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A Vida secreta de Deus – Parte 1

Vivendo a Vida Secreta de Deus

Conhecer a verdade sobre a vida é como ver uma fotografia em processo de


revelação — primeiro há um pouco de cinza surgindo no canto; depois algo mais
escuro aparece no meio.
Pouco a pouco, as sombras se preenchem, as linhas se definem e, finalmente, as
imagens ficam visíveis.
Porém, somente quando toda a imagem aparece podemos entender o que vemos.
As fotografias nunca são reveladas de modo linear — é sempre um pouco aqui e um
pouco ali.
A verdade também é assim — se você quer compreendê-la, tem de esperar até
conseguir ver a foto inteira.
Então, por favor, seja paciente quando ler este estudo.
O início fará ainda mais sentido quando você estiver progredindo ao fim.
No entanto, mesmo depois de ver a foto acabada, lembre-se de que é apenas uma
"foto" da verdade, e não a verdade em si mesma.
A foto não corresponde à verdade mais do que um menu equivale a uma refeição.
Não importa o quanto as descrições no menu parecem deliciosas, é preciso provar a
comida para saber o que é.
Uma vez vi um gato frustrado atacando a foto de um hambúrguer pendurada no
canto inferior da vitrine de um restaurante.
Com fome, ele confundiu a foto com a comida.
É importante que você não cometa o mesmo erro ao confundir a foto com a
verdade.
A foto é apenas uma aproximação da verdade em palavras e conceitos.
Para conhecer a verdade, você tem de experimentá-la.
Especialmente quando o assunto é a Cabala.
Os escritos da Cabala são como partituras musicais.
Uma pessoa que não sabe ler uma partitura nunca acreditaria que essas linhas,
pontos, curvas e números expressam, na verdade, paixão, harmonia e movimento.
As partituras parecem muito técnicas, rígidas e matemáticas.
Mas, mesmo que à primeira vista não pareça, trata-se de música, e somente o
músico sabe traduzir a partitura em canção.
Para apreciar a Cabalá, é preciso saber traduzir a sua partitura.
Há muitos livros sobre Cabala e misticismo judaico à venda, e quando você termina
de ler alguns deles (particularmente os mais sofisticados), fica de fato mistificado,
sem conseguir saber do que o autor está falando.
Esta é, porém, uma impressão falsa.
A Cabalá faz sentido e pode ser compreendida, se você se lembrar de distinguir a
partitura da música, o menu da refeição, a foto da verdade.
A Cabala faz sentido, mas nem sempre faz sentido lógico à mente, como a equação
1+1=2.
A Cabalá faz sentido espiritual à alma, como a equação 1+1=1 — a equação do
amor.
O amor faz sentido, mas para entendê-lo não podemos apenas pensar nele; temos
de experimentá-lo.
Então, primeiro vamos dar uma olhada na partitura da Cabalá.
Mas tenha em mente que até mesmo a partitura que apresento não é a obra
completa — não é possível discutir em um livro todas as melodias Divinas escritas
para a sinfonia da vida.
Esta é uma versão abreviada — uma foto-rascunho da verdade, por assim dizer.
Mas será o suficiente para responder às questões que serão propostas.
Neste primeiro capítulo, você descobrirá respostas para as questões mais sérias e
desafiadoras já perguntadas sobre Deus.
Mas para compreender completamente essas respostas, você terá de vivenciá-las.
As Questões:
• Deus é perfeito?
• Se Deus é perfeito, por que criou um mundo e um "eu" tão imperfeitos?
• Deus pode falhar, sofrer com derrotas e experimentar o êxtase do triunfo?
• Deus sofre? Ele pode encarar o desafio do sofrimento, transcendê-lo e sentir
prazer?
• Deus sente tristeza? Ele pode sofrer com a tristeza, transcendê-la e alcançar a
alegria?
• Deus pode cometer erros, sentir remorso, arrepender-se e aprender com os
erros?
• Deus é absolutamente bom?
• Se Deus é absolutamente bom, Ele pode lutar contra o mal e escolher o bem?
• Por que Deus criou um mundo com tanto potencial para o mal?
• Por que Deus permite que pessoas ruins existam?

Ao responder a essas questões, iremos explorar ideias incrivelmente poderosas que


revelam o que é Deus, quem somos nós, por que existimos e quem podemos nos
tornar.

Uma nova foto


Um dia, quando caminhava em Manhattan, percebi de repente os prédios altos e a
grande atividade das milhares de pessoas à minha volta.
Era uma sensação intimidante.
Quando cheguei à esquina, o sinal ficou vermelho e, enquanto eu esperava, uma
multidão começou a me cercar, fazendo com que me sentisse espremido e
dominado.
Então entendi: "Não sou nada mais que uma fibra nesta grande almôndega, nesta
panela fervente de Nova York."
Quando o sinal ficou verde, fui arrastado pelas multidões de Manhattan, me
afogando na corrente da humanidade que se derrete.
Quando cheguei ao outro lado da rua, vi um panfleto pregado em um telefone
público.
Em letra quase ilegível, anunciava:
Venha ao Cocoa Café e assista ao melhor guitarrista do mundo.
Be there or be square. (algo como "Esteja lá ou seja quadrado.")

Isso já era demais.


Já era duro ser um nada, mas ser um nada quadrado estava além do que eu podia
aguentar.
Mas mais que isso, eu estava chocado com o fato de que no meio deste mundo
enorme onde ninguém é nada, alguém tinha a “chutzpa”, o atrevimento, de pensar
que é não apenas alguma coisa, mas a melhor coisa do mundo.
E eu senti que, de certo modo, ele podia estar certo.
O Sir Arthur Eddington, famoso astrofísico, explica que se fizéssemos um paralelo
entre o universo e a empoeirada estação ferroviária de Nova York Grand Central
Station, um grão de poeira seria proporcionalmente do mesmo tamanho que o
planeta Terra.
Agora considere: se aproximadamente seis bilhões de pessoas vivem no nosso grão
planetário de poeira, quer dizer que você e eu somos no máximo um sexto de um
bilhão de uma partícula de poeira, isso sem levar em consideração os animais, as
árvores e as minúsculas criaturas que habitam nosso planeta.
A canção Dust in the Wind é até bastante otimista, porque somos bem menos que
"poeira no vento".
E mesmo assim, embora eu seja cientificamente um "nada" — de que outro modo
posso dizer isso? —, no fundo sei que sou algo.
De certa maneira, dentro de mim sinto que sou importante.
Ouso acreditar que realmente faço a diferença neste mundo.
Então quem somos nós?
Por que somos?
Por que Deus nos criou?
A nossa existência realmente importa?
Como resposta, deixe-me contar uma história da Cabalá.
Ao ler essa história, lembre-se de que a Cabalá não chama Deus de "Deus".
Quando a Cabalá descreve o Criador do universo, chama-o de En Sof, o Eterno.
Ademais, a Cabalá e todas as outras fontes de sabedoria judaica afirmam que Deus
é incognoscível, que podemos apenas conhecer os aspectos de Deus que nos são
revelados.
Portanto, os sábios falam da luz de Deus — a Luz Infinita —, uma metáfora para a
revelação.
Só podemos conhecer de Deus o que nos é revelado.
Vamos à história:

Quando o Eterno quis criar o mundo, Ele provocou a retirada da luz do centro,
criando um vácuo esférico.
Dentro desse vácuo o Eterno criou recipientes, e então lançou um raio fino de luz
dentro dos recipientes.
Mas porque estes eram incapazes de conter a Luz, eles se quebraram e o universo
se transformou em caos.
A Cabalá explica ainda que a vida foi criada para ser um processo de ticún,
"conserto" ou "reconstrução".
Os recipientes devem ser reconstruídos para que, um dia, possam receber a luz.
A vida é o processo de consertar os recipientes quebrados para que possam receber
a luz.
A Cabalá termina a história com um paradoxo.
Embora a luz cerque o vácuo esférico, ela também o preenche.
Isso significa que a luz foi retirada (do centro) mas, misteriosamente, ainda
permanece no lugar (neste centro).
Os paradoxos não são um problema na Cabalá porque a vida não tem de se
encaixar nos pré-requisitos da lógica formulada pelos gregos.
A tradição judaica não acredita que Deus pensa como a gente nem que Ele criou o
mundo conforme nosso modo de pensar.
De fato, Deus disse: "Meus pensamentos não são como os seus pensamentos"
(Isaías 55:8).
O universo funciona de acordo com uma elevada lógica Divina.
Um dos maiores desafios da ciência moderna é atribuído aos paradoxos do mundo.
Quando foi descoberto que a luz é onda e também partícula, a ciência não tinha
escolha a não ser questionar a lógica da lógica.
É uma contradição a luz ser tanto onda como partícula; portanto, a ciência
precisava aceitar que a realidade nem sempre funciona de acordo com a nossa
estrutura preconcebida de "ou isso ou aquilo".
Talvez haja um outro tipo de lógica além das limitações dessa estrutura.
De fato, a ciência desenvolveu uma nova forma de lógica chamada lógica quântica.
Mas os cabalistas conheciam lógica quântica muito antes dos cientistas; eles
sabiam a Teoria da Relatividade muito antes de Einstein.
É por isso que os cabalistas nunca pensariam em descrever o mundo sob a
perspectiva de Deus.
Não poderíamos ter essa perspectiva a não ser que fôssemos Deus.
Como citado acima, só podemos conhecer de Deus o que nos é revelado, e isso em
relação à nossa própria percepção.
Então os cientistas fazem a mesma declaração:
"Não descrevemos a partícula como ela é, mas apenas como nos parece. Por isso, a
luz pode ser onda e também partícula. A luz parece diferente dependendo do
experimento que fazemos. Tudo é relativo à nossa perspectiva humana."
A Cabala concorda cem por cento, e acrescenta: isso inclui a nossa visão de Deus.
Quando tentamos articular a verdade sobre Deus com a nossa mente lógica,
chegamos a afirmações paradoxais.
Por favor, lembre-se de não confundir o menu com a refeição.
Embora o menu seja um paradoxo, a refeição é o paraíso.

Deus é perfeito?
Para entender essa história cabalística e seu subjacente raciocínio paradoxo, temos
de fazer a pergunta que inicialmente parece ridícula:
Deus é perfeito? E se é, um Deus perfeito pode se tornar perfeito?
A maioria de nós responderia imediatamente:
"Se Deus pudesse se tornar perfeito, isso significaria que Deus não era perfeito a
princípio. Portanto, se Ele é perfeito, não pode se tornar perfeito."
Pensemos sobre isso um pouco mais:
"Se o 'Ser Perfeito' não pudesse se tornar perfeito, não seria isso uma imperfeição?
Uma limitação?
Isso quer dizer que o Deus perfeito não pode participar em um processo dinâmico
de crescimento e mudança do imperfeito para uma perfeição cada vez maior?
Quer dizer que Deus vive uma vida estática, entediante e sem aventura?
Falta para Deus a alegria que temos na vida — de superar desafios e alcançar
objetivos?"
"O Deus perfeito pode se tornar perfeito?" se parece com a questão feita para
enlouquecer os teólogos: "Deus pode criar uma pedra que Ele mesmo não pode
levantar?"
Claro que se você responder não, eles dirão que Deus não é todo-poderoso.
"O quê? Ele não pode criar uma pedra que Ele mesmo não pode levantar?"
Então você diz: "Ah tá, então sim, Deus pode criar essa pedra."
Mas eles o provocariam: "Você quer dizer que Ele não é onipotente? Ele não pode
pegá-la?"
Essa pergunta o coloca em um beco lógico sem saída.
Mas a Cabalá tem a resposta: sim e não.
E você pode dizer: "Tem de ser sim ou não."
No entanto, isso seria exigir que Deus (a Realidade Suprema e Fonte de Toda
Lógica) coubesse nos rigorosos limites da lógica humana.
Quem disse que a Realidade Suprema funciona conforme a lógica humana?
Quem disse que a fundamentação da lógica humana pode descrever
completamente a Realidade Suprema?
Segundo a Cabalá, a resposta é sim e não porque Deus está além do "ou isso ou
aquilo".
Portanto, quando fazemos a pergunta "Deus pode se tornar perfeito?", a resposta é
sim e não.
Ou seja, quando descrevemos a perfeição absoluta de Deus, devemos descrevê-la
paradoxalmente.
A perfeição absoluta traz a possibilidade de dois tipos de perfeição, que podem
coexistir — ser perfeito e tornar-se perfeito.
Em outras palavras, a perfeição absoluta inclui a possibilidade da estática perfeição
imutável e também da perfeição dinâmica, que está sempre mudando, evoluindo e
passando da "imperfeição" para uma "perfeição cada vez maior".

