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Apostila de Contação de História

Área temática: incentivo à leitura


1 Incentivo à Leitura
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2 Incentivo à Leitura
Conteúdo

Apresentação 4

A contação de história 5

Caracterização 8

A prática educativa 12

Dicas para contadores 14

Acervo literário IBS 30

Acervo do contador 32

Referências bibliográficas 33

Expediente 35

3 Incentivo à Leitura
Apresentação

O Instituto Brasil Solidário - IBS - é uma cinas práticas de desenvolvimento cogniti-


OSCIP (Organização da Sociedade Civil de vo e competências sócio emocionais, combi-
Interesse Público) com expertise em ações nadas com ações de planejamento junto ao
sociais financiadas pela iniciativa privada, currículo escolar, BNCC e ODS.
que implementa programas de desenvol-
O programa permite à comunidade benefi-
vimento territorial sustentáveis de forma
ciada agir com autonomia e multiplicar as
intersetorial por meio da educação e mobi-
ações vivenciadas em oito eixos principais:
lização social em escolas públicas e comu-
incentivo à leitura, saúde e prevenção, em-
nidades com baixos Índices de Desenvolvi-
preendedorismo, educação ambiental, arte
mento Humano (IDH).
e cultura, educomunicação, cidadania e
Através de um conceito amplo - que mescla educação financeira.
construção de espaços modelos, formação,
Esse material, que compõe o eixo de Arte
melhorias na gestão escolar e projetos mo-
e Cultura, oferece todas as informações
nitorados -, todas as atividades são levadas
necessárias para a continuidade e a multi-
para dentro do espaço escolar e da comu-
plicação de atividades de Xilogravura e Es-
nidade. Dessa forma, cria-se uma rede que
tamparia na escola e na comunidade, para
une educadores, alunos e moradores da
além das etapas presenciais do PDE.
comunidade trabalhando variadas práticas
pedagógicas até que estas sejam incorpora-
das às políticas públicas locais.
Com resultados comprovados de curto, mé-
dio e longo prazos, incluindo aumentos sig-
nificativos no IDEB (Índice de Desenvolvi-
mento da Educação Básica) acima da média
nacional, o método e as ações do IBS buscam
instruir e favorecer a formação de um novo
cidadão brasileiro por meio do comprome-
timento, da inovação e principalmente da
mudança de atitude com autonomia, auto-
estima e criatividade.
O PDE – Programa de Desenvolvimento da
Educação - é a principal metodologia de
mobilização, formação e acesso material
do Instituto, que há 20 anos envolve uma
abordagem com temas transversais em ofi-

4 Incentivo à Leitura
A contação de histórias truturação familiar, a criança começou a ser re-
conhecida como indivíduo diferente do adulto,
com atribuições diferentes.
No século XVIII, a literatura infantil mostrou-se
importante no âmbito escolar e na necessidade
de uma mudança na mentalidade sociocogni-
tiva que a criança possuía. A escola foi um dos
principais agentes para que a mudança na lite-
ratura ocorresse.
As primeiras produções infantis foram reali-
zadas por professores e pedagogos no final do
século XVII e durante o século XVIII. Coelho
(2001) afirma que “estudar a história é ainda
escolher a melhor forma ou o recurso mais ade-
quado de apresentá-la.” (COELHO, 2001, p. 31).
A contação de histórias é uma das atividades
Vivemos um período em que a mídia e as tecno-
mais antigas de que se tem notícia. Essa arte
logias estão cada vez mais acessíveis às crian-
remonta à época do surgimento do homem há
ças; as informações chegam pelos meios de
milhões de anos. Contar histórias e declamar
comunicação ampliando os horizontes e os co-
versos constituem práticas da cultura humana
nhecimentos. Os livros estão sendo deixados de
que antecedem o desenvolvimento da escrita.
lado, as histórias estão sendo esquecidas, o que
torna um desafio para o educador fazer com que Na cultura primitiva, saber ler, escrever e in-
as crianças em idade escolar tomem gosto pela terpretar sinais da natureza era de grande
leitura. importância, porque mais tarde iam se tornar
registros pictográficos, com os quais seriam re-
A contação de história nas escolas era uma for-
latadas coisas do cotidiano que poderia ser lido
ma de distrair as crianças e hoje vem ressurgin-
e compreendido pelos integrantes do grupo. As
do a figura do contador de histórias. De acordo
histórias são uma maneira mais significativa
com vários estudiosos, a contação de histórias
que a humanidade encontrou para expressar
é um precioso auxílio à prática pedagógica de
experiências que nas narrativas realistas não
professores na Educação Infantil e nos anos
acontecem.
iniciais do Ensino Fundamental. A contação de
história instiga a imaginação, a criatividade, a
oralidade, incentiva o gosto pela leitura, con-
tribui na formação da personalidade da criança “E se não morreram, vivem felizes até
envolvendo o social e o afetivo. hoje”, diz o conto de fadas. O conto
Uma visão historiográfica sobre a de fadas que ainda hoje é o primeiro
contação de história conselheiro das crianças, porque foi
Na transição do século XVII para o XVIII, surge outrora o primeiro da humanidade,
o significado e o papel social da infância, assim
como uma literatura adequada para esta insti- permanece vivo, em segredo, na
tuição que apenas foi criada posteriormente, narrativa. O primeiro narrador
as crianças eram reconhecidas como pequenos
adultos, possuidores de tarefas e cuidados se- verdadeiro é e continua sendo o dos
melhantes aos de um adulto, o que pode expli- contos de fadas.”
car a alta taxa de mortalidade infantil naquela
época. (Walter Benjamim, em O Ofício do
Compartilhando todas as atividades com as contador de histórias de Gislayne
pessoas mais velhas, as crianças também pos-
Avelar Matos e Inno Sorsy)
suíam a mesma cultura literária que os demais.
Apenas com a ascensão da burguesia e rees-

5 Incentivo à Leitura
Os contos são temidos porque objetivam os fa-
tos e as verdades que não podem ser expressos ATENÇÃO
pela razão, por isso nos estudos dos contos ob-
serva-se: “Em primeiro lugar, o fato de que eles A contação de histórias
falam sempre de relacionamentos humanos está ligada diretamente ao
primitivos e, por isso, exprimem sentimentos imaginário infantil.
muito arcaicos do psiquismo humano.” (VIEIRA,
2005, p. 10)
Desde aqueles tempos remotos e ainda hoje, a O uso dessa ferramenta incentiva não somente
necessidade de exprimir os sentidos da vida, a imaginação, mas também o gosto e o hábito
buscar explicações para nossas inquietações, da leitura; a ampliação do vocabulário, da nar-
transmitir valores de avós para netos têm sido rativa e de sua cultura; o conjunto de elementos
a força que impulsiona o ato de contar, ouvir e referenciais que proporcionarão o desenvolvi-
recontar histórias. mento do consciente e subconsciente infantil,
a relação entre o espaço íntimo do indivíduo
(mundo interno) com o mundo social (mundo
externo), resultando na formação de sua perso-
A contação de histórias é atividade pró-
nalidade, seus valores e suas crenças.
pria de incentivo à imaginação e o trân-
sito entre o fictício e o real. Ao preparar A capacidade de imaginar permite que o ser hu-
uma história para ser contada, toma- mano crie uma habilidade de entendimento e
mos a experiência do narrador e de cada compreensão de histórias ficcionais, pois nossa
personagem como nossa e ampliamos vida apenas é entendida dentro de narrativas.
nossa experiência vivencial por meio da As histórias nos transmitem informações e
narrativa do autor. Os fatos, as cenas e abrangem nossas emoções. É por esse motivo
os contextos são do plano do imaginá- que algumas pessoas se sentem receosas ao
rio, mas os sentimentos e as emoções trabalhar com crianças e jovens em desenvolvi-
transcendem a ficção e se materializam mento.
na vida real. (RODRIGUES, 2005, p. 4)
A história tem um papel significativo na contri-
buição com a tolerância e o senso de justiça so-
cial, podendo criar rumos à imaginação, podendo
A contação de histórias é uma atividade funda- ser eles bons ou ruins. Sendo assim, a reformula-
mental que transmite conhecimentos e valores, ção da literatura infantil foi de extrema impor-
sua atuação é decisiva na formação e no desen- tância para que a sua função social e individual
volvimento do processo ensino-aprendizagem. pudesse respeitar as especificidades e necessi-
dades da intencionalidade que a história possui
As histórias são uma maneira mais significati- e quer transmitir para a criança. Além, é claro, da
va que a humanidade encontrou para expressar adequação condizente com a faixa etária.
experiências que, nas narrativas realistas, não
acontecem. A contação de histórias, além de
pertencer ao campo da educação e à área das
ciências humanas, é uma atividade comunicati-
va. Por meio dela, os homens repassam costu-
mes, tradições e valores capazes de estimular a
formação do cidadão.
Por isso, contar histórias é saber criar um am-
biente de encantamento, suspense, surpresa
e emoção, no qual o enredo e os personagens
ganham vida, transformando tanto o narrador
como o ouvinte. O ato de contar histórias deve
impregnar todos os sentidos, tocando o coração
e enriquecendo a leitura de mundo na trajetória
de cada um.

6 Incentivo à Leitura
Chegaram ao seu coração e à sua mente,
na medida exata do seu entendimento,
de sua capacidade emocional, porque
continham esse elemento que a fas-
cinava, despertava o seu interesse e
curiosidade, isto é, o encantamento, o
fantástico, o maravilhoso, o faz de con-
ta. (ABRAMOVICH, 1997, p. 37).

A contação de histórias é um momento mágico


que envolve a todos que estão nesse momento
de fantasia. Ao contar histórias, o professor es-
tabelece com o aluno um clima de cumplicidade
que os remete à época dos antigos contadores
que, ao redor do fogo, contavam a uma plateia
atenta às histórias, costumes e valores do seu
povo.
A plateia não se reúne mais em volta do fogo,
mas, nas escolas, os contadores de história são
os professores, elo entre o aluno e o livro. O ato Porque, para formar grandes leitores,
de contar histórias é próprio do ser humano, e o leitores críticos, não basta ensinar a
professor pode apropriar-se dessa característi- ler. É preciso ensinar a gostar de ler. [...]
ca e transformar a contação em um importan- com prazer, isto é possível, e mais fácil
tíssimo recurso de formação do leitor. (PENNAC, do que parece. (VILLARDI, 1997, p. 2).
1993, p. 124).
Inúmeras são as possibilidades que o uso da
contação de histórias em sala de aula propicia. Dessa forma, utilizar a contação em sala de aula
Além de as histórias divertirem, elas atingem faz com que todos saiam ganhando, tanto o alu-
outros objetivos, como educar, instruir, sociali- no, que será instigado a imaginar e criar, quan-
zar, desenvolver a inteligência e a sensibilidade. to o professor, que ministrará uma aula muito
A literatura não está recebendo um estímulo mais agradável e produtiva e alcançará o obje-
adequado, e a contação de histórias é uma al- tivo pretendido: a aprendizagem significativa.
ternativa para que os alunos tenham uma ex-
Além disso, as histórias ampliam o contato com
periência positiva com a leitura, não uma tarefa
o livro para que os alunos possam expandir seu
rotineira escolar que transforma a leitura e a li-
universo cultural e imaginário e, através de va-
teratura em simples instrumentos de avaliação,
riadas situações, a contação de histórias pode:
afastando o aluno do prazer de ler.
intrigar, fazer pensar, trazer descobertas, pro-
vocar o riso, a perplexidade, o encantamento
etc. Ou seja, ao se contar uma história, percorre-
-se um caminho absolutamente infinito de des-
cobertas e compreensão do mundo.
As histórias despertam no ouvinte a imagina-
ção, a emoção e o fascínio da escrita e da leitu-
ra. Afinal, contar histórias é revelar segredos, é
seduzir o ouvinte e convidá-lo a se apaixonar...
pela história... pela leitura. A contação de histó-
ria é fonte inesgotável de prazer, conhecimento
e emoção, em que o lúdico e o prazer são eixos
condutores no estímulo à leitura e à formação
de alunos leitores.

