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RESENHA
Daí o autor definir a colonização nos trópicos irradiador”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 55 e 56).
como “uma vasta empresa comercial”, cujo único É a partir da análise das três grandes fases em
objetivo é fornecer produtos primários de alto valor que se processa a evolução do povoamento no
para o mercado externo. Tendo como base a Brasil, com seus fluxos e refluxos entre o litoral e o
produção agrícola e mineradora realizada em interior, ao sabor do desenvolvimento de cada ciclo
grande escala, ela se organiza em torno de “grandes econômico, que o autor constata a grande
unidades produtoras que reúnem um número mobilidade da população, refletindo, mais uma vez,
relativamente avultado de trabalhadores”, o caráter da colonização: aproveitamento aleatório
recrutados “de outras raças, indígenas do continente de conjunturas passageiramente favoráveis, com
ou negros africanos importados” e dirigidos pelo vistas a um mercado exterior e longínquo. De fato,
colono branco. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 29 e 31). Caio Prado adverte que “[...] a colonização não se
Sobre tal estrutura, conclui Caio, ergueu-se orienta no sentido de constituir uma base econômica
nos trópicos “uma sociedade inteiramente sólida e orgânica, isto é, a exploração racional e
original”, diferentemente do que ocorreu na zona coerente dos recursos do território para a satisfação
temperada, onde se formou uma sociedade que, das necessidades materiais da população que nele
embora com caracteres próprios, guardou habita”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 73).
semelhanças em relação à do continente europeu Essa primeira parte do livro que trata do
donde se originou, revelando-se mesmo “pouco “Povoamento” se encerra com o capítulo dedicado
mais do que simples prolongamento dele”. ao exame das raças que contribuíram para a
(PRADO JÚNIOR, 1972, p.27 e 31). formação de nossa nacionalidade. Nele o autor,
Essas observações acerca do Sentido da seguindo a linha de Gilberto Freire, ressalta a
Colonização, por serem consideradas a chave para mestiçagem como a solução mais eficiente
a compreensão do conjunto, são recorrentes, sendo encontrada pelos portugueses para a incorporação
retomadas pelo autor ao término do exame de cada das populações indígena e negra aos objetivos
setor da realidade histórica brasileira que constitui colonizadores. Vista como “o signo sob o qual se
o objeto dos demais capítulos. formou a etnia brasileira” a mestiçagem teria
Segundo Fernando Novais, é exatamente esse resultado “da excepcional capacidade do português
movimento do discurso que revela o caráter dialético em se cruzar com outras raças”, fruto de sua antiga
do pensamento de Caio Prado: “o sentido, isto é, a convivência com os mouros e com as populações
essência do fenômeno explica as suas negras da África, favorecida, por seu turno, pela
manifestações e ao mesmo tempo explica-se por própria posição geográfica de Portugal e
elas [...]. Recortado o objeto, a análise desdobra- intensificada pela invasão árabe, bem como pelo
se, portanto, em dois movimentos: da aparência processo de expansão colonial iniciado no século
para a essência e da essência para a realidade” XV. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 107 e 108).
(NOVAIS, 1986, p. 16) Além dessa “predisposição do português em
A primeira manifestação do sentido da cruzar com raças exóticas”, são ainda
colonização, analisada pelo autor, em seu considerados fatores determinantes da
movimento de aproximação da realidade concreta, miscigenação: o caráter individual e aventureiro
refere-se à forma particular assumida pelo que assumiu a emigração do colono português
povoamento do território brasileiro. Este teria se para o Brasil e a ausência de freios morais por
caracterizado por um flagrante desequilíbrio inicial parte das outras raças, sobretudo dos índios.
entre o litoral e o interior, em favor do primeiro, Nesse contexto, as uniões mistas envolvendo
exprimindo o caráter predominantemente agrícola a raça dominadora e raças dominadas tornar-se-
da colonização e a decorrente “preferência pelas iam a regra, predominando, dentre estas, a do
férteis, úmidas e quentes baixadas da marinha”. A branco com o negro, mais do que do branco com
penetração para o interior só se adensaria na o índio, devido ao maior peso relativo da população
primeira metade do século XVIII, quando da africana, à sua maior resistência física e ao seu
descoberta do ouro em Minas Gerais, Cuiabá e contato mais íntimo com o colono português.