Perfeição Absoluta
Ser perfeito Tornar-se perfeito
Perfeição estática Perfeição dinâmica
Imutável Mudança constante

Porém, lembre-se de que essa é uma descrição relativa ao nosso ponto de vista
limitado; da perspectiva de Deus, há apenas unidade.
Somente por causa da limitação da nossa mente lógica que descrevemos o Deus
único como tendo dois tipos de perfeição — estática e dinâmica; ser perfeito e
tornar-se perfeito.
Por isso, quando descrevemos Deus, a Realidade Suprema, o Ser Absolutamente
Perfeito, temos de dizer que incluída na definição completa da perfeição absoluta de
Deus está a possibilidade de Ele se tornar perfeito (da imperfeição em direção a
uma perfeição cada vez maior) ao mesmo tempo em que Ele já é perfeito.
Por favor, note que sou muito cuidadoso com as minhas palavras: falo de uma
possibilidade.
Não estou dizendo que Deus necessariamente deve se tornar perfeito, porque isso
seria uma limitação.
Deus não tem de fazer nada.
Deus age livremente.
No entanto, tornar-se perfeito infere algo a aperfeiçoar, uma imperfeição.
Por isso, incluída na perfeição absoluta está a possibilidade de imperfeição como
fundação de um processo de aperfeiçoamento.
Na linguagem da Cabala, isso seria expresso assim:
No começo, havia a Luz Infinita — Perfeição Absoluta.
Quando Deus, o Eterno, quis criar a possibilidade de um processo de
aperfeiçoamento, Ele retirou a Sua Absoluta Perfeição e criou um vácuo, uma falta,
um vazio.
Dentro desse vácuo Deus criou recipientes limitados e lhes deu Luz Infinita, embora
soubesse que eles não aguentariam e se quebrariam.
Ou seja, Deus causou intencionalmente o colapso, o caos e a imperfeição.
Deus quis que os recipientes experimentassem a luz perfeita mesmo que fossem se
partir, para que desejassem, trabalhassem e crescessem em direção à perfeição.
Desse modo, Deus criou imperfeição e iniciou um processo dinâmico de crescimento
e aperfeiçoamento.
Porém, apesar de a Luz Infinita cercar esse vácuo, ela ainda assim o preenche — e
continua a ser uma perfeição estática.
Por isso, misteriosamente "ser perfeito" e "tornar-se perfeito" coexistem.
Em suma, o Divino inclui um processo dinâmico.
No Divino existe a possibilidade da imperfeição que cresce rumo à perfeição.
Agora podemos entender por que você e eu existimos.

Somos os recipientes imperfeitos.


Deus criou seres humanos imperfeitos que lutam para se tornar melhores e
gradualmente abrem o caminho para ficar mais e mais perfeitos.
Somos os recipientes quebrados e é através de nós que Deus satisfaz Seu desejo
de participar de um processo de aperfeiçoamento.
Você e eu, que somos imperfeitos, lutando em um mundo imperfeito e trabalhando
para alcançar mais perfeição, somos veículos necessários para a expressão do
aspecto dinâmico da perfeição Divina.
Somos os recipientes quebrados vivendo em um mundo caótico,
Mas temos a memória da luz perfeita, pela qual ansiamos e a qual rios esforçamos
para obter.
Nascemos neste mundo impacientes para chegar a algum lugar.
Nascemos com a sede de alcançar o poder ilimitado da perfeição porque, mesmo
que por apenas um momento, já o experimentamos.
A perfeição absoluta inclui a possibilidade de uma perfeição dinâmica.
Quando Deus escolheu realizar essa possibilidade, eu e você fomos criados como
veículos para a expressão desse tipo de perfeição — esse aspecto de Divindade.
Isso que é Divino em nossa natureza humana.
Isso que é perfeito em nossa imperfeição.
Isso que é perfeito em nosso desejo e luta constante de construir e melhorar o
mundo e a nós mesmos.
Deus precisa de nós?
Quando eu era criança, pensava que Deus estava entediado e queria um bicho de
estimação para brincar, já que, quando eu ficava entediado, me divertia com meu
bicho de estimação/cobaia, colocando-o nos mais interessantes desafios
envolvendo labirintos e obstáculos que eu fazia com cartolina.
Então eu pensava que Deus fazia o mesmo, mas a cobaia era eu.
Muitos adultos hoje em dia têm uma ideia parecida sobre Deus e a Criação.
Eles pensam que Deus voava no espaço sideral e, por alguma razão esquisita e
espetacular, decidiu criar pessoas.
Dizem que Deus não precisava criar a mim e a você, e que Ele não tem interesse
em nós; apenas "sentiu vontade" de nos criar.
Tal perspectiva nos priva de qualquer valor Divino intrínseco.
Priva-nos de qualquer sentido final.
Comunica-nos que basicamente não podemos fazer nada por Deus, exceto talvez
diverti-Lo em momentos de tédio; não temos nada de fundamental para contribuir.
Nossa existência realmente não importa nem faz diferença para Deus.
Mas isso não é verdade.
E uma vez que você entende a profundidade do que a Cabalá ensina, começa a
perceber o quanto você é importante.
Deus precisa de nós — ou, mais corretamente, Deus escolhe precisar de nós.
Deus não precisa manifestar uma perfeição dinâmica, apesar de ser livre para fazê-
lo.
No entanto, uma vez que Deus escolhe manifestar essa possibilidade, então os
imperfeitos você e eu — lutando neste mundo imperfeito no processo de
aperfeiçoamento — somos necessários a Deus.
É isso que a tradição judaica quer dizer quando ensina que o trabalho da
humanidade é de elevada necessidade a Deus.
Dizem que felicidade é a certeza de ser necessário.
Se você se sente completamente descartável e inútil, se pensa que ninguém precisa
de você, não pode ser feliz.
Os seres humanos precisam se sentir úteis.
A Cabalá revela que Deus escolhe precisar de nós.
Nossa humanidade, imperfeição e luta em busca do aperfeiçoamento são coisas
necessárias e significativas para Deus como parte do Seu desejo de Se manifestar e
participar neste tipo de perfeição — "tornar-se perfeito".

Por que Deus criou este mundo imperfeito?