7 Incentivo à Leitura
É característico dos contos de fadas colocar um
Caracterização dilema existencial de forma breve e categórica,
simplificando todas as situações. Isso permite
à criança apreender o problema em sua forma
mais essencial, pois uma trama mais complexa
confundiria o assunto para ela.
Segundo Bettelheim (2002), os contos de fadas co-
meçam a exercer seu impacto benéfico nas crian-
ças por volta dos 4, 5 anos. Podem ser contadas as
estórias que os pais gostavam quando crianças ou
que tenham atração e valor para a criança.
Os escritores mais famosos dos contos de fadas
infantis são os Irmãos Grimm - Jacob e Wilhelm
A caracterização dos contos de fadas, fábulas Grimm -, que fizeram e fazem muito sucesso até
e histórias curativas é fundamental para o de- hoje com suas histórias e seus contos. Nascidos
senvolvimento dos aspectos sociocognitivo e na Alemanha, os Irmãos Grimm dedicaram a sua
afetivo da criança, na faixa etária que vai dos 3 vida ao registro das fábulas infantis e assim ga-
aos 6 anos. nharam fama e popularidade com as crianças.
As histórias narradas sempre acompanharam a Além das belas histórias e das contribuições para
vida do homem em sociedade. Por meio delas, o imaginário dos pequenos, os Irmãos Grimm tam-
foi possível a preservação da cultura. Durante bém contribuíram para a língua alemã com um di-
muito tempo, foram a única fonte de aquisição cionário e, assim, desenvolveram um estudo mais
e transmissão do conhecimento. A narrativa é a aprofundado da língua e do folclore popular local.
arte de contar histórias que é tão antiga quanto As maiores e melhores obras dos Irmãos Grimm
o homem. são resumidas em contos e lendas para crianças.
A contação de história estimula a imaginação, Os contos para as crianças, na verdade, eram con-
retrata pessoas, lugares, acontecimentos, dese- tos destinados aos adultos. O que aconteceu du-
jos e sonhos, favorecendo o processo da apren- rante os anos é que eles foram adaptados para os
dizagem. São textos que mantêm uma estrutu- pequenos. “Todos os contos de fadas dos Irmãos
ra fixa, partindo de um problema (como estado Grimm foram discutidos com respeito às origens
de penúria, carência afetiva, conflito entre mãe de cada estória, suas diferentes versões em todo
e filho), que desequilibra a tranquilidade inicial. o mundo, suas relações com outras lendas e con-
O desenvolvimento é uma busca de soluções, no tos de fadas” (BETTELHEIM, 2002, p. 351).
plano da fantasia, com introdução de elementos Um dos contos de fadas mais contados às crian-
mágicos: fadas, bruxas, duendes, gigantes en- ças é o da Bela Adormecida. Antes uma estória
tre outros. A restauração da ordem acontece no destinada aos adultos, o conto foi adaptado, al-
final da narrativa, quando se volta a uma situa- guns elementos foram modificados e retirados
ção de tranquilidade. e, assim, se tornou um conto infantil. Na versão
original, a encantadora Bela Adormecida, depois
de furar o dedo numa agulha, dorme por cem
Por exemplo, muitas estórias de fadas anos, até que um dia surge um príncipe que a bei-
começam com a morte da mãe ou do pai. ja e ela desperta do sono profundo. Eles se apai-
Nestes contos a morte do progenitor xonam, casam-se e vivem felizes para sempre.
cria os problemas mais angustiantes, Infelizmente, o conto original não é tão doce.
como isto (ou medo disto) ocorre na vida Nele, a jovem é colocada para dormir por causa
real. Outras estórias falam sobre um de uma profecia, em vez de uma maldição; o rei,
progenitor idoso que decide que é tem- ao vê-la dormindo, abusa sexualmente e a en-
po da nova geração assumir. Mas antes gravida. Após 9 meses, ainda dormindo, ela dá a
que isto possa ocorrer o sucessor tem luz a duas crianças. Não é o beijo de um príncipe
que provar-se capaz e valoroso. (BET- que a acorda, uma das crianças chupa o seu dedo,
TELHEIM, 2002, p. 14). e remove o pedaço de linho que a mantinha dor-
mindo. Ela acorda sendo mãe de dois filhos.

8 Incentivo à Leitura
A Bela Adormecida conhecida hoje tem duas Na versão francesa anterior desse conto (cha-
versões diferentes: a de Perrault e a dos Irmãos mado The Lost Children – As Crianças Perdi-
Grimm. A diferença se refere aos detalhes das das), em vez de uma bruxa, temos um demônio.
duas histórias. Por mais variadas que sejam as Agora o demônio é enganado pelas crianças (da
versões, o tema central é o mesmo. Segundo mesma forma que Hansel e Gretel), mas resol-
Bettelheim (2002, p. 271), as versões Perrault ve isso e põe um chicote para fazer uma criança
e dos Irmãos Grimm começam indicando que sangrar (isto não é um erro – ele realmente faz
podermos ter de esperar muito tempo para en- isso). As crianças fingem não saber como che-
contrar realização sexual, como a que implica gar ao chicote, portanto a mulher do demônio
ter um filho. demonstra. Enquanto ela está deitada, as crian-
ças cortam a sua garganta e escapam.
A estória está baseada no simbolismo, em que
se explica, de forma indireta, o que representa Esse conto de fadas folclórico, segundo Bette-
cada situação como, por exemplo, a presença de lheim (2002, p. 195), transmite uma verdade
vários príncipes que tentaram se aproximar da importante, embora desagradável: a pobreza e
bela adormecida, mas que ficaram presos nos a privação não melhoram o caráter do homem,
espinhos. mas, sim, o tornam mais egoísta e menos sensí-
vel aos sofrimentos dos outros, e assim sujeito
a empreender feitos malvados. Quando o João
utiliza o pão para marcar o caminho de volta
Muitos príncipes tentam alcançar Bela para casa, é como fuga (da fome) que o impe-
Adormecida antes de terminar sua ma- de de pensar de forma clara sobre a situação
turação; todos os pretendentes prema- problema, não pensando na possibilidade de os
turos perecem nos espinheiros. Com pássaros comerem as migalhas do pão.
isto, o conto adverte à criança e aos pais
As crianças não veem a casa de biscoito de gen-
que o despertar do sexo antes da men-
gibre como abrigo e segurança e sim como ali-
te e do corpo estarem prontos para ele
mento que as satisfará e não pensam nas conse-
é muito destrutivo. Mas quando Bela
quências. Para Bettelheim (2002, p. 197), o conto
Adormecida finalmente adquiriu matu-
de fadas é a cartilha com a qual a criança apren-
ridade física e emocional, e está pronta
de a ler sua mente na linguagem das imagens, a
para o amor, e, por conseguinte, para o
única linguagem que permite a compreensão an-
sexo e o casamento, então o que antes
tes de conseguirmos a maturidade intelectual.
parecera impenetrável se abre. O muro
de espinhos subitamente se transfor- A criança necessita ser exposta a essa linguagem
ma numa cerca de flores grandes e be- para prestar atenção a ela. O conteúdo pré-cons-
las que se abre para o príncipe entrar. A ciente das imagens do conto de fadas é muito rico
mensagem implícita é a mesma de vá- porque estimula a criança a desenvolver seu in-
rios outros contos de fadas: não se preo- telecto. A bruxa representa os aspectos destru-
cupe e não tente apressar as coisas – no tivos da oralidade, que está propensa a comer as
seu devido tempo, os problemas impos- crianças como elas devoraram a casa de biscoito.
síveis serão solucionados, como que es- As suas intenções malvadas forçam as crianças a
pontaneamente. (BETTELHEIM, 2002, reconhecer os perigos da voracidade oral.
p. 273-274).

Outra estória conhecida pelas crianças é a de


João e Maria. A versão conhecida de Hansel e
Gretel fala de duas criancinhas que ficam per-
didas na floresta, até encontrar seu caminho
para uma casa de gengibre e doces que perten-
ce a uma bruxa. As crianças acabam escraviza-
das por um tempo enquanto a bruxa as prepara
para comer. Eles encontram a saída, atiram a
bruxa no fogo e fogem.

9 Incentivo à Leitura
Uma bruxa forjada pelas fantasias ansio- A fábula é uma narração alegórica,
sas da criança persegue-a; mas uma bru- cujos personagens são, geralmente,
xa que ela pode empurrar para dentro de animais, e que encerra em uma lição
seu próprio fogão para que morra queima- de caráter mitológico, ficção, mentira,
da é uma bruxa da qual a criança pode se enredo de poemas, romance ou drama.
livrar. Enquanto as crianças continuarem Contém afirmações de fatos imaginá-
a acreditar em bruxas – sempre o fizeram rios sem intenção deliberada de enga-
e sempre o farão – até a idade em que não nar, mas sim de promover uma crença
sejam mais compelidas a dar aparência na realidade dos acontecimentos. A fá-
humana às suas apreensões informes – bula seria, portanto, uma narração em
elas necessitarão de estórias onde crian- prosa e destinada a dar relevo a uma
ças se livram, pela engenhosidade, des- ideia abstrata, permitindo, dessa for-
tas figuras persecutórias da imaginação. ma, apresentar, de maneira agradável,
Conseguindo fazê-lo, ganham muito com uma verdade que, de outra maneira, se
a experiência, como o fizeram João e Ma- tornaria mais difícil de ser assimilada.
ria. (BETTELHEIM, 2002, p. 202). (LIMA; ROSA, 2012)

Esse conto dá expressão simbólica às experi- Segundo Fernandes (2001), fábula é um gê-
ências internas diretamente unidas à mãe, a nero que, como tantos outros gêneros nar-
criança não imagina que um dia poderá ficar rativos, registra as experiências e o modo de
afastada dos seus pais. A estória de João e Ma- vida dos povos. Seu objetivo é trazer refle-
ria auxilia a criança a exceder sua dependência xões quanto a valores, tais como respeito, di-
imatura dos pais e alcançar os níveis mais altos ferenças, amizade, companheirismo, dentre
de desenvolvimento, valorizando também o outros. Em relação à moral nas fábulas, Góes
apoio de outras crianças, de forma lúdica. (1991) afirma:

A cooperação com eles na realização das A moral contida nas fábulas é uma
tarefas terá que substituir finalmente a mensagem animada e colorida. Uma
dependência infantil e restrita aos pais. estória contém moral quando desper-
A criança em idade escolar frequente- ta valor positivo no homem. A moral
mente ainda não pode imaginar que um transmite a crítica ou o conhecimento
dia será capaz de enfrentar o mundo sem de forma impessoal, sem tocar ou lo-
os pais; por esta razão deseja agarrar-se calizar claramente o fato. Isso levou
a eles além do ponto necessário. Precisa a pensar que essa narrativa da mora-
aprender a confiar que algum dia domi- lizante nasceu da necessidade crítica
nará os perigos do mundo, mesmo na do homem, contida pelo poder da for-
forma exagerada em que seus medos os ça e das circunstâncias. (GÓES, 1991,
retratam, e que se enriquecerá com isto. p. 144).
(BETTELHEIM, 2002, p. 202).

