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A arte sumi (tinta) foi introduzida no Japão no sétimo século chinês, cujas datas

remontam a cerca de 2000 a.C. Ao longo do tempo, essa arte se estabeleceu como
também típica japonesa, com grandes contribuições feitas pelo monge Toba-sojo,
que desenhou “Choju Giga”, no período Heyan (795-1185), e Sesshu, no período
Muramaki (1333-1587), considerado o primeiro estilo puramente japonês de
desenho sumie.

São termos relacionados à arte: sumi (tinta), suzuri (bastão de tinta), bokusho
(arte), kami (papel), e o fude (pincel, escova).

Sumie, também chamado “suiboku-ga”, refere-se à pintura japonesa de tinta


monocromática, uma técnica que começou na China durante a Dinastia Sung (960-
1274) e foi assimilada pelos japoneses no século XIV com a ajuda de monges Zen-
Budistas. O sumie tem suas raízes na caligrafia chinesa; as pinceladas aprendidas
na caligrafia são as mesmas utilizadas na pintura.

O mais importante é que o sumie representa não somente uma bela e singular
forma de arte, mas também uma filosofia. Enquanto a maioria da pintura ocidental
clássica teve como meta a descrição realista do mundo e seus objetos, o sumie
sempre foi expressão de percepção do artista. Pintores tentando capturar a
essência de um objeto, pessoa, ou paisagem: mais importância para a sugestão
que para o realismo. A pintura ocidental usa a cor para criar sombras, tons e um
sentido de espaço. O sumie tradicional, por outro lado, usa unicamente tinta preta.
Na pintura oriental, a tinta preta é a mais alta simplificação de cor.

No início do século X o Japão começou um grande intercâmbio com a China,


enviando estudantes para assimilarem o que de melhor a cultura chinesa possuía,
destacando-se principalmente a caligrafia e a religião. Este intercâmbio continuou
por mais alguns séculos, até que através de mudanças internas os japoneses
adaptaram aquilo que tinham aprendido conforme suas necessidades. Uma
herança deixada por este laço de amizade foi a semente daquilo que se
transformaria no Zen-Budismo, que têm como data de nascimento o século XII.

O Sumie, conforme sua origem, possui como principal característica a rapidez em


que é realizado, a inspiração artística é transmitida no prazo mais curto possível,
onde não existe tempo para reflexão ou pensamento daquilo que está sendo
realizado, o artista deve seguir sua inspiração espontânea. Não existe a
possibilidade de nenhuma correção ou repetição, um traço deve ser encarado
como único, se existir algum erro ele está “morto” e portando toda obra perdida.

Esse foi o espírito que levou muitos Samurais a praticarem o Zen e o Sumie. Um
golpe de espada deve ser realizado espontaneamente sem chance para correções
ou reflexões, caso contrário já se estaria morto devido à velocidade que ocorriam
os confrontos.

No Sumie, utiliza-se uma tinta feita de fuligem e cola (Sumi) e pincéis de pêlo de
ovelha ou texugo de maneira a reter muito líquido. Mas é o papel, na maior parte
das vezes fino e absorvente, que dá a principal característica deste tipo de pintura.

A razão de se escolher um material tão frágil para transmitir a inspiração artística,


é que ela deve vir à tona no prazo mais curto possível. Se o pincel se retardar
muito sobre o papel este é transposto. A cor branca que fica de fundo no papel
(cor original) é relacionada ao Universo. Não se vê um fundo definido e assim a
característica relacionada ao vazio é preservada.

A filosofia da pintura Sumie é passar para o papel o espírito de um objeto, não


existindo pretensão para criar uma obra realista. Cada pincelada deve estar cheia
de energia (Ki - energia vital que existe em todas as coisas). Cada traço tem que
mostrar sua vitalidade e vida. Um ponto não representa uma águia ou um traço o
Monte Fuji. O ponto é um pássaro e o traço é a montanha. O artista Sumie, assim
como um mestre da confecção da espada samurai, coloca seu espírito na obra e
com isso cria vida através de sua expressão artística.

Shin’ichi Hisamatsu, filósofo e profundo conhecedor da arte Zen, ressalta sete


particularidades que devem existir em uma obra Zen, são elas: assimetria
(fukinsei), singeleza (kanso), naturalidade (shizen), profundidade (yugen),
desapego (datsuzoku), quietude e serenidade interior (seijaku). Portanto, não são
todas as obras que podem ser classificadas como Zen-Budistas.

Os principais temas relacionados ao Sumie são: bambus, ameixeiras, orquídeas,


flores, pássaros e paisagens, não esquecendo aqueles ligados a temas religiosos
como pinturas de patriarcas ou parábolas.

Existe uma tendência atual de colocar cores em algumas partes da pintura,


principalmente onde a cor é uma forma de demonstração do espírito do objeto.
Esse fato ocorre em muitos temas, como por exemplo, nas pétalas de flores.