Se Deus é perfeito, então por que criou um mundo tão imperfeito, cheio de pessoas
imperfeitas?
O primeiro versículo do Livro de Gênesis nos diz:
"No princípio, Deus criou os céus e a Terra. E a Terra era vã e vazia, e (havia)
escuridão sobre a face do abismo..."
Isso soa como se Deus tivesse feito um trabalho bem mal-acabado.
No minuto em que Ele cria o mundo, este já fica em estado caótico.
A verdade, porém, é que Deus fez um trabalho perfeito.
E o perfeito nisso é o caos!
É o lugar perfeito para o crescimento.
É o lugar perfeito para o desafio.
É o cenário perfeito para o triunfo.
É o palco perfeito para um drama cativante sobre aperfeiçoamento.
Se você luta contra o caos dentro de si e à sua volta e o transforma em ordem,
está fazendo um ótimo serviço Divino.
Se você reconhece suas imperfeições e as imperfeições deste mundo, trabalha duro
e encara o desafio de corrigi-las, você é um veículo para a expressão da perfeição
dinâmica de Deus.
Esta é a nossa importância humana.
Esta é a nossa missão na Terra e o nosso serviço a Deus.
Somos personagens humanos em um drama Divino.
"Ninguém é perfeito" é exatamente o que há de tão perfeito em todo mundo.
Mas isso é verdade apenas quando você usa as suas imperfeições como pontos de
partida para o crescimento.
Se esse não é o caso, você não faz parte do processo Divino e Deus não faz parte
da sua vida.
O próprio significado e o valor da sua existência são perdidos.
Este mundo foi feito para ser difícil, e a sua vida na Terra para ser uma luta repleta
de aventura, desafio e vitória.
Essa é a sua missão Divina se você está disposto a aceitá-la.
E se você a aceita, terá o poder de ser bem-sucedido.
Por que Deus criou um mundo imperfeito cheio de pessoas imperfeitas?
Porque a perfeição absoluta de Deus inclui a possibilidade da perfeição dinâmica —
o aperfeiçoamento.
Esse tipo de perfeição se manifesta através dos imperfeitos você e eu, lutando para
melhorar a nós mesmos e a este mundo imperfeito, trabalhando duro rumo à
perfeição.

Deus pode fracassar?


Se Deus é perfeito, falta a Ele a habilidade de fracassar, lutar e vencer?
Você gostaria de uma vida sem a possibilidade de fracasso?
Poderia mesmo ganhar se nunca pudesse perder?
Gostaria de jogar futebol contra um time de crianças de cinco anos, sabendo que
certamente você ganharia?
Qual é a graça?
Queremos um jogo mais desafiador, em que sabemos que há chance de perder,
mas mesmo assim lutamos até ganhar.
Se não há a possibilidade de perder, então não há a de ganhar.
O jogo não teria graça nem aventura.
Na verdade não existe jogo nenhum.
Muitas vezes, jogadores voltam de uma partida machucados, mancando e ainda
assim elogiando: "A partida foi ótima!".
Todos gostamos do desafio, da possibilidade de fracasso, da oportunidade de luta e
do êxtase da vitória.
É possível que Deus não sinta isso?
Não!
Deus participa de tudo através de você e de mim.
Deus criou o ser humano e colocou nesse ser imperfeito um aspecto do Divino — a
alma.
A tradição judaica descreve metaforicamente a alma, o "verdadeiro eu", como uma
centelha de Deus.
Já me perguntei várias vezes: "O que a centelha do Deus perfeito está fazendo em
um personagem imperfeito como eu, e em um mundo imperfeito como este?"
A Cabalá me deu a resposta. "Isto que é tão maravilhoso em você — você não é
tão maravilhoso! E isto que é tão perfeito em você — você não é tão perfeito!"
A aventura do ser humano é um veículo essencial para a expressão da perfeição
dinâmica Divina.
A perfeição absoluta de Deus inclui simultaneamente a possibilidade da perfeição e
do aperfeiçoamento.
A luz cerca o vácuo.
Há um vácuo.
Há vazio e falta.
Há deficiência e colapso.
Há problemas e caos.
E por isso há uma oportunidade de mudança, luta, aventura, desafio, criatividade e
empolgação.
Esse é o excitante jogo da vida.
Não falta a Deus participação no fracasso, na luta e no sucesso, porque Ele colocou
uma centelha de sua Divindade no ser humano — um personagem imperfeito
vivendo neste mundo difícil e desafiador.
Deus mora neste mundo e compartilha o desafio e a aventura de se aperfeiçoar
através de você e de mim.
Isso não significa que somos Deus.
Mas quer dizer que somos um aspecto de Deus — você e eu somos centelhas de
Deus.
E disso temos sempre de nos lembrar — embora Deus se manifeste dentro de nós,
Ele continua a estar além de nós.