A fábula resume uma ação e sua reação, se-


A palavra “fábula” vem do latim e significa falar. guida do discurso que levará o leitor a refle-
O gênero fábula apresenta características mar- tir. Nem sempre é necessário que haja mais
cantes. Trata-se de pequenas narrações, em de um personagem, uma vez que a ação e a
que os personagens protagonistas geralmente reação de determinada situação podem es-
são animais que representam sentimentos e tar acontecendo na mente de um único per-
emoções humanas. Mesmo assemelhando-se sonagem, portanto, podem ser construídas
às histórias infantis, as fábulas foram criadas a partir de diálogo ou diálogo interior ou
inicialmente para serem contadas a adultos, monólogo.
com o objetivo de aconselhá-los e distraí-los.

10 Incentivo à Leitura
Uma característica intrínseca às fábulas de Lo-
Sendo as fábulas pequenas narrativas bato é a linguagem simples e coloquial, em que
em que animais são os personagens pro- o autor se utiliza de palavras cotidianas e ex-
tagonistas, o comportamento humano é pressões de uso popular, além de apresentarem
criticado através de atitudes de animais um caráter educativo. Muitas são fábulas co-
que poderiam ser bons, maus ou apre- nhecidas hoje, atribuídas a diferentes autores.
sentar diferentes virtudes ou defeitos. É São exemplos de fábulas:
comum que esses animais representem • A raposa e as Uvas;
raposas, lobos, formigas, entre outros.
Cada um deles apresenta características • A Cigarra e a Formiga;
tipicamente humanas. Como exemplo, o • A Lebre e a Tartaruga;
leão representa força e poder, o cordeiro
representa ingenuidade, a raposa sim- • O Leão e o Ratinho;
boliza a esperteza. Para Coelho (2000, p. • A galinha dos ovos de ouro”;
166), La Fontaine explicita em sua pri-
meira coletânea de fábulas que se ser- • A rosa e a borboleta”;
ve de animais para instruir os homens. • A menina do leite”;
(LIMA; ROSA, 2012)
• O lobo e a cabra”;
• O cachorro e sua sombra”;
Alguns autores consideram as fábulas um mé-
• Os viajantes e o urso”;
todo universal de construção discursiva, porém,
sempre haverá diferenças no modo como cada • O gato, o galo e o ratinho”; dentre outras.
povo estrutura suas fábulas e seus elementos,
resultando numa coleção cultural. As fábulas Para que os objetivos sejam alcançados ao con-
não iniciam com o famoso “Era uma vez”, como tar uma história, o contador precisa considerar
nos contos de fadas. Todas as palavras são me- alguns pontos importantes:
didas, selecionadas e direcionadas ao seu alvo. • As histórias podem ser lidas ou contadas; o con-
As primeiras fábulas surgiram em 1668, publi- tador deve levar vida às histórias, preocupando-
cadas em “As fábulas” de Jean La Fontaine, que -se com a entonação de voz e a postura do corpo;
se utilizava desse gênero para relatar a situação • Sensibilidade ao multiculturalismo para es-
social de sua época: misérias, desigualdades e crever e contar as histórias;
injustiças. No Brasil, como fabulista pioneiro,
temos Monteiro Lobato, que recontava as famo- • Considerar as diversas possibilidades de fra-
sas fábulas de La Fontaine e Esopo. Outros fa- ses para começar e terminar um conto;
bulistas brasileiros são Donaldo Schüler e Millor • Utilizar acessórios e utensílios como fanto-
Fernandes, estes mais contemporâneos, que ches. Ajuda ao ouvinte e ao contador lembrar
recriaram as fábulas de maneira irônica, atra- a sequência da história, mas é preciso que seja
vés de situações do cotidiano moderno. simples e atrativo, principalmente para aguçar
a curiosidade de crianças menores;
• Preparar o ambiente, considerar as idades, fa-
lar com clareza, começar e finalizar as histórias;
direcionar uma por dia é fundamental para uma
boa contação;
• É essencial que, ao final, seja feita uma avalia-
ção de todo o processo.
A arte de contar histórias atravessa gerações,
convida a humanidade a refletir sobre a própria
vida e transformar comportamentos desafiado-
res. Lidas ou contadas, é preciso sensibilidade
para saber contá-las.

11 Incentivo à Leitura
A prática educativa

A contação de histórias é uma prática cada vez A ação de contar histórias deve ser utilizada
mais presente na escola. Ora se desenvolve a dentro do espaço escolar, não somente com
partir do planejamento do professor, ora a es- seu caráter lúdico, muitas vezes exercitado em
cola recebe a visita de um contador, ora ela per- momentos estanques da prática, como a hora
meia os espaços culturais (como feiras do livro). do conto ou da leitura, mas adentrar a sala de
O professor, através de sua formação, tem con- aula, como metodologia que enriquece a prática
tato com diversas possibilidades de integrar a li- docente, ao mesmo tempo em que promove co-
teratura em sua aula. Muitos teóricos abordam nhecimentos e aprendizagens múltiplas.
a questão da importância dos textos literários
na escolarização. De acordo com prévia pesquisa bibliográfica, fi-
cou evidente que a contação de histórias pode e
Ao considerar a contação de histórias como por- deve ser usada como metodologia para o desen-
tadora de significados para a prática pedagó- volvimento dos alunos e de sua personalidade,
gica, não se restringe o seu papel somente ao melhorando de maneira significativa o desem-
entendimento da linguagem. Preserva-se seu penho escolar.
caráter literário, sua função de despertar a ima-
ginação e sentimentos, assim como suas possi-
bilidades de transcender a palavra.
Na maioria dos casos, a Escola aca-
ba sendo a única fonte de contato da
criança com o livro e, sendo assim, é
necessário estabelecer-se um com-
promisso maior com a qualidade e o
aproveitamento da leitura como fonte
de prazer. (MIGUEZ, 2000, p. 28)

A questão da contação de histórias como par-


ticipante da práxis pedagógica não pretende
de forma alguma desconfigurar sua função de
transmitir beleza, sensibilidade, prazer. Aliás,
acredita-se que o caráter artístico da contação
de histórias pode servir de elo no processo de
ensino e aprendizagem. Portanto, a contação de
histórias pode auxiliar a práxis sem perder seu
valor estético e artístico.

12 Incentivo à Leitura
A xilogravura poderá ser utilizada para literatura em sala de aula, além de desvelar a obra
estampar tecidos e camisetas. No entanto, há e aprimorar percepções, também é uma maneira
alguns procedimentos de gravação e impressão de enriquecer o repertório discursivo dos alunos,
que diferem da impressão sobre papel e, se sem ter medo da análise literária. Pois, “longe da
não forem observados, a e Muitos teóricos crença ingênua de que a leitura literária dispensa
abordam a questão da importância dos textos aprendizagem, é preciso que se invista na análise
literários na escolarização. BETTELHEIM da elaboração do texto, mesmo com leitores
(2000) fala da importante e difícil tarefa na iniciantes ou que ainda não dominem o código
criação das crianças, a qual consiste em ajudá- escrito.” (MACIEL, 2010, p. 59).
las a encontrar significado na vida. Em primeiro
Acredita-se que é estimulando as crianças
lugar, o autor coloca o impacto dos pais nessa
a imaginar, criar, envolver-se, que se dá
tarefa; e, em segundo lugar, cita a herança
um grande passo para o enriquecimento e
cultural transmitida de maneira correta:
desenvolvimento da personalidade, por isso,
“Quando as crianças são novas, é a literatura
é de suma importância o conto; acredita-se,
que canaliza melhor este tipo de informação.”
também, que a contação de história pode
Quanto à leitura em si, ele acrescenta: “A
interferir positivamente para a aprendizagem
aquisição de habilidades, inclusive a de ler, fica
significativa, pois o fantasiar e o imaginar
destituída de valor quando o que se aprendeu a
antecedem a leitura.
ler não acrescenta nada de importante à nossa
vida”. (BETTELHEIM, 2000, p. 12). Utiliza-se da leitura, através da contação
de histórias, como metodologia para o
A escola, dia a dia, vem perdendo seu papel de
desenvolvimento dos sujeitos e melhoria
estimuladora da literatura para seus educandos,
de seu desempenho escolar, respondendo
já não é contínuo o uso de livro paradidático. As
a necessidades afetivas e intelectuais pelo
palavras de Maciel (2010) são bem oportunas
contato com o conteúdo simbólico das leituras
para a reflexão proposta neste trabalho, já
trabalhadas. stampagem poderá ser frustrada.
que o autor defende a ideia de que o espaço da

13 Incentivo à Leitura
Dicas para contadores

Contar histórias é uma arte, e para isso qual- Quanto ao aprendizado de se contar histórias,
quer um de nós pode trabalhar e desenvolver afirma:
algumas qualidades que fazem toda a diferen-
ça na narrativa. O mais importante, porém, é a
simplicidade e a naturalidade do contador ao es- “Quando uma professora fica frustra-
tabelecer uma sintonia com os ouvintes. da porque as crianças não prestaram
Regina MACHADO, educadora, contadora de atenção à sua história, ela precisa sa-
histórias e autora do livro Acordais, fundamen- ber que isso aconteceu não porque não
tos teórico-poéticos da arte de contar histórias é dotada, e sim porque não se prepa-
(bibliografia indicada, de leitura obrigatória, na rou adequadamente. E que essa pre-
nossa opinião, para todos os educadores que paração é acessível, desde que certos
queiram contar histórias em suas aulas) nos diz: princípios e pontos de referência se-
jam estabelecidos para que ela possa
trilhar um caminho de aprendizado,
não para que se torne uma contadora
“O dom de contar histórias é, na
de histórias excepcional, mas para que
verdade, um exercício constante, possa realizar um trabalho eficiente,
um aprimoramento contínuo de que permita que seus alunos se bene-
possibilidades internas de ver os ficiem com a experiência de escutar
mundos de outras formas.” histórias”. (MACHADO, 2004, p. 73)