Hoje no Japão, muitos executivos e pessoas de altos cargos praticam o Sumie, não
somente como forma de relaxamento ou busca de paz interior, mas também como
forma de melhorarem a eficiência nos negócios, principalmente no que diz respeito
à tomada de decisões rápidas.

Para se pintar Sumie, o praticante tem que conhecer perfeitamente o objeto que
vai pintar, para que não exista reflexão ou dúvida durante o processo criativo deve
ocorrer uma observação quase que constante das coisas à volta, assim sua prática
também traz uma consciência maior sobre a vida, pois com ela começa-se a existir
uma maior sensibilidade das coisas e pessoas que nos cercam.

A combinação da pintura, da poesia e da caligrafia foi a composição artística


preferida no Japão durante a primeira metade do século XV, principalmente nos
círculos zen. A programação desses “Rolos com Poemas e Pinturas” – Shigajiku – e
o empenho em realizar uma obra de arte interligada em todos os níveis e sentidos
cristalizaram-se aqui num caminho. O mais tardar, a partir da época do mestre
Ch’na Chao-chou Ts’ung-shen (778-897), personalidade original, foi também
considerada nos círculos zen como algo extraordinário.

Eventualmente, comparava-se o desligamento das emoções e dos desejos e o


aprofundamento no decorrer da meditação com a penetração numa abóbora: a
princípio é difícil, a abertura é muito apertada; a seguir, a visão se amplia, porém,
logo chegamos a uma passagem estreita; conseguindo ultrapassá-la, temos a
sensação de estar num lago tranqüilo. Mas, finalmente, se quisermos prosseguir
até a libertação total de todos os estreitamentos e limitações do mundo da
manifestação, é preciso que a abóbora seja destroçada.

Uma pintura de Sengai (1750-1837), muito elogiada pela sua riqueza imaginativa
e humorística, foi a de uma abóbora dançando sobre as ondas. A inscrição que a
acompanha explica sua semelhança à compreensão da verdade última que escapa
sem cessar, apesar dos esforços mais renitentes. Ora a abóbora mergulha, ora
emerge novamente, e flutua diante de nossos olhos. Só não conseguimos agarrá-
la. Só a confiança cega e o ininterrupto aparar-se no apoio da fé e no objetivo da
iluminação levam à outra margem de modo totalmente inesperado, quando já nem
mais se nutria essa esperança. Com freqüência isso ocorre somente numa idade
avançada. É o que Hakuin (1685-1768) deseja transmitir através de seus quadros-
parábolas, repetidos tantas vezes de modo quase idêntico, nos quais dois ou três
cegos, tateando com cuidado, atravessam uma pequena ponte. Seu comentário a
respeito diz o seguinte: “Que o tatear dos cegos ao atravessar uma ponte sirva de
modelo de vida no decorrer da velhice...” (p.104 – o Zen na Arte da Pintura.
Brinker, Helmut. Ed. Pensamento).

Dois temas foram transmitidos à arte zen com uma preferência especial. São eles:
bambus e orquídeas, na maioria das vezes interligados a rochas bizarras. Graças
às suas formas encantadoras, à sua elegância e a seus atributos, na Ásia, como
fonte inesgotável de inspiração, ambas as plantas prestam-se como meio de
expressão ideal e específico às idéias zen-budistas. Além disso, a ligação tão
próxima entre a pintura e a arte caligráfica ofereceu, principalmente aos monges
aficionados, a oportunidade da redação imediata e espontânea de intuições
espirituais ou de sensações pessoais...

No leste asiático, o bambu representa valores éticos fundamentais. Seu


crescimento em linha reta é comparado ao caráter íntegro de um homem
exemplar; seu tronco firme, regular e elástico, à retidão interior que, apesar de
toda a flexibilidade de sua condescendência, denota a constância inabalável e a
firmeza de um nobre. Suas folhas verdes sempre frescas e inalteradas no decorrer
das estações são comparadas à estabilidade, à força de resistência e à fidelidade
inabalável de um caráter válido como modelo de ética.

Na China encontramos passagens que mostram:“A provisão inesgotável dos


Pessegueiros em Flor”, estão cheios de metáforas... A ligação simbólica dessa
planta com a pureza do espírito sonoro e iluminado fez com que o pessegueiro em
flor se tornasse parte firmemente integrante da literatura e da pintura cultivada
pelos monges zen. O pessegueiro em flor, junto com o bambu e o pinheiro, já
eram apreciados, desde as épocas Sung e Yuang, como um dos “Três amigos
invernais”(sui-han san-yu).

Desse modo, a imagem de um mar branco de pessegueiros em flor ligou-se ao


pensamento da pureza intocada da neve no inverno e, num sentido mais amplo, à
ininterrupta sobrevivência durante a estação mais dura.

