oram por nós, pois se quando
estavam unidos aos corpos podiam orar por nós, quando ainda
deveriam preocupar-se por eles mesmos, quanto mais poderão após
coroados, vitoriosos e triunfantes [STh.II-II,q83,a11,c]. Como que
brotando do mais íntimo do intelecto, a oração individual não precisa
vocalizar-se, mas a coletiva deve vocalizar-se por palavras, para
expressar em viva voz coletiva o clamor ao Senhor. Não obstante,
mesmo à oração individual pode-se acrescentar a palavra, seja para
excitar a devoção interior, seja para a satisfação de uma dívida,
mediante tudo o que recebeu de Deus, incluindo a palavra, seja por
certa redundância da alma no corpo, causada por uma grande afeição e
cumplicidade entre a alegria interior do coração e a exultação exterior
pela língua [STh.II-II,q83,a12,c]. A cumplicidade entre a intenção e a
ação na oração ajuda a manter a atenção devida na oração, sobretudo
na oração vocal. Contudo, pode ocorrer que a oração não seja atenta,
mas válida, já que para que uma oração seja válida não é necessário
que ela seja continuamente atenta, pois o que conta é o impulso da
intenção inicial, com a qual se vai orar e que torna meritória toda a
oração [STh.II-II,q83,a13,c]. Mas o ideal é que a oração seja contínua e
atenta [STh.II-II,q83,a14,c]: contínua, enquanto não seja interrompida
por distração ou por qualquer outra coisa e, para tal, não necessita para
ser contínua, conter muitas palavras, ser comprida por ter muitas
palavras, mas ser comprida e ser contínua no ardor de uma oração com
poucas palavras, muitas súplicas e gemidos [STh.II-II,q83,a14,c] e
atenta de três modos - atenta às palavras, atenta ao significados das
mesmas e ao fim, que é Deus [STh.II-II,q83,a13,c]. Não há oração
infrutífera se ela nasce da reta intenção de voltar-se para Deus. Há
sempre uma recompensa para quem ora com o coração reto. Por isso,
neste caso, a oração é meritória. Será considerada infrutífera se
proferida sem o coração reto e sem a prática da caridade, como quando
alguém na oração do Pai Nosso profere haver perdoado os pecados de
outrem, mas de fato não o perdoou [STh.II-II,q83,a16,ad3]. A oração
gera, além do conforto espiritual, o mérito futuro de gozar o bem eterno
que se merece gozar, porque Deus o prometeu, o que Ele mesmo nunca
aconselharia pedir, se não quisesse dar [STh.II-II,q83,a15,c]. Nem
mesmo a oração dos pecadores é infrutífera e não atendida por Deus,
porque o que Deus ama é a natureza humana do pecador e não o seu
pecado, que é a que ora a Deus e Ele a atente não por justiça, já que
não é meritória a oração do pecador, mas a atende por misericórdia
[STh.II-II,q83,a16,c]. A oração é o alimento do espírito e a elevação da
mente para Deus. O primeiro requisito para esta elevação é
aprostração ou pôr-se na presença de Deus, o segundo é a postulação,
ou postular o pedido, que pode ser por súplica, quando se pede ser
ajudado por Deus, ou por insinuação, quando somente se narre um
feito, o terceiro é a obsecração, ou um pedido feito em vista de coisas
sagradas, pedindo graças ou dando ação de graças [STh.II-
II,q83,a17,c].

3.3.2. Atos externos: O que são atos externos? São aqueles atos
morais da religião, portanto ações livres e voluntárias que são externos
à natureza da alma, mas que permanecem na alma como em seu
sujeito, mas se externam por alguma ação aparente do corpo: palavras,
gestos e sinais. Os atos externos subordinam-se aos internos. Pois bem,
ato externo é um ato moral, voluntário e livre que procede da prática
externa da virtude da religião. Os atos externos da virtude moral da
religião são em gênero
seis: adoração, sacrifício, voto, juramento, abjuração e louvor.

3.3.2.1. Ato externo pelo qual, com o nosso corpo, veneramos a


Deus: A adoração: É o ato externo da religião, pelo qual se venera a
Deus com o corpo [STh.II-II,q84,a1,proem. e c]. Por isso, a adoração
implica expressões corpóreas, pois por sermos compostos de duas
naturezas, a intelectual e a sensível, prestamos a Deus duas adorações:
a espiritual, que consiste na devoção interior da alma, e a corpórea, que
consiste na humilhação manifestada por expressões corpóreas, como a
genuflexão, a prostração etc [STh.II-II,q84,a2,c e ad2]. Recorde-se que
a adoração é essencialmente ato interior que se manifesta em
expressão corpórea, que é sempre exterior. A alma apreende a Deus
interiormente, sem estar num lugar determinado, mas as expressões
corpóreas estão necessariamente situadas e localizadas. Por isso, lugar
determinado não é exigido pela adoração, como se fosse necessário,
mas por conveniência como, aliás, os demais sinais exteriores [STh.II-
II,q84,a3,c].