14 Incentivo à Leitura
Dividimos em alguns itens as dicas que achamos
importantes para quem queira contar histórias
para crianças ou para adultos, seja em casa, em
bibliotecas ou em sala de aula. Boa leitura!
Adequação e Preparação
É sempre bem-vinda a proximidade do contador
de seus ouvintes. Isso envolve algumas esco-
lhas, como limitar o número de participantes
(não dá para contar histórias para duzentas
pessoas sem que se transforme em uma apre-
sentação distante), sentar- se no chão em roda
ou em meia-lua (podendo ser sobre um tapete,
colcha ou embaixo de uma árvore) e, no caso do
espaço disponível ser inevitavelmente muito
grande, procurar limitá-lo de alguma maneira, Exemplo
por exemplo convidando as pessoas para que se
sentem próximas (cantar uma música ou falar Quando vamos iniciar uma história, propomos
sussurrando funciona). A escolha do local deve uma brincadeira com as crianças (e às vezes
privilegiar um ambiente de boa acústica. com os adultos também) que é a do pó de imagi-
nação: cada um teria um pouco de pó de imagi-
Na verdade, o ritual de preparação para o início nação guardado em algum cantinho (no bolso,
da história já tem a função de criar um ambiente na carteira, na orelha, no sapato). Pedimos en-
acolhedor e convidativo. O que seria esse ritual? tão que “peguem” um pouquinho do seu pó de
É um convite para a história. E como convidar imaginação e o “assoprem”, para que o espaço
as pessoas para ouvir uma história? O contador se encha dele. Nesse momento todos podem
pode se utilizar de vários recursos como can- “ver” o seu pó de imaginação: que cor ele tem,
tar uma música, tocar um instrumento, falar qual o cheiro, o gosto... pronto! As janelas ima-
um poema, acender uma vela, tirar de um baú ginárias se abrem e a história começa.
ou caixa um pequeno objeto, ou simplesmente
concentrando-se ao sentar-se em silêncio, ins- Repertório
tigando a curiosidade de todos e transformando Um bom contador de histórias está sempre pes-
o espaço para que a história seja recebida. quisando. Seu repertório pessoal se forma na-
turalmente pelo simples gosto pela leitura e por
sua vontade de conhecimento. Visitar livrarias,
bibliotecas, escrever as histórias que ele ouve e
gosta, criar histórias partindo de uma observa-
ção atenta e sensível do mundo, pesquisar na
internet os catálogos das editoras, ler jornais e
revistas, mantendo-se informado do que acon-
tece a sua volta: tudo isso é conhecimento, e
quanto mais rica a experiência de vida de um
contador, melhor será sua atuação. Porém uma
rica experiência de vida não significa unica-
mente um vasto repertório cultural, intelectu-
al ou científico, não precisamos viajar o mun-
do inteiro ou ler todos os livros já escritos para
sermos bons contadores de histórias. Pesquisar
implica, além dos itens já ditos, na intensidade
de nossa percepção do mundo, na qualidade de
nossa experiência sensível com aquilo que per-
cebemos e vivemos. Existe um conhecimento
direto da realidade vivida, a partir de nossa his-
tória pessoal e cultural. Todos nós temos uma
boa história para contar!

15 Incentivo à Leitura
Memória
Sempre que chegamos nesse item algumas pes- “Em plena virada do milênio,
soas pensam em memória como a capacidade quando um professor se senta no
que um contador tem de guardar ou decorar vá- meio de um círculo de alunos e narra
rias histórias. E é mesmo. Um bom contador de
histórias tem sempre várias delas na “ponta da uma história, na verdade cumpre um
língua” para qualquer ocasião. desígnio ancestral. Nesse momento, ocupa

Alguns contadores de histórias são verdadeiras o lugar do xamã, do bardo celta, do cigano,
“bibliotecas ambulantes”, e costumam ter real- do mestre oriental, daquele que detém
mente uma boa memória. Mas não é preciso que a sabedoria e o encanto, do porta-voz da
decoremos uma história vírgula por vírgula,
ancestralidade e da sabedoria.
mas que convivamos com ela, que a tenhamos
sempre viva dentro de nós, em imagens, cores, Nesse momento ele exerce a
cheiros e emoções compartilhadas com seus arte da memória “.
personagens. (PRIETO, 1999, p. 41)
Ao narrarmos uma história somos testemunhas
dos acontecimentos, fazemos parte dela.
Jonas Ribeiro, em seu livro Ouvidos Dourados, Mas memória nos remete também a um outro
a arte de contar histórias ... para depois contá- aspecto: contando uma história, resgatamos
-las... (bibliografia indicada), recomenda que o a cultura de um lugar, de uma época. É aquela
contador apenas APREENDA A IDEIA CENTRAL história que nossa avó nos contava e que agora
da história, em vez de decorá-la. Um bom conta- contamos aos nossos filhos que talvez contem
dor é fiel à história usando suas próprias pala- aos seus filhos também, e que nos faz lembrar
vras, com naturalidade e de um jeito só seu. de nossa infância, de pessoas queridas que já se
foram, do perfume que nossa professora usa-
va... Enfim, um mundo de lembranças.
[...] “um famoso intelectual que sabia E esse processo implica também em OUVIRMOS
muitos clássicos de cor, no período que histórias: sejam das pessoas mais velhas, das
passou no campo de concentração, crianças, seja de nossos vizinhos, de nosso país
oferecera-se como biblioteca para ser lido
ou as lendas de outras culturas e civilizações.
por seus companheiros de reclusão“. Contar e ouvir histórias é um exercício da arte
(MANGUEL, 1997, p. 83) “das memórias”: emotiva, histórica, arquetípi-
ca, informativa e outras que porventura sejam
lembradas...haja memória!

16 Incentivo à Leitura
Presença
Regina Machado fala do “estado de presença”
do contador de histórias, e questiona:

“Que qualidade é essa que se


apresenta na pessoa do contador de
histórias, possibilitando cada ouvinte a
um passeio pela sua própria paisagem
interna, enquanto passeia pela
paisagem da história, tendo como guia
Olhar, corpo e gesto
a voz do contador?
O olhar do contador estabelece um vínculo com
seus ouvintes. O “olho no olho” é fundamental,
Podemos começar a pensar sobre é com o olhar que o contador “pesca” seus ou-
essa qualidade dizendo que um vintes, não é um olhar inquisidor, que impõe
a atenção de todos de maneira constrangedo-
bom contador de histórias vive em
ra, mas um olhar sedutor, que atrai e instiga a
determinado ‘estado’ que tem o efeito curiosidade, que traduz uma intenção. O olhar
de produzir em quem o escuta uma também fala e torna visível o invisível. Por
experiência estética singular.” exemplo: em certo momento da história o con-
tador tira de seu bolso um lenço de tecido leve
de cor suave, movimentando-o delicadamente,
dando a ideia de um voo. E um belo pássaro sur-
A presença do contador de histórias está na sua ge diante dos olhos de todos.
postura de respeito pelo que está fazendo, em Como isso acontece? Mágica? Truque? Não,
sua entrega pessoal às histórias, ao se deixar encantamento! Encantamento produzido pelo
envolver pelas emoções, pelas imagens que olhar do contador que vê no lenço o pássaro. E
vão preenchendo o espaço imaginário criado mais: entra aí a qualidade do gesto, a suavida-
pela sua voz, seus gestos, seu olhar. É o fio de de com que o lenço é manipulado, dando a ideia
sua narrativa que conduz suavemente cada ou- de voo. Um gesto, por mais simples que seja, é
vinte, tecendo a história como uma renda que a carregado de significações, por isso sugerimos
todos envolve. É a poesia que se faz presente, sempre a economia de gestos, o que potenciali-
poesia enquanto concretização da beleza. E o za a expressividade corporal do contador, não é
contador de histórias virou poeta... preciso que fique o tempo todo gesticulando ou
andando de um lado para o outro para prender a
atenção dos ouvintes.

[...] A presença é feita de intenção, O contador pode manter-se durante toda uma
ritmo e técnica. Um bom contador de história apenas sentado, desde que a qualida-
histórias, guiado pela ação interligada de de seu olhar e de seus gestos seja carregada
desses três fatores, exercita habilida- de emoção e de intencionalidade. Sua postura
des pessoais – RECURSOS INTERNOS corporal também é importante: manter a colu-
-, combinadas com amplo repertório na ereta, não ficar balançando os pés nem coçar
de informações disponíveis – RECUR- o nariz durante a narrativa, ou ficar arrumando
SOS EXTERNOS -, enquanto vai polin- os cabelos a cada minuto.
do e conquistando, ao longo da vida, a Todos esses cuidados mostram uma atenção do
QUALIDADE DA PRESENÇA’’. contador de histórias com seu mais importante
(MACHADO, 2004, p. 68) instrumento de trabalho: seu corpo. O contador
atua de “corpo e alma”, deixando assim a marca
de sua presença nas histórias que conta.

17 Incentivo à Leitura
Voz A própria voz, as palmas, o estalar de dedos,
bater nas pernas e ruídos feitos com a boca são
A voz assume máxima importância no ofício do algumas alternativas para se fazer música. A
contador de histórias. Ela é o veículo do texto a vivência musical facilita objetivos específicos
ser contado. São necessários alguns cuidados em atividades pedagógicas. Essas atividades
como boa dicção, linguagem adequada e evitar são inúmeras e usando a imaginação o contador
o uso de “vícios de linguagem” (“e daí”, “pegou criará vínculos muito interessantes com as his-
e foi”, “tipo assim”, etc.). O contador de histórias tórias, sugerindo a interação das crianças.
não pode perder de vista que através de sua voz
detém o poder “encantatório” da palavra. Como exemplo temos os jogos de estímulo à
atenção (de acordo com o andamento rápido ou
Uma narrativa interessante, que envolva a to- lento da música, as crianças correm, andam len-
dos, se faz com o uso de recursos vocais de mo- tamente ou se expressam com um gesto combi-
dulação de voz (sons mais graves e mais agu- nado, explorando a locomoção), os jogos de per-
dos), variação de intensidade (falar mais alto cepção musical (perceber os sons do ambiente,
e mais baixo), onomatopeias bem empregadas reconhecer as diferenças entre os sons graves e
(som do vento, da chuva, do relógio etc.). Essas agudos, repetir os sons produzidos pela voz ou
variações vocais dão movimento à palavra e rit- instrumentos) e a criação de pequenas melo-
mo à narrativa. dias utilizando-se o texto das histórias.

