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RELATO DO PROJETO “NÓS FAZEMOS HISTÓRIA”: O USO DO RPG NUMA 8ª SÉRIE, NA

CIDADE DE FRANCA, SP

Célia Maria DAVID∗


Thiago Luiz BIROCCHI*

Resumo: Incrementando muitas aulas em diversas instituições de ensino atualmente, o RPG


(Role Playing Games) distingue-se como excelente ferramenta pedagógica na medida
em que trabalha os conteúdos programáticos de maneira interessante e divertida.
Trata-se de um jogo de interpretação em que são criados personagens, cenários e
roteiros. São, desta maneira, construídas histórias coletivamente, a partir da interação
cooperativa entre personagens fictícios, aproximando a realidade dos educandos dos
conteúdos programáticos institucionais, o que torna a aula mais interessante. Uma aula
de história, por exemplo, que se resuma a uma narrativa enfadonha que tenta conciliar
uma série de datas, acontecimentos e personalidades históricos e se apresenta
desconexa aos interesses dos educandos, pode ser substituída, ou no mínimo
auxiliada, por aulas que se utilizam do RPG como recurso didático que estimula a
cooperação e a criatividade na sala de aula.

Palavras-chave : ensino de História; criatividade; imaginação; cooperação.

INTRODUÇÃO

“Nós fazemos História” é de um projeto de ação pedagógica que foi desenvolvido


junto ao Núcleo de Ensino da UNESP/ Franca, e teve como sede de aplicação a 8ª série E, uma
classe de recuperação de ciclo, da Escola Estadual “Otávio Martins de Souza” da DR de Franca,
SP, no decorrer do ano de 2004. Assente nos princípios norteadores dos PCNs, o projeto tem
como recurso didático, uma atividade denominada RPG, o role playing games. Trata-se de um
jogo de representação de papéis, onde todos os participantes, exceto um – denominado Mestre
(no caso o bolsista) – escolhem, formam e representam um personagem, dentro de um mundo
imaginário, seguindo algumas regras. Esses jogadores não jogam uns “contra” os outros, e sim,
uns “com” os outros. Nesse jogo o importante não é vencer, e nem sequer competir, mas sim,
participar de maneira prazerosa e divertida. Durante um jogo de RPG, o Mestre tem a função de
escolher o cenário, a época, a ambientação, os papéis, a trama, enfim, é o roteirista, o ator
coadjuvante, o “juiz” do jogo. Num determinado contexto histórico, os personagens dos jogadores
terão de trabalhar em conjunto, cooperar entre si para resolverem as correntes situações-problema
para continuarem participantes do cenário. Enfim, o RPG consiste numa atividade lúdica que
constrói histórias através da oratória, diferenciando-se de uma narrativa de histórias porque
considera-se as múltiplas possibilidades de uma situação imaginária. A partir da experiência de


Professora Doutora do DECSP, da Faculdade de História, Direito e Serviço Social da UNESP/ Franca. Coordenadora do Projeto Nós
fazemos História/Núcleo de Ensino/ UNESP/Franca.
*
Aluno do 3º Ano do Curso de História da FHDSS/UNESP- Franca

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muitas sessões de RPG, estruturou-se este projeto conjugando a atividade com a sala de aula,
proposta que vem sendo aplicada com sucesso em muitas instituições de ensino.

O principal objetivo do projeto foi possibilitar um maior contato entre o imaginário


coletivo dos alunos, as propostas programáticas de conteúdos da grade curricular e a perspectiva
teórica do conhecimento docente, buscando, desta maneira: a construção coletiva do
conhecimento a partir de diferentes pontos de vista e experiências; desmistificar “verdades
absolutas”; uma relativa quebra nas relações verticais pedagógicas; elaborar conceitos históricos a
partir de situações imaginárias, experimentadas, sem desconsiderar o factual; exercitar as
propostas pedagógicas e alguns temas transversais presentes nos PCNs; e despertar o interesse
dos alunos para as aulas de história de maneira descontraída.

O ensino e a aprendizagem são elementos imanentes a um só processo, como nos


diz Conceição Cabrini (CABRINI,C; CIAMPI, H; VIEIRA, M; PEIXOTO, V; BORGES, V. 1986) e a
pedagogia freireana. Construir conhecimentos dialeticamente a partir de visões cotidianas de
mundo e perspectivas teóricas elaboradas pela academia científica é o eixo pragmático das
práticas educativas que possibilitam uma relativa quebra em paradigmas pedagógicos instituídos
sobre relações autoritárias. Tais formas de exercício pedagógico do poder é, ao mesmo tempo,
produto e produtor das relações autoritárias presentes em nosso sistema social. Portanto,
concordando com Marcos Silva (SILVA, M. 1984), relegar este espaço a um plano secundário na
vida social é ser conveniente com as formas de poder estabelecidas.

O desencadeamento de ações transformadoras é possível somente através da


compreensão crítica dos fatores que condicionam nossa realidade e reproduzem elementos que
permitem as condições de exploração a que estamos sujeitos. Se não compreendermos melhor a
história material da escola em oposição a uma história das idéias pedagógicas estaremos
condenados a permanecer prisioneiros das tradições e invenções dentro de uma dinâmica
reprodutiva, diz Silva (SILVA, M. 1984). O ensino tradicional de história se limita a imbutir nos
cérebros dos alunos uma história factual reducionista que simplifica o caráter das discussões;
exclui as especificidades históricas; distorce o caráter histórico dos conflitos, ou mesmo nem os
apresenta. A história da sociedade é relatada a partir de uma perspectiva européia de mundo, em
cuja pauta o Brasil se limita a uma conseqüência da expansão ultramarina provocada por fatores
mercantilistas dos “centros de comércio” europeus. Ademais, considera como fontes documentais
apenas documentos oficiais; associada a um livro didático que, conforme Kátia Maria Abud (In
SILVA, 1984) interpreta a história como epopéia de grandes heróis (e vilões) e acontecimentos,
criminosamente, não evidencia as contradições exploratórias do nosso sistema social mas, pelo
contrário, configura-se como mecanismo de manutenção das relações hierarquizadas pelos

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segmentos sociais dominantes. Acrescente-se recorrendo a Nadai e “justificadora do projeto
político de dominação burguesa” (NADAI, In: PINSKY, 1988).