3.3.2.2. Ato externo pelo qual oferecemos a Deus algo dos bens
exteriores: sacrifícios, oblações,primícias e dízimos.

(a) O sacrifício: Sacrifício quer dizer fazer algo sagrado [STh.II-


II,q85,a3,ad3]. É o ato externo da religião, pelo qual se oferece a Deus
coisas exteriores, valendo-se de coisas sensíveis, como sinais, para
designar outras coisas, como a submissão e reverência a Deus [STh.II-
II,q85,a1,c]. Só a Deus deve-se oferecer sacrifício, pois o sacrifício
oferecido externamente significa o sacrifício interior e espiritual, pelo
qual a alma oferece a si mesma a Deus [STh.II-II,q85,a2,c]. O sacrifício
é um ato especial de virtude, porque é feito para reverenciar a Deus
[STh.II-II,q85,a3,c]. Pode-se dizer que três os bens que o homem pode
oferecer em sacrifício para Deus: o bem da alma, que se oferece a Deus
como um sacrifício interior, pela devoção, pela oração ou por
semelhantes atos interiores; o bem do corpo, que é oferecido a Deus
pelo martírio, pela continência ou pela abstinência e o bem das coisas
exteriores, que oferecemos a Deus como sacrifício diretamente, quando
oferecemos coisas nossas e indiretamente, quando as damos aos outros
por causa d'Ele [STh.II-II,q85,a3,ad2]. E só há sacrifícios, quando se faz
alguma ação com as coisas oferecidas, pois se pode oferecer algo a
Deus, sem haver especificamente uma ação de oferecimento.

(b) Oblação: O sacrifício não é o simples oferecer algo a Deus, pois isso


é oblação [STh.II-II,q86,a1,c]. De fato todo sacrifício é oblação, mas
nem toda oblação é sacrifício [STh.II-II,q85,a3,ad3]. Para ser sacrifício,
a oblação tem de ser uma ação com intenção concretizada numa ação
de oferecimento.

(c) Primícias e dízimos: As primícias, por exemplo, são oblações feitas


para Deus, mas não são sacrifícios, como também não são os dízimos,
que é dever de todos, por força de preceito [STh.II-II,q86,a4,c;
q87,a1,c] e de tudo que possuem [STh.II-II,q87,a2,c], como também não
são as oblações de todos os seus bens legítimos [SThII-II,q86,a3,c],
porque não são bens oferecidos a Deus diretamente, mas aos ministros,
sacerdotes do culto divino [STh.II-II,q87,a3,c], para a sua manutenção e
sobrevivência [STh.II-II,q85,a3,ad3;q86,a2,c]. Reconhecer a excelência
de Deus e a Ele prestar a reverência pelo ato especial da religião, Lhe
oferecer coisas nossas, ou dá-las aos outros por Ele, é sacrifício e é
obrigatório para todos, pois se oferecer sacrifício a Deus é da lei
natural, e se o que é da lei natural obriga a todos, se segue que todos
estão obrigados a oferecer sacrifícios a Deus [STh.II-II,q85,a4,c].