Pausa e Silêncio
Silêncio nem sempre é sinônimo de vazio. As
pausas e os silêncios também criam “climas” na
narrativa, que podem ser de suspense ou de dú-
vida, de surpresa, de tristeza... O silêncio vindo
de um olhar expressivo, ou de um gesto signifi-
cativo, pode dizer muita coisa, pode mesmo ser
a chave de toda uma história, ou aquele misté-
rio que deixa algo suspenso, hão precisamos
estar falando o tempo todo, achando que só
assim prenderemos a atenção das crianças ou
de quem esteja ouvindo. Uma música é feita de
sons e de silêncios, havendo pausas entre as no-
tas musicais. As histórias também são assim, e,
como o contador, às vezes precisam “respirar”.
Existe também o que chamamos de “qualidade
do silêncio” da plateia. São aqueles momentos O repertório musical selecionado deve ser ade-
em que o envolvimento de todos com a narra- quado à realidade da faixa etária com a qual se vai
tiva é tão intenso que deixa “no ar” um silêncio trabalhar; no caso de canções é importante o uso
cristalino. É quando o contador está no pleno de um vocabulário compreensível pelas crianças,
domínio de sua narrativa. podendo-se esclarecer algumas dúvidas que sur-
jam relacionadas ao significado das palavras.
O caminho inverso também é uma atividade mui-
Música to valiosa: a partir da audição de uma música,
Ao ser utilizada a música complementa a nar- imagens internas são despertadas e podemos
rativa, estimulando a audição de maneira di- então criar e escrever uma história, seus perso-
ferente do texto. Pode ser abordada como mú- nagens, a descrição de lugares nos quais nunca
sica de cena, para criar “paisagens sonoras”, estivemos, mas que surgem em nossa mente de
ou seja, o “clima” das histórias (alegre, triste, maneira tão viva que é como se realmente já ti-
de suspense, de sono e outros), dialogando véssemos passado por lá. E quem disse que não?
com o contador. A presença dos instrumentos Ao ouvirmos com mais atenção nosso repertó-
musicais é bastante enriquecedora, mas não é rio musical, descobriremos que algumas letras
obrigatória. são pequenas histórias cantadas.

18 Incentivo à Leitura
Participação dos ouvintes
É importante que o contador de histórias não “Essa naturalidade de virar o olho e
se iluda, pensando que nunca será interrompi- conferir vida a objetos inanimados
do, e que poderá seguir sua narrativa sem dar ou formas da natureza precisa ser re-
atenção às reações e comentários dos ouvin- conquistada para o exercício da efi-
tes, principalmente em se tratando de crianças. ciência poética. [...] l/ocê seria capaz
Contar histórias pressupõe um CONTATO DI- de conversar com um espanador?
RETO e exige do contador uma abertura ao IM- Mesmo que sua resposta seja nega-
PREVISÍVEL. Tudo pode acontecer. Geralmente tiva, digo-lhe que sim. Desde que
contamos histórias em ambientes que sofrem, você se lembre de virar o olho e se
de alguma maneira, intervenções externas, disponha a considerar: Que objetos e
como barulho de carros, cachorro latindo, pes- formas da natureza têm qualidades,
soas passando. Por que não incorporar esses como tamanho, dimensões, cores,
elementos, de maneira natural, à nossa narrati- direção de suas linhas estruturais no
va? Quanto aos ouvintes, nossa sugestão é que espaço, peso, textura, cheiro, movi-
o contador instaure um clima de cumplicidade e, mento, densidade, equilíbrio; e ex-
quando sentir que é conveniente, até os convide pressam qualidades de outra ordem,
a colaborar com a narrativa, sugerindo nomes, como mistério, humor, respiração ou
uma solução para um problema ou cantando pulsação, rispidez, calma, delicade-
uma música. Isso exige muito jogo de cintura za, nervosismo, altivez, descontra-
para que não se perca o “fio da meada”. É mesmo ção, desleixo, nobreza. São qualida-
um jogo de “ping pong”, e o contador precisa ser des que a eles atribuímos a partir de
um ótimo rebatedor. suas características estruturais, que
revestimos com nossas ressonâncias
pessoais.
[...] Um cabo de guarda-chuva pra-
teado encrustado de pedras colori-
das no punho pode ser uma rainha,
um lenço de seda azul pode ser uma
princesa, um novelo de lã pode ser
uma ovelha, um rastelo pode ser um
rei”. (MACHAD0, 2004, p. 90-91)

Lembrando que a animação de objetos, para ser


eficiente, precisa estar aliada aos demais itens
aqui já citados.
Quanto ao uso do livro é interessante que o con-
tador explore ao máximo suas qualidades in-
trínsecas: as figuras, seu tamanho, sua forma,
sempre levando em conta que a história conta-
Recursos de animação e livro da está nele escrita. O livro quando presente na
narração da história reforça o gosto pela leitura
Regina Machado, ao tratar da animação de obje- e o deslumbramento pela literatura.
tos na contação de histórias, nos remete ao que
ela chama de “eficiência poética” no jogo criado Quando o contador trabalha com o livro é im-
pelo contador. Sendo esse jogo um convite ao portante que conheça o texto previamente para
imaginário, objetos de uso cotidiano transfor- que não o leia o tempo todo, a não ser que assu-
mam-se em adereços de qualidades expressi- ma ser uma leitura da história. Os livros ilustra-
vas inteiramente novas e inusitadas. A autora dos (principalmente os infantis) já “puxam pela
chama esse exercício imaginativo de “virar o memória” do contador, que só de bater o olho
olho” e afirma: nos desenhos desenrola sua narrativa.

19 Incentivo à Leitura
As dicas aqui brevemente expostas podem con-
tribuir muito para o aprimoramento daqueles “O acesso a ele se faz por um posto de
que têm vontade de contar histórias. Cada item pedágio. Os viajantes que desejam visitá-
se relaciona com os demais e nenhum é mais im- lo ganham um Kit com mapas, moedas e
portante que o outro; é o exercício atento, entre um livro de regras; os resultados não são
acertos e erros, de todos eles em conjunto, que garantidos, mas a perda de tempo será
aprimora a arte de contar histórias. Entramos reembolsada.
por uma janela e abrimos a outra, quem quiser Outrora, o reino da Sabedoria era conhecido
que conte outra... como Terra da Nulidade, uma região árida
e assustadora, habitada pelos demônios da
escuridão.
Imaginando o aprendizado Conta-nos a história que um jovem príncipe
cruzou o mar do Conhecimento em busca
Depoimento de uma educadora e contadora
do futuro e reivindicou Nulidade em nome
de histórias
da bondade e da verdade. A velha cidade
Em minhas andanças pelas livrarias de São da Sabedoria, constantemente assediada
Paulo (um dos meus passatempos preferidos) por demônios, monstros e gigantes, tornou-
descobri, pousado sobre um balcão em meio a se, sob seu governo, um reino próspero.
outros lançamentos literários, um dicionário de Os dois filhos do príncipe partiram para
capa clara com um mapa em marca d’água por fundar duas novas cidades: Dicionópolis,
detrás do título. no Sul, e Digitópolis, no Norte, no sopé das
montanhas da Ignorância. As novas cidades
O detalhe que me faz contar agora essa minha tornaram- se rivais após uma discussão
descoberta é que aquele dicionário não trazia sobre se as palavras ou números eram mais
verbetes sobre sinônimos, significados de pa- importantes do que a sabedoria; a constante
lavras nem explicações sobre assuntos científi- disputa levou o reino da Sabedoria à ruína.
cos; era um dicionário de “lugares imaginários” Contudo, as duas filhas adotivas do rei, Rima
(MANGUEL, 2003). e Razão, à frente dos exércitos reunidos
de Sabedoria, venceram a batalha final e
Mesmo ainda sem o ler, segurei-o em minhas
restabeleceram a paz.”
mãos como um pequeno tesouro, passei a fo-
lheá-lo e, a cada página, mais absorta na leitura Verbete do Dicionário de Lugares Imaginários
e alheia à movimentação da livraria fiquei.

20 Incentivo à Leitura
Senti a necessidade imperiosa que os ávidos por quando é possível sentir-se uma espécie de fre-
livros, verdadeiros fetiches nas mãos de contado- nesi com a visão de todas aquelas prateleiras
res de histórias, sentem quando encontram uma separadas por assuntos. Pode-se passar horas
preciosidade, e “tive” que levá-lo para casa; só en- a fio em busca de títulos ainda não descobertos
tão pude olhar para ele e pensar: “enfim sós”! e, quanta emoção ao se encontrar “aquele” que
deixamos de comprar há dez anos por qualquer
Já na introdução, os autores explicam que o di- motivo do qual nem nos lembrávamos mais! De
cionário funciona como um guia para turistas qualquer maneira, algumas horas em uma boa
que pretendem fazer uma viagem aos lugares livraria é garantia de sempre sairmos sabendo
imaginários da literatura mundial; os verbetes um pouco mais sobre alguma coisa.
são repletos de mapas com instruções de como
se chegar ao lugar indicado e têm, pasmem, di- Adquirido o livro, ao primeiro contato ele já ganha
cas de alimentação e cuidados que se deve ter estatuto de objeto, de objeto-livro! Nossa relação
na chegada a certos lugares como, por exemplo, com ele passa a ser sinestésica: nós o seguramos
o Reino da Sabedoria (MANGUEL, 2003: 382). e sentimos seu peso e tamanho, depois passa-
Enfim, puro deleite! Os autores da última edi- mos os dedos pela capa sentindo sua textura
ção (houve uma reestruturação em relação às (algumas edições têm relevos convidativos),
outras) atestam que o universo imaginário do depois vem a apreciação dos detalhes da edição:
homem é tão vasto que ficaria impossível reu- cores, tipo de letras, gravuras, formatação, tipo
nir todos os lugares imaginados em apenas um de papel, etc. E a relação com o objeto-livro passa
livro, sendo que a seleção dos lugares que mere- a ser também estética. Por fim, o cheiro. Cheiro
ciam estar registrados no pitoresco compêndio de livro novo é cheiro de pão fresquinho, saído
tinha sido uma tarefa complicada. A imagina- do forno. Mas há também o cheiro dos livros de
ção é mesmo um lugar de muitos ondes! sebos, que têm “o cheiro do armário da casa de
nossa avó”, como bem classifica um amigo meu.
Assim como os gramáticos usam seus dicioná- Acho a analogia olfativa perfeita.
rios em seus estudos, consulto o dicionário de
lugares imaginários para várias atividades em O ritual de uma visita a sebos é diferente: geral-
minhas aulas e narrações de histórias. mente estamos em busca de publicações antigas,
que já conhecemos, ou vamos dispostos a um ver-
Aliás, em se tratando de aguçar os sentidos dadeiro garimpo, de onde voltamos com as mãos
em suas sutilezas, o “objeto-livro” é uma fonte grossas de pó, mas felizes de, mesmo após alguns
de sensações, na verdade o prazer da leitura espirros, finalmente ter encontrado algo.
começa no ritual de se entrar em uma livraria,