Shakyamuni se enrijeceu durante os seis anos que passou no gelo e na neve, na


solidão das montanhas, antes de voltar-se novamente para o mundo, a fim de
proclamar o seu ensinamento. Nesse sentido, todas as imagens dos pessegueiros
em flor do Rikkyoku-na como as duas paisagens invernais de Linag K’ai – portanto,
à primeira vista, temas meramente mundanos – são apropriados ao contexto
religioso do Shussan Shaka. Na China, conceitos como “gelo” e “frio” são
metáforas à quietude, hábitos lingüísticos adotados pelos budistas na última etapa
do Taoísmo.

         

As artes visuais chinesas remontam as primeiras tentativas mágicas taoístas de


entender, de controlar e de predizer.

Embora a arte e a poesia chinesa estivessem, em geral, preocupadas com cenas da


natureza, elas jamais se limitaram à simples imitação. Conscientemente ou não,
artistas e poetas procuraram revelar um conteúdo metafísico mais profundo.

Chang Chung-yuan escreve: “Na pintura, o chi revela a realidade objetiva da


forma”.

Em outras palavras, o chi faz a pintura existir por si e movimenta-a além dela própria. É
o que Jacques Maritain chama de ‘ação imanente’ em sua exposição sobre a
intuição criativa. A ação dos artistas nasce da sua concepção do que seja o
universal.
Isto parece bastante profundo e denso. Não se trata de saber se o Taoísmo
representa alguma coisa ou se os artistas são o que sempre foram por toda parte.

Cooper diz o seguinte: “O artista não safa para estudar a natureza, para usá-la
como fuga e voltar à noite para seu estúdio na cidade. Ele vivia com a natureza e
era parte, porção dela. Ela não era exterior a ele de modo algum, algo para
acalmar e se deliciar, mas era o seu próprio ser. Ele estava inteiramente
identificado com a harmonia e com os ritmos cósmicos numa percepção total. A
arte taoísta era inteiramente metafísica, a arte era o espelho da alma”.

Contudo, havia um lado mais claro para a criatividade. É como se os artistas


taoístas e zen fossem e ainda sejam bem mais humanos. Alan Watts, de maneira
nada surpreendente ou inesperada, prefere citar este quadro de um pintor taoísta
no trabalho:

“Chen Jung chamava a atenção pela simplicidade de sua vida e pela competência
com que cumpria seus deveres como magistrado. Enfim, era admirado pelos seus
hábitos de beberrão inveterado. Ele fazia nuvens borrifando tinta em seus quadros.
Para a neblina, borrifava água. Quando excitado pelo vinho, dava um sonoro grito
e, apanhando o chapéu, usava-o como pincel, besuntando rudemente o desenho, e
depois terminava o trabalho com um pincel adequado”.

Como diz Bolen: “Fazer a experiência do Tao eterno exige que nossa consciência
perceba através do funcionamento do hemisfério cerebral direito, desligando o
funcionamento analítico e cético do hemisfério esquerdo”.
Pode-se argumentar que um artista apenas tem a consciência de que determinadas
atividades idiossincráticas precipitam o acesso ao imanente, mas não tem medo de
utilizá-las. A espontaneidade e a ausência de convenções associadas ao Taoísmo
teriam feito com que isso ficasse mais fácil.

Tanto na arte como em todos os outros aspectos da vida taoísta, a meta é atingir a
harmonia, não importa como. A harmonia é a solução dos opostos, e assim,
aproxima-se de uma consideração mais completa do yin e do yang.

A arte taoísta chinesa de todos os tipos está cheia de yin e de yang, um


proporcionando equilíbrio ao outro. O yang, sendo positivo, ativo, masculino,
penetrante, vermelho e celestial, é simbolizado na pintura e na poesia pelo
garanhão, pelo dragão, pelo carneiro, pelo galo, pelos animais com chifres, pelo
jade, pela montanha, pelo verão e pelo sul. O yin, sendo negativo, feminino,
receptivo, passivo, escuro e terrestre, é simbolizado pelo fungo, pelas formas
espiraladas das nuvens e da água, pelos vales, pelo inverno, pelo norte, pelo vaso,
pelo pêssego, pela fêmea do dragão, pela peônia, pelos peixes e pelo crisântemo.
Colocando esses símbolos em justaposição, os taoístas esperavam que um
influenciaria e proporcionaria equilíbrio ao outro. A tensão desse esforço é o que dá
força a esses trabalhos.

Em suma, nos tempos antigos, os trabalhos de arte eram feitos e vistos como
especiais e não exclusivamente como magia prática. Suas representações da
harmonia tinham a intenção de induzir harmonia.