3.3.2.3. Ato externo pelo qual se promete alguma coisa a Deus: O


voto: É o ato livre da vontade pelo qual se promete alguma coisa a
Deus, por meio da expressão oral e com o testemunho de outros [STh.II-
II,q88,a1,c]. Qualquer promessa a Deus deve ser de um bem melhor, e
se não o podes prometer, pecarás, pois a promessa é um ato voluntário
bom, se ordenado ao bem e mal, se ordenado ao mal [STh.II-
II,q88,a2,c]. Por isso, todo voto deve ser cumprido, pois o seu
cumprimento é um ato de fidelidade e isso significa fazer o que se disse
[STh.II-II,q88,a3,c]. Convém fazer voto a Deus de alguma coisa, não que
isso Lhe seja útil, mas a nós, porque o que se lhe paga enriquece o
pagador, assim também a promessa feita a deus não Lhe será útil,
porque não precisa ser certificado por nós, mas será para nossa
utilidade, enquanto fazendo voto, a nossa vontade se firma imóvel no
que é preciso fazer [STh.II-II,q88,a4,c]. Ora, o voto é promessa feita a
Deus, para reverenciá-Lo, mas não se reverencia a Deus a não ser pela
virtude da religião, portanto o voto é ato da virtude de religião [STh.II-
II,q88,a5,c]. Voto é compromisso de fidelidade com Deus. Neste sentido
é mais louvável e meritório fazer alguma coisa com o voto, do que sem
ele, pois é ato de virtude da religião, pelo voto se submete a vontade a
Deus e porque, pelo voto, a vontade se firma imutável no bem que é
objeto do voto [STh.II-II,q88,a6,c]. A solenidade do voto, vestimentas,
lugar, tempo, tem um sentido espiritual na recepção das ordens sacras
e pela profissão religiosa, por pertencer a Deus, como uma benção ou
consagração espiritual [STh.II-II,q88,a7,c]. O voto, como vimos, é um
ato da vontade livre. Neste sentido, se alguém se encontra submetido a
outrem, está impedido de fazer voto, pois quem está submetido a outro,
não pode fazer o que quer, já que depende da vontade alheia. Logo, não
pode, mediante voto, obrigar-se com firmeza a fazer alguma coisa que
está sob o domínio de outro, sem a permissão do superior, como quando
uma mulher, ainda jovem, residindo na casa paterna, fizer algum voto,
como de casar-se com alguém não está obrigada a cumpri-lo, a não ser
que o pai o consinta [STh.II-II,q88,a8,sed contra e c]. O voto é legítimo
e válido, mesmo quando submetido a um superior que não o anula,
como quando uma jovem faz voto para ingressar na vida religiosa
[STh.II-II,q88,a9,c]. Quanto especificamente à vida religiosa, pode
haver a dispensa ou a comutação de voto, sob a autorização de um
prelado [STh.II-II,q88,a12,c], mas sob hipótese alguma, a dispensa do
voto de continência na regra monacal, nem mesmo pelo Sumo Pontífice
[STh.II-II,q88,a10,c e a11,c].

3.3.2.4. Ato externo pelo qual usamos algo divino, algum


sacramento ou o próprio nome divino: juramento,
abjuração e louvor.

(a) O juramento: Jurar é invocar a Deus por testemunha [STh.II-


II,q89,a1,c]. O juramento em si mesmo é lícito e honesto se bem feito,
ou seja, não leviano, não seja falso, quando necessário - evitando o
desejo de repetição [STh.II-II,q89,a5,c] - por razão nobilíssima, porque
o juramento foi introduzido por causa da fé, segundo a qual se crê que
Deus tem a verdade infalível e o conhecimento universal e a
providência de tudo [STh.II-II,q89,a2,c]. Por isso, são companheiros do
juramento a verdade, o juízo e a justiça [STh.II-II,q89,a3,c]. Quem jura
de modo lícito e honesto, de certo modo reverencia a Deus, razão pela
qual o juramento é ato de religião [STh.II-II,q89,a4,c]. O juramento
pode ser: por atestação, quando se invoca a Deus como testemunha e
por execração, quando se apela para alguma criatura, passível de um
castigo divino [STh.II-II,q89,a6,c]. Neste último caso, é lícito também
jurar pelas criaturas. O juramento implica obrigação, porque quando se
jura fazer algo, há obrigação de fazê-lo para que seja respeitada a
verdade [STh.II-II,q89,a7,c], mas a obrigação do juramento não é maior
do que a do voto, pois pelo voto a obrigação refere-se a Deus e pelo
juramento, muitas vezes a referência é dirigida para o homem [STh.II-
II,q89,a8,c]. Ora, se é possível a dispensa do voto, também o é a do
juramento, como quando é ilícito e desonesto algum juramento, cujo
cumprimento pode causar males [STh.II-II,q89,a9,c].