Deus sofre?
O que seria a vida se não houvesse sofrimento?
Haveria prazer?
Imagine se você e seus amigos fossem ricos e vivessem em um bairro de classe
alta.
E digamos que você vivesse isolado e nunca visse revista, jornal ou filme que
falasse sobre pobreza.
Você seria rico se não soubesse o que é pobreza?
Kirk Douglas, o famoso ator, uma vez me disse: "Eu dei tudo a meus filhos, mas
um presente não pude dar: o presente da pobreza."
Kirk cresceu em uma casa pobre.
Eram nove pessoas na família e às vezes tudo o que tinham para comer era apenas
um ovo.
Alguns anos atrás, uma mulher se inscreveu em um dos meus seminários no
Instituto Isralight, o centro de retiro espiritual que fundei.
Ela era uma das pessoas mais incríveis que já conheci e tinha uma alegria radiante
de viver.
Eu lhe disse: "Você é extraordinária; está realmente irradiando luz!"
Ela respondeu: "Ah, rabino, eu lhe digo o porquê."
Então ela puxou a manga e me mostrou as cicatrizes que tinha no braço.
Depois me mostrou o outro braço, também cheio de cicatrizes, e disse: "Rabino,
tenho cicatrizes por todo o corpo. Há cerca de cinco anos eu tive um acidente de
carro. Minha amiga estava dirigindo e perdeu o controle do carro, que caiu de um
penhasco. O carro capotou algumas vezes e parou. Naquele momento, percebi que
ainda estava consciente, que estava viva. Consegui sair do carro, mas vi que minha
amiga estava presa nas ferragens. Corri de volta para tirá-la. O carro explodiu e eu
explodi junto com o carro. Logo uma ambulância chegou e me levou ao hospital.
Fiquei de reabilitação por um ano e meio para reaprender as tarefas básicas da
vida. Rabino, tenho de lhe dizer, isso foi o maior presente da minha vida. Meu
brilho e felicidade não vieram sem muita dor e trabalho."
Vários grandes líderes que causaram impacto na civilização tiveram uma vida muito
difícil.
Sua força de caráter, determinação e empenho não eram conquistados sem uma
alta dose de desafio, dor e luta.
A vida para eles é uma montanha russa, não um carrossel.
A maioria poderia dizer que seu entusiasmo pela vida, profundidade intelectual,
visão idealista e compromisso foram alcançados com muita angústia e muito
conflito.
Certa vez lecionei para um grupo em Miami que havia sofrido muitas perdas com o
furacão Andrew.
A classe era intitulada “serenidade e sofrimento" e aconteceu em uma casa que
havia sido atingida pelo furacão de 1992.
Dava para ver que os participantes estavam ainda desolados pela experiência
horrível por que passaram.
Eu perguntei como estavam se sentindo e fiquei chocado com a resposta:
"Foi incrível! Sentimos tanto amor uns pelos outros — como nunca sentimos antes.
Vamos para sempre apreciar os sentimentos de união, compaixão e sensibilidade
que surgiram durante aquelas horas aterrorizantes. Apesar de termos passado por
momentos dolorosos, houve tantos sentimentos preciosos e realizações que
alcançamos justamente por causa das horas de dor."
Deus sente esses grandes prazeres que vêm somente através dos desafios e das
dificuldades da vida na Terra?
Deus sofre, luta contra o sofrimento, transcende o sofrimento e sente o prazer da
vitória?
Sim, através de você e de mim!
Se você ler as histórias pessoais de sobreviventes do Holocausto, verá que cada
uma delas é uma obra-prima.
Entendo completamente por que Steven Spielberg investiu milhões de dólares na
criação de um arquivo do Holocausto, coletando todos os testemunhos possíveis.
Como produtor e diretor, ele entende que cada uma dessas histórias é digna de
vencer um Oscar (mas tenho certeza de que ele não fez isso para ganhar Oscars).
Esses relatos são os dramas épicos de corações e almas, de pessoas que, em sua
luta, alcançaram qualidades como amor, cuidado, integridade, confiança,
esperança, coragem — a lista é interminável.
Claro que houve fracassos.
Nem sempre aquelas cenas terríveis traziam o melhor em todo mundo.
Sim, houve muitos fins trágicos.
Mas esse é o preço.
O preço do bem é a possibilidade do mal, o preço do amor é a possibilidade do
ódio, o preço da felicidade é a possibilidade da tristeza e o preço da vitória é a
possibilidade do fracasso.
Deus pode pagar o preço, encarar os desafios que só a vida na Terra oferece e
alcançar bondade, amor, felicidade e vitória?
Sim, através de você e de mim.
E podemos sentir essa verdade quando convidamos Deus a participar de nossas
lutas diárias.
Fazemos isso ao rezar, encarar os desafios e melhorar este mundo e a nós mesmos
em nome de Deus.
Esse é o verdadeiro significado de servir Deus.
É o que podemos fazer por Ele.
A vida é um drama Divino.
A temática do drama da vida reúne desafios, escolhas, crescimento e amor.
Tudo se resume à jornada.
Nós — com todos os nossos problemas e complexidades — somos as estrelas do
espetáculo.
O cenário ideal é este mundo desordenado.
Nosso verdadeiro "eu interior", porém, não é nada mais que a alma — a centelha
de Deus.
Nossa missão é aceitar o desafio e transformá-lo em serviço a Deus.
Nossa realização mais profunda é saber que Deus precisa de nós e se junta a nós
para poder participar de um processo dinâmico e desafiador de aperfeiçoamento.
Deus vive Sua vida secreta através de você e de mim, se O deixamos entrar.

Deus sente tristeza?


Há muitos anos, quando eu voltava de uma viagem a Israel, meus pais me
buscaram no aeroporto e me disseram, com tristeza, que íamos ao funeral do meu
primo, que havia morrido em um acidente de carro.
No funeral, o rabino disse uma coisa que me deixou enfurecido e desafiou minha fé
em Deus.
Em seu discurso, ele citou um ditado iídiche:
"O que sabemos? As pessoas tentam descobrir e Deus ri."
O que o rabino quis dizer é que apenas sob a nossa perspectiva os acidentes
terríveis parecem terríveis.
Se olharmos o verso da tapeçaria da vida, veremos fios de lã ligados
aleatoriamente.
Deus, no entanto, vê toda a linda imagem na parte da frente do bordado, e Ele ri
porque tudo está em ordem, tudo faz sentido.
Mas as palavras do rabino me aborreceram.
Bom para Deus que Ele sabe de tudo.
Mas e a gente?
Senti como se fôssemos pequenos ratos estúpidos correndo com dor e medo,
tentando encontrar o caminho certo em um labirinto enquanto Deus ri.
Não gostei nem um pouco daquela imagem de Deus.
Ela apenas confirmava as ideias que tinha na infância, das quais eu tentava me
livrar com tanta dificuldade.
Mas eu estava enganado.
Para mim, o rabino quis dizer que Deus é transcendente e completamente distante
da nossa dor e tristeza neste mundo.
Isso não é verdade.
Sim, a Torá e a Cabalá ensinam que Deus é transcendente, "exterior" ao mundo,
um ser perfeito.
Mas a Torá e a Cabala também ensinam que Deus é iminente, está "dentro" deste
mundo e Se manifesta como um "aperfeiçoamento" — a própria alma da
humanidade, completamente imerso em nossos altos e baixos, nos momentos
felizes e nos tristes.
Há uma história sobre um homem de negócios cuja companhia adquiriu uma mina
de carvão.
Porém, pouco depois da compra, o preço do carvão começou a cair em resposta às
oscilações de preços dos combustíveis fósseis.
Aflito com a perda financeira, o homem procurou o conselho de um cabalista.
O sábio lhe disse: "O Talmud diz que quando uma pessoa sofre, isso faz com que a
Shechiná, a presença de Deus no mundo, também sinta o sofrimento. Se você está
sofrendo pela perda financeira, isso faz com que Deus sofra junto com você. Então
o que você acha? Vale a pena fazer Deus ficar triste por causa de alguns pedaços
de carvão?"
A vida é difícil.
Mas, mais uma vez, depende de como você a vê.
Certa vez, meus filhos passaram horas montando um quebra-cabeça de centenas
de peças.
Planejei emoldurar depois que ficasse pronto, mas eles tinham outra ideia em
mente: celebraram a conclusão destruindo o quebra-cabeça.
Por quê?
Porque não estavam interessados no término do jogo!
Interessavam-se pela empolgação de montar, o desafio e a aventura de fazer.
Eles entenderam o que todos nós devíamos entender.
Há tanta vida e tanto valor no processo, tanto crescimento e tanta consciência na
jornada, por mais difícil que ela possa parecer.
A Cabala nos ensina que Deus está nessa jornada conosco.
Deus está "pessoalmente" envolvido em nossos desafios e lutas, nos altos e baixos.
Deus compartilha de nossas dores e problemas assim como de nossos prazeres e
sucessos.
Saber disso torna as experiências difíceis mais fáceis de lidar e mais significativas.
Saber disso também torna os bons momentos ainda melhores.
Já ouvi falar que quando dividimos a tristeza com outra pessoa, a tristeza se divide
na metade, e quando compartilhamos alegria, ela se duplica.
Ainda mais quando descobrimos que Deus compartilha de nossas tristezas e
alegrias.
Estamos todos aqui para a jornada.
Porém, podemos aproveitá-la ainda mais quando a transformamos em uma jornada
sagrada e reconhecemos que Deus está conosco.