Na arte taoísta, assim como na ioga e na saúde, o objetivo é a harmonia entre o


yin e o yang. Essa harmonia está voltada a proporcionar uma aproximação entre os
seres humanos e seu universo caótico e turbulento, do qual são parte muito mais
integrada do que qualquer aceitação mais branda do Ocidente em relação ao que
essas palavras poderiam deixar implícito.

Chang Chung-yuan cita Hsuing Shih-Li, que explica:

“O que é yin indica forma; o que é yang indica espírito. Dez mil coisas (o mundo
cotidiano), todas com uma forma e escondendo um espírito, estão em movimento
com a multidão. Quando o yin e o yang se harmonizam, as dez mil coisas são
transformadas. Chama-se a isso a união do chi”.

Já que é uma função do chi unificar a aparência (yin) com a realidade (yang) das
dez mil coisas, o artista que tentar fazer o mesmo deverá aliar-se ao Espírito
Universal para conseguir isso.
Na composição de um quadro, como nas provas de habilidade das artes marciais,
este intercâmbio e equilíbrio entre yin e yang serão vistos muito sutilmente no uso
do claro e do escuro, do espaço e do não-espaço.

De maneira geral, quando o lado esquerdo estiver leve, o lado direito deve estar
carregado; quando o lado direito estiver leve, então o esquerdo deve estar
carregado. O vazio branco é yang ou leve; a pincelada leve de tinta é yin ou
escura. Para desenhar árvores ou pedras, usa-se a pincelada contínua; para
desenhar nuvens e neblinas, usa-se a pincelada leve. Através do que é leve
movimenta-se o que é denso, e o que é denso, se torna leve. Assim todo o quadro
estará cheio do ritmo da vida.

No uso de paisagens na pintura, a relação de montanhas e de vales revela essa


harmonia. Ao menos para deixar entrever a unidade da arte chinesa com outros
aspectos da vida cotidiana.

As elevações do solo que indicam a presença do sopro da natureza, com suas duas
correntes de energia masculina e feminina, positiva e negativa, simbolicamente
chamadas dragão e tigre. A posição relativa e a configuração destas são indicadas
por colinas ou por montanhas, são o ponto mais importante no que concerne aos
perfis e às formas da superfície da Terra.

O yin não pode existir sem o yang. Segundo os taoístas, as tragédias humanas
acontecem porque eles muitas vezes estão em desequilíbrio. Fora do reino humano,
toda a teia do Tao é mantida unida pelo seu intercâmbio entre yin e yang. Mas,
como Lao Tzu nos lembra, eles são “harmonizados pelo Sopro imaterial (o chi)”. O
Pao-p’u tzu afirma: “O homem existe no chi e o chi está dentro do próprio homem.
Desde o Céu e a Terra a todas as espécies da criação, não há nada que não precise
do chi para permanecer vivo”.

O chi preenche o mundo interior e exterior do taoísta, vitalizando todas as coisas,


transmitindo uma corrente de energia a todas as coisas animadas e inanimadas. Os
taoístas acreditam que ele é exalado em forma visível nas montanhas, como
nuvens e neblinas. Não é de surpreender, portanto, que as nuvens e as neblinas,
ondulando em turbilhão, figurem tanto em sua arte e poesia e estejam refletidas
em sua caligrafia e dança. Essas representações místicas nos re-asseguram da
infusão do chi em todas as coisas, sustentando e revigorando o universo.
Entretanto, ele tem a consciência de que tudo se encontra num estado de fluxo. O
vento forte pode mudar a forma de uma nuvem; o rio em queda pode modificar a
forma da sua margem e os processos de mudança na crosta da Terra, a forma das
montanhas. Nada é permanente: tudo faz parte da relação entre o yin e o yang,
harmonizado pelo sopro do chi, já destinado a retornar ao Tao primordial.

O mundo das dez mil coisas não permanece estático; ele está em movimento
constante, mudando sempre, fluindo. Diante disso, fixá-lo no papel ou na seda, na
pedra, na argila ou em palavras parece uma contradição.

No entanto, os grandes artistas e poetas chineses inventaram meios de transmitir


esse movimento e de manter essas tensões em suas platéias, para fazer com que
participassem de fato e, assim, produzissem no momento seguinte uma percepção
de movimento.

Usando tinta diluída sobre seda ou papel poroso, o pincel ajuda o pintor ou o
calígrafo (em geral, a mesma pessoa) nisso. Na verdade, o meio utilizado exige do
artista a manutenção da “imediatez” do processo.

Como diz Watts ao analisar a arte da caligrafia: “Se você hesita, segurando o pincel
por tempo demais num lugar, ou se se apressa, ou tenta corrigir o que já escreveu,
os borrões ficam muito evidentes. Mas se você escrever bem, terá ao mesmo
tempo a sensação de que o trabalho está acontecendo por si, que o pincel está
escrevendo sozinho - como um rio que faz curvas elegantes, seguindo a linha de
menor resistência”.