O ensino de história tradicional engendrou a imagem de um professor de história


“narrador” de histórias”, lecionando uma disciplina desestimulante para os educandos e distantes
de suas realidades sociais. Indagações por parte dos alunos do gênero “por que se estudar esta
matéria chata?” refletem bem essa distância abissal. Não obstante, as relações hierarquizadas na
escola apresentam aos alunos um professor autoritário, descomprometido e desinteressado com
perspectivas heterogêneas acerca do saber e emissor das “verdades absolutas” que têm de ser
incorporadas. É muito complicado elaborar conhecimento considerando diferentes visões de
mundo em um espaço que institui unilateralidade e monoliticidade por parte do professor, onde o
aluno aprende e o professor ensina. Esta dicotomia não produz conhecimento, somente despeja
nos alunos uma série de informações desconexas e incoerentes, lógica coerente apenas para
preparar o aluno para o mercado de trabalho e para a aprovação no vestibular. Não se pensa a
estrutura de ensino, o papel do indivíduo nessa instituição ou o papel da escola como reprodutora
das estruturas que legitimam o poder hierarquizado e institucionalizado na sociedade.

Como ensinou-nos Paulo Freire, o educador também aprende e o educando


também ensina. Uma troca, quanto menos vertical, mais produtiva. Todos temos muitas
experiências a compartilhar e condições de contribuir para questionarmos nossas atitudes e
pensamentos. Silva (1984) reforçando o raciocínio, afirma que a divisão saber/não saber exclui o
vivido e trabalha somente com a perspectiva docente. Uma riqueza imensurável é ignorada e
reprimida na sala de aula.

A PROPOSTA

Aprender para nós é construir,


reconstruir, constatar para mudar, o que
não se faz sem abertura ao risco e à
aventura do espírito.
Paulo Freire

O ensino de história, como disciplina escolar, deve ter em pauta objetivos pautados
em propostas que: a) resgatem historicidades silenciadas (o termo é de Marcos Silva); b)
trabalhem com outras perspectivas historiográficas, questionando conhecimentos tido como
prontos e acabados; c) ressaltem o papel sócio-transformador das pessoas, ou seja, que façam o
aluno “perceber-se como parte integrante, dependente e agente transformador do ambiente”
(BRASIL, PCN/INTROD 1998,p 55); e d) construam um conceito de cidadania, como analisa a
mesma autora, não relegado somente ao cidadão político (o bom eleitor) mas que aborde também

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os processos sociais de resistência, reivindicação e luta, enfim, um cidadão consciente de seus
direitos.

Para Rocha,

O que acontece é que nem sempre o aluno se apropria da lógica subjacente ao


discurso, permanecendo no aparente, decorando e repetindo informações. O
imaginário do aluno, por outro lado, não é suficientemente explorado para que se
possa a partir dele estabelecer eixos conceituais que possibilitem trocas
dialéticas entre aluno, sujeito do conhecimento, e o objeto a ser conhecido, e
entre as suas distintas instâncias de pensamento (ROCHA, In NIKITIUK, 1996,
p62).

Diante do que se propõe, o RPG revela-se uma excelente ferramenta pedagógica,


na medida em que exercita:

♣ Resolução de situações-problema: ocorre o tempo todo, pois durante o jogo os


personagens dos alunos se defrontam com situações que precisam resolver
para continuar vivendo, e os alunos, continuar jogando. Realizado de maneira
lúdica, essa competência é à base do RPG;
♣ Aplicação de conceitos em situações práticas do dia-a-dia: a ambientação do
jogo é uma simulação de situação real. Sendo assim, os conceitos adquiridos
antes e/ou durante o jogo são usados em situações práticas simuladas;
♣ Interdisciplinaridade: o jogo propicia a interdisciplinaridade estimulando a relação
de conteúdos normalmente separados artificialmente e a troca recíproca de
experiências nos mais diversos âmbitos;
♣ Expressão oral: o jogo de RPG se baseia na descrição oral das ações dos
personagens sendo que “a comunicação propiciada nas atividades em grupo
levará os alunos a perceber a necessidade de dialogar, resolver mal-entendidos,
ressaltar diferenças e semelhanças, explicar e exemplificar, apropriando-se de
conhecimentos (BRASIL, PCN/ INTROD, 1998, p. 91)”;
♣ Leitura, interpretação e produção de Texto: “dominar procedimentos de pesquisa
escolar e de produção de texto, aprendendo a observar e colher informações de
diferentes paisagens e registros escritos, iconográficos, sonoros e materiais”
(BRASIL, PCN/HISTÓRIA, 1998, p.43). As sessões de jogo desenvolvidas
contêm documentos históricos, cartas , leis escritas, enfim, uma infinidade de
fontes que podem ser inseridas de maneira dinâmica na ambientação. Além
disso, o estudo do ambiente em que se passa o jogo é estimulado, pois assim os
personagens terão possibilidades maiores de atingirem seus objetivos;
♣ Preocupação e respeito ao outro: como todos os personagens são
interdependentes, os alunos se sentem “obrigados” a ajudarem os
companheiros, desenvolvendo uma consciência de que o outro é importante
também. As ações positivas dos personagens durante o jogo acarretam em
melhoras significativas nas relações interpessoais dos jogadores;

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♣ Cooperação – vitória somente através da solução coletiva: como o RPG é um
jogo em que para se vencer é preciso que o outro jogador também vença; a
experiência desse outro tipo de vitória é mostrado aos alunos, que são
estimulados a agir dessa forma. “Sem união não há solução”: essa máxima está
sempre presente nos jogos, ressaltando nos jogadores a importância da ação
coletiva;
♣ Desenvolvimento do Conteúdo Através de um Jogo: O RPG é um jogo que
possibilita ao professor desenvolver um conteúdo qualquer de maneira lúdica, ao
mesmo tempo em que estimula várias competências e habilidades.

O RPG oferece, portanto, condições de exercício em grupo dos “quatro pilares da


educação”, conforme os PCNs, a saber:

– aprender a conhecer, que pressupõe saber selecionar, acessar e integrar os


elementos de uma cultura geral, suficientemente extensa e básica, com o
trabalho em profundidade de alguns assuntos, com espírito investigativo e
visão crítica;
– aprender a fazer, que pressupõe desenvolver a competência do saber se
relacionar em grupo, saber resolver problemas e adquirir qualificação
profissional;
– aprender a viver com os outros, que consiste em desenvolver a compreensão
do outro e a percepção das interdependências, na realização de projetos
comuns, preparando-se para gerir conflitos, fortalecendo sua identidade e
respeitando a dos outros, respeitando valores de pluralismo de compreensão
mútua e de busca da paz;
– aprender a ser, para melhor desenvolver sua
personalidade e poder agir com autonomia, expressando opiniões e
assumindo as responsabilidades pessoais (BRASIL, PCN/ INTROD, 1998, p.
17);

Além disso, o RPG trabalha as disciplinas escolares de maneira descontraída e


participativa.