(b) A abjuração: É o ato da religião pelo qual incita ou induz o outro a


jurar. Neste sentido, a abjuração é a confirmação de um juramento
promissório, pela reverência ao nome de Deus, ou seja, um juramento
em nome de Deus [STh.II-II,q90,a1,c]. Abjurar outrem é induzir que
outrem jure, segundo aquelas razões ditas acima. Abjurar é,
portanto, induzir alguém a fazer alguma coisa, invocando o nome de
Deus [STh.II-II,q90,a2,sed contra]. É lícito algum homem induzir a
algum outro, impondo ou pedindo, para que jure em reverência ao
nome de Deus, por algo que seja lícito, honesto e seja exeqüível [STh.II-
II,q90,a1,c]. A abjuração pode ser: por indução, em que se induz
alguém a jurar por reverência às coisas sagradas e por coação, em que
se coage alguém a jurar por reverência às coisas sagradas. Em certas
ocasiões é lícito abjurar os demônios por coação, mas nunca por
indução, pois esse modo implica certa benevolência e amizade, o que
não é lícito de existir nas relações com os demônios [STh.II-II,q90,a2,c].
Do mesmo modo, é lícito também abjurar as criaturas irracionais que se
encontram sobre algum poder demoníaco, seja pela abjuração indutiva
ou coerciva, como se é usado pela Igreja nos exorcismos, pelas quais o
poder dos demônios é retirado das criaturas irracionais [STh.II-
II,q90,a3,c].

(c) O louvor: Ato pelo qual se invoca o nome de Deus para louvá-Lo, não
para manifestar-Lhe nossos pensamentos, mas para que nós mesmos e
aqueles que nos ouvem, sejam induzidos a reverenciar a Deus. Por isso,
o louvor oral é necessário, não por causa de Deus, mas por causam dos
que louvam, cuja afeição para Deus aumente pelo louvor [STh.II-
II,q91,a1,c]. Ora, se o louvor pela voz é necessário para estimular a
afeição humana para Deus, o canto se for assumido convenientemente,
será útil para o louvor divino. O cuidado com a melodia é fundamental,
pois com uma ou outra se pode despertar sentimentos contrários ao
louvor. Segundo a melodia que ascende os corações, o canto é favorável
para aqueles espíritos mais fracos serem incentivados à devoção
[STh.II-II,q91,a2,c]. Portanto, a devoção poderá ser estimulada se pelos
cantos espirituais signifiquem não somente o que se canta
interiormente, mas também o que as palavras sonoras dizem
externamente [STh.II-II,q91,a2,ad1]. O modo teatral do canto pode
inspirar as paixões e não excitar a devoção, pois quando se atenta mais
à melodia do que o significado das palavras cantadas, é preferível então
não ouvir, nem cantar [STh.II-II,q91,a2,ad2]. Em qualquer caso, é mais
excelso aumentar a devoção das pessoas pelo ensino da doutrina e pela
pregação do que pelo canto [STh.II-II,q91,a2,ad3]. Como nos ensina
Aristóteles [Politica, VIII, c6, 1341a 18-20], para ensinar não se deve
usar flautas nem instrumentos semelhantes, como a cítara e outras,
mas tudo que possa contribuir para os ouvintes serem bons, até porque
esses instrumentos musicais movem mais a alma para o deleite do que
para a formação da boa disposição [STh.II-II,q91,a2,ad4]. Além do mais,
o espírito quando dá mais atenção ao canto para se deleitar, mais deixa
de considerar as palavras cantadas. Mas se se canta por devoção, mais
atentamente perceberá o sentido das palavras, porque se demora mais
nelas [STh.II-II,q91,a2,ad5].