É na arte da caligrafia que a íntima relação do homem com o universo está


especialmente bem ilustrada. O homem não está separado do resto da criação: ele
é parte integrante dela.

O Tao que o Taoísmo conhece e com o qual sua arte está relacionada é uma teia
inconsútil de movimento e de mudança ininterrupta, repleta de ondulações, de
ondas, de padrões de ondulações e de “ondas fixas” temporárias, como um rio.
Cada observador em si é uma função integrante dessa teia.

“...ao mesmo tempo, há a sensação de que o trabalho está acontecendo por si, de
que o pincel está escrevendo sozinho.”

A partir de traços antigos de tinta vermelha e preta (utilizada para pintar caracteres
sobre conchas de tartaruga e ossos de animais, com o propósito de oráculo), pode-
se perceber que a arte do sumi igualmente antecede as várias formas de pintura
atuais. O mais antigo exemplar foi encontrado junto com um carvão em um túmulo
do período da dinastia Qin, o primeiro Imperador da China (221 a 202 a.C.).
Antigas escrituras indicam que o primeiro sumi do Japão foi trazido da China em
610, mas evidências arqueológicas sugerem que já era utilizado anteriormente a
isso. Em 822, houve publicações sobre o uso de sumi, possibilitando sua
propagação por todo o Japão.

Embora o sumi japonês tenha sido baseado no sumi chinês porém modificado de
acordo com o local e clima, o sumi produzido no período Meiji (1868 – 1912) ainda
era inferior se comparado em termos de qualidade. O sumi chinês, além de ter uma
vida útil muito longa, com o tempo uma profundidade especial emerge de sua cor
negra, apurando-a. Por isso, o “kobuko” – sumi de 400 anos atrás – é tão
apreciado e conseqüentemente tão caro. De qualquer forma, o sumi atual japonês é
de boa qualidade e as duas maiores áreas de produção são Nara e Suzuka.
Kumano, por sua vez, é famoso pela qualidade dos seus sumi.

A pintura chinesa tradicional pode ser compreendida em quatro categorias


principais: paisagens, flores, pássaros e pintura de figura humana mais antecipada.
A arte, quando era entusiasticamente apoiada por governantes das dinastias T’ang
e Sung, foi mais política e educacional. As pinturas eram mais sérias e rígidas, e
também mais elaboradas. A arte, em geral, tinha funções social e moral.

Com o tempo, a literatura começou a ter um papel mais importante na pintura. O


estilo de pintura da “corte” diminuiu, e a arte ficou ao domínio dos mais letrados.
Como resultado, pintura ficou mais original e espontânea. Pintores incluíam poemas
junto com suas imagens. Mais tarde, quando a pintura chinesa havia se espalhado
no Japão, o sumie foi era como a poesia em si. Muitas gravuras eram verdadeiros
haiku visuais acompanhados por escrita caligráfica.

Igualmente, pintores chineses e japoneses passaram a assinar e carimbar seus


trabalhos. Os carimbos eram esculpidos à mão em jade (para o imperador e a
nobreza) ou cobre (para a população geral). A gravura do carimbo (hanko) foi feita
para indicar a autenticidade de uma pintura, assim como para somar outra
dimensão para a composição da pintura. O olho é levado da imagem para a escrita,
e daí para a assinatura, em um agradável círculo de conexão.

Antes de serem transmitidas para o Japão, as duas maiores escolas dominantes do


Ch’an, na China, eram: a que traçou sua linhagem a partir do sexto Patriarca até
Lin-chi e a que traçou sua linhagem revendo Ts’ao-shan Pen-chi (em japonês,
Sozan Honjaku, 840-901) e Tung- shan Lian-chieh (em japonês: Tozan Ryokai,
807-869), então conhecida como Escola de Ts’ao-tung, na China. No Japão, essas
duas escolas ficaram conhecidas como Rinzai e Soto, respectivamente. A Rinzai foi
introduzida, primeiramente, no Japão, por Eisai (1141- 1215), e a Soto, por Eihei
Dogen Kigen.

Em 1184, Eisai construiu o primeiro tempo do Zen no Japão. Chama-se Shofuku-ji


e até hoje existe. Mais tarde, mudou-se para a capital Imperial, Kyoto, onde a
Escola Rinzai tornou-se firmemente estabelecida.

Entre os séculos XII e XIV, o Rinzai Zen passou a ser muito popular na classe dos
samurais que dominava o Japão. Os samurais valorizaram a imediata
praticabilidade do treinamento, que era adaptado para satisfazer as necessidades
urgentes daqueles anos de turbulência. A coragem e a determinação dos guerreiros
fizeram deles discípulos particularmente fortes. Abriram-se templos do Rinzai, em
Kamakura, a capital militar, e o sistema nativo do “Guerreiro Zen”, com seu koan
próprio, começou a se expandir. Nesse meio tempo, o Soto Zen desenvolveu-se
independentemente da agitação política da capital.