Os temas transversais podem ser muito bem explorados durante as aulas.


Restaurar uma área degradada por lixo industrial (educação ambiental) ou ser picado por uma
cobra em plena selva e descobrir um antídoto para a sobrevivência do personagem (saúde) em
situações de jogo, são exemplos práticos, sendo que a “pluralidade cultural” está em exercício
constante, nestas atividades.

Não há limite para a imaginação, qualquer objeto de estudo pode ser representado
em mundos imaginários que o tornem mais atrativos. No que se refere, mais especificamente ao
ensino de História, o principal objetivo é trabalhar a concepção de história como construção e não
como verdade a ser revelada, pois “a história deve procurar perceber as injunções que permitiram
a concretização de uma possibilidade e não de outras” (CABRINI,C; CIAMPI, H; VIEIRA, M;
PEIXOTO, V; BORGES, V. 1986, p. 42).
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O RPG configura-se em uma excelente ferramenta pedagógica, na medida em que
“o sucesso de um projeto educativo depende do convívio em grupo produtivo e cooperativo”
((BRASIL, PCN/ INTROD, 1998, p. 91)).

A PRÁTICA

O Projeto foi desenvolvido na 8ª série E da Escola Estadual “Otávio Martins de


Souza” da DR de Franca. A média de idade dos alunos era de 14 anos. As tarefas foram divididas
em quatro eixos temáticos, conforme os objetivos e conteúdos programáticos propostos:

Eixo 1. a escola, o governo nacional e os alunos: “reconhecer as diferentes formas


de relações de poder inter e intragrupos sociais”. Tempo de aplicação: 2 semanas;

Eixo 2. Fankur: “compreensão dos conceitos de revolução, lutas sociais e guerras,


considerando as especificidades históricas dos contextos em que se realizaram”. Tempo de
aplicação: 3 meses;

Eixo 3. os Estados Nacionais e as relações internacionais: “conhecer as principais


características do processo de formação e das dinâmicas dos Estados Nacionais”. Tempo de
aplicação: 2 meses e meio;

Eixo 4. empresas privadas e relações comerciais: “utilizar conceitos para explicar


relações sociais, econômicas e políticas de realidades históricas singulares”. Tempo de aplicação:
2 meses.

Eixo 1. A escola, o governo nacional e os alunos


A sala foi dividida em três grupos representativos: “o governo”, “a escola” e “os
alunos”. O debate foi iniciado pelo Coordenador (estagiário), que mediou todas as ações, de
acordo com as normas do jogo. A primeira questão foi proposta para a “escola”. Perguntou-se a
ela por que havia tantas pichações e carteiras destruídas. A resposta foi que a culpa era dos
“alunos”, pois pensam muito mais em “varzear” (divertir-se) que assistir aula, pichando muros e
rabiscando e danificando carteiras. Acrescentaram ainda que as aulas eram chatas e propuseram,
como alternativa, o prolongamento do intervalo. A “escola” afirmou que escola é lugar para se
estudar. Quem quiser brincar deve ficar em casa. O mediador se dirigiu aos “alunos” e perguntou o
que eles sugeririam para que o ensino e a instituição pudessem melhorar em qualidade. Disseram
que os professores precisam ser mais bem pagos, e que no entender deles é o principal
responsável por uma aula interessante. Acrescentaram ainda a necessidade de se reformar o
estabelecimento e comprar carteiras novas. Pressionada, a “escola” rebateu as críticas

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transferindo a responsabilidade ao “governo”, que “não repassa dinheiro para deixar a escola em
bom estado”. O “governo” explicou-se dizendo que não tinha verbas adicionais para repassar à
escola. O orçamento já estava contado. De imediato, os “alunos” disseram “que há dinheiro sim, o
governo é que é muito corrupto”. Ficaram em silêncio. Discutiam acerca de um grave problema no
Brasil, a corrupção. Prolongamos a discussão tentando levantar possíveis causas desta infeliz
realidade. Concluiu-se que uma delas é o famoso “jeitinho” brasileiro, em que tudo se resolve para
quem é esperto. Exemplos foram apontados pelos educandos como a corrupção no trabalho (o
trabalhador que tira um dinheirinho a mais na empresa, situação lógica já que o patrão explora
muito, segundo o aluno X); nas rodovias, onde a polícia rodoviária libera seu carro com
documentos irregulares em troca de um “cafezinho”; e na política, na qual ocorrem suborno e
propina em grande escala.

Retomando o núcleo da discussão,em outra oportunidade, foi proposto aos


educandos o que poderia ser feito para que eles respeitassem mais o professor e melhorassem no
rendimento das aulas. Após propostas vagas (pois não eram sequer argumentadas), uma chamou
a atenção: “a polícia poderia resolver o problema”. A proposta é colocada em discussão,
perguntando- se a eles se gostariam de ser revistados todo dia antes de entrar na sala, se seria
uma alternativa ter vigias nas salas de aula impondo disciplina, ou mesmo policiais utilizando a
força física para repreender qualquer “fuga” da escola, enfim, o mediador procurou associar o
modelo de escola proposto a um presídio e perguntou se gostariam de estudar numa cadeia, ao
que um “não” coletivo tratou logo de descartar esta idéia. A afirmação de um educando foi
relativamente surpreendente: “não tem jeito não, só matando os alunos mesmo”. Ainda que num
tom de deboche, esta frase pode contribuir muito para a discussão. Prolongando o eixo do debate,
durante um longo período o tema central foi o conceito de liberdade: o papel do Estado em nossas
vidas, como fator de segurança pessoal e coercitivo de motivações pessoais; até onde nossos
impulsos não incomodam ou agridem outras pessoas; a escola como elemento necessário
(obrigação) para ascensão social; somos livres ou prisioneiros - do que, de quem, como e por
quê? Uma discussão muito rica que inquietou de maneira satisfatória os educandos.

Perguntou-se a eles sobre como se realizar possíveis propostas de melhoria do


ensino. “Ah, o governo é que tem que fazer isso”, respondeu-me um deles. Mas como o governo
terá contato com suas idéias? Falou-se em encaminhar para a diretoria. O coordenador interveio
dizendo que estas idéias, depois da diretoria, passariam pela secretaria estadual de educação,
depois teria de ser votada na câmara de deputados e, somente com iniciativa política, sairia do
papel estas idéias.

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Algumas reportagens sobre orçamentos oficiais para a educação e estratégia de
investimentos na estrutura do ensino foram apresentadas aos alunos. Discutiu-se o plano do
governo para a Educação, e aprofundou-se a discussão sobre a reforma universitária proposta
pelo Ministério da Educação no ano de 2004. O assunto girou em torno do descaso
governamental, não somente com a Educação, mas com políticas sociais efetivas de maneira
geral.