21 Incentivo à Leitura
Quanto ao sabor do objeto-livro, fica reservado tão didática. Para mim era claro que qualquer
às horas de degustação das suas linhas, salpi- boa história bem contada já seria um incentivo
cadas de palavras, como biscoitos finos a serem à leitura, e certamente as crianças compartilha-
apreciados com um bom vinho, o vinho da ima- riam desse meu ponto de vista.
ginação.
Depois de várias opções por mim descartadas,
Ainda sobre o estímulo aos sentidos que é um lembrei-me dos tão festejados livros de Monteiro
bom livro, lembro-me que certa vez fui contra- Lobato e de sua mais famosa personagem: Emí-
tada para contar histórias em uma escola de lia. Quando criança havia lido, entre outros de
uma cidade do interior de São Paulo. A coorde- Lobato, A Reforma da Natureza, e lembrei-me de
nadora de primeira à quarta séries, seguindo os um capítulo chamado O Livro Comestível.
preceitos escolares de que toda atividade deve
ter uma “função pedagógica”, pediu-me que Pensando na proposta da escola, que era a de
contasse alguma história que incentivasse o estimular o gosto pela leitura, não tive dúvidas
gosto pela leitura nas crianças, pois minha ati- quanto à escolha, mesmo porque, independen-
vidade fazia parte da “semana da leitura” orga- temente de qualquer intuito pedagógico, Mon-
nizada pela escola. Fui então à procura do que teiro Lobato é sempre um “prato cheio” para
me fora encomendado: não tinha ideia de como qualquer contador. Vale a pena o registro do
satisfazer a coordenação em sua expectativa trecho do capítulo citado:

22 Incentivo à Leitura
O livro comestível de tutu de feijão com torresmos. As últimas
A maior parte das ideias da Rã eram desse serão as da sobremesa - gosto de manjar
tipo. Pareciam brincadeiras, e isso irritava branco, de pudim da laranja, de doce de
Emília, que estava tomando muito a sério o batata.
seu programa de reforma do mundo. Emília E as folhas do índice - disse Emília - terão
sempre foi uma criaturinha muito séria e gosto de café - serão o cafezinho do leitor.
convencida. Não fazia nada de brincadeira. Dizem que o livro é o pão do espírito. Por que
Parece incrível, Rã! - disse ela. - Chamei você não ser também pão do corpo? As vantagens
para me ajudar com ideias na reforma, mas seriam imensas. Poderiam ser vendidos nas
até agora não saiu dessa cabecinha uma só padarias e confeitarias, ou entregues de
coisa aproveitável - só “desmoralizações...” manhã pelas carrocinhas, juntamente com o
pão e o leite.
Isso não A ideia das tetas com torneiras na
Mocha foi minha e você gostou muito. A da Nem precisaria mais pão, Emília! O velho pão
pulga também. viraria livro. O Livro-Pão, o Pão-Livro! Quem
souber ler, lê o livro e depois come; quem
Só essas. Todas as outras eu tive de jogar
não souber ler come-o só, sem ler. Desse
no lixo. Vamos ver mais uma coisa. Que
modo o livro pode ter entrada em todas as
acha que devemos fazer para a reforma dos
casas, seja dos sábios, seja dos analfabetos.
livros?
Otimíssima ideia, Emília!
A Rãzinha pensou, pensou e não se lembrou
Sim - disse está muito satisfeita com o
de nada.
entusiasmo da Rã - Porque, afinal de contas,
Não sei. Parecem-me bem como estão. isso de fazer os livros só comíveis para
Pois eu tenho uma ideia muito boa - disse caruncho é bobagem - podemos fazê-los
Emília - Fazer o livro comestível. comíveis para nós também.
Que história é essa? E quem deu a você essa ideia, Emília?
Muito simples. Em vez de impressos em Foi o raciocínio. O livro existe para ser lido,
papel de madeira, que só é comestível para não é? Mas depois que o lemos e ficamos
o caruncho, eu farei os livros impressos com a história na cabeça, o livro se torna
em um papel fabricado de trigo e muito uma inutilidade na casa. Ora, tornando-se
bem temperado. A tinta será estudada comestível, diminuímos uma inutilidade.
pelos químicos - uma tinta que não faça E quando a gente quiser reler um livro?
mal para o estômago. O leitor vai lendo o
- Compra outro, do mesmo modo que
livro e comendo as folhas; lê uma, rasga-a e
compramos pão todos os dias.
come. Quando chega ao fim da leitura; está
almoçado ou jantado. Que tal? A ideia, depois de discutida em todos os seus
aspectos, foi aprovada, e Emília reformou
A Rãzinha gostou tanto da ideia que até
a biblioteca de Dona Benta. Fez um papel
lambeu os beiços.
gostosíssimo e de fácil digestão, com sabor
Ótimo, Emília! Isto é mais que uma ideia e cheiro bastante variados, de modo que
mãe. E cada capítulo do livro será feito todos os paladares se satisfizessem. Só não
com papel de um certo gosto. As primeiras reformou os dicionários e outros livros de
páginas terão gosto de sopa; as seguintes consulta. Emília pensava em tudo
terão gosto de salada, de assado, de arroz,

A escolha foi acertada e “saciou” tanto as crian- vos; entre vários, eis alguns vindos de crianças
ças quanto as professoras. Como procuro sem- de uma geração já um pouco distante da época
pre desenvolver a narrativa das histórias com de Emília: sabores de chiclete, de strogonoff, de
a participação das crianças, ao descrever os sa- chocolate, de BigMac, de batata frita, de pizza,
bores das páginas pedi sugestões de outros no- de Coca-Cola, etc.

23 Incentivo à Leitura
Terminei a história, que foi contada na biblio- O interessante é que não são apenas as crianças
teca da escola, com a proposta de uma brinca- que se envolvem nas atividades, os adultos de-
deira: durante a semana, as crianças, em uma monstram um grau de envolvimento surpreen-
visita à biblioteca e com a ajuda da professora e dente.
da bibliotecária, criariam um cardápio de leitu-
ra, com café da manhã, almoço e jantar, e cada Em várias ocasiões sou abordada por professo-
livro teria um sabor de acordo com a refeição de ras interessadas em aprender a contar histórias
que fizesse parte: leite, café, feijão, manteiga, e manipular objetos cênicos como bonecos, len-
etc. Na verdade, devo confessar que a proposta ços e pequenos adereços. Em algumas escolas,
surgiu em minha cabeça durante a atividade, muitas vezes sou convidada a conhecer suas
quando vi todas aquelas estantes repletas de salas de aula e seus projetos envolvendo temas
livros. Arrisquei a sugestão e o fato é que gosta- artísticos. Certa vez, em Campinas (SP), recebi
ram bastante da ideia. o convite entusiasmado de uma bibliotecária
para conhecer a reforma que havia feito na bi-
Algum tempo depois, voltei a essa escola e fi- blioteca da escola. De fato, era o único lugar de
quei sabendo que o cardápio tinha sido adotado toda a escola, feia e mal cuidada, que tinha co-
como sugestão mensal, montado pelas crianças res nas paredes e um ambiente acolhedor, com
e pregado no mural da biblioteca. É claro que fi- almofadas e armários baixos para as crianças
quei muito feliz, pois era mais uma mostra de manipularem os livros.
como a arte de contar histórias, como exercício
de imaginação, pode provocar o entusiasmo Iniciativas como essa, vinda de espíritos inova-
pelo conhecimento. dores e criativos, mostram-se necessárias e ori-
ginais; isoladas, porém, do ambiente escolar de
Como contadora de histórias, tenho trabalhado que fazem parte, perdem força num contexto
nestes últimos cinco anos em várias escolas das que não valoriza os aspectos artístico, lúdico e
redes particular e pública do Estado de São Pau- imaginativo do conhecimento.
lo, além de livrarias e eventos culturais.
Esses educadores sentem um verdadeiro entu-
O trabalho de narração de histórias propicia-me siasmo quando sabem da presença de artistas
um contato direto com várias instâncias da vida na escola e querem compartilhar suas ideias com
escolar, desde a direção e a coordenação, até o eles. A imagem que me vem é a de náufragos
ambiente de sala de aula com as professoras e numa ilha deserta chamando com sinais de fu-
as crianças e os pais. maça por um resgate que os tire do isolamento.

24 Incentivo à Leitura
Comecei então a direcionar meu trabalho tam- escapam ao tempo cronológico, criando univer-
bém para o público adulto e passei a trabalhar, sos paralelos que preenchem nossas ideias de
um pouco receosa e ainda tímida, com grupos pensamentos projetantes. A imaginação nos
de professores, em dinâmicas e cursos de capa- revela o real, ultrapassando-o e criando possi-
citação nas próprias escolas. O retorno tem sido bilidades do invisível no visível. Tendo o imagi-
bastante positivo; geralmente os educadores nário um potencial criador tão grande e sendo
gostam de ouvir histórias e de participar de ati- inerente à natureza humana, desde a mais ten-
vidades que envolvam o imaginário, que agu- ra idade, como ignorá-lo, rejeitando-o e negan-
cem a fantasia e que os façam “sentir”, palavra do sua importância? Diz Gaston BACHELARD
que ouço constantemente em meu trabalho. que “a imaginação tenta um futuro. [...] Existe
um futurismo em todo universo sonhado”.
A escola é parte integrante da rede social e não
pode compactuar com a minimização da essên- Fui constatando ao longo destes anos que a
cia humana para atender apenas a interesses de concepção de educação está, cada vez mais, re-
um mercado de trabalho competitivo e injusto, pleta de urgências funcionais que mascaram as
necessidades do imaginário e muitas vezes des-
Jaqueline Held diz: “A leitura do real passa pelo cartam as linguagens artísticas como forma de
imaginário”. Sempre me identifiquei com a pala- entendimento e interpretação do mundo, não
vra do imaginário; vejo-a associada aos contos oferecendo oportunidades para a realização de
fantásticos, às brincadeiras infantis, à ficção experiências que possam ampliar a competên-
científica, enfim as coisas misteriosas, interes- cia simbólica do aluno.
santes e gostosas de se conhecer. Imaginas é
uma das coisas que mais gosto de fazer. A arte, com seu potencial provocador da fanta-
sia e da imaginação, muitas vezes é deixada de
Quando criança imaginava como eu seria quan- fora da sala de aula, surgindo apenas nas aulas
do eu crescesse ou como havia sido o mundo há específicas de alguma linguagem artística ou
três mil anos. E agora, já adulta, continuo a ima- em eventos organizados pela escola, quando o
ginar: imagino cenas, imagino histórias e mun- artista é requisitado para realizar apresenta-
dos diferentes, imagino como será a casa que ções e oficinas. Como se a emoção e o estímulo
comprarei um dia, como serei bem velhinha... dos diferentes sentidos, através da criação e da
Parece que imaginar ajuda a razão a concretizar fruição estética, não fossem parte importante
objetivos, numa transposição de imagens que do processo de aprendizado.