Dogen nasceu em 1200. Seu pai morreu quando ele tinha dois anos, e sua mãe
faleceu cinco anos depois. Com a idade de treze anos foi viver com um tio, um
devoto do Budismo. A perda de seus pais e o incentivo de seu tio confirmaram a
decisão do Dogen de tornar-se monge. Alguns anos mais tarde, foi para o mosteiro
de Kenninjo, fundado por Eisai, e estudou com o sucessor do Dharma de Eisai,
Myozen. Durante o tempo que ficou em Kenninjo, o Dogen completou seu
treinamento na tradição Rinzai e recebeu o “Inka”, o selo de mestre. Apesar disso,
não tinha resolvido satisfatoriamente seu dilema básico quanto ao significado da
vida. Suas dúvidas levaram-no a empreender uma viagem arriscada, para a China,
em 1223. Uma vez lá, estudou com o Mestre Ju-ching (1163-1228) no mosteiro de
T’ien-T’ung. Tudo leva a crer que o treinamento foi duro e, no início, não teve uma
vida fácil. Seu Daí-Kensho ocorreu da seguinte maneira:

Seguindo o exemplo do seu mestre, o Dogen se dedicou à prática do Zazen noite e


dia. De manhã cedo, enquanto dava seu giro costumeiro para fazer uma inspeção,
no início do período do Zazen formal, Ju- ching encontrou um dos monges
cochilando. Repreendendo o monge, disse: “A prática do Zazen é o deixar cair o
corpo e a mente. O que você espera conseguir cochilando?”

Ao ouvir estas palavras, Dogen compreendeu a Iluminação, o olho de sua mente


abriu-se completamnete. Dirigindo-se para a sala de Ju-ching, a fim de ter sua
iluminação confirmada como genuína, o Dogen queimou um incenso e prostou-se
perante seu mestre.

“O que você quer dizer com isso?” perguntou Ju-ching.

“Eu experimentei o deixar cair o corpo e a mente,” respondeu o Dogen.

Ju-ching vendo que a iluminação do Dogen era genuína disse por fim: “Você
realmente deixou cair o corpo e a mente!”

O Dogen, entretanto, insistiu em dizer: “Eu apenas acabei de compreender a


iluminação, não me aprove com tanta felicidade.”

“Eu não estou aprovando facilmente.”

O Dogen ainda insatisfeito persistiu: “Em que você se baseia para dizer que não me
aprovou facilmente?”

Ju-ching respondeu: “Corpo e mente caíram!”

Ouvindo isso o Dogen prostou-se diante o mestre em profundo respeito e gratidão,


mostrando que realmente havia transcendido sua mente discriminatória.

(tirado de Dogen Zen, por Yuho Yokoi)

Em 1236, Dogen fundou seu próprio templo, e sua fama de mestre começou a se
espalhar. Hoje, ele é reverenciado como um dos maiores gênios religiosos do
Japão. Dogen não tinha nada em comum com as lutas do poder aristocrático e
militar do seu tempo e isto, combinado com sua insistência em afirmar que
mulheres e homens eram igualmente capazes de realizar o Caminho de Buda, fez
do Soto uma tradição realmente sem classes.

Foge ao escopo deste livro fornecer uma pesquisa detalhada dos ensinamentos do
Dogen; todavia, deve-se mencionar que seu impacto sobre o Zen japonês foi
incomensurável e nenhum discípulo bem-intencionado poderá desprezar sua obra.

Não estaremos exagerando se dissermos que, após a introdução do Soto e do


Rinzai no Japão, como escolas separadas, elas se desenvolveram e floresceram
independentes uma da outra por quase 700 anos. Se o vigor dessas escolas foi
firmemente mantido, através dos séculos, é um assunto que envolve certa
controvérsia. O Zenji Hakuin, por exemplo, é considerado por toda a parte, no
Japão, como o reformador do Rinzai Zen, no século XVII, que estava naquela época
se tornando bastante “insípido”. Similarmente, os métodos de ensino de mestre
Bankei separaram os sistemas tradicionais completamente.

Durante todos estes anos, uma escola tem criticado a outra, e cada uma pode estar
certa dentro de sua própria perspectiva. Os praticantes do Rinzai criticam seus
congêneres do Soto por subestimarem a realização do Satori, e os últimos criticam
os primeiros por não considerarem que a prática diária do Caminho não é nada
mais do que realizar a Iluminação.