Com relativo êxito, o debate acerca do papel do aluno, do professor, da escola e do


governo federal, e estadual, propiciou a compreensão da relação entre estas categorias:
hierarquizadas e unilaterais.

Eixo 2 -O mundo de Fankur


A ambientação é Fankur, um mundo imaginário. A trama foi proposta pelo
Coordenador (estagiário). Cada PDJ (personagem dos jogadores) foi representado por um grupo
de três alunos que participaram (interpretando) seus personagens, interagindo com a
ambientação, em todas as cenas. A história desenrolou-se da seguinte maneira:

O enredo

Fankur era um reino tirano cujo rei era Unkvlad. Na aldeia de Esteia (em Fankur),
tropas reais assaltavam e pilhavam periodicamente sua riqueza. A maioria das pessoas era
humilde e trabalhadora, todas sujeitas a estes mecanismos de exploração. Um certo dia, os
esteianos decidiram resistir. Foram massacrados. Os PDJS conseguiram fugir, ainda crianças, em
meio à batalha. Foram encontrados por uma tribo de centauros (figura mitológica, metade homem,
metade cavalo) e adotados.

O jogo

Já adultos, experientes na arte de sobreviver (compreensão de mapas,


conhecimento de recursos naturais) e conscientes de suas histórias, os PDJS saem da tribo com o
objetivo de tirar Unkvlad do poder.† Percorreram a “Floresta de fogo” e, após muito tempo de
procura, encontraram Ravir, a ente (árvore sábia que se comunica) indicada pelos centauros. Ravir
propôs aos pdjs que fossem a Ranadéia e procurassem por Ragnar, um bravo guerreiro líder
daquele povoado. Assim o fizeram.


Primeiramente, ficou a cargo deles buscarem objetivos próprios. A proposta (unânime) foi vingança contra Unkvlad pela sua morte, já
que era o responsável pela morte dos pais dos pdjs e do povo de Esteia. Questionou-se a proposta de vingança : a vingança é ética?
Discutimos muito o conceito de ética e entramos inclusive na discussão acerca da pena de morte, se ela é ética conforme os direitos
humanos e se ela soluciona o problema da criminalidade. Chegamos à conclusão de que ética são preceitos individuais que
proporcionem o bem-estar social que guiam nossas atitudes para uma vida mais justa e que a pena de morte é paliativa e antiética; por
outro, com a morte de Unkvlad, a estrutura autoritária e tirana iria se dissolver? Chegando à conclusão de que as lógicas unilaterais de

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Chegando, encontraram a vila, em plena manhã, sem transeuntes. Conheceram
bem suas dimensões após uma longa caminhada. Perceberam uma criatura voadora, grande, que
surgia por trás das montanhas ao sul. Ao encontrarem a praça, que parecia ser central, ficaram
surpresos: duas meninas, chorando, estavam amarradas a um tronco de árvore. Antes de qualquer
reação, a criatura, que era um dragão, pairou acima de suas cabeças e deu um rasante em
direção às duas pobres almas de mãos atadas. Os pdjs mobilizaram-se imediatamente. “João
Bolão”, um deles, lançou uma pedra dourada doada pelos centauros na altura do dragão, gritando
para que todos fechassem os olhos e virassem para o outro lado. Uma explosão de luz,
ocasionada pela pedra, cegou o dragão. Ele voou sem rumo cuspindo fogo de raiva. As meninas,
como tinham os olhos vendados, não sofreram danos. Os pdjs as socorreram libertando-as. Muitas
pessoas (notem aqui o uso do termo pessoas e não criaturas) se reuniram, paulatinamente, ao
redor dos salvadores. Elas tinham aspecto físico diferenciado: suas peles eram esverdeadas e
levemente escamosas, não tinham pêlos num corpo de menor estatura que o corpo humano e
quase sem músculos de tão magros. Então uma pessoa mais velha, com mantos ornamentados,
parecendo um sacerdote, recriminou-os através de um discurso carregado de profecias e
superstições. Estariam todos mortos agora, pois não satisfazer o desejo das criaturas de Unkvlad
é um equívoco irreparável. Viriam várias tropas dizimar Ranadéia por causa daqueles jovens
estúpidos. Justificando seus atos, considerados até então heróicos, o grupo começou a se sentir
responsabilizado por possíveis danos no futuro. Falando em alto tom, uma pessoa com vestes
simples mas extremamente chamativa, talvez por causa das cores, discursou perguntando a todos
até quando agüentariam, toda aquela humilhação. Era Ragnar que, brandindo sua espada, elogiou
a atitude daqueles jovens guerreiros considerando-a marco inicial para o início de uma resistência
que já deveria ter começado.

As tropas enviadas pela vil coroa de Fankur encontraram uma resistência muito bem
articulada em Ranadéia. Ragnar e os pdjs persuadiram tribos vizinhas a fazer frente à dominação
desrespeitosa de Unkvlad. No exército dos resistentes havia hobbits (baixa estatura, muitos pêlos
no corpo e orelhas pontudas), anões (barbudos e com machados), gnomos (cerca de meio metro
de altura e orelhas muito agudas, considerados detentores de grande sabedoria e um certo
misticismo), elfos (habitantes da floresta de estatura humana grande manejador de arco e flecha) e
algumas criaturas da floresta (aranhas gigantes, animais silvestres e outros) convocadas a por
uma magia gnoma xamanística. Os centauros que, desde a época de adolescência dos pdjs não
os estimulavam a tentar modificar o que foi feito e como o mundo é, dizendo que toda a história é
providencialmente divina e que todos são apenas desígnios dos deuses, não se engajaram no
movimento, apesar da insistência dos pdjs. A resistência saiu vitoriosa. Os sobreviventes das

poder estão menos na figura de uma pessoa do que nas estruturas sociais, os educandos preferiram pensar em outra proposta objetiva

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tropas reais recuaram. É importante ressaltar que, envolvendo-se na batalha, os personagens
correm risco de morrerem. Em situações de combate, e em algumas outras que envolvam
múltiplas probabilidades, as determinações ficam a cargo de um sistema de regras. Através dos
dados, determina-se se um pdj feriu um outro personagem do enredo ou vice-versa. Caso um pdj
morra, pode-se elaborar outro personagem para que os educandos continuem jogando.