Deus comete erros?


Deus pode cometer erros, sentir remorso, arrependimento e também a alegria de
aprender com os erros?
Sim, através de você e de mim.
É importante entender que o tema da vida é teshuvá.
Mais comumente traduzida como arrependimento, teshuvá não tem nada a ver com
penitência; essa palavra significa literalmente "retornar" e descreve
especificamente o intrincado processo do retorno a Deus, do retorno a uma vida de
crescimento e perfeição dinâmica, do reconhecimento da oportunidade de servir a
Deus.
Esse processo complexo começa com a correção de erros e a resolução de não
repeti-los; mas é mais que isso.
A Cabalá nos ensina que teshuvá é o tema do universo.
Deus provocou intencionalmente a quebra dos recipientes.
Ele criou intencionalmente um mundo caótico para que pudesse haver a
oportunidade de desafio, que criaria a possibilidade de erro.
Ao cometer erros, podemos sentir remorso e lutar para encontrar a coragem de
mudar para melhor.
Podemos então pedir perdão e nos comprometer a crescer.
Portanto, a teshuvá não é relevante exclusivamente aos indivíduos e seus erros.
Nossas ações afetam todo o universo, porque tudo o que acontece trabalha para a
transformação do caos em ordem e contribui para o processo de aperfeiçoamento.
A teshuvá é o tema da vida.
Estamos sempre fazendo teshuvá.
A vida é uma jornada interminável — a aventura da nossa formação.
O propósito é melhorar, construir e realizar — é isso que amamos fazer.
Mas não parece sempre tão maravilhoso.
Se parecesse, não haveria crescimento.
Perderíamos a oportunidade de cometer erros e aprender com eles, de celebrar a
vitória e sentir a doçura do perdão.
Deus nos colocou neste mundo (que é uma grande pista de obstáculos), mas Ele
nos acompanha no desafio.
Deus é como um grande treinador nos preparando para as olimpíadas.
Este é o Seu presente: um percurso repleto de obstáculos.
Ele está na verdade criando oportunidades para pularmos ainda mais alto.
E Deus sabe que quanto mais alto precisamos pular, mais dura pode ser a queda.
Mas esse é o preço para entrarmos nas olimpíadas.
Cometeremos erros e fracassaremos algumas vezes.
E quando você fracassar, não se desespere.
Faz parte do processo.
Tente novamente e continue a seguir em frente.
Não gaste seu precioso tempo se debatendo pelo passado, se lamentando por todos
os erros que cometeu.
A tradição judaica nos mostra que grandes pessoas cometem grandes erros.
Claro que você deve reconhecer quando erra, e deve se arrepender e decidir nunca
mais cometer o mesmo erro.
Mas não pense que nunca mais vai errar.
Isso vai acabar acontecendo — nenhum ser humano está livre disso.
Errar faz parte do nosso serviço a Deus, o aspecto da perfeição Divina absoluta que
expressamos.
Mas é preciso lembrar que Deus é não apenas nosso treinador, nos incentivando a
melhores conquistas, mas também a fonte do corredor (a alma) dentro de nós.
E Ele tem interesse no resultado da corrida.
Algum tempo atrás, li um livro intitulado "Eu estou bem, você está bem".
Depois de ler, me senti bem, mas não ótimo.
Talvez eu tenha interpretado mal o livro, mas pensei que significasse "ninguém é
perfeito".
Todos cometem erros.
Então aceite que eles estão bem, está tudo bem, e você está bem.
A Torá e a Cabalá não querem que você pense que "está bem".
Elas querem que você saiba que você é ótimo.
A mensagem é "eu sou ótimo, você é ótimo".
Somos todos manifestações da grandeza de Deus neste mundo.
Somos veículos da expressão de um tipo de perfeição Divina — a perfeição
dinâmica.
Através de você e de mim, Deus realiza Seu desejo de participar no processo de
teshuvá, cometendo erros e crescendo com eles.
Não estamos apenas "bem".
Estamos ótimos.
E parte da nossa grandeza é a possibilidade de cometer erros, tropeçar e cair
algumas vezes. Não que queiramos cair ou tentar cair.
Mas às vezes cometemos erros.
Não importa se chegamos ao fundo do poço — mesmo quando alguém comete
intencionalmente crimes horríveis — sempre podemos reciclar nosso lixo e
transformá-lo no ouro que é o crescimento e a perfeição dinâmica.
Quando percebermos isso, poderemos nos perdoar e reconhecer como Deus nos
perdoa.
Deus sabia, quando criou este mundo de caos, que os riscos eram altos.
Ele criou um mundo que oferece a maior oportunidade de aventura para o
aperfeiçoamento.
Aqui está a maior oportunidade para erros, mas também a maior oportunidade para
mudança e perdão.
A maior oportunidade para o ódio, mas também para o amor.
A maior oportunidade para a crueldade, mas também para a bondade.
Deus sabia que os riscos eram altos.
Por isso, Ele nos perdoa quando cometemos esses erros, se realmente os
reconhecemos e trabalhamos duro para mudar.
O Talmud, compilação da Tradição Oral judaica, sugere que Deus também quer o
nosso perdão.
Como isso é possível?
Eu tenho um dentista adorável, e enquanto fura meu dente com a broca, ele
constantemente me pede que eu o perdoe pela dor que me causa.
E embora tudo o que ele faça seja pelo meu bem, é possível que eu esqueça isso às
vezes e fique irritado.
Assim também, nesta vida por vezes dolorosa de aperfeiçoamento, é importante,
para o nosso próprio bem, perdoarmos Deus — mesmo se no fundo sentimos que
tudo o que acontece é uma expressão de bondade suprema.
A oportunidade de servir a Deus e de ser um veículo para o Seu processo de
aperfeiçoamento é o próprio presente da vida.