É preciso que alguém tenha a capacidade do próprio Dogen para obter a aprovação
de mestre em uma tradição, e ainda reconhecer que existe algo a ser aprendido
com a outra. Entretanto, foi precisamente isto que o Roshi Daiun Sogaku Harada
(1872-1963) fez. O Roshi Yasutani, seu sucessor do Dharma, disse a respeito dele:
“Embora ele próprio fosse da seita Soto, não conseguiu encontrar um mestre
verdadeiramente realizado naquele seita e, portanto, submeteu-se ao treinamento
no Shogen-ji e, depois, no Nansen-ji, dois mosteiros Rinzai. Em Nansen-ji,
finalmente, apoderou-se do segredo mais profundo do Zen, sob a orientação do
Roshi Doku-tan, um eminente mestre.” Em conseqüência, os sucessores do Dharma
do Roshi Harada usaram ambos os métodos de ensino, Soto e Rinzai, e
argumentaram que assim procediam de uma maneira inovadora, tradicional e
flexível.

Menciona-se tal fato devido à profunda influência que o Roshi Yasutani e outros
dessa linhagem tiveram sobre o desenvolvimento do Zen no Ocidente.

A pintura à tinta desenvolveu-se da elegante caligrafia chinesa. A pincelada que


forma o caractere para o número um torna-se o tronco e os ramos da árvore do
bambu. Se observarmos bem a palavra cavalo, em chinês, podemos ver as pernas,
o rabo e a crina. Assim, podemos dizer que a própria caligrafia se originou de
desenhos que facilitassem as pessoas identificarem o que aquele caractere queria
expressar.

As pinceladas aprendidas na caligrafia são as mesmas aplicadas na pintura e, por


esse motivo, a caligrafia e a pintura Sumie podem ser consideradas artes gêmeas.
As técnicas fundamentais para uso do pincel são mais bem absorvidas pelos
praticantes de caligrafia do que por outro aluno que não estuda essa arte.
No entanto, é muito comum que os praticantes da pintura Sumie já sejam
praticantes da caligrafia, uma vez que, na maioria das vezes, os pintores
acrescentam em suas obras alguns caracteres poéticos ou descritivos ao
terminarem.

Dentro da pintura zen do Sumie, o artista deve aprender a usar graciosamente a


estocada do pincel no papel, de forma controlada. O excesso e a falta de força
podem distorcer a pintura. No Sumie, a meta é capturar a essência, o ki (energia
vital), o espírito ou a vida do assunto da pintura, evocando a poesia e a natureza.

Na pintura com o pincel, este deverá estar perpendicular ao papel, quase em um


ângulo reto à mão, estando firmemente agarrado a uma distância considerável do
ponto pelo polegar, indicador e dedo médio.

Durante o processo de desenho, os dedos permanecem quase imóveis e o trabalho


é realizado pelo braço, que deve deslizar no ar, ou seja, não deverá estar apoiado.
Embora isso possa soar um tanto incômodo para os praticantes da arte sumie, é a
forma tradicional de ser feita. E como um antigo e sábio mestre diz: “Se segurando
o pincel desta maneira parece incômodo, também a isso acostuma-te”.

Para se pintar o Sumie é necessário um misto de controle e espontaneidade. Deve


haver a harmonia interior que guia a mão, conduzindo o pincel a uma expressão
cheia de sentimentos.

Mais uma vez, Sumie é tradicionalmente um exercício espiritual, assim a meditação


e planejamento são predominantes. Por exemplo, dissolver a tinta na pedra torna-
se um tempo para contemplação. Isso é feito em um movimento na forma de oito,
constantemente levando e trazendo a tinta (oceano) na superfície da pedra (terra).

Aprender o processo real de pintura com um pincel de Sumie é difícil, mas


gratificante no final. O pincel é segurado em 90o em relação ao papel, entre o
polegar, o indicador e dedo médio. Preferencialmente deve ser segurado no centro
do cabo, de modo que o braço fica quase paralelo à superfície da pintura. Quando
se faz pinceladas, a mão e o pulso não se movem, e sim o braço.

Pinceladas e Cores

O artista deve aprender a usar a tinta livremente com uma pincelada controlada.
Eles devem ser capazes de capturar a essência ou espírito do tema em suas
pinturas. Para evocar a poética da natureza, os pintores criam linhas e formas belas
por meios de pinceladas usando muitas técnicas e métodos, trazendo vida ao tema.
O fluxo e o espalhamento de tinta no papel de arroz é a idealização da forma em si.
A essa técnica básica, a cor pode ser adicionada. As fontes dessa cor são variadas,
incluindo jade em pó, pérola branca, malaquita da terra e outros pigmentos
naturais como o rattan amarelo e índigo. Uma parte integral da composição é o
carimbo vermelho (hanko), que expressa o nome do artista. Carimbos adicionais
podem ser somados como indicações da cidade ou filosofia.