Goiás. (PRADO JR., 1972, p. 39) (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 110).
Um destaque especial é dado à pecuária como Traçado o quadro étnico geral da sociedade
importante fator de ocupação e integração do brasileira e realçadas algumas diferenças regionais,
território, sendo ainda destacadas as decorrentes do tipo de atividade econômica
especificidades da penetração ocasionada pelas predominante e das especificidades assumidas pela
fazendas de gado em relação àquela decorrente colonização em cada parte do país, o autor dedica-
da mineração. Enquanto esta última se se, então, à análise da “Vida Material” da Colônia, a
caracterizaria pelo deslocamento brusco e pelo qual mereceu a sua maior atenção.
desligamento dos núcleos mineradores entre si e Destaca, nesta dimensão, o lugar central
em relação ao litoral, a primeira ter-se-ia ocupado pela grande exploração, voltada para
desenvolvido de forma paulatina e por contigüidade, produzir e exportar gêneros tropicais ou minerais
conservando os núcleos do interior “contato íntimo de alto valor no mercado internacional, afirmando
e geograficamente contínuo com o seu centro mesmo que “tudo mais [...] será subsidiário e
destinado unicamente a amparar e tornar possível específicos. Trata-se das produções extrativas
a realização daquele fim essencial”. (PRADO desenvolvidas no vale amazônico, a maioria delas
JÚNIOR, 1972, p. 119). inexpressivas em termos de quantidade e de valor
Assim sendo, o elemento fundamental e comercial, bem como das atividades de
característico da organização econômica da transformação, organizadas em corporações, nos
Colônia, presente tanto na agricultura como na centros urbanos, onde as profissões mecânicas
mineração, seria a grande unidade produtora, são mais numerosas e autônomas, porém,
reunindo numerosos contingentes de reduzidas a simples acessórios dos
trabalhadores escravos e dirigida pelo colono estabelecimentos agrícolas e de mineração, fora
branco, que personifica a figura do “empresário daqueles centros. Neste capítulo, que trata das
explorador de grande negócio”. artes e indústrias, são destacados como ramos
Para Caio Prado, “[...] é neste sistema de mais importantes o das manufaturas têxteis e o
organização do trabalho e da propriedade que se da metalurgia, dada a abundância das matérias-
origina a concentração extrema de riqueza que primas por eles utilizadas e a existência de um
caracteriza a economia colonial” (Idem, p. 124). mercado interno de relativa importância. Não
E, mais adiante, dando ênfase especial à grande obstante, conforme atesta Caio Prado, nem
lavoura da cana-de-açúcar, mas estendendo mesmo esses ramos alcançaram grande vulto,
também suas observações às demais atividades devido às fortes restrições legais impostas pela
fundadas na exploração em larga escala, coroa portuguesa e ao peso da concorrência
complementa: inglesa, especialmente no caso da indústria têxtil.
O exame da estrutura econômica colonial
É deste tipo de organização [...] que encerra-se com os capítulos dedicados ao comércio
derivou toda a estrutura do país: a e às vias de comunicação e transportes. Visto como
disposição das classes e categorias de
o setor capaz de revelar, melhor que qualquer um
sua população, o estatuto particular de
cada uma e dos indivíduos que a
dos outros pertencente à área de produção, o
compõem. O que quer dizer, o conjunto caráter de uma economia, o comércio colonial
das relações sociais no que têm de expressaria, para o nosso autor, o coroamento, a
mais profundo e essencial. (PRADO síntese da vida material da Colônia.
JÚNIOR, 1972, p. 143). Assim sendo, o seu eixo fundamental não
poderia ser outro que não o da exportação, pela via
Um outro elemento fundamental que particulariza marítima, dos produtos tropicais, do ouro e do
a economia colonial, sobressaindo-se na análise diamante para o mercado internacional, sob o
que faz o autor de cada atividade em que se monopólio da metrópole. “Em função dele, dispor-
concentra a grande exploração, é o seu baixo nível se-ão os outros setores acessórios do comércio da
de desenvolvimento tecnológico, configurando, por Colônia e que não têm outro fim que alimentar e
conseguinte, um padrão de “exploração extensiva amparar aquela corrente fundamental”. (PRADO
e especuladora, instável no tempo e no espaço, dos JÚNIOR, 1972, p. 135).