Deus é absolutamente bom?


Deus é bom?
Deus pode escolher o bem?
O bem não escolhido não é um bem completo.
Se não escolhêssemos o bem — se fôssemos naturalmente bons, ou se o bem fosse
a única opção — como isso poderia ser a expressão mais elevada de bondade?
Conheço um sujeito que recebe dúzias de convidados em sua casa todo final de
semana.
Quando o cumprimentei por sua hospitalidade, ele disse:
"Do que você está falando? Isso me é natural. Não é difícil. Adoro fazer isso!"
Ele está realmente escolhendo o bem?
Se lhe vem naturalmente, é uma bondade completa?
A bondade não escolhida não é o bem maior.
Você só alcançará a bondade verdadeira e completa depois que lutar contra o mal e
escolher o bem.
Deus luta contra o mal?
Deus pode experimentar a bondade completa ao superar o mal e escolher o bem?
Sim. Através de você e de mim.
Deus participa da bondade completa por meio de nossas escolhas.
Nosso serviço a Deus é escolher o bem.
Por isso estamos em um mundo tão cheio de tentações de fazer o mal — para que
possamos encarar o desafio e escolher o bem.
Esse é o nosso serviço a Deus.
Ele precisa que escolhamos o bem.
Para que haja escolha, o mal tem de ser bastante atrativo.
Não há escolha se não nos interessamos por uma das alternativas.
Ou seja, se alguém coloca na minha frente um prato de comida lindo e delicioso, e,
ao lado deste, um prato de (me perdoe) vômito, seria uma grande escolha se eu
optasse pela comida e não pelo vômito?
Por isso, para que haja a oportunidade ideal de escolher o bem, o mal tem de ser
extremamente atrativo.
As pessoas pensam que o Demônio é um personagem independente, que tem o
rosto vermelho e feio, chifres na cabeça e um forcado na mão.
A Cabalá ensina que as forças do mal foram criadas por Deus, e as mais fortes são
uma simulação do bem.
Elas são bastante parecidas com o bem, por isso apresentam tamanho desafio.
O mal e o bem não são sempre como preto e branco.
O mal de primeira classe e superelegante se parece muito com o bem, mas ainda
assim é uma imitação.
Imitação quer dizer que se parece com o verdadeiro, mas não é.
Eu entro em uma loja.
Entrego uma nota ao caixa e ele diz: "Obrigada. Ah, espere um minuto! Desculpe,
esta nota de cem dólares não vale; é uma imitação."
Então começo a discutir: "Do que você está falando? Esta é uma nota de cem
dólares! Não está vendo o número cem no canto?"
O caixa encolhe os ombros. "Não, desculpe, esta nota é um pedaço de papel sem
valor. O olho direito do presidente Washington está um pouco apagado."
"Não, isto é cem dólares. O que um olho tem a ver com isto?"
"Senhor, só porque isto tem a aparência, o cheiro e a textura de uma nota de cem
dólares, não quer dizer que seja mesmo uma nota de cem dólares. Se não for
impressa em U.S Mint (Casa da Moeda americana), não vale nada."
Também as escolhas de bondade na vida real são muitas vezes bem mais sutis do
que a maioria das pessoas reconhece.
Há uma diferença sutil, mas real, entre "parecer bom" e "ser bom".
A Torá e a Cabalá ensinam que Deus criou o mundo para facilitar a possibilidade do
bem supremo, o que significa o bem que foi escolhido.
Nosso serviço a Deus é escolher o bem.
A vida gira em torno de escolhas.
Sempre há escolhas a serem feitas.
Todos os dias nos são apresentadas escolhas.
Todos os dias encontramos desafios diferentes.
Ninguém pode esperar que a vida seja mamão com açúcar em um mundo de
escolhas.
Mas não se preocupe.
Tente o seu melhor, mas se você cometer um erro, pode fazer teshuvá.
Pode ser perdoado.
Lembre-se, Deus sabia que os riscos eram altos.
Ele está com você em sua dor e em sua luta.
Segundo o Talmud, Deus criou o poder da teshuvá antes de criar o mundo, porque
a probabilidade de nós cometermos erros é tão grande que não duraríamos nem
um minuto se já não existisse a possibilidade de teshuvá.
A Teshuvá é maravilhosa.
O Talmud ensina que se transgredimos, mas depois nos modificamos por medo de
punição, então a ofensa é considerada inválida e nula.
Mas se transgredimos e depois corrigimos o erro por causa de nosso amor a Deus,
a ofensa conta como mérito no campo espiritual.
Imagine uma pessoa que passou toda a vida escolhendo o mal e a escuridão, mas,
momentos antes de morrer, faz teshuvá por amor a Deus.
Essa pessoa consegue transformar todas as faltas em méritos e luz.
Como é possível?
Fazemos teshuvá por temor porque temos medo da dor que é a provável
consequência das nossas escolhas.
Quando o medo motiva a nossa transformação pessoal, é porque queremos nos
proteger.
E isso é um passo nobre.
Porém, quando fazemos teshuvá por amor a Deus, a motivação subjacente é o
reconhecimento da dor e da decepção que causamos a Deus.
Compreendemos que Deus contava conosco para combater o mal e escolher o bem,
e fracassamos.
Lamentamos a oportunidade perdida de revelar essa grande bondade nascida de
uma escolha.
A teshuvá feita por amor vem da compreensão de que estamos aqui na Terra para
fazer um serviço Divino — escolher o bem em nome de Deus.
Deus quer participar da bondade completa através da luta contra o mal e da nossa
escolha de fazer o bem, mas nós fracassamos.
Fazemos teshuvá não porque temos medo de punição, mas porque amamos a Deus
e sabemos que, por assim dizer, O decepcionamos.
Essa percepção por si só nos aproxima de Deus, nos deixa até mais próximos do
que antes de cometer os erros.
Portanto, todas as nossas transgressões se tornam méritos.
A escuridão se transforma em luz.
Se Deus é absolutamente bom, por que criou um mundo com tanta maldade?
O bem supremo, conquistado através da escolha, requer a possibilidade do mal.
Quando você entender isso, vai perceber o quão central é o papel do mal neste
mundo.
Um aspecto que este mundo tem de bom é o mal que ele contém.
Aqui existe a oportunidade de combater o mal e escolher o bem.
Ou seja, segundo a Cabalá, a principal característica e vantagem deste mundo é o
mal que há nele.
O mundo não foi criado para o que ele já tem de bom, mas para ser a reunião de
um tipo novo e mais elevado de bondade — o bem nascido da superação do mal e
da escolha de fazer o bem.
Imagine que você entra em uma fábrica e vê pessoas colocando em um caminhão
pilhas e pilhas de lixo.
Então você descobre que eles na verdade compram esse lixo, a sua matéria-prima
mais preciosa.
Isso tudo parece loucura até que você descobre que aquela é uma fábrica de
reciclagem.
Bem-vindo ao Mundo S.A.!
É, este mundo é mesmo uma fábrica de reciclagem.
Por isso está repleto de lixo.
Todo o lixo à nossa volta e dentro de nós existe para reciclagem e para que ele se
transforme em produtos úteis — lições e realizações, crescimento e conquistas.
Antes de aprender essa lição da Cabalá, eu sempre quis saber por que há tanto mal
neste mundo.
No entanto, depois que este segredo me foi revelado, perguntei: "Por que não há
mais mal neste mundo?"
A resposta, obviamente, é que há menos mal porque nos esforçamos tanto e
estamos cumprindo nossa missão de escolher o bem.