 
Primeiros Temas

A pintura trata simplesmente da força de sua inspiração básica. Temas da natureza


são o assunto principal, mas os pintores não tentam imitar, copiar ou dominar a
natureza. Ao invés disso, eles apreciam cada aspecto dela e desfrutam de cada
processo natural. Eles buscam a harmonia com o universo através da comunhão
com todas coisas. A beleza artística freqüentemente reside no que é natural e tem
personalidade. Se observarmos essas pinturas com o pensamento e coração
abertos, seu significado interior lentamente tornar-se-á aparente.

A princípio, o estudante pode permear quatro temas clássicos: bambu (take),


crisântemo (kiku), orquídea (ran) e flor de ameixeira (ume). O aluno de Sumie
deve passar por cada um dos temas acima. Para arriscar as pinceladas
características do crisântemo, por exemplo, ele deve primeiro dominar as nuances
do bambu. Além de abordar diferentes técnicas, o estilo Sumie envolve três
tonalidades, obtidas a partir da mistura do sumi (tinta) e da água. Para se ter o
tom puro, adiciona-se uma colher de água à tinta. O mediano resulta da união do
sumi e um pouco de água numa vasilha. A tonalidade clara surge do aumento da
quantidade de água na mistura.

O Sumie consiste em poucas pinceladas, apenas o suficiente para representar o


tema, conferindo-lhe uma elegância simples. A economia do estilo levou o Sumie a
ser freqüentemente mencionado como o haiku de pintura, pois sua forma abreviada
é similar ao micro-poema. A natureza dos materiais e técnicas de Sumie não
permite re-trabalho ou correção de erros, assim as pinturas imperfeitas são
destruídas. Isso resulta num esforço oculto por atrás da pintura final.

Isso é muito importante, pois é comum verificar que alunos iniciante,


principalmente os ocidentais, possuam um impulso para corrigir traços que não
saiam de acordo com o imaginado em primeira instância. É a influência da pintura a
óleo exercida sobre o inconsciente, mesmo em alunos que não tiveram
anteriormente nenhuma aula de pintura.

O Sumie requer relativamente poucos materiais, e eles podem ser baratos. A


seguir, uma lista breve:

Pincel ou escova;Carvão;

 Bastão de tinta;

 Vasilhas com Água;

 Pano de Algodão;

 Prato e Papel.

 
Os pincéis para o Sumie são feitos de uma variedade de pêlos naturais. Mais
comumente esses incluem pêlo de ovelha, lobo e veado, embora os de texugo e
cavalo sejam também ocasionalmente utilizados. É mais importante que um pincel
seja capaz de fazer linhas com nuances diferentes. Ou seja, a cabeça do pincel
deve produzir manchas leves e pesadas, assim como meios-tons. Um bom pincel de
Sumie permitirá a você criar tons diferentes, além de mudar a forma da linha ao
mesmo tempo. Apesar de alguns bons pincéis de aquarela serem convenientes para
o Sumie, podem ser soltos demais para esse fim. Outro ponto a ser notado em um
pincel é se ele é bem equilibrado quando segurado em ângulo reto em relação ao
papel.

Algumas pedras para tinta são extraídas de pedras de rio – um tipo de ardósia.
Essas são preferíveis às fabricadas. Possuem um pequeno reservatório para água,
em que é raspado o bastão de tinta. O tipo mais famoso é o chinês tankey. A
superfície da pedra é importante, pois se for muito áspera, a tinta não se dissolve
propriamente, e perde seu brilho.

Os bastões de tinta são produzidos pela pressão de vários pigmentos de tinta


juntos. No sumie, existem bastões azuis e marrons. Popular no Japão, a tinta azul é
feita de fuligem de madeira de pinheiro queimado. Às vezes, contêm partículas
duras advindas do processo da queima; entretanto, têm mais nuances em seu
efeito de espalhamento. A marrom é feita de fuligem de óleo de sementes. As
partículas do pigmento de tinta marrom são menores e refletem mais luz. São
muito usadas pelos pintores chineses.

Às vezes os bastões de tinta possuem gordura animal como envoltório. Por isso,
podem se deteriorar ou estragar se não armazenados adequadamente. Deve-se
tomar muito cuidado ao secar o bastão após o uso e embrulhá-lo. Muitos sensíveis,
podem secar e tornar-se quebradiços. A pedra de tinta deve também
constantemente ser limpa, pois sua superfície pode estragar.

Além dos tradicionais bastões de tinta, há também as tintas prontas. As mais


baratas não requerem preparação (embora isso estrague o propósito tradicional do
sumie como meditação, tanto na preparação como na pintura real). Partículas de
pigmento em tintas preparadas são maiores e refletem luz menos. Tintas líquidas
portanto têm muito menos nuances que os bastões de tinta, e eles parecem menos
tridimensionais. Por esta razão, a tinta preta líquida é mais indicada à caligrafia.

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