recursos naturais do país”. (Idem, p. 129) Nesta última classificação, incluem-se, em
Nesse ponto do livro intitulado “Vida Material”, ordem de importância, a importação de escravos
são também abordados os setores que não provenientes da Costa da África, o comércio interno
pertencem à grande exploração, ou que nela têm de produtos de subsistência que abastecem as
um papel subalterno, constituindo o que Caio Prado populações dos centros urbanos (visto que os
considera o segmento inorgânico da economia, cuja estabelecimentos rurais são, em regra, autônomos)
lógica de funcionamento não é presidida e, em proporções menores, a importação de
diretamente pelos fins últimos que dão sentido à gêneros alimentícios de luxo e manufaturados,
colonização. Incluem-se aí as atividades consumidos pelos dirigentes da grande exploração
econômicas voltadas para o mercado interno, como agrícola ou mineradora.
a agricultura de subsistência, de baixa A prioridade atribuída à esfera da circulação, em
produtividade, localizada preferencialmente nas detrimento da esfera da produção, revelada
proximidades dos grandes centros urbanos a que explicitamente neste capítulo, mereceu a crítica de
se destina, e a pecuária, praticada de forma alguns autores, sendo entendida como resultante
bastante rudimentar, sobretudo nos sertões da não apropriação, por parte de Caio Prado, de
nordestinos, mas de reconhecida importância, algumas categorias marxistas fundamentais. Dentre
devido aos já mencionados benefícios por ela estas, destaca-se, por exemplo, o conceito de modo
prestados à ocupação e integração do território, de produção que tem pouco peso nas suas obras
como também à função que desempenhou, no historiográficas, inclusive no livro aqui em análise.
abastecimento da população. Segundo Coutinho (2000, p. 223), embora tal
Além dessas atividades, são ainda limitação tenha levado o autor a cometer alguns
contempladas pelo autor outras, também de papel equívocos (como confundir o predomínio de
secundário na economia colonial, mas que relações mercantis no período colonial com a
merecem uma atenção detalhada em capítulos existência de um sistema capitalista no Brasil), ao
contrário de negar, ela reafirma “a sua criatividade advertindo que, enquanto estas últimas haviam
e os seus extraordinários méritos pioneiros brotado de todo o conjunto da vida social, material
enquanto intérprete marxista da história brasileira”. e moral de sua época, a primeira, como parte
Além disso, não o teria impedido de desenvolver inerente da era dos grandes descobrimentos
uma análise fecunda e adequada da formação ultramarinos, será
econômico-social brasileira da época colonial,
definida como “um escravismo mercantil fundado um recurso de oportunidade de que
na grande exploração rural, produtora de valores- lançarão mão os países da Europa, a
de-troca para o mercado internacional”. fim de explorar comercialmente os
(COUTINHO, 2000, p. 224) vastos territórios e riquezas do Novo
Mundo”, insinuando-se como um
Por último, para complementar o quadro da vida
“corpo estranho na estrutura da
material no Brasil-Colônia, Caio Prado ressalta o civilização ocidental em que já não
caráter difícil e moroso das vias de comunicação e cabia [e contrariando-lhe] todos os
transportes “que imprimem às relações da Colônia padrões morais e materiais
um ritmo lento e retardado”, responsáveis, em boa estabelecidos. (PRADO JÚNIOR,
dose, “pelo tom geral de vida frouxa que caracteriza 1972, p. 270)
o país”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 237).
Assim, a situação da economia brasileira no final Aqui é evidente o tom de indignação e de
do período colonial, retratada nesta parte do livro, condenação moral impresso nessa severa crítica
caracteriza-se, em síntese, pela precariedade das que faz Caio Prado à capacidade que teve a Europa
bases em que se assenta, pela falta de dinamismo de fazer renascer das cinzas uma instituição que
e de autonomia, bem como pela subordinação a parecia definitivamente abolida, sem qualquer
objetivos completamente estranhos, condicionados escrúpulo de ter que despojar-se, para tanto, de
pela conjuntura internacional. O autor atribui tal todos os valores éticos sobre os quais se erigia a
estado de coisas ao “trabalho ineficiente e quase civilização ocidental moderna.