Reunindo mais forças, a coalizão de resistência foi avançando em direção ao


castelo de Unkvlad, fortaleza considerada pelo senso comum, intransponível. Muitos combates
marcaram a marcha, mas nenhum que desagregasse, em uma peça sequer, a massa de
indignados. Após muitas lutas, um considerável número de pessoas mortas e muitas feridas, a
coalizão preparava-se para o que acreditavam ser a última batalha, pelo menos durante um bom
tempo. Após muita resistência o portão de entrada do castelo se abriu. Os ranadeianos e aliados
estavam em menor número, mas suas paixões tornavam-nos guerreiros ferozes (no sistema de
regras, um bônus foi concedido a eles). Avançando bravamente, chegaram à última torre. O portão
era extremamente resistente, estavam já em poucos e elfos negros, do alto, atiravam flechas
certeiras. Iriam morrer por muito pouco antes de atingirem seus objetivos. Os educandos já
falavam que morreriam até satisfeitos pois seus personagens lutaram heroicamente até o fim.
Morreriam por um ideal. Inesperadamente um forte raio atingiu a torre abalando suas estruturas de
base e atingindo muito arqueiros negros. Os insurgentes adentraram a torre, subjugaram a tropa
de elite de Unkvlad e Ragnar pôs o tirano de joelhos perante os poucos sobreviventes. “Tradico”,
um dos pdjs, sem entender aquele milagre saiu da torre para socorrer os feridos. Os centauros
estavam unidos em forma de círculo emanando uma quase imperceptível (visualmente) energia
azulada. Compreendeu que aquele raio salvador não foi bem um fenômeno natural. Se envolvia ou
não deuses em que os centauros acreditavam, não teve condições de concluir.

O rei que seguiu o procedimento de uma era de tirania fora destituído do trono de
Fankur. Falava-se em instituir a coroa a Ragnar. No entanto, ele mesmo partilhava da opinião de
que o poder deve ser o máximo representativo possível, como uma assembléia, por exemplo. Mas
esta era uma problemática que precisava ser ainda muito discutida num reino (como o próprio
nome já diz) caracterizado e constituído sobre o exercício unilateral, hierarquizado e autoritário do
poder.

para seus personagens.

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Considerações

Esta atividade engendrou discussões muito valiosas para o nosso trabalho que
estimularam:

- a pesquisa ao caráter das batalhas, castelos e sociedade (bruxaria) medievais;


- o estudo do regime autoritário de governo. Um paralelo com regimes
absolutistas europeus foi abordado;
- a contraposição entre concepções históricas providencialistas (centauros, à
princípio, pois no final unira-se ao movimento revolucionário) e concepções
históricas dialéticas materiais (o homem como sujeito histórico);
- o exercício, ainda que encerrado no abstrato, do contato com o outro (elfos,
anões, gnomos, centauros);
- o estudo do poder despótico como instrumento de dominação em contraposição
a propostas democráticas de governo;
- a cooperação, pois cada atitude de um personagem do jogador tinha de ser um
consenso entre os três alunos que, conjuntamente, os representavam.

Eixo 3 -Os Estados Nacionais e as relações internacionais

Foram criados cinco Estados Nacionais, cada um representado por quatro pessoas,
exceto um com três. Após breve explanação do Coordenador cada grupo elaborou uma frase que
representasse segmentos do Estado, considerando os aspectos políticos, sociais, econômicos e
culturais. Foram discutidos, brevemente, conceitos de Estado Nacional e território, deixando claro
algumas diferenças. Os Estados criados foram os seguintes:

- Estado das Bananas


Política: A manha na fala é a solução.
Social: Nossa gente é pobre mas é direita.
Economia: Banana pra vocês!
Cultura: Dançar axé e pagode e fazer churrasco o dia inteiro.
- Estado do Poder
Política: Ter é poder.
Social: Todos têm dinheiro.
Economia: Indústria de computadores.
Cultura: Mexer na Internet e jogar videogame o dia inteiro.
- Estado das Maçãs
Política: Colha os frutos que estiver a sua frente.
Social: Nosso povo não passa fome.
Economia: As macieiras sustentam nossa terra.
Cultura: Muita quermesse com vinho quente e quentão.
- Estado da Música
Política: Quem canta seus males espanta.
Social: Vivemos da arte.
Economia: Fabricamos violão e guitarra.
Cultura: Escutar e quem sabe compor muitas músicas.

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Inicialmente foi feita a análise de cada Estado. O “Estado das Bananas” configurou-
se em o que mais se aproxima de um (pré) conceito de Brasil - pejorativo e discriminatório -
presente no senso comum, não só do brasileiro, mas também da comunidade internacional: o país
do “jeitinho” (“a manha na fala é a solução”), do samba, do futebol e da mulher bonita.

No “Estado do Poder”, a discussão girou em torno da contradição entre “ter é


poder” e “todos têm dinheiro”. Estendeu-se a discussão analisando nossa sociedade de maneira
geral, que preserva a ambição por conforto material e muito dinheiro, elementos que legitimam a
estrutura desigual social, e que, ainda por cima reveste as contradições sociais sob um discurso
democrático, de inclusão social e distribuição relativamente eqüitativa de renda (a figura do Estado
como mediador desse conflito). O computador distingui-se como sinônimo de status social, a
Internet e o videogame como fontes intermitentes de lazer. Foram abordados alguns jogos de
videogame violentos, que não são nada educativos, ressaltando a diferença entre estes jogos,
baseados em preceitos competitivos e o RPG, jogo que tem a cooperação como base; e a Internet
como fonte também de pesquisa e de contato com muita diversidade de pessoas (bate-papo) e
como instrumento “redutor de distâncias”, ou seja, muito eficiente para comunicação. Verificamos o
alto grau de aceleração tecnológica, paralelamente, quando um aluno falou que sua mãe não tinha
nem idéia do que era um e-mail.

O “Estado das Maçãs” foi destacado como o de tradição interiorana de São Paulo,
as quermesses e festas juninas. O ponto chave centrou-se na a diferença do discurso presente na
frase “nosso povo não passa fome” e “todos têm dinheiro” Discutimos sobre a abissal distância
entre os que têm muito dinheiro em nossa sociedade, enquanto muitos não têm sequer o que
comer. O Estado entrou como o responsável pela distribuição de renda. No entanto, relevamos a
condição dos Estados do mundo “em desenvolvimento”, à mercê de grandes corporações
industriais e de fundos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e à
submissão a políticas dos países de maior poder político e econômico, como os Estados Unidos e
países da União Européia.