3.4. Vícios opostos à virtude da religião: Como virtude moral que é,


à religião se opõe como vícios uma série de atos, sejam eles internos ou
externos. Dois são os vícios: a superstição e a irreligiosidade.
3.4.1. O que é vício: O vício: temos visto até aqui que a virtude é a
disposição do que é perfeito para o melhor, por perfeito entende-se o
que está disposto segundo o modo de sua natureza [STh.I-II,q71,a1,c].
Três coisas se encontram em oposição à virtude: o pecado, que se opõe
ao fim bom que a virtude se ordena; a malícia, que se opõe àquilo a que
se ordena a virtude, a bondade e o vício, que se opõe à disposição
habitual da virtude ao bem [STh.I-II,q.71,a1.c]. Vício é a privação de
perfeição da natureza por disposição habitual contrária ao bem da
mesma [STh.I-II,q71,a1,c]. O vício opõe-se à virtude. Ora, a virtude de
cada coisa consiste em que esteja bem disposta segundo o que convém
à natureza. Logo, deve-se chamar vício, em qualquer coisa, o fato de
estar em disposições contrárias ao que convém à sua natureza [STh.I-
II,q71,a2,c]. O hábito é que está no meio entre a potência e o ato. É
evidente que o ato é mais do que a potência, no bem como no mal. Por
isso é melhor agir bem do que poder agir bem e, do mesmo modo, é
pior agir mal do que poder agir mal. Portanto, o ato vicioso é pior do
que o hábito mal ou o vício [STh.I-II,q71,a3,c]. Pois bem, denomina-se
pecado, como já aludimos, o ato vicioso que se opõe: à lei eterna, que é
Deus, ou seja, é a aversão a Deus e a conversão às coisas criadas e à lei
natural da razão, que é a lei da natureza humana. Portanto, em
oposição às virtudes cardeais há os vícios ou pecados capitais, ditos
deste modo, porque são cabeças e dão origem a muitos outros [STh.I-
II,q.84,a4,c]. Os vícios se dividem segundo a oposição às virtudes.
Sendo assim, temos: Vícios capitais: desordem do intelecto e das
potências apetitivas. Com relação à prudência, a reta razão de agir, que
ordena e inclina a razão ao fim último que é Deus, se contrapõe o
vício: soberba: apetite desordenado da própria excelência e início de
todos os vícios [STh.I-II,q84,a2,c]. Com relação à justiça, que ordena e
inclina a vontade dar a cada um o que lhe convém se contrapõem os
vícios: avareza: apetite desordenado das riquezas, de qualquer bem
temporal e corruptíveis [STh.I-II,q84,a1,c] e inveja: apetite
desordenado dos bens alheios que se caracteriza como uma tristeza em
que considera que o bem do outro é um mal pessoal [STh.II-
II,q36,a1,c]. Com relação à fortaleza, que põe firmeza na vontade frente
ao apetite sensitivo irascível se contrapõem os vícios:preguiça: apetite
desordenado que se configura como uma tristeza profunda que produz
no espírito do homem tal depressão que este não tem vontade ou ânimo
de fazer mais nada, e se manifesta como um torpor do espírito que não
pode empreender o bem [STh.II-II,q35,a1,c] e ira: apetite desordenado
que se configura como tristeza e se conflagra no desejo e na esperança
de vingança [STh.I-II,q46,a1,c].Com relação à temperança, que põe
moderação na vontade frente ao apetite sensitivo concupiscível se
contrapõem os vícios: gula: apetite desordenado do desejo e do deleite
de alimentos [STh.II-II,q148] e luxúria: apetite desordenado do desejo
e dos prazeres sexuais [STh.II-II,q153]. À virtude da religião opõem-se a
superstição e a irreligiosidade.
3.4.2. Vícios que coincidem com a religião no fato de manifestar
o culto divino - A superstição:

(a) O que é? A religião é virtude moral. O vício se opõe à virtude por
excesso ou por defeito. A superstição é um vício oposto por excesso à
religião, não porque apresente mais ao culto divino que a verdadeira
religião, mas porque presta culto divino ou a quem não deve ou do
modo que não deve [STh.II-II,q92,a1,c].

(b) Tipos de superstições: Há diversas espécies de superstições: quanto


à pessoa devida e quanto ao modo. Assim tem-se: a superstição do culto
indevido; a idolatria, a adivinhação e as práticas supersticiosas [STh.II-
II,q92,a2,c].

(c) Superstição do culto indevido ao Deus verdadeiro: No culto do Deus


verdadeiro pode haver algo pernicioso, como a mentira, que consiste
em contradizer com sinais externos, como não celebrar no culto divino
a paixão de Cristo, por afirmar-se que Cristo ainda sofrerá a paixão ou
celebrar a missa de outro modo que o instituído por Cristo [STh.II-
II,q93,a1,c]. Do mesmo modo, poderá haver algo supérfluo no culto
divino, ou seja, algo que não seja proporcionado ao fim, como quaisquer
coisas que não se refira à glória de Deus, que não conduza o homem a
Deus, que não sirva para refrear com moderação a concupiscência, ou
mesmo contrarie o que foi instituído por Deus e os bons costumes
sociais, tudo isso deverá ser tido como supérfluo e supersticioso,
porque se limita a exterioridades e não pertence ao culto divino [STh.II-
II,q93,a2,c].

(d) Superstição da idolatria: A idolatria é uma espécie de superstição


introduzida pela vaidade humana [STh.II-II,q94,a4,c] que consiste no
culto de falsos ídolos esculpidos e adorados como deuses [STh.II-
II,q94,a1,c]. Adorar ou prestar culto a ídolos ou imagens interior ou
exteriormente, não só é pecado, senão o maior dos pecados [STh.II-
II,q94,a3,c], porque priva Deus da reverencia merecida e necessária
[STh.II-II,q94,a2,c]. Portanto, deve-se dizer que o culto de latria jamais
foi exibido às imagens nos tabernáculos e sinagogas da Antiga Lei, nem
agora nas Igrejas. Presta-se culto às imagens para significar que pelas
imagens sensíveis, é confirmada na alma a fé concernente à excelência
dos anjos e dos santos. É diferente, porém, quando o culto se presta à
imagem de Cristo, pois sendo Deus, recebe o culto de latria [STh.II-
II,q94,a2,ad1].