sempre semibárbaro do escravo africano” Outra especificidade do instituto escravista
(momento, como outros, em que deixa escapar moderno, que teria pesado desfavoravelmente na
certa dose de preconceito) e ao regime político e civilização ibérica e, particularmente, na constituição
administrativo imposto pela metrópole, refletido, das colônias americanas, estaria relacionada aos
dentre outras coisas, no completo isolamento a que componentes étnicos de que teve de lançar mão,
foi submetido o país; na política fiscal que, representados pelos indígenas americanos e negros
particularmente no ciclo da mineração, foi africanos. De fato, em alguns de seus deslizes
considerada “o capítulo mais negro talvez da preconceituosos, o nosso autor afirma que se trata
administração colonial portuguesa”; no rudimentar de “povos de nível cultural ínfimo, comparado ao
sistema de educação, responsável pelo baixo nível de seus dominadores, [...] simples máquina de
cultural e intelectual da Colônia. Porém, para Caio, trabalho bruto e inconsciente [...] povos bárbaros e
esses seriam apenas aspectos, dos menos semibárbaros [...] pretos boçais e índios apáticos”.
profundos, do sistema geral que presidiu a (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 272 e 277).
colonização do Brasil. Destacar-se-ia, sobretudo, o É verdade que Caio, de certa forma, se redime
regime econômico que tinha como estreito horizonte de tais expressões de cunho racista, quando
a produção de gêneros tropicais, sobressaindo mais distingue o negro e o índio do escravo e atribui o
ainda diante do acelerado desenvolvimento caráter estreito, passivo e unilateral da contribuição
industrial e tecnológico já experimentado no mundo, desses elementos à nossa cultura ao próprio sentido
no início do século XIX. da colonização, que os teria reduzido à condição
Estaria aí, portanto, o cerne da explicação para de mera força física. Nesse sentido, ressalta que
o fato de que o Brasil, mesmo após abolido o regime “nada mais se queria [deles] e nada mais se pediu
colonial, com a Independência, mantinha o estatuto e obteve que a sua força bruta, material. Da mulher,
de produtor e exportador de gêneros para abastecer mais a passividade da fêmea na cópula. Num e
o comércio internacional, perpetuando-se como noutro caso, o ato físico apenas, com exclusão de
“uma feitoria da Europa”. (PRADO JÚNIOR, 1972, qualquer outro elemento ou concurso moral. A
p. 127). animalidade do Homem, não a sua humanidade”.
A análise da “Vida Social” da Colônia, que ocupa Dessa forma, todo o arsenal de cultura trazido pelo
a última parte do livro, aborda a “organização social”, escravo africano ou indígena teria sido abafado e
a “administração” e a “vida social e política”. Uma deturpado pelo estatuto social, material e moral que
ênfase especial é dada à escravidão e à sua a obra da colonização lhes havia reservado.
“influência deletéria” na nossa formação, sendo (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 272)
mesmo entendida como o traço mais marcante que Uma das conseqüências mais nefastas da ampla
caracteriza a sociedade brasileira, no princípio do disseminação do trabalho escravo, em vários
século XIX. setores da vida econômica e social do Brasil
O autor distingue, logo de início, a escravidão Colônia, foi a cristalização de uma ética de
americana das formas servis do mundo antigo, desvalorização do trabalho, transformado em
ocupação pejorativa e desabonadora, pelo lugar que confecção de leis [...]; o excesso de
ele ocupa na sociedade, restando apenas pequena burocracia dos órgãos centrais [...];
margem de atividades laborais dignas destinadas centralização administrativa que faz de
ao homem livre. Lisboa a cabeça pensante única
[...].(PRADO JÚNIOR, 1972, p. 333).