25 Incentivo à Leitura
Tenho visto na prática que as atividades artísti- DESPERTAR O PRAZER DE CONHECER, compre-
co-imaginativas podem contribuir para quebrar ender, refletir e aprender, de proporcionar um
o caráter meramente informativo da situação meio rico e estimulante, instigando a criação,
em sala de aula, valorizando o convívio coletivo, a percepção e o contato com a arte, aguçando
ao mesmo tempo que possibilitam a autodes- a curiosidade de querer conhecer o mundo e as
coberta, a liberdade de sentir e experimentar coisas, ampliando as possibilidades cognitivas,
diferentes sensações e emoções muito parti- afetivas, sociais, sensíveis e criadoras.
culares do imaginário de cada um. Em minhas
reflexões como educadora, tenho apostado em Vejo o educador como quem inova, ousa e in-
todas as práticas que permitem desbloquear e venta possibilidades para os materiais existen-
estruturar o imaginário, como contar histórias. tes, fornecendo subsídios para manter os alu-
nos receptivos e sensíveis, para que busquem
Compartilho da opinião de alguns autores como novas perspectivas, novos modos de ver, ouvir
Herbert Head, Jacqueline Held, Rubem Alves e e agir, trabalhando com a capacidade de pensar
Paulo Freire, de que a função do educador é de e de ter ideias originais acerca do mundo.

Enfim, caberia ao educador formar cidadãos au- sário para que possamos levantar voos duran-
tênticos e criativos, em um processo dinâmico te nossa trajetória. A sabedoria requer leveza:
e em constante transformação, possibilitando leveza para ensinar, para ouvir, para aprender,
uma identidade histórica, criando condições para entender o outro, para ser compreendido.
para que se desenvolva uma atitude de reflexão
crítica e praticando uma educação problemati- Chamaria a isso de “Pedagogia Caleidoscópica”:
zadora, que não fuja à responsabilidade socio- ao se olhar por um pequeno espaço, o que, em
cultural. Não é pouca a responsabilidade que princípio, já pressupõe uma diretividade, des-
temos, nós educadores! cobrimos que podemos transformar o que ve-
mos, sendo preciso apenas, de nossa parte, um
Poetizar o aprendizado e redimensionar a prá- movimento constante para que surjam contra
tica educativa representa a aventura de uma a luz infinitas combinações de cores e formas,
perpétua busca. Aprender não significa ir en- sempre novas, sempre inusitadas, nunca exa-
chendo nossa mala de conhecimentos até ela fi- tamente iguais, porém resultantes das mesmas
car tão pesada que já não possamos carregá-la; contas de vidro refletidas nos pedaços de espe-
aprendizado é crescimento e evolução, e pres- lho. A imaginação, mesmo tendo substrato ar-
supõe deixarmos pelo caminho aquilo que já quetípico, é dinâmica e dotada de uma energia
não nos serve mais, para assim darmos espaço projetante, e assim como a racionalidade, é as-
a novas experiências, na mala, apenas o neces- pecto inerente à construção do conhecimento.

26 Incentivo à Leitura
Nos dias de hoje falta-nos espaço para sentir,
sonhar e imaginar mundos possíveis, em busca
de uma existência mais plena. Contar histórias,
usando livros, objetos, música ou apenas a voz
transforma o conhecer em algo mágico e gostoso.
Uma história, ao ser contada, suscita mil ou-
tras histórias. Ao mergulharmos na narrativa
de uma história, podemos ouvir a descrição de
uma cidade com muitos detalhes, mas certa-
mente dessa descrição surgirão muitas outras
cidades desenhadas pela imaginação de cada
ouvinte, e todas passarão a ter existência no
universo imaginário. A imaginação é um lugar
Acredito que o educador tem em suas mãos de muitos ondes!
uma oportunidade preciosa de intervenção da
realidade e sua ação sensível e consciente pode Ouvir ou ler uma boa história é também um
contribuir para a melhoria do destino humano. exercício da inteligência, passando pela afe-
tividade, sendo os sentimentos e as emoções
Defendo aqui a tese de uma nova concepção de também cognitivos, assim como outras formas
PR0FESS0R-APRENDIZ que se descubra num de percepção. E é justamente nesse ponto que
constante processo de crescimento, dando for- entra em cena o fazer artístico como expressão
mas às suas ações, permeadas de uma intencio- criativa e imaginativa do ser humano.
nalidade construída em íntima relação com seu
objeto de estudo e buscando um eixo próprio de Imaginação e realidade estão vinculadas por
formação. Um professor que exercite constan- um enlace emocional, existindo, portanto, uma
temente seus recursos internos e que perceba dimensão afetiva na atividade criadora. A capa-
como é possível “sentir-se no outro”, por refle- cidade criadora transforma a realidade e projeta
xão e conscientização das singularidades de o futuro, pois todo o mundo da cultura é produ-
cada um e daquilo que todos têm em comum, e to da imaginação e da criação humanas. Quanto
não por uma rasa empatia, como pretendem os mais rica a experiência humana, maior a capaci-
meios de comunicação de massa e seus estere- dade imaginativa.
ótipos sociais.
O contato direto entre seres humanos parece
Por isso acredito no caminho da educação como tornar-se cada vez mais necessário, em contra-
único que leva à existência plena do homem, em ponto a uma sociedade tecnicista, que isola o
seu desenvolvimento como indivíduo e como indivíduo diante da tela da televisão, do compu-
membro de uma comunidade. E quando falo tador, da Internet, facultando assim o convívio
de educação, falo de uma educação libertado- social. E a escola tem papel determinante na
ra, que aposte na criatividade e na imaginação ação de resgate da convivência social, em prol
como molas propulsoras para a construção de da emoção, do afeto, do imaginário e da perpe-
um mundo melhor. tuação de nossa rica bagagem cultural.
Atividades artístico-imaginativas - cantar mú-
sicas, ler poesia, montar uma peça de teatro,
“Na antiga tradição oriental sufi (tra- criar e contar histórias - desenvolvidas num
contexto pedagógico, facilitam a aquisição de
dição esotérica do islamismo) a sabe-
competências narrativas, culturais, linguísti-
doria se aloja nas histórias. Quando
cas, perceptivas, cognitivas, estéticas, reflexi-
uma pessoa enlouquecia, chamava-se vas, fazem com que o aluno armazene conheci-
um contador de histórias para curá-la. mentos por vias indiretas, além de se perceber
Histórias e mais histórias eram narra- como ser social, capaz de criar e de se relacionar
das ao louco, até ele recuperar a capa- com os outros. Desbloquear o imaginário e re-
cidade de ‘pensar o mundo’ “. criar a fascinação é preparar para a vida criati-
va, é permitir que a criança desabroche em sua
(PRIETO, 1999, p.13)
potencialidade, tendo dentro de si harmonia,
energia, alegria e sensibilidade.

27 Incentivo à Leitura
Em uma prática educativa transformadora, cabe Portanto, valorizar a capacidade crítica e o poten-
ao educador criar um meio rico e estimulante, cial criador do aluno, em qualquer área do conhe-
instigando a criação e a percepção, aguçando cimento, por meio de atividades artístico-imagi-
a curiosidade de querer conhecer o mundo e as nativas, como contar histórias, não se constitui
coisas; ampliando as possibilidades afetivas, um método, mas uma ATITUDE PEDAGÓGICA.
sociais, sensíveis e criadoras, eixos temáticos
ligados à formação da CIDADANIA. É de extrema importância, portanto, uma peda-
gogia da imaginação, em que se busca a forma-
Cabe a ele oferecer ricas oportunidades de ção de indivíduos autênticos e criativos, como
aprendizagem, inventar possibilidades para um processo dinâmico e em constante transfor-
os materiais existentes e fornecer subsídios mação, possibilitando uma identidade históri-
para manter os alunos abertos e sensíveis, com ca e criando condições para que se desenvolva
ideias germinadoras, para que busquem novas uma atitude de reflexão crítica e, por fim, pra-
perspectivas, novos modos de ver, ouvir e agir, ticando uma educação PROBLEMATIZADORA,
de conhecer outras épocas e culturas. que não foge à responsabilidade sociocultural.
Cabe ao educador criar condições favoráveis à A criança está inicialmente disponível e aberta
ativação do imaginário, desbloqueando-o, per- a todas as possibilidades e é muito importante
mitindo que ele se expresse, trabalhando-o a que se desenvolva essa disponibilidade origi-
partir de uma situação de impulso, aproveitada nal, essa atitude de liberdade criadora, para
ou provocada, para suscitar emoções e gerar formar um cidadão livre, capaz de iniciativas,
imagens, colocando em efervescência o imagi- de invenção, de escolha pessoal, de resistência
nário individual e coletivo, trabalhando com a aos condicionamentos ambientes. A reflexão e
capacidade de pensar e de ter ideias originais crítica passam pelo imaginário, mas é pouco re-
acerca do mundo. conhecido seu valor eminentemente formador.
A criança deve poder crescer num meio rico em
E por tudo isso, é importante que o educador te- estímulos e impulsos.
nha a prática e a reflexão no campo do imaginário,
e que essa atitude se estenda em suas escolhas Podemos vislumbrar toda a importância de um
pedagógicas, na sua experimentação de campo, reconhecimento do imaginário na criança, de
programando atividades mais adequadas às ne- sua tomada em consideração e do uso pedagó-
cessidades de aprendizagem das crianças. gico e criativo que se possa fazer dele.

28 Incentivo à Leitura
Existe uma pedagogia do imaginário: é preciso cação: alunos, equipes de trabalho, práticas e
desenvolvê-la. A imaginação, como a inteligên- reivindicações políticas, e afirma que é preciso
cia e a sensibilidade, precisa ser cultivada. descartar como falsa a separação radical entre
seriedade docente e afetividade.
As atividades artístico-imaginativas, aplicadas
em qualquer área do conhecimento, possibilitam A prática educativa é compartilhada na convi-
uma aprendizagem significativa, permitem o ex- vência amorosa de todos os envolvidos, que,
perienciar a autodescoberta, a reflexão crítica a imbuídos de uma postura aberta e curiosa,
partir de uma unidade pensamento-ação; abrem “crescem” juntos.
caminhos para a criatividade, propõem o diálogo
e a solução em comum dos problemas e, princi-
palmente, provocam uma AÇÃO CULTURAL de O ideal seria
amplo caráter, não restrita apenas à escola. o professor considerar-se
Portanto é fundamental que os educadores como o fio condutor, como o mestre
recebam, durante sua formação profissional, barqueiro que conduzirá seus alunos
orientações e ferramentas necessárias para através do “mar de histórias”.
que desenvolvam projetos que contemplem o
exercício do imaginário como meio eficaz de
aprendizagem. “Mar de histórias” é a expressão
que se usava em sânscrito para
Paulo Freire, em seu discurso amoroso pela
educação, ressalta que uma prática educativa se referir ao universo
vivida com afetividade não se opõe a uma for- das narrativas.
mação técnica e metodológica séria, pois ale-
gria e sensibilidade não são inimigas do rigor
(PRIETO, 1999, p. 72/23)
científico. Freire fala de uma “abertura ao que-
rer bem”, estendida a todos os âmbitos da edu-