Não estamos sozinhos


Não há uma lágrima derramada na história da humanidade sem a participação
Divina.
Nunca estamos sozinhos, embora possamos escolher esquecer essa verdade,
tirando Deus da nossa consciência, das nossas lutas e desafios.
Quando rezamos a Deus, não estamos dizendo apenas:
"Deus, afaste todos esses problemas e torne tudo mais fácil. Estale Seus dedos
cósmicos e melhore tudo."
Quando rezamos a Deus, conscientemente convidamos Deus a participar da nossa
luta.
Assim, nos capacitamos a cumprir nossa missão neste mundo.
Acredito que esta seja uma das ideias mais importantes da Torá e da Cabala: não
estamos sozinhos na luta, nos desafios, na dor.
Deus está sempre conosco.
Deus está torcendo por nós o tempo todo.
Na Cabala, as forças do mal são chamadas de sitra achra, "o outro lado".
Um dos truques do mal é tentar convencê-lo de que Deus está do outro lado.
Você está de um lado e Deus está do outro.
Ele não está do seu lado; está contra você.
Isso é mentira.
Deus está sempre do seu lado.
Não importa o quão baixo você acha que caiu, Deus está sempre do seu lado.
Para se sentir assim, tudo o que você tem de fazer é convidá-Lo a entrar.
Certa vez uma criança perguntou a seu pai: "Onde está Deus?" E ele respondeu:
"Onde quer que você O deixe entrar."
Os ensinamentos da Torá e da Cabalá reforçam a ideia de que é preciso deixar que
Deus participe do nosso processo, convidar Deus para o nosso desafio e reconhecer
o quanto Deus quer se envolver e já está envolvido em nossa vida, porque o nosso
verdadeiro "eu interior" é a alma, uma centelha de Deus.
Portanto, somos incrivelmente importantes para Deus.
E Deus está sempre conosco.
Se escolhemos não acreditar nisso, então — mesmo que sejamos importantes para
Deus e Ele esteja conosco do mesmo modo — não sentiremos a alegria dessa
verdade.

Em suma
Deus não está aqui para "pegar você".
Deus não está do outro lado.
Deus está sempre do seu lado.
Deus tem interesse em você — porque você é uma alma, uma centelha Dele
mesmo.
Você não é Deus, mas é uma centelha de Deus.
Embora Deus esteja além, um aspecto de Deus se manifesta dentro de você.
Em toda situação, Deus orquestra o cenário para maximizar a sua possibilidade de
escolher bondade, crescimento e conquista.
Deus não é um mágico que acidentalmente estalou os dedos e nos criou, sem
interesse no que aconteceria conosco.
Deus não é uma força distante do nosso percurso, dor e luta, impassivelmente nos
olhando enquanto seguimos a vida neste mundo.
De acordo com a Torá e com a Cabalá, Deus, que é amoroso e caridoso, nos criou
como um veículo para a expressão da possibilidade completa Dele mesmo — a Sua
absoluta perfeição.
A perfeição absoluta de Deus, descrita sob a nossa limitada perspectiva humana,
tem duas facetas: perfeição estática (ser perfeito) e perfeição dinâmica (tornar-se
perfeito).
Através de você e de mim, Deus cumpre o Seu desejo de se manifestar e de
participar de um processo desafiador e aventuroso de aperfeiçoamento.
Quando você percebe que faz parte da vida de Deus e que Deus faz parte da sua
vida, você descobre seu aspecto sagrado, seu significado e sua importância
fundamental.
Quando você compreender que existe dentro da Luz Infinita de Deus, descobrirá
que a Luz Infinita de Deus também está dentro de si.
Entenderá que um aspecto da perfeição absoluta de Deus — a perfeição dinâmica
— se manifesta em você.
O seu privilégio Divino é ser um ser humano que serve de veículo para Deus.
Quando você serve o Supremo, faz parte do Supremo.
Quando compreende que faz parte do Supremo, então vive a perfeição de cada
momento.
Eis o menu colocado de forma simples: Deus vive Sua vida secreta através de você.
Aproveite este momento para contemplar, sentir e degustar essa verdade deliciosa.
Leve a vida toda para vivê-la e celebrá-la.

Continua

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