Com efeito, o que distingue a estrutura social
brasileira, no período em estudo, é o imenso vácuo
Acrescente-se ainda a tudo isso uma justiça
que se abre entre os dois extremos da escala,
cara, morosa e inacessível à grande massa da
representados, no topo, pela pequena minoria de
população, a insegurança generalizada, o
senhores, dirigentes da colonização nos seus vários
orçamento deficitário, o descaso geral para com os
setores e, na base, pela grande quantidade de
serviços públicos de educação, saúde pública,
escravos, que constituem a massa trabalhadora.
saneamento e infra-estrutura, bem como a
Entre esses dois extremos, afirma Caio, “[...] imoralidade e a corrupção, na administração
comprime-se o número que vai avultando com o pública.
tempo, dos desclassificados, dos inúteis e Todo esse caos é atribuído ao espírito particular
inadaptados; indivíduos de ocupações mais ou que anima o governo metropolitano, cujos objetivos,
menos incertas e aleatórias ou sem ocupação ao gerir a sua Colônia, raramente foram além dos
alguma”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 281). proveitos imediatos que podia auferir sob a forma
Há que se destacar ainda o lugar central que o de tributos. “Um objetivo fiscal, nada mais que isto,
autor atribui ao clã patriarcal, na organização social é o que anima a metrópole na colonização do Brasil”
brasileira, no que, aliás, sua análise não diverge (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 337).
das de outros autores, destacando-se dentre eles Neste capítulo que trata da administração
Gilberto Freire. Tendo como berço o grande domínio colonial, uma ênfase especial é conferida à Igreja
rural, o clã patriarcal é “a unidade econômica, social, como esfera de grande importância, não só pelo
administrativa e até de certa forma religiosa” em respeito e deferência que merece, mas pelo
torno da qual se agrupa grande parte da população reconhecido poder que desfruta de imiscuir-se nos
do país. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 286). É o palco mais diversos assuntos, seja de natureza pública,
de um conjunto de relações que vão além das seja privada.
derivadas da propriedade escravista e da Assim sendo, longe de se constituir em
exploração econômica, envolvendo “toda sorte de instituição autônoma e independente, a Igreja “se
sentimentos afetivos” que abrandam o poder tornara um simples departamento da administração
absoluto e o rigor da autoridade do proprietário, ao portuguesa e o clero secular e regular seu
mesmo tempo em que os reforçam, ao torná-los funcionalismo”, dada a colaboração e a identidade
mais consentidos (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 289). de propósitos que marcam a relação entre as
Dada a importância do grande domínio patriarcal, autoridades civis e eclesiásticas da Colônia.
em termos de poder, riqueza e autonomia, os (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 331 – 333)
centros urbanos são vistos pelo autor como “um Finalmente, no último capítulo do livro, intitulado
reflexo das condições dominantes no campo”, “Vida Social e Política”, Caio Prado Junior apresenta,
donde resulta que os senhores rurais também com aguda clareza e capacidade de síntese, uma
constituem aí a classe superior, acompanhados, “visão do conjunto da obra da colonização
porém, das altas autoridades da administração portuguesa no Brasil”.
militar, civil e eclesiástica, as quais “gozam mesmo Nessa perspectiva, destaca, como primeiro
de preeminência social e protocolar” (PRADO grande traço que caracteriza o Brasil do início do
JÚNIOR, 1972, p. 294). Destacam-se, além destas, século XIX, a ausência de nexo moral, sendo os
os comerciantes como uma classe diferenciada e mais fortes laços que mantêm a integridade social
definida que, embora não desfrute de tanto respeito derivados das relações de trabalho e de produção,
e prestígio, tem sua importância na vida colonial, particularmente, da subordinação do escravo ao seu
por representarem a classe credora que financia a senhor. Além desses laços primários, acrescenta
grande exploração, podendo, assim, fazer frente aos outros elementos secundários de integração,
proprietários, enquanto classe possuidora. expressos na pressão exterior exercida pelo poder
No que se refere à administração portuguesa soberano da metrópole e em “uma certa
na Colônia, cuja análise merece um capítulo uniformidade de atitudes, [...] de sentimentos, de
específico do livro, Caio Prado sintetiza a sua feição usos, de crenças, de línguas. De cultura, numa
geral no esboço que se segue: palavra”. (PRADO JÚNIOR, 1972, p. 346).