29 Incentivo à Leitura
Acervo Literário IBS

Visto a relevância da contação de histórias na Assim, compartilhamos com vocês as obras li-
escola, será importante a continuidade deste es- terárias de contos populares brasileiros, contos
tudo com novos enfoques sobre contação de his- populares do mundo, contos cumulativos, con-
tórias e suas contribuições. Reforçando que, um tos populares clássicos, contos de esperteza ou
bom contador de histórias tem sempre várias de- enganação e contos de assombração disponí-
las na “ponta da língua” para qualquer ocasião. veis no nosso acervo:

A Bela e a Fera, de Madame A Moça Tecelã, de Marina Co- Contos de bichos do mato,
De Beaumont e Madame De lasanti – Editora Global de Ricardo Azevedo – Editora
Villeneuve – Editora Zahar Ática
Alice, de Lewis Carroll – Edito-
A Bruxa Salomé, de Audrey ra Zahar Contos de enganar a morte,
Wood – Editora Ática de Ricardo Azevedo – Editora
As 14 Perolas da Índia, de Ilan Ática
A Casa Sonolenta, de Audrey Brenman – Editora Escarlate
Wood – Editora Ática Contos de Fadas, de Ana Ma-
As 14 Perolas da Mitologia ria Machado – Editora Zahar
A Formiga Aurélia, de Regi- Grega, de Ilan Brenman – Edi-
na Machado – Editora Cia. das tora Escarlate Contos para garotos que so-
Letras nham em mudar o mundo,
As Aventuras de Robin de Renato Mariconi – Editora
A Mãe d’Água, de Lenice Go- Hood, de Alexandre Dunas – Pulo do Gato
mes – Editora DCL Editora Zahar
As narrativas preferidas de
um contador de histórias, de
Ilan Brenman – Editora Melho-
ramentos
Bruxa, Bruxa venha a mi-
nha festa, de Arden Druce –
Editora Brinque Book
Como as histórias se espa-
lharam pelo mundo, de Ro-
gério Andrade Barbosa – Edi-
tora DCL
Contos de Adivinhação, de Ri-
cardo Azevedo – Editora Ática

30 Incentivo à Leitura
E o dente ainda doía, de Ana O carteiro chegou, de Allan
Terra – Editora DCL Ahlberg – Editora Cia. das
Letras
Fábulas palpitadas, de Pedro
Bandeira – Editora Moderna Sete história para sacudir o
esqueleto, de Ângela Lago –
Histórias a Brasileira V.1: A Editora Cia. das Letras
Moura Torta, de Ana Maria
Machado – Editora Cia. das Le- Terra de histórias – A colisão
trinhas dos mundos, de Chris Colfer –
Editora Benvirá
Histórias a Brasileira V.2:
Pedro Malasartes, de Ana Terra de histórias – A odis-
Maria Machado – Editora Cia. seia de um escritor, de Chris
das Letrinhas Colfer – Editora Benvirá
Histórias a Brasileira V. 3: Terra de histórias – Além
O pavão misterioso, de Ana dos Reinos, de Chris Colfer –
Maria Machado – Editora Cia. Editora Benvirá
das Letrinhas
Terra de histórias – O alerta
Histórias a Brasileira V. 4: A Histórias de Índio, de Daniel dos Irmãos Grimm, de Chris
Donzela guerreira, de Ana Munduruku – Editora Cia. das Colfer – Editora Benvirá
Maria Machado – Editora Cia. Letras
das Letrinhas Terra de histórias – O feitiço
Histórias para brincar, de do desejo, de Chris Colfer –
Histórias da Preta, de Heloí- Gianni Rodari – Editora 34 Editora Benvirá
sa Pires Lima – Editora Cia. das
Letras Menina bonita do laço de Terra de histórias – O retor-
fita, de Ana Maria Machado – no da feiticeira, de Chris Col-
Histórias de bichos brasilei- Editora Ática fer – Editora Benvirá
ros, de Vera do Val – Editora
WMF Martins Fontes Meu primeiro livro de contos Malasartes: Histórias de um
de fadas, de Mary Hoffman – camarada chamado Pedro,
Histórias de lavar a alma, de Editora Cia. das Letras de Ana Oom – Editora Sala-
Graziela Hetzel – Editora DCL mandra
Mitologia Grega, de Neil Gal-
Histórias de bobos, bocós e man – Editora Íntrinseca 111 poemas para crianças,
burraldos, de Ricardo Azeve- de Sérgio Capparelli – Editora
do – Editora Ática Mitos Gregos, de Nathaniel L&PM
Hawthorne – Editora Zahar
No meio da noite escura tem
um pé de maravilha, de Ri-
cardo Azevedo – Editora Ática
O caixão rastejante e outas
assombrações de família, de
Ângela Lago – Editora Cia. das
Letrinhas

31 Incentivo à Leitura
Acervo do contador

Se todo contador de história tem muitas histórias na ponta da língua, ele também tem o seu itinerário
leitor/seu acervo literário.
Mas, como iniciar este acervo? Respondendo a esta pergunta, aqui compartilhamos algumas suges-
tões de obras literárias importantes:

ANDERSEN, Hans Christian. BUARQUE, Chico. Chapeuzi- das Letrinhas, 1997. 80 p.


Histórias maravilhosas de nho Amarelo. Rio de Janeiro:
Andersen. São Paulo: Compa- Ed. José Olympio, 1979. QUEIRÓS, Bartolomeu Cam-
nhia das Letrinhas, 1999. pos de. Para criar passari-
BELINKY, Tatiana. Sete con- nho. Belo Horizonte: Ed. Mi-
AZEVEDO, Ricardo. No meio tos russos. São Paulo: Compa- guilim, 2000.
da noite escura tem um pé nhia das Letrinhas, 1995. 56 p.
de maravilha! 1 ed. São Pau- ROCHA, Ruth. Historinhas
lo: Ática, 2002. GALEANO, Eduardo. O livro Malcriadas. 7. ed. Rio de Ja-
dos abraços. 5 ed. Porto Ale- neiro: Salamandra, 1996.
BARROS, Manoel de. Exercí- gre: L&P, 1997.
cios de ser criança. Rio de Ja- RUSHDIE, Salman. Haroun e
neiro: Salamandra, 1999. LISBOA, Henriqueta. Litera- o mar de histórias. São Paulo:
tura oral para a infância e a Companhia das Letras, 1998.
BARBOSA, Rogério Andra- juventude: lendas, contos &
de. Histórias africanas para fábulas populares. VILELA, Fernando. Lampião
contar e recontar. 1 ed. São e Lancelote. São Paulo: Cosac
Paulo: Brasil, 2001. MACHADO, Ana Maria. O te- Naify, 2006.
souro das virtudes para
crianças, 2. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2000.
__________. O tesouro das
cantigas para crianças. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
MACHADO, Regina. O violino
cigano e outras histórias de
mulheres sábias. São Paulo:
Cia das letras, 2004.
PRIETO, Heloisa. Lá vem his-
tória. São Paulo: Companhia

32 Incentivo à Leitura
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BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos HORTON, Myles, FREIRE, Paulo. O caminho se
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IRMÃOS GRIMM. Quem foram os Irmãos Grimm:
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COELHO, Nelly Novaes. A literatura infantil: LIMA, Renan de Moura Rodrigues; ROSA, Lúcia
história, teoria, análise. 3. ed. São Paulo: Quí- Regina Lucas. O uso das fábulas no ensino fun-
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gem oral e escrita. CIPPUS - Revista de Iniciação
FERNANDES, M.T. O. S. Trabalhando com os Científica do Unilasalle, v. 1, n. 1, maio, 2012.
gêneros do discurso. Narrar: fábula/ coleção
Jacqueline Peixoto Barbosa – São Paulo: FTD, LOBATO, Monteiro. A reforma da natureza. São
2001 – (Coleção trabalhando com os gêneros de Paulo: Brasiliense, 1994.
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MACHADO, Regina. Acordais: fundamentos te-
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São órico-poéticos da arte de contar histórias. São
Paulo: Cortez, 1994. Paulo: DCL, 2004.
_____. Conscientização. São Paulo: Ed. Moraes, MACIEL, Rildo Cosson. O espaço da literatura
1980. na sala de aula. In: APARECIDA PAIVA, Fran-
cisca; MACIEL, Rildo Cosson. (Coord.). Literatu-
_____. Educação como prática da liberdade. ra: ensino fundamental. Brasília: Ministério da
São Paulo: Paz e Terra, 1987. Educação. Brasília, 2010. (Coleção explorando o
FRITZEN, Celdon; CABRAL, Gladir da Silva (Org.). ensino; v. 20). Disponível em:<http://pacto.mec.
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PRIETO, Heloísa. Quer ouvir uma história? São
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. Paulo: Bamboo Editorial, 1999.
São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
RIBEIRO, Jonas. Ouvidos dourados, a arte de
MIGUEZ, Fátima. Nas arte-manhas do imagi- ouvir histórias para depois contá-las. São
nário infantil. 14. ed. Rio de Janeiro: Zeus, 2000. Paulo: Ed. Ave Maria, 1999.
MIRANDA, Simão de. Escrever é divertido: ati- RODRIGUES, Edvânia Braz Teixeira. Cultura,
vidades lúdicas de criação literária. Campinas: arte e contação de histórias. Goiânia, 2005.
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VIEIRA, Isabel Maria de Carvalho. O papel dos
PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Ja- contos de fadas na construção do imaginá-
neiro: Rocco, 1993. rio infantil. In: Revista criança - do professor de
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PEREIRA, Silvana Cristina Bergamo; HILA, Cláu-
dia Valéria Dona. Novos olhares para o gênero VILLARDI, Raquel. Ensinando a gostar de ler:
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nível em: <http://www.gestaoescolar.diaadia.
pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_ YUNES, Márcio Jabur. Técnica ou poética, eis
silva na_cristina_bergamo.pdf>. a questão! São Paulo: Moderna, 1998. ZILBER-
MAM, Regina. A literatura infantil na escola. São
PORTELA, Oswaldo O. A fábula. Revista Le- Paulo: Global, 1998.

34 Incentivo à Leitura
Expediente
Programas, projetos e premiações ___________________
Direção editorial: Luis Eduardo Salvatore,
Danielle Haydée e Diogo Salles Amaral
Projeto gráfico: Diogo Salles Amaral e
Carolina Lopes
Editoração eletrônica: Diogo Salles
Elaboração e redação: Carmélia Menezes,
Regea Coelho e Zenaide Campos
Revisão e edição: Carmélia Menezes, Luis
Eduardo Salvatore, Regea Coelho e Zenaide
Campos
Fotos: Arquivo IBS e Luis Salvatore
Agradecimentos: A todos os professores e
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cujo trabalho do dia a dia torna possível o
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35 Incentivo à Leitura
36 Incentivo à Leitura

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