Muito interessante o “Estado da Música”, que propõe uma vida para seus cidadãos
numa sociedade que se apóia na arte como modo de vida. A pergunta geradora foi: é possível ,
hoje, vivermos da arte? Os alunos responderam que aparece mais “mulher rebolando” do que
música de qualidade na televisão. “Viver tocando seria muito bom, mas música não dá dinheiro, a
não ser que você tenha um bom empresário”, diz um deles. Invertendo a perspectiva, discutimos a
arte como elemento de suma importância à nossa vida, seja pelo lazer ou pelo espaço reflexivo
que propõe, e não o dinheiro como produtor da arte, idéia que se propaga no senso comum.
Ressaltou-se a indústria hollywoodiana com filmes que nos entretêm pelo espetáculo das imagens
e em que poucos nos propõem reflexões críticas sobre nosso mundo. Pagamos o preço de um

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filme em cartaz, mas poucas vezes assistimos a uma boa peça de teatro, por exemplo. A música e
a arte, de maneira geral, são muito comerciais e banalizadas. Produzir arte requer dedicação.
Conclui-se que não devemos “vender” nossa capacidade para “fabricar” o que o público queira
ouvir ou o que “está na moda”, mas sim expor nossas visões de mundo e nossa sensibilidade
poética através do mundo artístico.

O enredo

Os quatro países, juntamente com o “Estado da Pesca” e o “Estado do Petróleo” - estes


últimos foram representados pelo estagiário para se ter uma maior condições de indagar os
educandos quanto às atitudes de seus Estados fictícios -, formam o bloco geopolítico “Natussul”,
após formularmos um conceito de bloco geopolítico com exemplos contemporâneos, como o
Mercossul, o NAFTA, a União Européia, além da proposta ALCA. Esta discussão rendeu bons
frutos. Compreendemos estes acontecimentos como fatores de uma economia globalizada, onde o
“mundo sem fronteiras” favorece em muito os países que estão no topo da hierarquia política
mundial. Aprofundou-se a análise no Mercossul, explanando suas características e relações
funcionais, e na ALCA, zona de livre comércio das Américas proposta para o ano de 2005.
Voltando à ambientação, a disputa pela hegemonia mundial é iconizada e dicotomizada em dois
países, o “Estado Capitalista” e o “Estado Socialista”, conflito sem choques físicos mas de grande
repercussão mundial.

O jogo

Em condições de crise econômica, os países do “Natussul” são convocados para


duas reuniões, primeiramente com o “Estado Capitalista” e, posteriormente, com o “Estado
Socialista. Com seus respectivos interesses, o “Estado Capitalista” estabeleceu alianças com o
“Estado das Bananas”, o “Estado do Poder” e o “Estado do Petróleo” oferecendo, sobretudo
vantagens comerciais e financeiras para se prosperar economicamente e se integrar ao bloco dos
países capitalistas. Já o “Estado Socialista”, estabeleceu acordos com o “Estado das Maçãs”, o
“Estado da Música” e o “Estado da Pesca”, propondo a eles a organização em bloco cujo objetivo
era, acima de tudo, melhoria nas condições sociais dos países, e a partir disso, prosperar.

O “Estado da Pesca” questionou se o “Natussul” não deveria ficar unido e tentar


encontrar uma solução para a crise. Na reunião do bloco, nenhuma proposta efetiva foi apontada,
e decidiu-se que cada país prosseguisse com respectiva sua política.

Após muitas reuniões para se discutir políticas mais efetivas e angariar mais
vantagens para si, os personagens dos jogadores, ou seja, os Estados formulados, assistiam o
aprofundamento de uma crise econômica e social que adquiria caráter irreversível. Através dos

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boletins oficiais (elaborados pelo bolsista) os países capitalistas começaram a perceber os danos
sociais a que estavam sujeitos, sendo ludibriados pela busca de uma política de desenvolvimento
econômico-financeiro à longo prazo. O “Estado das Bananas” tinham que vender suas bananas a
um preço baixíssimo, que mal cobria os custos de produção, e os computadores do “Estado do
Poder” tornavam-se caríssimos devido à necessidade de importação de peças e maquinário
específicos e de mão-de-obra qualificada para desenvolver os trabalhos ficando, desta maneira,
estancados em estoques cada vez maiores, sendo que os dois países não podiam estabelecer
contato com a ala socialista por receio a uma possível retaliação por parte do “Estado Capitalista”.
Já os países socialistas, também em profunda crise, tiveram seus ideais políticos de prosperidade
social quebrados ao conhecer a verdadeira face do “Estado Socialista”, país de regime ditatorial
totalitário com enorme massa de camponeses em condições insalubres.‡ Retomando aos poucos
os laços, os países do antigo “Natussul” decidiram enfrentar as ameaças das duas potências
mundiais, aproximaram-se e desenvolveram políticas econômicas e sociais em conjunto.

Considerações

Esta atividade permitiu-nos trabalhar de maneira satisfatória as seguintes propostas:

- Percepção das contradições do discurso democrático no sistema


contemporâneo globalizado, que agrava as crises sociais, ocultando seus
fatores contraditórios sob o véu da inclusão social, isto é, a prosperidade
aquisitiva e a consciência de um bom voto eleitoral como formação cidadã;
- Elaboração de conceitos de capitalismo, socialismo e Guerra Fria, em conjunto
com aulas expositivas. O capitalismo foi conceituado como um sistema de
relações sociais pautadas pelo individualismo e pelo consumismo; o socialismo
científico marxista foi explanado e foi apontada a aguda contradição entre a
proposta do grande filósofo do século XIX e a experiência dita socialista da
União Soviética revestida num Estado totalitário e autoritário; e a Guerra Fria foi
entendida como uma conjuntura mundial pautada por conflitos de ordem
sobretudo econômica e ideológica cuja disputa pela hegemonia foi concentrada
em dói pólos: o capitalista, liderado pelo Estados Unidos, e o socialista, liderado
pela União Soviética;
- Análise crítica do paradigma de desenvolvimento econômico como prosperidade
social, em voga ainda na política internacional contemporânea;
- Compreensão parcial da lógica política das relações internacionais, que traduz
uma política de interesses (comerciais, políticos, fiscais) institucionais (não
somente de Estados nacionais), e das dificuldades políticas encontradas pelos
países “emergentes” no mundo globalizado;
- Discussões ricas sobre a política e suas implicações econômicas, sociais e
culturais (tendência à homogeneização da diversidade cultural).


Assistimos ao filme “Stálin”.

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Eixo 4 - Empresas privadas e relações comerciais
Cada grupo (três alunos), foi orientado a criar uma empresa para ser representada
por eles próprios.