De fato, a sociedade colonial é vista como sendo
[...] falta de organização, eficiência e constituída de um núcleo central organizado, cujo
presteza do seu funcionamento [...]; elemento principal é a escravidão, e de um setor
processos brutais empregados, de que
periférico, caracterizado por uma tal inorganicidade
o recrutamento e a cobrança de
tributos são o exemplo máximo [...]; a e incoerência que nele não se pode vislumbrar
complexidade dos órgãos, a confusão sequer uma estrutura social.
de funções e competências; a Para complementar a caracterização da vida
ausência de métodos e clareza na colonial e das suas relações, são evidenciados os
Tais posições têm se revelado pertinentes e LAPA, José Roberto do Amaral. Caio Prado Junior:
fecundas para elucidar alguns de nossos principais Formação do Brasil contemporâneo. In: MOTA,
problemas do presente e para iluminar a ação Lourenço Dantas (org.). Introdução ao Brasil: um
política, com vistas a superá-los, demonstrando, banquete no trópico. V.1. 3. ed. São Paulo: Editora
dessa forma, o caráter seminal de “Formação do Senac, 2001.
Brasil Contemporâneo” enquanto livro que contém
a sede de todo o pensamento do autor. NOVAIS, Fernando A. Caio Prado Jr. na
De fato “Formação do Brasil Contemporâneo: historiografia brasileira. In: ANTUNES, Ricardo et
Colônia”, além de conter o núcleo teórico em torno al. (orgs.). Inteligência brasileira. São Paulo:
do qual se desenvolve toda a produção intelectual Brasiliense, 1986.
do autor, é reconhecidamente a expressão de um
raro rigor metodológico na aplicação do OLIVEIRA, Francisco de. Celso Furtado. Formação
materialismo histórico, demonstrando a econômica do Brasil. In: MOTA, Lourenço Dantas
fecundidade dessa forma de abordagem para a (org.). Introdução ao Brasil: um banquete no
apreensão das particularidades da formação trópico. V.1. 3. ed. São Paulo: Editora Senac, 2001.
econômica e social brasileira, em sua articulação
com a totalidade mais ampla em que se insere, ou _______. A Economia Brasileira: crítica à razão
seja, o sistema capitalista mundial. Assim sendo, dialética. Petrópolis: Vozes, 1988.
revela-se, a nosso ver, extremamente útil para a
compreensão do Brasil de hoje e não somente o PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil
do final do século XVIII e início do século XIX, corte Contemporâneo: colônia. 12. ed. São Paulo:
temporal privilegiado como o marco a partir do qual Brasiliense, 1972.
se inicia o longo e, na ótica do autor, inconcluso
processo histórico de transição entre a colônia e a _______. História Econômica do Brasil. 28 ed.
nação, sob os pesados condicionantes do passado São Paulo: Brasiliense, 1983.
colonial.
A tese central desenvolvida por Caio Prado
_______. Adendo à Revolução Brasileira. Revista
Junior, acerca do “Sentido da Colonização”, pode
Civilização Brasileira. Rio de Janeiro, n. 14, [19?].
contribuir para elucidar, dentre outras coisas, o
caráter excludente de nosso processo de
RICUPERO, Bernardo. Caio Prado Jr. e a
industrialização, desenvolvido sob a égide do
nacionalização do marxismo no Brasil. São
modelo de substituição de importações, do qual
Paulo: Departamento de Ciências Políticas da USP;
resultou uma estrutura produtiva heterogênea
Fapesp. Ed. 34, 2000.
(marcada pela convivência e articulação orgânica
entre o arcaico e o moderno), como também um
mercado de trabalho segmentado, com significativa
Valéria Ferreira Santos de Almada Lima
participação do setor informal. Doutora em Políticas Públicas; professora do Departa-
Da mesma forma, a referida tese pode fornecer mento de Economia e do Programa de Pós-Graduação
subsídios para entendermos a fragilidade daquele em Políticas Públicas da UFMA
modelo de industrialização, revelada pelos E-mail:neval@elo.com.br
movimentos em curso de globalização da
economia, de reestruturação produtiva e de
reordenamento das relações internacionais, Universidade Federal do Maranhão - UFMA
cabendo ao Brasil, neste contexto, uma inserção Av. dos Portugueses, s/n
subordinada, cujos reflexos mais flagrantes são a Campus Universitário do Bacanga
desestruturação de alguns ramos industriais e a São Luis-MA, Cep: 65.080-040
acentuação daqueles traços perversos herdados
de nosso passado mais recente.
REFERÊNCIAS