(e) Superstição das adivinhações: Por adivinhação entende-se certo


conhecimento antecipado dos eventos futuros, os quais podem ser
conhecidos de duas formas: nas causas ou em si mesmos [STh.II-
II,q95,a1,c]. Pelo conhecimento das causas os astrônomos podem, por
exemplo, conhecer com certeza ou com certa probabilidade eventos
futuros, como prever os eclipses da lua, conhecer e anunciar com
antecedência as chuvas e as secas pela observação das estrelas [STh.II-
II,q95,a1,c]. Não obstante, algumas causas consideradas em si mesmas
são indiferentes para este ou aquele efeito e não podem ser previstos,
porque essas causas não se inclinam determinadamente a produzir tais
efeitos. E são chamados de adivinhos, como se estivessem cheios de
Deus, e simulam estarem cheios de divindade e, mediante fraudulenta
astúcia, dão palpites sobre o futuro [STh.II-II,q95,a1,c]. Adivinhar não é
prenunciar o que necessariamente irá acontecer ou ocorrerá na maioria
das vezes e que pode ser conhecido pela razão humana. A adivinhação é
uma espécie de superstição, porque consiste no culto indevido à
divindade, na medida em que assume para si algo divino, quando
alguém recebe auxílio demoníaco para fazer ou conhecer alguma coisa
[STh.II-II,q95,a2,c]. Em síntese, a adivinhação busca nos demônios
conselho e auxílio para que se conheça o futuro. Isto é feito por
expresso rogação, ou sem que o homem rogue, os demônios
ocultamente interferem para prenunciar coisas futuras que os homens
desconhecem [STh.II-II,q95,a3,c]. Assim sendo, a adivinhação é de dois
tipos: com a expressa invocação e auxílio dos demônios e sem a
expressa invocação dos demônios. (1) A adivinhação com a expressa
invocação e auxílio dos demônios, que é ilícita [STh.II-II,q95,a4,c],
divide-se em tais espécies:deslumbramento, quando a adivinhação é
mediante aparições fantásticas, mostrando-se à vista e aos ouvidos dos
homens; adivinhação por sonho, que é ilícita [STh.II-II,q95,a6,c], ocorre
quando a adivinhação aparece no sonho; necromancia, quando a
adivinhação se dá pela aparição dos mortos ressuscitados e
respondendo às perguntas; pitonisas, quando a adivinhação é por meio
de homens vivos, como acontece nos possessos; geomancia, quando a
adivinhação é feita mediante coisas que apareciam em coisas
inanimadas; aeromancia, quando a adivinhação é feita mediante o
ar; hidromancia, quando a adivinhação é feita mediante a
água; piromancia, quando a adivinhação é feita mediante o fogo. (2) A
adivinhação sem a expressa invocação dos demônios, são de dois
gêneros: (2.1) Saber o futuro pelo conhecimento das disposições de
algumas coisas: astrologia ou geneatílicos, que é ilícita [STh.II-
II,q95,a5,c], ocorre quando a adivinhação é feita pela disposição dos
lugares e movimentos dos astros, na medida em que considera os dias
de nascimento dos homens; augúrio, que também é ilícita [STh.II-
II,q95,a7,c], ocorre quando a adivinhação é feita pelos pios das aves ou
pelos sons dos outros animais, pelos espirros dos homens ou pelos
gestos; auspício, quando a adivinhação é feita pela observação das
aves; agouro, quando a adivinhação é feita acerca de palavras de uma
pessoa ditas com outra intenção, que alguém retorce para o futuro que
quer conhecer; quiromancia, quando a adivinhação é feita pela
observação das linhas da mão; espatulimancia, quando a adivinhação é
feita mediante a observação das espáduas salientes de algum animal.
(2.2) Saber o futuro pela observação do efeito de gestos realizados no
intuito de se conhecerem as coisas ocultas: geomancia, quando a
adivinhação é feita pelo prolongamento de pontos; sortilégio, que em
via geral é ilícito [STh.II-II,q95,a8,c], ocorre quando a adivinhação é
mediante figuras, que provêm do chumbo derretido jogado na água, ou
pela colocação de algumas folhas escritas ou em branco, numa urna,
considerando-se o que cada um receber, ou pela simples retirada de
uma vareta entre outras, ou pelo jogo de dados, ou também pela leitura
da página de um livro aberto por acaso. Três são os gêneros de
adivinhação: a necromancia, quando se recorre explicitamente aos
demônios; o augúrio, quando a adivinhação é feita mediante a
observação das disposições e movimentos das coisas e o sortilégio,
quando se faz algo para conhecer o que se está oculto [STh.II-
II,q95,a3,c].