Empresa 1
Nome: Cainstens Engenharia S/A
Slogan: Construindo seu futuro
Área de influência: Construção civil, industrial, especializada (usinas nucleares, portos
marítimos, aeroportos, ferrovias, rodovias, usinas de geração de energia, gasodutos, oleodutos),
pública; pesquisa em engenharia nuclear e engenharia de materiais (fibra ótica).
Histórico: Fundada em 1884 na Alemanha, a empresa é responsável hoje por muitas
construções, sobretudo em países desenvolvidos. Seu serviço é caro, mas sua eficiência é
respeitada e seu nome é sempre cogitado quando se pensa em construções mais ousadas e
inovadoras. Sua especificidade técnica permite-lhe empreender obras de alto risco como
gasodutos e oleodutos. No começo do século foi responsável por projetos do governo alemão na
área militar, como o desenvolvimento de monomotores e armas, e sua participação foi efetiva
também na segunda guerra mundial, com os tanques blindados e armas de grande porte. Na
segunda metade do século XX dedicou-se mais a indústria civil. Desde então a empresa cresceu
de forma significativa.
Objetivos:
 Criar projetos comerciais para “abafar” os casos de Cubatão e Angra III;
 Reunir verbas para pagar a indenização.
Recursos = Patrimônio estimado: R$ 1,5 bilhões
Capital de giro: R$ 250 milhões
Observações:
* Vendeu tecnologia nuclear para Índia, Coréia do Norte e para alguns terroristas.
* As obras do gasoduto em Cubatão e Angra III apresentam problemas. O gasoduto pode
mandar a região toda pelos ares, e a usina apresenta riscos de vazamento de lixo tóxico. Os
reparos custariam cerca de R$250 milhões.
* Responsabilizada pelo desastre de Chernobyl de 1986 – perdendo a briga com o governo
russo -, o prazo de 2 anos para as indenizações vencem dentro de 1 mês. Ou a empresa reúne
R$950 milhões, ou sua falência será decretada.
Empresa 2
Nome: Rio Branco Materiais de construção S/A
Slogan: Mãos à Obra!
Área de influência: construção civil e industrial
Histórico: A matriz, situada na zona norte de São Paulo, era no início da década de 1930
nada mais que um armazém de materiais para construção. Ganhando projeção com parcerias no
setor privado (engenharias) e público, a Rio Branco abriu várias lojas no estado de São Paulo e,
posteriormente, em MG, GO, RJ, PA, MT, AC e AM.
Objetivos:
 Entrar no mercado (fornecer materiais para obras) na região de Manaus, por ser uma área
que possa gerar grandes arrendamentos.
Recursos = Patrimônio estimado: R$ 25 milhões
Capital de giro: R$ 0,5 milhões

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Observações:
*A empresa tem um acordo estabelecido com a prefeitura de Manaus que lhe permite
sonegar impostos, em troca de propina.
*Um dos principais clientes da Rio Branco entrou em processo de concordata, causando um
prejuízo de cerca de R$ 3,5 milhões, o que a deixou numa situação delicada, já que investiu um
alto teor de capital para expandir seus negócios nos últimos meses.
Empresa 3
Nome: Brasil Madeiras Ltda
Slogan: Preservando o meio ambiente
Área de influência: construção civil, indústria de papel e móveis, exportação para países
europeus; contrabando ilegal;
Histórico: Fundada burocraticamente em 1956, a Brasil Madeiras pratica extrativismo vegetal
na região de Manaus desde o início da década de 1940. Transações ilegais – com a conivência de
instituições como o Ibama e a Guarda Florestal da região – rendem bons lucros para a empresa,
atividade da qual se beneficiam também outras empresas nacionais e algumas estrangeiras.
Objetivos:
 Estabelecer parcerias (de preferências no campo da ilegalidade) para expandir seus
negócios por todo o Brasil.
Recursos = Patrimônio estimado: R$ 7 milhões
Capital de giro: R$ 700 mil
Empresa 4
Nome: Autovias Ltda
Slogan: Caminhando para a prosperidade.
Área de influência: construção de rodovias.
Histórico: Fundada em 1996 por um grupo espanhol, a empresa investiu grande capital nas
rodovias – até então públicas – brasileiras. Sua sede é em São Paulo, capital. Estradas em
situações calamitosas são mercados em potencial para a Autovias.
Objetivos:
 Comprar tecnologia para a construção de estradas;
 Assegurar alguns viadutos e pontes ainda não reestruturados, que estão em situação
irregular e com riscos de desabamento.
Recursos = Patrimônio estimado: R$ 75 milhões
Capital de giro: R$ 45 milhões
Observações:
*foram verificadas depredações em alguns pedágios devido, segundo os manifestantes, às
taxas abusivas.
Empresa 5
Nome: Patagônia seguros S/A
Slogan: Você em segurança.
Área de influência: construção civil, industrial, específica, privada, comercial, residencial.
Histórico: Fundada em 1982 na Argentina. Com o Mercosul, muitos negócios a motivou a
investir no Brasil. O Brasil mostra-se um mercado em potencial, sobretudo na área de construção
civil, seus principais clientes são a Engenharia S/A e a Rio Branco.
Objetivos:
 promover novos contratos, dentre eles o asseguramento do gasoduto de Cubatão.
Recursos = Patrimônio estimado: R$ 90 milhões
Capital de giro: R$ 30 milhões

927
O enredo

Estas empresas e outras, inclusive transnacionais, foram reunidas na cidade de São


Paulo pelo Banco do Brasil. A empresa que apresentasse a melhor proposta para investimentos no
Brasil receberia uma linha de crédito de quinhentos milhões de reais.

Após algumas reuniões comerciais entre as empresas, os resultados das empresas


fictícias no exercício lúdico foram os seguintes:

- Cainsteins Engenharia: foi a ganhadora das linhas de crédito do Banco do Brasil


com proposta de construção de casas populares nas favelas do Rio de Janeiro.
Angariou assim fundos para o pagamento, ainda que parcial, das indenizações
de Chernobyl, pois o dinheiro pode ser facilmente desviado com pagamento de
propina a algum alto funcionário do Banco do Brasil. Para encobrir o caso de
Angra III, fez uma reforma superficial em parceria com a Rio Branco, cúmplice,
que superfaturou a obra. Assegurou o gasoduto de Cubatão com a Patagônia
Seguros. Sua situação se resolveu muito bem, devido ao êxito de seus
intérpretes. No entanto a interferência do estagiário fez-se necessária,
considerando-se que não poderia deixar tudo tão bem resolvido para uma
empresa que está sendo processada por instituições internacionais por venda
ilegal de tecnologia nuclear para grupos terroristas, incentivando a atual “onda
de terror” contemporânea, o que ocasionou uma queda bruta em suas ações nas
bolsas de valores mundiais§;
- Rio Branco: teve êxito ao reformar Angra III em parceria com a Cainsteins;
“vender” seu contato em Manaus, que é um político corrupto, à Brasil Madeiras
por um excelente preço; fechou contrato com a Autovias no fornecimento de
material para as reformas nos postos de pedágio rodoviários;
- Brasil Madeiras: conseguiu estabelecer um importante contato na região de
Manaus. Assim, poderá expandir seus negócios (ilegalmente) de extração de
madeiras e manter salários baixos, e explorar o trabalho infantil como medidas
de altos rendimentos lucrativos;
- Autovias: assegurou suas estradas (em risco) com a Patagônia Seguros, fechou
um bom contrato com a Rio Branco, e angariou maior policiamento para seus
pedágios;
- Patagônia Seguros: fez um péssimo negócio ao assegurar o gasoduto de
Cubatão. Caso aconteça algum desastre, não terá um terço dos fundos para
cobrir indenizações. Assegurou as estradas da Autovias, negócio que lhe
oferecerá bons rendimentos financeiros. Sua principal meta, um maior contato
comercial com empresas brasileiras e transnacionais que atuam no Brasil, foi
atingida, porém, por um preço que pode ser extremamente caro.

Os objetivos, históricos, a caracterização e as estratégias de cada personagem-


empresa, foram criadas pelos educandos, sob orientação do bolsisita. Foi um bom exercício de
política empresarial.

§
Debateu-se a cerca do fluxo intenso de capital financeiro em forma de ondas imigratórias que caracterizam, no âmbito econômico, o
mundo globalizado. Compreendemos que estas ondas imigratórias buscam a maior quantia de rendimentos financeiros no menor
espaço de tempo possível. Por isso o Brasil é uma das vítimas deste capital especulativo, pois os juros relativamente altos atraem
compradores de títulos públicos nacionais.

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Após discussões sobre o exercício, em que cada grupo explanou a estratégia de
sua respectiva personagem-empresa, constatou- se o exercício de importantes reflexões :

- No mercado comercial, políticas antiéticas tornam-se éticas, na proporção em


que são medidas de sobrevivência, ou seja, a lógica irracional das práticas
capitalistas de produção;
- O governo brasileiro exige uma alta cota de impostos, o que obstrui o
desenvolvimento de pequenas empresas. No entanto, algumas transnacionais
recebem incentivos e isenções fiscais para se afixaram no mercado nacional –
no jogo, a Cainsteins Engenharia se apropriando das linhas de crédito públicas –
pois, com tamanhas empresas em nosso território, muitos empregos seriam
gerados. Algumas reportagens foram apresentadas aos educandos
desmistificando esse discurso, pois para muitos economistas e jornalistas o que
mais gera emprego no Brasil são as pequenas e médias empresas. O suborno,
por outro lado, ao mesmo tempo em que representa para as empresas,
sobretudo para as de pequeno porte, uma medida de sobrevivência, já que
pagar todos os impostos é, na maioria dos casos inviável, também afirma uma
lógica rede de corrupção disseminada, não só na área comercial, mas também
nos bastidores de nossas instituições políticas.
- A volubilidade do mercado de ações e a dependência a que, não apenas as
empresas, como também a economia de muitos países, estão sujeitas;
- Em nosso mundo globalizado, que se considera agregador de elementos
diversos, não há barreiras para o livre fluxo de números, entretanto, seres
humanos são discriminados e rejeitados em muitos lugares. Onde está a
inclusão social?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O RPG configurou-se como excelente ferramenta pedagógica. Despertou de


maneira surpreendente o interesse dos alunos. Em situações esporádicas em que um ou outro
começava a dispersar da aula e atrapalhar, seus companheiros mesmo os repreendiam. Tal
interesse se constatou também com a pesquisa realizada fora da sala de aula, elemento que
contribuiu para o trabalho dos conteúdos nas aulas. Trabalhamos, em conjunto, várias
perspectivas e propostas na realização das tarefas em preceitos cooperativos – em alguns
momentos, contudo, como no módulo “empresas privadas e relações comerciais”, estimulou-se a
competição. A exploração da criatividade dos educandos, “vivenciando” uma das múltiplas
possibilidades dos enredos propostos, contribuiu para que a história fosse vista como uma
construção argumentativa, o que não significa, em momento algum, ser verdadeira ou falsa. Como
os professores têm um compromisso burocrático com os conteúdos programáticos, ressalto a
cautela que se deve preservar neste tipo de atividade, ou seja, traçar a linha que delimite o campo
da “ficção” e o da “realidade factualista”.

929
Por outro lado, sentiu-se a necessidade da utilização de mais textos e outras fontes
para incrementar as aulas. Vale ressaltar também, o caráter épico que as sessões de jogo-aula
podem adquirir. Os personagens dos jogadores podem ser considerados heróis de um mundo todo
se não se prestar atenção, e isso se choca com a concepção de que todos nós construímos
história. Fankur, por exemplo, adquiriu parcialmente este caráter.

Enfim, com o RPG trabalhamos conceitos de maneira descontraída, em aulas


agradáveis, explorando muitas propostas pedagógicas contidas nos PCNs, sobretudo a de
“compreender que as histórias individuais são partes integrantes de histórias coletivas” (BRASIL,
PCN/história, 1998, p. 43) com a de “ter (os alunos) iniciativas e autonomia na realização de
trabalhos individuais e coletivos” (BRASIL, PCN/história, 1998, p. 66). Possibilitou, no entanto,
sem deixar de ser parcial, a construção do conhecimento coletivamente, alcançando, desta forma,
relativo êxito em nosso principal objetivo, proporcionando discussões reflexivas acerca de nossa
realidade e abrindo espaço para a criatividade.

BIBLIOGRAFIA

BITTENCOURT, C. (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1998.
BRANDÃO, R. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.
Brasil. Parâmetros curriculares nacionais: história / Secretaria de Educação do Ensino
Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.
Brasil. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental.
Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais / Secretaria de Educação do Ensino
Fundamental. Brasília: MEC / SEF, 1998.
CABRINI, C; CIAMPI, H; VIEIRA, M; PEIXOTO, M; BORGES, V; O ensino de história (Revisão
urgente). São Paulo: Brasiliense, 1986.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970;
NIKITIUK, S. (Org.). Repensando o ensino de história. São Paulo: Cortez 1996.
PINSKY, J. (Org.). O ensino de história e a criação do fato. São Paulo: Contexto, 1988;
SILVA, M. (Org.). Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1984.

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