(f) Superstição das observâncias: Por superstição das observâncias


entende-se as práticas supersticiosas. As práticas supersticiosas são de
quatro tipos: as práticas para adquirir conhecimento ensinados na arte
notória, onde se procura adquirir ciência não pelos meios naturais
próprios, descobrindo e aprendendo, mas para se conseguir uma
ciência que se é incapaz de produzir, como por exemplo, pela visão de
algumas figuras ou da pronúncia de palavras misteriosas, o que é ilícito
e ineficaz [STh.II-II,q96,a1,c]; as práticas que se ordenam à
conservação do corpo, de sua saúde, como o uso de magias, amuletos,
remédios condenados pela medicina, tatuagens, medalhas ou brincos
são ilícitos [STh.II-II,q96,a2,sed contra], pois não se apóiam em causas
naturais para adquirir a saúde do corpo, mas de forma ilícita de pactos
e invocações e auxílios dos demônios [STh.II-II,q96,a2,c]; as práticas
que se ordenam à previsão da boa ou má sorte, como pé de coelho,
pular numa perna só, entrar em algum lugar com o pé direito, tudo isso,
todas essas crendices são ilícitas e supersticiosas, parecem ser restos
da idolatria no qual se observam os augúrios ou em dias felizes ou
infelizes, sendo tais crendices desprovidas de critérios e grosseiras
[STh.II-II,q96,a3,c]; o uso de palavras sagradas atadas ao pescoço,
pendurar colares, uso de anéis com inscrições ou das fímbrias das
túnicas enfeitadas com nomes de anjos, são práticas supersticiosas e
ilícitas, pois é melhor ter a compreensão destas palavras no coração do
que em outros lugares [STh.II-II,q96,a4,c].

3.4.3. Vícios que apresentam manifesta oposição à religião, por


desprezo daquilo que pertencem ao culto divino - A irreligiosidade:
(a) O que é? Ato vicioso oposto à virtude da religião que apresenta
manifesta oposição à devida reverência e culto divino, por desprezo
daquilo que pertence ao culto divino. (b) Tipos de irreligiosidade: São
de dois tipos: a irreligiosidade dita do ato que se opõe diretamente à
reverência a Deus. Este ato vicioso pode ser:
por tentação de Deus ou perjúrio e a irreligiosidade dita do ato que se
opõe à reverência das coisas sagradas, que pode ser o sacrilégio e
asimonia.

3.4.3.1. Vícios que pertencem diretamente à irreverência a Deus:


Vícios de irreligiosidade que assumem irreverentemente o nome de
Deus: tentação de Deus e perjúrio.

(a) Tentação de Deus: tentar é pôr à prova a quem tentamos [STh.II-


II,q97,a1,c]. Ninguém põe à prova o que tem por certo, por isso toda
tentação provém da ignorância ou da dúvida [STh.II-II,q97,a2,c].
Por tentação de Deus entende-se o pecado que ignora ou põe em dúvida
o que pertence a perfeição divina [STh.II-II,q97,a2,c] e ocorre quando o
homem, para evitar o perigo, deixa de fazer o que pode, só esperando o
auxílio divino [STh.II-II,q97,a1,sed contra]. A tentação de Deus opõe-se
à virtude de religião, porque se a religião tem por finalidade tributar
honra a Deus, tudo que se Lhe opõe implica diretamente falta de
reverência à sua dignidade, portanto está claro que quem tenta a Deus
peca contra a virtude de religião [STh.II-II,q97,a3,c]. A tentação pode
ser por palavras ou por atos. Por palavras, como na oração, para
conhecer se Deus sabe, pode ou quer fazer o que lhe pedimos. Por atos,
como na ação, no que se faz, para verificar a sua prudência, a sua
vontade e o seu poder. Em síntese, tenta a Deus quem, podendo fazer
outra coisa, sem motivo se expõe ao perigo, para experimentar se Deus
o livrará desse perigo [STh.II-II,q97,a1,c].

(b) Perjúrio: Perjurar é jurar em falso, ou jurar como verdadeiro o que


julga ser falso e que talvez possa ser verdadeiro [STh.II-II,q98,a1,obj1].
Em síntese, o perjúrio é a mentira afirmada com juramento [STh.II-
II,q98,a1,sed contra]. Ora, jurar é invocar a Deus como testemunha.
Será irreverência a Deus invocá-Lo para testemunhar uma falsidade,
porque há de pensar que Deus desconheça a verdade ou que deseje
testemunhar uma falsidade. Logo, o perjúrio é manifestamente pecado
mortal [STh.II-II,q98,a3,c] contrário à virtude de religião, cujo objeto é
reverenciar a Deus [STh.II-II,q98,a2,c]. É ilícito jurar em falso, mas é
lícito a pessoa pública exigir juramento a quem jura falso [STh.II-
II,q98,a4,c].

3.4.3.2. Vícios que se referem à irreverência das coisas sagradas:


Vícios de irreligiosidade que manifesta a irreverência às coisas
sagradas: sacrilégio e simonia.

(a) Sacrilégio: Por sacrilégio entende-se o furto ou violação de coisas


sagradas [STh.II-II,q99,a1,sed contra]. Uma coisa é sagrada pelo fato
de estar destinada para o culto divino, pois o que se é destinado para o
culto divino torna-se, de certo modo, divina e a ela será prestada a
reverência que se refere a Deus [STh.II-II,q99,a1,c]. De tal modo que,
quanto maior a santidade possui a coisa sagrada que foi violada, tanto
maior será o sacrilégio [STh.II-II,q99,a3,c]. O sacrílego viola a coisa
sagrada, embora esta não seja por ele violada [STh.II-II,q99,a1,ad3]. O
sacrilégio é pecado especial, enquanto deformidade especial causado
pela irreverência, que viola uma coisa sagrada [STh.II-II,q99,a2,c].
Assim como a santidade diz-se da pessoa, do lugar e de coisas sagradas,
o sacrilégio pode ser contra a pessoa, o lugar e as coisas sagradas
[STh.II-II,q99,a3,c] e em todo e qualquer caso é lícito a pena pecuniária
para que se evite novamente a reincidência e a punição sirva de
ensinamento para outros [STh.II-II,q99,a4,c].

(b) Simonia: O termo origina-se do ato de Simão de tentar comprar o


dom do Espírito Santo. Ato que foi condenado por São Pedro [At. 8,20].
Por simonia entende-se, então, a vontade deliberada de comprar ou
vender um bem espiritual ou um bem anexo a ele. Por três razões a
compra e venda de coisas espirituais são matérias indevidas: (1) porque
não pode uma coisa espiritual ser paga por preço terreno; (2) porque só
é matéria possível de venda o que o vendedor possui e (3) porque a
venda vai contra a origem das coisas espirituais, que procedem da
vontade gratuita de Deus [STh.II-II,q100,a1,c]. Não será pecado nem
simonia receber alguma coisa para o sustento daqueles que ministram
os Sacramentos, quando isso corresponde a determinações ou a
costumes aprovados pela Igreja. Tal é permitido porque não é
considerado como transação comercial, mas como contribuição para
satisfazer uma necessidade [STh.II-II,q100,a2,c]. Por isso, é ilícito
vender por utilidade ou recompensa atos espirituais que procedem da
graça invisível [STh.II-II,q100,a3,sed contra], mas não o é, depois de
exercidas gratuitamente essas funções espirituais, exigir as ofertas e
outras retribuições, estabelecidas pelos costumes ou pelas normas
eclesiásticas, seja de quem aceita, seja de quem não aceita dá-las, com
a intervenção da autoridade superior [STh.II-II,q100,a3,c]. Do mesmo
modo é ilícita a compra de Igrejas, benefícios ou qualquer outro bem
eclesiástico [STh.II-II,q100,a4,sed contra]. Mas não é ilícita a venda de
coisas não sagradas que poderão ser usadas no culto divino, como a
venda de velas ou vasos, porque não estão unidas aos bens espirituais e
tais coisas não pressupõem coisas sagradas, até porque são anteriores
a elas [STh.II-II,q100,a4,c]. É simonia doar bens espirituais por um
serviço de favor ou verbal ou por dinheiro [STh.II-II,q100,a5,c]. Porque
não se pode conservar aquilo que se recebeu contra a vontade do seu
dono, convém impor pena para o simoníaco e privá-lo daquilo que
mediante a simonia adquiriu. Logo, aqueles que conseguiram bens
espirituais mediante serviços, não os poderão licitamente conservar
[STh.II-II,q100,a6,c].

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